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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA - FESP
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
KARYNA YASBECK CAMPOS ASFÓRA
A RESPONSABILIDADE CIVIL POR FURTO DE VEÍCULOS EM
ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS NO BRASIL
JOÃO PESSOA
2011
KARYNA YASBECK CAMPOS ASFÓRA
A RESPONSABILIDADE CIVIL POR FURTO DE VEÍCULOS EM
ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS NO BRASIL
Artigo Científico apresentado à Banca
Examinadora de Artigos Científicos da
Faculdade de Ensino Superior da Paraíba –
FESP, como exigência parcial para obtenção
do grau de Bacharel em Direito.
Orientadora: Neusa Lutfi
JOÃO PESSOA
2011
A817a Asfóra, Karyna Yasbeck Campos
A responsabilidade civil por furto de veículos em estabelecimentos
comerciais no Brasil. / Karyna Yasbeck Campos Asfóra. – João Pessoa, 2011.
22f.
Orientadora: Profª. Neusa Lutfi
Monografia (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino Superior da
Paraíba – FESP.
1. Responsabilidade Civil dos estabelecimentos comerciais 2. Contrato de
estacionamento 3. Relação de Consumo 4. Prestação de Serviço I. Título.
BC/FESP CDU: 347.51(043)
KARYNA YASBECK CAMPOS ASFÓRA
A RESPONSABILIDADE CIVIL POR FURTO DE VEÍCULOS EM
ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS NO BRASIL
Artigo Científico apresentado à Banca
Examinadora de Artigos Científicos da
Faculdade de Ensino Superior da Paraíba –
FESP, como exigência parcial para obtenção
do grau de Bacharel em Direito.
Aprovada em: ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
____________________________ Profª. Neusa Lutfi
Orientadora
_________________________________
Membro da Banca Examinadora
_________________________________
Membro da Banca Examinadora
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A RESPONSABILIDADE CIVIL POR FURTO DE VEÍCULOS EM
ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS NO BRASIL
KARYNA YASBECK CAMPOS ASFÓRA*
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso versa sobre a Responsabilidade Civil por furto de veículos em estabelecimentos comerciais. Trata-se de uma pesquisa científica com o fito de buscar soluções a respeito desse tema que é tão corriqueiro atualmente. Analisou-se, através de doutrinas e jurisprudências, a relação jurídica existente entre os estacionamentos e o contrato de depósito, o contrato de garagem, a Súmula 130 do STJ e os contratos de consumo. Da referida relação, destacou-se o modo que o Código de Defesa do consumidor aborda o tema. Tem ele o estacionamento como forma de prestação de serviços, sejam eles gratuitos ou onerosos, fazendo com que os estabelecimentos comerciais venham a indenizar os donos dos veículos por furto ou qualquer dano causado a estes, independente de culpa, ou seja, há responsabilidade objetiva por parte destes estabelecimentos. Para melhor entendimento, foram colocadas algumas situações práticas e, partindo destas, percebeu-se que não há como basear tal espécie de responsabilidade civil em apenas um instituto jurídico. Viram-se também como os princípios da boa-fé objetiva e da aparência, assim como a teoria do risco-proveito podem ser aplicados nesses contratos. Abordou-se também que nessa espécie de contrato são proibidas as cláusulas ostensivas de ausência de responsabilidade, já que se trata de contratos de adesão. Ao final foram expostas algumas excludentes de responsabilidade taxadas de acordo com o CDC assim como o caso fortuito ou força maior, admitidas pela doutrina e pela jurisprudência. Palavras-chave: Responsabilidade Civil dos estabelecimentos comerciais. Contrato de estacionamento. Relação de Consumo. Prestação de Serviço.
1 Introdução
No século XX, o automóvel e os veículos em geral incorporaram-se definitivamente à
vida do homem. Este hoje, não necessita do automóvel apenas para seus afazeres habituais, de
lazer ou de trabalho, pois as economias desenvolvem-se fundamentalmente sobre quatro
rodas. Além disso, o automóvel converteu-se, de forma universal, em símbolo de status
social, de acordo claro com sua marca, seu modelo e seu preço.
* Graduando em Direito pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP.
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De outro norte, temos acompanhado em todos os meios de comunicação, o aumento da
criminalidade em níveis alarmantes que deixam a população de todo o país assustada. As ruas
e os logradouros públicos passaram a ser alvo principal dos bandidos, principalmente em
relação ao furto de pessoas e ao furto de veículos.
A sociedade teve que se adaptar a essa nova realidade social, tendo que fazer de tudo
para se proteger, fazendo de suas casas verdadeiras fortalezas, temendo tanto por sua vida
quanto pela proteção de seus bens.
Com essa realidade e com o capitalismo a todo vapor, tudo que se faz para atrair o
cliente é de bom grado para o empresário. A segurança passou então a ser um dos pontos mais
fundamentais para essa atração, pois as pessoas passaram a não confiar mais em deixar seus
veículos estacionados nas ruas.
Percebendo essa necessidade os estabelecimentos comerciais passaram a construir em
suas dependências, estacionamentos privativos para clientes em atendimento como forma de
oferecer segurança e comodidade para os mesmos e também para atrair novos clientes.
Mesmo com os estacionamentos ofertados pelos próprios estabelecimentos comerciais,
às vezes com um amplo aparato de segurança, os bandidos continuaram a agir, surgindo então
à dúvida se o estabelecimento tem ou não responsabilidade pelos furtos ou qualquer dano
ocorrido aos veículos dentro de suas dependências.
É exatamente nessa situação que se encontra a problemática do presente trabalho
monográfico.
O furto de veículos em estabelecimentos comerciais no Brasil é um tema bastante
atual e, infelizmente, bastante corriqueiro. É uma matéria de bastante relevância, pois
tratamos aqui de interesse de milhares de brasileiros que são possuidores de veículos e que se
utilizam de forma gratuita ou onerosa dos estacionamentos oferecidos por tais
estabelecimentos, se tornando assim vítimas desse evento danoso.
Diante disso, teremos de um lado o empresário que se recusa a indenizar o dono do
veículo furtado no estacionamento por ele ofertado e no outro estão os clientes ou usuários,
que buscam de toda forma o ressarcimento pelo prejuízo sofrido.
Temos como marcos decisivos na responsabilidade civil por furto de veículos em
estabelecimentos comerciais no Brasil as edições do Código de Defesa do Consumidor e a
edição da Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça. Eles se tornaram valiosos instrumentos
na busca por uma reparação ao referido dano sofrido, como será demonstrado.
Serão analisados, ainda, aspectos importantes como a natureza jurídica da
responsabilidade civil por furto de veículos de acordo com as condições fáticas em que cada
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estacionamento é ofertado. Será abordado ainda sobre a utilização dos princípios da boa-fé
objetiva e da aparência e da teoria do risco-proveito nesta referida responsabilidade.
Será abordada, ainda, uma prática bastante comum entre os estacionamentos, na
tentativa de se eximirem da responsabilidade já aludida que é a cláusula de ausência de
responsabilidade considerada pela doutrina como cláusula ostensiva.
Por último, se abordará sobre as excludentes de responsabilidade civil, tanto as
trazidas pelo CDC, como as excludentes admitidas pela doutrina e pela jurisprudência.
2 A Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Contratos de Estacionamentos
O Código de Defesa do Consumidor incide em toda relação de consumo, que se
caracteriza sempre que se puder identificar numa das partes da relação o consumidor e na
outra parte o fornecedor, tendo como objeto o produto ou o serviço.
De acordo com o art. 2º do CDC (VADE MECUM, 2010, p. 807) “consumidor é toda
pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
A outra parte de uma relação de consumo é o fornecedor. Sua definição está prevista
no art. 3º da Lei 8.078/90 (VADE MECUM, 2010, p. 807) que diz:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Têm-se como objetos da relação de consumo o produto ou o serviço. Segundo o art.
3º, parágrafo único do CDC “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou
imaterial”. (VADE MECUM, 2010, p. 807)
Não menos amplo que o conceito de produto, temos o conceito de serviço, também
trazido pela Lei 8.078/90 em seu art. 3º, parágrafo segundo que diz: “Serviço é qualquer
atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive os de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista.” (VADE MECUM, 2010, p. 807).
Aplicando-se os conceitos acima delineados ao tema em comento, podemos denotar
que o consumidor ou destinatário final seria aquela pessoa que estaciona o veículo em
parqueamento reservado para tal finalidade e, em seguida, adentra ao estabelecimento
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comercial para fazer compras, ou até mesmo para comparar preços ou tratar de outros
assuntos de interesse da empresa.
Já o fornecedor seria o prestador de serviços que possui a obrigação de vigiar e
guardar o bem enquanto o mesmo estiver sob sua responsabilidade, pois no momento em que
o fornecedor tem interesse de dar maior comodidade ao consumidor, oferecendo segurança ao
seu veículo através de um parqueamento em suas dependências, sua atividade produtiva tende
a aumenta bastante.
Por fim, elucida-se que o objeto dessa relação consumerista seria o serviço de
estacionamento oferecido pelos estabelecimentos comerciais como forma também de atrair
clientes, dando maior segurança aos seus veículos.
Assim, identificada a relação de consumo, se torna pacífica a aplicação do supracitado
dispositivo legal.
O Código de Defesa do Consumidor abordou a questão dos estacionamentos como
uma forma de prestação de serviços, sejam eles gratuitos ou onerosos, portanto a
responsabilidade pela vigilância e pela guarda do veículo, deixado em parqueamento de
estabelecimento comercial, é deste, independente de culpa.
O oferecimento de estacionamento não se constitui num dever da empresa, trata-se de
mera cortesia e comodidade, porém uma vez posto à disposição do cliente passa a ser serviço
prestado ao consumidor, portanto fica o dono do estabelecimento responsável pela guarda e
custódia do veículo e também pelos objetos que se encontram em seu interior, assim, havendo
roubo, furto ou qualquer dano ao veículo o serviço prestado pelo estabelecimento comercial
será tido como falho ou defeituoso, gerando, desta forma, o dever de indenização por parte
deste.
Neste sentido afirma com sabedoria Venosa (2008, p.274) que “o estacionamento do
veículo faz parte inarredável do negócio do fornecedor e a responsabilidade por danos ou
furtos nos veículos é objetiva, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor”.
Insta frisar, que a responsabilidade objetiva é aquela que ocorre quando a lei impõe a
alguém o dever de reparar um dano, independente se houve ou não culpa deste, levando-se em
consideração apenas o dano e o nexo de causalidade. Tal responsabilidade é a adotada, como
já informado, pelo Código Consumerista.
Diferente de tal teoria, a responsabilidade subjetiva baseia-se na teoria da culpa. De
acordo com tal teoria, inexistindo a culpa não há que se falar em reparação de dano. A
referida teoria não se aplica ao tema em comento.
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Portanto, provada pelo cliente a relação de consumo, o fato de ele ter ido ao
estabelecimento, de ter estacionado seu veículo, provando, assim, a relação de clientela e
voltando ao local encontrou o mesmo com arranhão, subtração de pertences no interior do
veículo, ou mesmo não encontrá-lo lá por motivo de furto, de acordo com o referido
dispositivo legal, forçosa será a reparação pelos danos sofridos independentemente da
apuração de culpa, salvo se a empresa conseguir provar que o fato danoso só ocorreu devido a
uma das causas que excluem a responsabilidade, causas essas que serão abordadas em tópico
específico.
Questão interessante e polêmica se dá quando o estabelecimento comercial oferece
estacionamento de forma gratuita.
Como se sabe, o conceito de serviço trazido pela Lei 8078/90 diz que se trata de uma
atividade fornecida mediante remuneração. É uma forma de contraprestação ao serviço
prestado.
Realmente, quase nada oferecido no mercado de consumo é tido como gratuito, porém
existem atividades, tidas como gratuitas que os seus custos acabam direta ou indiretamente
sendo repassadas ao consumidor.
Então, quando a lei fala em remuneração, não está se referindo necessariamente ao
preço cobrado pelo produto ou serviço, esse valor pode sim estar embutido direta ou
indiretamente em tais atividades sem que o consumidor perceba.
Quanto ao tema em questão, o estacionamento ofertado pelo estabelecimento
comercial de forma gratuita, não isenta o mesmo de responder pelos danos causados ao
veículo, pois o preço do estacionamento pode estar incluído no preço final do produto, já que
estamos falando de estabelecimentos que visam o lucro.
Assim, entende Gonçalves (2002, p. 435) que:
Se esses estacionamentos têm um aparato de segurança com a finalidade de inspirar
confiança a quem vai ter ao supermercado, caracterizados por grades, portões de
entrada e saída para os carros, guarita pra os guardas, não resta duvida d que existe
o dever de vigilância e a consequente responsabilidade em caso de furto, mesmo
que as chaves do veículo permaneçam em poder do proprietário e o estacionamento
seja gratuito.
Desta forma, conclui-se que o oferecimento de estacionamento gratuito representa um
atrativo a mais por parte do estabelecimento comercial, uma comodidade que visa o
diferencial frente às outras empresas para que se gere mais lucro. Então, aquele que utiliza
desse meio para gerar lucro terá que arcar com o dever de indenizar caso seu serviço seja
falho e gere danos ao consumidor.
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3 A Súmula 130 do STJ
Marco histórico da Responsabilidade Civil por furto de veículos em estabelecimentos
comerciais está na edição da Súmula 130 do Superior tribunal de Justiça.
Diz a referida Súmula que “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de
dano ou furto de veículos ocorridos em seu estacionamento”. (VADE MECUM, 2010, 1670)
A aludida Súmula uniformizou a jurisprudência a respeito do assunto que é o da
responsabilidade da empresa perante o cliente em caso de furto ou quaisquer outros danos
ocorridos dentro do seu estacionamento.
Antes da mesma, o Superior Tribunal de Justiça baseava-se basicamente em contratos
de depósitos e em contratos inominados de vigilância para criar acórdãos reconhecendo a
responsabilidade civil das empresas em casos de furto de veículos nas mesmas.
Vale ressaltar que para a situação ser amparada pela referida Súmula deverá haver uma
relação de clientela entre a empresa que oferta o estacionamento e o cliente. Essa relação não
se comprova apenas com aquela compra naquele momento, ela pode ser comprovada também
se o cliente possui uma compra parcelada através de carnê, cheques e até através de cartões de
créditos, dentre outras formas.
Porém, para que haja a responsabilidade da empresa em relação a furto de veículos em
seu estacionamento é necessário que o cliente se faça presente dentro da empresa, na mesma
na hora da ocorrência do ato ilícito, mesmo que não se tenha comprado nada.
Seguindo esse raciocínio, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO EM
ESTACIONAMENTO. SHOPPING CENTER. VEÍCULO PERTENCENTE A
POSSÍVEL LOCADOR DE UNIDADE COMERCIAL. EXISTÊNCIA DE
VIGILÂNCIA NO LOCAL. OBRIGAÇÃO DE GUARDA. INDENIZAÇÃO
DEVIDA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.
I – Nos termos do enunciado n. 130/STJ, “a empresa responde, perante o cliente,
pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.
II – A jurisprudência deste Tribunal não faz distinção entre o consumidor que
efetua compra e aquele que apenas vai ao local sem nada dispender. Em ambos os
casos, entende-se pelo cabimento da indenização em decorrência do furto de
veículo. III – A responsabilidade pela indenização não decorre de contrato de depósito, mas
da obrigação de zelar pela guarda e segurança dos veículos estacionados no local,
presumivelmente seguro. (STJ 2003)
Neste entendimento, afirma Bellei (2008) que:
O estabelecimento comercial responderá objetivamente pelos danos causados, basta
a comprovação do dano ao consumidor nas dependências da empresa, para que responda civilmente pelos prejuízos, independente de culpa ou dolo, mas por força
do risco da atividade empresarial.
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Todavia, se mesmo sendo cliente daquela empresa, o dono do veículo o estaciona com
intenção de guardar o mesmo, se retirando em seguida do local para um local diverso de onde
estacionou o seu veículo, ou seja, para outra empresa ou local, não há que se falar em
responsabilidade da empresa em caso de qualquer dano ocorrido ao veículo.
Seguindo essa linha de raciocínio afirma Silva (2007, p. 78) que “a oferta do
parqueamento, expressão do interesse econômico do estabelecimento, só implicará existência
de uma relação jurídica, se o utente for cliente de fato ou em potencial do referido
estabelecimento”, ou seja, não adianta se utilizar do estacionamento apenas para guarda de
veículos, terá que se estar exercendo uma relação de clientela com a empresa, relação esta que
pode se dar apenas com uma verificação de preço por parte deste.
Analisando-se a supracitada Súmula verifica-se que a mesma não faz referência em
caso de roubo, apenas de furto ou dano a veículos, porém a oferta de parqueamento é um risco
do empreendimento, portanto, por analogia, pode-se amparar também a situação de roubo.
4 O conflito doutrinário a respeito da natureza jurídica da responsabilidade por furto de
veículos no Brasil em face de alguns tipos de estacionamentos
É comum nos grandes centros urbanos brasileiros o furto de veículos. Anual e
corriqueiramente milhares de carros são subtraídos dos estabelecimentos comerciais e são
levados ao desmanche tanto em países vizinhos como dentro do nosso próprio país.
Por existir uma deficiência legal específica, as decisões jurisprudenciais têm sido forte
referência para caracterizar o furto de veículos em parqueamentos. Tal indiferença em relação
ao assunto se torna inexplicável devido à atualidade do tema e de o mesmo ser um problema
de interesse de milhares de pessoas.
Nos últimos anos o número de veículos aumentou de maneira absurda, fazendo com
que o serviço de estacionamento se tornasse muito necessário. Este serviço geralmente é
explorado pela iniciativa privada, mas também poderá ser prestado pelo Estado ou por seus
representantes através de cobrança de tarifa por determinado espaço público.
Surge assim a problemática de saber de quem será a responsabilidade pelo
fornecimento do serviço e qual o fundamento jurídico dessa responsabilidade.
Não há de fato um único fundamento jurídico capaz de abranger todo o rol de
situações fáticas existentes no âmbito da responsabilidade civil por furto de veículos. Tal
fundamentação é bastante diversificada.
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Durante muito tempo essa fundamentação basicamente caia nos contratos de depósito
e nos contratos inominados de guarda. Havia uma enorme tendência à aplicação do contrato
de depósito para todos os casos de furtos ou de qualquer dano aos veículos em
estacionamento, tendo isso como consequência a responsabilidade contratual em praticamente
todos os casos.
Porém, atualmente nem sempre haverá contrato de depósito ou contrato inominado,
aliás, nem sempre haverá contrato. Dependendo da situação fática poderemos, sim, ter uma
fundamentação de forma aquiliana.
O surgimento do Código de Defesa do Consumidor trouxe uma grande revolução
quanto à responsabilidade civil nas relações de consumo, porém ele não veio para restringir
direitos já consagrados, e sim para somar novos direitos aos já existentes.
Portanto, nas situações em que haja relação de consumo na oferta do estacionamento,
deve-se prevalecer a aplicação do referido código, porém nada impede a aplicação de outros
institutos jurídicos se na mesma situação puder se aplicar além do Código de Defesa do
Consumidor outros diplomas legais, ficando o lesado numa situação de escolha em que se
basear para se buscar a reparação do dano.
Diante disso, resta-nos entender qual a natureza jurídica dessa espécie de
responsabilidade. Para isso, serão mostradas algumas situações fáticas ocorridas em
estacionamentos para depois se tratar da referida natureza jurídica.
A primeira situação é aquela em que há entrega das chaves do veículo a preposto da
empresa no momento de ingresso no estabelecimento, em que este geralmente é oneroso,
emite tíquetes; visualiza-se ou não de aparato de segurança, e no momento de sua saída ocorre
a devolução das chaves ao usuário.
Temos claramente aqui um contrato de depósito. A tradição do veículo pela entrega
das chaves é a característica determinante para essa conclusão. Se a entrega das chaves não
fosse feita não teríamos contrato de depósito já que este é um contrato real que só é
consolidado pela entrega da coisa, conforme preceitua o art 627 do Código Civil Brasileiro.
Apesar da situação ora relatada ser muito comum, não há como se ter no contrato de
depósito a única fundamentação jurídica para os casos de responsabilidade civil por furto de
veículos, pois nem todas essas situações possuem elementos que caracterizem apenas essa
modalidade de contrato.
Como bem expressa Silva (2007, p. 67) “a entrega das chaves e a onerosidade do
estacionamento não são imprescindíveis à caracterização da responsabilidade civil por furto
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de veículos”, por isso não se pode unificar tal fundamentação jurídica, que como já foi
expresso pode ser fundamentada legalmente em outros institutos.
Não se caracterizando um contrato de depósito, tal situação poderia ser encarada como
um contrato inominado de guarda, já que este também é um contrato real e abrange a
custódia, a vigilância, o cuidado, o amparo e a proteção.
Porém, vale ressaltar, que esses contratos inominados geralmente devem seguir as
regras de um contrato inominado mais próximo, tendo como requisitos para sua existência o
consentimento das partes e a entrega da coisa.
A segunda situação é aquela em que há emissão de tíquetes, de forma onerosa,
existindo ou não aparato de segurança em que o usuário não entrega as chaves do veículo.
Aqui como não há entrega das chaves não há que se falar em contrato de depósito. O
que se tem de determinante para a caracterização da responsabilidade civil por parte do
estabelecimento é a emissão de tíquetes que gera assim um contrato inominado de vigilância
que vem do dever de vigiar o veículo.
Importante ressaltar, que a gratuidade do estacionamento não exime o responsável do
mesmo de uma reparação, dependendo, claro, de cada situação. No caso de o estacionamento
ser oneroso sempre haverá responsabilidade do estabelecimento, pois houve ali uma
contraprestação por parte do usuário para que seu veículo fosse guardado e vigiado.
Portanto, no caso em questão, temos a formação de um contrato consensual, onde o
usuário anui com as cláusulas ali impostas, através da retirada do tíquete, tendo como objeto
do referido negócio jurídico o dever de vigilância.
A terceira situação fática é aquela em que não há entrega das chaves do veículo; o
parqueamento é aparentemente gratuito, existe ou não prepostos para organizar o
estacionamento, o acesso é aparentemente franqueado ao público em geral, há liberdade para
o usuário movimentar o veículo, podendo a seu critério escolher o melhor local para
estacioná-lo e não há emissão de tíquetes.
Grande parte da polêmica doutrinária e pretoriana reside exatamente nesse tipo de
situação que tem especialíssimos contornos fáticos.
De imediato, pode-se chegar a algumas conclusões da situação ora relatada. Não se
trata aqui de um contrato inominado de guarda, muito menos um contrato de depósito já que
não há a entrega do veículo, ou seja, sua tradição. Não se pode dizer também que há um
contrato inominado de vigilância, pois não há emissão de tíquetes.
Diante desta situação conflituosa, diz Silva (2007, p.69) que “parte da doutrina
entende que diante desta terceira situação fática não se pode imputar qualquer espécie de
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contrato, e sim de mera cortesia da empresa para com o usuário, sem implicar dever de
vigilância em tais casos”.
Porém, por não existir um contrato específico para a situação não significa que não
haverá responsabilidade civil do estabelecimento, pois se pode considerar o estacionamento
como um prolongamento do local.
Assim, para a já citada situação fática, pode a vítima do evento danoso buscar a
reparação do mesmo, alegando que houve uma relação contratual de fato, onde não se faz
necessário o consenso entre as partes, nem que elas sejam juridicamente capazes. Pode buscar
também sua reparação utilizando-se da já citada Sumula 130 do Superior Tribunal de Justiça e
pode também fazê-la buscando amparo no Código de Defesa do Consumidor, que no meu
entendimento, é a melhor opção.
Tal afirmação é justificada pelo fato de que essa situação é tratada pelo aludido
Código como uma prestação de serviços por parte do estabelecimento comercial, fazendo com
que sua responsabilidade seja objetiva, ou seja, sem precisar a comprovação de culpa, como já
explanado anteriormente.
Na visão do Código, ela vai ocorrer independentemente de estar ligada na
responsabilidade contratual, aquiliana ou nas relações contratuais fáticas.
Nesta senda, como já exposto no início do tópico, geralmente haverá mais de um
instituto jurídico para justificar a responsabilidade civil por furto de veículos, cabendo,
portanto, à parte lesada escolher a melhor base jurídica para buscar sua reparação,
dependendo claro de cada situação fática.
5 A Aplicação dos Princípios da Boa-Fé Objetiva e da Aparência e da Teoria do Risco-
Proveito na Responsabilidade Civil por Furto de Veículos
Como já dito em tópico anterior, o Código de Defesa do Consumidor trata a
responsabilidade civil por furto de veículos como uma prestação de serviços por parte do
estabelecimento que fornece o estacionamento como forma de atrair mais clientes, dando uma
espécie de segurança a mais aos mesmos.
Então, caracterizada a relação de consumo nos estacionamentos, será a mesma regida
pelo supracitado diploma legal e sendo assim, será regida pelo princípio da boa-fé objetiva.
Stolze (2008, p. 65) a boa-fé objetiva “consiste em uma verdadeira regra de comportamento,
de fundo ético e exigibilidade jurídica”, ou seja, as partes deverão agir sempre ligadas à
honestidade e a lealdade.
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Através deste princípio se pode ter um equilíbrio nas relações de consumo, pois como
se sabe, o consumidor é a parte mais frágil de tal relação, portanto havendo uma análise geral
das cláusulas de um contrato entre as duas partes será mais fácil de eliminar aquelas tidas
como abusivas para ambos ou só para um pólo.
Assim, sempre que se fala em boa-fé objetiva, vem logo ao pensamento o
comportamento fiel entre as partes, havendo respeito entre ambas. Este princípio visa,
sobretudo, garantir o leal cumprimento do contrato, deixando as partes satisfeitas com o
mesmo, evitando causar-lhes lesões através de abusos, pois uma dessas funções é delimitar o
exercício de direitos subjetivos, ou seja, evita o exercício abusivo de tais direitos, seja em
contratos de consumo ou em contratos cíveis em geral.
Ao caso em questão, aplicando-se o princípio da boa-fé objetiva, os estabelecimentos
comerciais evitariam as cláusulas de ausência de responsabilidades, pois são consideradas
ostensivas como se verá no tópico adiante.
Imaginemos agora a situação onde o dono do veículo estaciona seu veículo no
parqueamento oferecido pelo estabelecimento comercial, entra no mesmo só para olhar preços
ou tratar de assuntos pessoais, sem comprar ou consumir nada dentro dele.
Aqui temos uma situação em que se pode aplicar o princípio da boa-fé objetiva trazido
pelo Código de Defesa do Consumidor, pois o indivíduo não fez uso do estacionamento
apenas para guardar seu veículo, mas sim para de certa forma manter uma relação de clientela
com o estabelecimento, mesmo que não tenha feito qualquer compra.
Ora, como já falado anteriormente, a oferta de parqueamento já faz parte da relação de
consumo, pois o consumidor é atraído por aquela facilidade de guardar o seu veículo, de
deixá-lo em local seguro, portanto aplicando-se o princípio da boa-fé objetiva o fornecedor do
serviço tem que reconhecer que a simples entrada no estabelecimento, seja para conferência
de preços, seja para tratar de outros assuntos referentes à empresa já caracteriza a relação de
consumo.
Pode-se dizer que a oferta de estacionamento se encontra na fase pré-contratual, porém
as questões que dela advierem já são de responsabilidade contratual. Independente de ser em
uma ou em outra fase, o princípio da boa-fé objetiva tutela os interesses do cliente em
potencial.
O princípio da boa-fé objetiva tem sido um grande aliado dos tribunais no
reconhecimento da responsabilidade civil por furto de veículos por parte dos estabelecimentos
comerciais, como veremos nesta decisão do Superior Tribunal de Justiça:
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RESPONSABILIDADE CIVIL – ESTACIONAMENTO – FURTO DE VEÍCULO
– DEPÓSITO INEXISTENTE – DEVER DE PROTEÇÃO – BOA-FÉ. O cliente
do estabelecimento comercial, que estaciona o seu veículo em lugar para isso
destinado pela empresa, não celebra um contrato de depósito, mas a empresa que se
beneficia do estacionamento tem o dever de proteção, derivado do princípio da boa-
fé objetiva, respondendo por eventual dano. Sum. 130. Ação de ressarcimento da
seguradora julgada procedente. Recurso não conhecido. (STJ 1996)
O princípio da aparência, no entendimento de Nunes (2008, p. 129) “se traduz na
obrigação do fornecedor de dar ao consumidor a oportunidade de conhecer os produtos e
serviços que são oferecidos e, também, gerará no contrato a obrigação de propiciar-lhe o
conhecimento prévio do seu conteúdo”.
O consumidor tem que ter essas informações, pois às vezes o mesmo crê que está
estacionando seu veículo em um local seguro, com aparato de segurança, e muitas vezes a
prestação do serviço não é aquilo que aparenta ser, então o consumidor tem que ter
conhecimento daquele serviço que lhe estar sendo oferecido.
Outro aspecto importante trazido pelo Código de Defesa do Consumidor é a aplicação
da teoria do risco-proveito, segundo a qual quem tira proveito de uma atividade deve suportar
os danos por ela causados, o risco criado pela atividade é suficiente para impor ao titular a
responsabilidade pelos danos sofridos por terceiros.
Inteiramente baseado nessa teoria, a responsabilidade do fornecedor, quando o dano
ocorrido ao consumidor advém de um serviço defeituoso, é objetiva, ou seja, independente do
fator subjetivo, quando sua atividade implicar, por sua natureza, grande risco para os direitos
de outrem.
A oferta de estacionamento visa o maior lucro da empresa. O cliente se sente mais
seguro em estacionar seu veículo ali. Em contrapartida, o estabelecimento terá o dever de
guarda-lo e vigiá-lo, enquanto o seu dono estiver dentro do estabelecimento mantendo uma
relação de clientela.
Portanto, seguindo a teoria do risco proveito, a atividade de oferecer parqueamento aos
seus clientes já é uma atividade de risco, fazendo com que o estabelecimento comercial já o
deva suportar, sendo, portanto este responsável, independentemente de culpa, por um furto ou
outro eventual dano causado ao veículo.
Conclui-se, diante do exposto, que os princípios da boa-fé objetiva e da aparência,
assim como a teoria do risco-proveito podem servir como forma de convencimento ao
magistrado para conhecer da responsabilidade por furto de veículos em estabelecimentos
comerciais, pois os mesmos estão inseridos claramente no ordenamento jurídico brasileiro e
principalmente no Código de Defesa do consumidor.
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6 Cláusulas Ostensivas de Ausência de Responsabilidade Impostas pelos
Estabelecimentos Comerciais
Na tentativa dos responsáveis de se eximirem de qualquer responsabilidade pelo furto
de veículos, é comum encontrarmos nos estabelecimentos comerciais placas indicativas de
ausência de responsabilidade dos mesmos.
Estes tipos de cláusulas são bastante abrangentes e podem estar presentes em qualquer
contrato de consumo, sendo eles escritos ou não. No caso em tela, elas geralmente são
encontradas justamente onde estacionamos nossos carros e são expostas de forma bem
visíveis para que todos possam ver.
A validade deste tipo de cláusula é bastante discutida. Segundo Bellei (2001) “antes da
vigência do Código, as placas eram suficientes para evitar indenizações pelo roubo ou dano ao
automóvel, sendo consideradas atualmente como nulas e sem efeito, uma vez que não
emanam da vontade livre dos clientes”.
Nota-se claramente que tais cláusulas transferem para a vítima do evento a
responsabilidade de assumir o risco da atividade.
Elas são tidas como abusivas nas relações de consumo e estão presentes, de forma
ilícita, nos contratos de adesão que são instituídos pelos estabelecimentos comerciais e os
consumidores, pois são feitas de forma unilateral sem que haja um prévio acordo de vontades
entre as partes, tornando então suas cláusulas, nulas de pleno direito.
Para que essas cláusulas ostensivas tenham validade, faz-se necessário o
preenchimento de alguns requisitos: deve haver bilateralidade de consentimento, ou seja,
como já dito as partes têm que acordar previamente, tem que haver um caráter de transação;
não podem elas ir de encontro com os preceitos de ordem pública, mesmo havendo acordo de
vontades; pois tem que haver igualdade de condições entre as partes. Este requisito é de suma
importância principalmente no que tange os contratos de adesão que são impostos pelos
estabelecimentos comerciais face ao consumidor, pois não seria ético admitir que a parte mais
forte da relação de consumo que é o fornecedor pudesse se isentar de uma responsabilidade
impondo cláusulas totalmente abusivas, deve haver inexistência de escopo de eximir o dolo
ou a culpa grave do agente, evitando assim a impunidade em ações danosas de maior
gravidade e por fim deve ter ausência da intenção de afastar obrigação inerente à função, uma
vez que a obrigação do fornecedor de serviço quando oferece estacionamento é guardar e
vigiar o veículo ali deixado, não podendo haver cláusula que transfira sua obrigação.
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A nulidade deste tipo de cláusula que tenta isentar o empresário de qualquer tipo de
responsabilidade decorrente da prestação de serviço do estacionamento é ratificada
claramente pelo Código de Defesa do Consumidor em seus artigos 25 e 51, inciso I.
Diz o art. 25 do supracitado dispositivo legal (VADE MECUM, 2010, p. 809) que “é
vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação
de indenizar prevista nesta e nas Seções anteriores”.
Ora, quando o estabelecimento comercial fixa aviso de limitação de sua
responsabilidade ele está a minorando, está tentando exonerar-se de sua obrigação, indo
justamente de encontro ao artigo mencionado, aproveitando-se aqui da submissão que sofre o
consumidor, por ser a parte mais vulnerável da relação de consumo.
O art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, inciso I (VADE MECUM, 2010,
p.812), diz que:
São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao
fornecimento de produtos e serviços:
I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por
vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou
disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor
pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis.
Assim, quando o estabelecimento comercial estampa que não se responsabiliza pelos
veículos ali guardados, se está ferindo alguns princípios como o da boa-fé objetiva e o da
aparência, descaracterizando então a relação de consumo.
Portanto, se o estabelecimento comercial está descaracterizando a prestação de serviço
através de tais cláusulas, nada mais justo do que considerá-las nulas.
Sendo dessa forma, tais nulidades podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz,
independentemente de requerimento das partes ou de algum interessado, passando as mesmas
a não terem nenhuma eficácia.
Não sendo declarada de ofício, a nulidade pode ser requerida da seguinte maneira, de
acordo o parágrafo 4º do artigo supracitado (VADE MECUM, 2010, p. 812):
É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao
Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de
cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou de qualquer forma não
assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
Em suma, sempre que houver desequilíbrio entre as partes, no caso em tela quando se
verifique a existência de cláusulas abusivas o juiz deverá reconhecer sua nulidade de ofício ou
se faculta ao consumidor, aqui sendo aquele que estaciona seu veículo no estacionamento
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oferecido pelo estabelecimento comercial requeira ao Ministério Público que se ajuíze
competente ação para declarar tal nulidade.
Importante frisar que tais cláusulas não implicam na invalidação do contrato como
bem expressa o parágrafo 2º, ainda do art. 51 do referido Código (VADE MECUM, 2010,
p.812) “A nulidade de uma cláusula contratual abusiva, não invalida o contrato, exceto
quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a
qualquer uma das partes.”
É comum também ao entrarmos no estabelecimento comercial, nos surpreendermos
com avisos de não se responsabilizar por objetos deixados no veículo.
Ora, seguindo os preceitos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor e a súmula
130 do STJ, o usuário além de ser protegido contra furto de seu veículo, também deverá ser
protegido contra furtos de objetos deixados dentro do mesmo, fazendo com que essa cláusula
também seja considerada abusiva, aplicando-se a ela tudo o que já se foi discutido neste
tópico.
Ao fornecedor que insere a cláusula abusiva, lhe é aplicado multa como bem dispõe o
art. 22 do Decreto 2.181/97(2008):
Será aplicada multa ao fornecedor de produtos e serviços que, direta ou
indiretamente, inserir, fizer circular ou utilizar-se de clausula abusiva, qualquer que
seja a modalidade do contrato de consumo, inclusive nas operações securitárias
bancárias de crédito ao consumidor, depósito poupança, mútuo ou financiamento.
Portanto, nota-se claramente que o referido dispositivo legal veio para tentar controlar
esta prática tão comum nos dias de hoje que é a tentativa de isenção por parte dos
fornecedores através da aplicação de cláusulas abusivas.
7 Excludentes de Responsabilidade Civil no Furto de Veículos
Como já abordado, a responsabilidade civil por furto de veículos no Brasil é um tema
bastante atual. A responsabilidade é de natureza objetiva, e o estabelecimento comercial só
poderá isentar-se da mesma se ficar comprovado que houve alguma situação de excludente de
ilicitude prevista na legislação brasileira, o que ultimamente tem sido bastante difícil, pois
com o surgimento da Lei 8078/90 o ônus da prova foi invertido em favor do consumidor,
portanto dificilmente o estabelecimento comercial se livrará de pagar uma indenização em
favor daquele.
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Uma das formas mais utilizadas na tentativa de eximir-se da responsabilidade é a
cláusula de não indenizar, que foi anteriormente abordada no presente trabalho. Vimos que
este tipo de cláusula é tida como abusiva, sendo nula de pleno direito, portanto não tem este a
propriedade de eximir a empresa do seu dever de conservação do veículo.
O caso fortuito e a força maior estão entre as principais excludentes de
responsabilidade civil de uma forma geral.
Determina o Código Civil de 2002, expressamente, que tais excludentes de ilicitude,
quanto a sua caracterização para a ocorrência dos devidos efeitos legais e jurídicos, devem
estar ligadas à ocorrência de fatos impossíveis de se evitar ou de serem impedidos.
Atualmente na realidade vivida principalmente no Brasil, onde a criminalidade cresce
a cada dia, o furto ou o roubo não podem ser alegados como motivo de força maior.
Além do mais, aquele que oferece estacionamento aos seus clientes tem a obrigação de
prestar segurança, pois tal comodidade gera uma expectativa de confiança, de segurança em
relação ao veículo que ficará guardado enquanto vão as compras ou vai simplesmente
verificar os preços das mercadorias.
Com muita sapiência afirma Silva (2007, p. 138) que “deve-se reconhecer a
necessidade de se excluir a responsabilidade quando esta decorre de evento inevitável,
imprevisível ou irresistível”.
Isto posto, como o furto ou o roubo de veículos, nos dias atuais, não constitui mais um
evento imprevisível ou inevitável, estas excludentes de responsabilidade não podem ser
alegadas pelos estabelecimentos comerciais e muito menos reconhecidas pelo magistrado.
Outra forma de o estabelecimento comercial tentar se eximir da responsabilidade por
furto de veículos é afirmar que o estacionamento é terceirizado.
Neste aspecto, o Código de Defesa do consumidor é bem convincente quando afirma
em seu art. 25, parágrafo 1º (VADE MECUM, 2010, p. 809) que “havendo mais de um
responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista
nesta e nas Seções anteriores”.
Assim, se o estacionamento é terceirizado, deverá o mesmo ser tratado numa forma de
solidariedade pura e simples, não comportando também benefício de ordem, ou seja, o
consumidor poderá acionar qualquer um deles para tentar a reparação do seu dano, fazendo
com que essa tentativa de se eximir pela terceirização do estacionamento não seja válida, pois
todos os fornecedores responderão solidariamente.
O supracitado Código é bastante taxativo quando elenca as hipóteses em que o
fornecedor não responderá pelo dano causado. Diz o seu art. 14, parágrafo 3º (VADE
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MECUM, 2010, p. 809) que “o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando
provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do
consumidor ou de terceiro”.
De uma forma geral aquele que é responsável por um dano a outrem tem o dever de
indenizá-lo, salvo se conseguir provar existência de alguma excludente de ilicitude. Na
responsabilidade civil trazida pelo Código de Defesa do Consumidor é necessário que se haja
defeito na prestação de serviços, de tal forma que se o fornecedor não conseguir provar
alguma das excludentes ora citadas, será responsabilizado objetivamente.
A primeira hipótese de excludente fala da inexistência do defeito na prestação de
serviços.
Neste caso, o prestador de serviço terá de alguma forma, provar que não existiu defeito
no serviço. Sendo assim, estaria excluído da responsabilidade de indenizar.
A segunda hipótese fala da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Note-se que
o inciso fala em exclusividade, não abordando a concorrência. Ocorrendo esta, havendo uma
concorrência entre o consumidor e o fornecedor de serviço no defeito do mesmo, entende-se,
que ainda assim o prestador de serviços tem a responsabilidade integral de reparar os danos
causados (NUNES, 2008). Só haverá, portanto exclusão de ilicitude se a culpa for exclusiva
do consumidor.
Importante frisar que o terceiro citado tem que ser uma pessoa realmente estranha a
relação entre o prestador de serviço e o consumidor. Se alguém estacionou o carro em um
supermercado, entregando as chaves a um empregado do mesmo e este, por negligência, deixa
o carro aberto facilitando assim que alguém furte os objetos que estavam ali dentro, não pode
o prestador de serviços alegar que houve culpa exclusiva de terceiro, pois o empregado da
empresa faz parte sim da relação ora citada.
Ao analisarmos o rol taxativo das excludentes de responsabilidade trazido pelo CDC,
observamos que não se incluem dentro deles o caso fortuito e a força maior, ora analisada
neste tópico.
É um ponto bastante divergente tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. Existem
correntes que afirmam que tais institutos, como têm relação com dolo e culpa, ou seja, com a
responsabilidade subjetiva, não podem ser aplicados aos prestadores de serviço, porque a lei
protetiva ao consumidor aborda a estes, a responsabilidade objetiva.
Todavia, existe outra corrente que admite sim a utilização de tais institutos de
excludentes de responsabilidade.
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Ensina-se curso de direito, que quando a lei específica é omissa, prevalece à regra
geral. Assim, nesses casos, o Código Civil deve ser aplicado de forma subsidiária quando o
CDC for omisso, ou seja, o caso fortuito e a força maior devem ser aplicados, quando
ocorridas, analisando-se especificamente cada caso, para se concluir ou não se a situação
ocorrida se encaixa em um desses institutos.
8 Considerações Finais
O problema da responsabilidade civil por furto de veículos no Brasil atinge milhares
de brasileiros que hoje se utilizam dos seus carros praticamente para tudo que fazem e sempre
procuram locais mais seguros para estacionarem os mesmos devido a onda de violência que
atinge a sociedade hodierna.
Apesar da legislação brasileira não dispor de artigos específicos que tipifiquem a
responsabilidade do estabelecimento comercial por furto de veículos em seus
estacionamentos, oferece no seu ordenamento jurídico geral uma série de opções que tentam
caracterizá-la. Vale ressaltar, porém, que devido a cada estacionamento ter sua
particularidade, não há uma fundamentação que abranja todos os casos.
Neste sentido, a Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça é tida como um divisor
de águas no assunto, pois a mesma uniformizou a jurisprudência a respeito dessa
problemática.
Outro aspecto importante foi a edição do Código de Defesa do Consumidor que veio
para equilibrar as relações de consumo e tentar pôr fim às disparidades envolvendo
consumidores e fornecedores de produtos e serviços, amparando, sobretudo àqueles.
No caso em tela, baseado na proteção ao consumidor, o contrato de estacionamento
deverá ser um contrato transparente e baseado no princípio da boa-fé objetiva, pois a oferta de
parqueamento traz uma expectativa de segurança para quem estaciona ali o seu veículo.
Esse dispositivo legal consagrou a responsabilidade objetiva do fornecedor,
fundamentada na teoria do risco. Nela o prestador de serviços ou de produtos responde,
independentemente de culpa, por algum dano causado a vítima proveniente de uma conduta
lesiva própria, salvo se ficar provado que houve alguma excludente de responsabilidade que é
colocado de forma taxativa pelo CDC.
Ora, no referido contrato de estacionamento se configura relação de consumo onde o
estabelecimento comercial é o fornecedor do serviço de estacionamento, sendo ele oneroso ou
não, o consumidor é aquele que se utiliza do mesmo para manter uma relação de clientela com
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a empresa e o objeto da relação é o próprio serviço de estacionamento ofertado pelo
estabelecimento comercial.
A referida relação de clientela realmente tem que existir. Não pode o consumidor
estacionar seu carro sem o fito de manter qualquer vínculo com a empresa, nem que seja
apenas para olhar preços.
Fica evidente que na entrega de veículo para estacionamento há um contrato de
adesão, porque o estabelecimento impõe previamente, sem qualquer negociação, as cláusulas
que irão vigorar naquele contrato e o cliente ao estacionar seu veículo em parqueamento
ofertado por àquele, aceita de forma implícita tais cláusulas.
Porém, quando tenta o estabelecimento comercial isentar-se de sua responsabilidade
através de avisos limitativos da mesma, está impondo ao consumidor uma cláusula
considerada abusiva, por não haver em sua estipulação uma igualdade entre as partes e por
tentar eximir-se de sua responsabilidade de forma unilateral.
Isto posto, fica claro que com o advento do Código de Defesa do Consumidor, os
estabelecimentos comerciais terão que investir mais em segurança, eis que a responsabilidade
pelo furto ou qualquer avaria causada aos veículos estacionados dentro da empresa é objetiva,
tudo baseado na teoria do risco proveito da atividade a qual exercem.
CIVIL LIABILITIES OF VEHICLE THEFT IN COMMERCIAL PREMISES
ABSTRACT
This completion of course work focuses on the Civil Liability of vehicle theft in commercial
premises. It is a scientific research with the aim of finding solutions on this subject that is
so common nowadays.By doctrine and jurisprudence, the legal relationship among the
parking garages and the deposit agreement, the contract for the garages, the 130th docket of
the Supreme Court of Justice, and theconsumer contracts were analyzed. From the referenced
relationship, the way in which the Consumer Protection Code addresses the issue was the
main highlight. The code treats parking lots as a service, free or chargeable, thus making these
commercial establishments reimburse vehicle owners for theft or any damage caused to them,
regardless of fault, i.e., the liability is responsibility of the establishment. For a better
understanding, some practical situations were put to example and, from these it was noticed
that there is no base to this kind of liability in just one legal institution. Also, the principles
of objective good-faith and appearance, as well as the risk-benefit theory were analyzed as to
be applied in such contracts. In addition, the work mentions that ostensible clauses of absence
of responsibility are prohibited, because it refers to standard form contracts. At the end, a few
taxable responsibility exclusions were exposed according to the Consumer Protection Code as
well as the casus fortuitus or force majeure, accepted by the doctrine and jurisprudence.
Keywords: Civil Responsibility of commercial premises. Parking lot contract. Consumer
relationship. Service Providers.
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