karla dias de lima

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTORIA REGIONAL E LOCAL KARLA DIAS DE LIMA A COMUNIDADE QUILOMBOLA DO TUCUM: LIDERANÇA FEMININA E PRÁTICAS COTIDIANAS (TANHAÇU BA) SANTO ANTÔNIO DE JESUS 2015

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTORIA

REGIONAL E LOCAL

KARLA DIAS DE LIMA

A COMUNIDADE QUILOMBOLA DO TUCUM:

LIDERANÇA FEMININA E PRÁTICAS COTIDIANAS

(TANHAÇU – BA)

SANTO ANTÔNIO DE JESUS

2015

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1

KARLA DIAS DE LIMA

A COMUNIDADE QUILOMBOLA DO TUCUM:

LIDERANÇA FEMININA E PRÁTICAS COTIDIANAS

(TANHAÇU – BA)

Dissertação apresentada como requisito para a

obtenção do título de Mestre, pelo Programa de

Pós-Graduação em História Regional e Local da

Universidade do Estado da Bahia – UNEB/

Campus V, sob a orientação da Profa. Dra. Maria

das Graças Andrade Leal.

SANTO ANTÔNIO DE JESUS

2015

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2

FICHA CATALOGRÁFICA

Sistema de Bibliotecas da UNEB

Lima, Karla dias de

A comunidade quilombola do tanhaçu: liderança feminina prática cotidianas (Tanhaçu - BA) / Karla Dias

de Lima . – Santo Antonio de Jesus, 2015.

147f.

Orientador: Profª. Drª. Maria das Graças Andrade Leal.

Dissertação (Mestrado em História Regional e Local) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento

de Ciências Humanas. Campus V. 2015.

Contém referências e anexos.

1. História. 2. Comunidade Quilombola – Tanhaçu. 3. Mulheres Negras. I. Leal, Maria das Graças Andrade.

Page 4: karla dias de lima

3

Dedico este trabalho a duas mulheres grandiosas:

minha avó Maria da Silveira Dias (in memorian)

a quem “revi”, com lágrimas nos olhos, através

das palavras e dos gestos das senhoras do Tucum

e a minha mãe Aldeci Dias de Lima de quem

aprendi as lidas femininas e me reconheço para

além dos traços no espelho.

Page 5: karla dias de lima

4

AGRADECIMENTOS

A vida inteira, em toda minha rebeldia, deparei-me com a imprevisibilidade do

tempo. A vontade absurda de segurar o tempo nas mãos foi desvanecendo à medida que

os anos passaram e a ideia de controle mostrou-se ainda mais distante. Desde o ingresso

no mestrado em 2013, o tempo vem me pregando peças, em horas se arrastou e pareceu

imenso e em outras correu célere a ponto de se esvair. Enfim chegou “o tempo da

travessia”, o tempo de me desprender do texto e passá-lo adiante. Durante esse percurso,

fui carinhosamente levada pelas mãos de muitos. Agradecê-los será, sem dúvida, a parte

mais suave de minha escrita.

Não poderia deixar de iniciar pelos moradores do Tucum, essas pessoas

calorosas e receptivas que me acolheram em suas casas e me cederam o seu tempo e de

suas memórias. A eles só tenho o que agradecer, em especial a Maria do Carmo e seu

esposo Lega, Carlito, Rita, Ricardo, Lindaura, D. Edelvira, D. Anízia (de saudosa

lembrança), Madalena, Eliane, Rosa, D. Euflorzina, D. Mariazinha. Que esse trabalho

consiga minimamente, trazer à luz as suas vivências tão ricas.

Dedico um agradecimento especial a minha orientadora Maria das Graças

Andrade Leal pela confiança, orientação, apoio e principalmente por acreditar e em

muitas ocasiões defender a minha pesquisa. Seus questionamentos incisivos e

pontuações no meu texto foram importantes para o aprimoramento da escrita e o meu

amadurecimento como pesquisadora.

Também trouxe acréscimos importantes ao meu texto o professor Adelmir

Fiabani, a quem já admirava mesmo antes de conhecer pessoalmente, e que mostrou-se

a pessoa mais afável e disponível com quem pude conversar sobre quilombos e

quilombolas. A ele e à professora Carmélia Miranda, agradeço por comporem a minha

banca de qualificação e trazerem importantes indicações de leitura e pontuações à minha

escrita.

Outros professores também me ajudaram neste percurso. Agradeço

calorosamente ao professor Benedito Eugênio, quem primeiro acreditou nesta pesquisa,

mesmo quando era fruto de nossas conversas na orientação da escrita para a Pós-

graduação em Educação e Diversidade Etnicorracial da UESB. À professora Edinelia

Souza pela disponibilidade, incentivo e as indicações de leituras. À Gabriela Amorim

Page 6: karla dias de lima

5

que me cedeu sua sala de aula para o tirocínio na UNEB em Caetité. Foram ajudas

fundamentais para o andamento deste trabalho.

A minha turma do Mestrado, a maior que a UNEB teve até então, mas que de tão

grandiosa não posso e nem devo deixar de citar todos pelos nomes: Cristina, Gabriela

Silva, Paulo Marcos, Marcelo, Edimária, Gabriella Bonomo, Willan, Denize, Alex,

Rosimário, Indira, Joelma, Ana Paula, Letícia, Priscila, Alcides, Cleia e Adriano.

Alguns com quem estabeleci amizade e outros com quem troquei sorrisos, todos

experienciando os mesmos desafios de viajar para estudar. Também desejo agradecer

aos funcionários do Mestrado, em especial a Ane, sempre tão educada e acessível, e às

professoras Nancy e Cristina Luna que em muito contribuíram com suas aulas e

indicações de leitura.

Aos amigos que por diversas ações me ajudaram neste percurso. Dos tempos de

trabalho em Tanhaçu, devo especial gratidão a Douglas e sua mãe Benedita (Ditinha

para os íntimos), ambos me receberam em sua casa, e com Douglas fiz a minha primeira

visita ao Tucum. Deste mesmo período, devo agradecimentos saudosos a Benito Brazil,

Célio Santos, Ana Lúcia Gama e Ana Paula Maciel, companheiros de docência e

vizinhos de estadia em Tanhaçu, foram os que primeiro souberam de minhas intenções

de pesquisa e com quem conversei lautamente sobre a temática. Outras amigas me

levaram pela mão em outros tempos. Agradeço a Denise da Mata pura e simplesmente

pela amizade e apoio nessa e em “outras vidas”. A Carlânia, Lara, Aline, Milena,

Glauco, Marcos Portela, Andreia, Elaine, Kétia, Fabiana, Indiana, Marluze e Soane,

agradeço as demonstrações de amizade e companheirismo que se reverberaram em

momentos bons, cheios de trocas e afetos.

Devo agradecimentos a Robson Dantas, meu caro colega do Pré-vestibular Dom

Climério, que no fechar das cortinas me ajudou a entrar em contato com Elma, que com

muita agilidade fez os últimos ajustes no texto da dissertação. Sou muito grata por seu

cuidado e atenção. Ao amigo e filósofo Manoel Messias agradeço pelo estimulo e

atenção.

Agradeço a minha amiga Leila Prates com quem desde os tempos da graduação

divido a angústias da vida, docência, ideologias políticas, feministas e os estudos sobre

quilombos. Tem sido com ela que venho compartilhando os melhores e piores

momentos, o que só prova que amizades se consolidam com o tempo. Não poderia

especificar a natureza da minha gratidão, justo por isso: Obrigada Lê, por tudo! Estendo

Page 7: karla dias de lima

6

o meu agradecimento ao seu esposo Ricardo Mussi com quem já ri muitas vezes das

agruras da pesquisa e com quem passei a dividir o objeto: agora o Tucum tem mais um

pesquisador.

Agradeço ao meu estimado amigo Emerson Tadeu, que me acompanhou na

última visita ao Tucum e me arrancou sorrisos na hora das transcrições ao ouvi-lo falar,

com sua maneira leve, das histórias de Boa Sentença e outros “causos”, coisas desse

povo apaixonado pelas letras e pelo “sertão longo que não tem portas”.

Pela compreensão das minhas ausências, tenho que agradecer aos meus pais,

Dina e Joaquim, que infelizmente tenho visto muito pouco nestes últimos dois anos. A

eles teria que agradecer por tantas e infinitas coisas que não caberiam em poucas linhas,

é bom saber que estão sempre comigo, me apoiando. Agradeço ao meu irmão, Kaio,

pelo amor e cuidado de sempre. E também às minhas irmãs Verusca, Kézia e Kátia pelo

apoio. Aos meus amores, Alana, Lissandra, Marcos e Caio agradeço pelos momentos de

leveza e a certeza dos sorrisos.

Um agradecimento inusitado faço a Pandora, “minha bolota”, pela presença

cálida e nem sempre silenciosa nas horas da escrita, por demonstrar um imenso carinho

no olhar e a compreensão, “a sua maneira”, quando tive que me ausentar em viagens

para o mestrado e a pesquisa.

Page 8: karla dias de lima

7

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADCT Atos das Disposições Constitucionais Transitórias

ASA Articulação do Semiárido Brasileiro

CNMN Conselho Nacional da Mulher Negra

CPT Comissão Pastoral da Terra

CRQs Comunidades Remanescentes de Quilombos

DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra a Seca

EJA Educação de Jovens e Adultos

FCP Fundação Cultural Palmares

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

FLONA Floresta Nacional

LEMTO Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MNU Movimento Negro Unificado

MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização

PPIGRE Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia

SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

SEPPIR Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial

UFBA Universidade Federal da Bahia

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8

LISTA DE FIGURAS

1- Quadro com a população escrava no Arraial do Brejo Grande em 1870. 31

2- Estação de trem de Tanhaçu. 36

3- Estrada que liga o município de Tanhaçu à comunidade quilombola do Tucum. 37

4- Quadro geral de comunidades remanescentes de Quilombos (CRQs). 47

5- Carlito Augusto Oliveira em sua casa em Tanhaçu. 52

6- Negra tatuada vendendo caju - Debret, 1827. 78

7- Maria do Carmo Oliveira Silva e seu esposo Olegário 93

8- Maria Rita Oliveira Silva com crianças da comunidade no barracão da Igreja

do Tucum de Cima

94

9- Maria Rosa da Silva. 95

10- Lindaura na porta de sua casa na Tapagem 96

11- Edelvira Oliveira Silva. 97

12- Dona Mariazinha. 98

13- Dona Anízia e suas filhas Madalena e Maria. 99

14- Urna funerária Indígena encontrada no Tucum em 2011. 106

15- Moradores entregando documentos para receberem casas populares. 129

16- Cisterna no quintal da casa de Maria do Carmo. 131

17- Mulher do Tucum fazendo cesta da palha do licuri. 136

18- Mulheres do Tucum no I Encontro das Comunidades Quilombolas do

Território de Identidade Sertão Produtivo.

138

19- Igreja católica dedicada a São João Batista no “Tucum de cima”. 141

20- Igreja católica dedicada a Nossa Senhora Aparecida. 142

21- Igreja católica de Nossa Senhora Aparecida após a reforma. 143

22- Os dois tipos de barro utilizados para fazer as panelas. 152

23- Forno da casa de Lindaura. 154

24- A autora com Lindaura e suas companheiras na feira de Tanhaçu. 155

Page 10: karla dias de lima

9

LISTA DE MAPAS

1- Mapa da região de Caetité e Rio de Contas, com destaque para cidade

“Ituassu”.

34

2- Mapa geográfico da Chapada Diamantina. 35

3- Comunidades e territórios quilombolas auto identificados na Bahia. 45

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10

RESUMO

A presente dissertação visa analisar no emaranhado tecido social da comunidade

quilombola do Tucum-Ba, onde aparecem visíveis as heranças de seu passado, os

embates e desafios da vida no meio rural e a força de mulheres que ressignificam suas

práticas cotidianas e políticas. Nesse sentido, ampliamos o olhar de forma significativa

na participação dessas mulheres no processo de reconhecimento como comunidade

quilombola e como esta atuação reverberou nas relações políticas e identitárias e que

acontecimentos favoreceram à constituição de uma liderança feminina negra no Tucum.

As concepções atuais acerca da história das mulheres e da liderança feminina nos

segmentos populares e negros colaboraram para a análise das especificidades das

relações vivenciadas pelas mulheres do Tucum. Através das fontes orais discute-se as

relações de trabalho no Tucum, entremeadas às questões de gênero, observando as

estratégias de sobrevivência, demarcação de espaços e lideranças comunitárias. As

mulheres assumem parte do sustento do lar, fabricam panelas, vassouras, esteiras e

trabalham na colheita do café. Através da memória das principais lideranças femininas,

busca-se a compreensão desses anseios e os modos de sociabilidade que se estabelecem

nas relações de trabalho da comunidade. Com este viés, pretende-se examinar as

estratégias de sobrevivência e as práticas cotidianas dessas mulheres, como uma

possibilidade de reconstruir vivências, afetividades, ancestralidades, memórias e

identidades de gênero.

Palavras-chave: Comunidade Quilombola do Tucum; Mulheres negras; Trajetórias de

vida; identidade quilombola.

Page 12: karla dias de lima

11

ABSTRACT

The present dissertation aims at to analyse in the weaveeed intricacy social of the

Comuninity Quilombola of the Tucum/BA, where the inheritances of its passing appear

visible, you strike them and challenges of the life in the agricultural

way and the force of women who to change its daily practices and politics. In this

direction, we extend the look of significant form in the participation of these women in

the recognition process as community quilombola and as this performance reverberated

in the relations identificatory and politics and that events had

favoured to the constitution of a black feminine leadership in the Tucum. The current

conceptions concerning the history of the women and the feminine leadership in the

popular and black segments had cooperated for the analysis of the epecifities of the

relations lived deeply for the women of the Tucum. Through the verbal sources one

argues the relations of work in the Tucum, mingled to the sort questions,

observing the strategies of survival, community demarcations of spaces and leaderships.

The women assume part of the sustenance of the home, manufacture pans, brooms, mats

and work in the harvest of the coffe. Through the memory of the main feminine

leaderships, she searchs understanding of these yearnings and the ways of

sociability that are established in the relations of work of the community. With this

point of view, it is intended to examine the strategies of survival

and the daily practices of these women, as a possibility to reconstruct experiences,

affectivities, ancestries, memories and identities of sort.

Word-key: Quilombola community of the Tucum; Black women; Trajectories of life;

identity quilombola.

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12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................. 12

1 A COMUNIDADE QUILOMBOLA DO TUCUM: MEMÓRIA

E IDENTIDADE................................................................................

24

1.1 Memórias rebordadas: entrelaçamentos históricos e territoriais na

região do Tucum .................................................................................

25

1.2 O processo de reconhecimento quilombola no Tucum....................... 39

1.3 A formação de uma identidade quilombola no Tucum: desafios e

percepções............................................................................................

62

2 TRAJETÓRIAS FEMININAS NO TUCUM.................................. 71

2.1 Ser mulher negra e quilombola: percepções e discursos..................... 72

2.2 A liderança feminina no contexto quilombola..................................... 79

2.3 As mulheres do Tucum: gênero, corpo e oralidade............................. 84

2.4 As mulheres do Tucum em suas lidas e lutas...................................... 90

2.4.1 Mães, líderes, paneleiras e guardiãs da memória................................ 91

Líderes

Paneleiras

Guardiãs da memória

3 A LIDERANÇA FEMININA NA COMUNIDADE:

TRABALHO E COTIDIANO..........................................................

116

3.1 Os desafios para a atuação política das mulheres no Tucum............... 119

3.2 A participação feminina na Associação da Comunidade Quilombola

do Tucum.............................................................................................

126

3.3 As mulheres e a religiosidade no Tucum............................................. 139

3.4 Do barro a luta: o trabalho e o cotidiano das mulheres no Tucum......

147

CONSIDERAÇÕES FINAIS

FONTES

REFERÊNCIAS

ANEXOS

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13

INTRODUÇÃO

E penso que parte de nosso desafio é o fato de que realmente

encaramos a memória não apenas como preservação da informação,

mas também como sinal de luta e como processo em andamento.

Encaramos a memória como um fato da história; memória não

apenas como um lugar onde você "recorda" a história, mas memória

"como" história. (Alessandro Portelli)1

Alessandro Portelli, na epígrafe acima, exemplificou os melhores caminhos e

reflexões necessárias para que esta pesquisa se desenvolvesse - a oralidade, que foi a

principal fonte utilizada neste estudo. Acredita o autor, ser ela a memória e o melhor

elemento da historicidade dos grupos humanos, e como ferramenta de criação de

significados, opera como um componente em que se constituem as identidades. Neste

aspecto, interessa-nos a trajetória das populações afro-brasileiras, as comunidades

remanescentes de quilombolas ou quilombos contemporâneos, como são conhecidos na

atualidade, e em especial: o Tucum.

A comunidade quilombola do Tucum encontra-se na zona rural do município de

Tanhaçu/BA, a 09 km de distância da sede e a 483 km da capital, Salvador. Localiza-se

na macrorregião Centro-Sul Baiano e na microrregião da Chapada Diamantina

Meridional.2 Em 2005, um grupo de moradoras, por iniciativa própria, começou a

pesquisar a trajetória da localidade através dos relatos dos mais idosos, na intenção de

elaborar uma “Declaração de autorreconhecimento” na qual afirmavam serem

quilombolas. Esta declaração foi enviada à Fundação Cultural Palmares (FCP) em

meados de 2006 e, em 13 de dezembro daquele mesmo ano, o Tucum foi reconhecido

como quilombola pela FCP.

Atualmente, residem no Tucum aproximadamente 300 famílias distribuídas entre

os povoados: Tucum, Tapagem, Lagoa da Pedra, Batateira e Fazenda Velha. No

povoado do Tucum está a principal concentração demográfica, e as lideranças de lá

respondem politicamente pelos outros povoados por meio de uma associação existente 1 PORTELLI, Alessandro. Memória e diálogo: desafios da história oral para a ideologia do século XXI.

In: FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.) História oral: desafios para o século XXI. / Organizado por

Marieta de Moraes Ferreira, Tania Maria Fernandes e Verena Alberti. — Rio de Janeiro: Editora

Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz / CPDOC - Fundação Getúlio Vargas, 2000, p. 69. 2 Nas divisões dos territórios de identidade da SEPLAN, Tanhaçu também se encontra no Sertão

Produtivo que abarca 19 municípios. Conforme o site <http://www.seplan.ba.gov.br/territorios-de-

identidade/mapa> acessado no dia 17/08/2014.

Page 15: karla dias de lima

14

na comunidade. A partir dos relatos de Maria do Carmo Oliveira, 66 anos3, primeira

das moradoras a ser contatada, soubemos das histórias do Tucum, que tem esse nome

devido a uma planta muito encontrada na região, também conhecida como Tucum ou

Iticum.

Os primeiros contatos com os moradores do Tucum ocorreram em 2009, em

decorrência da nossa atuação como professora de História numa escola estadual do

município de Tanhaçu. Nas visitas passamos a conhecer seus moradores, as matriarcas

como D. Anízia, D. Edelvira, D. Mariazinha e D. Euflorzina, senhoras de longa idade,

mãos calejadas e depositárias das memórias de outros tempos. Também conhecemos as

lideranças como Maria do Carmo, Carlito e Maria Rita e, também, as mulheres do barro,

Rosa e Lindaura que, com seus sorrisos cativantes, desfiaram suas experiências e

trabalhos. Outros tantos moradores foram também entrevistados, fazendo com que aos

poucos fossemos conhecendo os modos de vida da comunidade.

Por ser uma região muito pobre, as alternativas de trabalho se restringem ao

serviço nas fazendas vizinhas e, no caso das mulheres, durante muito tempo a maioria

sobreviveu da fabricação de panelas de barro. Porém, atualmente, apenas um grupo

pequeno ainda se mantem com essa atividade. Após o reconhecimento como

quilombolas, o povoado passou a ter acesso a benefícios que trouxe muitas melhoras

para a comunidade, como as casas populares e as cisternas, questões que serão

aprofundadas ao longo do terceiro capítulo.

Em 2012, a comunidade do Tucum materializou-se como objeto de pesquisa

dando base ao trabalho de conclusão de curso intitulado “A construção da identidade na

comunidade quilombola do Tucum-BA”4 escrito a partir dos relatos orais dos moradores

da comunidade, coletados entre 2009 e 2012. O interesse por dar continuidade a essa

pesquisa, ocorreu na constatação de que existiam questões que precisavam ser melhor

exploradas, precisamente relacionadas ao protagonismo feminino que observamos a

partir da atuação das mulheres no processo de reconhecimento da comunidade e nas

ações cotidianas.

As reflexões acerca da liderança feminina e das práticas cotidianas das mulheres

do Tucum estão entremeadas de percepções pessoais adquiridas no contato com as

3 Consideramos a sua idade em 2015, até o desfecho desta escrita. 4 Pesquisa para a elaboração do TCC da Especialização em Educação e Diversidade Etnicorracial da

UESB, sob a orientação do professor Dr. Benedito Gonçalves Eugênio.

Page 16: karla dias de lima

15

moradoras, do anseio por compreender até onde se estendia o protagonismo feminino e

como esse se reverberava nas questões políticas, religiosas e familiares.

Neste estudo, buscou-se mostrar o emaranhado tecido social do Tucum onde

aparecem visíveis as heranças de seu passado, os embates e desafios da vida no meio

rural e a força de mulheres que ressignificam suas práticas cotidianas. Nesse sentido,

ampliamos o olhar de forma significativa na participação dessas mulheres no processo

de reconhecimento e como esta atuação se reverberou na comunidade. Também

buscamos analisar como o processo de autorreconhecimento influenciou as relações

políticas e identitárias dos moradores e que acontecimentos favoreceram à constituição

de uma liderança feminina no Tucum. Objetiva-se perceber os lugares de lideranças

feminina no Tucum e os desafios no fazer político dessas mulheres.

Para isso, compreendemos ser a História Social a corrente historiográfica que

melhor se adequa às dimensões do objeto e aos sujeitos da pesquisa. O século XX

representou uma abertura nos horizontes das pesquisas científicas, permitindo o estudo

de grupos sociais até então marginalizados, a exemplo dos camponeses, operários,

mulheres, trabalhadores urbanos, afro-descentes e indígenas. Isso possibilitou uma

consequente ampliação dos objetos, desenvolvimento de novos campos do

conhecimento e possibilidades de atuação da história. Foram esses interstícios

propiciados pelos historiadores e estudiosos da Escola dos Annales, fundada em 1929,

por Marc Bloch e Lucien Febvre, que significaram o despontar de uma nova

historiografia que se contrapunha à história positivista, buscando atender às

especificidades e a complexidade das sociedades de forma abrangente, entendendo o ser

humano em sua plenitude, como um ser subjetivo, complexo e não apenas uma

marionete dos jogos de poder.5 Apesar de, nas palavras de Hebe Castro, ser um “lugar

comum” ao se falar dos primórdios da História Social abordar os Annales:

A referência ao movimento dos Annales se faz necessária por ter-se

tornado o marco, real ou simbólico, de constituição de uma Nova

História, em oposição as abordagens ditas rankianas, predominantes

entre os historiadores profissionais até a primeira metade do século.

Ainda hoje, a expressão “história social” é frequentemente utilizada

5 Cf. NEVES, Erivaldo Fagundes. História regional e local: fragmentação e recomposição da história na

crise da modernidade. Salvador: Arcádia, 2002, p. 31.

Page 17: karla dias de lima

16

como forma de demarcar o espaço desta outra postura historiográfica

frente a historiografia tradicional.6

O fazer histórico é assim confrontado à medida que novos sujeitos, relações e

espaços se configuram como objetos de interesse. A História Social abriu um leque de

possibilidade para os estudos de trajetórias, no caso específico da História das mulheres

tem-se revelado uma tarefa árdua, visto que mulheres brancas e negras eram tratadas

sempre pela ótica e discursos masculinos. Neste sentido, é possível avaliar que mesmo

em sociedades em que o poder masculino estava firmemente estabelecido, as mulheres

extrapolavam o rígido controle e eram descritas a partir de suas relações sociais e em

suas práticas cotidianas numa “história do implícito resgatada das entrelinhas dos

documentos, beirando o impossível, de uma história sem fontes”. 7 Para compreender as

trajetórias femininas, nos debruçamos sobre a historiografia acerca da mulher,

inicialmente a partir dos escritos de Michelle Perrot (1988 e 1989), precursora dos

estudos sobre a mulher, com o objetivo de refletir sobre a construção dos papéis

femininos ao longo da história.

A leitura sobre gênero, a partir das obras de Joan Scott (1990 e 1992), trouxe à

luz questões importantes sobre a invisibilização das mulheres na História. Mas foram as

obras de Maria Odila Dias (1985) e Cecília Soares (2006) que nos propiciaram novas

percepções sobre as trajetórias das mulheres negras no Brasil. A partir dessas e outras

leituras, percebemos que é por entre as fibras das cortinas, nos afazeres domésticos, no

cuidado com o marido e filhos, nas senzalas e nos enfrentamentos urbanos e rurais que,

paulatinamente, se revelam as mulheres brancas, de elite, mulheres negras, pardas e do

povo que ganham corpo a partir das nuances do cotidiano.

Por saber das dificuldades que se asseveram no estudo do cotidiano e

observando a importância da memória na construção histórica, a fonte oral foi o método

escolhido para pesquisar a comunidade do Tucum. Os conceitos de memória e oralidade

foram de grande importância para observar as relações sociais do Tucum com suas

mulheres, suas festas, sua luta pelo reconhecimento e suas tradições. Para a historiadora

Edinelia Souza, “as memórias que afloram nas narrativas orais são compreendidas aqui

6 CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (Orgs.)

Domínios da História: ensaios de teoria metodologia – Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 76. 7 DIAS, Maria Odila. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. (1ª edição de 1984). São Paulo:

Brasiliense, 1995, p.17.

Page 18: karla dias de lima

17

enquanto redes que expressam vivências, ressignificam trajetórias, evidenciam histórias

anônimas, anunciam experiências compartilhadas”. 8

Sendo assim, as questões a que nos propomos com esta pesquisa figuram na

trama de discussões sobre a mulher negra, a liderança feminina, a identidade

etnicorracial e os quilombos que, devido a fatores políticos e sociais, ganharam destaque

no Brasil nos últimos 20 anos, em especial nas pesquisas de Flávio Gomes (1995),

Eurípedes Funes (2000), Eliane Cantarino O’dwyer (2002), Hebe Mattos (2005),

Adelmir Fiabani (2005 e 2008), Girolamo Treccani (2006), José Maurício Arruti (2008),

Nivaldo Dutra (2007), Carmélia Miranda (2009) entre outros autores que utilizamos

para este estudo. Essas leituras nos motivaram a levantar algumas questões: qual a

relação entre uma liderança feminina e o processo de autorreconhecimento do Tucum

como comunidade quilombola? O processo de reconhecimento influenciou, de alguma

forma, na formação de uma identidade local? Existe uma identidade quilombola

consolidada no Tucum? Qual o lugar das mulheres na comunidade? Seria a liderança

feminina uma característica de todas as mulheres quilombolas? O que teria gerado o

surgimento de uma liderança feminina no Tucum? São estas as questões que norteiam

esse estudo.

Por se tratar de uma comunidade quilombola, entendemos que o Tucum foi

influenciado direta ou indiretamente pelo processo de formação do campesinato negro

no Brasil, no período do pós-abolição em fins do século XIX. A história agrária, por sua

vez, campo recentemente desbravado pela nova historiografia, visa redimensionar as

noções do mundo rural a partir de suas dimensões conflitivas, que envolvem as lutas

pela posse da terra do Brasil colônia até a atualidade. Ao fazer referência ao acesso à

terra por parte de negros e escravos, estudos como o de Yeda Linhares9 foram

importantes para melhor dimensionar uma questão polêmica ainda submersa nas

pesquisas sobre escravidão e sobre a formação de quilombos, em particular.

Sendo a terra uma forma de manutenção do status da elite brasileira, os negros,

em sua maioria, eram impossibilitados financeiramente de possuir terras no Brasil, fato

que não impediu a posse por meio de doações de senhores e invasões, o que configurava

a ilegalidade da obtenção.

8 SOUZA, Edinelia Maria Oliveira. História oral, memórias e campesinato negro/mestiço na Bahia do

pós-abolição. História Oral, v. 16, n. 2, p. 55-71, jul./dez. 2013, p.56. 9 LINHARES, M. Y. & TEIXEIRA da SILVA, F. C. História da Agricultura. Combates &

Controvérsias. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1981.

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18

Essa situação foi agravada com a Lei de Terras de 1850, uma lei disciplinar que

dificultava o acesso à terra por parte da população pobre, ao definir que só poderiam ter

direito à terra os que oficialmente a comprassem. Mesmo depois da abolição, os efeitos

da Lei de Terras de 1850 continuaram a limitar os direitos dos negros, por serem, em

sua maioria, despossuídos de riquezas pecuniárias. Como observa Adelmir Fiabani,

“Não é por nada que a Lei de terras serviu, sobretudo, para aumentar os domínios de

quem já possuía propriedades. A maioria da população rural pobre, ou seja, caboclos,

arrendatários, meeiros, etc. não conseguiu regularizar as terras que ocupavam”.10

Neste aspecto, a posse da terra ou a negação de seu acesso, funcionava como

mecanismo de exclusão social. Portanto, o campo de estudo da história agrária se

ampliou para tratar de questões como reforma agrária e a demarcação de terras

indígenas e quilombolas, discussões que trazem à luz as muitas desigualdades que

fazem parte da história do Brasil em relação ao acesso e à posse da terra. Segundo

Adelmir Fiabani “passamos a ter no Brasil, no mundo rural, comunidades negras, de

diferentes origens, lutando pelo controle da terra e pela venda de sua força de trabalho”.

11

Atualmente, o estudo das comunidades quilombolas cresceu de forma relevante.

Nestes estudos, inegáveis narrativas do tempo presente, as memórias ancestrais destes

agrupamentos dão um suporte para a análise de suas relações cotidianas. Hebe Mattos e

Ana Maria Lugão Rios ao tratarem das memórias dos descendentes de quilombolas em

sua obra Memórias do cativeiro12, observam o quão difícil é para os membros dessas

comunidades afirmarem-se como ancestrais diretos dos quilombos criados a partir das

fugas de escravos e por ancestrais de origem africana.

Carmélia Miranda13 observa que uma das dificuldades em assegurar o direito da

terra aos quilombolas, está no reconhecimento das diferenças étnicas e culturais como

um pressuposto de direito social. Dentro deste processo, a historiografia e a

antropologia contemporâneas passam a considerar os critérios de resistência cultural

10 FIABANI, Adelmir. Os novos quilombos: Luta pela terra e afirmação étnica no Brasil [1988-2008].

Tese de doutorado em História. UNISINOS, São Leopoldo, 2008, p. 56-57. 11 FIABANNI, Adelmir. O quilombo antigo e o quilombo contemporâneo: verdades e construções. In:

Anais da Associação Nacional de História – ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA

– 2007, p. 2. 12 RIOS, Ana Lugão; MATTOS, Hebe Maria. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no

pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. 13 MIRANDA, Carmélia Aparecida Silva. Vestígios recuperados: experiências da comunidade negra

rural de Tijuaçu-BA. São Paulo: Annablume, 2009, p. 65.

Page 20: karla dias de lima

19

desses grupos, e os termos quilombos modernos ou contemporâneos são os mais

utilizados para abarcar esses critérios. O Tucum se enquadra no conceito de

comunidades negras rurais que, segundo Glória Moura,

Podem-se definir quilombos contemporâneos como comunidades

negras rurais habitadas por descendentes de escravos que mantêm

laços de parentesco e vivem, em sua maioria, de culturas de

subsistência, em terra doada, comprada ou ocupada secularmente pelo

grupo. Os negros dessas comunidades valorizam as tradições culturais

dos antepassados, religiosas ou não, recriando-as no presente.

Possuem uma história comum e têm normas de pertencimento

explícitas, com consciência de sua identidade étnica. 14

As comunidades quilombolas, pela natureza de suas fontes, constituem objetos

relevantes para a História do Tempo Presente. O historiador do tempo presente tem à

sua disposição um variado leque de possibilidades para a análise e, entre essas, a

utilização dos relatos orais tem sido relevante para o estudo das memórias do “breve

século XX”, como o chamaria Eric Hobbsbawn e também do século XXI.15 O desafio

de fazer uma pesquisa no tempo presente está na proximidade com as fontes e uma

possível dubiedade em sua análise, pois as rememorações se realizam no presente e, por

isso, são influenciadas por um discurso e uma narração que se realiza e utiliza

instrumentos do período em que são coletados os relatos, como observa Beatriz Sarlo:

O presente da enunciação é o “tempo de base do discurso”, porque é

presente o tempo de se começar a narrar e esse momento fica inscrito

na narração [...] no discurso o presente teria uma hegemonia

reconhecida como inevitável e os tempos verbais do passado não

ficam livres de uma “experiência fenomenológica” do tempo presente

na enunciação.16

A história oral, uma metodologia para as pesquisas historiográficas da atualidade

é “privilégio do historiador do presente17” e há que ser pensada também na perspectiva

de seus usos políticos. O historiador do presente utiliza-se das fontes orais sabendo dos

14 MOURA, Glória. Os quilombos contemporâneos e a Educação. Revista Humanidades, Brasília:

Editora UNB, n. 47, nov. de 1999, p. 100. 15 HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. 1941-1991. São Paulo: Companhia das

Letras, 1995. 16 SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das

Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007, p. 49. 17FRANK, Robert. Questões para as fontes do presente. In: CHAUVEAU, Agnés. Questões para a

História do tempo presente. Bauru/SP: EDUSC, 1999, p. 107.

Page 21: karla dias de lima

20

desafios que se apresentam de forma conceitual e prática na sua pesquisa. As pesquisas

que se utilizam de relatos orais cresceram significativamente a partir da década de 1980,

passando a estabelecer conexões entre as narrativas pessoais, a memória e a identidade.

Observando que é “inevitável à marca do presente no ato de narrar o passado18”,

o historiador do tempo presente defronta-se com o desafio de produzir uma narrativa

que, mesmo dentro dos princípios fundantes de sua formação, possa oferecer uma

reflexão que abarque “as modalidades e os mecanismos de incorporação social pelos

indivíduos que têm uma mesma formação ou configuração social”. 19 Não diferente das

outras modalidades, a História do tempo presente também aspira ter um caráter de

verdade que, como observa Roger Chartier, “é inerente a todo trabalho histórico”.20

Sabendo das especificidades desta pesquisa, nos utilizamos dos relatos orais dos

moradores da comunidade coletados entre os anos de 2012 e 2015. Os nomes originais

dos entrevistados foram mantidos na pesquisa, e na ocasião, os entrevistados assinaram

um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em que permitiram o uso de

sua imagem e depoimento nesta pesquisa (Anexo 1). Foram utilizados questionários

semi-estruturados (Anexo 2) e direcionados as questões da pesquisa: identidade

quilombola, liderança feminina, cultura, trabalho, barro etc. Ao longo das entrevistas

nos permitimos levantar outras questões que por ventura surgissem a partir dos relatos.

As entrevistas constituíram um dos principais suportes desta pesquisa e,

favoreceram a análise das trajetórias individuais e coletivas dos moradores do Tucum,

nos permitindo refletir sobre a construção de uma identidade quilombola e o papel que

as mulheres tiveram neste processo. Compreendemos trajetórias como “um dos

procedimentos metodológicos que integram a História oral, e é considerado um

construto ‘científico’, podendo utilizar dados quantitativamente analisáveis que

possuam relação direta com a sequência cronológica da vida dos indivíduos”.21

Além dos relatos orais, também utilizamos fontes escritas como a “Declaração

de auto-reconhecimento”22, a segunda via da certidão de reconhecimento da

18 SARLO, 2007, p. 49. 19 CHARTIER, Roger. A visão do historiador modernista. In: FERREIRA, Marieta de Moraes;

AMADO, Janaína. Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 217. 20 Ibid., p. 217. 21 LISBOA, Teresa Kleba Lisboa. As trajetórias de vida como construtos histórico-sociais. 2006.

Disponível em: <www.cfh.ufsc.br/abho4sul/pdf/Teresa%20Kleba%20Lisboa.pdf> Acessado em:

26/07/2014. 22 A palavra “auto-reconhecimento” é aqui escrita conforme redação original do documento e todas as

vezes que o citarmos utilizaremos a grafia original entre aspas. No corpo do texto, ao falarmos do

Page 22: karla dias de lima

21

comunidade, leis que tratam das divisões territoriais dos município de Tanhaçu e Ituaçu,

Ata de criação da primeira associação do Tucum, Livro de Atas de reuniões ocorridas

entre 2009 e 2014, documentos diversos referentes aos cursos dos quais a comunidade

participou, fontes virtuais e fotografias.

Por meio dos relatos orais e das fontes escritas, buscamos investigar as

memórias da comunidade para compreender o processo de sua formação até o

reconhecimento. A fotografia foi também utilizada para dar rosto às vozes dessas

mulheres tão singulares. Como artefato para o Historiador do tempo presente, o registro

fotográfico representa um texto e um discurso, nos quais os indivíduos possam se

materializar e extravasar sua própria realidade. Desvelam fragmentos de tempo e

trajetórias e se circunscrevem na história.

A fotografia evoca lembranças, emoções e muitas informações.

Constitui-se registro e memória visual que retém a imagem fugidia de

indivíduos e sociedades. Como registro visual e material a fotografia

apresenta-se como fonte e documento privilegiado para uma

aproximação entre fragmentos do tempo histórico, permitindo a

perpetuação de um momento difícil de ser resgatado com precisão,

mas o historiador deve observar que ela não é apenas um

complemento da informação oral ou escrita. Uma imagem

fotografada possui informação da realidade registrada e, igualmente,

historicidade.23

As observações acerca da memória e das narrativas da comunidade estão

entremeadas de percepções adquiridas no contato com os moradores, em especial as

mulheres. No Tucum, o processo de seu autorreconhecimento como quilombola partiu

do contato com agentes externos e com a própria construção da identidade do grupo,

que precisou ser repensada à luz das tradições que mantinham há muito tempo. Não

perdemos de vista a importância da atuação das mulheres para o desenrolar desse

processo e elas serão figuras recorrentes no transcurso do que foi escrito.

evento, optamos por usar a grafia “autorreconhecimento” como rege a nova ortografia ou mesmo

reconhecimento. 23 OLIVEIRA, Rosângela Silva. BITTENCOURT JUNIOR, Nilton Ferreira. A fotografia como fonte de

pesquisa em história da educação: usos, dimensão visual e material, níveis e técnicas de análise.

Disponível em:<http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe7/pdf/03-

%20FONTES%20E%20METODOS%20EM%20HISTORIA%20DA%20EDUCACAO/A%20FOTOG

RAFIA%20COMO%20FONTE%20DE%20PESQUISA%20EM%20HISTORIA%20DA%20EDUCAC

AO.pdf> acessado em 22/09/2014.

Page 23: karla dias de lima

22

A relevância desta pesquisa dá-se por abordar questões pertinentes às relações

etnicorraciais, gênero e identidade em uma comunidade distante, rural, pouco conhecida

e merecidamente estudada, como o Tucum. A produção historiográfica sobre gênero,

mulher negra, comunidades quilombolas e as trajetórias das populações afro-brasileiras

foi importante para as reflexões teóricas e conceituais que deram suporte a esta

pesquisa. Da mesma maneira, atentamos para a invisibilidade e o silenciamento que até

pouco tempo existiam em torno dessas questões, significando um árduo caminho

trilhado para que estas produções se estabelecessem na historiografia.

Consideramos desafiantes as questões levantadas ao longo da escrita e

abraçamos este desafio de apresentar o cotidiano das mulheres do Tucum. O avanço das

pesquisas sobre a mulher negra e quilombola e a existência de cursos de pós-graduação

voltados para o estudo das populações negras são expressivos nos últimos anos. Tais

fatores, notadamente vêm reforçar a importância acadêmica desse estudo, mesmo

porque ainda são poucos os trabalhos que discutem a escravidão e as comunidades

quilombolas na região da Chapada Diamantina. As obras de Ronaldo Senna (1984),

Albertina Vasconcelos (1998), Cristina Pina (2000) e Maria de Fátima Pires (2002)

constituem um acervo importante sobre a escravidão na Chapada Diamantina e

oferecem possibilidades para se repensar as questões que ainda carecem de pesquisa.

São questões que podem nos fazer refletir sobre as lacunas que a historiografia

baiana ainda apresenta. Albertina Vasconcelos24, ao falar de sua inquietação acerca da

pouca produção historiográfica sobre a escravidão na Bahia25, ressalta que pouco ou

quase nada existia sobre a escravidão nos sertões mineradores. Em consonância com

este posicionamento, também observamos que a escravidão na Chapada Diamantina,

especificamente, na entrada sul que abrange as cidades de Tanhaçu, Ituaçu, Barra da

Estiva, Ibicoara, Mucugê e Andaraí, não por ausência de fontes, carece de mais estudos

que tratem das trajetórias de escravos e libertos entre os séculos XVIII e XIX. Esse

estudo é o primeiro a tratar da comunidade do Tucum e fazemos votos que outros

24 VASCONCELOS, Albertina de Lima. Ouro: conquistas, tensões, poder. Mineração e escravidão -

Bahia do século XVIII.1998. Dissertação (Mestrado em História Social) Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas, Universidade de Campinas, Campinas, 1998, p. 15. 25 Cabe observar que a historiadora discorre sobre esta questão em 1998, contudo, até os dias atuais,

muito já se produziu sobre a escravidão na Bahia, com relevo as obras de João José Reis (1996), Walter

Fraga Filho(2006), Maria de Fátima Novaes Pires (2009) e Isnara Pereira Ivo (2012), entre outros

autores.

Page 24: karla dias de lima

23

pesquisadores das áreas de História e afins sintam-se motivados a preencher as lacunas

que, com certeza, deixamos ao longo da escrita.

Ao longo do texto serão apresentadas as mulheres do Tucum e os lugares que

ocupam junto à comunidade, como Maria do Carmo Oliveira Silva e Maria Rita

Oliveira, mãe e filha, que tiveram uma atuação relevante para o reconhecimento do

Tucum como comunidade quilombola e ainda que em número reduzido, brigam pelas

benfeitorias para o grupo e se angustiam com a omissão de mulheres e homens; D.

Edelvira Oliveira Silva, D. Mariazinha Santana e D. Anízia Novais, que representam a

geração mais antiga das moradoras do Tucum, são as guardiãs da memória local, as que

viveram, viram e ouviram contar fatos remotos da localidade; e temos também as irmãs

Maria Rosa da Silva e Lindaura Rosa Oliveira que trabalham com o barro e enfrentam o

fogo, a espera para que o barro esteja no ponto e os valores baixos que recebem por seu

trabalho. Os ofícios são lugares de angústias, mas também de sorrisos e de

enfrentamentos cotidianos.

No primeiro capítulo intitulado A comunidade quilombola do Tucum:

memória e identidade, apresentamos o histórico do povoamento da região onde está

localizado o Tucum, por meio da produção historiográfica sobre a Chapada Diamantina

e seu entorno. Abordamos como se deu o processo de autorreconhecimento como

quilombolas e as mudanças estruturais sofridas pelos moradores, no tocante à identidade

e à memória local. Neste capítulo utilizamos mapas para localizar espacialmente a

região onde está localizado o Tucum e compreender a distribuição das comunidades

quilombolas na Bahia. A discussão sobre a identidade quilombola é ampliada a partir da

vasta historiografia de quilombo por meio da qual podemos pensar as relações no

Tucum.

No segundo capítulo Trajetórias femininas no Tucum, abordamos os estudos

de gênero focados na mulher negra e o protagonismo nas mulheres em comunidades

quilombolas. Por meio de fotografias e relatos orais, mostramos as mulheres do Tucum

em suas lidas e lutas. Os relatos orais deram corpo ao texto e as falas dizem de tempos

idos, anseios e lutas que continuam no dia a dia dessas mulheres. Buscamos delimitar os

papéis assumidos pelas mulheres entrevistadas, junto à comunidade do Tucum. Por ser

o trabalho um indicador das questões de gênero na comunidade, visamos discutir, a

partir das fontes orais, as relações de trabalho entremeadas às questões de gênero,

observando as estratégias de sobrevivência, demarcação de espaços e lideranças

Page 25: karla dias de lima

24

comunitárias. Por meio da memória das mulheres, buscamos a compreensão dos anseios

cotidianos, as afinidades e os modos de sociabilidade que se estabelecem nas relações

entre os membros da comunidade

No terceiro e último capítulo, ao qual chamamos A liderança feminina na

comunidade do Tucum: trabalho e cotidiano nos propomos a discutir os lugares onde

a liderança feminina se realiza no Tucum. Alguns desses lugares já foram citados nos

capítulos anteriores como a Associação da Comunidade Quilombola do Tucum, a

atuação junto à Igreja Católica, a fabricação de artefatos de barro e o trabalho na

lavoura. Nele, apresentaremos as demandas políticas e sociais que envolvem a atuação

das mulheres. Ao fazer uso da história oral como método, coletamos entrevistas de

homens e mulheres da comunidade entre os anos de 2012 e 2015 que, acrescidos a

outras fontes como as atas de reunião da Associação, documentos das igrejas do Tucum

e fotografias, nos possibilitaram escrever sobre a liderança feminina no Tucum e seus

lugares de atuação. Neste sentido, buscamos trazer os anseios e as resistências

cotidianas dessas mulheres, em sua realização individual e coletiva, enfocando a

importância do trabalho para a compreensão das relações de gênero na comunidade.

Page 26: karla dias de lima

25

1- A COMUNIDADE QUILOMBOLA DO TUCUM: MEMÓRIA E

IDENTIDADE

Considero que a atividade historiadora tem maior proximidade com a

paciente e meticulosa atividade manual exercida por tecelões,

bordadeiras, rendeiras, tricoteiras, chuliadeiras. Atividades que têm

maior proximidade com o universo definido como feminino do que

com as atividades fabris identificadas como pertencentes ao universo

masculino. (Durval Muniz Albuquerque) 26

Ao longo do século XX, as reflexões sobre o ofício do historiador, seguiram o

curso das mudanças nas concepções historiográficas e geraram transformações na forma

de se conceber a história, seus objetos e metodologias. A análise histórica abriu espaço

às trajetórias e práticas cotidianas dos grupos humanos, com atenção ao estudo das

classes sociais, grupos étnicos, organizações políticas, comunidades tradicionais e

personagens excluídos da narrativa histórica, a exemplo das mulheres. Nesta nova

conjuntura, o historiador seria o “tecelão dos tempos”, aquele que articularia as

temporalidades, os acontecimentos e as narrativas, onde “o prosear, o contar, o narrar é

a arte que permite a tecelagem do passado”. 27

Debruçar-se sobre o tecido social e as memórias da comunidade quilombola do

Tucum, se assemelha a uma atividade manual como dito por Durval Muniz

Alburquerque na epigrafe inicial. Rebordar, verbo intransitivo, que segundo o

Dicionário Houaiss significa bordar demoradamente, é a tarefa a que nos propomos

neste primeiro capítulo ao tratar das memórias “rebordadas” de homens e mulheres do

Tucum.

Assim, numa tentativa de contornar as limitações da narrativa tradicional e

abarcar os diferentes pontos de vista, experiências e peculiaridades dos grupos sociais é

que o estudo das trajetórias do Tucum nos permitirá pensar a história em seu caráter

polifônico28, onde as muitas vozes possam deslizar pelo texto e nos apresentar o liame

da realidade social desta comunidade. Com esta intenção vamos refletir sobre o

povoamento da região onde se localiza o Tucum, as mudanças estruturais sofridas pela

26 ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. O Tecelão dos Tempos: o historiador como artesão das

temporalidades. Boletim tempo presente (UFRJ), v. 19, p. 01, 2009, p. 2. 27 ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2009, p. 3. 28 BARROS, José D’Assunção. A expansão da história. Petrópolis/RJ: Vozes, 2013, p. 23.

Page 27: karla dias de lima

26

comunidade no processo de seu reconhecimento como quilombola e o papel assumido

pelas mulheres a partir deste evento.

1.1 Memórias rebordadas: entrelaçamentos históricos e territoriais na região do

Tucum

O sertão está em toda a parte.

(Guimarães Rosa) 29

A comunidade quilombola do Tucum, por sua localização, tem sua trajetória

diretamente relacionada às entradas e trânsitos culturais pelos sertões nos séculos XVII

e XVIII. Neste período, as terras baianas estavam distribuídas em grandes morgados

pertencentes à Casa da Ponte, compostas pelos herdeiros dos sertanistas Guedes de

Brito e da Casa da Torre dos Gárcia D’ Ávila. Estas duas casas dividiam toda a extensão

do território baiano. 30 Neste período, a Bahia era povoada por um numeroso plantel de

escravos que transitavam entre as muitas ocupações, desde o trabalho nas minas,

lavouras e casas senhoriais, o que é visto na documentação da época e nas pesquisas

historiográficas sobre o período. 31

O município de Ituaçu, localizado a 25 km de Tanhaçu, entre os séculos XVIII e

XX era a sede do território do atual município de Tanhaçu. Até meados do século XX,

Tanhaçu era distrito de Ituaçu e sua emancipação política ocorreu em 22 de setembro de

1961. Assim, essa reflexão se dará a partir das fontes que tratam do Arraial do Brejo

Grande (atual Ituaçu), para que possamos compreender as dinâmicas de povoamento da

região. Os municípios de Tanhaçu e Ituaçu, considerando seus entrelaçamentos

territoriais, estiveram no curso dos trânsitos culturais e expedições exploratórias dos

sertões entre os séculos XVII e XVIII.

Interessa-nos saber que tais trânsitos favoreceram o povoamento da região onde

está localizado o Tucum. As entradas pelo sertão nas regiões que se estendiam do rio

São Francisco até a Chapada Diamantina, assim como as relações econômicas e a

escravidão, são lautamente discutidas pela historiografia baiana nas obras de Isnara

29 ROSA, João Guimarães. Grande sertão veredas. São Paulo: Editora Nova Aguilar, 1994, p. 4. 30 PIRES, Maria de Fátima Novaes. Fios da Vida: tráfico internacional e alforrias nos sertoins de Sima –

BA (1860-1920). São Paulo: Annablume, 2009. p. 15. 31 Discussão encontrada nas obras de Kátia Matosso, Bahia: a cidade de Salvador e seu mercado no

século XIX (1978), O crime na cor de Maria de Fátima Novaes Pires (2003) e Ouro. Conquistas,

tensões, poder - Mineração e escravidão - Bahia do século XVIII de Albertina Vasconcelos (1998).

Page 28: karla dias de lima

27

Pereira Ivo, Mª de Fátima Novais Pires, Erivaldo Fagundes Neves, Cristina Dantas Pina

e Albertina Vasconcelos. 32 Tais obras reúnem os fios que ligam as questões econômicas

e sociais da capitania baiana entre os séculos XVIII e XIX, ainda que não tratem

especificamente da região na qual temos interesse. Aos poucos, em suas narrativas

históricas vão revelando os caminhos e as nuances do passado escravo da Chapada

Diamantina, região da qual fala Albertina Vasconcelos:

A região da atual da Chapada Diamantina já era conhecida e

percorrida desde meados do século XVII, com um processo inicial de

ocupação, através da doação de sesmarias e o concurso das investidas

bandeirantes. Via de regra paulistas, as bandeiras atenderam aos

pedidos de socorro de autoridades para exterminar mocambos de

escravos fugidos, submeter índios e rasgar definitivamente o sertão,

abrir caminhos em busca de ouro.33

Naquela ocasião, o sertão das lavras diamantinas era um atrativo não só por suas

riquezas minerais, mas também pelas possibilidades de criar gado e estabelecer

fazendas. Quando a categoria “sertão” surge no século XVIII, buscava-se distinguir das

regiões litorâneas, os lugares distantes e concebidos como incivilizados, pobres e

incultos.34 Cristina Pina observa que, a forma genérica como o sertão era pensado pelos

estudiosos do IHGB em meados do século XIX, influía na concepção de sociedade e no

determinismo que a paisagem geográfica assumia sobre os que ali moravam. A autora

ressalta que “quando se fala em sertanejos é preciso pensar no plural: o sertanejo da

Chapada era muito diferente dos sertanejos do restante da província”.35

Da mesma maneira eram também plurais os caminhos desse ‘sertão longo que

não tem portas’, tanto que em princípios do século XVIII, as viagens de exploração e

32 Respectivamente: IVO, Isnara Pereira. Homens de caminho: trânsitos, comércio e cores nos sertões da

América portuguesa - século XVIII. Vitória da Conquista: Edições Uesb, 2012. PIRES, Maria de Fátima

Novaes. O crime na cor: escravos e forros no Alto Sertão da Bahia (1830-1888). São Paulo:

Annablume/FAPESP, 2003. PIRES, Maria de Fátima Novaes. Fios da Vida: tráfico internacional e

alforrias nos sertoins de Sima – BA (1860-1920). São Paulo: Annablume, 2009. NEVES, Erivaldo

Fagundes. Posseiros, rendeiros e proprietários: estrutura fundiária e dinâmica agro-mercantil no Alto

Sertão da Bahia (1750-1850). 2003. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de

Pernambuco, Recife, 2003. PINA, Maria Cristina Dantas. Santa Isabel do Paraguassu: cidade,

garimpo e escravidão nas Lavras Diamantinas, século XIX. 2000. Dissertação (Mestrado em História) –

Universidade Estadual de Feira de Santana, 2000. VASCONCELOS, Albertina de Lima. Ouro:

conquistas, tensões, poder. Mineração e escravidão - Bahia do século XVIII.1998. Dissertação

(Mestrado em História Social) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Campinas,

Campinas, 1998. 33 VASCONCELOS, 1998, p. 16. 34 IVO, 2012, p. 32. 35 PINA, 2000, p.21.

Page 29: karla dias de lima

28

reconhecimento dos sertões eram incentivadas pelas forças administrativas regionais: as

de reconhecimento tinham por finalidade localizar as rotas e picadas utilizadas para o

contrabando de ouro, assim como as condições de viagem e o trajeto; já as viagens de

exploração utilizavam-se de roteiros e mapas, sendo as favoritas de exploradores

oficiais e aventureiros. Isnara Pereira Ivo36 ao tratar dos “homens de caminho”, Pedro

Leolino Mariz, João Gonçalves da Costa e João da Silva Guimarães, constata que estes

foram os grandes desbravadores e financiadores nestas expedições exploratórias.

Pedro Leolino Mariz foi um notável sertanista da Bahia e Superintendente das

Minas Novas do Fanado do Araçuaí. Desbravador dos sertões, aos quais chamava de

“Babilônia confusa” devido às imprecisões de suas fronteiras, foi também foreiro dos

Guedes de Brito, pertencente a sua rede clientelar que se estendia do norte de Minas ao

Piauí, como descrito por István Jancsó.37 Foi sob a recomendação de Pedro Leolino

Mariz que, em fins de 1725, o coronel André da Rocha Pinto, a mando do Vice-rei

chefiou uma expedição de “entrada por todo sertão de Rio de Contas contra o gentio

Tupinambá”. 38 Nos relatos da trajetória da região consta que, em meados de 1720,

André da Rocha Pinto chegava ao território do atual município de Tanhaçu. Naquele

período essas bandeiras tinham um papel militar, exploratório e objetivos bem

definidos:

Pedro Leolino Mariz, Superintendente das Minas, formou uma

bandeira, entregando a direção a André da Rocha Pinto, em 25 de

junho de 1727, ao qual conferiu um ‘Regimento’ de caráter

extremamente militar. O objetivo da bandeira era explícito naquele

regimento: conquistar o sertão entre os rios de Contas, Pardo e São

Mateus, encontrar metais preciosos, estabelecer fazendas de gado,

matar índios que se opusessem à conquista, estabelecer aldeias e

destruir quilombos que fossem encontrados. 39

Seu feito é descrito por João da Silva Campos com

‘lances invulgares de audácia e culminou numa grande vitória; pois a

essa Bandeira deveu o Brasil a descoberta de minas impor’ tantas que

custaram a tão 'Ousado sertanista provas heroicas de lutador.’

36 IVO. 2012. 37 JANCSÓ, István. Brasil: formação do estado e da nação. São Paulo: Editora Hucitec, 2003, p. 331. 38 CAMPOS, João Silva. Crônica da capitania de São Jorge dos Ilhéus. Rio de Janeiro: Conselho

Federal de Cultura do Ministério da Cultura, 1981, p. 135. 39 MEDEIROS, R. H. de A. Notas críticas a obras de Tranquilino Torres. In: TORRES, Tranquilino. O

Município da Vitória. Vitória da Conquista: Museu Regional de Vitória da Conquista/UESB, 1996, p.

5.

Page 30: karla dias de lima

29

Consegue ele, depois de uma marcha dificultosa pelas matas onde o

gentio selvagem mantinha domínio, descobria as minas do Rio Pardo,

em seguida ‘prossegue em direção ao Rio das Contas onde novos

tesouros auríferos’ lhe sorriem á audácia".40

O coronel André da Rocha Pinto nos interessa por seu papel nas entradas do

sertão e sua importância para o surgimento do Arraial do Brejo Grande, atual Ituaçu.

Fontes apontam que ele foi capitão-mor da Vila do Rio de Contas, sertanista de

destaque nas conquistas do sertão da Bahia e também um grande sesmeiro.41 Para a

conquista efetiva das terras, ocorreram conflitos e desacordos, especialmente com

Antônio Guedes de Brito, mestre de campo e grande latifundiário que, no final do

século XVII, possuía terras que se estendiam da Chapada Diamantina à Serra Geral da

Bahia, seguindo o curso da margem direita do Rio São Francisco. Antônio Guedes de

Brito registrou um protesto contra o coronel André da Rocha Pinto e seus pares

Marcelino Coelho Bittencourt (capitão-mor) e o coronel Damaso Coelho de Pina,

conforme descrito por Capistrano de Abreu42,

Em 1690, transposto enfim o alto Paraguaçu, estavam em guerra com

os índios do alto rio das Contas o capitão-mor Marcelino Coelho

Bittencourt, seu filho coronel Dâmaso Coelho e André da Rocha

Pinto, seu genro. Saiu-lhes com protestos o mestre de campo Antônio

Guedes de Brito. 43

Capistrano de Abreu relata que foi realizado um acerto em agosto de 1684

quando o mestre de campo “abriu mão de metade das terras entre os rios Paraguaçu, São

Francisco, das Velhas, Doce, Pardo e de Contas”.44 No entanto, Erivaldo Fagundes

Neves observa que, ainda que este acerto tenha ocorrido, “o mestre de campo readquiriu

essas terras porque permaneceram em seu domínio e se transferiram hereditariamente

com seus bens”.45

Erivaldo Fagundes Neves, em sua tese de doutorado Posseiros, rendeiros e

proprietários: estrutura fundiária e dinâmica agro-mercantil no Alto Sertão da Bahia

(1750-1850), realiza um extenso trabalho de pesquisa no qual mapeia, por meio de

40 CAMPOS, 1981, p. 135-136. 41 Assim descrito em IVO, Isnara Pereira. 2012, p. 47. 42 A 1ª edição de “Caminhos antigos e povoamento do Brasil” foi originalmente publicada em 1899. 43 ABREU, J. Capistrano. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São

Paulo: Editora da USP, 1988, p. 62. 44 Ibid., p. 62. 45 NEVES, 2003, p. 148.

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30

fontes documentais dos séculos XVII ao XIX, as terras de Antônio Guedes de Brito que,

mais tarde, seriam legadas por herança ao 6º Conde da Ponte, João Saldanha Mello

Torres Guedes de Brito. É uma das pesquisas mais completas até então realizada sobre

as terras dos Guedes de Brito.

Ao analisar os inventários das terras dos Guedes de Brito, constatamos que o

Arraial de Brejo Grande não fazia parte das terras invadidas pelo Coronel André da

Rocha Pinto e seus pares ou então as mesmas deveriam constar no inventário de

Antônio Guedes de Brito, o que não ocorre. Nele não há registro sobre as terras das

fazendas do Arraial de Brejo Grande e sim, uma única referência sobre a Fazenda

Baraúnas, no distrito de Suçuarana que hoje compõe o município de Tanhaçu:

Baraúnas – Fazenda no atual distrito de Suçuarana, em Tanhaçu, com

meia légua de comprimento e duas léguas de largura, na beira de rio,

declarada no registro de terras da freguesia de Santo Antônio da Barra,

em 1858, por: Antônio Freire da Fonseca (em comum, compras de

Manoel Teodoro), Benedito Bonifácio da Silva (compra de José

Joaquim dos Santos Mendes), Faustino da Rocha (compra de José

Mendes), Joaquim Manoel (em comum, compra de Manoel do

Bomfim), José Pires de Oliveira (em comum, compra de Francisco

José Rodrigues), José Vicente dos Santos, (em comum, compra de

José Joaquim dos Santos Mendes), Manoel Teodoro da Silva (em

comum, compra de Antônio José Teixeira), Maria Bernardina da

Rocha (em comum, herança do pai Antônio da Rocha Pinto).46

A freguesia de Santo Antônio da Barra, hoje Condeúba, emancipou-se da Caetité

em 1860.47 A documentação analisada por Erivaldo Fagundes Neves trata

especificamente das terras da Fazenda Baraúnas (atual Suçuarana). As terras da Fazenda

Baraúnas passam a compor o distrito de Suçuarana, que no século XX figura como

pertencente ao município de Tanhaçu, do qual dista 9 Km. Outro ponto a ser observado

nesta documentação é a assinatura dos compradores Faustino da Rocha e Maria

Bernardina da Rocha, no qual podemos cogitar um possível parentesco com o coronel

André da Rocha Pinto. São questões que carecem de aprofundamento.

Ao mapear a produção historiográfica sobre o período, que compreende o final

do século XVII e início do XVIII, podemos averiguar que ao coronel André da Rocha

Pinto foi conferida primazia da penetração inicial na região dos rios de Contas e Pardo,

onde hoje existem numerosos municípios entre as regiões Sudoeste e a Serra Geral da

46 NEVES, 2003, p. 282. 47 Ibid., p. 21.

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31

Bahia. Consta que o coronel André da Rocha Pinto contribuiu para o contrabando e

escoamento do ouro baiano, o que, segundo Isnara Pereira Ivo48, eram as práticas dele e

de outros coronéis e sertanistas do período. Em contrapartida, é inegável que André da

Rocha Pinto teve um papel importante na abertura de caminhos para o sertão, na

expulsão de indígenas e no estabelecimento de fazendas e da pecuária às margens dos

rios de Contas e Paraguaçu. Após a sua morte em 1732 num ataque de Botocudos na

Serra dos Aimorés49, nas narrativas sobre a trajetória da região, constam que seu filho

Sebastião da Rocha Pinto erigiu as primeiras casas que originaram o Arraial de Brejo

Grande (atual Ituaçu)50, mas nada se encontra escrito sobre este período nos arquivos

das cidades de Rio de Contas e Salvador. Não podemos perder de vista que, ao falarmos

da trajetória do Arraial de Brejo Grande (Ituaçu), abarcamos a história do território onde

se localiza a comunidade quilombola do Tucum.

Uma questão é suscitada a partir das leituras e fontes: mesmo sendo recorrente

entre os autores51 que tratam do período referir-se à dizimação de quilombos, não são

encontradas fontes escritas que atestem a presença desses ou outros ajuntamentos de

negros na região do Arraial do Brejo Grande, questão que é de suma importância para

esta pesquisa. Existiram, efetivamente, quilombos ou mocambos na região? De onde

vieram os escravos que fundaram a comunidade do Tucum? São reflexões necessárias

para a compreensão das trajetórias do Tucum.

Whashington Nascimento,52 ao falar das disputas de terra em Ituaçu em finais do

século XIX, observa que fazendas com os nomes “Mocambo” e “Quilombo” são

encontradas nos registros de terras da região. Neste período, o número de escravos na

região era significativo, o que se pode perceber com base na documentação de um censo

solicitado pelas autoridades imperiais em 1870 e utilizado por Kátia Mattoso em Bahia:

a cidade de Salvador e seu mercado no século XIX. 53 Nele vê-se que o Arraial do Brejo

48 IVO, 2012, p. 48-49. 49 Localizada no município de Mucuri, na Bahia, há 785 km de Salvador. 50 Informações retiradas do site da Prefeitura de Tanhaçu e um texto com o mesmo teor encontra-se na

Biblioteca Municipal de Tanhaçu, para a consulta. <http://tanhacu.ba.gov.br/historia.html> acessado em

07 agos.2014. 51 Já citados anteriormente: IVO, Isnara Pereira. Homens de caminho: trânsitos, comércio e cores nos

sertões da América portuguesa - século XVIII; MEDEIROS, R. H. de A. Notas críticas a obras de

Tranquilino Torres. In: TORRES, Tranquilino. O Município da Vitória. 1996, p. 63-163. 52 NASCIMENTO, Washington Santos. Terra, poder e fé: A sacralização dos conflitos agrários em torno

da Gruta da Mangabeira – Ituaçu/BA (1880-1910). In: IV Encontro Estadual de História – ANPUH-

BA – Vitória da Conquista – BA, 2008. 53 MATTOSO, Kátia. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. São Paulo, Editora

Hucitec, 1978, p. 124-125.

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32

Grande possuía 1638 escravos que representavam 20% da população, superando outras

regiões como Lençóis e Caetité.54 O Quadro a seguir foi sistematizado por Washington

Nascimento a partir dos dados de Kátia Mattoso:

Figura 1 – Quadro com a população escrava no Arraial do Brejo Grande em 1870

Fonte: NASCIMENTO, Washington Santos. Famílias escravas, libertos e a dinâmica da

escravidão no sertão Baiano (1876-1888). Afro-Ásia, 35 (2007), p. 146.

Sobre a população escrava no sertão, Erivaldo Fagundes Neves55 observa que

ainda que os planteis não fossem grandes, a presença escrava era considerável. No

sertão, a atividade agrícola e a mineração requeriam a força do trabalho escravo e estes

não se concentravam em um único lugar, mas estavam distribuídos por muitas fazendas.

Ronaldo Senna divide a Chapada Diamantina em duas zonas: a agrícola e a das lavras.

Para o autor, isso “diferia das regiões que a cercavam por uma determinada

exclusividade: a cultura das pedras preciosas, basicamente o diamante”.56 A dinâmica

econômica da Chapada Diamantina deu margem à ‘criação de uma permeabilidade de

54 Não pode ser desconsiderado o fato de que neste período muitos escravos foram vendidos para as

plantações de café no oeste paulista, o que talvez explique este esvaziamento nas outras cidades. 55 NEVES, Erivaldo Fagundes. Uma comunidade sertaneja, da sesmaria ao minifúndio: um estudo de

História regional e local, Salvador, Edufba, 1998. 56 SENNA, Ronaldo & AGUIAR, Itamar. Jarê: instalação africana na Chapada Diamantina. Afro-Ásia.

(13):75-85, Salvador, 1980, p. 75.

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33

afluências sociais e influências culturais’ que faz com que esta região tenha

peculiaridades que as distinguem das demais nas esferas econômicas, sociais e

cotidianas. Fátima Pires, em sua obra O crime na cor, nota a partir da leitura de relatos

de viajantes e memorialistas que, no século XVIII, a Chapada Diamantina passava por

um intenso crescimento demográfico em virtude da mineração, um ponto reiterado pela

autora com base numa citação de Paulo Azevedo:

A mineração de ouro na Chapada Diamantina serviu para desenvolver

outras regiões limítrofes como o Vale do São Francisco e a Serra

Geral que com seus criatórios de gado e lavouras de subsistência

abasteciam os centros mineiros. A Serra Geral já estava ocupada,

desde meados do século XVII, pelos currais do Antônio Guedes de

Brito, fundador da Casa da Ponte, mas a criação extensiva de gado não

propiciou o aparecimento de aglomerados urbanos importantes. Este

fato só se concretizou com o fluxo e refluxo de garimpeiros que se

iniciou no século XVIII, entre a Chapada Diamantina e as lavras de

Minas Gerais, em decorrência da descoberta do ouro baiano.57

Havia localidades da Chapada Diamantina que se encontravam num entorno

favorável à agricultura e à mineração, como é o caso do Arraial do Brejo Grande. Por

ocasião de seu povoamento no século XVIII, a região do Arraial do Brejo Grande

possuía muitas fazendas de criação de gado, sendo elas: Ribeirão, Riachão, Palmeiras,

Angico, Bicudo e Laços. As fazendas eram também produtoras de gêneros agrícolas

para o abastecimento regional, que cresceu a partir de 1780 por conta da mineração nas

cidades de Rio de Contas, Jacobina e Lençóis.58 O cronista Durval Vieira de Aguiar, em

sua passagem por Brejo Grande em 1888, descreve a vila do Brejo Grande nos seguintes

termos:

Reina em toda parte a maior fertilidade para toda a espécie de lavoura

limitada presentemente aos cereais, algum café, algodão, cana, fumo e

muito arroz com que abastece os termos vizinhos; sendo de esperar

pela bondade do terreno, que essa lavoura rapidamente prospere,

especialmente a do algodão. 59

57 AZEVEDO, Paulo O. D. (Coord) Monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina.

Inventário de proteção do acervo cultural. Salvador-BA: Ipac, Secretaria da indústria e comércio, 1980,

p.16 apud PIRES. 2003, p. 37-38. 58 IBGE. Em: http://biblioteca.ibge.gov.br/d_detalhes.php?id=31326 acessada em 11/08/2014. 59 AGUIAR, Durval Vieira de. Província da Bahia. 2. Ed. (1. Ed. 1888). Rio de Janeiro: Cátedra;

Brasília: INL,1979, p. 159.

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34

Durval Vieira de Aguiar60 também observou que a região tinha sua economia

voltada para a produção de gado e possuía muitas fazendas destinadas a este fim, o que

demandava um contingente de escravos para o trabalho. O crescimento econômico da

Chapada Diamantina estava relacionado à mineração e à pecuária, requerendo um

grande número de escravos para atender a esta demanda, distribuídos entre as

propriedades de pequeno e médio porte encontradas no sertão. Nesse período existiam

três rotas de comércio do sertão baiano que eram de suma importância para o

abastecimento da região: a rota do Litoral, a da Chapada Diamantina e do Vale do São

Francisco. Com base na escrita de Fátima Pires, deduzimos que o Arraial do Brejo

Grande provavelmente era atendido e fornecia produtos pela segunda via, movimentada

pela “exploração de diamantes na Chapada, nas primeiras décadas do século XIX,

especialmente em Lençóis, gerou necessidade de abastecimento dessa região, fazendo

crescer a produção policultora do alto sertão”. 61

De acordo com Durval Vieira de Aguiar, o Arraial do Brejo Grande ou Vila

Agrícola de Nossa Senhora do Alívio do Brejo Grande, foi criado por Decreto

Provincial nº 882 em 10 de abril de 1862, em terrenos desmembrados da antiga

freguesia do Sincorá (atual município de Contendas do Sincorá).62 As terras daquele

entorno pertenciam ao município de Santa Isabel do Paraguassu (atual Mucugê), ao qual

a Vila Agrícola de Nossa Senhora do Alívio do Brejo Grande (como passou a ser

chamada) pertenceu até 1867, quando se emancipou.

Em 26 de agosto de 1897, pela Lei Estadual nº 216, o nome de Vila Agrícola de

Nossa Senhora do Alívio do Brejo Grande é alterado, e passa a se chamar Ituassu. Até

1944 manteve-se a grafia de Ituassu, quando então pelo Decreto-lei Estadual nº 141, de

31/12/1943, retificado pelo Decreto Estadual nº 12.978 de 01/06/1944 o município

assumiu a denominação de Ituaçu. Ainda com o nome de Ituassu, o município pode ser

visto no Mapa 1, datado de 1916, que mostra as cidades de Caetité, Rio de Contas e seu

entorno.

60 AGUIAR, 1979, p. 161. 61 PIRES, 2003, p. 39-40. 62 AGUIAR, Op. Cit., p. 159.

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35

Mapa 1- Mapa da região de Caetité e Rio de Contas, com destaque para cidade “Ituassu”.

Fonte: PIRES. 2009, p. 110. Esboços de Mapas do Sertão de “Caitité”, do Padre Luiz Gonzaga

Dialler, 1916.

Pelos decretos e leis estaduais e municipais, é possível notar o momento em que

os territórios da cidade de Tanhaçu aparecem na história do município de Ituaçu.

Inicialmente, em divisões territoriais datadas de 31 de julho de 1936, figura o distrito de

São Sebastião, que por Decreto Estadual nº 11.089, de 30 de novembro de 1935, altera

o nome do distrito para Laços, sobre esse distrito a história local diz que: “Em 1935 pela

Lei Estadual nº 9.321, o povoado de Laços torna-se distrito do Município de Ituaçu e lá

aconteciam feiras, missas, etc”.63 Neste mesmo ano o povoado de Arraial dos porcos

também passa a ser distrito de Laços, e tem seu nome modificado para Tanhaçu, nome

de genealogia tupi-guarani que significa ‘porco grande’. Posteriormente, devido ao seu

63 Informações retiradas do site da Prefeitura de Tanhaçu, para a consulta.

<http://tanhacu.ba.gov.br/historia.html> acessado em 07/08/2014.

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36

desenvolvimento econômico, a Lei Estadual nº 628, de 30 de dezembro de 1953

transfere a sede distrital de Laços para Tanhaçu. Pela Lei Estadual nº 1.493, Tanhaçu foi

emancipado em 22 de setembro de 1961. Com a emancipação, o município manteve a

sede (Tanhaçu) e os distritos de Suçuarana e Laços, território que mantém até os dias

atuais. Atualmente o município está localizado na microrregião da Chapada Diamantina.

64 Os municípios de Ituaçu e Tanhaçu constam no Mapa 2, onde indicamos o

comunidade quilombola do Tucum.

Mapa 2: Mapa geográfico da Chapada Diamantina.

Fonte: PINA, Zenilda. Encontro com a Villa Bella das Palmeiras. Salvador: Secretária de

Cultura e Turismo, 2005, p. 33.

Na década de 1940, com a chegada da linha férrea a Tanhaçu, o distrito ganhou

relativa importância e registrou um crescimento populacional e econômico, passando a

ser um entreposto de pessoas e mercadorias para a cidade de Ituaçu, da qual ainda era

distrito. A chegada da linha férrea a Ituaçu já era um projeto desde o final do século

XIX, como descrito por Durval Vieira de Aguiar, “logo que a Estrada de Ferro Central,

64 Segundo informações retiradas de: BAHIA. Centro de Planejamento da Bahia. Informações básicas dos

municípios baianos: por microrregiões homogêneas. v. 2. Salvador: SEPLANTEC/CEPLAB, 1978.

TUCUM

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37

segundo se projeta, chegue até a vila, em cujas imediações existem também algumas

engenhocas de açúcar, raspadura e aguardente”.65 Por questões de localização

geográfica a ferrovia não passava por Ituaçu. A Linha Sul da Ferrovia Leste Brasileiro

foi inaugurada em 1942 e ligava as cidades de Cachoeira e São Félix ao povoado de

Ourives (entre Tanhaçu e Brumado). Na rota de movimentos e conexões de pessoas, o

distrito de Tanhaçu desenvolveu-se e em 1945 pode realizar sua primeira feira, o que

favoreceu ainda mais a movimentação econômica da região e a sua posterior

emancipação. A figura 2 mostra uma foto da época com a estação de trem de Tanhaçu,

que existe nesta configuração arquitetônica até os dias atuais.

Figura 2 – Estação de Trem de Tanhaçu.

Foto de autoria desconhecida. (s.d) Fonte: Site da Prefeitura de Tanhaçu.66

A partir das fontes, relatos e produções historiográficas sobre a Chapada

Diamantina, foi possível perceber o processo de povoamento da região de Brejo Grande

(atual Ituaçu) e seu entorno, onde hoje está o município de Tanhaçu. A partir de então,

podemos refletir sobre a trajetória da comunidade quilombola do Tucum.

Na “Declaração de Auto-reconhecimento”, datada de 09 de junho de 2006

consta que “a comunidade foi fundada em 24 de junho de 1800 por Cândido Pinto,

Rafael Lino da Silva e Alexandre Novais, que vieram se refugiar na localidade devido o

65 AGUIAR, 1979, p. 159, grifos do autor. 66 Foto retirada do site da Prefeitura de Tanhaçu e encontra-se na Biblioteca Municipal de Tanhaçu, para a

consulta. <http://tanhacu.ba.gov.br/historia.html> acessado em 07/08/2014.

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38

seu difícil acesso”.67 A utilização do termo ‘refúgio’ dá margem a se pensar que eram

escravos fugidos, possivelmente do distrito de Brejo Grande ou das cidades

circunvizinhas. A que senhores pertenciam, não se pode saber pois não foram

encontradas as fontes, ou mesmo devido a possibilidade de terem mudado os seus

nomes, algo muito comum neste período. Seus descendentes herdaram suas assinaturas

que se repetem entre os quilombolas do Tucum, muitos aparentados entre si. A figura 3

mostra a entrada do Tucum, com um acesso relativamente fácil nos dias atuais.

Figura 3 – Estrada que liga o município de Tanhaçu à comunidade quilombola do Tucum.

Fonte: Foto de Karla Dias de Lima. 04/08/2012.

Não podemos perder de vista que a “Declaração de Auto-reconhecimento” se

trata de um documento oficial redigido para a Fundação Cultural Palmares (FCP), logo,

as questões políticas emergem do texto, assim como as possíveis intencionalidades ao

redigi-lo. A declaração foi elaborada com base em relatos orais dos dez moradores mais

velhos da comunidade, os nomes foram listados seguidos das idades que possuíam em 67 Informações retiradas da ‘Declaração de Auto-reconhecimento - Comunidade remanescente de

quilombo ‘do Tucum, datada de 09/06/2006.

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39

2006, ano em que foi escrita a declaração: Maria Francisca de Oliveira Silva, 82 anos,

Isabel Rosa de Jesus, 86 anos, Benedito da Silva Neto, 76 anos, Diunilia Virgilina de

Jesus Silva, 72 anos, Maria Jesus Santos, 98 anos, Jácio Francisco dos Santos, 66 anos,

Diomário Francisco de Oliveira, 79 anos, Maria Vitalina de Jesus, 88 anos, Edelvira

Oliveira Silva, 76 anos e Maria Anízia Novais, 86 anos. Muitos desses já vieram a

falecer sem que fosse possível entrevistá-los.

Na declaração, as tradições culturais da comunidade são apresentadas de forma a

reforçar a ideia de uma herança ancestral africana: “Atualmente, alguns moradores

conservam as tradições da cultura africana como: alimentação típica, culto aos deuses

africanos, danças típicas, candomblé, como forma de preservar a herança cultural de

seus antepassados”.68 Esses valores, conforme Hebe Matos, “são os aspectos simbólicos

da memória familiar da escravidão que mais se destacam nas narrativas, elaboradas e

reelaboradas em função de relações tecidas no tempo presente, como em todo trabalho

de produção de memória coletiva”.69

Outro traço da cultura ancestral do Tucum que é reforçado na memória coletiva

dos habitantes locais é a produção de artefatos de barro: “Tem como principal produção

artesanal o fabrico de utensílios de barro (panelas, potes, moringas, caqueiros, entre

outros)”.70 A fabricação do barro é uma das tradições mais antigas da comunidade, por

meio da qual algumas famílias garantiam o seu sustento. Esses traços da cultura local

também contribuíram “como ferramenta de luta para a titulação de suas terras”.71

O reconhecimento das comunidades quilombolas na atualidade gerou entraves

conceituais que nortearam e ainda inflamam os debates entre historiadores e

antropólogos em torno desses grupos, mesmo porque “a identificação coletiva é sempre

um processo em construção e só pode ser entendida levando em conta contextos

históricos e políticos.”72 Ao considerar o viés histórico e político da trajetória do Tucum,

à frente discutiremos sobre o processo de reconhecimento, ressaltando a importância da

68 Informações retiradas da ‘Declaração de Auto-reconhecimento - Comunidade remanescente de

quilombo ‘do Tucum, datada de 09/06/2006. 69 MATTOS, Hebe. “Remanescentes das Comunidades dos Quilombos”: memória do cativeiro e políticas

de reparação no Brasil. Revista USP, n. 68. dez. jan. fev. 2005 e 2006, p. 104-111. 70 ‘Declaração de Auto-reconhecimento - Comunidade remanescente de quilombo’ do Tucum, datada de

09/06/2006. 71 SANTOS, Daniely Monteiro. “Mas é preciso ter força, é preciso ter raça”: História e memória de

Maria Rosalina no movimento quilombola do Piauí [1985-2013]. Dissertação (Mestrado em História do

Brasil). UFPI, Teresina, 2013, p. 64. 72 MATTOS, Hebe. Op. Cit. p. 111.

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40

presença feminina neste processo e as questões identitárias que emergiram após o

reconhecimento.

1.2 O processo de reconhecimento quilombola no Tucum

Não é possível falar deles sem adjetivá-los. Seja por meio da

fórmula legal que lança mão de “remanescentes”, ou das

tentativas de ajuste desta, por meio de “contemporâneos”. (José

Maurício Arruti)73

Nos últimos anos, desde o seu reconhecimento como comunidade quilombola,

os moradores do Tucum vivenciaram mudanças estruturais na sua forma de ver o

mundo e a localidade onde moram. Conceitos, como os de quilombo e quilombola ainda

são parcialmente desconhecidos para maioria dos moradores e, mesmo com o seu

reconhecimento, ainda se mostra como uma questão complexa e de difícil compreensão.

Os estranhamentos a essas mudanças podem ser explicados em razão de tais processos

emergirem dos movimentos sociais para depois serem incorporados no interior das

comunidades. O alcance destas políticas representou uma ressemantização do conceito

de quilombo, que em sua polissemia pode abarcar múltiplas experiências rurais e

urbanas. A auto identificação do negro é ainda um desafio como observa Hebe Mattos

Como no século XIX, dizer-se negro ainda é basicamente assumir a

memória da escravização inscrita na pele de milhões de brasileiros.

Esta é a base que empresta consistência histórica à discussão sobre

políticas de ação afirmativa no Brasil com base na auto-identificação

como negro.74

A Constituição Federal de 1988 deu destaque às comunidades negras rurais que

durante décadas estiveram invisíveis, ao trazê-las à cena política com o Art. 68 do

ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias): “Aos remanescentes das

comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a

propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Na ocasião,

figuras da política nacional em prol da população negra, como a deputada Benedita da

73 ARRUTI, José Maurício. Quilombos. In: Raça: Perspectivas Antropológicas. [org. Osmundo Pinho].

ABA / Ed. Unicamp / EDUFBA, 2008, p. 1. 74 MATTOS, 2005 e 2006, p. 111.

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41

Silva e o deputado Carlos Alberto Caó, se articulavam para a regularização das terras

quilombolas e discutiam a proposta de lei enviada para a constituinte. Adelmir Fiabani

atenta que não há registro de emenda popular referente à questão das terras quilombolas

e nas audiências e na Subcomissão do negro o tema não foi abordado, nem mesmo pelos

Deputados Benedita da Silva e Carlos Alberto.75 Naquele contexto, havia um ensejo em

mostrar a situação do negro no Brasil e a necessidade de medidas compensatórias. A

implementação do artigo teve um caráter improvisado que, como registrado por José

Maurício Arruti:

Depois de ter sido aprovado sem maiores discussões como uma das

disposições constitucionais transitórias, não tanto pelo seu valor

intrínseco, mas como mais um item no pacote das festividades pelo

centenário da abolição da escravatura, o “Artigo 68” ficou sem

qualquer proposta de regulamentação até 1995, quando (então

associado às festividades pela memória de Zumbi de Palmares) ganha

importância e passa a ser alvo de debates e reflexões em âmbito

nacional.76

O ADCT trouxe à cena a luta política e reivindicações da população negra rural

e, a partir de seu texto, surgiram muitos adjetivos para abarcar estes grupos: quilombos

contemporâneos, terras de pretos e comunidades rurais negras. A variedade de

nomenclaturas advém das muitas interpretações do ADCT e podem ser encontradas nos

documentos oficiais que tratam dos territórios quilombolas da atualidade, além da forma

de incorporação dos termos por parte dos agentes que convivem com essas realidades e

a apropriação e construção de uma identidade que é exógena a estes grupos. Como

observa Salete da Dalt77, as dificuldades em conceder os direitos aos remanescentes se

acentuavam devido a heterogeneidade desses grupos e principalmente por não existirem

nestas comunidades registros e fosseis antropológicos que comprovassem sua

descendência. Mesmo porque, como aponta Eliane Cantarino O’Dwyer:

O termo quilombo não se refere a resíduos ou resquícios

arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica.

Também não se trata de grupos isolados ou de uma população

75 FIABANI, 2008, p. 134-136. 76 ARRUTI, José Maurício. A emergência dos “remanescentes”: notas para o diálogo entre indígenas e

quilombolas. MANA 3(2):7-38, 1997, p. 7. 77 DALT, Salete da. BRANDÃO, André Augusto. Comunidades quilombolas e processos de formação de

identidades no Brasil contemporâneo. Revista Univap, São José dos Campos-SP, v. 17, n. 29, ago.2011.

p. 41-61.

Page 43: karla dias de lima

42

estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram

constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados mas,

sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas

cotidianas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos

de vida característicos e na consolidação de um território próprio.78

Os grupos envolvidos na luta pela implementação do Art. 68, a exemplo do

Movimento Negro Unificado (MNU), consideraram o termo “remanescente” pejorativo,

por desmerecer o processo histórico que marcou essas comunidades. Maristela Andrade

acredita que a noção de quilombo envolve um “aparato simbólico” das relações raciais

no Brasil, no entanto, “fala-se em negro e não em preto. Fala-se em comunidade, que é

também o conceito utilizado pelos legisladores no Artigo 68. Sem esquecer que os

legisladores falam em remanescentes das comunidades e não em comunidades de

remanescentes”.79 A apropriação e ressignificação do texto constitucional, por parte dos

órgãos governamentais, aproximam-se do que Pierre Bordieu80 poderia classificar como

estratégia de condescendência em que o dominador se apropria da linguagem do

dominado. Não perdemos de vista que, quer seja por seu caráter polissêmico ou pelas

questões políticas e normativas que os norteiam, os quilombos são uma categoria em

disputa, por reconhecer

(...) que, entre a enorme variedade de formações sociais coletivas

contemporâneas, que derivaram direta ou indiretamente das

contradições internas ou mesmo da dissolução da ordem escravista e o

termo “quilombo” há uma construção conceitual: o “significado

contemporâneo de Quilombo”. O que está em disputa, portanto, não é

a existência destas formações sociais, nem mesmo das suas justas

demandas, mas a maior ou menor largueza pela qual o conceito as

abarcará, ou excluirá completamente. Está em jogo o quanto de

realidade social o conceito será capaz de fazer reconhecer. 81

Além disso, a própria compreensão do conceito de quilombo aplicado a estes

grupos étnicos é potencialmente problemática, e isso é notório nas falas dos agentes

externos e dos moradores das comunidades, por não existir uma noção de quilombo que

abarque todas as realidades. Nesse entrave conceitual e nas dificuldades de diálogo

78 O´DWYER, Elaine Cantarino. Terras de Quilombo. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de

Antropologia, 1995, p.1. 79 ANDRADE, Maristela de Paula. De pretos, negros, quilombos e quilombolas – Notas sobre a ação

oficial junto a grupos classificados como remanescentes de quilombos. Boletim Rede Amazônia. Ano

2. nº 1, 2003, p. 41. 80 BORDIEU apud ANDRADE, 2003, p. 41. 81 ARRUTI, 2008, p. 1-2.

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43

entre historiadores, antropólogos e outros sujeitos que estudam estes grupos, emerge a

necessidade de ressemantizar o quilombo e esse processo não é um processo recente. Ao

longo do século XX, o conceito de quilombo sofreu modificações conceituais operadas

tanto no campo acadêmico quanto no campo do movimento social.82

Essas ressemantizações ganharam força dentro do movimento negro nas décadas

de 1970 e 1980 e abrangeram organismos políticos e religiosos, a exemplo da Igreja

Católica, que passaram a repensar suas posturas, ‘até então refratárias para com as

questões raciais’. Neste mesmo período, despontavam os primeiros estudos

antropológicos das comunidades quilombolas e a categoria “quilombo” começava a ser

associada aos agrupamentos negros rurais, ainda que de forma polêmica, pois estes

estudos buscavam uma ligação com os quilombos históricos e reforçavam a percepção

de que os valores africanos é que alicerçavam estes ajuntamentos.83

Na contramão dos estudos antropológicos da década de 1980, os pesquisadores

de quilombos da década de 1990 procuravam um novo significado para o quilombo

histórico que abarcasse as muitas experiências que não fosse apenas a de escravo

fugido, de fato muito restritiva. Entre as muitas ressignificações propostas por

historiadores e antropólogos, buscava-se considerar a resistência cultural do quilombo,

especialmente a vinculação com um passado ancestral por meio da oralidade,

considerando comunidades sob este viés, “em 1994, a Fundação Cultural Palmares

promoveu o seminário “Conceito de quilombo” e, a partir do evento, a entidade passou

a utilizar a palavra “quilombos contemporâneos” para referir-se às comunidades negras

não originadas de escravos fugidos”. 84 Como aponta Salete da Dalt independentemente

da forma como foi construída a comunidade, “(...) o importante era a existência de uma

continuada reprodução material e cultural. É nessa direção, portanto, que a legislação

passa a ressemantizar o termo “remanescentes das comunidades dos quilombos”.85 Os

termos quilombos modernos ou contemporâneos passam a ser os mais utilizados para

abarcar esses grupos.

O conceito contemporâneo de quilombo efetivamente deu tradução

legal a uma demanda coletiva pela pluralização dos direitos,

sustentado na observação da diversidade histórica, étnica e cultural da

82 ARRUTI, 2008, p. 4. 83 Ibid., p. 7. 84 FIABANI, 2008, p. 40. 85 DALT, 2011, p. 43.

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44

população compreendida pelos limites territoriais do Estado

brasileiro.[...]uma definição descritiva, de caráter normativo,

composta por itens como: ruralidade, forma camponesa, terra de uso

comum, apossamento secular, adequação a critérios ecológicos de

preservação dos recursos, presença de conflitos e antagonismos

vividos pelo grupo e, finalmente, mas não exclusivamente, uma

mobilização política definida em termos de autoafirmação quilombola. 86

O decreto 4.887/0387 abriu possibilidades para se pensar os quilombos

contemporâneos a partir de critérios de auto definição identitária. O Art. 3º do decreto

4.887/03 diz que “a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos

será atestada mediante auto definição da própria comunidade”. A auto afirmação passou

a ter grande importância na identificação destas comunidades e “é nesse ponto que a

reconsideração da experiência dos atores sociais adquire toda sua significação”88,

cabendo aos moradores dessas localidades, a partir de agenciamentos simbólicos de

diversas naturezas, se auto definirem como remanescentes de quilombolas. Perceber os

interesses políticos e sociais envolvidos nessas definições é salutar para a escolha das

categorias de entendimento a serem utilizadas ao pesquisá-las.

A necessidade de organismos políticos que gerissem os processos de

reconhecimento das comunidades quilombolas cresceu quando se constatou quão

abrangentes eram estes grupos. Então, em 22 de agosto de 1988, foi criada a Fundação

Cultural Palmares (FCP). Como órgão que atualmente regula o reconhecimento das

comunidades quilombolas, a FCP é considerada a primeira entidade pública direcionada

“à promoção e preservação da arte e cultura afro-brasileira”.89 Segundo José Arruti, no

ano de 2000, durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso, foi emitida uma

Medida Provisória que colocava a FCP como principal executora dos processos de

reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas. Essa medida não solucionava

duas questões importantes: “(...) a inexistência de qualquer mecanismo de indenização

das propriedades particulares incidentes nos territórios demarcados como quilombolas e

a falta de previsão do registro cartorial do título emitido, o que o tornava um diploma

86 FIABANI, 2008, p. 26-27. 87 BRASIL. DECRETO Nº 4.887, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003. 88 REVEL, Jacques. (Org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro, FGV, 1998,

p. 12. 89 Retirado do site da Fundação Cultural Palmares. <http://www.palmares.gov.br/?page_id=95> acessado

em 18/08/2014.

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45

sem qualquer eficácia”.90 A regularização destas questões só se daria com a entrada do

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 2005.

Sobre as atuações da FCP e do INCRA no processo de titulação das terras,

Girolamo Treccani observa que “no começo houve um período de muita confusão e

discordância sobre qual desses dois órgãos deveria cuidar do assunto. Na prática, os

dois conduziram processos de titulação, cada um de um jeito diferente”.91 O autor

sinaliza que, apesar da Fundação Cultural Palmares ter criado o primeiro instrumento

normativo (Portaria n° 25 da FCP em 15 de agosto de 1995) que estabeleceu as normas

de identificação, foi o INCRA que efetivamente começou o processo de titulação de

terras92. Posteriormente, a criação do Programa Brasil Quilombola, que deu suporte

financeiro para a manutenção destas comunidades, assim como outras entidades

direcionadas a atender estas demandas, a exemplo da Secretaria Especial de Promoção

da Igualdade Racial (SEPPIR), do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero,

Raça e Etnia (PPIGRE) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).93

A FCP já emitiu quase três mil certificações para comunidades quilombolas em

todo o Brasil. Segundo dados de junho de 2015 encontrados no site da FCP, a Bahia

lidera o ranking nacional com 638 comunidades quilombolas certificadas entre os anos

de 2004 e 2015. Esse volume de comunidades ocorre possivelmente devido a

concentração da população negra na região, em especial no período da escravidão e pós-

abolição. Um fator que colabora para essa reflexão são os números de escravos

traficados para o Brasil e para Bahia entre os séculos XVI e XIX. Segundo Luiz Viana

Filho94 vieram para a Bahia mais de um milhão de almas que contabilizam quase 25%

do tráfico nacional, a verdade é não existe consenso entre os pesquisadores, visto que

não existem dados fechados que atestem esses números. No entanto, a numerosa

população escrava nos parece ser uma possível justificativa para a Bahia ter tantas

comunidades quilombolas na atualidade. Abaixo o mapa 3 mostra os territórios

quilombolas da Bahia.

90 ARRUTI, 2008, p. 21. 91 TRECCANI, Girolamo D. Terras de Quilombo: caminhos e entraves do processo de titulação. Belém:

Programa Raízes, 2006, p. 125. 92 Ibid., p. 126. 93 ARRUTI, Op. Cit., p.23. 94 VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. [1.ed. 1946].

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46

Mapa 3- Comunidades e territórios quilombolas auto identificados na Bahia.

Fonte: Coletivo LEMTO/UFF (Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e

Territorialidades).95

No mapa 3 podemos observar que o Centro-sul, a mesorregião96 da Bahia onde

se encontra o Tucum, possui mais de 169 comunidades quilombolas, sendo que existem

municípios que possuem de 17 a 29 comunidades quilombolas em seu território.

Conforme já explanado no primeiro item deste capítulo, esta região compreende a

Chapada Diamantina e o Alto Sertão Baiano, regiões de intenso fluxo de escravos entre

os séculos XVIII e XIX devido à agricultura, pecuária e a mineração em Rio de Contas

e Lençóis. Também estão destacadas neste perímetro as cidades de Caetité e Vitória da

95Mapa encontrado na página do Facebook

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=387842191272877&set=a.387841287939634.87136.1000

01412995895&type=3&theater> acessado no dia 15/02/ 2014. 96 Sobre a definição de mesorregião, o IBGE diz: “A Divisão Regional do Brasil em mesorregiões,

partindo de determinações mais amplas a nível conjuntural, buscou identificar áreas individualizadas em

cada uma das Unidades Federadas, tomadas como universo de análise e definiu as mesorregiões com

base nas seguintes dimensões: o processo social como determinante, o quadro natural como

condicionante e a rede de comunicação e de lugares como elemento da articulação espacial.” Disponível

em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/default_div_int.shtm?c=1> acessado em

20/10/2014.

Page 48: karla dias de lima

47

Conquista que no século XIX eram centros de distribuição de gêneros alimentícios e por

onde transitavam muitos viajantes. Nestas duas cidades, pode-se observar na atualidade

que a população negra é expressiva97, ainda que esteja escondida nos bairros

periféricos98 e há, em ambas as cidades, um número considerável de comunidades

quilombolas tituladas, reconhecidas e identificadas. Situada neste trecho, o Tucum foi a

primeira comunidade quilombola a ser reconhecida no município de Tanhaçu,

recentemente em 2013 a comunidade de Pastinho, distante do Tucum 18 Km, também

foi reconhecida, e no município de Barra da Estiva, a 50 Km do Tucum, existem outras

duas comunidades quilombolas: Camulengo e Moitinha. A figura 4 apresenta um quadro

elaborado pela Fundação Palmares que colabora para a compreensão dos dados

observados no mapa 3.

97 De acordo com dados do IBGE, referentes ao ano de 2012, Vitória da Conquista possui 315.884

habitantes, dos quais 31.082 é negra e 174.436 se declaram como pardos. Em Caetité, os dados do censo

de 2010 registraram o número de 47.515 habitantes (não foram encontrados os registros de negros e

pardos). 98 Sobre a invisibilidade da presença negra na cidade da Vitória da Conquista, o pesquisador Alberto Silva

observa: “Embora 205.518 habitantes tenham se declarado de cor preta ou parda, ou seja, enquadrando-

se no critério do IBGE para identificar a população “negra”, representando (65,06%) do total, as

representações simbólicas que poderiam evidenciar esta população parecem esconder-se. Por diversos

padrões como os itinerários do transporte coletivo que convergem das periferias para o centro,

oferecendo poucas ligações entre si, de modo que o morador de uma dada periferia possa ter mais

contato com regiões centrais da cidade como av. Lauro de Freitas, Régis Pacheco, Av. Siqueira campos,

Av. Brumado, etc. do que com as inúmeras outras periferias onde, até 2010, a concentração de negros e

mestiços foi maior.” SILVA, 2015, p. 123-124.

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48

Figura 4 – Quadro geral de comunidades remanescentes de Quilombos

(CRQs).

Fonte: Site da Fundação Palmares. 25/10/2013. (Com uma marcação nossa para o ano

de 2006).

Observando a figura 4, percebemos que em 2006, ano em que o Tucum foi

reconhecido, registrou-se o maior número de certificações para comunidades

quilombolas em todo Brasil, totalizando 404. Somente na Bahia foram 113

certificações. O que determinou o aumento no número das certificações neste ano? A

partir de 2004, as comunidades puderam emitir uma declaração de ser remanescente de

quilombo, sem necessitar de laudo antropológico. Para Girolamo Treccani “o incessante

crescimento desse número se deve também à postura surpreendentemente ativa dessas

comunidades negras rurais, que se descobrem carregadas de uma força nova na luta pela

reconquista ou manutenção de territórios de uso tradicional”.99

Entendemos que por sua trajetória, suas relações sociais, culturais e de trabalho,

o Tucum possui características das comunidades negras rurais encontradas em todo

99 TRECCANI, 2006, p. 157.

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49

Brasil, muitas já reconhecidas ou identificadas como quilombos contemporâneos. O

processo de reconhecimento do Tucum foi iniciado no ano de 2005, quando uma das

líderes locais, Maria do Carmo Oliveira Silva, em um encontro na Diocese do município

de Livramento de Nossa Senhora, entrou em contato com as comunidades quilombolas

de Rio de Contas e foi estimulada a coletar as histórias que há muito circulavam no

Tucum.

Olha, um determinado tempo a gente, eu comecei a participar de

outros grupos, por sinal lá em Livramento de Nossa Senhora, aí a

gente começamos a conversar sobre comunidades quilombolas e aqui

a gente também sentiu o desejo de criar essa comunidade. Por que?

Porque os primeiros moradores que a gente já sabia que tinha passado

por aqui eles vieram de origem africana e por sinal um foi o meu

bisavô. [...] eu chamei os meninos lá de Rio de Contas e eles vieram

pra comunidade fizeram uma reunião.100

Na ocasião, atuaram como articuladores um senhor chamado Carmo de Oliveira

Silva, presidente da Associação da comunidade quilombola de Barra no município de

Rio de Contas101, e agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Carmo, representando

as comunidades de Rio de Contas e o padre da Diocese de Livramento, representando a

CPT, estiveram no Tucum entre os anos de 2005 e 2007 e falaram da importância do

reconhecimento e da luta pelos direitos dos quilombolas. Sobre estes contatos Carmo

diz o seguinte:

Os primeiros contatos foi na Diocese (de Livramento de Nossa

Senhora), nos encontros diocesanos, na Assembleia Diocesana e aí

depois como o trabalho que a gente começou a fazer da CPT, aí

chegou um padre novo aí, recém formado, ordenado, aí ele era daqui

da região, e aí eu comecei, nós começamos a fazer um trabalho nas

comunidades de quilombo que era Tucum e Ginetes em Barra da

Estiva e Camulengo e Moitinha era as três que a gente fazia.102

A CPT, entidade ligada à Igreja Católica, surgiu no contexto posterior ao

Concílio Vaticano II na década de 1970. Na Bahia, desde o seu surgimento estiveram

em contato direto com comunidades camponesas que enfrentavam inumeráveis desafios

100 Entrevista realizada pela autora com Maria do Carmo Oliveira Silva no dia 04/08/12, no Tucum. 101 O município fica localizado na Chapada Diamantina, há 565 Km de Salvador, as comunidade de Barra

fica há 16 Km da sede do município. 102 Entrevista realizada pela autora com Carmo Oliveira Silva, presidente da Associação da Comunidade

Quilombola de Barra, na comunidade de Barra em Rio de Contas/BA, no dia 02/04/2015.

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50

para manter a posse da terra. De acordo com o site da entidade, a CPT “presta um

serviço educativo e transformador junto aos povos da terra e das águas, para estimular e

reforçar seu protagonismo. A CPT reafirma seu caráter pastoral e retoma, com novo

vigor, o trabalho de base junto aos povos da terra e das águas”.103 Entre os objetivos da

CPT estão: “o acompanhamento de processos coletivos, de conquista dos direitos e da

terra”, a formação integral e permanente, o combate às injustiças e a luta pela terra. “A

CPT Bahia, através de estudo da realidade, encontros e avaliações, está fazendo o

possível para ser uma resposta adequada e eficaz aos novos desafios. Entre eles

destacamos o protagonismo das comunidades tradicionais (Indígenas, Quilombolas,

Fundo de pasto, etc.).”104

E foi a partir desta entidade e de Carmo, liderança quilombola de Barra, que o

estímulo a pensar sua ancestralidade chegou aos moradores do Tucum. Carmo conta que

a partir dos encontros da Diocese, eles visitaram todas as comunidades quilombolas

reconhecidas na Chapada Diamantina. Era uma ação conjunta que, segundo Carmo,

“enquanto eu falava de quilombo, ele falava do trabalho da CPT”.105 As comunidades

de Barra e Bananal enfrentaram e ainda enfrentam muitos desafios para a manutenção

das terras onde moram, cuja disputa principal existe desde a década de 1980, quando o

Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) iniciou a construção da

barragem de Rio de Contas e alagou terras pertencentes aos quilombolas da região. O

viés de embate político é notório na postura e nas falas de Carmo e, em seus contatos

com outras comunidades quilombolas ele buscava passar suas experiências de luta:

O que eu fazia era assim, eles eram meio inexperiente e eu passava a

experiência que a gente tinha aqui, como foi a nossa luta, que a gente

não tinha noção de comunidade quilombola né? Depois de 88 é que a

coisa, porque quilombo no Brasil nasceu a partir de 88. O primeiro

quilombo foi Palmares, mas ficou só em Palmares e Zumbi morreu, no

mais se falava em comunidade negra ou gueto de negro, aqui era

conhecido como comunidade de preto ou gueto de negro, aqui era

conhecido assim.106

103 CPT – BAHIA. Missão CPT. (S.d) Disponível em: http://cptba.org.br/cptba_v2/a-cpt-bahia/missao-

cpt/ acessado no dia 23/04/2015. 104 CPT Bahia. Disponível em: http://cptba.org.br/cptba_v2/a-cpt-bahia/ acessado no dia 23/04/2015. 105 Entrevista com Carmo Oliveira Silva, na comunidade de Barra em Rio de Contas/BA, no dia

02/04/2015. 106 Entrevista com Carmo Oliveira Silva, na comunidade de Barra em Rio de Contas/BA, no dia

02/04/2015.

Page 52: karla dias de lima

51

Estimulada pelos contatos da Diocese de Livramento e da CPT, Maria do

Carmo, junto com sua filha Rita e outra moradora chamada Eliane Santana, começam a

coletar os relatos dos moradores mais velhos. A presença feminina neste momento foi

fundamental, mas a iniciativa teve o apoio do prefeito de Tanhaçu da época, Eduardo

Silva Santana, e de uma assistente social do município, que os moradores identificam

como Janicleia.107 Maria do Carmo e suas companheiras conversaram com os senhores

e senhoras de mais idade e anotavam as principais lembranças da comunidade, a

assistente social também enviou questionários através dos quais fizeram um

mapeamento do histórico e do povoamento da região:

Eu chamei Lic (Eliane) e Rita e nós, eles iam falando e nós anotava.

Andava, a gente pesquisava, depois veio essa moça de nome Janicleia

que era uma assistente social, ela ofereceu pra nos ajudar, e aí ela até

mandou uns questionários para gente responder. A gente respondia a

quantidade de mulheres, de crianças, na faixa etária de tal idade,

inclusive a gente mandava para ela e ela devolvia também alguma

coisa pra gente. 108

Os relatos eram manuscritos e falavam de um tempo que “ouviram dizer” por

parte de seus avós e bisavós, que contavam sobre os primeiros moradores daquela

região. A assistente social Janicleia organizou os relatos, entrevistou os senhores e com

base nos manuscritos, entrevistas e questionários, foi redigida a Declaração de

autorreconhecimento, que quando foi enviada a FCP estava datada de 09/06/2006. “Ela

veio até aqui, na casa dos idosos com ela e lá os que sabiam escrever bem, o que não

souberam. É que ela entrevistou também os idosos. E aquele pessoal que não sabia

assinar botaram o dedo (digital).” 109 Só três assinaram, seis colocaram a digital e no

local da assinatura de Maria de Jesus Santos (avó materna de Maria do Carmo) consta

que “não foi possível assinar”, devido a sua avançada idade, na época tinha 98 anos,

preferiram não coletar a digital.

Após a redação e a coleta de assinaturas, a Declaração foi enviada à Fundação

Cultural Palmares em junho de 2006 e neste mesmo ano, em 13 de dezembro, o Tucum

foi reconhecido como quilombola. Na ocasião, a notícia foi comemorada na cidade de

Tanhaçu com fogos de artifício e foi colocada uma nota curta no site da prefeitura

107 Os moradores desconhecem a sua assinatura e não foi possível encontrá-la nos documentos em

Tanhaçu, onde não mais trabalha. 108 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira Silva, no Tucum, em 24/08/2014. 109 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira Silva, no Tucum, em 24/08/2014.

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52

noticiando o reconhecimento: “Foi publicado no Diário Oficial do dia 13 de dezembro

de 2006, a certidão de registro de reconhecimento da comunidade Quilombola do

Tucum, que foi cedida pela Fundação Cultural Palmares, através da Secretaria de Ação

Social do Município de Tanhaçu”.110 Mais à frente as relações entre a Prefeitura e a

comunidade se tornaram conflituosas.

Sobre essas relações conflituosas nos falou o ex-presidente da Associação das

Comunidades Quilombolas do Tucum, Carlito Augusto Oliveira. Carlito saiu do Tucum

com 18 anos para morar em São Paulo e retornou em 2006, no ano do reconhecimento.

Devido a isso, Carlito não participou do processo de reconhecimento da comunidade e

pouco sabe das histórias do lugar, apesar de sua família ser parente dos fundadores.

Sobre a trajetória de sua família conta: “Minha família é do Tucum, minha avó era

cabocla, meu avô, marido dela era português, o pai do meu pai é descendente de

africano. Então eu sou africano, português e indígena”.111 As heranças indígenas são

recorrentes nas falas dos moradores, e o Tucum apesar de ser uma comunidade de

maioria negra, tem um percentual de pessoas brancas não nascidas na região e traços de

mestiçagem indígenas e africanos notórios nas fisionomias dos moradores. Abaixo

Carlito aparece na figura 5.

110 PORTAL DA PREFEITURA MUNICIPAL DE TANHAÇU. Comunidade quilombola do Tucum

recebe certidão. 08/02/2008. Fonte: ASCOM. Disponível em: http://www.tanhacu.ba.io.org.br/galeria/66899/Comunidade-Quilombola-do-Tucum-recebe Acessado em

20/08/2014. 111 Entrevista realizada pela autora com Carlito Augusto Oliveira, ex-presidente da Associação da

Comunidade do Tucum, em Tanhaçu no dia 30/05/2015.

.

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53

Figura 5 – Carlito Augusto Oliveira em sua casa em Tanhaçu.

Foto de Karla Dias de Lima – 30/05/2015.

Desde o seu retorno, Carlito se envolveu na política local e passou a sofrer

perseguições, em especial porque na época a prefeitura retinha a documentação da

Associação do Tucum. Pessoas que têm visão além dos moradores da comunidade,

assustam os mandatários do poder. Os embates entre a prefeitura e a associação

começaram imediatamente após o reconhecimento da comunidade.

Tenho problema porque as documentação antigamente elas era dentro

da prefeitura, como eu consegui tirar todos os documentos, que

inclusive o certificado é segunda via, porque a primeira via sumiu lá

prefeitura, o livro de ata sumiu pra lá, então por causa disso aí eu tive

muito problema com eles. Só que eu não me arrependo não porque eu

tô fazendo uma coisa que é certa cê entendeu? Tô fazendo uma coisa

que é certa. Mas antigamente as documentação da comunidade, quem

resolvia as coisas era a prefeitura.112

As lideranças afirmam que as primeiras atas e a certidão de reconhecimento

foram perdidas pelos agentes da prefeitura que as detinham. Muitas tensões vieram a

112 Entrevista com Carlito Augusto Oliveira, Tanhaçu, 30/05/2015.

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54

ocorrer em decorrência disso. Um desses episódios ocorreu na 1ª Convenção

Quilombola da Chapada Diamantina em Rio de Contas entre os dias 27 e 30 de

setembro de 2007. Nesse evento, organizado pela CPT e a Diocese de Livramento de

Nossa Senhora, estavam presentes comunidades quilombolas de 31 municípios da

Chapada Diamantina. Segundo os relatos das lideranças do Tucum, a esposa do então

prefeito de Tanhaçu Eduardo Santana, esteve presente no evento na intenção de

representar o Tucum e se indispôs com a organização do evento que questionava o fato

da prefeitura reter a certidão de reconhecimento da comunidade do Tucum. Carmo, da

comunidade de Barra em Rio Contas, estava na organização do evento e relata o

ocorrido:

Aí nós fizemos encontro e todos vieram, aí nós discutiu essa questão

do documento que tem que ficar com as comunidade, até que a

primeira-dama Tanhaçu veio e até discutiu com o padre, que é esse

padre que eu tô falando, perguntou quem era o padre que tava dando

opinião, achando que porque é do poder público que pode mandar nos

quilombos, nos quilombos ninguém manda. O poder público é pra

apoiar, apoiar e ser amigo e fazer o que deve ser feito, repassar o que é

do quilombo, que pra isso eles recebe um apoio pra aplicar nos

quilombos. 113

Maria do Carmo havia comparecido no evento como representante do Tucum e

criou-se uma situação tensa entre os organizadores do evento por conta da presença das

representações políticas de Tanhaçu. Carlito, que também estava presente, relata que:

o prefeito nessa época era Eduardo Santana, que inclusive ele teve até

em Rio de Contas, porque eu tive participando de uma reunião lá de

três dias encontro, e a primeira-dama foi, falou umas coisa lá que não

era verdade, ela dizendo que era representante né? Que a representante

era Maria do Carmo.114

Com o agravamento desses embates políticos, o diálogo entre prefeitura e

associação diminuiu muito durante o ano de 2008, o que trouxe algumas dificuldades

para a comunidade nas demandas que dependiam do poder público, em especial na

saúde e educação. Os conflitos entre grupos políticos locais e os quilombos não são

incomuns e a violência é maior quando há interesse nas terras dos quilombos. Em 2009,

113 Entrevista com Carmo Oliveira, Comunidade Quilombola de Barra, 02/04/2015. 114 Entrevista com Carlito Augusto Oliveira, em Tanhaçu, 30/05/2015.

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55

com a entrada de um novo prefeito, as lideranças do Tucum voltaram a dialogar com a

prefeitura. Foi solicitada nova via da certidão a Fundação Cultural Palmares, esta é

datada de 21 de outubro de 2010.

O processo de autorreconhecimento da comunidade do Tucum iniciou-se dos

contatos com agentes externos e na atuação das lideranças locais. Dessa maneira, a

iniciativa da líder comunitária Maria do Carmo em conjunto com outros grupos como a

CPT e a Prefeitura Municipal de Tanhaçu foi importante para o processo de

reconhecimento do Tucum. É interessante que pensemos nas motivações que levaram

Maria do Carmo a este lugar, já que os moradores do Tucum, na ocasião, não sofriam

com conflitos pela terra e assim se mantém até a atualidade. Quais foram os

motivadores para a busca do reconhecimento? É notório que as demandas que levaram

ao reconhecimento no Tucum não são semelhantes às das comunidades do médio São

Francisco, que sofrem pressões de fazendeiros e lutam constantemente por manter seus

territórios No Tucum, o convencimento dos moradores da fundou-se na valorização das

práticas locais que já se mantinham no grupo há muito tempo, fazendo com que muitas

dessas memórias se ressinificassem e passassem a ser pensadas pelos moradores a partir

de uma vinculação com um passado escravo. Ainda assim, essa percepção não foi

apreendida por todos os moradores, mesmo após anos de reconhecimento.

Eric Hobsbawn observa que muitos grupos e instituições precisaram inventar

tradições que legitimassem o seu passado histórico, “tornaram necessária a invenção de

uma continuidade histórica, por exemplo, através da criação de um passado antigo que

extrapole a continuidade histórica real seja pela lenda ou pela invenção”.115 Assim,

novos símbolos são criados e se integram às velhas tradições como se fossem tão

antigos quanto. O estudo das tradições inventadas, de um modo amplo, relaciona-se ao

estudo da sociedade como um todo e dela não pode ser desvinculado. “O estudo destas

tradições esclarece bastante as relações humanas com o passado e, por conseguinte o

próprio assunto e oficio do historiador. Isso porque toda tradição inventada, na medida

do possível, utiliza a história como legitimadora das ações e como cimento da coesão

grupal.”116 Estas tradições inventadas, muitas vezes tornam-se o próprio símbolo do

conflito, o que talvez se aplique às comunidades remanescentes de quilombos, se

115 HOBSBAWM, Eric. RANGER, Terence (Orgs.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1984, p. 15. 116 HOBSBAWM. 1984, p. 21.

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56

pensarmos nas demandas atuais que representam e o passado histórico que utilizam para

se legitimar.

Nas entrevistas com os moradores do Tucum, o estranhamento acerca do “ser

quilombola” é notório. Em especial, quando se fala de uma ‘criação’ da comunidade

quilombola, notadamente podemos entender que a noção de quilombo é externalizada

possivelmente a partir de uma tradição inventada. São tradições que fazem parte da

existência do grupo e legitimam a sua atual condição. No entanto, se respaldam na

memória coletiva, no cotidiano e nas práticas que possuíam mesmo antes do processo

de reconhecimento para dar suporte à construção de uma identidade quilombola. Sobre

essa identidade, Daniele Moreno diz:

(...) na perspectiva de mudança social, ou seja, uma comunidade

camponesa, através de suas práticas sociais, assume uma identidade

quilombola e a partir disso mobiliza-se na busca de garantir seu

território, nessa assunção de identidade vários imaginários são

ativados, tanto para explicar suas origens como para legitimar o

discurso quilombola. Nesta perspectiva o mito e a memória coletiva

são centrais para se perceber a importância e o lugar dos imaginários

numa comunidade quilombola.117

Nesse sentido, a identidade quilombola consolida-se através da relação entre o

imaginário e a cultura, “dos mitos, crenças, símbolos, modos de viver de uma

coletividade”118, sem que esse imaginário represente uma inverdade e sim um

pensamento mítico por meio do qual os símbolos, a realidade e a racionalidade se

realizam. Torna-se também um lugar de lutas e enfrentamentos quando um grupo

precisa legitimar seu lugar dentro da sociedade, como é o caso das comunidades

quilombolas.

Michael Pollak119 identifica três elementos essenciais para a construção da

identidade: o físico, o coletivo e a coerência. Neste processo, o indivíduo percebe-se e

tem o sentimento de possuir fronteiras físicas, a exemplo do próprio corpo; sente-se

pertencente a determinado grupo e, por fim, unifica esses diferentes elementos. O autor

117 MORENO, Daniele Cristine Gadelha. A identidade da comunidade quilombola Sítio Veiga no

contexto pós-colonial. Disponível em:

http://actacientifica.servicioit.cl/biblioteca/gt/GT6/GT6_GadelhaMoreno.pdf acessado em 20/03/2015,

p. 2. 118 Ibid., p. 3. 119 POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos históricos, nº 10, Teoria e História. Rio de

Janeiro: Fundação Getúlio Vargas 1992, p. 205.

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57

afirma que “a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade”.120

Essa construção de uma memória identitária é muito forte entre as lideranças do Tucum

e pode ser apreendida nas falas de Maria Rita Oliveira Silva, de 38 anos121, atual

presidente da Associação da Comunidade quilombola do Tucum, com gestão iniciada

em janeiro de 2014. Ao falar do período em que buscaram as histórias dos mais velhos,

Rita acrescenta informações importantes que nos permitem desvelar as memórias

coletivas que afloraram neste processo.

Aí tem um senhor que chama Zé Pinto, ele é daqui da comunidade né?

Só que a família dele veio da Europa, só que eles vieram e são tudo de

família de branco mesmo, brancos de olhos azuis mesmo entendeu?

(...) Aí a gente perguntou, mãe fez entrevista com ele e ele disse assim

que o meu bisavô122 daqui por parte da minha mãe ele chamava

Cândido, mas Cândido e tinha só o Cândido, aí quando foi morar com

eles lá, cuidar das lavouras, saiu da escravidão, mas continuou

trabalhando ali, eles botou ele dentro de casa como se fosse um filho,

aí colocou ficou o sobrenome Cândido Oliveira Pinto, aí o Pinto é o

sobrenome deles. 123

A autorização para utilização do sobrenome do senhor era prática comum no

século XIX entre senhores e ex-escravos. Conforme nota Stuart Schwartz124, alguns

senhores chegavam mesmo a incentivar que seus ex-escravos adotassem seus

sobrenomes, como uma forma de manutenção de poder. A explicação de Rita para a

procedência do sobrenome de Cândido Pinto evoca a esse tempo em que os escravos

assumiam o sobrenome de seus senhores e protetores. Sobre essas relações e práticas,

Cacilda Machado assevera que:

Ainda que tal prática possa ser interpretada como signo de submissão

e dependência (e talvez ela fosse assim entendida apenas pela classe

senhorial), para aqueles forros e livres de cor, um sobrenome

senhorial, ou a ligação com um “homem bom” poderia, talvez,

funcionar como signo de consideração social.125

120 POLLAK, 1992, p. 205. 121 Em 2014, por ocasião da entrevista. 122 A afirmação parte da oralidade, não encontrando comprovações em fontes documentais. 123 Entrevista realizada pela autora com Maria Rita Oliveira Silva, Presidente da Associação da

Comunidade Quilombola do Tucum, no Tucum, em 24/08/2014. 124 SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: Engenhos e Escravos na Sociedade Colonial. São Paulo, Cia

das Letras, 1988, p. 327. 125 MACHADO, Cacilda. Casamento & Compadrio: Estudo sobre relações sociais entre livres, libertos e

escravos na passagem do século XVIII para o XIX (São José dos Pinhais - PR). In: Anais do XIV

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58

A narrativa de Rita deixa antever que a família Pinto, que teria ascendência

europeia, tem prestígio na cidade de Tanhaçu até os dias atuais, o que poderia motivar

Cândido Pinto a adotar seu sobrenome. Mas, a que famílias pertenceram os escravos

Cândido Pinto, Rafael Lino da Silva e Alexandre Novais? Seria a assinatura Pinto

originária dos descendentes de André da Rocha Pinto, desbravador da região? São

questões sem resposta nas memórias dos moradores do Tucum e que, por requererem

um aprofundamento nas fontes, constituem um objeto interessante para a continuidade

nas pesquisas da trajetória desta comunidade. A família do senhor Zé Pinto reside em

Tanhaçu, mas morou no Tucum durante alguns anos e esse senhor pode se familiarizar

com os relatos dos moradores antigos. O Tucum, apesar de possuir pessoas em sua

maioria negras, tem também moradores de cor branca que lá residem há um tempo

considerável. Os negros são em grande parte parentes e as assinaturas dos primeiros

fundadores: Silva, Pinto e Novais se repetem ao longo das gerações. Sobre esses laços

geracionais Maria do Carmo diz o seguinte: [...] “Essa terra, elas foram mesmo de

moradores que foram passando de pais para filho. Tem algumas terra que os moradores

já foram escravos e as outras a gente não passou a sabe”.126 D. Anízia, uma das

matriarcas locais, já falecida, retoma o mito fundador da comunidade: [..] “As primeira

pessoa? Que nem o finado Cândido Pinto, ele num era índio, num era Carminha? Ele

era escravo. O finado Rafael também era como ele”.127 Essa senhora nos deu uma pista

do falecimento de Cândido Pinto, que pelo seu relato foi morto pela Coluna Prestes, a

quem a maioria dos moradores se refere como “A revolta” ou “revoltosos”:

Um tio nosso morreu no Boquerão, que é o Boquerão falado da

revorta que matou, eles já tinha medo do finado, que os povo tinha

medo de uns a outro num é? Eles foi, e foi esconder lá com medo da

revorta, chegou lá ele pediu para mostrar uns cavalo, daí ele ficou com

cisma, que lá os povo tinha medo de outro né? Só não falaram do

finado Cândido, do finado Cândido eles tinha medo, escondeu lá e

num quis falar com a revorta, eles fala, fala, fala e aí foi eles matô o

finado Cândido Pinto, o finado Candim, ele chamava Candim, matou

porque num falô dos cavalo que tinha.128

Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-MG – Brasil, de

24/09/2004, p.15. 126 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira, entrevistada pela autora, no Tucum, no dia 04/08/2012. 127 Entrevista realizada pela autora com Maria Anízia Novais, no Tucum, no dia 04/08/2012. 128 Entrevista com Anízia Novais, no Tucum, no dia 04/08/2012.

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59

As falas sobre “a revolta” são recorrentes entre os mais idosos, inclusive

servindo de marco para saberem quando aconteceu algo ou nasceu alguém, se antes ou

depois da passagem dos “revoltosos”. A partir dessas e outras falas, percebemos as

memórias que perduram e os laços que ligam os moradores do Tucum àquele território.

No entanto, até o nosso último contato com a comunidade, em maio de 2015, as

terras ainda não tinham sido tituladas. Como alguns proprietários já possuem o registro

e a escritura de suas terras e os moradores não sofrem pressões e lutas para mantê-las, o

maior desafio da comunidade na atualidade é a aceitação de uma titulação coletiva do

território do Tucum. Em novembro de 2012, representantes do INCRA estiveram em

Tanhaçu e não houve consenso entre os moradores consultados sobre a titulação da

comunidade. Maria do Carmo acredita que faltou compreensão por parte dos moradores:

Assim, porque o pessoal da comunidade não entenderam que as terras

tinha que ser pra o bem comum de todos sabe? Que as terra é assim,

cada um deles consegue seus pedaço de terra e aí eles não entenderam,

eles ficaram de voltar. (...) O Incra conversou bastante, prometeu de

voltar uma outra vez, mas teve gente que já tinha feito antes, muito

antes a declaração das terras, tem uns que já receberam até a

escritura.129

Neste aspecto, o Tucum se diferencia da maioria das comunidades quilombolas

que lutam contra o processo lento e burocrático de titulação de suas terras junto ao

INCRA. Como eles já possuem escritura e não sofrem pressões de fazendeiros e

grileiros, não há uma urgência por parte dos moradores em titulá-las. A questão se

adensa porque alguns não entendem e nem desejam uma posse coletiva. Carlito Augusto

Oliveira era então presidente da Associação no período que os representantes do

INCRA vieram à comunidade e fala dos desafios

Pesquisadora- Desde o processo de reconhecimento de 2005 para cá,

vocês têm sofrido alguma dificuldade com relação a titulação da terra?

Carlito - Eu inclusive trouxe até o INCRA de Salvador aí pra eles

passar a titulação, fizemos uma reunião com o pessoal lá, mas o

pessoal não aceitaram muito né? Aí eles mandaram que eles pensasse,

pra eles poder voltar.

Pesquisadora- Mas por que eles não aceitaram?

Carlito - É porque alguns tem assim um hectare de terra, dois hectare,

tem o INCRA e eles acha que aquilo aí é o documento, então eles acha

129 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira, no Tucum, no dia 04/08/2012.

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60

que aquela terra ali, que nem o rapaz do INCRA já explicou pra eles:

“Olha vocês tão saindo bem porque a ferrovia não passou aqui dentro,

se passasse aqui vcs perdia tudo, vocês não tinha direito a nada. Então

era bom que vocês fizesse o reconhecimento”. Mas teve...uns quer e

outros não aceitaram não. Então eles mandaram que pensasse para

eles pudê voltar aí. Mas eu cheguei trazer eles aí.130

Em 2011, um polo de obras da Ferrovia Oeste-Leste foi montado no município

de Tanhaçu. Como a ferrovia não se aproxima das terras do Tucum, não representa uma

ameaça de desapropriação para os seus moradores. Essa reunião aconteceu em 2012 e

até o nosso último contato com a comunidade em 2015 o INCRA não havia retornado

ao Tucum e os moradores continuavam resistentes à titulação coletiva. A atual

presidente da Associação, Maria Rita Oliveira, acredita que será necessária uma nova

reunião e um processo mais lento de conscientização, para que eles possam entender o

que representa a titulação, ‘que é a luta das comunidades quilombolas’. Girolamo

Treccani, chama atenção para as dificuldades que os grupos quilombolas sofrem para

conseguir a titulação:

A demora nos trabalhos de identificação e demais procedimentos

técnicos a serem utilizados, a excessiva burocratização destes

procedimentos, mostra que ainda falta um plano governamental de

ação com objetivos claros, que permitam traçar metas de médio e

longo prazos, um plano que detenha recursos orçamentários definidos,

permitindo-se prever o raiar do dia, no qual o Art. 68 do ADCT

deixará de ter vigência por ter cumprido com o que o mesmo

preconiza: o reconhecimento de domínio de todos os territórios

quilombolas.131

No que diz respeito aos conflitos pela posse da terra no Brasil, ao longo da

história, a resistência de um grupo foi essencial para a manutenção do território. Essa

resistência é redimensionada na atualidade a partir de uma territorialização étnica, um

modo de convivência entre as comunidades tradicionais e a sociedade. As tradições e as

memórias coletivas são elementos que compõem o território e ao mesmo tempo o

ressignificam a partir das percepções territoriais construídas pelos próprios moradores

das comunidades quilombolas. A forma como se relacionam com a terra está para além

de questões materiais, mas atua massivamente no campo simbólico e das questões de

afirmação e inclusão num espaço que lhe foi negado.

130 Entrevista com Carlito Augusto Oliveira, em Tanhaçu, no dia 30/05/2015. 131 TRECCANI, 2006, p. 22.

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61

O processo de territorialização pressupõe a tensão nas relações

estabelecidas, pois se um grupo se organiza em prol de territorializar-

se ele está negando o lugar que lhe havia sido destinado, numa dada

circunstância espaço-temporal, por outros grupos sociais melhor

situados no espaço social pelos capitais de que já dispõem. Ou seja,

quando uma comunidade quilombola se organiza e reivindica seus

direitos sobre um território ancestral, quando ela luta para se

territorializar, ela está negando o lugar marginal que lhe havia sido

designado pela sociedade abrangente, seja por grandes empresas

privadas que plantam eucalipto ou cana em seus territórios, seja pelo

próprio poder público que lhes impõe unidades de conservação

ambientais estabelecendo uma nova territorialidade, esta de cima para

baixo.132

Nesta pesquisa, o território é visto como um espaço físico e simbólico onde as

negociações e resistências se mantêm. A emergência de debates sobre os direitos de

posse de comunidades quilombolas não é somente pela necessidade de demarcarem um

território, e sim de afirmarem um modo de vida, suas memórias e tradições ancestrais. É

a memória coletiva e geracional que norteia a construção das relações identitárias

constituídas com o território, e é neste processo de reinvenção do cotidiano que se

alicerça a identidade quilombola.

Os acontecimentos que foram narrados para a construção da história fundante do

Tucum são, de acordo com a definição de Michael Pollak, “vividos por tabela”.

Remontam a tempos que boa parte dos moradores não viveram diretamente, mas

ouviram contar. A grande maioria dos senhores e senhoras entrevistados por Maria do

Carmo em 2006 já vieram a falecer, inclusive sua avó Maria Jesus Santos, nascida em

1908 e falecida em 2008, com a idade de 100 anos, e Dona Anízia, falecida em 2013

com 93 anos. Para Maria do Carmo, a memória dos mais velhos foi importante para a

reconstrução da história da localidade, e ela sente por tantos já terem morrido sem que

esta memória estivesse consolidada no grupo. Como José Arrutti chama atenção, é

comum que esses grupos criem um mito fundador que possa afirmar o seu direito à

terra.

As formas nativas de denominação das terras de uso comum passam,

então, a serem vistas como derivações de mitos de origem, que

encobrem formas de apossamento e de organização proibidas pela

132 SILVA, Simone Rezende. Quilombos no Brasil: a memória como forma de reinvenção da identidade e

territorialidade negra. Anais do XII Colóquio Internacional de Geocrítica, maio de 2012. p. 8-9.

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62

ordem escravocrata. Assim, a categoria contemporânea de quilombos

passa a estar associada à redução sociológica das denominações locais

sob a categoria analítica de “terras de uso comum.133

Os mitos fundadores são apropriados pela memória coletiva, e desvendá-los é

tarefa árdua, como apontado por Javier Alejandro Lifschitz: “Ficções e "verdades"

pretensamente irrefutáveis confundem-se ao ponto de diluir qualquer expectativa de

desvendar um mito de origem coletivo”.134 No Tucum, o mito fundante converge para a

iniciativa de três homens. As memórias em torno da fundação da comunidade

constituem um importante pano de fundo para a construção da identidade no Tucum.

Após as coletas dos depoimentos e o envio da declaração à Fundação Cultural Palmares,

o Tucum se assentava num nova realidade que aos poucos foi apreendida:

A gente mandou, passou por Janicleia que era assistente social na

prefeitura, aí ela pegou na época de Eduardo e gostou do propósito e

mandou pra Brasília, lá pra Salvador, pra Brasília, aí veio, demorou

acho que um ano e pouco, através desses questionários que a gente fez

manuscrito ela conseguiu criar a história e mandou. Aí veio o nosso

autorreconhecimento, só que a gente não foi pegar, no tempo que veio

a gente não tava em condição de ir em Brasília buscar, aí depois de

Brasília veio para Salvador.135

Após o reconhecimento da comunidade, uma parte dos moradores passaram a

associar elementos culturais, que fazem parte da essência do grupo, a um passado

escravo antes ignorado, assim, uma nova identidade começou a ser construída no

Tucum. Não se pode esperar uma fixidez neste processo, visto que o processo

identitário é ainda complexo, em especial para os mais velhos que não compreendem o

que é ser quilombola. Cabe pensar as reflexões que se processam dentro desse grupo,

sejam entre os mais velhos ou no meio das lideranças como Maria do Carmo:

Ser quilombola é uma comunidade que tinha e ainda tem o maior

número de pessoas que são negras e que elas tão buscando, resgatando

os direitos devidos que não tiveram e também as histórias, não só

buscar projetos, mas também tem as tradições que foram acabando,

acabando e a gente quer trazer de volta.136

133 ARRUTI, 2008, p. 16. 134 LIFSCHITZ, Javier Alejandro. Neocomunidades: reconstruções de territórios e saberes. Estudos

Históricos, Rio de Janeiro, n. 38, julho-dezembro de 2006, p. 76. 135 Entrevista com Maria Rita Oliveira Silva, no Tucum, 24/08/2014. 136 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira Silva, no Tucum, 04/08/2012.

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63

Na fala de Maria do Carmo vê-se que o discurso identitário já está em processo

de ressemantização, ela estabelece relações com a negritude e as políticas de reparação.

No geral, a associação entre as comunidades atuais e o passado escravo é um “senso

comum nacional”. Salete da Dalt em sua pesquisa que abrangeu 65 comunidades

quilombolas de cinco estados brasileiros, num total de 2058 famílias, ressalta que parte

significativa das lideranças e dos moradores em geral “ainda não haviam

ressemantizado o conceito de quilombola e referiam sua existência, como comunidade

quilombola, a uma derivação direta ou mesmo a uma descendência de escravos”.137

Pensar esses grupos como algo análogo aos quilombos históricos e presas a um único

modo de agrupamento faz com que se desconsidere que as identidades são construídas

em “contextos de mestiçagens”.

Como já foi possível antever, a construção de uma identidade quilombola no

Tucum ainda está se processando. Seguiremos com a discussão sobre identidade, com

especial atenção à formação de uma identidade quilombola nas comunidades

remanescentes, e nos propomos a refletir, a partir dos relatos orais, como está sendo

operado o processo de construção de uma identidade quilombola no Tucum.

1.3 A formação de uma identidade quilombola no Tucum: desafios e percepções

O campesinato é uma forma de vida, uma identidade que se confunde

com a terra. (Adelmir Fiabani) 138

As comunidades quilombolas da atualidade são marcadas por um processo de

reconstrução identitária em virtude de suas demandas políticas e sociais. Essa

reconstrução se enquadra ao que Stuart Hall139 chama de nova diáspora, em que os

grupos aprendem a viver entre duas identidades e duas percepções de mundo, e ao

conceito de identidade étnica de Frederick Barth140, por esta ser formulada na fronteira

entre “dois mundos”. De acordo com Stuart Hall, não existe uma “identidade fixa,

137 DALT, 2001, p. 48. 138 FIABANI, 2008, p. 19. 139 HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e mediações Culturais. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2003, p.

31. 140 BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART,

Jocelyne. Teorias da etnicidade. São Paulo: UNESP, 1997, p. 188.

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64

essencial ou permanente”.141 Nesta nova conjuntura, a identidade étnica seria uma

identidade situacional e os grupos étnicos “categorias de atribuição” construídas pelos

próprios membros do grupo a partir de elementos relevantes para aquela coletividade.

As identidades parecem invocar uma origem que reside em um

passado histórico com o qual elas continuam a manter certa

correspondência. Elas têm a ver, entretanto, com a questão da

utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a

produção não daquilo que somos, mas daquilo do qual nos tornamos.

Tem haver não tanto com as questões ‘quem nós somos’ e ‘de onde

viemos’, mas muito mais com as questões ‘quem nós podemos nos

tornar’, ’como nós temos sido representados’. 142

Os recursos de reflexão sobre ‘quem nós podemos nos tornar’ e ‘como nós

temos sido representados’ são importantes para a construção de uma nova identidade. A

palavra quilombo e o ser quilombola ainda é um conceito novo a ser apreendido pelos

moradores de Tucum e cada um vai construindo suas definições a partir de suas

vivências. Existem os que não compreendam o significado político dos quilombos

contemporâneos e alguns que se recusam a serem quilombolas por acreditarem ser algo

nocivo. São questões complexas que perpassam as subjetividades e a construção da

identidade do grupo. A formação de uma identidade quilombola pressupõe uma auto

identificação étnica que passa pelo reconhecimento de suas tradições, e busca respeito e

cidadania. Sendo assim,

a identidade quilombola associada à auto-identificação étnica e racial

de negro é utilizada como uma afirmação positiva no reconhecimento

de si mesmo como ser social. Assim, além do reconhecimento jurídico

há o reconhecimento como “ente moral” e, neste caso, (...) a

manifestação mais geral desse reconhecimento seria expresso como

respeito. Neste sentido, trata-se de uma luta dessas populações não

apenas por ganhos materiais, mas também pela cidadania, traduzida

como busca de respeitabilidade a si mesmos, de seus valores e formas

de ver o mundo.143

Para Carlito Augusto Oliveira, o caminho trilhado até chegarem às condições

atuais foi difícil: “As coisas passam também por questões políticas né, a pessoa da

141 HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1997, p.

10. 142 Ibid., p. 108-109. 143 O’DWYER, Eliane Cantarino. Terras de quilombo: identidade étnica e os caminhos do

reconhecimento. Tomo. São Cristovão/SE. Nº 11. Jul./Dez. 2007, p. 59.

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65

comunidade sempre soube de seu passado negro, mas o ser quilombola é novo né? E

antigo de certa maneira”.144 Em suas falas, Carlito denota perceber as implicações

políticas de ser quilombola e busca reafirmar as heranças ancestrais da comunidade que

legitimam as mudanças na atualidade. Ele percebe que ser quilombola implica uma luta

por direitos, porém afirma que fazer com que os moradores viessem a entender esses

conceito foi um desafio:

É no começo, eles não aceitavam muito não cê entendeu? Porque diz

eles que ia voltar o tempo da escravidão, então eles pensava desse

jeito né? Que ia voltar o tempo da escravidão de novo. Mas agora não,

agora tá normal, todo mundo tá aceitando bem, eles foram começando

a entender, foi começando vim os benefício, então aí agora eles tão

aceitando bem.145

A partir de construções identitárias ainda recentes é que os moradores falam

sobre ser quilombola. No geral nota-se certo estranhamento, mas as percepções são

positivas, como se pode observar nas falas de Madalena Oliveira Novais: “A calombola

(quilombola)? Eu achei bom né? Pelo menos o lugar tem um registro agora, nunca tinha

um nome né? E agora tá bom, porque tem a Calombola (quilombola) a gente sabe que

tem esse nome no lugar né?”146 Sua mãe Anízia Novais tem uma noção de aceitação: “A

calombola (quilombola)? Já que tá fazendo né? Tudo que fais tem que a gente gostar, ou

queira ou não queira tem que aceitar né?”147 Sobre ser quilombola, a paneleira Rosa,

responde em voz baixa e com alguma timidez: “Eu acho bom né? É bom que fica

reconhecido né? A gente até evolui né?”148

Os relatos demonstram o quão estranha é ainda a identidade quilombola para

essas mulheres. O ser quilombola engloba um conjunto de valores, tradições e crenças

individuais e coletivas, que perpassam desde a vivência em grupo ao contato com

agentes externos. Sobre estas tradições cabe pensar, como o fez o Eric Hobsbawm ao

tratar das ‘tradições inventadas’:

O termo “tradição inventada” é utilizado num sentido amplo, mas

nunca indefinido. Inclui tanto as “tradições” realmente inventadas,

construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram

144 Entrevista com Carlito Silva, em Tanhaçu, no dia 19/10/2009. 145 Entrevista com Carlito Augusto Oliveira, em Tanhaçu, 30/05/2015. 146 Entrevistada pela autora com Madalena Oliveira Novais, no Tucum, em 04/08/2012. 147 Entrevista com Anízia Novais, no Tucum, em 04/08/2012. 148 Entrevista realizada pela autora com Maria Rosa Silva, no Tucum, em 04/08/2012.

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66

de maneira mais difícil de localizar num período limitado e

determinado de tempo - às vezes coisa de poucos anos apenas - e se

estabeleceram com enorme rapidez.149

Eric Hobsbawm150 compreende, dentro desta invenção das tradições, o conjunto

de práticas, crenças e valores, que regulados por regras de natureza ritual ou simbólica,

estabelecem uma continuidade em relação a um evento do passado. Essa continuidade

dá-se a partir do presente, pois, ao trabalhar com a memória de pessoas vivas, não há

uma desvinculação entre estas e seus relatos, estando ambos (as pessoas e a

rememoração) situados no presente. A memória, na condição de presença e evocação do

passado, por sua vez, é marcada de forma indelével pelos eventos que habitam as

lembranças de uma sociedade em seus planos individuais e coletivos. Como “elemento

essencial da identidade”, a memória influi nas percepções da coletividade e nas muitas

representações do passado que se imbricam. Os moradores dos quilombos

contemporâneos também constroem e reelaboram suas tradições, vivências e lugares da

memória.

Desde o reconhecimento da comunidade quilombola do Tucum que os seus

moradores foram confrontados com uma nova realidade: são agora quilombolas.

Contudo, para a maioria das famílias, ainda não existe uma compreensão do que isso

significa. A partir do momento em que o autorreconhecimento como quilombolas torna-

se o critério de definição, podemos pensar o quão truncados podem ser estes processos,

que muitas vezes não representam as percepções da totalidade do grupo. Qual a

trajetória das inúmeras localidades que hoje se autodenominam quilombolas? Seriam

muitas as respostas, dada a heterogeneidade desses grupos, mas estas fazem parte de

uma reflexão necessária sobre as políticas de reconhecimento das comunidades

quilombolas na atualidade, mesmo porque junto com os direitos pautados nas políticas

de reparação histórica aparecem ganhos visíveis para este grupos, ganhos econômicos e

políticos, em sua maioria. No entanto, essa reflexão não pode ser distanciada da

resistência dos negros durante a escravidão e no pós-abolição, e da luta pela reparação

histórica dos descendentes desses grupos empreendida pelo movimento negro durante

todo o século XX.

149 HOBSBAWM, 1984, p. 9. 150 Ibid., p. 10.

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67

Historicamente, os quilombos eram vistos como uma sublevação negra contra a

ordem vigente, não por menos, observadores, cronistas e autores do período colonial, a

exemplo de Rocha Pita151, os caracterizavam como sendo um grupo de ladrões e

assassinos, o que contribuiu para aterrorizar a sociedade de então e reforçar as ideias

equivocadas sobre esses agrupamentos. De acordo com Adelmir Fiabani, uma das

primeiras definições de quilombo utilizadas foi o Regimento dos Capitães do Mato,

datado de 1722, que descrevia quilombo como todo o agrupamento acima de quatro

negros fugidos, morando em ranchos e pilões, que se fixassem em uma região isolada,

sobrevivendo à margem da dinâmica escravagista. A definição mais citada pela

historiografia é a do rei de Portugal, Dom João V, em resposta à consulta do Conselho

Ultramarino datada de 2 de dezembro de 1740, que em alguns pontos se diferem da

primeira “[...]toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte

despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados, nem se achem pilões neles”.152

Sobre a última definição dada, Alfredo Wagner de Almeida observa alguns

aspectos que a tornam restrita: o primeiro é a vinculação com a fuga, por ser o quilombo

composto apenas de escravos fugidos; um segundo aspecto é a quantidade mínima de

fugidos; o terceiro ponto é o isolamento geográfico por tratarem “os quilombos fora do

mundo da produção e do trabalho, fora do mercado”; o quarto ponto seria o rancho

como moradia habitual e, por fim, a existência do pilão denotaria a possibilidade de se

sustentarem e terem mínima autonomia naquele contexto, pois “representa o símbolo do

autoconsumo e da capacidade de reprodução”.153 Essas primeiras definições, associadas

à experiência palmarina, influenciaram em muito na definição de quilombo durante todo

o período colonial e imperial. João José Reis observa que esse processo não era

estanque pois, mesmo nas senzalas, os africanos reinventaram seus costumes,

misturaram crenças e valores africanos aos dos indígenas e brancos com quem

passavam a conviver. “Mesmo entre os palmarinos parece ter sido assim”.154

A ideia de um “quilombo isolado”, fundamentado na experiência palmarina, foi

revista na atualidade à luz das múltiplas experiências quilombolas encontradas nos

151 PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. Belo Horizonte: Itatiaia. São Paulo:

EDUSP, 1996. 152 FIABANI, Adelmir. Mato, palhoça e pilão: o quilombo, da escravidão as comunidades

remanescentes [1532-2004]. São Paulo: Expressão popular, 2005, p. 269. 153 ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Os quilombos e as novas etnias. In: O’DWYER, Eliane

Cantarino. Quilombos: Identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002, p. 49. 154 REIS, João José. Ameaça negra! Quilombolas assombravam o dia a dia de senhores e funcionários da

colônia. In: FIGUEIREDO, Luciano (Org.) A era da escravidão. Rio de Janeiro: Sabin, 2009, p. 25.

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68

documentos históricos e que tratam de variados modos de sobrevivência dos negros. A

obra Liberdade por um fio, organizada por João José Reis e Flávio Gomes,155 apresenta

uma série de experiências quilombolas em todo o Brasil, com peculiaridades e

distinções, desde o isolamento de Palmares aos quilombos urbanos nas imediações das

cidades. No pós-abolição, ainda que as condições de vida continuassem similares à do

período da escravidão, o trabalhador era agora livre e poderia dispor de sua força de

trabalho.

Cem anos após a abolição da escravidão, a Constituição Federal de 1988 trouxe

à discussão o conceito de quilombo. Ainda que ao falar de “remanescente das

comunidades de quilombos” o texto do ADCT tivesse dado margem a muitas

interpretações, sobre as quais já discutimos, nos interessa o alcance posterior desta ação,

o momento em que comunidades negras em todo o Brasil passavam a afirmar suas

tradições culturais e religiosas como parte de uma identidade coletiva ou mesmo uma

identidade quilombola.

A constituição de uma identidade quilombola pode ser pensada a partir das ações

afirmativas e das políticas de reparação que representam a luta de diversos grupos do

movimento negro no Brasil para que estas comunidades negras acessassem o seu direito

à justiça social, afirmação identitária própria, direito à terra, aos recursos materiais e à

representação política. A ligação com o território é parte da construção da identidade

desses grupos, mas não é sua finalidade única. A identidade quilombola se constitui a

partir da memória coletiva, saberes ancestrais, práticas cotidianas, manifestações

culturais e religiosas. Como observa Gildásio dos Santos,

por todo o Brasil, a identidade quilombola tem sido construída, de

forma ampla, enquanto instrumento de sustentação do direito à terra,

ao território. Todavia, o processo de reconhecimento das identidades

quilombolas no contexto atual vai além de tal vinculação, abarcam

ainda certos traços culturais quem em um e outro momento são mais

acentuados e perceptíveis. Faz-se necessário entender não apenas os

significados culturais existentes, e que permanecem com o passar do

tempo, mas, também, identificar quais são os mecanismos que

proporcionam a permanência e a sobrevivência dos indivíduos em

suas comunidades.156

155 REIS, João José & GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Liberdade por um Fio. São Paulo: Cia das

Letras, 1996. 156 SANTOS, Gildásio Alves dos. Memória, identidade e linguagem: a comunidade quilombola do

Quenta Sol (Tremedal- BA). Dissertação (Mestrado em Letras). PPG Cultura, Educação e Linguagens

UESB, Vitória da Conquista, 2013, p. 33.

Page 70: karla dias de lima

69

No Tucum, os moradores expressam percepções diversas sobre o ser quilombola

e sua relação com o território e a sociedade. A princípio, eles a percebiam como uma

questão política e externa que não lhes dizia respeito, principalmente os homens,

segundo relatos das lideranças. Com o passar do tempo e a chegada de benefícios, os

moradores começaram a perceber como algo positivo, ainda que estranho: as mulheres

do Tucum, além da ativa participação no processo de reconhecimento da comunidade,

passaram a assumir lugares de liderança comunitária, seja na igreja, no trabalho com o

barro ou nas reuniões da associação. Pensamos no papel que estas mulheres tiveram na

construção da identidade local.

Como ressaltou Serge Gruzisnky, as identidades não são estanques, mas

construídas a partir das trocas e mesclas culturais dos grupos humanos, sendo a

mestiçagem a principal síntese destas relações. Atentos para as construções históricas

que envolvem as categorias de brancos e negros, compreendemos ser a mestiçagem o

conceito que melhor define os negros e suas trajetórias na diáspora e no Brasil, tendo as

mulheres um importante papel neste processo. Sobre as dinâmicas de mestiçagem,

Serge Gruzinsky, ao tratar do processo de colonização das Américas, observa que

as relações entre vencedores e vencidos também assumiram a forma

de mestiçagens, alterando os limites que as novas autoridades

procuravam manter entre as duas populações. Desde os primeiros

tempos, a mestiçagem biológica, isto é, a mistura de corpos – quase

sempre acompanhada pela mestiçagem de práticas e crenças –,

introduziu um novo elemento perturbador. 157

A mestiçagem biológica é uma categoria de análise para observarmos as

mulheres escravas e suas relações. As primeiras abordagens sobre a mulher negra no

Brasil podem ser vistas nas obras de Gilberto Freyre.158 Em Casa grande & senzala, o

autor descreve a mulher escrava ou liberta como sensual e provocadora, uma verdadeira

síntese da brasilidade. É a partir da crioula e da mulata e suas relações afetivas que

Gilberto Freyre pensa a mestiçagem no Brasil. A mestiçagem biológica, abordada por

Serge Gruzinsky, resume basicamente o que o escritor pensava do erotismo das negras e

157 GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Cia das letras, 2001, p. 78. 158 FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime de

economia rural. Rio de Janeiro: Jorge Olympio, 1950.

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70

de serem elas as disseminadoras da cultura brasileira. Podemos inferir que as relações

entre as mulheres negras e seus senhores davam-se através de sutis negociações no seio

da sociedade escravista, podemos pensar que nas relações familiares e nas relações entre

os senhores e suas escravas, havia permanências culturais, redes de solidariedade e

especificamente as negociações, que abriam um leque de possibilidades para as relações

afetivas ou por conveniência.

Cecília Soares,159 ao falar dos estudos do negro na Bahia, classifica-os em três

fases que podem ser observadas a partir das obras de Nina Rodrigues,160 Manuel

Querino161 e Luiz Viana Filho162. A princípio, Nina Rodrigues,163 em Os africanos no

Brasil, descreve as práticas religiosas afro-brasileiras, em que as mulheres

predominavam, fala do cotidiano dessas mulheres e de suas estratégias de

sobrevivência. Manuel Querino,164 em Costumes africanos no Brasil, trata do

quotidiano dos negros na Bahia e fala das mulheres de diversas etnias africanas e suas

habilidades para as ocupações domésticas. Já Luiz Viana Filho,165 em O negro na

Bahia, utiliza-se de vasta documentação dos arquivos nacionais e estrangeiros para

descrever o negro na Bahia, suas origens e aptidões.

Assim a mulher negra foi descrita a partir de suas características favoráveis à

escravidão e ao trabalho doméstico. Essas obras, que tratam da escravidão e do pós-

abolição, deixam antever as pequenas continuidades, principalmente, a dos preconceitos

contra a mulher de cor e trabalhadora, ao mesmo tempo em que transparecem os lugares

onde as mulheres poderiam exercer os seus poderes, “apesar da dominação masculina, a

atuação feminina não deixa de se fazer sentir, através de complexos contrapoderes:

poder maternal, poder social, poder sobre outras mulheres e “compensações” no jogo da

sedução e do reinado feminino”.166 Os lugares de poder, ou mesmo esses

‘contrapoderes’ tratados por Rachel Soihet, dão continuidade às negociações. Nas

comunidades quilombolas, a extensão desses poderes também se manifesta, como

observa Jurema Werneck:

159 SOARES, Cecília Moreira. Mulher negra na Bahia no século XIX. Salvador: EDUNEB, 2006, p. 19. 160 RODRIGUES, Raimundo Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo: Ed.Nacional, 1932. 161 QUERINO, Manoel. Costumes africanos no Brasil. 1. Ed. 1938. Recife: Fundação Joaquim Nabuco

– Editora Massangana, 1988. 162 VIANA FILHO, 1988. 163 RODRIGUES, 1932. p. 118-119. 164 QUERINO. Op. Cit., p. 98-101. 165 VIANA FILHO, Op. Cit., p. 185-186. 166 SOIHET, Rachel. História das mulheres e história de gênero: um depoimento. In: Cadernos Pagu,

Campinas, nº 11, 1998, p. 81.

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71

É possível encontrar em diferentes relatos sobre os quilombos no

Brasil, ainda que de forma indireta, pistas da participação e lideranças

femininas em diferentes posições de comando (...) Nos dias atuais, há

relatos da existência de mais de quatro mil comunidades quilombolas

em território nacional brasileiro, a que o Estado resiste em reconhecer

e prover os direitos básicos de cidadania. Nestas comunidades, a

liderança feminina não é incomum, a despeito do grau de penetração

da cultura cristã em seu ambiente. 167

A configuração histórica das comunidades quilombolas favorece a reflexão

sobre as identidades que se entrelaçam. No caso das moradoras do Tucum, são mulheres

e negras, suas identidades são construídas na experiência vivida, nas políticas do

feminino e no diálogo corporal que se inscreve nas relações de trabalho comunitário. A

luta pela sobrevivência não se dá apenas na busca de ganhos econômicos, mas na

manutenção das tradições, nas esperanças para a nova geração e nas relações familiares.

As reflexões acerca do uso das questões de gênero na análise histórica fazem

com que se contraponham novos posicionamentos a velhas questões, dando visibilidade

às pesquisas sobre mulheres e gerando uma reavaliação dos paradigmas, principalmente

os de ordem histórica, linguística e cultural que estabeleceram por gerações uma

distância analítica e uma violência simbólica contra as mulheres. Ciente dessas

questões, no capítulo que se segue apresentaremos as trajetórias femininas do Tucum,

pensadas a partir das questões de gênero e identidade étnica que envolvem o ser mulher

negra e quilombola.

2- TRAJETÓRIAS FEMININAS NO TUCUM

As mulheres negras baianas incorporam grande parte desse poder

informal, construindo poderosas redes de sociabilidade.

Marginalizadas da sociedade global, destituídas de cidadania e de

identidade, elas criam novos canais de comunicação sócio-política.

Esse tipo de sociabilidade, baseado em papéis improvisados, tem sido

praticamente ignorado pela nossa historiografia. (Mônica Pimenta

Velloso)168

167 WERNECK, Jurema Nossos passos veem de longe! Movimentos de Mulheres Negras e Estratégias

Políticas contra o sexismo e o racismo. In: WERNECK, Jurema (Org.) Mulheres negras: um olhar

sobre as lutas sociais e políticas públicas no Brasil. São Paulo: Crioula, 2005, p. 81. 168 VELLOSO, Mônica Pimenta. As tias baianas tomam conta do pedaço: espaço e identidade cultural no

Rio de janeiro. In: SÜSSEKIND, F., DIAS, T. e AZEVEDO, C. (Org.) Vozes femininas – gênero,

mediações e práticas de escrita. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003, p. 96-97.

Page 73: karla dias de lima

72

Mônica Pimenta Velloso denuncia o silêncio da historiografia acerca dos papéis

sociais femininos e suas redes de sociabilidade e improvisação. Nesse sentido, Cecília

Soares constata que a mulher negra era duplamente excluída, primeiramente por sua

condição feminina e especialmente quando estava na condição de escrava, pois “embora

muito numerosos, os documentos onde existe referência a negra são produtos da

mentalidade de homens numa sociedade patriarcal e escravista”.169 Historicizar esta

questão requer um olhar atento do historiador para as entrelinhas dos documentos e aos

papéis assumidos pelas mulheres em suas relações, como apontado por Maria Odila

Silva Dias:

Os papéis propriamente históricos das mulheres podem ser captados

nas tensões, mediações, nas relações propriamente sociais que

integram mulheres, história, processo social, e podem ser resgatados

nas entrelinhas das fissuras e do implícito nos documentos escritos. 170

Perceber os embates e construções no processo de ser mulher negra e

quilombola é essencial para que compreendamos as dinâmicas das relações de gênero na

comunidade quilombola do Tucum. Uma articulação possível para isso é entender que

as relações humanas são lugares privilegiados para as mediações de poder, que se

consolidam através do discurso. Numa perspectiva foucaltiana, o discurso não apenas

traduziria as lutas e as dominações, mas seria essencialmente aquilo pelo que se luta “o

poder que queremos nos apoderar”.171 É necessário historicizar as relações de gênero

para que possamos indicar o lugar em que pensamos estas relações e,

consequentemente, os lugares de poder na comunidade do Tucum.

2.1 Ser mulher negra e quilombola: percepções e discursos

Ficaram ignoradas, à margem das obras de historiadores, mesmo do

quotidiano, que mal deram por sua existência. (Maria Odila da Silva

Dias) 172

169 SOARES, 2006, p. 17. 170 DIAS, 1995, p. 50. 171 FOUCAULT, Michel. A ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996. p. 10. 172 DIAS, 1995, p. 29.

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73

O conceito de gênero emerge nos Estados Unidos na década de 1970, numa

tentativa de negar o determinismo biológico e afirmar uma categoria fundamentalmente

social. Sob a influência da “segunda onda” do feminismo, o gênero foi apropriado pela

academia para compreender as diferenças no interior dos diferentes e nas relações entre

sexos. Joan Scott discute sobre a problemática do termo “mulheres” que dificilmente era

utilizado sem modificações “mulheres de cor, mulheres judias, mulheres lésbicas,

mulheres trabalhadoras pobres, mães solteiras”.173 A emergência desses

questionamentos desvelava as muitas ‘diferenças dentro da diferença’ e a

impossibilidade de uma única identidade que constituísse todas as mulheres,

Assim, de uma postura inicial em que se acreditava na possível

identidade única entre as mulheres, passou-se a outra, em que se

firmou a certeza na existência de múltiplas identidades. Mulheres

negras, índias, mestiças, pobres, trabalhadoras, muitas delas

feministas, reivindicaram uma ‘diferença’ – dentro da diferença. Ou

seja, a categoria ‘mulher’, que constituía uma identidade diferenciada

da de ‘homem’, não era suficiente para explicá-las.174

Esta reivindicação pela diferença encontrou lugar nos estudos de gênero. Por ser

um conceito polissêmico, suas possibilidades não eram estanques, cabendo utilizá-lo

tanto em construções teóricas, como nas descrições das relações entre os sexos,

entendendo que sexo e gênero atuam em conjunto à medida que são indissociáveis. O

gênero possibilitaria pensar as diferenças e suas inter-relações com as categorias de

raça, etnia ou classe, visto que “usada primeiro para analisar as diferenças entre os

sexos, foi estendida à questão das diferenças dentro da diferença”.175

A articulação do conceito à categoria de raça/etnia só ampliou o debate sobre as

diferenças e deu visibilidade a grupos distintos de mulheres. Cabia pensá-lo não só

como categoria de distinção entre os sexos, mas também como um lugar onde se

realizavam dominações e relações de poder. Pensar o gênero como categoria de análise

é também aceitar o desafio teórico que “exige a análise não só da relação entre

173 SCOTT. Joan. História das Mulheres in: BURKE, Peter (Org.) A escrita da História: Novas

Perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. 174 SOIHET, Rachel. PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das

relações de gênero. Rev. Bras. Hist.[online]. 2007, p. 287. 175 SCOTT, 1992, p. 87.

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74

experiências masculinas e femininas no passado, mas também a ligação entre a história

do passado e as práticas históricas atuais”.176

Pode-se, a partir da análise destas questões, refletir sobre a emergência dos

estudos da mulher negra nos Estados Unidos. Em fins dos anos 1970, intelectuais negras

americanas, a exemplo de Glória T. Hull, Barbara Smith e Toni Cade Bambara, esta

última com sua obra pioneira The Black Woman (A mulher Negra), reivindicavam o

campo de estudo sobre a mulher negra, suas experiências e trajetórias no âmbito

acadêmico, como um campo de estudo carregado de significados políticos. Esta

reivindicação esbarra na mesma contradição que a História das mulheres enfrentou para

ter legitimidade. No entanto, se pensado a luz das relações de gênero podemos admitir

os estudos da mulher negra como um lugar para refletir sobre as diferenças e as relações

de poder.

Naquela ocasião, os enfretamentos davam-se dentro do movimento feminista e

na academia caracterizada por ser ‘masculina e branca’ e contra a qual as mulheres

negras desejavam lutar. Os estudos da mulher negra na época só encontravam espaço

nas disciplinas de história e literatura. Outro entrave centrava-se nas percepções de

gênero veiculadas pela academia que primavam pela naturalização das diferenciações

biológicas que inferiorizavam a mulher.

Nos estudos da mulher negra, as pesquisadoras se propunham a refletir sobre as

condições de vida, usos e costumes das mulheres negras no pós-abolição, na intenção de

melhorar as suas condições da atualidade e denunciar os abusos que o racismo e o

sexismo impunham naquele período. Mesmo que vinculadas à História da mulher e ao

feminismo, seu objetivo central era evidenciar as múltiplas experiências de mulheres

negras em muitos espaços, em especial na academia. Com esta afirmação queriam dar

visibilidade a um campo que a história do negro e da mulher, genericamente, não

contemplavam. Por fim, conseguem espaço para seus questionamentos com o

crescimento de publicações de mulheres negras, pesquisas na área e a consolidação de

um feminismo negro, enfim “as contribuições das intelectuais negras, dentro e fora da

academia norte-americana, durante os anos 1980 e 1990, contribuíram para o

fortalecimento de estudos sobre as mulheres negras durante o período”.177

176 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. (Trad. Christine Rufino Dabat e Maria

Betânia Ávila). Educação e realidade. Porto Alegre, v. 16, n.2, jul./dez. 1990, p. 5. 177 CALDWELL, Kia Lily. A institucionalização de estudos sobre a mulher negra: Perspectivas dos

Estados Unidos e do Brasil. Revista da ABPN, v.1, n. 1- mar-jun, 2010, p. 23.

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75

Kia Lily Caldwell, em seu artigo Fronteiras da diferença, denuncia a

invisibilidade das mulheres negras nos estudos sobre a mulher no Brasil. A autora

observa a ausência dos critérios de raça e gênero nos relatos sobre as experiências

femininas brasileiras.178 Acreditamos que esse silenciamento envolve questões

complexas que giram em torno das escritas sobre os negros e suas trajetórias. Na

concorrência de uma história branca e masculina, a mulher negra se desvanece nas

malhas do cotidiano. Antes só figuravam nas narrativas da história brasileira, em

especial no século XIX, a partir de suas relações com o cotidiano e trabalho. Durante o

período da escravidão, sendo escrava ou mestiça, aparecem nos relatos sobre o dia a dia

das casas senhoriais e nas ruas. Cecília Soares argumenta que as fontes que tratam

dessas personagens são esparsas, exigindo uma pesquisa minuciosa com o rastreio de

documentos, alforrias, processos que possam tirá-las do anonimato, visto que “muitos

dos arranjos de vida e estratégias de inserção social foram habilmente desenvolvidas

num espaço de adversidade, onde ser negra, mulher, pobre, escrava ou liberta definia a

modalidade das relações de convivência e sociabilidade”.179

No Brasil, a história das mulheres emergiu seguindo o curso das mudanças

internacionais, especificamente a partir dos últimos anos da década de 1970 ao notar-se

que um número considerável de pesquisas sobre mulheres que despontava nos

congressos nacionais, a exemplo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

(SBPC).180 Em sua obra seminal, Quotidiano e poder, Maria Odila Silva Dias fala sobre

as mulheres negras e trabalhadoras em São Paulo no século XIX, trazendo em cena a

dupla diferença de ser mulher e negra e ressaltando ser este o lugar apropriado para se

pensar as omissões, os mitos e os estereótipos na história.181 A partir desta obra

pioneira, o campo de estudo das mulheres e das relações de gênero ganhou amplitude e

outras autoras, a exemplo de Rachel Soihet, Martha de Abreu Esteves, Eni de Mesquita

Samara, Leila Algranti, Mary Del Priore, Margareth Rago, Joana Maria Pedro e Maria

Izilda Santos de Matos passaram a discutir as questões de gênero e consolidaram a

178 CALDWELL, Kia Lilly. Fronteiras da diferença: raça e a mulher no Brasil. Revista de Estudos

Feministas, v. 8, n. 2, 2000, p. 91. 179 SOARES, 2006, p. 17. 180 “Em julho de 1975, o jornal alternativo Opinião noticiava o elevado número de pesquisas sobre as

mulheres brasileiras apresentadas na XXVII Reunião da SBPC, realizada em Belo Horizonte. O mesmo

jornal informa a apresentação de dez comunicações de pesquisa, dois simpósios, uma conferência e duas

reuniões extras, surgidas da necessidade de se discutir mais o assunto.” SOIHET, 2007, p. 286. 181 1ª edição de 1984.

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76

discussão no país. 182 Sobre os estudos de gênero, Marina Maluf, em sua obra Ruídos da

memória, observa que,

a reconstrução histórica das relações de gênero recupera a importância

dos papéis femininos como novos e diferenciados objetos de

conhecimento que necessariamente interferem na construção de um

saber histórico. O confronto entre a história das mulheres e a história

dominante, entre temporalidades, conteúdos e sujeitos diferenciados,

apresenta uma privilegiada oportunidade para o historiador repensar

os parâmetros que informam a interpretação histórica. 183

Para pensar o lugar da mulher negra na historiografia, duas vias de reflexão

sobre as trajetórias femininas podem ser estabelecidas na História da mulher: numa

primeira, a mulher, na categoria genérica branca, é vista como sujeito histórico pela via

da família e da natalidade e, numa segunda está à mulher operária, do povo, branca ou

negra que ganhava visibilidade pela luta por espaço e afirmação. Notadamente as

mulheres do povo só constavam nos discursos masculinos por ocasião de uma

insurreição contra a ordem, os preços e determinações políticas e sociais, como é

reiterado por Michelle Perrot: “Quanto as mulheres do povo, só se fala delas quando

seus murmúrios inquietam no caso do pão caro, quando provocam algazarras contra os

comerciantes ou contra os proprietários, quando ameaçam subverter com a sua violência

um cortejo de grevistas”. 184

No Brasil, quando se observa os relatos e narrativas de viajantes, especialmente

no século XIX, vê-se que as mulheres do povo eram em sua maioria negras e mestiças.

As negras exerciam variadas ocupações, vendiam seus serviços ou eram alugadas por

seus senhores para as funções de cozinhar, cuidar da casa, costurar, cuidar de crianças e

182 As obras são respectivamente: SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres

pobres e ordem urbana, 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989; ESTEVES, Martha de

Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio

de Janeiro: Paz e Terra, 1989; SAMARA, Eni de Mesquita. As mulheres, o poder e a família: São Paulo

século XIX. São Paulo: Marco Zero; Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, 1989; ALGRANTI,

Leila Mezan. Honradas e devotas: mulheres da colônia, condição feminina nos conventos e

recolhimentos do sudeste do Brasil, 1750-1822. Rio de Janeiro: J. Olympio; Brasília: Ed. UnB,

1993;DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto; Unesp, 1997; RAGO,

Margareth. Descobrindo historicamente o gênero. Cadernos Pagu,v.11, p.89-98, 1998; PEDRO, Joana

Maria. Mulheres honestas e mulheres faladas: uma questão de classe. Florianópolis: Ed. UFSC, 1998;

MATOS, Maria Izilda Santos de. Meu lar é o botequim: alcoolismo e masculinidade. São Paulo: Cia.

Ed. Nacional, 2001. 183 MALUF, Marina. Ruídos da memória. São Paulo: Siciliano 1995, p. 19. 184 PERROT Michelle. Práticas da memória feminina. Revista Brasileira de História. São Paulo: v. 9,

n.18 p.9-18, 1989, p. 10.

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77

outras ocupações do lar. Já as escravas de ganho ocupavam o espaço das ruas como

vendedoras, ganhadeiras, engomadeiras, lavandeiras e outros trabalhos desta natureza.

Naquele contexto, as redes de solidariedade eram essenciais para mediar os conflitos e

negociações que aí se realizavam, não só na luta por espaço, mas também nas mais

pueris relações do cotidiano.

A análise da escravidão e das “dinâmicas de mestiçagem” permitem que se

observe as permanências, os movimentos, os laços de solidariedade e as imbricações

que advêm do processo de miscigenação ocorrido ao longo da História do Brasil e que

influíram no processo de construção da identidade, em especial dos grupos étnicos e

suas mesclas culturais. A identidade ― assim pensada numa mesma perspectiva que

Serge Gruzinsky185 - é múltipla e fluída, onde cada indivíduo é dotado de muitas

identidades que se realizam no interior e na interlocução de um grupo com o externo,

em processos de mestiçagem, cujas interlocuções pressupõem negociações que se dão

tanto no plano étnico, como no de gênero.

Cecília Soares, em seu trabalho Mulher negra na Bahia do século XIX, perfaz

os caminhos dessas trabalhadoras urbanas a partir de fontes que tratam da cidade de

Salvador e apresenta dados sobre as ocupações executados por escravas e libertas. A

narrativa deixa transparecer as negociações necessárias para que as negras transitassem

pelos lugares e os preconceitos e posturas da sociedade do período, na qual as mulheres

negras iam “desenvolvendo estratégias de sobrevivência e resistência à opressão”. Nas

ruas, o conflito era constante:

As atividades realizadas pelas ganhadeiras, apesar de importante para

a distribuição de bens essenciais à vida urbana, preocupava as

autoridades. Elas faziam seu trabalho de maneira itinerante ou

fixavam-se em pontos estratégicos da cidade, servindo de elementos

de integração entre uma população considerada perigosa pelas elites.

Este fator político, somado aos esforços do Estado para organizar e

controlar a vida urbana no século XIX, levaria a muitos embates entre

ganhadeiras e autoridades policiais. 186

Em Quotidiano e poder, Maria Odila da Silva Dias também relata as vicissitudes

do cotidiano das mulheres negras em São Paulo, numa narrativa que desvela as

experiências cumulativas de improviso, aculturação e resistência à dominação. O

185 GRUZINSKI, 2001, p. 52. 186 SOARES, 2006, p. 74.

Page 79: karla dias de lima

78

cotidiano é definido como um campo marcado pela dualidade de definições e conceitos

que permeiam as relações sociais, as questões biológicas e psicológicas, a cultura, os

sujeitos e os conceitos a que se contrapõem. Nesse ínterim, as relações de gênero são

determinadas e sofrem transformações e ressignificações, frutos dessa dualidade que

marca as relações cotidianas. Nos embates em São Paulo, as negras vendeiras sofriam

preconceitos e exclusões que dificultam o seu rastreio nas fontes. Cabe ressaltar que era

um duplo preconceito de cor e de gênero que fazia com que a cidade apresentasse uma

numerosa mão de obra feminina subutilizada pelos comerciantes, pelas manufaturas e

fábricas e mesmo para o trabalho escravo, ao constatar-se ser “o preço de escravas

mulheres (…) sempre menor que o dos homens, mais numerosos e com demanda

maior”.187

Esse cotidiano é também relatado por observadores estrangeiros que estiveram

no Brasil durante o século XIX, sendo um deles o pintor Jean Batiste Debret, que

chegou ao Brasil junto com a Missão Artística Francesa e permaneceu por 15 anos,

entre 1816 e 1831. Em sua Viagem pitoresca ao Brasil188 o pintor retratou os usos e

costumes do Brasil e a forte presença escrava nos meios urbanos. A reprodução de uma

dessas pinturas pode ser observada na figura 6, que mostra uma vendedora de caju em

sua lida.

Figura 6 - Negra tatuada vendendo caju - Debret, 1827.

187 DIAS, 1995, p. 122. 188 “Obra de Debret foi publicada em três volumes e ele somente a finalizou quando retornou à França.

No primeiro volume da obra, de 1834 estão representados os índios, aspectos da mata brasileira e da

vegetação nativa em geral. O segundo volume, de 1835, concentra-se na representação dos escravos

negros, no pequeno trabalho urbano, nos trabalhadores e nas práticas agrícolas da época. Já o terceiro

volume, de 1839, trata de cenas do cotidiano, das manifestações culturais, como as festas e as tradições

populares.” CRUZ, 2006, p. 2.

Page 80: karla dias de lima

79

Imagem encontrada no site Obvius.189

Observando a figura 6, podemos inferir ser a representação de uma mulher

africana, devido a sua tatuagem facial, possivelmente da etnia Mina ou Monjolo nas

quais era comum encontrar negros tatuados. Ao fundo, com o cesto sobre a cabeça,

outra negra apregoa seus produtos. Em outras obras do mesmo pintor, o dia a dia das

escravas domésticas é retratado, constituindo uma visão importante para a percepção da

sociedade brasileira no período e tornando-se fontes iconográficas relevantes para a

historiografia nacional.

A história da mulher e a história das mulheres negras no Brasil nos fazem pensar

sobre os aspectos essenciais das relações de gênero aliados às questões raciais.

Mulheres negras, vivendo relações marcadas pelo controle e exclusão social,

reelaboravam suas experiências a partir de constantes negociações. A compreensão dos

papéis assumidos por essas mulheres do período colonial, até as comunidades

remanescentes da atualidade, possibilita a coexistência de diferentes modelos de

relações sociais, culminando em processos e diálogos interculturais.

As questões sobre a mulher negra190 e quilombola crescem e nos trazem

inquietações como essas: que fatores determinam o protagonismo das mulheres negras?

Podemos afirmar que existe uma liderança feminina em comunidades quilombolas?

189 Obvius. <http://lounge.obviousmag.org/cafe_amargo/2013/05/debret-e-a-negacao-do-neoclassicismo-

brasileiro.html> acessado em 14/08/2014. 190 Usamos a categoria de mulher negra entendendo-as em suas especificidades e confrontos. Não

pretende-se com isso legar às mesmas uma identidade única.

Page 81: karla dias de lima

80

Existindo esta liderança, como se dariam as negociações e consentimentos? Não

afirmamos ser a liderança feminina no Tucum uma exclusividade, ao contrário, nosso

objetivo é perceber, através de outras pesquisas, a liderança de mulheres negras e

quilombolas em outras comunidades.

2.2 A liderança feminina no contexto quilombola

São mulheres que trabalham e muito, em sua maioria não são

formalmente casadas, brigam, pronunciam palavrões, fugindo, em

grande escala aos estereótipos que lhe são atribuídos. (Rachel Soihet) 191

As relações de gênero são um construto social e se realizam dentro das

mediações de poder. Gênero e poder são aqui entendidos como conceitos correlatos, na

medida em que pensamos que estas relações são permeadas por complexos arranjos e

negociações. Numa comunidade, as trocas dão-se no cotidiano, numa experiência que

requer competências e estratégias de convivência para que os objetivos comuns sejam

alcançados. A existência de uma liderança comunitária direciona esses anseios e

sustenta os processos de mudança. Ao tratar desses aspectos na comunidade quilombola

de Curiaú/Amapá192, Marcos Távora Mendonça acredita que:

Para o efetivo exercício da liderança comunitária são necessárias as

seguintes características: a articulação dos problemas comunitários; a

expressão da ideia da possibilidade de uma comunidade melhor; a

defesa construtiva e adequada de pontos de vista; o ouvir ativamente

os outros, incluindo os oponentes; a identificação e mobilização de

recursos humanos e comunitários; a construção de relações

colaborativas e o encorajamento do trabalho em grupo; a gestão,

mediação e resolução de conflitos; o planejamento de estratégias para

a mudança comunitária; o englobar das ações aprendida a partir da

experiência; a busca de formas e fontes de suporte social; o dosear dos

esforços para evitar o desgaste relacional e, também o envolvimento

de outros no processo de participação comunitária. 193

191 SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-

1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989, p. 11. 192 Localiza-se no extremo norte do Brasil, no estado do Amapá, fazendo parte da região amazônica. 193 MENDONÇA, Marcos Távora. A mulher na comunidade quilombola de Curiaú no Amapá:

participação, empowerment e liderança.2008. Dissertação (Mestrado de Psicologia comunitária). ISPA

(Instituto Superior de Psicologia Aplicada). 2008, p. 18.

Page 82: karla dias de lima

81

Nos propomos a refletir sobre essa liderança feminina a partir de quatro

pesquisas realizadas em comunidades quilombolas da Bahia. Uma das pesquisas que

demonstram ser a liderança feminina não incomum, está na obra Vestígios recuperados

de Carmélia Miranda, que trata das vivências cotidianas dos moradores de Tijuaçu,

comunidade localizada em Senhor do Bonfim, no norte da Bahia.194 Por meio dos

relatos orais, que são a principais fontes utilizadas, foi possível constatar uma trajetória

feminina, sendo Mariinha Rodrigues, uma negra fugida, a fundadora da comunidade. É

peculiar ser uma mulher a fundadora, algo que talvez se reverbere no cotidiano da

localidade, onde as mulheres alçaram lugares de liderança.

Em Tijuaçu, os caminhos trilhados por mulheres que viveram e outras

que vivem no referido território tem marcado a história, a memória, a

identidade e o cotidiano dessa comunidade negra rural. As

experiências vivenciadas e a luta que estas têm travado pela sua

sobrevivência e a dos seus familiares mostram a força e a coragem

para enfrentar as dificuldades cotidianas. O papel desempenhado pelas

mulheres da comunidade negra rural é visível em todos os setores. A

figura feminina sempre se fez presente desde os primeiros momentos

do território, quando Mariinha Rodrigues desbravou as matas de

Tijuaçu, criando perspectivas de sobrevivência, fazendo desse espaço

a sua paragem e criando laços familiares e de solidariedade. 195

Guardiãs de uma memória geracional, as mulheres de Tijuaçu alcançaram o

respeito e os lugares de liderança dentro da comunidade. Carmélia Miranda identifica os

lugares ocupados pelas mulheres de Tijuaçu, como pela fundadora Mariinha, que

passaram “da cozinha à rua; da roça à igreja; de mãe a provedora do lar.” 196 Quem são

essas mulheres? O texto as desvela com toda a clareza:

(...) outras moradoras vão nas atividades religiosas, inclusive

assumindo papéis de liderança a exemplo de Detinha, que organiza as

atividades da igreja católica, principalmente nos preparativos da festa

de São Benedito; Ilca dos Santos, líder da comunidade, atualmente

vice-presidente da Associação dos Quilombolas e adjacências de

Tijuaçu; Dalva, líder da comunidade da Fazenda Alto; Anísia, exímia

contadora de histórias, que relatou com perspicácia a trajetória da

comunidade; Marinalva Santos da Silva (mas conhecida como Dinha),

percussionista do samba de lata; Genoveva, a iniciadora, já falecida e

Joana, sua filha, sambista que encanta a todos com seus passos leves e

194 Pertencente ao município de Senhor do Bonfim, ao Norte da Bahia e a região econômica do Piemonte

da Diamantina, sendo a 28ª região administrativa. 195 MIRANDA, 2009, p. 82. 196 Ibid., p. 83.

Page 83: karla dias de lima

82

graciosos. Esses papéis trazem no seu bojo resquícios da cultura

africana, onde, na ordem familiar matrilinear, embora matizada

conforme a região, entregava-se a casa da família ao controle total da

mulher, o que viria explicar a predominância dessas mulheres em

Tijuaçu. 197

Carmélia Miranda apresenta as trajetórias femininas de mulheres que lutam pela

sobrevivência e por seus direitos. Privadas de um saber letrado, utilizam estratégias de

improvisação, as quais podemos também pensar nas negociações que marcam as

dinâmicas de mestiçagem. A espontaneidade com que narram as suas experiências é

evidente no texto, assim como a visibilidade política, social e econômica alcançada, que

é parte da arte da sobrevivência dessas figuras femininas que atuam em muitos âmbitos.

As histórias de Tijuaçu são escritas no feminino e a comunidade seria o pano de fundo

dessas relações suaves e complexas.

Em outra perspectiva, Nivaldo Dutra198 vai narrando as vivências de homens e

mulheres ao tratar das trajetórias de lutas, permanências e resistências encontradas por

negros remanescentes de quilombos na conquista de seus territórios nas comunidades de

Rio das Rãs e da Brasileira199. Aos poucos vão se descortinando os enfrentamentos, o

cotidiano, as redes de solidariedade entre os moradores das comunidades e outros

grupos com os quais se relacionam. As mulheres de Rio das Rãs e da Brasileira vão

aparecendo e ganhando corpo no texto, na medida em que assumem um papel de relevo

nos conflitos de terra da região. A princípio, os relatos orais as descrevem como figuras

tímidas nos espaços políticos.

Observamos que, na maioria das vezes, a participação feminina se dá

de uma forma mais tímida. Porém, na medida em que tomam

consciência da importância de sua participação, as mulheres começam

a se envolver nas discussões e passam a construir seus espaços dentro

das organizações que são criadas, como é o caso da Cooperativa

Agropastoril do Quilombo Rio das Rãs, onde essas mulheres se fazem

presentes, participando da direção ou até mesmo organizando-se em

grupos específicos de mulheres para desenvolverem projetos

comunitários, como horta, trabalhos artesanais, corte e costura, que as

ajudam a colaborar com o orçamento familiar. Passaram também a

participar, em maior número, das reuniões e encontros promovidos

197 MIRANDA, 2009, p. 83-84. 198 DUTRA, Nivaldo Osvaldo. Liberdade é reconhecer que estamos no que é nosso: comunidades

negras do Rio das Rãs e da Brasileira-BA (1982-2004). Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo PUC, São Paulo. 2007. 199 Localizadas na região fisiológica do Médio São Francisco, município de Bom Jesus da Lapa – Bahia.

Page 84: karla dias de lima

83

pela comunidade ou por entidades que colaboram com a resolução

dessa problemática. 200

Analisamos que essa ‘timidez’ em participar mais ativamente das reuniões da

associação comunitária devia-se à complexidade das questões de gênero, que perpassam

essas relações. “As comunidades rurais, na sua maioria, se caracterizam,

predominantemente, pelo exercício do poder masculino, isso não é diferente nas áreas

consideradas quilombolas.” 201 Entendemos, e mais uma vez reforçamos, que estas

relações também envolvem sutis negociações. Em Rio das Rãs e na Brasileira a situação

se modifica a partir da conscientização das mulheres, que nos momentos dos conflitos

de terra passam a colaborar com as questões comunitárias e ganham importância dentro

do grupo. Foram determinantes numa ocasião em que os homens estavam proibidos por

fazendeiros de retirar produtos de uma determinada região:

Elas foram se envolvendo, participando das discussões, colaborando

com a resistência. Exemplo disso foi à participação delas à frente da

coleta da produção na área do lameiro, no período em que os homens

estavam proibidos pelo fazendeiro de retirar da área os produtos.202

Os obstáculos à participação feminina são vencidos à medida que as

necessidades de sobrevivência e luta cotidiana se tornam prementes e, aos poucos elas

transpõem barreiras sociais e inscrevem o seu protagonismo na história das lutas

comunitárias. Os lugares onde exercem esta liderança na comunidade são variados,

desde os organismos políticos da localidade, na educação dos filhos, no cuidado com a

horta, a pastoral da criança e os cursos de corte e costura. O certo é que vão tomando o

seu lugar no grupo e dando peso às decisões coletivas. “Destaque especial pode ser dado

à participação das mulheres, principalmente nos momentos mais críticos, quando o

conflito estava em andamento e se fazia necessária à participação de todos.” 203

A comunidade de Rio das Rãs é vista por outro viés na pesquisa de Rosângela

Miranda, em que narra as experiências femininas das mulheres negras da região. As

mulheres figuram em toda narrativa de Rosângela Miranda, desde os conflitos de terra,

suas práticas cotidianas e a manutenção das tradições culturais da comunidade que têm

200 DUTRA, 2007, p. 71. 201 Ibid., p. 70. 202 DUTRA, Op. Cit., p. 71. 203 Ibid., p. 75.

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84

grande influência na construção identitária da localidade. “Por meio da memória, as

mulheres tornaram-se testemunhas oculares dos assuntos da comunidade e da luta pela

sobrevivência.” 204 As experiências históricas dessas mulheres são elaboradas a partir de

suas vozes, os enfrentamentos, as negociações e os lugares de poder que são assumidos.

(...) as mulheres do Rio das Rãs dinamizam na lida diária, pois seu

cotidiano, é marcado por tensões e contradições. Nessa perspectiva

estabelecem vínculos entre as experiências cotidianas e a expressão do

corpo, demonstrando muita garra e luta. Suas narrativas exercitam

lembranças de suas origens, das suas vivências e estimulam a

fortalecer os liames do grupo. É por meio dessas narrativas que

compreendemos os fios das suas histórias, sua organização de luta e

de continuidade por novas vivências ligadas aos aspectos culturais, ao

trabalho e aos projetos vindouros. 205

Rosângela Miranda traz o escopo das relações cotidianas do Rio das Rãs num

contexto em que as mulheres tiveram relevância para a construção da identidade local.

Reinventaram as suas práticas diante dos desafios que a luta pela terra ofereceu e são

elas, em sua maioria, que hoje contam as agruras dos conflitos com os fazendeiros e o

processo de reconhecimento como quilombolas. O cotidiano se desvela com destaque

ao tempo de conflitos pela terra, as histórias de vida e as manifestações culturais.

Dessas manifestações culturais, tão encontradas nas comunidades quilombolas, a

religiosidade foi um dos suportes para a construção da identidade na comunidade

quilombola de Tomé Nunes,206 pesquisada por Leila Teixeira. As mulheres de Tomé

Nunes foram as grandes responsáveis pela manutenção das práticas culturais que já

possuíam desde os tempos que antecedem o reconhecimento da comunidade.

Inicialmente, tinham vergonha das rezas feitas na casa de oração, também chamado de

terreiro: “O Terreiro só deixou de ser perseguido quando a CPT organizou um encontro

com o professor Nivaldo Dutra, da UNEB/Caetité, que proferiu palestra sobre os negros

de África, suas tradições e a escravidão brasileira”.207 Após isso, uma maior

conscientização dos valores ancestrais afro-brasileiros foi iniciada na localidade.

204 MIRANDA, Rosângela Figueiredo. Experiências das mulheres negras do Rio das Rãs: resistência,

cotidiano e cultura – Bom Jesus da Lapa– BA. (1970-2009). 2011. Dissertação (Mestrado em História).

UNEB, Campus V, Santo Antônio de Jesus, 2011, p. 53. 205 Ibid., p. 25. 206 Localizada à margem do Rio São Francisco no município de Malhada/BA. 207 TEIXEIRA, Leila Maria Prates. Comunidade de Tomé Nunes: Memória e construção identitária no

Alto Sertão Baiano. 2010. Dissertação (Mestrado em História). UNEB, Campus V, Santo Antônio de

Jesus 2010, p. 55.

Page 86: karla dias de lima

85

Práticas religiosas que serviram como vínculos importantes para “a melhoria da

autoestima dos moradores locais e imprescindíveis para assegurar-lhes a posse da

terra”.208

Outros tantos exemplos de liderança feminina se apresentariam se fossemos

mapear as pesquisas sobre comunidades quilombolas na Bahia e em todo o Brasil. As

questões tratadas nestas pesquisas figuram na trama de discussões sobre a mulher negra,

a liderança feminina, a identidade etnicorracial e os quilombos. São temas que devido a

fatores políticos e sociais ganharam destaque no Brasil nos últimos 20 anos. O ativismo

das mulheres do Tucum coaduna com a de muitas mulheres negras, militantes ou não,

que resistem a calar-se frente à oposição branca, machista e elitista. Em sua pesquisa

sobre mulheres negras e militantes, Michele Lopes Silva constata que as mulheres são a

maioria nos movimentos negros e feministas, no entanto, dificilmente tem suas

especificidades atendidas pelos movimentos que frequentam.

Podemos dizer, então, que as mulheres negras podem ser consideradas

mulheres em Movimentos e que estão em constante movimento. A

esse processo dinâmico vivido pelas mulheres nessas organizações

sociais denominamos demarcação da diferença entre os diferentes.209

São histórias femininas inscritas no labor diário e que ganham corpo nas

entrelinhas das relações do grupo. E será por essas entrelinhas, silêncios e declarações

que se realizam nas relações cotidianas, que iremos agora enveredar pelo universo das

mulheres do Tucum. Interessa-nos aprofundar nos modos de vida, nas redes de

solidariedade, nos desafios vários que a vida no campo oferece.

2.3 As mulheres do Tucum: gênero, corpo e oralidade

Estas mulheres onde o diabólico e o divino se alternam, que oscilam

entre o além e o aquém do humano são, entretanto, um objeto

colocado no espaço do qual se distingue o olhar. (Michel de Certeau) 210

208 TEIXEIRA, 2010, p. 58. 209 SILVA, Michele Lopes da. Mulheres Negras em movimento(s): Trajetórias de vida, atuação política

e construção de novas pedagogias em Belo Horizonte – MG. Dissertação de Mestrado em Educação.

UFMG, 2007, p. 18. 210 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982, p. 232.

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86

No contato com a comunidade quilombola do Tucum nos deparamos com

mulheres de diferentes gerações e experiências de vida: senhoras com a pele marcada

pelo tempo, olhos vívidos e sagazes; mulheres de meia idade que trazem o mundo nos

olhos e o trabalho nas mãos firmes e calejadas; jovens, herdeiras da força das mais

velhas: fortes, vivazes e atuantes. Algumas são mães, filhas e avós de uma mesma

família e na genealogia das famílias da região vão se delineando as estratégias

femininas, os modos de vida e as reminiscências do lugar. Esta distinção no olhar da

qual fala Michel de Certeau, aplica-se a essa mulher que “torna-se chefe de família e

rompe com os preceitos sociais, não obstante o ideário tradicional feminino e as

dificuldades socioeconômicas encontradas, dando origem a uma nova prática social e a

uma nova condição feminina”. 211

Maria Odila da Silva Dias alerta que “o descortinar as estruturas do quotidiano

ao nível de organização domiciliar, familiar e das parentelas e vizinhanças constitui

terreno difícil”. 212 No entanto, ao longo do século XX, a luta das mulheres negras ganha

visibilidade, especialmente por meio de sua organização, como é o caso da Associação

de Trabalhadoras Domésticas criada em São Paulo na década de 1930. Cabe lembrar,

conforme Adeildo Silva e Edjan dos Santos analisaram, que “a centralidade do trabalho

doméstico aparece tendo em vista o fato de ser a principal atividade exercida

majoritariamente por mulheres negras”. 213 A criação do Conselho Nacional da Mulher

Negra (CNMN), em 1950, é outro fato que traz visibilidade às mesmas, acrescida aos

elementos da cultura de massa que fazem parte do cotidiano, como “a música popular

brasileira, as escolas de samba, o esporte entre outras frentes, são importantes para o

protagonismo dessas mulheres”.214 Dessa maneira, as mulheres negras foram

desenvolvendo e consolidando estratégias de sobrevivência e protagonismo em diversos

âmbitos.

Considerando tais dinâmicas presentes na historicidade das mulheres negras no

Brasil, as mulheres quilombolas do Tucum também se incluem nos diversos lugares

sociais, políticos e culturais que vêm ocupando, a exemplo do papel de relevo nas

211 LIMA, Elane Andrade Correia. A nova condição feminina: as mulheres do seringal. In: CLOUX,

Raphael Fontes (Org.) Resistências e contestações: movimentos sociais, política e ideologia. Salvador:

Kawo-Kabiyesile, 2013, p. 226. 212 DIAS, 1995, p. 17. 213 SILVA, Adeildo Vila Nova. SANTOS, Edjan Alves dos. Mulheres negras: histórias de resistência, de

coragem, de superação e sua difícil trajetória de vida na sociedade brasileira. Santos: Governo do Estado

de São Paulo, 2010, p. 63. 214 Ibid., p. 63.

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87

decisões da comunidade, perceptível desde os primeiros contatos em 2009. O direito à

fala configura-se num lugar de poder por meio do qual podem agir, assumir posturas e

ressignificar relações. Através de uma linguagem própria, constituem suas narrativas e

acolhem o desafio de enfrentar os obstáculos de sua condição de subalternidade. Elas

têm voz ativa em muitas situações e são “guerreiras” nos âmbitos em que precisam

atuar. E assim são descritas por Maria do Carmo:

Elas são muito batalhadoras, elas são mulheres que se tivessem

mesmo assim, um trabalho, um desenvolvimento no trabalho, elas não

teriam dificuldade para sobreviver sabe? Porque são mulheres que vão

mesmo a luta, buscam o barro para fazer a panela, outras tiram a palha

para fazer a vassoura, outras vão pro café, mesmo num, não olham a

distância, mas elas vão em busca da luta, do trabalho do dia a dia. São

guerreiras mesmo. 215

A vida das trabalhadoras rurais216 na comunidade quilombola do Tucum é

permeada pelo enfretamento de desafios de diversas ordens, desde as relações mais

comezinhas ao sustento e manutenção do lar. Aos poucos suas falas vão revelando os

pequenos anseios e frustrações do cotidiano. Através das histórias que continuam a

vivenciar no curso do tempo, puderam constituir uma linguagem própria e que se

corporifica em gestos e signos, a qual pode ser expressada pela oralidade, principal

meio de manutenção e manifestação de suas memórias, tradições e crenças, conforme

Edinelia Souza observa que

Esse tipo de linguagem, articulando oralidades com gestos e signos do

corpo, marca a presença viva dos sujeitos num espaço reconstruído

pela memória, dando concretude às vivências que imortalizaram o

tempo, tornando possível um diálogo entre experiências passadas e

atitudes presentes. 217

215 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira Silva, no Tucum, em 04/08/2012. 216 O trabalho agrícola aqui pensado “designa acima de tudo as técnicas, o trabalho agrícola

recompensado pelas colheitas e os agricultores com suas maneiras próprias de viver, o que a distingue

da vida urbana e industrial”. LINHARES, Maria Yeda. História agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion

e VAINFAS, Ronaldo (Orgs.) Domínios da História: ensaios de teoria metodologia – Rio de Janeiro:

Campus, 1997, p. 246. 217 SOUZA, Edinelia Maria Oliveira. Memorias e tradições: Viveres de trabalhadores rurais do

município de Dom Macedo Costa – Bahia (1930 – 1960). Dissertação de Mestrado PUC/SP. 1999, p.

38.

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88

A linguagem é um território no qual as relações de poder se materializam. O

direito à fala, ao argumento, à expressão, constituem conquistas políticas. Antônio

Torres Montenegro observa que a fala é um instrumento importante para as populações

marginalizadas, pois é a partir dela e para além de um reducionismo linguístico que, nas

experiências cotidianas desses grupos, conceitos e discursos são recriados e se

redimensionam no campo das relações sociais. 218 A passagem do tempo não tem o

poder de alterar o que passou, no entanto, à medida que os acontecimentos são narrados

e apropriados por uma coletividade, são modificadas as suas percepções e

representações, que se reconfiguram no seio do grupo.

Numa estrita relação entre o corpo e a memória, a fala se realiza em conjunto

com a corporalidade. Ambas são indissociáveis no processo de relembrar o passado a

partir de uma perspectiva do presente. A oralidade aflora, por vezes, aliada às noções do

corpo, 219 às vivências, ao sentimento de pertença, às afirmações identitárias que juntas

se amalgamam num discurso e numa prática que ressignificam os modos de vida.

As palavras dão existência e significado ao corpo como lugar da

experiência vivida; a memória denuncia a condição de subalternidade

evidenciada nas desordens do corpo, que indefinem os sujeitos,

tornando-os meio homens, meio animais, o que assinala para os fortes

vínculos de sua cultura com a natureza, assim como para a violência

física e moral mantida nas relações de poder que traduzem seu viver. 220

O corpo desvela as experiências, mas também as alteridades, as dominações e as

violências simbólicas ou não que se corporificam nas relações entre os sujeitos. Dessa

maneira, pode-se pensar que a noção de corpo funciona como mecanismo de

autoafirmação que se materializa na linguagem. Esta autoafirmação dá-se numa

tentativa de legitimar tradições, crenças e pertença a um grupo; oralidade e o corpo se

complementam em elucidar às experiências individuais e coletivas.

Como apontado por Roger Chartier, “um objeto maior da história das mulheres é

então o estudo dos discursos e das práticas, manifestos em registros múltiplos, que

218 MONTENEGRO, Antônio Torres. História oral, memória e cultura popular revisitada. São Paulo:

Contexto, 2007, p. 39. 219 Sobre a história do corpo Roy Porter observa que: “Devemos enxergar o corpo como ele tem sido

vivenciado e expresso no interior de sistemas culturais particulares, tanto privados quanto públicos, por

eles mesmos alterados através dos tempos.” PORTER, Roy. História do Corpo. In: Peter Burke (Org.).

A Escrita da História. São Paulo, Ed. UNESP, 1992, p. 295. 220 SOUZA, 1999, p. 6.

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89

garantem (ou devem garantir) que as mulheres consintam nas representações

dominantes da diferença entre os sexos”.221 Esse consentimento não significou

submissão visto que

Nem todas as fissuras que corroem as formas de dominação masculina

tomam a forma de dilacerações espetaculares, nem se exprimem

sempre pela irrupção singular de um discurso de recusa ou de rejeição.

Elas nascem com frequência no interior do próprio consentimento,

quando a incorporação da linguagem da dominação se encontra

reempregada para marcar uma resistência. 222

Pensar a relação entre gênero e corpo, em especial nas representações do corpo

feminino, é necessário para que se desnaturalize percepções sexistas. 223 O domínio e a

desvalorização do corpo feminino se configuram em formas de controle social, que

crescem se levados em consideração os critérios de raça e classe social. A mulher negra,

escrava, liberta ou mulata figurou nos relatos de visitantes, nativos e cientistas da época

numa representação da sensualidade e erotismo: “Religiosidade pagã, violência,

brutalidade, lubricidade, lascívia, promiscuidade, corpos de mulheres vertendo “a grossa

luxúria negra”, provocando a libertinagem de homens desta raça (negra), “gorilas

assanhados”. 224 Essas descrições vinham carregadas de preconceitos que

estigmatizavam a mulher negra, o que maximizava o controle social sobre seus corpos e

estilos de vida.

Neste sentido, cabe pensar os lugares de subversão das mulheres negras. Suas

experiências e trajetórias apontam que muito provavelmente eram em suas relações de

trabalho que os lugares de consentimento e deslocamento na linguagem de dominação

se realizavam. A produção historiográfica baiana mostra que a mulher escrava transitou

por muitos ofícios desde as casas senhoriais, lavouras, trabalhos artesanais e o

comércio. Ainda que a divisão dos papéis e funções ocorresse por distinções de gênero,

221 CHARTIER, Roger. Diferenças entre os sexos e dominação simbólica. In: Cadernos Pagu. Campinas,

n.4, 1995, p. 40. 222 CHARTIER, 1995, p. 42. 223 Sobre as representações do corpo feminino, ver: JAGGAR, Alison M. ; BORDO,Susan R. [editoras].

Género, corpo, conhecimento /, tradução de Brítta Lemos de Freitas. - Rio de Janeiro: Record: Rosa dos

Tempos, 1997; Martha de Abreu Esteves. Meninas perdidas. Os populares e o cotidiano do amor no Rio

de Janeiro da “Belle Époque”. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 1988; Rachel Soihet. A sensualidade em

festa: algumas representações do corpo feminino nas festas populares no Rio de Janeiro – séculos XIX e

XX. Diálogos Latinoamericanos, CLAS – Centro de Estudios Latinoamericanos. Universidade de

Aarhus – Dinamarca, 2/2000, p. 92-114. 224 SOIHET, 2000, p. 101.

Page 91: karla dias de lima

90

não era incomum encontrarem-se mulheres chefes de família. A reflexão sobre o gênero

e as questões etnicorraciais tornam-se premissa relevante para o deslocamento das

generalizações feministas e das discussões raciais.

As percepções de corpo e memória se agregam às reminiscências de um grupo,

enquanto essas vivências, apropriadas pelo indivíduo, dão-se na corporeidade e no

sentido de existir.225 Edinelia Souza alerta sobre esse processo, tendo em vista não ser

estanque e ocorrer na mesma proporção em que as tradições de um grupo estão sendo

dissolvidas pelos imbrincamentos e trânsitos culturais. 226 As alteridades daí decorrentes

só atestam que as identidades estão em constante construção.

A complexidade das relações sociais em comunidades quilombolas tem

propiciado a construção de identidades marcadas pela diversidade, na qual a pertença ao

território e às subjetividades dos sujeitos operam na direção de novas identidades. As

mulheres negras rurais são diretamente influenciadas por este processo, quando, dentro

das associações, ajudam na consolidação de um projeto político para a comunidade,

resultando por transformar a sua própria identidade. Oriundas de um processo de

múltiplas exclusões, as identidades dessas mulheres são fortemente influenciadas pela

paisagem e modo de vida rural, onde se realizam as suas noções de corpo e

pertencimento ao grupo. Conforme Elisabeth Cruz, o corpo dessas mulheres, ao

denunciar as alteridades, não reflete somente a sua origem campesina, mas as

“condições de trabalho, precárias e mais duras do que na cidade, realizado sob o sol

quente, que queima a pele e transforma a imagem da mulher rural”. 227

Em seu fazer social, as mulheres negras e rurais constroem narrativas que

reconduzem suas práticas, ficando enunciadas nas trajetórias da comunidade, em suas

conquistas e lutas. A tenacidade da mulher negra rural é perceptível entre as mulheres

no Tucum, pois, através de suas lembranças de tempos que só ouviram contar,

continuam a atuar no reforço identitário, que remodela suas posturas, visões de mundo e

da comunidade. As posturas e a proatividade dessas mulheres reconfiguraram sua

condição feminina, na renovação das atitudes e papéis que assumem junto ao grupo. A

fala e a corporalidade se revelam no processo de socialização de suas lembranças, onde

225 MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 226 SOUZA, 1999, p. 40. 227 CRUZ, Elizabeth Ferreira da. Ação política, transformação social e reconstrução de identidades -

Um olhar a partir do feminismo para a militância das mulheres rurais nos movimentos sociais. 2008.

Dissertação (Mestrado em Sociologia). Fortaleza, Universidade Federal do Ceará – UFC, 2008, p. 141.

Page 92: karla dias de lima

91

a possibilidade de reviver e discorrer sobre elas torna-se um elemento de sua

historicidade, de saber de onde vieram e quais as suas origens, como nos revela Rita:

Faço parte da comunidade, sou quilombola, agora sou a presidente da

associação. A gente tinha uma curiosidade como nossa família, nossos

bisavôs vieram né? Refugiado né? Da África, vieram pra esse local

aqui, nem sobrenome eles não tinha, só tinha o nome, mas não tinha

sobrenome. Aí é tanto da parte do meu pai, como da parte de minha

mãe, aí a gente teve a curiosidade de criar a história, aí minha mãe

como ela já estava mais engajada no outro tema e tava na curiosidade.

Mas como é que a gente chegou aqui? Como que veio esse

sobrenome? De onde veio? Aí a gente foi pesquisando através dos

mais idosos, os idosos falavam uma coisa pra gente e aí a gente ia

escrevendo os questionários, escrevendo nos cadernos e deixando.228

No estudo das trajetórias femininas do Tucum, busca-se colocar em evidência as

articulações sociais e o engajamento dessas mulheres nos seus hábitos e relações. A

partir das reflexões sobre gênero, corpo e oralidade, apresentaremos neste capítulo o

cotidiano das mulheres negras e quilombolas do Tucum em sua condição social e

cultural. Neste ínterim, algumas questões se fazem necessárias para prosseguir nesta

reflexão: Quais representações motivaram a construção das identidades femininas no

Tucum? Que acontecimentos e situações determinaram que algumas mulheres

assumissem o papel de liderança na comunidade? Ao longo do texto estas questões

serão destrinchadas através dos relatos orais.

2.4 As mulheres do Tucum em suas lidas e lutas

Tua matéria é o tempo, o incessante

Tempo. Tu és todo solitário instante.

(Jorge Luís Borges) 229

A singularidade das experiências do feminino faz com que o próprio saber

histórico seja contraposto, visto que “não se trata, pois, de incluir a experiência feminina

em experiência histórica já elaborada”.230 Inscritas no tempo, ‘o incessante tempo’

228 Entrevista com Maria Rita Oliveira Silva, no Tucum, em 24/08/2014. 229 BORGES, Jorge Luís. A divina comédia. In: BORGES, Jorge Luís. Obras completas. São Paulo:

Globo, 2000, p. 353. 230 MALUF, 1995, p. 20.

Page 93: karla dias de lima

92

descrito por Jorge Luís Borges, as mulheres se constituem em um objeto desafiador. O

desafio de trazer à luz o quotidiano feminino está para além de uma oposição entre

sexos e, sim em reconstituir relações de gênero, o que envolve tensões e mediações de

poder.

Na atualidade, a mulher negra luta por seu espaço no mundo do trabalho,

associações, faculdades e nas múltiplas relações sociais, onde em diversos âmbitos

busca romper com as nominações racistas e sexistas. Podemos agora pensar sobre as

significações em ser mulher negra e quilombola, visto que, diferente da mulher negra e

urbana, as primeiras são diretamente influenciadas pela conjuntura das relações no meio

agrário, a divisão do trabalho entre os gêneros, as lutas e negociações pela terra e a

liderança. Rosângela Miranda, ao falar da experiência das mulheres quilombolas de Rio

das Rãs, diz que:

Em se tratando de sertão, tradicionalmente a vida das mulheres era

dividida entre a casa e a roça, levando-as à condição de sujeitos

invisíveis, sem o reconhecimento social. (...) A mulher se fazia

presente na luta pela terra, nos afazeres domésticos e nos trabalhos dos

roçados. Enquanto os homens estavam negociando a posse da terra,

eram elas que limpavam as terras, plantavam e ainda preparavam os

alimentos 231

Estas também são as experiências das mulheres do Tucum. Em suas narrativas,

contudo, pudemos constatar que, em suas itinerâncias, elas foram driblando limitações e

assumindo posturas e lugares de liderança. Quem são elas? Como vivem e se

relacionam? Quais são estes lugares de liderança? Estes questionamentos serão, agora,

respondidos.

2.4.1 Mães, líderes, paneleiras e guardiãs da memória

As mulheres do Tucum, algumas de que já falamos e outras que aparecerão

agora, serão aqui apresentadas com os seus nomes e assinaturas verdadeiros. As

entrevistas foram realizadas entre os anos de 2012 e 2015 e, ao utilizá-las, tentaremos

manter o máximo de fidelidade à forma falada. 232 Quem são essas mulheres, como

231 MIRANDA, 2011, p. 55. 232 As primeiras entrevistas foram realizadas em 2009, mas como o foco da pesquisa modificou-se ao

longo do tempo não achamos pertinente utilizá-las.

Page 94: karla dias de lima

93

vivem e que anseios e esperanças marcam suas trajetórias, são questões sobre as quais

vamos nos debruçar a partir de agora.

A primeira delas, já apareceu de forma recorrente no texto: Maria do Carmo

Oliveira Silva de 66 anos, 233 apelidada de Carminha ou Carmem, nasceu no Tucum e

foi a primeira das oito filhas de Edelvira Silva Oliveira e Celso José da Silva. Recebeu o

seu nome em homenagem a sua avó paterna, por parte de quem seria bisneta de Cândido

Pinto, um dos fundadores do Tucum. Casada, mãe de cinco filhos e também avó, agrega

funções em casa, na igreja e na Associação, mesmo por isso é uma das principais

lideranças da comunidade.

Carmem é uma mulher que enfrenta os desafios impostos por sua condição

feminina na luta por seu espaço. Nascida num período em que o acesso à escola era

dificultado, Carmem não se desestimulou, e aos 59 anos concluiu o Ensino Médio. 234

Atualmente cursa o quarto ano da Escola de Teologia para leigos da Diocese de

Livramento de Nossa Senhora, que diz estar fazendo para poder ajudar seus

companheiros de alguma maneira e por se sentir instigada a estudar a temática. Carmem

está sempre envolvida nas ações que possam melhorar a vida na comunidade, desde a

luta por seu reconhecimento como quilombola, a vinda de cursos e palestras que possam

conscientizar os moradores dos seus direitos, os mutirões onde ela e outras mulheres

cozinham, limpam a igreja e promovem eventos na comunidade.

Hospitaleira, a casa amarela onde mora no alto de uma ladeira, está sempre

aberta a receber os agentes externos que visitam a região. Em sua casa foram realizadas

as três entrevistas aqui utilizadas, duas realizadas no mês de agosto em 2012 e 2014, e a

última realizada no mês de maio de 2015. Abaixo na figura 7, ela aparece acompanhada

de seu esposo Olegário Oliveira, em uma foto feita nos fundos de sua casa no Tucum.

233 As idades de todas as mulheres listadas a partir deste momento tem por referência o ano de 2015. 234 Em 2008 na cidade de Brumado/BA.

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94

Figura 7 – Maria do Carmo Oliveira Silva e seu esposo Olegário.

Autor: Karla Dias. 04/08/2012.

A genealogia da família de Carmem é composta por mulheres que dominaram os

espaços e alcançaram o respeito dos demais, um exemplo está em sua filha Maria Rita,

atual presidente da Associação, cargo já ocupado por Maria do Carmo em outras

épocas. Maria Rita Oliveira Silva, de 39 anos, herdou de sua mãe e da avó não apenas

os traços fortes, mas a firmeza na fala e a coragem para liderar, apontar os problemas da

comunidade e buscar melhorias que abranjam a todos. As entrevistas com Rita

ocorreram em agosto de 2014 e maio de 2015.

Maria Rita não é só mais uma entre as muitas “Marias” da família de Carmem, é

uma herdeira da coragem das ancestrais diretas. Pertencente à terceira geração da

família de D. Edelvira, Rita deu um curso diferente à sua vida ao escolher, não

permanecer em um casamento por convenção e a ter menos filhos. Casou-se muito nova

e há oito anos separou-se do marido. Desta relação, Rita teve uma filha, Celi, hoje com

15 anos. Em sua fala, Rita deixa antever que, diferente das outras gerações de sua

família, sua coragem se realiza na força para enfrentar as mudanças e nos desafios de

criar sua filha sem um companheiro em uma comunidade patriarcal. Na figura 8, Rita

aparece ao lado de algumas meninas do Tucum.

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95

Figura 8 – Maria Rita Oliveira Silva com crianças da comunidade no barracão da Igreja

do Tucum de Cima.

Autor: Karla Dias. 23/08/2014.

Trabalho constante é também o estilo de vida de Maria Rosa da Silva, paneleira

de 47 anos. Rosa nasceu na Tapagem, povoado próximo ao Tucum, e aprendeu a fazer

panelas com as mulheres de sua família. 235 Atualmente, mora próximo ao núcleo

principal do Tucum com marido e filhos. Como o Tucum não oferece muitas

possibilidades de trabalho, anualmente Rosa sai para a colheita de café, que a ocupa por

cerca de três meses e lhe ajuda financeiramente a complementar a renda das panelas. O

trabalho com o barro é uma das tradições mais antigas do Tucum e já representou a

principal forma de sustento das famílias da região. Hoje, poucas mulheres se dedicam a

este trabalho, sendo Rosa e sua irmã Lindaura, as principais paneleiras da região. A

figura 9 abaixo foi feita na casa de Rosa no Tucum, onde a entrevistamos em agosto de

2012.

235 O Tucum é composto pelas localidades de Tapagem, Lagoa da Pedra, Batateira e Fazenda Velha. A

Tapagem fica a pouco mais que 2 Km do núcleo principal de casas do Tucum. Faz parte do “Tucum de

Cima”, como é chamado por lá.

Page 97: karla dias de lima

96

Figura 9 – Maria Rosa da Silva.

Autor: Karla Dias. 04/08/2012.

Lindaura Silva, irmã de Rosa, tem 55 anos, já foi casada e desse relacionamento

teve nove filhos, mas um faleceu ainda criança. Há dez anos se divorciou por não

aguentar o alcoolismo do cônjuge. Ao falar sobre o assunto, afirma sorridente que hoje

está muito melhor e que já conseguiu outro companheiro, pois viver sozinha é coisa

muito ruim. A figura 10 abaixo mostra o nosso último encontro em que ela nos recebeu

com as roupas sujas de barro e nos levou para o fundo de sua casa para conversarmos

enquanto modelava as peças de barro.

Page 98: karla dias de lima

97

Figura 10- Lindaura sorridente na porta de sua casa na Tapagem.

Autor: Karla Dias. 30/05/2015.

Sempre sorrindo, Lindaura diz que trabalha com o barro “desde que se entende

por gente”. Com esse trabalho criou seus filhos, que vivem próximos a ela no povoado

da Tapagem. É famosa no Tucum e na cidade de Tanhaçu pelos seus artefatos de barro

de rara beleza, é tão hábil no trato com o barro, que Rosa ao se referir a ela diz que “ela

sim, é uma profissional do barro”. Consideramos que a postura e firmeza de Rosa e

Lindaura também se configuram numa liderança local. Ao manter a tradição da

fabricação das panelas, ambas estão confrontando suas realidades em prol de seus

objetivos. Como diz Rosa : “[...] a origem nossa vem do barro”. 236 E desse trabalho

alimentaram os seus filhos durante muitos anos, do barro aos enfrentamentos cotidianos

pela sobrevivência.

Paneleira em outros tempos, Edelvira Oliveira Silva de 81 anos, está entre as

guardiãs da memória local. É uma senhora negra, forte, que traz no rosto as marcas do

tempo e da vida árdua de trabalhadora rural. Mãe de Maria do Carmo, Edelvira figura

entre as mulheres mais velhas que foram entrevistadas para a elaboração da “Declaração

236 Entrevista com Maria Rosa Silva, no Tucum, em 04/08/2012.

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98

de auto-reconhecimento” da comunidade. Nascida no Tucum, filha de Manoel Jacinto

Silva e Mariana Rosa Silva, casou-se com Celso José da Silva com quem teve nove

filhos. Com a firmeza e espontaneidade vai rememorando outros tempos, as dores, os

ausentes e as mudanças que o curso da vida legou aos seus. Matriarca de uma grande

família, D. Edelvira se lembra de tempos de grande agrura quando moravam em casas

de palha e tinham dificuldades para sobreviver por conta da pobreza da região. Apesar

disso, fala das chuvas que favoreciam as plantações e das coisas que abriu mão na

urgência por sobreviver. D. Edelvira aparece abaixo na figura 11.

Figura 11 – Edelvira Oliveira Silva

Autor: Karla Dias. 23/08/2014.

Outra das guardiãs da memória local, Maria Santana ou Dona Mariazinha como

gosta de ser chamada, nos conta que aos 16 anos e meio de idade veio de um lugar

chamado Paraíso237 para se casar no Tucum, aproximadamente no início da década de

1940. Viveu uma infância difícil por conta do falecimento precoce do seu pai, evento do

qual diz se lembrar com nitidez. Sua mãe ficou com seis filhos para criar; ela, sendo

237 Zona rural de Tanhaçu, no sentido de Contendas do Sincorá/BA.

Page 100: karla dias de lima

99

uma das mais velhas, passou a ajudar neste mister até sair de casa para se casar. Seu

esposo era mais velho que ela dezoito anos, deste casamento foram gerados oito filhos,

dos quais estão vivos sete.

Com 88 anos na ocasião da entrevista, há quase dez vive acamada por conta de

uma queda que a privou de andar. Mesmo na cama continua a fazer bordados e a

lembrar-se dos tempos antigos em que o Tucum era menos povoado. Muito lúcida,

gosta de conversar ainda que sua audição esteja um pouco comprometida. Na figura 12,

ela aparece no quarto onde nos recebeu.

Figura 12 – Dona Mariazinha.

Autor: Karla Dias. 24/08/2014.

Em 2012, ano em que entrevistamos Dona Anízia, ela era então uma das mais

antigas moradoras do Tucum. Em agosto de 2013, ela veio a falecer com 93 anos. D.

Anízia, que também foi entrevistada para a confecção da “Declaração de auto-

reconhecimento” da comunidade, nasceu na região da Tapagem, filha de Lau Tertuliano

Silva e Maria Elvira, por parte de pai seria sobrinha de Cândido Pinto, um dos

Page 101: karla dias de lima

100

fundadores da comunidade. Mudou-se para o “Tucum de Cima” por ocasião de seu

casamento no final da década de 1930.

Mãe de 10 filhos, dos quais sete ainda estão vivos, duas estavam com ela; por

ocasião da entrevista, suas filhas Madalena e Maria. A elas passou tudo que sabia de sua

vivência - trabalhar na roça e fazer panelas de barro - e as criou colhendo algodão e

fazendo farinha para vender na feira de Tanhaçu. Ofício que aprendeu com sua mãe, que

era ‘panelêra pra viver’ e repassou para suas filhas: “Botei tudo pra aprender. Só Maria

que deu prosseguimento, mas eu ensinei as duas. Foi tudo que eu que ensinei elas, a

gente tinha isso e de vivê da roça mermo”. 238 Na figura 13 Dona Anízia aparece ao

centro, com suas filhas Madalena à esquerda e Maria à direita.

Figura 13 – Dona Anízia e suas filhas Madalena e Maria.

Autor: Karla Dias. 04/08/2012.

A geração das mulheres mais velhas do Tucum é composta por senhoras fortes e

lúcidas, como D. Mariazinha, D. Edelvira e D. Anízia. Observamos que todas são mães

e articulam outros papéis. Observamos em quais se articulam melhor e dividimos em

blocos as mulheres que ocupam os papéis de líderes, paneleiras e guardiãs da memória.

238 Entrevista com Maria Anízia Novais, no Tucum, em 04/08/2012.

Page 102: karla dias de lima

101

O cotidiano dessas mulheres será desvelado a partir dos lugares que assumem junto à

comunidade.

Líderes

Maria do Carmo possui um perfil de liderança e proatividade nas questões

políticas do Tucum e, junto com ela está sua filha Rita. Ambas podem ser consideradas

as principais lideranças locais, fato reconhecido por outros membros da comunidade ao

falarem das relações com o grupo. Como na fala de Eliane Silva, moradora do Tucum:

Assim, é uma pessoa que é mais, que toma mais decisões aqui é

Carminha né? Por que é Carminha, Rita, é porque se tem alguma coisa

sempre tem alguma coisa que tem por exemplo que marcar reunião,

sempre é elas entendeu? E assim, se tem alguma coisa, elas são as

duas líder né, da comunidade. Que sempre as coisas são mais passadas

por elas, se vem um projeto é elas, uma reunião é com Carminha, que

comunica pra todo mundo que tem uma reunião de tal coisa assim,

assim. E eu acho que elas são duas líder na comunidade. 239

Em 2009, ano do início dessa pesquisa, Maria do Carmo Oliveira Silva era

então a principal articuladora política da comunidade. Nossos contatos se deram antes

disso, entre 2007 e 2008 em sala de aula, quando a mesma era aluna da Educação de

jovens e adultos (EJA) numa escola em Brumado. 240 Em seu percurso de vida e

trabalho, ganhou o respeito e a admiração dos moradores do Tucum que a ela recorrem

para tratar de suas questões e para ajudar na luta por algum direito. Os moradores do

Tucum são rápidos em dizer: “Mas quem sabe melhor sobre isso é Carminha”, deixando

em evidência ser ela quem tem um envolvimento direto com as questões locais. Seu

percurso nos lugares de liderança deu-se antes do reconhecimento da comunidade como

quilombola, quando foi presidente da Associação dos trabalhadores rurais do Tucum e

Capim-Áçu, 241 também, junto à igreja participava de muitos eventos em outros

municípios. Foi justamente em um desses eventos que entrou em contato com grupos

quilombolas da Chapada Diamantina:

239 Entrevista realizada pela autora com Eliane Silva Santana, no Tucum, em 24/08/2014. 240 Esses contatos se estenderam a cidade de Tanhaçu/BA, onde a autora lecionou na rede estadual entre

os anos de 2007 e 2009. 241 A Associação dos trabalhadores rurais do Tucum e Capim-Áçu passou a se chamar Associação das

Comunidade Quilombolas do Tucum no ano de 2010. Falaremos melhor sobre estas questões no último

capítulo.

Page 103: karla dias de lima

102

Então, no início é como eu te falei, foi que eu andava muito lá em

Livramento de Nossa Senhora e lá eu encontrei com as pessoas que

são quilombolas e eles falou da gente conversava muito sobre a

importância da gente lutar, buscar algo pelos nosso direito né? Em

busca de algum projeto, alguma coisa. Aí a gente, aí eu vim e

conversei com o pessoal e nós fizemos, eu comecei fazer as pesquisas

com as pessoas mais idosas e eu pude fazer aquilo que eles passaram

pra mim.242

O processo de autorreconhecimento da comunidade do Tucum (do qual já

falamos no primeiro capítulo) partiu da mobilização de Maria do Carmo, com a ajuda de

sua filha Maria Rita e Eliane Silva Santana, moradora do Tucum. A fala de Maria do

Carmo retrata dois momentos, o primeiro no qual entrou em contato com os

quilombolas de Barra em Rio de Contas e o segundo dá-se na auto identificação da

comunidade do Tucum como quilombola, o que a levou a pesquisar os relatos dos

antigos moradores e organizar a “Declaração de Auto-reconhecimento”.

Muito ligada aos relatos e à memória do grupo, Carmem acredita que o processo

de rememoração foi importante para o fortalecimento do sentimento de pertença dos

moradores da comunidade. Lastima a morte de Dona Anízia e de outras senhoras, como

sua tia Vitalina “que era uma verdadeira escola”, pois guardavam as memórias de outros

tempos e atuavam como guardiãs das tradições antigas.

Carmem também participou ativamente da política local, em 2004 se candidatou

a vereadora em Tanhaçu, uma escolha que se mostrou um desafio e também uma

frustração em sua trajetória de liderança. Para ela foi uma grande surpresa não receber o

apoio do grupo num momento em que acreditava estar lutando pelos interesses de todos

e ver que votaram em um vereador de fora da comunidade. O fato dos outros acharem

“que política só é coisa de homem” a decepcionou profundamente por desejar a

melhoria do povoado do Tucum em sua proposta política. Foi quando ela sentiu na pele

o preconceito por sua condição de mulher negra, como deixa antever em sua fala

Ô até eu ainda até sentia assim na pele que assim até mesmo por parte

de homens, que poderia ter coisa que eles acham que só mesmo

homem né? Muitas coisas, aqui no caso mesmo eu entrei na política

em 2004 pra ser vereadora e eu sentia que até as própria minhas

colegas elas torciam mais pelos vereadores homens, aí eu senti na pele

242 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira Silva, no Tucum, no dia 24/08/14.

Page 104: karla dias de lima

103

e deu pra mim ter um exemplo, que parece que discrimina mais a

mulher, eles acham que a política só é coisa de homens!! 243

Para Carmem, a possibilidade de uma vitória só se realizaria com o apoio da

comunidade, visto que os moradores eram os principais interessados. Essa falta de

respaldo político revela questões históricas e culturais sobre o estilo de campanha

política nas cidades pequenas, onde o patriarcalismo e os grupos fechados mandam nos

rumos das urnas. 244

Pra mim mesmo na política eu achei aquilo uma frustração né? Por ter

aquela vontade de pudê fazer algo pela comunidade e a gente não ver

assim um apoio. Isso aí pra mim foi uma coisa que me deixou muito

surpresa, a convivência que eu tinha com elas né? Eu achava que elas

tinham assim o grau de compreensão, mas não, elas votaram no

vereador que não era da comunidade. Apesar de que não foi só eu,

mas todas as minhas colegas em Tanhaçu que vai fazer, nunca

ganharam por que quem tem maioria aqui é o homens. 245

Uma de suas queixas está na da falta de apoio das outras mulheres em relação ao

trabalho e à luta cotidiana. E diz que, apesar de comparecerem quando convocadas, a

grande maioria das mulheres não quer assumir responsabilidades, pelo que se angustia:

“Muitas vezes é difícil né? Uma pessoa só pra fazer uma coisa e às vezes tem que fazer

sozinho, tinha que ter o grupo de pessoas responsáveis por aquilo e elas aqui muitas

vezes elas não querem ter o compromisso, essa é a maior dificuldade”.246 Em

contrapartida, sente em casa o apoio do seu marido, com quem divide as demandas e

recebe apoio para suas ações:

Meu esposo...assim, eu as vezes eu faço as coisas mas eu levo prum

lado bem tranquilo, sabe? Eu não considero assim que eu tomo a

frente de tudo não. Ai a maioria das vezes eu chamo ele e a gente

divide assim os trabalho sabe? Ah isso aí ele entende. As vezes ele me

243 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira Silva, no Tucum, no dia 24/08/14. 244 Sobre as questões que dificultam o acesso das mulheres aos cargos políticos estão: “Os fatores que

dificultam o acesso das mulheres em tal Poder, no Brasil, envolvem questões históricas e culturais, falta

de espaço na militância partidária, a resistente dominação masculina, o descaso dos candidatos à eleição

referente à mulher candidata, o poder financeiro na eleição versus a renda feminina e a estrutura

institucional patriarcal.” In: BRITO, Maria Inês do Rosário; OLIVEIRA; Jaqueline José Silva; SOUZA,

Roseane Cavalcante de. Fatores que dificultam o acesso das mulheres ao Poder Legislativo no Brasil.

Refacer - Revista Eletrônica da Faculdade de Ceres. V. 1, N. 1 (2012) p. 1-2. 245 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira Silva, no Tucum, no dia 24/08/14. 246 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira Silva, no Tucum, no dia 24/08/14.

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104

dá até força, a hora que eu tô arrumando pra ir pra alguma viagem ou

alguma coisa ele ajuda muito, ele fala: “Tu tá atrasada’ e levanta cedo

e “Tu não disse que ia pra tal lugar assim, assim?” E é assim que ele

me dá muita força.247

Essa liderança comunitária é também dividida com Rita, sua filha. Como uma

mulher jovem e quilombola, Rita enfrenta os desafios estruturais da vida em

comunidade e os paradoxos que esses estabelecem com os seus anseios de mulher

independente, visto que “o modo como a sociedade representa o ser jovem, mulher e

negra tem raízes nas diferenças biológicas e nos significados sociais dessas diferenças

constituídas como expressão das relações hierárquicas de gênero, raça e geração”. 248 Na

formação da sociedade brasileira estas diferenças hierárquicas faziam com que a mulher

negra fosse subalternizada num processo de exclusão, silenciamento e controle social,

que a atingia em todos os âmbitos. A mulher negra, durante a escravidão era rebaixada,

na sociedade livre, impedida de emergir como figura política.

Com estes entraves históricos, naturalmente que o processo de aprofundamento

em seu fazer político e social não ocorre de forma simples e as mulheres quilombolas

precisam disputar espaços de poder. No Tucum, ainda que exista um núcleo de

liderança feminina, os pontos de vista masculinos ainda são muito fortes, requerendo

delas um constante jogo de cintura para driblar os obstáculos. Em 2013, Rita enfrentou

inúmeros desafios para chegar à presidência da Associação após uma candidatura

concorrida com Carlito Augusto Oliveira, uma das lideranças locais. A eleição foi

disputada, como ela descreve:

Veio gente de fora votar, veio muita gente e o povo da comunidade

revoltou e virou aquela polêmica, só que aí quando eu entrei eu fiquei

sozinha, não tive outra pessoa, eu sozinha eu ganhei com 50 e uns

51% dos votos, porque não tinham ninguém, mesmo assim se tivesse

foi muito bem votado, tive 11 votos brancos, 11 nulos e 2 brancos. 249

Como uma das principais articuladoras pelo reconhecimento da comunidade,

Rita agregou conhecimentos dos anos em que trabalhou junto à mãe e nos eventos

247 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira Silva, no Tucum, no dia 30/05/14. 248 BASTOS, Priscila Cunha. Jovem mulher negra quilombola: identidades e Trajetórias. Fazendo

Gênero 9. Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. 23 a 26 de agosto de 2010, p. 42. 249 Entrevista com Maria Rita Oliveira Silva, no Tucum, em 24/08/2014.

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105

externos que frequentou, todos só acrescentam pontos em sua trajetória política e social.

Não bastasse trabalhar na associação e participar da liturgia na Igreja, ela ainda tem um

bar, com a renda do qual se sustenta. E observa que mesmo sendo “dona de bar”

ninguém nunca lhe faltou com o respeito. Essa postura proativa é analisada por

Petronilha Beatriz Silva como parte da combatividade que as mulheres negras assumem,

sejam militantes ou não:

A autoimagem positiva está representada pelas afirmativas de que ser

mulher negra implica "gostar da sua figura", "acreditar em si própria";

"não se sentir inferior, apesar das pressões"; "não abaixar a cabeça,

empinar o nariz, gostem ou não gostem"; "dizer o que pensa";

"assumir posições mesmo que pareça desaforada".250

Nos relatos e lembranças de Rita estão amalgamadas as suas vivências,

mescladas às narrativas de outros tempos de sua avó e de sua mãe. Essas memórias são

importantes para que entenda sua ascendência e possa lutar por seus direitos. Podemos

ver que a trajetória de Rita é marcada por sua atuação política que se corporifica na sua

fala, postura e firmeza. Em Rita se reúnem os traços físicos e a coragem de sua mãe e a

avó, sua postura decidida reflete o perfil da nova geração de mulheres do Tucum.

Maria do Carmo e Rita, por caminhos diversos e a aceitação das demandas da

locais tornaram-se lideranças femininas no Tucum. Essas duas mulheres circulam nos

lugares de poder da comunidade que, apesar de sua origem patriarcal, vê surgir uma

nova configuração de poder com o feminino. Cabe pensar até que ponto essa liderança

se apoia no mito fundador, visto que a família de Carmem afirma serem descendentes

de Cândido Pinto, nome que é sempre lembrado pelos mais velhos e que se amalgama

às famílias que hoje moram no Tucum. Avaliamos que a importância dessas mulheres

nos espaços que atuam lhes garante certo prestígio.

Paneleiras

Rosa é de uma família de paneleiras que mantém a tradição do fabrico do barro

por anos. “Aprendêmo mesmo assim ó, da mãe de meu pai, que era índia cabocla, aí ela

250 SILVA, Petronilha Gonçalves e. "Chegou a hora de darmos a luz a nós mesmas" - Situando-nos

enquanto mulheres e negras. Cad. CEDES, Jul 1998, vol.19, no.45, p. 8.

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106

já tinha o dom e foi passano (passando), passano, passano e parou agora.”251 O passado

da comunidade se revela nessa reminiscência, abrindo a possibilidade de existência de

uma influência indígena nas tradições locais. Nos documentos referentes aos séculos

iniciais da colonização do Brasil, via-se que era muito comum apressamento de índias

nos sertões, com as quais os portugueses se uniam maritalmente. 252 Algumas etnias

indígenas tinham também por tradição a fabricação de artefatos de cerâmica, e um ponto

peculiar acrescido a isso é o fato de uma urna funerária indígena ter sido descoberta no

Tucum em 2011. Na ocasião, a equipe de arqueologia da UFBA (Universidade Federal

da Bahia) chefiada pelo Arqueólogo e Profº da UFBA Carlos Etchevarne, estiveram no

Tucum entre os meses de janeiro e fevereiro de 2012 e descrevem o achado:

O Sítio Tucum, como assim foi nomeado, é um grande sítio

arqueológico relacionado a um grupo indígena pré-colonial,

vínculado convencionalmente a uma macro-unidade cultural,

denominada Tradição Tupi. Os recipientes encontrados no local

possuem características deste grupo. O “pote” como ficou conhecido

em toda a região de Tanhaçu é um recipiente cerâmico, uma Urna

Funerária, com paredes e bordas grossas, parte externa muito

decorada, com desenhos cheios de detalhes, linhas bem finas pretas,

que se destacam no fundo branco e duas linhas grossas vermelhas.

Dentro da Urna Funerária, havia um recipiente cerâmico quase inteiro

- um assador, com decoração de fundo branco, linhas geométricas em

preto e uma linha vermelha bem grossa próxima a borda. Além destes,

foram encontrados outros fragmentos de matérias cerâmicos com as

mesmas características e também com decoração plástica. Durante as

prospecções foram encontrados no entorno da área muitos fragmentos

de material cerâmico. Foram feitas mais de vinte sondagens, mas

nenhuma outra urna foi localizada. (Grifos nossos)253

A descoberta da urna funerária ou mesmo o “pote” como chamam os moradores

é um ponto que suscita muitas questões ainda sem resposta sobre a trajetória da

comunidade, embora nos deixe mais propensos a conjecturar sobre a mestiçagem afro-

indígena já apontada no relato de Rosa e um traço muito comum daquela região. A

figura 14 mostra a urna funerária.

251 Entrevista com Maria Rosa Silva, no Tucum, em 04/08/2012. 252 Ver: Carta do Ir. Pero Correia ao P. Simão Rodrigues, Lisboa (S. Vicente, 10/03/1553), in: LEITE,

Serafim. Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. Coimbra, Tipografia da Atlântida, Comissão do IV

Centenário da Cidade de São Paulo (v. I), 1954, p. 438. 253 ARQUEOLOGIA E IMAGEM. Escavações do Sítio Tucum, Comunidade Quilombola de Tucum

(Tanhaçu-Ba). 09/02/2012. Disponível em:

http://arqueologiaeimagem.blogspot.com.br/2012/02/escavacoes-do-sitio-tucum-comunidade.html

acessado em 07/08/2014.

Page 108: karla dias de lima

107

Figura 14 - Urna funerária Indígena encontrada no Tucum em 2011.

Autor: Greciane Neres. Fevereiro de 2012.

A confecção de panelas é um ofício tão antigo, que muitas nem sabem

determinar quando começou a ser feito por suas famílias e quem as ensinou. Há alguns

anos quase todas as mulheres confeccionavam panelas para o seu sustento, atualmente

Rosa e sua irmã Lindaura são das poucas que ainda continuam com o ofício. Nas

entrevistas, algumas mulheres dizem que se desestimularam por conta do baixo valor

recebido pelas panelas e abandonaram o trabalho. A grande maioria delas são donas de

casa, trabalhando na colheita de café em alguns períodos do ano e se sustentando de

aposentadorias, pensões e do Bolsa Família.

As questões de gênero são marcantes, visto que o fabrico é uma tradição

geracional passada de mãe para a filha e exclusivamente realizada por mulheres. É um

conhecimento ancestral, um trabalho feminino por remeter às obrigações domésticas e a

lida com utensílios de casa. No trabalho com o barro se tornam independentes e donas

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108

de sua vida. Sobre a produção de cerâmica, Jucélia Bispo dos Santos, ao falar da

comunidade quilombola de Olaria254 faz a seguinte observação:

Poucas mencionam que aprenderam a arte com alguém de fora da

família. Constam-se, desse exemplo, mulheres que aprenderam a

modelar o barro com a sogra. Dessa forma, o aprendizado volta-se

para as noras, já que os homens não fazem cerâmica. Esse

conhecimento vem da herança genealógica e do convívio com a

parentela. Nesse processo de demarcação da técnica de modelar o

barro, também se processa a demarcação do território da resistência

cultural. A produção de cerâmica é desenvolvida entre famílias que

possuem a prática de tornear o barro e fazer objetos que são vendidos

na feira livre local. 255

Algumas semelhanças podem ser encontradas entre a produção de cerâmica na

comunidade de Olaria e no Tucum. A produção de cerâmica dá à comunidade de Olaria

um perfil de originalidade que, segundo a autora, é um modo de resistência cultural dos

moradores, visto que só eles fabricam objetos de barro na região de Irará. Mesmo a

agricultura sendo um dos aportes econômicos, os moradores não têm terras para plantar,

o que torna a produção de cerâmica uma atividade lucrativa, ainda que não sejam lucros

vultosos. No Tucum, o trabalho com o barro já foi um dos principais aportes

econômicos em épocas difíceis para a maioria das famílias entrevistadas, hoje o Bolsa

Família e o trabalho sazonal na lavoura de café tem sido a base do sustento das famílias

da região.

Como na comunidade de Olaria, as paneleiras do Tucum também “têm um

domínio empírico e teórico de fabricação de objetos de barro”. 256 Rosa fala sobre as

técnicas de fabricação de panelas e as peculiaridades do processo como a necessidade

de um barro específico e o tempo que deve permanecer no fogo. É um trabalho artesanal

e familiar sem grandes elaborações ou planejamento comercial. Mas Rosa não se

desestimula, apesar dos valores baixos recebidos pelas panelas, aprecia o seu trabalho e

diz ter esperança de que ela e Lindaura possam ser as “empresárias do barro”: “É um

trabalho assim, que não é bem reconhecido, pelo trabalho que tem, era pra ter mais

valor, não tem aquele valor que devia ter né? Mais um dia a gente chega lá né? Mais é

254 Localizada no município de Irará/BA. 255 SANTOS, Jucélia Bispo dos. Relações de Gênero e Produção de Cerâmica na Comunidade

Quilombola da Olaria, em Irará-Bahia. Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta

Grossa, v.1, n., p. 134-147, jan. / jul. 2010, p. 137. 256 Ibid., p. 137.

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109

muito bom, é limpo, é um serviço lindo”. 257 Outra opção para se manter é a colheita de

café, que mobiliza homens e mulheres de toda comunidade:

Agora mermo é assim, eu paro de fazer panela e vô pra colheita de

café. Já tá até terminando, por essas duas semanas termina a colheita

de café, aí eu já começo nas panelinha de novo. Trabalho aqui é muito

difícil, não tem né Carmem? Depois da seca que deu aí, não deu mais

nada essas coisas. Agora o café eu panho, todo ano eu panho aqui em

cima em Zé258. Aí quando termina eu volto pra minha panela. 259

Em suas falas, Rosa diz ter certeza que o seu trabalho é um dom de Deus, que

veio espontaneamente, sem precisar de muitos ensinamentos. Apesar de ter tido acesso

aos estudos e a aprender a ler e escrever, Rosa tem sua vida marcada pelo trabalho e o

cuidado com a casa. Sente que as tradições estão se perdendo e não acredita que o

fabrico de barro vá passar às novas gerações, visto que suas filhas e sobrinhas não têm

interesse no trabalho.

Lindaura mora no povoado da Tapagem que fica a cerca de 12 Km de Tanhaçu.

É na feira da cidade que ocorre na segunda-feira que elas vendem as suas panelas.

Lindaura se interessou em passar o ofício do barro para as suas descendentes diretas,

mas uma de suas filhas mora em Franca/SP e não aprendeu a fazer panelas, e a outra

filha, que mora próximo a ela, a ajuda, mas queixa-se: “essa juventude não quer mais

nada mais não”. Seu filho mais velho Luciano e sua esposa Eva também participam da

vendagem das panelas. Na última vez que estivemos na Tapagem, ela nos mostrou uma

peça pequena muito bem modelada feita por sua neta Bruna: “Aqui é minha netinha

hoje sentou ó, e eu disse é mesmo vá aprendendo que vovó tá quais parando pra

entregar logo pra ela.” Diz estar se cansando, pois seu pulso constantemente inflama e

tem épocas em que não consegue fazer panelas. Apesar disso não pensa em parar, o que

a estimula é a apreciação dos clientes, como Rosa, ela também acredita que o trabalho

com o barro é um dom e uma arte.

Tinha uma netinha minha que ela foi fazendo ia muito bem, mas

depois deixou de mão, não quer fazer mais. Encontrei uma mulher na

feira e ela me pediu que não deixasse isso aqui acabá não, que é raro

257 Entrevista com Maria Rosa Silva, no Tucum, em 04/08/2012. 258 Em uma localidade conhecida como “Verdes”, na divisa dos municípios de Tanhaçu e Ituaçu. 259 Entrevista com Maria Rosa Silva, no Tucum, em 04/08/2012.

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110

hoje em dia esse tipo de coisa assim né? Panela de barro. Não dá

muito dinheiro não, mas a gente vai passando o tempo quando não

tem outro serviço.260

No quintal da casa onde vive desde que se separou do marido, ficam o forno

onde queima as panelas e os dois tipos de barro necessários para que as panelas fiquem

firmes, “um é claro, outro é escuro, e um não faz sem o outro”. Lindaura e Rosa são

mulheres que transitam entre os muitos papéis de dona de casa, paneleira e trabalhadora

rural. O trabalho com o barro vai se amalgamando aos laços familiares, sociais e

identitários, pois tem clara relação com a construção identitária e as redes de

solidariedade entre as pessoas da comunidade. No terceiro capítulo nos dedicaremos a

falar de forma mais abrangente do trabalho com o barro.

Guardiãs da memória

Edelvira Oliveira Silva lembra-se dos tempos em que foi paneleira e conta que

com o trabalho do barro ajudava no sustento da casa e passou os ensinamentos para suas

filhas, “não tem uma que não sabe fazê”. Mas há muito tempo deixou de fazer panelas,

embora ainda mantenha sua lida com a plantação anual, mesmo que pequena. A casa

onde viveu com seu marido até a morte do mesmo, encontra-se em ruínas e ao lado, há

pouco mais de dois anos, foi construída uma nova casa onde D. Edelvira mora hoje com

alguns de seus netos. Seu relato desvela os modos de vida na comunidade e sua vivência

pessoal:

Eu mudei, vim pra aqui, casei com esse homem que eu lhe falei que é

irmão de Miriana, minha casinha velha tá aí, que eu mudei pra aqui,

mas ela tá aí do lado. Nós morava numa casinha de palha, né bem?

Porque usava, cê lembra? Cê num lembra não, mas usava. Mas depois

do primeiro menino meu que nasceu foi nesta casa aqui, tinha Maria

do Carmo, Mariana, Zilza e Maria Helena, depois pareceu José Carlos,

um menino meu, que só tive um filho homem. Eu tive oito mulher e

um homem, e ele já nasceu aí, meu filho homem. 261

260 Entrevista realizada pela autora com Lindaura da Silva, na Tapagem, no dia 30/05/2015. 261 Entrevista realizada pela autora com Edelvira Oliveira Silva, no Tucum, em 23/08/2014.

Page 112: karla dias de lima

111

As lembranças de D. Edelvira se misturam às memórias coletivas do lugar, de

tempos em que ainda não era nascida ou era muito criança para se lembrar, como por

exemplo, a ocasião em que a Coluna Prestes passou pela região, fato que ela conta com

riqueza de detalhes. 262 Nascida em 1930, ela não viveu esse acontecimento, ocorrido

quatro anos antes, mas o incorporou à sua narrativa e apropriou-se dessas

rememorações. As narrativas de D. Edelvira possibilitam “viajar através da viagem

narrada”, 263 suas lembranças agregam muitos tempos e são por isso tão significativas.

Suas rememorações mesclam fatos coletivos e individuais, acontecimentos que,

ainda que tenham sido vivenciados pelo grupo, impactaram, particularmente, a sua

subjetividade. Como atenta Eclea Bosi, 264 isso é muito comum quando se perde alguém

importante, e a perda de seu esposo Celso marcou profundamente D. Edelvira. Ela se

lembra que foi no ano 1982 que ele veio a falecer por conta de uma complicação

alimentar, quando tinha então 66 anos. Outra grande perda em sua vida foi a da sua

filha, Mariana, que faleceu em um acidente em São Paulo com a idade de 25 anos. Na

sala de sua casa nos mostra a foto de Mariana e lamenta o seu falecimento precoce.

Aqui eu tenho duas fotos que uma eu mandei fazer e fizeram colorida

demais, minha fia não era branca né? Aí eu mandei fazer outro. E aí

eu guardo de referência é esse aqui, é a cara dela, é mesmo que cê tá

vendo ela, a companheira de Maria do Carmo, que é Carminha né?

Porque a primeira de tudo foi Carminha, que chama Maria do Carmo,

eu botei o nome dela, porque a mãe do meu marido chama Maria do

Carmo, entendeu bem? Aí eu botei o nome de Carminha. E Mariana

era o nome de minha mãe. 265

As dificuldades financeiras faziam com que não se poupassem braços para o

trabalho na lavoura. Sua vida foi marcada pelo trabalho desde muito nova, por conta

262 Sobre este evento, Gisele Viana Carvalho diz o seguinte: “A Coluna Prestes entrou na Bahia em

fevereiro de 1926, com cerca de 1.200 homens, e viveu aí um dos piores momentos da sua marcha pelo

Brasil. Na Bahia, a Coluna enfrentou hostilidades e perseguições, além de doenças e combates.” In:

CARVALHO, Gisele Viana. A passagem da Coluna Prestes pela Bahia e a construção da categoria

revoltoso: “a entrada dos revoltosos em território baiano”. Anais do X Encontro Regional de História

– ANPUH-RJ. História e Biografias - Universidade do Estado do Rio de Janeiro – 2002, p. 1. 263 DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. 2 ed. Belo

Horizonte: Autêntica, 2010, p. 43. 264 BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 60. 265 Entrevista com Edelvira Oliveira Silva, no Tucum, em 23/08/2014.

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112

disso não pôde estudar, mas se orgulha em dizer que não legou as filhas e netas o

mesmo destino:

Eu trabalhava na roça, eu não pude nem aprendê a leitura, porque era

uma vida assim meio financeira (dificuldades financeiras), botava na

escola tinha que arrebanhar para lutar pelo pão de cada dia. Que agora

não, agora tá o céu né bem? Todo mundo tem seu dinheiro. Eu fui na

escola só para riscar meu nome né? Mas as meninas tudo aprenderam,

pouco, com Deus, mas tudo sabe ler, e tá as mesmas minhas netinhas

no mesmo caminho. 266

O acesso saúde era dificultoso e lembra-se dos que padeceram de males muitos

simples por falta de atendimento médico e remédios. E apesar de tudo isso alega ter uma

ótima saúde: “nunca fui no médico pra parir meus filho”. D. Edelvira considera que

apesar de nos dias atuais o acesso à saúde e educação terem melhorado, as dificuldades

mudaram e a família se espalhou. Nos últimos anos, a escassez de chuva vem

castigando a região e muitos jovens estão indo embora em busca de melhores condições

de vida. Se as coisas fossem melhores, confessa mostrando as mãos e rogando a Deus:

“Até hoje eu ainda tenho coragem de trabalhar na roça, você credita? Quando eu ver a

terra molhada, que vem o tempo das água eu tenho uma capoeirinha aqui atrás, seu eu

não plantar uma coisinha eu não tô feliz. Com Deus e Nossa Senhora que eu planto”. 267

Segundo ela a vida antes de serem quilombolas seguia rotineiramente, com

pequenas mudanças no espaço e no estilo de vida dos moradores. Quando o narrador

imprime sentido aos semióforos de outros tempos, suas lembranças estão

comprometidas com o presente, pois é a partir do presente que elas são produzidas. Nas

narrativas de D. Edelvira, o presente é reconstruído a partir das mudanças pelas quais

passou o grupo e que desencadearam um processo de reconstrução identitária que é

coletivo. Mas, é também individual, de forma que “a memória, como substrato da

identidade refere-se aos comportamentos e às mentalidades coletivas, na medida em que

o relembrar individual encontra-se relacionado à inserção histórica de cada indivíduo”.

268

266 Entrevista com Edelvira Oliveira Silva, no Tucum, em 23/08/2014. 267 Entrevista com Edelvira Oliveira Silva, no Tucum, em 23/08/2014. 268 NEVES, Margarida de Souza. História e memória: os jogos da memória. In: MATTOS, Ilmar Rohloff

(Org.). Ler e escrever para contar – documentação, historiografia e formação do historiador. Rio de

Janeiro: Access, 1998, p. 152.

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113

Nas comunidades negras rurais sempre se encontram senhoras e senhores que

atuam como memorialistas. Como atenta Antônio Torres Montenegro, essa

representação de que os mais velhos são bons narradores nem sempre se realiza, para

que isso ocorra é necessária a junção de fatores descritivos e imaginários que os habilita

a serem bons narradores. 269 Sobre o ato de rememorar, Antônio Torres Montenegro

pondera que este processo de mediação com o passado é constantemente influenciado

pela vivência do sujeito e passa por mudanças. 270 Utilizar a História oral como fonte

requer que se assumam os riscos e as posturas necessárias na coleta das entrevistas,

observando que as narrativas se dão no presente, onde todas as pessoas entrevistadas

representam um “amálgama” de histórias relevantes em potencial. Sobre essa relação

entre memória e história oral, Alessandro Portelli diz:

A essencialidade do indivíduo é salientada pelo fato de a História Oral

dizer respeito às versões do passado, ou seja, a memória. Ainda que

seja sempre moldada de diversas formas pelo meio social, em última

análise, o ato e a arte de lembrar jamais deixam de ser profundamente

pessoais. (...) se considerarmos a memória um processo, e não um

depósito de dados poderemos constatar que, à semelhança da

linguagem, a memória é social, tornando-se concreta apenas quando

mentalizada ou verbalizada pelas pessoas. 271

Para Jacques Le Goff, a memória tem realmente essa função social pautada em

um “comportamento narrativo” em que os fatos vividos ou as informações sobre eles

repassadas por pessoas são apropriados por estas, mesmo que não tenham vivenciado o

acontecimento. 272 Os relatos sobre o Tucum foram agregados às memórias de D.

Mariazinha que, apesar de não ter nascido no Tucum, foi uma das expectadoras das

mudanças na comunidade. D. Mariazinha, é uma senhora de família branca que chegou

ao Tucum para experienciar a vida adulta e, apesar da tenra idade, logo se tornou dona

de casa e mãe. As histórias da comunidade chegaram a ela por meio da família de seu

marido e ao mesmo tempo em que conta de forma detalhada fatos cotidianos, ao final

diz que não os viu ou viveu, mas que ouviu contar. Neste processo se apropriou da

269 MONTENEGRO, 2007, p. 152. 270 Ibid., p. 150. 271 PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre ética e história

oral. Ética e História Oral. Projeto História no. 15, Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados

em História e do Departamento de História- PUC/SP. São Paulo: Educ, abril de 1997, p. 16, grifos

nossos. 272 LE GOFF. História e Memória. 7 ed. São Paulo: Unicamp, 2003, p. 424.

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114

memória coletiva de seus novos familiares. Essa memória “tende a representar a

realidade não tanto como um tabuleiro em que todos os quadrados são iguais, mas como

um mosaico ou colcha de retalhos, em que os pedaços são diferentes, porém formam um

todo depois de reunidos”.273

No processo de tecer essa “colcha de retalhos”, D. Mariazinha diz que os tempos

eram difíceis, as dificuldades financeiras eram muitas e a falta de acesso aos serviços

básicos de saúde e educação agravavam as condições de vida. Nascida em um meio

muito pobre, sua vida melhorou depois do casamento e gaba-se de nunca ter precisado

de hospital para dar à luz e que só muito tardiamente foi a um médico. Em um relato

muito próximo ao de D. Edelvira, fala de tempos em que a assistência médica era

precária e que só muito tardiamente foi a um médico:

E de primêro minha fia não era bom como hoje não. Cê sabia disso?

Não tinha posentadoria pra ninguém, não tinha Bolsa escola, não tinha

Bolsa Família, não vinha nada de longe pra ninguém comer (...) num

tinha dotôr, se a pessoa adoecesse, escapava se Deus quisesse porque

por dotôr morria, e morreu foi muita gente a mingua. Quando eu fiz o

primêro exame eu tinha 49 ano, premêro exame que eu fiz na vida. 274

Devido a sua limitação no andar, D. Mariazinha passa os dias no quarto, mas

aprecia receber pessoas para conversar. Os familiares dizem que ela sente real prazer em

falar de sua vida e dos tempos antigos do Tucum. Suas lembranças são mescladas a

lembranças de outros e muitas de suas memórias se suportam nas de seu falecido

esposo, sogra e outros parentes nascidos no Tucum. Descreve uma paisagem diferente

da atual, com as casas de palha já descritas por D. Edelvira.

Só tinha a casa do finado Luca que morava ali, entre a casa de cumade

Virginia e de seu Dió, a casinha dele era de paia (palha), de primêro

tinha muita casa de paia, casa ruim, alguma casa que era boa. Podia

contar as casa que tinha, podia contar! Aqui pra baixo ôi só virô casa e

lá pra riba diz que tem muito, casa que eu não conheço, depois que eu

quebrei a perna eu não andei mais. 275

Há alguns anos, D. Mariazinha caiu na cozinha da casa onde morava e quebrou a

bacia, na ocasião foi auxiliada por netos e por Rita, filha de Do Carmo, que a levou nos

273 PORTELLI, 1997, p. 16. 274 Entrevista realizada pela autora com Dona Mariazinha, no Tucum, em 24/08/2014. 275 Entrevista com Dona Mariazinha, no Tucum, em 24/08/2014.

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115

braços até o quarto. Foi atendida por médicos em Tanhaçu, mas devido à idade e por

não ter feito sessões de fisioterapia, ela parou de andar. Orgulha-se em dizer que antes

do acidente conseguia dar conta de tudo e que não precisava de ninguém pra cuidar

dela. Como as outras mulheres do Tucum, a vida de Dona Mariazinha foi marcada por

intenso trabalho na roça, trabalhou por muitos anos e sente saudade da lida com a terra e

em casa se entretinha em fiar na roda e no fuso, prática que aprendeu com sua sogra.

Eu tô acabada véa assim, porque eu tenho idade pra ser véa, eu tô

acabada assim porque eu tô na cama, mas eu quando eu tava andano

inda lavava uma corda de roupa como daqui lá, inda varria o terrêro,

ainda fazia onze hora e meu almoço tava pronto pros dois neto mais

vei que estudava em Tanhaçu, eu dava conta de minha coisa tudo. 276

Ainda assim ela afirma: “Eu sou muito boa vivedêra minha fia”, referindo-se a

sua força mesmo na situação em que está. Sua memória aguçada é um estimulo para que

venham visitá-la, em especial pessoas de fora da comunidade que querem saber as

histórias antigas. Ela aprecia estas visitas e diz sentir falta de pessoas para conversar.

Como observa Ecléa Bosi os velhos se ocupam conscientemente de seu passado, o que

dá substância à sua vida. 277 Assim também D. Mariazinha dá conta de seu passado, de

outras paisagens e ares e de uma vida marcada pelo trabalho e o contato com os seus.

Uma das depositárias da memória local, D. Anízia, de saudosa lembrança, a

princípio, por timidez, disse não saber mais as histórias: “Nossa, acabô tudo, num sei

nem contá mais história. Porque mudô o tempo todo, as história de atrás ninguém quer

mais ver, quer sabê dagora da frente né?”.278 Aos poucos ela foi falando sobre suas

práticas e vivências e descreveu a localidade de maneira parecida com os relatos de D.

Edelvira e de D. Mariazinha: “É num tinha muita casa aqui mermo, era tudo contada,

agora que apareceu um monte de casa né, mas era aquelas casinha de paia (palha) né,

feita de enchumento (enchimento), era assim que era aqui”. 279 Os mais velhos da

comunidade são frequentes em falar de suas lembranças sobre a passagem da Coluna

Prestes pela região, na época D. Anízia era criança:

276 Entrevista com Dona Mariazinha, no Tucum, em 24/08/2014. 277 BOSI, 1994, p. 60. 278 Entrevista com Maria Anízia Novais, no Tucum, no dia 04/08/2012. 279 Entrevista com Maria Anízia Novais, no Tucum, no dia 04/08/2012.

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Na revorta, tipo na revorta nois era pequenininho, a gente escondia

tudo mode, com medo que eles vinha com muita coisa, agora o povo

escondia tudo no mato, agora eu só carregava uma estirinha pro mode

que eu era pequena para carregar outras coisas num sabe? Saia com a

esteira pelo mato, nem fogo no mato num pudia acender pro mode que

se acendesse a revorta vinha e prendia todo mundo, Esse povo tinha

nome num sabe? Era home de nome, e a revorta vinha procurando

esse homem, porque ele era home de nome e de palavra isso é coisa

num é? Tinha de tudo, era para fugir a gente trocava os cavalo,

deixava os cansado e pegava os da manga que tava forte.280

Sua vida foi marcada pelo trabalho na roça e na confecção de panelas de barro,

vassouras e esteiras. Não teve acesso ao estudo, e só aos 65 anos aprendeu a escrever

seu nome quando estudou brevemente no Mobral. 281 No geral ela descreve que: “a vida

era só trabalhá, só trabalhá.”

Na minha época, para viver fazia tudo que todo mundo que dava. De

premero tinha agricultura, o trabalho era aqui em riba, no trabalho de

plantar o feijão, era na enxada para criar meus fi, era mandioca,

algodão. Até esses tempo quando eu ainda aguentava eu ia limpar ali,

panhá algodão, era só nisso a vida. Aqui era roça mermo, era tratar

mandioca, fazê farinha, vendê na feira. 282

Quando se aposentou, D. Anízia afastou-se dos trabalhos com a roça e as

panelas. Até sua morte D. Anízia ainda gostava de contar os “causo” que ouviu contar e

lamentava-se que os mais jovens já não se interessassem por ouvir. “Os jovens de hoje

num tá nem aí, num quer nem saber do mais de idade num é Carminha? Nem ouve o

que a gente fala, eles quer fazer pelas cabeça deles. Só querem o que eles acham que é

bom para eles e pronto.” 283

Sobre as memórias de velho, Ecléa Bossi observa que “ao lembrar do passado

ele não está descansando, por um instante das lidas cotidianas, não está se entregando

furtivamente às delícias do sonho: ele está se ocupando conscientemente e atentamente

do próprio passado, da substância mesma da sua vida”. 284 Assim viveu D. Anízia, com

280 Entrevista com Maria Anízia Novais, no Tucum, no dia 04/08/2012. 281 O Movimento Brasileiro de Alfabetização - o MOBRAL foi criado pela Lei número 5.379, de 15 de

dezembro de 1967, propondo a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando "conduzir a pessoa

humana (sic) a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade,

permitindo melhores condições de vida" Fonte: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb10a.htm>

acessado em 17/10/2014. 282 Entrevista com Maria Anízia Novais, no Tucum, no dia 04/08/2012. 283 Entrevista com Maria Anízia Novais, no Tucum, no dia 04/08/2012. 284 BOSI, 1994, p. 60.

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117

as fortes marcas do tempo em seu rosto, as mãos ásperas do trabalho e o olhar situado

ao meio, entre o presente e o passado.

Neste capítulo intencionamos apresentar as mulheres do Tucum e suas práticas

cotidianas. Por meio de seus relatos orais, pudemos perceber os variados papéis que elas

assumem na comunidade e como estes se configuram em locais de liderança. Sobre

estes locais de liderança e trabalho falaremos no capítulo que se segue.

3- LIDERANÇA FEMININA NA COMUNIDADE DO TUCUM:

TRABALHO E COTIDIANO

As ações de posicionamento cultural desenvolvidas pelas mulheres

negras tiveram e têm como base a atualização seletiva de elementos

da tradição afro-brasileira e de diferentes modelos que conferiam à

mulher negra o poder de liderança e de agenciamentos. Se

utilizarmos a ialodê como chave de leitura, verificaremos a

capacidade de agenciamento embutida nas formas com que diferentes

mulheres negras disputaram e disputam participação em diferentes

momentos das lutas políticas. (Jurema Werneck)285

O poder feminino preconizado pelas mulheres negras em comunidades

quilombolas tem muitos vieses que tentaremos abordar ao longo deste capítulo. Jurema

Werneck, na epígrafe, chama a atenção para a figura da ialodê, “um título designativo

da liderança feminina que, segundo registros historiográficos precários, existiu nas

cidades yorubás pré-coloniais”. 286 Não era incomum encontrar nas sociedades africanas

tribos de mulheres e lugares em que os homens dividiam o poder com as elas. Neste

caso, a ialodê seria uma líder local que representaria as mulheres e falaria pelo coletivo.

Ruth Landes em seu livro A cidade das mulheres analisa o alcance que a escravidão

teve para as mulheres negras:

Como personalidade feminina continua enraizada nas necessidades

primárias da família e dos filhos, é provável que se fira ou se exponha

menos que a do homem com a destruição da ordem social; ao passo

que a destruição social desenraiza violentamente a personalidade

masculina dos empreendimentos prestigiosos e intrincados, ainda que

285 WERNECK, 2005, p. 83. 286 Ibid., p. 83.

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118

sociologicamente secundários, do governo, da propriedade e da

guerra.287

Pode-se pensar no alcance desse poder para as mulheres negras e quilombolas na

Diáspora, onde lideranças como Aqualtune do quilombo de Palmares e Mariana

Crioula, rainha do quilombo no Vale da Paraíba,288 são exemplos de mulheres, entre

outras tantas, que alçaram lugares de destaque nas lutas por direitos nos quilombos

históricos. Conhecer esses exemplos nos permite “recolocar o lugar das mulheres negras

e o impacto de sua atuação para a constituição da diáspora negra”. 289

Durante a escravidão, o papel assumido pelas mulheres quilombolas era de

extrema importância para a sobrevivência dos grupos a que pertenciam, seja nos

quilombos históricos ou nas casas grandes e senzalas. A mulher escrava ao fugir

pensava em questões práticas, como a alimentação. Dessa maneira, os domínios

femininos transpunham-se para ações práticas que atingiam a coletividade. Eurípedes

Funes fala das estratégias de sobrevivência dos mocambeiros da Amazônia e chama

atenção, através de um relato oral de um remanescente quilombola chamado Donga,

para uma prática comum das escravas ao fugir:

Aquelas caboclas, mulatas grande quando tavam iniciando pra fugi,

iam na roça tiravam a semente de maniva, tabaco, semente de tudo

quanto é planta, melancia, maxixe e iam meteno na volta do cabelo

[...] chegavam lá iam plantá, que quando os outros chegavam, já

tinham pra sustento.290

Este é um exemplo de atuação da mulher escrava que desempenhava muitas

funções, ao atender as necessidades cotidianas de alimentação, o cuidado com os

doentes, as funções de parteiras e rezadeiras e a assunção de uma liderança política e

religiosa. Benedita Celeste de Moraes Pinto descreve as mulheres do antigo quilombo

de Paxibal na Amazônia como ágeis na caça e na pesca. Nos relatos que perduram na

região fala-se que eram tenazes e fortes e que também executavam papéis e demandas

287 LANDES, Ruth. A Cidade das Mulheres. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2002 [1947 – 1ª. ed. norte

americana].p. 349. 288 LOPES, Fernanda; WERNECK, Jurema. Mulheres Negras. Um olhar sobreas lutas sociais e as

políticas públicas no Brasil. In: WERNECK, Jurema (Org.) Mulheres negras: um olhar sobre as lutas

sociais e políticas públicas no Brasil. São Paulo: Crioula, 2005. 289 LANDES, Op. Cit., p. 83. 290 FUNES, Eurípedes. “‘Nasci nas matas, nunca tive senhor’. História e memória dos mocambos do

Baixo Amazonas”. In: REIS, João José & GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Liberdade por um Fio.

São Paulo: Cia das Letras, 1996, p. 481-482.

Page 120: karla dias de lima

119

masculinas. “A mulher se fazia presente na extração do vegetal, na caça, na pesca, na

preparação do roçado e nas feituras da roça de mandioca.” 291 Eram improvisadoras nos

arranjos para a sobrevivência, seja na alimentação e na fabricação de utensílios e

“machos no trabalho” na roça e na comunidade. Nestes relatos, as mulheres negras

aparecem como ativas nos lugares de resistência à escravidão ou na luta por

reconhecimento que as comunidades quilombolas empreendem na atualidade.

As mulheres escravas possuíam variadas formas de resistência, que Benedita

Celeste aponta como principais: o enfrentamento, os embates e a rebeldia. Ainda assim,

“seria possível afirmar que estava na manutenção da família uma das faces essenciais do

poder da mulher escrava”. 292 E foi por esta via, como aponta Ana Maria Almeida, que a

mulher escrava entrou para o campo de estudos das Ciências Sociais:

A mulher escrava somente ocupou um espaço específico a partir dos

trabalhos sobre família escrava. Estes trabalhos ressaltaram a

estabilidade familiar dentro das senzalas como conquista, em parte,

das mulheres, já que os senhores não estimularam, nem mesmo

facilitaram a constituição de famílias escravas que, segundo eles,

dificultavam a venda das “peças”293

Nas comunidades quilombolas da atualidade é possível observar que os lugares

de resistência e poder das mulheres negras se maximizaram. Além de serem ainda mães

e donas de casa, também agregam funções no trabalho do campo, atividades religiosas,

artesanais e também assumem funções políticas junto às associações e demais grupos

com os quais as comunidades se relacionam.

As mulheres negras, como sujeitos identitários e políticos, são

resultado de uma articulação de heterogeneidades, resultante de

demandas históricas, políticas, culturais, de enfrentamento das

condições adversas estabelecidas pela dominação ocidental

eurocêntrica ao longo dos séculos e escravidão, expropriação colonial

e da modernidade racializada e racista em que vivemos.294

Seja nas lidas domésticas, no trabalho no campo, na participação nas associações

comunitárias e nos ritos religiosos católicos ou afro-brasileiros, a liderança feminina 291 PINTO. Benedita Celeste de Moraes. Nas veredas da sobrevivência: memória, gênero e símbolos de

poder feminino em povoados da Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2004, p. 76. 292 Ibid., p. 19. 293 ALMEIDA, Ana Maria Leal. Da Casa e da Roça: a Mulher Escrava em Vassouras no Século XIX. –

Vassouras: USS, 2001, p. 8. 294 WERNECK, 2005, p. 76.

Page 121: karla dias de lima

120

realiza-se de forma consentida e negociada. É consentida na medida em que existem

lugares em que essa liderança ocorre de maneira fluida, a exemplo da igreja, grupos

religiosos diversos, fazeres domésticos e culturais; e negociada nos lugares em que as

mulheres disputam o poder, como nas associações comunitárias e na política local. Já

apontamos ao longo do segundo capítulo os lugares onde as mulheres exercem a

liderança na comunidade do Tucum. A partir de agora abordaremos esses lugares por

onde as mulheres transitam e enfrentam variados desafios para se manterem.

3.1 Os desafios para a atuação política das mulheres no Tucum

Eu fêmea-matriz

Eu força-motriz.

Eu-mulher

abrigo da semente

moto-contínuo do mundo.

(Conceição Evaristo) 295

As mulheres das comunidades quilombolas são perpassadas por um processo de

reconfiguração identitária. Em suas atitudes são a “força-motriz”, como no poema de

Conceição Evaristo, ao romperem com a invisibilidade e assumirem um papel relevante

nas decisões locais. Nos lugares onde os conflitos agrários são uma constante, elas têm

coragem de enfrentar os mandatários e fazendeiros, como ocorreu com as mulheres em

Rio das Rãs, já citadas no segundo capítulo. 296 Ao falar da liderança feminina nas

comunidades negras do Tocantins297, Adelmir Fiabani atenta para alguns fatores que

foram determinantes para o protagonismo feminino:

Historicamente, as mulheres das comunidades negras arcaram

sozinhas com as atividades de criação, educação e sustento dos filhos.

Não raro, viram o círculo familiar sendo ampliado pelos netos,

sobrinhos e órfãos. Ocorre que em muitas comunidades o elemento

masculino necessita sair temporariamente da comunidade para

trabalhar. Dessa forma, as mulheres-mães construíram relações de

respeito e devoção para além da família biológica. Elas também

295 EVARISTO, Conceição. Eu-mulher. Cadernos negros - Os melhores poemas, de FNAC Minc.

06/06/2013. <http://www.passeiweb.com/estudos/livros/cadernos_negros_os_melhores_poemas>

Acessado em 17/10/2014. 296 Ver as dissertações de: DUTRA, 2007 e MIRANDA, 2011. 297 Que o autor identifica como sendo: Barra da Aroeira, Malhadinha, Morro São João, Mata Grande e

Taquari.

Page 122: karla dias de lima

121

exercem papéis importantes na organização religiosa da comunidade.

Auxiliam os padres e pastores e ministram aulas de catequese.

Atualmente, participam de organizações (clube de mães, sindicatos,

associação de mulheres, grupo de jovens) e realizam intercâmbio com

outras entidades. São relevantes as funções de “benzedeira”,

“rezadeira”, mãe de santo, conselheira, que as mulheres mais velhas

exercem nas comunidades. Em ambiente desprovido de assistência

médica, psicológica e, muitas vezes, sem escola, os trabalhos destas

“conselheiras” são imprescindíveis. 298

Vemos que não são incomuns as mulheres quilombolas se desdobrarem em

muitos papéis, das lidas domésticas aos lugares da política, religião e das tradições

locais. O perfil das mulheres quilombolas é alterado na esteira das demandas políticas

das comunidades onde vivem. É o momento de perceberem “que a liderança é algo

carismático e não nasce da noite para o dia. É um processo de construção contínua, que

exige determinação, trabalho e convicção de ser portadora de direitos iguais a todos os

gêneros”.299

As mulheres do Tucum desempenham múltiplos papéis, sabem articular

estratégia de sobrevivência na luta cotidiana como mães, esposas, trabalhadoras e

líderes. Não se pode perder de vista que a comunidade é composta de homens e

mulheres, e as questões de gênero pensadas até aqui se formulam no corpo dessas

relações, nos lugares de silenciamento, dominação, negociação e consentimento, sem os

quais não haveria as mediações de poder. Dentro deste trâmite circulam muitas

identidades, visto que são mulheres, negras, trabalhadoras rurais e quilombolas.

Entendemos a liderança comunitária como uma articulação de interesses que se

coadunam em favor do grupo. Geralmente, essa liderança ocorre de forma restrita,

mesmo que o grupo se mobilize em prol da coletividade, determinados personagens

estão mais envolvidos que a maioria na busca de melhoramento na tomada de decisões.

No Tucum, esse papel de liderança se reflete no cotidiano de algumas mulheres, em sua

participação nas decisões da comunidade desde a Associação das Comunidades

Quilombolas de Tanhaçu, a igreja, na manutenção das tradições locais e no trabalho

com o barro, feito, exclusivamente, por elas, por meio do qual sustentam suas famílias.

Nossa reflexão sobre a liderança feminina no Tucum dá-se a partir da observação dos

298 FIABANI, Adelmir. Mulheres quilombolas: presença, liderança e participação. Disponível em:

<http://www6.ufrgs.br/sncp/bkp/resumos/2010/for_gen/2010_for_gen_005.pdf.> Acessado em

20/09/2014. 2010, 2010, p. 2. 299 Ibid., p. 2.

Page 123: karla dias de lima

122

lugares ocupados pelas mulheres dentro da comunidade e nos cursos ministrados por

associações e instituições estaduais, a exemplo do Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Mauá300 e os articuladores da

Floresta Nacional Contendas do Sincorá (FLONA). Sobre a participação política

feminina, Marcos Távora Mendonça percebe que:

As mulheres, em diferentes lugares e espaços sociais,

independentemente de crença religiosa e cor de pele, estão a mostrar

um importante papel de liderança, principalmente em ações

relacionadas a cidadania e a qualidade de vida. Isso porque questões

como falta de água e /ou energia, saneamento básico, educação e

saúde deficitárias (...) fazem parte de uma problemática ligada as

necessidade básicas das mulheres. Observa-se normalmente que a

primeira voz que se levanta é da mulher, pois são elas que estão mais

ligadas a manutenção e a qualidade de vida. 301

Entre as mulheres, alcançar um lugar de liderança comunitária representa uma

superação dos entraves que as limitações de gênero impõem cotidianamente, visto que

“na divisão tradicional do trabalho, em sociedades camponesas, o domínio doméstico é

tido como o espaço da mulher”.302 Lucineide Figueiredo ao falar das lutas das

quebradeiras de coco de Babaçu no Maranhão/MA, observou que o trabalho doméstico

era ao mesmo tempo uma opressão e um desafio para essas mulheres e significava um

espaço pelo qual e contra o qual lutavam. Esse papel de mulher, mãe, esposa e dona de

casa se mantêm e se reconfigura a partir dos conflitos pelas terras dos babaçuais. Nesse

interim, “as mulheres assumem uma função importante, ao ficarem com seus filhos

crianças e os familiares mais velhos, no povoado, nas suas casas, resistindo para que

não se caracterizasse a expulsão das famílias ou o domínio dos invasores”. 303 Com o

avanço dos conflitos e a necessidade de novas frentes, a quebradeira de coco de babaçu

“alçou uma posição antes desconhecida do grupo, passando a ocupar lugar de destaque

nas mobilizações internas e na representação política externa ao grupo – passou a

300 O Instituto de Artesanato Visconde de Mauá foi criado há 76 anos para articular ações voltadas para o

artesanato na Bahia. Em janeiro de 2015, ele foi extinto Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte

(Setre-BA). 301 MENDONÇA, 2008, p. 20. 302 FIGUEIREDO, Lucineide Dias. Empates nos babaçuais: do espaço doméstico ao espaço público

lutas de quebradeiras de coco babaçu no Maranhão. In: Prêmio Margarida Alves: II Coletânea sobre

estudos rurais / 120 Ellen F. Woortmann, Adriana L Lopes, Andréa Britto, Caroline Molina (org.) –

Brasília: MDA, 2007, p. 61. 303 Ibid., p. 68.

Page 124: karla dias de lima

123

assumir uma centralidade antes não observada na economia do grupo”. 304 A atividade

extrativista ganhou relevo e as mulheres passaram a assumir a liderança e atuação

política nos contatos externos dessas comunidades:

A necessidade de tantas viagens para eventos de representação,

mobilizações, presença em reuniões, encontros e várias outras

atividades externas ao dia-a-dia da família e da comunidade

ocasionam uma reviravolta na vida de diversas mulheres,

principalmente daquelas que assumem função de representação ou de

liderança. Às vezes ameaçadas de morte por inimigos políticos, outras

criticadas por pessoas dos próprios povoados onde residem, por vezes

mal compreendidas pelos maridos, elas têm que lutar pela sua

liberdade como mulher, indivíduo que exige respeito aos seus ideais,

bem como buscam o fortalecimento das lutas coletivas e muitas vezes,

em função dessas lutas elas são reconhecidas e valorizadas por

membros familiares e por um movimento mais amplo que luta por

cidadania para mulheres e homens.305

Mesmo nestes lugares de liderança, os outros espaços que são de domínio

feminino prevalecem exigindo dessas mulheres determinação para manter sua posição

na política local ao mesmo tempo em que cuidam da casa e da família. Sobre esta

questão Lucineide Figueiredo observa que, apesar dos avanços na participação das

mulheres:

Ainda é muito complexo administrar tantas obrigações que elas

assumem na estrutura familiar para que possam obter a livre decisão

de dedicar ou não, tempo para outras ações, fora a família. E mesmo

considerando a compreensão conquistada com os filhos e maridos,

ainda assim as tarefas domésticas são entraves para que aconteça a

participação de um maior número de mulheres e uma maior inserção

nos espaços públicos que lhes exigem uma rotina de viagens e tempo

fora do espaço familiar.306

Esses desafios são presentes na vida de todas as mulheres nas muitas frentes em

que precisam atuar, e representam as limitações impostas ao gênero feminino e se

mantêm de forma sub-reptícia nos grupos diversos. Observamos nos contatos com a

comunidade quilombola do Tucum que a liderança feminina não é uma postura comum

a todas as mulheres da localidade. A isso atribuímos o fato de que numa comunidade

rural com fortes laços patriarcais, ainda imperam as posições de submissão e

304 FIGUEIREDO, 2007, p. 73. 305 Ibid., p. 74. 306, Ibid., p. 75.

Page 125: karla dias de lima

124

dependência entre os pares de diferentes sexos. Na contramão desses entraves,

buscamos identificar quais mulheres exercem papéis de liderança no Tucum e o que em

suas trajetórias determinou que adotassem esta postura. Interessa-nos perceber quais

tensões determinaram essas diferenças, como apontado por Mary Del Priore:

O que importa é desvendar as tensões, contradições e negociações que

se estabeleceram, em diferentes épocas, entre elas e seu tempo; entre

elas e a sociedade na qual estavam inseridas. Trata-se de desvendar

hoje as complexas relações entre a mulher, a sociedade e o fato,

mostrando como o ser social que ela é articula-se com o fato social

que ela mesma fabrica e do qual é parte integrante. 307

Essas articulações entre a mulher (ser social) e a realidade em que vive (fato

social) geram as mediações de poder, dominação e negociação, que são percebidas em

suas relações mais habituais, em que assumem posicionamentos diferentes dos

esperados. Observando a ata de reunião da Associação das Comunidades quilombolas

de Tanhaçu, entre os anos de 2009 e 2014, observamos a participação de poucos

moradores. Porém as mulheres são presenças marcantes nas reuniões e que sempre se

articulam nas falas, nas reivindicações e solicitações que possam beneficiar a todos. A

participação marcante feminina pode ser justificada pelo fato de estarem diretamente

envolvidas com as necessidades da família, sabem das aflições como a falta de água,

escola e saúde para os filhos e o direito à terra onde possam plantar.

Ainda assim, a maior parte delas não se envolve com as questões comunitárias,

esse desinteresse figura nos relatos de Maria do Carmo e outras lideranças. Destes

relatos emergem duas possibilidades para se definir a forma de atuação das mulheres no

Tucum e como isso configura suas posturas e visões de mundo. Primeiramente há as

que ocupam exclusivamente o lugar de mulheres e mães, donas do lar e cuidadoras da

família e, num segundo plano, há as que mesmo tendo todas as responsabilidades do lar,

são politicamente articuladas. Em qualquer desses lugares elas convivem com os

anseios cotidianos ligados à família e à luta pela sobrevivência, sendo que esses

objetivos se misturam à medida que melhorar as condições de vida da comunidade é

também uma melhoria para os seus familiares. Esse perfil da mulher quilombola que

transita entre o campo e a casa é descrito por Benedita Celeste Pinto:

307 DEL PRIORE, Mary. Histórias do cotidiano. São Paulo: Contexto; Unesp, 2001. p. 46.

Page 126: karla dias de lima

125

Mulheres sofridas, calejadas, envelhecidas pela dureza da vida e

ressecadas pelo sol escaldante do dia-a-dia, cortam com machado,

encoivaram, plantam, capinam e colhem. A elas estão designadas as

tarefas ditas mais “leves” dos trabalhos da roça. Mas a elas também

cabe o ato de gerar, parir, cuidar e alimentar os filhos. Atividades que

se acumulam ultrapassando as barreiras da noção de “leves”,

ganhando uma densa complexidade, mas possível para essas mulheres,

que na labuta do cotidiano, na luta pela sobrevivência tornam-se

fortes, independentes e detentoras de poderes.308

A família patriarcal deixou marcas significativas no modo de vida das mulheres,

principalmente, nas que vivem em regiões destituídas de recursos. Rita observa que a

dominação masculina é provavelmente um dos principais entraves para a atuação

feminina: “tem uma mulher ali nesse curso da palha mesmo as meninas vinha, tinha

mulher que vinha até escondida pra o marido não saber, pra não tá brigando quando

chegasse em casa. Tem muitos ainda que ainda tem preconceito”. 309 É provável que

essa postura masculina esteja em franco processo de mudança, por uma série de fatores,

as mulheres das novas gerações aparentam não se sentir mais obrigadas a manter

relações por convenção, isso é possível de constatar a partir do número de mulheres

jovens que se separaram de seus companheiros na comunidade. Mas a principal

mudança está na ampliação da autonomia em virtude do acesso a programas sociais,

como o Bolsa Família. Para a antropóloga Walquíria Domingues Leão Rêgo essas

políticas públicas são importantes, porque

Normativamente se deve insistir na necessidade de que o desenho de

políticas públicas de cidadania leve em conta a ambivalência

constitutiva das diversas coletividades presentes na sociedade. E que

seja muito mais exigente neste aspecto em casos como das mulheres

pobres brasileiras. Isto se, realmente, se quiser fazer das políticas de

cidadania um passo importante da luta pela emancipação humana de

homens e mulheres. 310

A insegurança de ordem financeira atingem muitas mulheres, e em especial as mulheres

negras, já existem estudos na área das Ciências Sociais e Antropologia que tentam compreender

o impacto do Bolsa Família na vida de mulheres negras rurais. Ainda que não exista um

308 PINTO, Benedita Celeste de Moraes. Mulheres Negras Rurais: Resistência e Luta por Sobrevivência

na Região do Tocantins (PA). In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São

Paulo, julho 2011, p. 1. 309 Entrevista com Maria Rita Oliveira Silva, no Tucum, em 24/08/2014. 310 RÊGO, Walquiria Domingues Leão. Política de cidadania no governo Lula. Ações de transferência

estatal de renda: o caso do Programa Bolsa Família. Temas y debates. Revista Universitária de

Ciências Sociales. n. 20 , 2010, p. 150.

Page 127: karla dias de lima

126

consenso entre os estudiosos dessas comunidades acerca do alcance desses programas,

algumas mudanças nas posturas femininas já podem ser observadas, como é o caso do

Tucum:

Agora tem muitas mulheres que tão independente porque com esse

Bolsa família aí, elas vão lá em Tanhaçu, pega o dinheiro delas,

porque antes você tinha que comprovar renda, pegava ali aqueles 102

(reais), quem tinha muito recebia mais que duzentos e pouco e tinha

que comprovar aquela renda, tinha que no mercado comprar ali, pra

comprovar o que você gastou. Hoje não, o governo não pede mais

comprovação de renda, pode comprar um esmalte, um batom, um

creme de cabelo, que antes precisava esperar pelo marido, o

absorvente e tudo mais tá entendendo? Hoje as mulheres, elas vão lá

pega o dinheiro delas e fazem o que elas querem. 311

A vinda de programas sociais como o Bolsa Família para as comunidades

quilombolas, apesar de seus inúmeros entraves, tem funcionado como uma

possibilidade de autonomia para família camponesa e uma forma de combate à pobreza.

Devido as suas especificidades, em comunidades quilombolas e indígenas a forma como

o programa funciona adequa-se às necessidade locais, como observou Sarah Mailleux

Sant’Ana

Em princípio, o titular do cartão continua sendo a mulher, mas o

responsável legal pode ser determinado de acordo com a lógica da

organização familiar de cada comunidade. Entre os quilombolas e

indígenas que não têm escolas ou unidades de saúde, porém, a falta

dessas estruturas e o consequente não cumprimento das

condicionalidades não implica a privação dos benefícios. 312

Maria do Carmo acredita que o Bolsa Família serviu de suporte para que as

mulheres do Tucum ajudassem suas famílias: “É a fonte de renda de muitos. Em ela

comprar alguma coisa pros filhos delas e elas sabem resolver melhor alguma coisa e

poder comprar alguma coisa pra ela também”.313 A autonomia das mulheres em decidir

sobre as questões financeiras talvez se desdobre em mais mudanças. O acesso a objetos

que signifiquem um aporte para a vaidade feminina pode também se reverberar na

forma como elas visualizam as relações.

311 Entrevista com Maria Rita Oliveira Silva, no Tucum, em 24/08/2014. 312 SANT’ANA, Sarah Mailleux. A perspectiva brasileira sobre a pobreza: um estudo de caso do

Programa Bolsa Família. Revista do Serviço Público Brasília 58 (1): 05-35 Jan/Mar 2007, p. 19. 313 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira, no Tucum, 30/05/2015.

Page 128: karla dias de lima

127

3.2 A participação feminina na Associação da Comunidade Quilombola do Tucum

Portanto, quer como grupos de mobilizações de causas femininas,

quer como participação feminina em diferentes mobilizações, as

mulheres têm constituído a maioria das ações coletivas públicas.

(Maria Gohn) 314

As associações de moradores das comunidades quilombolas são os espaços

privilegiados para que estes debatam e reivindiquem seus direitos. Lugar de exercício

político das lideranças, as associações comunitárias também são um palco para o

protagonismo feminino. Como bem atenta Maria Gohn, as mulheres são a maioria em

diferentes frentes, “é no âmbito da luta pela sobrevivência que se evaporam a

“fragilidade” e a “dependência”.315 Nas associações quilombolas as mulheres podem

agir politicamente assumindo cargos e reivindicando melhorias para a comunidade, pois

são lugares que representam uma importante experiência coletiva para a legitimação dos

territórios quilombolas:

Dentre as estratégias que têm fortalecido os territórios quilombolas, a

experiência desencadeada com a articulação comunitária dos grupos,

através da constituição de associações comunitárias, soma pontos

positivos na emergência quilombola. A organização comunitária,

através destas formas associativas, permite que as comunidades

possam encorpar suas vozes, atuando de maneira coletiva e estreitando

os laços solidários que compõem suas territorialidades. A constituição

jurídica das associações permitiu às comunidades avançarem

juridicamente na direção da conformação dos seus pleitos, pois uma

das alternativas jurídicas que possibilitam a titulação das terras

quilombolas está vinculada a constituição de grupos com natureza

associativa.316

A criação de uma associação é um dos primeiros passos para que estas

comunidades possam entrar no caminho do reconhecimento. Nos quase dez anos desde

o reconhecimento do Tucum, a Associação já passou por mudanças significativas, na

ocasião do reconhecimento, a comunidade já possuía uma Associação, que foi mantido

314 GOHN, M. da G. Mulheres – atrizes dos movimentos sociais: relações político-culturais e debate

teórico no processo democrático. Revista Política & Sociedade, n. 11, São Paulo, 2007, p. 51. 315 SANTOS, 2013, p. 87. 316 SILVA, Paulo Sérgio da. Quilombos do Sul do Brasil: movimento social emergente na sociedade

Contemporânea. Revista Identidade! São Leopoldo, RS, v. 15, n. 1, jan.-jun. 2010, p. 57.

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128

o seu registro e alterado o nome. Atualmente a comunidade é representada pela

Associação das Comunidades Quilombolas de Tanhaçu, última nomenclatura assumida

em 08 de abril de 2010. 317 A associação atual mantém o mesmo registro da primeira

associação fundada em 26 de abril de 1996, com o nome de Associação dos Produtores

Rurais do Tucum e Campim-Açu, que possuía então uma área de abrangência territorial

maior que a da associação atual.318

Na “Ata da Assembleia Geral de Constituição da Associação dos Produtores

Rurais do Tucum e Campim-Açu” é relatada a primeira reunião ocorrida no dia 26 de

abril de 1996, às dezoito horas e trinta minutos na Escola Municipal do Tucum. Neste

dia foram definidos os objetivos da associação, entre eles “o fortalecimento da

organização econômica, social e política das mencionadas comunidades, assim como

garantir os direitos sociais mínimos dos cidadãos junto aos poderes públicos”.319 O

Estatuto Social320 foi apresentado e estabelecida a hierarquia de liderança na

comunidade através da Assembleia Geral, a Diretoria Executiva e o Conselho Fiscal

com mandatos bienais e não remunerados. A Diretoria Executiva foi composta pelos

seguintes membros: Edmilson Santana Freire, presidente, Antônio Vital da Silva,

secretário e Carlos Souza Pires, tesoureiro. E o Conselho Fiscal composto por Edivaldo

Costa Gondim, Maria do Carmo Oliveira Silva e Alcides Francisco Ribeiro. Na ocasião,

estavam presentes na reunião 46 pessoas das quais 21 eram mulheres. É necessário que

se chame atenção para o fato de Maria do Carmo foi a única mulher a fazer parte da

administração da Associação no momento de sua criação.

As lideranças femininas acabam por se reunir nos lugares onde é necessário

dedicação e trabalho, é peculiar perceber que o trabalho “é um grande indicador das

relações de gênero no quilombo.”321 Considerada a principal liderança do Tucum,

Carmem diz não ter medo do trabalho: já fabricou e vendeu panelas de barro,

alfabetizou crianças, foi agente de saúde até sua aposentadoria e neste percurso

candidatou-se a vereadora. Seu perfil espontâneo de liderança é constantemente

317 Segundo Registro nº 303, fls. 026 do livro A-2 de registro civil de pessoas jurídicas que mudou o

nome da Associação dos Produtores Rurais do Tucum e Campim-Açu para Associação das

Comunidades Quilombolas de Tanhaçu. 318 O livro de ata foi perdido nos trâmites políticos da associação com a prefeitura. Tivemos acesso apenas

a uma xérox dessa ata inicial cedida pelo ex-presidente da Associação Carlito Augusto Oliveira. 319 Retirado do texto da primeira ata de reunião da Associação dos trabalhadores rurais do Tucum e

Capim-Açu. 320 Também não tivemos acesso a este estatuto que se encontra perdido junto com as primeiras atas. 321 BASTOS, 2010, p. 4.

Page 130: karla dias de lima

129

acionado nas falas dos membros da comunidade, como é o caso de Carlito Augusto

Oliveira: “A maior liderança do Tucum chama Maria do Carmo. Em qualquer lugar que

eu vou o nome dela eu nunca deixo de falar né? E ela faz parte da igreja e todo lugar

que ela vai ela procura trazer coisa pra comunidade”.322 Aparentemente as mulheres não

têm problema em conviver no espaço político com os homens. Os homens têm mais

dificuldade em aceitar outros concorrentes em seu espaço.

Entre os anos de 2000 e 2004, Maria do Carmo foi presidente da Associação dos

Produtores Rurais do Tucum e Campim-Açu e vice-presidente na gestão de Carlito,

entre 2009 e 2013, quando a comunidade já estava reconhecida como quilombo. Nos

quatro anos em que foi presidente, Carmem relata que as dificuldades eram inúmeras,

visto que a comunidade era muito pobre, a associação tinha poucos membros e seu

trabalho era árduo já que não tinha transporte para se locomover entre os povoados:

Tinha dificuldade de participar das reuniões, eu ia participar das

reuniões muitas vezes em Tanhaçu e ia a pé (andando). Tinha feito

algumas aguadas até mesmo daquele projeto de ir por etapa, que eram

300 horas de trator não foi feita aguada aqui no Tucum porque a gente

tinha uma água encanada que na época caia até bem pra gente e foi

feita em Esperança e em Capim-Açu. Porque a comunidade aqui era

uma associação conjunta; Tucum e Capim-Açu. Ai eu ia visitar esses

trabalhos, tudo a pé, mas eu já era agente de saúde e já aproveitava

junto e fazia todas as visitas. Era difícil, era muito difícil também o

povo entender, participar, muita gente não queria contribuir. Os

maiores desafios foram esses.323

Desde então, o ritmo de vida mudou significativamente no Tucum. Após o

reconhecimento, a principal mudança apontada pelos moradores e lideranças foi a

chegada de alguns benefícios como casas populares, cestas básicas e cisternas que

vieram a facilitar a vida de muitos. Neste interim, o número de associados duplicou e

atualmente a Associação conta com 170 associados. A atual presidente da associação é

herdeira da postura proativa da mãe, Maria Rita enfrenta novos desafios para levar a

frente à sua gestão.

Fui muito bem votada, agora eu tô fazendo o que eu posso na

comunidade que eu falei com o povo, eu posso não trazer projetos

grandes pra comunidade, mas o que eu quero é isso reunir todo

primeiro sábado do mês, já tá em ata, no fórum e tudo, tem a reunião

322 Entrevista com Carlito Augusto Oliveira, em Tanhaçu, no dia 30/05/2015. 323 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira, no Tucum, no dia 30/05/2015.

Page 131: karla dias de lima

130

dos associados, muita gente tá contribuindo direitinho, eu já exclui

aqueles sócios que tem 2 anos, 3 anos que não tá participando, já tá

fazendo a exclusão, porque a gente fala assim, porque quando vem um

projeto primeiro você tem que correr atrás dos que estão aptos, aí tem

gente que tá, já tem em caixa um pouquinho de dinheiro, que a gente

tá querendo fazer as coisas, fazer a sede agora né?324

Em seus anseios por fazer uma boa gestão, Rita quer deixar sua marca na

Associação, se possível com uma sede própria onde o conselho possa se reunir

mensalmente e armazenar os documentos da comunidade. A figura 15 mostra um

encontro dos moradores para entrega de documentos nos fundos da Igreja São João

Batista. Na ocasião, a comunidade esperava receber 50 casas populares da Caixa

Econômica Federal.

Figura 15- Moradores entregando documentos para receberem casas populares.

Foto de Karla Dias de Lima – 30/05/2015.

Como a associação não possuía uma sede até a data do encerramento desta

pesquisa, as reuniões aconteciam nas igrejas de São João Batista ou Nossa Senhora

Aparecida. Durante a gestão de Carlito Oliveira as reuniões ocorreram mensalmente

entre 28 de novembro de 2009 e 04 de dezembro de 2010, após essa data passaram a

ocorrer a cada dois meses. A última ata de sua gestão é datada de 21 de setembro de

2011, por motivos que desconhecemos os anos de 2012 e 2013 não foram registrados

324 Entrevista com Maria Rita Oliveira, no Tucum, em 24/08/2014.

Page 132: karla dias de lima

131

em ata. A mesma ata volta a ser utilizada em 18 de fevereiro de 2014 já na gestão de

Maria Rita Oliveira, desde então as reuniões passaram a ocorrer mensalmente. Na

ocasião da entrevista, em agosto de 2014, a comunidade tinha sido beneficiada com 92

cisternas, para ela o fato de serem quilombolas foi determinante.

Reconhecer que nós somos uma comunidade quilombola, que as

coisas vem através disso, porque essas 92 cisterna que saiu não era pra

vim pra aqui não, era pra ser dividido pra quatro comunidades, mas

como a gente tem o nosso reconhecimento tem a comunidade

quilombola. Cê sabe que o governo corre demais atrás dessas coisa, aí

mandou pra cá pra nossa comunidade, a gente foi beneficiado com 92

cisternas. 325

Essas cisternas fazem parte de um projeto da Articulação Semiárido Brasileiro

(ASA): “Esse programa abriga tecnologias sociais populares de captação e

armazenamento de água para consumo humano e para a produção de alimentos. Além

disso, fortalece outras iniciativas de convivência com o Semiárido”. 326 O programa é

direcionado às famílias com baixa renda e com residência permanente numa zona rural

que não tenha acesso ao sistema público de abastecimento de água. A água da

comunidade do povoado do Tucum vem de uma nascente há mais ou menos 8 Km e não

é tratada. De acordo com um relato retirado da ata da associação numa reunião em 16 de

julho de 2010:

Com o desmatamento da beira da nascente, a água está cada vez mais

escassa, principalmente quando chega o período da seca. A água é

canalizada, onde cada morador tem direito a um dia de água. Algumas

casas tem dificuldades e outras tem facilidade pra cair água. O

Ministério da Saúde fornece hipoclorito para as pessoas usarem no

tratamento da água. Na época da seca, geralmente todo ano tem, é

uma grande dificuldade, principalmente pra dar água as criações. Os

moradores vão pegar água de jegue, galvista, carro de boi, e muitas

das vezes voltam com as suas vasilhas vazia. Os carro pipa, fornecido

pelo exército, abastece um pouco, mais a demanda na região é grande

e não tem condições suficientes para beneficiar a população. O que

falta muitas vezes é reservatórios de água apropriado para o

armazenamento da água. Mas depois da construção das cisternas do

projeto ASA irá solucionar e suprir a necessidade, e o anseio do povo

que sempre lamenta um grande problema: a falta da água. 327

325 Entrevista com Maria Rita Oliveira Silva, no Tucum, em 24/08/2014. 326 ASA BRASIL. Quem somos. (S.d) Disponível online em:

http://www.asabrasil.org.br/Portal/Informacoes.asp?COD_MENU=97. Acessado em 21/09/2014. 327 Retirado da ata da associação do Tucum referente a uma reunião com a irmã Cícera em 16/07/2010.

Page 133: karla dias de lima

132

A falta de água é um grande problema para a comunidade, e durante muitos

anos, em especial nos períodos de seca, quando era necessária a ajuda externa. Nas

entrevistas com as moradoras mais antigas como Dona Anízia, D. Edelvira e D.

Mariazinha são recorrentes as falas sobre as dificuldades passadas em épocas anteriores.

D. Edelvira conta que há tempos atrás tinham água em abundância de um riacho que

secou. Quando a entrevistamos em agosto de 2014, ela nos levou ao quintal de sua casa

para mostrar sua cisterna, pra ela essa foi uma das maiores benfeitorias oferecidas à

comunidade e que significou uma melhoria na vida de todos: “Melhorô, que agora

mesmo fez essas cisternas que nós num tinha pra colocar água da chuva e sendo

quilombola nós tudo é atendido. Cisternas pra aparar agua pra nós beber. Num melhorô?

Melhorô muito fia”. 328 A figura 16 mostra a cisterna da casa de Maria do Carmo, uma

das muitas que vieram para beneficiar o Tucum.

Figura 16 - Cisterna no quintal da casa de Maria do Carmo.

Foto de Karla Dias de Lima – 24/08/ 2014.

A fala de D. Edelvira nos faz refletir que apesar de não compreenderem

plenamente o alcance político de ser quilombola, os moradores do Tucum

resignificaram o conceito, associando-o aos benefícios que a comunidade passou a

receber após o seu reconhecimento. Como atenta Salete da Dalt: “Esse tipo de vínculo

328 Entrevista com Edelvira Oliveira Silva, no Tucum, em 23/08/2014.

Page 134: karla dias de lima

133

foi estabelecido por muitas lideranças e por alguns poucos membros das comunidades

não vinculados com a liderança, em vários estados brasileiros”. 329 Nesta perspectiva,

ser quilombola passa a ser um “tipo de política de proteção social” que mesmo sendo

externa as suas vivências é entendida como uma política de reparação e para a grande

maioria ser associado funciona como uma espécie de senha de acesso aos benefícios. No

entanto, Rita queixa-se da pouca participação dos moradores nas atividades coletivas da

Associação:

Não é uma comunidade assim que você se reúne, se precisar todo

mundo tá ali em prol da mesma coisa pra correr atrás, o povo daqui só

vai mesmo pra benefício, pra si próprio. Agora quando é uma coisa

assim pra comunidade o povo não se reúne muito não, mas tem

alguns, sempre tem, mas tem, as reunião mesmo da comunidade

agora, eu tenho 170 associados, praticamente, se tiver o que? Se tiver

25 a 30 que tão indo, frequentando, que tão indo nas reuniões, mas

quando fala assim, por exemplo, se eu chegar hoje na cabana e disser

assim; gente tá vindo uns benefício pra comunidade, coisa grande que

vai beneficiar todo mundo, tá saindo aí 50 casa populares que tem né?

Aí todo mundo vem, todo mundo quer, todo mundo corre, aí é um

bafafá, tudo mais, mas quando fala: vamos nos reunir aqui gente?

Como agora que tá precisando pra construir essas cisternas; Vamo

reunir, a gente tem muito pedreiro na comunidade, vamos hoje eu vou

fazer, hoje você dar uma força, amanhã outro dar. Sai tudo fora.330

A queixa da não participação vem acompanhada de uma sinalização do interesse

dos moradores nos benefícios e não nas questões do cotidiano. A ausência nas reuniões

e, na fala de Maria do Carmo: “A falta de união do povo daqui”, continua sendo um

obstáculo. Mas a percepção de que os benefícios são importantes para a comunidade

também é repetida nas falas das lideranças. Essas políticas públicas são essenciais para

o combate à pobreza nestas localidades, que como aponta Daniely Santos

As comunidades negras ainda carecem de muitos serviços básicos.

Nos últimos anos, o Governo Federal investiu nas comunidades com

obras de infraestrutura como habitação, saneamento, comunicação,

eletrificação e melhoria das estradas. Também viabilizou acesso à

água, ampliação do Programa Bolsa Família, a construção de casas,

escolas, distribuiu sementes, facilitou a comercialização dos produtos

produzidos nas comunidades e outros.331

329 DALT, 2011, p. 50. 330 Entrevista com Maria Rita Oliveira, no Tucum em 24/08/2015. 331 SANTOS, 2013, p. 66.

Page 135: karla dias de lima

134

De fato, o acesso a estas políticas públicas mudou a rotina do Tucum, em

especial nos lares em que as mulheres são chefes de família. Em geral, devido à vida

árdua de mulheres negras e trabalhadoras rurais, nas comunidades quilombolas as

mulheres são politicamente ativas. Ainda que em número reduzido, as vozes das

lideranças femininas são prementes no Tucum: se posicionam contra a omissão dos

homens, pela demarcação da terra, sobre as dificuldades de emprego e renda para a

família e, principalmente, nos desafios que enfrentam para afirmarem-se como mulheres

negras e atuantes. Maria Gohn atenta para uma reconfiguração dos movimentos sociais

em que

categorias sociais que estiveram até agora em situação de exclusão

socioeconômica e inferioridade na escala de prestígio social, como

tem sido historicamente a categoria “mulher”, têm formado

movimentos sociais para libertarem-se. Essas categorias sociais são

parte das tensões no mundo ocidental mas também são fontes de

dinamismo, além de serem, como no caso das mulheres, as “atrizes

principais” de um novo e possível modo de recomposição do

mundo.332

As mulheres são também as “atrizes principais” nas reuniões da Associação. Nas

atas, os nomes de Maria do Carmo, Maria Rita, Rosilda Novais, Euzimar Santana,

Izabel Solenidade aparecem constantemente entre as assinaturas dos presentes e

algumas dessas mulheres faziam e fazem parte da diretoria da associação. O anterior

presidente da Associação Carlito Augusto Oliveira e o secretário Ricardo Oliveira

Santana são frequentes. Exceto eles, percebemos, nas atas das reuniões, que geralmente

comparecem um ou dois homens para um público de oito mulheres, que são as mesmas

que estão sempre presentes. Na fala de Rita, “as mulheres são que participam mais da

comunidade e até na associação são mais as mulheres”. 333 E Carlito Oliveira também

confirma esta observação:

Pesquisadora- E quando tinha reunião da associação a comunidade

participava?

Carlito- Participava, no começo eles participava, depois eles se afasta

um pouco, cê entendeu? Mas participa sim, ainda principal quando

tem assim...quando vem algum benefício que fala, ai todo mundo

participa da reunião.

332 GOHN, 2007, p. 45. 333 Entrevista com Maria Rita Oliveira, no Tucum em 24/08/2015.

Page 136: karla dias de lima

135

Pesquisadora - E quem participava mais? Homens ou mulheres?

Carlito - Mais as mulheres. Os homens também vai, mas é mais as

mulheres.

Pesquisadora - Por que você acha que as mulheres participavam mais?

Carlito- Eu credito que é porque as mulher é quem fica mais na

comunidade né? Os homens costuma sair pra fora ou tá trabalhando,

ou tá cansado na hora da reunião e num ir. Então por isso que sempre

quem participa mais é as mulheres.334

Como liderança comunitária, Rita orgulha-se de ser quilombola, mas se angustia

com as contradições que perpassam as relações com os moradores, pois “tem gente que

é e não quer ser, mas aqui na nossa comunidade ainda falta muitos pra ser uma

comunidade quilombola”. Também se queixa de que a maioria das mulheres é omissa

em participar das reuniões, nas ações e dar continuidade aos projetos em que

participam.

Eu creio que essa tradição aí das mulheres do barro, de explorar mais

as tradições...porque eu acredito que a gente já explicou, explicou,

explicou tem que trazer mais pessoas engajadas nesse projeto que

possa passar mais conhecimento para que as pessoas entendam mais

né? E o exemplo que a gente tem aqui mesmo é a exploração do barro,

se você for lá em Lindaura, tem a palha do licuri que as meninas, veio

umas moças aqui de uma cidadezinha que eu não lembro o local, que

explorou fez essas palhas, fez tanto trabalho bonito e parou por aí,

acabou, não é que acabou porque o povo, as meninas que aprenderam

a fazer elas são assim elas só passam se tiver as pessoas vinda de fora,

se sentar na comunidade e falar assim: gente vamo passar pra aqui isso

que aprendeu? Elas não tem essa vontade de passar, só quando as

pessoas vem de fora. 335

Essa preocupação com a falta de politização das outras mulheres é uma

constante nas falas de Rita, pois ela conta com o apoio destas para levar a frente alguns

projetos na comunidade e diz se sentir desestimulada. Eliane Santana também

compartilha a angústia das companheiras com relação aos assuntos da comunidade,

percebe a necessidade de união entre os moradores e que a falta desta acaba por

acarretar uma concentração de tarefas nas mãos de um grupo reduzido. “Não tem união,

é que nem a gente, hoje em dia a gente tem a associação, se a gente tem algum problema

na comunidade ou alguma pessoa doente, aí o quê que é todo mundo se unir né? Tem

muitos associados entendeu? Todo mundo se unir.” 336 Outra queixa é que os homens

334 Entrevista com Carlito Augusto Oliveira, em Tanhaçu, no dia 30/05/2015. 335 Entrevista com Maria Rita Oliveira Silva, no Tucum, em 24/08/2014. 336 Entrevista com Eliane Silva Santana, no Tucum em 24/08/2014.

Page 137: karla dias de lima

136

também não desejam participar e discutir as questões locais na Associação. Como é

perceptível na fala de Carmem:

Ainda existe assim alguma coisa com relação aos homens, por que

muitos homens eles não gostam de participar sabe? Até mesmo das

comunidades quilombolas, até mesmo das reuniões das associações cê

ver que tem mais mulheres do que homens. Os homens ainda tem

aquela maneira de, eles ainda são mais resistentes, uns ainda vão mais

não aceitam ficar, muitos deles ficam pelo lado de fora até mesmo

criticando, tá entendendo? Os homens não participam. 337

Essa omissão por parte dos homens faz com que as mulheres sejam a maioria

nas reuniões locais e externas que a comunidade participa. No contato com os

moradores do sexo masculino, percebemos que alguns ainda não entendem e não

aceitam serem quilombolas, já que relacionam essa condição com a escravidão e veem

como algo negativo. Maria do Carmo juntamente com Rita, buscam fazer um debate

sobre as origens do Tucum de forma a sensibilizar os moradores. Outro problema

apontado na gestão de Carlito eram os atrasos ou mesmo o não pagamento da

contribuição sindical, que na época era de R$1,00 para cerca de 90 associados. Desde

2014 que a contribuição sindical está fixada em R$3,00. Esse dinheiro era utilizado para

as viagens do presidente, pagamentos e outras demandas da Associação, e muitas vezes

não era o suficiente, como aponta Carlito Oliveira:

A dificuldade era pra poder viajar porque não tinha renda né? Então

quando tinha que ir pra Salvador não tinha dinheiro pra ir, tinha uma

pessoa com o nome de Marindo que levava né? Me dava passagem pra

voltar, então tinha muita dificuldade para participar, agora já tá melhor

não é? Porque o pessoal também já tá contribuindo direito entendeu?

Mas antes tinha muita dificuldade, que nem muitas vezes eu saí daqui

de Tanhaçu pra ir no Tucum a pé, que é de nove a treze quilômetros.

A pé ir e voltar, e reunião no Pastinho também eu já cheguei a descer

na Itaguarana há noite pra ir participar de reunião lá a pé. Porque não

tinha transporte, nem tinha dinheiro pra pagar um carro pra ir, e eu

tinha compromisso, eu nunca deixei de participar.338

A vinda de cursos e agentes de instituições como a FLONA de Contendas do

Sincorá e a ICMbio trouxe à comunidade a possibilidade de pensar em novas fontes de

renda. Entre 2011 e 2012, dois cursos vieram direcionados às mulheres: o da confecção

337 Entrevista com Maria do Carmo, no Tucum, no dia 04/08/2012. 338 Entrevista com Carlito Augusto Oliveira, em Tanhaçu, no dia 30/05/2015.

Page 138: karla dias de lima

137

de artefatos diversos com a palha de licuri e o segundo curso ensinava a fazer doces e

compotas de frutas locais. A figura 17 mostra uma mulher do Tucum confeccionando

uma cesta de palha de licuri e foi registrada numa visita dos estudantes do Colégio

Estadual Antônio Carlos Magalhães a comunidade do Tucum.

Figura 17 – Mulher do Tucum fazendo cesta da palha do licuri.

Foto de Luciana Carvalho – S.d.339

Os cursos tinham por objetivo oferecer opções de autonomia financeira para

essas mulheres sem que abandonassem as práticas tradicionais e as matérias primas da

comunidade. Nas conversas das mulheres que participaram do curso, o contato com as

agentes externas e a sociabilidade foram pontos positivos desses encontros. Na fala de

Rita: “Elas se sentem valorizadas né?”,340 mas observa que a maior dificuldade é dar

continuidade a essas ações, principalmente por conta das dificuldades financeiras das

moradoras. A palha de licuri existe em grande quantidade na região, mas elas não têm

um espaço para trabalhar. Apesar de algumas terem continuado a fazer os objetos em

suas casas, não há uma comercialização. A organização do curso dos doces se

339 GEOGRAFIA E DIVERSIDADE. Colégio ACM. (S.d) Disponível online em

http://lucianageografia.blogspot.com.br/p/colegio-acm.html acessado em 04/03/2015. 340 Entrevista com Maria Rita Oliveira, no Tucum, no dia 24/08/2014.

Page 139: karla dias de lima

138

comprometeu a fornecer um maquinário para a comunidade, assim como certificado

para as participantes, mas até a finalização dessa pesquisa isso não havia ocorrido.

Falta muitas coisas ainda, principalmente para as mulheres, mais

cursos, mais capacitações para que elas aprendam mais e também

assim uma fonte de renda pra que elas possam fazer os trabalho delas

e ser remunerada com uma quantia, que não seja muito, mas que ajude

a elas mais, porque há mais uma falta de incentivo. Porque se a gente

senta: vamos fazer a cestinha hoje? A gente senta na cabana e tira uns

três dias pra fazer, faz aquelas coisinha tão bonitinha, mas ai era bom

que quando elas terminasse já tivesse ali um lugar para elas vender e

mostrar o produto delas né? Pra criar mais estímulo pra elas.341

A visita de agentes externos funciona como um desses estímulos citados por

Rita. Quando iniciamos os contatos com as moradoras em 2009, pouco ou quase nada se

encontrava sobre a comunidade na internet. Desde então, os contatos com outras

comunidades, cursos e ações sociais cresceram significativamente, e após a descoberta

da urna funerária indígena nas terras do Tucum em 2011, o povoado ganhou

notoriedade, inclusive dentro da própria cidade de Tanhaçu e desde então passaram a

receber visitas de grupos diversos.

Nos dias 02 e 03 de dezembro de 2011, o Tucum sediou o I Encontro das

Comunidades Quilombolas do Território de Identidade Sertão Produtivo, organizado

pela FLONA de Contendas do Sincorá. O objetivo do encontro foi a sensibilização e o

fortalecimento da autonomia das comunidades do Sertão produtivo. Nessa ocasião as

mulheres puderam expor e vender seus trabalhos da palha do licuri e do barro. A figura

18 mostra o stand das mulheres do Tucum durante o encontro que foi sediado na própria

comunidade, Maria do Carmo é a quarta figura da direita pra esquerda, Rita e Lindaura

também aparecem na foto.

341 Entrevista com Maria Rita Oliveira, no Tucum, no dia 24/08/2014.

Page 140: karla dias de lima

139

Figura 18- Mulheres do Tucum no I Encontro das Comunidades Quilombolas do

Território de Identidade Sertão Produtivo.

Foto de autoria desconhecida.342

Foi a partir das palestras e discussões ocorridas no I Encontro das Comunidades

Quilombolas do Território de Identidade Sertão Produtivo que a Associação começou a

comemorar o “Dia da Consciência Negra” no dia 20 de novembro. O primeiro ano em

que essa comemoração ocorreu foi em 2012. Nesse dia aconteceram palestras, oficinas e

mostra de artesanato. A comemoração dessa data é muito importante para o

fortalecimento da autoestima e da identidade quilombola dos moradores.

Apesar dos avanços que a comunidade teve em relação ao acesso a benefícios, a

gestão atual ainda tem demandas inúmeras e dificultosas, a questão da não titulação da

terra e a falta de participação dos moradores figuram entres estas. Os relatos das

mulheres do Tucum demonstram que mesmo em suas ações cotidianas, no trato com a

casa e a família, a busca por melhorias é uma constante. Ainda que nem todas se

envolvam diretamente nas questões da associação, trabalham cotidianamente para

manter as suas famílias e enfrentam os obstáculos de sua condição feminina, com

firmeza de mulher que lida com a terra e conhece os ritmos da natureza.

342 Disponível online em http://www.icmbio.gov.br/portal/comunicacao/noticias/20-geral/2442-flona-

contendas-do-sincora-coordena-encontro-das-comunidades-quilombolas.html . Acessado em

15/10/2012.

Page 141: karla dias de lima

140

3.3 As mulheres e a religiosidade no Tucum

A religiosidade ainda hoje é muito forte entre as comunidades negras,

sendo o catolicismo, pelo menos aparentemente, a única religião

permitida e praticada. Aparentemente, porque as benzeduras, a

prática de curandeirismo, o xamanismo, a punçanga (feitiço), a

encomendação leiga das almas também fazem parte de um universo

cultural caracterizado pelo sincretismo religioso, marca forte de

identidade dessas comunidades, assim como dos mocambeiros.

(Eurípedes Funes)343

A existência correlata de práticas religiosas católicas e afro-indígenas em

comunidades negras rurais é notória, como foi sinalizado por Eurípedes Funes. Da

interação entre os africanos escravizados com os brancos e indígenas surgiram

construções sociais e culturais bem diversas. Após serem retirados dos seus lugares e

forçados a renovarem trajetórias no além-mar, os africanos reconstruíram suas

identidades em diversos aspectos desde as relações de trabalho até as práticas religiosas.

E foi assim que manifestações religiosas como a congada e o candomblé se tornaram

elementos centrais de uma cultura e identidade afro-brasileira.

O tema da dominação não pode deixar de estar presente quando

falamos de sociedades afrodescendentes nas Américas, e certamente

as atitudes dos representantes da sociedade senhorial, entre eles os

agentes da Igreja, tiveram um papel fundamental nos processos de

constituição de novas identidades e novas formas culturais a partir da

diáspora africana.344

A questão religiosa teve importância para o fortalecimento da identidade

quilombola no Tucum e, ainda que a comunidade se situe numa região demarcadamente

católica, lá também se encontram as manifestações de religiosidade popular e as

religiões de matriz africana. São as mulheres do Tucum que organizam as principais

manifestações culturais e religiosas como os festejos de São João Batista, considerado o

Padroeiro da Comunidade e a festa em louvor a Nossa Senhora Aparecida. O papel

assumido pelas mulheres nos grupos religiosos revela uma força política que ultrapassa

o campo do espiritual:

343 FUNES, 1996, p. 476. 344 MELLO E SOUZA, Marina de. Catolicismo negro no Brasil: santos e minkisi, uma reflexão sobre

miscigenação cultural. Afro-Ásia, núm. 28, 2002, p. 125-146.

Page 142: karla dias de lima

141

Ainda no âmbito das articulações políticas em torno do sagrado e do

encontro entre matrizes culturais e religiosas ocidentais e africanas,

foram criadas Irmandades femininas negras. Estas eram associações

religiosas abrigadas no interior dos rituais cristãos, especialmente na

religião católica hegemônica no período escravocrata. E tiveram

grande importância no estabelecimento de condições materiais de

subsistência para as mulheres de diferentes etnias africanas e para as

afro-brasileiras. Bem como propiciaram as articulações necessárias

para o confronto ao regime da época, inclusive para as ações e

estratégias políticas de massa, como as revoltas urbanas. Algumas

destas são atuantes até hoje, como a Irmandade da Boa Morte, no

interior da Bahia. Vinculada à igreja católica, ela reúne mulheres

negras idosas da mais alta hierarquia das religiões afro-brasileiras,

especialmente do Candomblé. Seus rituais públicos explicitam as

articulações entre religiões e matrizes culturais, ainda que seus

mistérios sejam profundamente afro-brasileiros. 345

Jurema Werneck fala da influência das mulheres nas irmandades negras e suas

articulações de alcance político. Ruth Landes também aponta para “as articulações entre

religiões e matrizes culturais” ao falar das mães de santo da cidade de Salvador em

meados do século XX, identificando o poder que desenvolveram em suas casas, por ter

sido “nas regiões latino-americanas que as mulheres negras encontraram maior

reconhecimento do seu próprio povo e dos senhores”. 346 Essa conjuntura favoreceu o

surgimento de um catolicismo negro que, mesclado a outros matizes culturais, “se

completam como partes integrantes de um mesmo sistema religioso”. 347 Falaremos

especialmente das práticas católicas no Tucum e da liderança de Maria do Carmo neste

espaço.

No Tucum encontramos duas igrejas católicas, uma igreja evangélica da

Assembleia de Deus e cinco casas de umbanda. A maior parte da comunidade afirma ser

católica e há estranhamentos quanto às religiões de matriz africana, como é visível na

fala de Maria do Carmo: “É só a católica e os evangélico, porque o pessoal que faz os

carurus e essas coisas, eles se consideram também católico”. 348 As duas igrejas

católicas existentes na comunidade são dedicadas a dois santos: a do “Tucum de cima”

345 WERNECK, 2005, p. 79. 346 LANDES, 2002, p. 351. 347 O’DWYER, Eliane Cantarino. Os quilombos e as fronteiras da Antropologia. Antropolítica (UFF). V.

19, p. 91-111, 2005, p. 104. 348 Entrevista com Maria do Carmo, no Tucum em 30/05/2015.

Page 143: karla dias de lima

142

349 é dedicada a São João Batista e da do “Tucum de baixo” à Nossa Senhora Aparecida.

A figura 19 mostra a Igreja Católica de São João Batista no “Tucum de cima”.

Figura 19 – Igreja católica dedicada a São João Batista no “Tucum de cima”.

Foto: Greciane Neres. Fevereiro de 2012.

Ambas as igrejas foram construídas no ano de 1985. A primeira a ser construída

foi a de Nossa Senhora Aparecida, localizada no “Tucum de baixo”. Para conseguir

recursos para a obra foram feitos leilões e solicitada ajuda do prefeito da época, e num

mutirão, os próprios moradores a construíram. No mesmo período, os moradores do

Tucum de cima decidiram-se por construir outra igreja que foi dedicada a São João

Batista. Sobre esse processo nos conta Maria do Carmo:

Primeiro eles começaram a fazer uma reunião lá e fizeram a igreja, pra

fazer a igreja de Nossa Senhora Aparecida, o pessoal, a maioria

acharam por melhor fazer uma igreja só de São João porque ficava

dividido, aí Lagoa da Pedra, Tapagem ficaria numa só. Ai o pessoal

não decidiram a não aceitaram, nós já tinha feito a ideia, aí fizeram a

igreja de Nossa Senhora Aparecida e ao mesmo tempo aí o pessoal

todo que queria a igreja lá de cima fizeram a Igreja de São João. Só

349 A região é comumente dividida entre “Tucum de baixo” e “Tucum de cima”, assim chamadas pelos

moradores para entenderem a localidade a que se referem, já que a entrada da comunidade é numa

baixada e vai se estendendo até o Pé do Morro como explica Maria do Carmo: “Assim é que quando

vem de lá que saí da Batateira, as primeiras casas, geralmente se fala assim Tucum, aqui já é Tucum,

mas fica lá em baixo, por isso Tucum de Baixo. Mas é um só, é por causa que lá já é afastado. Até lá na

serra tem moradores.”

Page 144: karla dias de lima

143

que não teve separação assim, de não ir lá não, todo mundo vai lá.

Teve só o mal entendido de fazer as duas igrejas sabe?350

Os moradores da Tapagem e da Lagoa da Pedra frequentam a Igreja de São João

Batista por conta da proximidade de suas casas. As missas ocorrem uma vez ao mês e o

padre as intercala entre as duas igrejas. A existência de duas igrejas tão próximas é uma

peculiaridade do Tucum que, segundo Carlito, “é a única comunidade que tem duas

igrejas 800 metro uma da outra. Nem aqui ne Tanhaçu não tem né?” A figura 20 mostra

a Igreja de Nossa Senhora Aparecida com duas portas azuis numa foto veiculada no site

da Prefeitura de Tanhaçu, quando a comunidade foi reconhecida em 2006.

Figura 20 – Igreja católica dedicada a Nossa Senhora Aparecida.

Foto de autoria desconhecida. (s.d)351

Antes da construção das Igrejas os moradores se reuniam nas casas, desde aquela

ocasião em que Maria do Carmo e as outras mulheres se articulavam para organizar os

encontros religiosos. De acordo com Carlito, “Maria do Carmo é a liderança no Tucum

em toda parte, toda parte, tanto faz, é igreja católica, assembleia, ela é uma líder do

Tucum” 352 Atualmente, desde que deixou a vice-presidência da Associação, do Carmo

tem se dedicado às questões espirituais. Ela assume os cuidados e responsabilidades na

Igreja de São João Batista e Euzimar Santana na Igreja de Nossa Senhora Aparecida. A

350 Entrevista com Maria do Carmo, Tucum, 30/05/2015.

351 Foto retirada do site da Prefeitura de Tanhaçu para a consulta. <http://tanhacu.ba.gov.br/historia.html>

acessado em 07/08/2014. 352 Entrevista com Carlito Augusto Oliveira, Tanhaçu, 30/05/2015.

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144

figura 21 mostra a Igreja com uma única porta marrom, fruto de uma reforma feita entre

os anos de 2009 e 2010.

Figura 21 – Igreja católica dedicada a Nossa Senhora Aparecida após a reforma.

Foto de Karla Dias de Lima – 30/05/2015.

Um grupo de mulheres da comunidade organiza a catequese, a limpeza das

Igrejas e o culto comunitário com a celebração da palavra que ocorre aos sábados,

quando não tem missa. Segundo Maria do Carmo, “tem um grupo que ajuda, as

meninas, tem Sula, tem Rita, tem Idália, tem Mara, tem a menina que mora lá perto, que

quando uma sai a outra toma conta”. 353 Com elas divide as leituras dos Salmos, as

preces, os cânticos da liturgia e se reúnem para decidirem as questões principais. Nesses

encontros sempre se reversam para levar o chá. Rita diz que as mesmas mulheres que

participam da associação fazem parte das ações da igreja:

Na Igreja que é a minha mãe que é a líder da comunidade, é a da

Igreja, ela é ministra da eucaristia, a gente reúne igreja e associação,

quer dizer os membros são poucos, pra tomar as decisões são poucos,

são o quê? Acho que 8 pessoas, a gente se reúne é as mesmas que faz

parte da pastoral, que faz parte dos cânticos da liturgia, da igreja. São:

eu, minha mãe, que é Isabel Solenidade que é menina que é a

tesoureira, tem a secretaria aqui em cima que é Rosilda Novais que é a

neta de Tia Anízia aquela lá, tem Ricardo Santana, tem, quê mais?

Acho que uns oitos a nove, umas dez pessoas se reúne pra tomar as

decisões né? Quando tem as decisões da igreja, mãe reúne na igreja

353 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira, Tucum, 30/05/2015.

Page 146: karla dias de lima

145

chama as pessoas lá, e quando a gente toma as decisões a gente reúne

com todo mundo, as pessoas da comunidade e pede. 354

Nas questões da Igreja, as mesmas queixas de repetem: a falta de união das

mulheres e pouca participação dos homens. Sobre essa questão Maria do Carmo diz

que:

Eles vão mas eles não ficam a frente e ai que a gente gostaria que

eles também fizessem a frente, mas eles não fazem. Eu não sei

porque. Hoje mesmo eu estava convidando eles para participarem

das novenas e eles falando ‘ahhh a gente pode até vim’. Mas assim

mesmo eles ficam lá fora sentados conversando.355

Em paralelo com as relações de gênero no Tucum, percebemos que a

religiosidade é um ponto importante no cotidiano dessas mulheres. Sendo um

mecanismo de poder, o discurso religioso também é influenciado por outros discursos, a

partir dos quais compartilha e contrapõe ideias, bem como forma a sua esfera de

influências. A religiosidade no Tucum é também um território de afirmação e liderança

feminina, pois a presença feminina é forte no âmbito religioso, superando muitas vezes

o número de homens. Ruth Landes chama atenção para esse lugar que também é de

liderança feminina:

Por toda parte onde o negro vive no Novo Mundo, as mulheres ainda

lavram a terra e controlam os mercados e nas cidades trabalham como

domésticas. São levadas a sério como chefes e adeptas da religião, por

vezes subordinadas aos homens, por vezes no mesmo pé de igualdade,

por vezes acima deles, como em certos pontos da Jamaica e do

Brasil.356

Considerada uma das matriarcas da comunidade, Dona Anízia teve grande

influência na religiosidade local e até pouco antes de seu falecimento ela realizava a

Novena de São Roque no dia 16 de agosto, uma tradição passada de mãe para filha, e

que desde seu falecimento não mais ocorreu. Sua filha Madalena conta como era: “Eu

lembro que tinha a reza de São Roque e terminava a reza a gente ia brincar de roda, era

cantiga de roda, até hoje ela reza, dia 16 de agosto, tem muito tempo que ela faz, desde

ela nova. Ela era pequenininha, ela era moça ela rezava”. 357 Muito religiosa, D. Anízia

sabia as rezas de memória e falou sobre a religiosidade do Tucum: “Aqui é só católico,

354 Entrevista com Maria Rita Oliveira, Tucum, 24/08/2014. 355 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira, Tucum, 30/05/2015. 356 LANDES, 2002, p. 349. 357 Entrevista com Madalena Novais, no Tucum, no dia 04/08/2012.

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146

é mesmo na reza, (...) cântico, tinha hora que era aqueles cantim, agora igreja toda missa

que tinha a gente ia, reis, Bom Jesus”. 358 E relembra as pessoas que também faziam

orações e festas no Tucum:

As veis tinha um casamento, as veis tinha uma reza, num tinha

muintcha coisa não. Da finada minha mãe mermo tem, a finada Rosa,

e mãe de Loisa tumbém. Elas tudo faziam as oração. Para São João,

para São Pedro, São Roque. Fazia vadiação era só nos dia, dia de São

João, de São Pedro, que festejava São Pedro, ia na casa de uns outro,

era essa brincadeira assim, num era essas dança que tinha. Mas aí foi

indo acabano né? 359

Por ocasião da entrevista em 2012, Dona Anízia rezou a ladainha em latim,

conhecida como Kyrie Eleison, que ela ensinou para suas filhas e sobrinhas. 360 Maria

do Carmo conta que mesmo sem saber ler e escrever as mais velhas aprenderam a rezar

em latim: “E hoje a nossa reza hoje ainda é em latim, as pessoas mais de idade já veio

rezar aqui na casa dela já, no dia 16 e ela quer a ladainha em latim, a ladainha em latim

a gente aprendeu com a mãe dela e com minha tia”. 361 Sobre esse repasse de saberes

tradicionais típico das mulheres quilombolas, Daniely Santos observa que

As mulheres quilombolas são detentoras dos saberes tradicionais, das

rezas, medicina natural, comidas típicas, bem como foram e são

importantes na organização social da comunidade, e o importante, são

as mulheres dos quilombos as responsáveis de passar para as gerações

os saberes tradicionais. Assim, as mulheres quilombolas adotam as

mais variadas táticas de resistência dos saberes tradicionais, com o

intuito de não perder a herança sociocultural dos seus antepassados.362

Outra prática religiosa de caráter popular encontrada no Tucum são as rezas para

a cura. É uma prática quase que, exclusivamente, feminina, muito utilizada nas

comunidades rurais por todo os Brasil. As rezadeiras têm uma função curativa e

ritualística no imaginário desses grupos. Ronaldo Senna as descreve

358 Entrevista com Maria Anízia Novais, no Tucum, no dia 04/08/2012. 359 Entrevista com Maria Anízia Novais, no Tucum, no dia 04/08/2012. 360 “A expressão grega "Kyrie Eleison" é uma das mais antigas da liturgia cristã, usada tanto no Oriente,

quanto no Ocidente. Neste último, mesmo quando a língua litúrgica oficial passou a ser o Latim e não o

grego, manteve-se a expressão Kyrie eleison como no original. Este termo é muito rico em significado.

Em português ele é traduzido por "Senhor, tende piedade de nós". Porém, a melhor tradução seria

simplesmente: "Senhor, Piedade".” Fonte: <http://cantaraliturgia.blogspot.com.br/2009/07/kyrie-

eleison-ato-penitencial.html> Acessado em 20/10/ 2014. 361 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira, no Tucum, 04/08/2012. 362 SANTOS, 2013, p. 61.

Page 148: karla dias de lima

147

Esta categoria, cristalizada sempre em pessoas do sexo feminino, não

exerce uma função rústica ou rústico-mágica, mas puramente mágica.

(...)a "rezadeira" cura apenas indisposições - "mal olhados", "

espinhela caída". . . -, assim como, exerce o papel de reordenação de

projetos vitais que se encontram confusos ou Çugidios, como por

exemplo, "abrir caminho", "tira teima", amor perfeito", "desencosto",

"segura marido", etc .363

Segundo Maria do Carmo existem duas rezadeiras na comunidade: “Agora, pra

benzer mesmo só tem duas que ainda benze criança, fala que é mau-olhado sabe? Mas

elas benze assim, como é que eu posso dizer, elas não querem muito falar que elas

benze não, elas ficam meio particular”.364 Uma das rezadeiras é Madalena filha de D.

Anízia, tanto ela como a outra rezadeira, Maria Adélia, sentem vergonha em falar sobre

suas práticas. Esse temor em falar das rezas também é exposto por Leila Teixeira em

sua pesquisa na comunidade de Tomé Nunes. Nesta localidade algumas manifestações

religiosas, como as práticas de candomblé e umbanda, assim como as rezas e

benzeduras só vieram a público após o reconhecimento e a chegada de agentes externos.

Com a ajuda de entidades como a CPT, os membros da comunidade foram entendendo

que estas práticas eram parte da cultura e tradição local e que não deveriam se

envergonhar de praticá-las.

É percebido hoje na comunidade uma fala mais aberta em relação às

manifestações de matriz africana. Comenta-se que os próprios

moradores reconhecem o trabalho da CPT como importante para a

modificação de uma postura mais reservada e mesmo acanhada

(envergonhada) quanto algumas das tradições religiosas da

comunidade, a exemplo do Terreiro. 365

O Tucum, por diversos motivos, talvez se beneficie de uma discussão dessa

natureza. A pertença ao grupo e ao território onde vivem é importante para a

delimitação de uma identidade coletiva e as práticas religiosas constituem parte

importante desse território material e simbólico. Observando a comunidade do Tucum

nos últimos três anos, vimos que a religiosidade católica assume uma centralidade junto

a maior parte das famílias, as imagens de santos e crucifixos são comuns nas moradias

desses. Neste âmbito, o papel das mulheres e das lideranças é salutar para o reforço da

363 SENNA & AGUIAR, 1980, p. 83. 364 Entrevista com Maria do Carmo, no Tucum, 30/05/2015. 365 TEIXEIRA, 2010, p. 54.

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148

autoestima dos moradores, para que talvez, um dia, se aproximem das questões e

práticas da Umbanda, e as rezas não sejam mais um objeto de temor e vergonha.

3.4 Do barro à luta: o trabalho e o cotidiano das mulheres do Tucum

No Brasil, durante o século XIX, as mulheres negras escravas, livres ou libertas

tinham lugares demarcados para sua convivência e o trabalho. Cecília Soares pontua

que as escravas da casa eram as preferidas para os trabalhos domésticos, em virtude de

sua proximidade com os senhores que lhes tinham confiança; já os trabalhos de ganho,

feitos na rua, eram exercidos por africanas e negras livres e libertas. A rua era

considerada o lugar da imoralidade e dos vícios que os senhores não desejavam trazer

para suas casas. Para as mulheres negras, a rua apresentava a oportunidade de se

socializarem e se libertarem das rotinas rígidas das casas senhoriais, e era também lugar

de embates e conflitos:

Nas fontes, com efeito, eram comuns as brigas entre as negras. Ali era

também lugar de conflito entre essas mulheres e a polícia, que agia

com violência nessas horas, segundo Vilhena (1969), escrevendo no

final do século XVIII, nestes locais as negras faziam desordens com

outros negros, disputando água, quebrando vasilhas, agredindo-se

mutuamente, defendendo seus pertences. 366

Atualmente as mulheres negras rurais convivem com estruturas que legitimam as

desigualdades raciais e de gênero, e as invisibilizam nas lidas domésticas e agrárias. São

influenciadas pelas múltiplas identidades que afloram no seu entorno de mulher rural e

quilombola e sofrem preconceitos variados para se afirmarem como trabalhadoras

rurais. 367 A inserção das mulheres no meio político é um caminho tortuoso, mais

coerente com o curso das lutas das trabalhadoras rurais da década de 1980 até a

atualidade. Sobre esta inserção, Celecina Sales diz que “ao ingressar em movimentos, as

mulheres rurais criam possibilidades de se afirmarem como portadoras de um saber-

poder no campo da política, que lhes proporcione também repensar seu cotidiano”.368 A

formação política dessas mulheres dá-se a partir das malhas do cotidiano, das

366 SOARES, 2006, p. 55. 367 SALES, Celecina de Maria Veras. Mulheres rurais: tecendo novas relações e reconhecendo direitos.

Estudos Feministas, Florianópolis, 15(2): 240, maio-agosto/2007. 368 Ibid., p. 438.

Page 150: karla dias de lima

149

necessidades de sobrevivência coletiva e individual, nas competências adquiridas para

se fazer ouvir e serem respeitadas em uma comunidade. Para Pierre Bordieu, essas

competências são adquiridas cotidianamente nas articulações da linguagem e mediação

política que favoreçam que o discurso construído seja aceito em determinada situação.

369 São competências que se configuram em um poder periférico e se estendem a uma

rede de mecanismos que atinge a todos dentro de um grupo. De acordo com Michel

Foucault, o poder, em sua esfera macro ou micro, é exercido nas práticas cotidianas. 370

Para se compreender sobre as dinâmicas de poder e gênero das mulheres negras

e quilombolas, são necessárias diferentes categorias de análise que permitam perceber

as especificidades destas relações e as negociações nelas envolvidas. Numa comunidade

quilombola, os lugares de poder são negociados e consentidos, e são neles que a mulher

quilombola assume a sua força e a liderança comunitária. Seus saberes e fazeres se

articulam nas práticas e enfrentamentos que são necessários para que se mantenham nos

espaços que conquistaram. Benedita Celeste Pinto, ao falar das mulheres quilombolas

da Amazônia, observa a importância que tiveram nas lutas cotidianas das comunidades:

Neste processo de resistência, a mulher desempenhava um papel de

vital importância. Podia ajudar tanto na produção econômica como

"administrar" em termos logísticos, materiais e culturais os próprios

quilombos. Pois, estes eram ao mesmo tempo comunidades

camponesas e unidades militares. Na manutenção material, no

abastecimento de provisões, na confecção de roupas, de utensílios, no

mundo espiritual e no mundo do trabalho, de forma geral, as mulheres

foram muito importantes nas comunidades de quilombolas. 371

O cotidiano das mulheres do Tucum é marcado por muito trabalho. As lidas

domésticas, os trabalhos da associação, o trabalho no campo e a fabricação do barro são

algumas das esferas de atuação das mulheres da comunidade de quem já falamos no

segundo capítulo: as líderes, paneleiras e guardiãs da memória. E num povoado rural

com poucas opções de trabalho e renda, como é o caso do Tucum, ocorre dos homens

terem que sair para vender seu trabalho nas fazendas próximas e as mulheres, quando

não os acompanham, buscam alternativas de trabalho dentro da comunidade. Mesmo

369 BOURDIEU, Pierre. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983, p. 158. 370 FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. Org. e trad. Roberto Machado. 15. ed. Rio de Janeiro:

Graal, 2000. 371 PINTO, 2004, p. 20.

Page 151: karla dias de lima

150

quando não há atritos nessas relações, muitas vezes o trabalho feminino é inviabilizado

por uma série de fatores apontados por André Brandão:

Os espaços sociais, produtivos e de poder (familiar e comunitário) que

homens e mulheres tendem a ocupar em dada comunidade, bem como

os efeitos que geraria o empoderamento de um ou de outro através do

acesso a renda, são questões importantes de gênero (...) a

comprovação do trabalho rural feito pelas mulheres é dificultado por

conta de elementos culturais que se inscrevem na ordem da dominação

masculina e que resultam na transformação simbólica de um árduo

trabalho em uma mera “ajuda”. Tratase de valores culturais

institucionalizados que se expandem até os elementos legislativos e a

própria forma de operação dos órgãos estatais. Tais valores

consolidam uma situação (inclusive estatística) de invisibilização do

trabalho feminino. 372

Desta invisibilização afloram as percepções de gênero e dos lugares que devem

ser ocupados pelas mulheres rurais dentro dessas comunidades. Como já observado em

outros momentos, as comunidades quilombolas possuem peculiaridades, em especial na

sua relação com o território e nas possibilidades de trabalho e renda. A falta de opções

de trabalho leva muitos quilombolas a trabalharem nas lavouras alheias como

assalariados. Neste lugar, o trabalho feminino é visto de muitas maneiras: “como

“serviço leve” que gera uma situação de remuneração absoluta menor quando

comparada à diária paga pelos fazendeiros a serviços pelos homens”.373 Como aponta

André Brandão, há uma tênue linha entre o trabalho considerado “produtivo” e o

“reprodutivo”:

O gênero estabelece uma distinção e diferenciação entre o chamado

trabalho “produtivo” remunerado e o chamado trabalho “reprodutivo”

e doméstico não-remunerado. Este último, é o espaço culturalmente

associado a mulher, enquanto o primeiro é associado aos homens.374

Devido à escassez de água, o Tucum não oferece possibilidades de plantio ao

longo do ano, pois, geralmente, as famílias plantam entre novembro e dezembro, no

período de intensas chuvas. D. Edelvira nos contou que a vida na comunidade nos

tempos de sua juventude era árdua e o trabalho na roça era o destino de todos, homens,

372 BRANDÃO, André A. Pereira . JORGE, Amanda Lacerda. Androcentrismo Institucional e acesso a

aposentadoria Rural entre mulheres quilombolas da comunidade de Agreste-MG. Revista Artemis,

Edição V. 13; Jan-Jun; 2012, p. 163. 373 BRANDÃO, 2012, p. 165. 374 Ibid., p. 163.

Page 152: karla dias de lima

151

mulheres e crianças. Era um tempo em que as chuvas eram abundantes e as famílias

podiam fazer suas “rocinhas” e plantar feijão para vender e se alimentar. “As coisas

perdia nas plantação, dava feijão, dava mandioca, mamona, milho, era uma fartura”.375

Já casada, fazia potes de barro e esteiras para vender na feira de Tanhaçu e ensinou o

trabalho para suas filhas. Abandonou o ofício por conta de sua idade, mas diz não ter

medo de trabalhar. Sua filha Carmem cresceu nesse ritmo de trabalho na lavoura e no

fabrico das panelas de barro:

Trabalhei na lavoura, depois quando eu, mocinha já comecei fazendo

barro, por muito tempo até depois de casada, até depois de meus filhos

já todos grandinhos. Eu ia pra Ituaçu a pé, a cidade de Ituaçu e

Ourives eu ia a pé vender panela, na feira de Ituaçu no sábado e

ourives domingo. Depois do barro eu fiquei de 89 a 95 alfabetizava

criança, depois eu fui agente de saúde.376

O seu esposo e filhos anualmente iam para a colheita de café nas fazendas

próximas nos municípios de Ituaçu e Barra da Estiva, trabalho que ocupa os moradores

da comunidade entre os meses de abril e agosto. Nestas ocasiões, como uma parte de

seus filhos ainda eram pequenos, Maria do Carmo ficava em casa para cuidar deles.

Segundo os relatos das moradoras, na década de 1980, período de grande dificuldade

financeira, a maioria das mulheres da comunidade fazia panelas de barro e as vendia nas

feiras dos municípios circunvizinhos. D. Anízia nos contou que graças a este trabalho

sustentava seus filhos:

Panela de barro? Ô meu pai do céu! Era das panela que nois vivia,

andava em Contenda, nos Laço, Brejo, Ituaçu in antis se chamava

Brejo sabe? Era cadas pote, eu ainda tenho um pote que eu fiz quando

Dolores casou num foi? Foi Maria que casou, faz tantos ano. Eu fazia

esteira, vassoura, foi para tantos ano. Quem me ensinou foi a finada

minha mãe, porque ela era peneleira para viver, já veio para gente

num é? Desde de trais num é? Ia vindo as crianças tinha que fazer

isso, panela, fazer renda, era assim que a gente vivia. Agora nós num

tá fazendo mais não. Agora os dedos num dá para fazê mais nada. Mas

tem o povo da Tapage e Rosa ali mermo né? Que faiz. Aquela

Lindaura faiz, Ester lá em cima. 377

375 Entrevista com Edelvira Oliveira Silva, no Tucum, em 23/08/2014. 376 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira, no Tucum, 30/05/2015. 377 Entrevista com Anizia Novais, no Tucum, 04/08/2012.

Page 153: karla dias de lima

152

Entre as senhoras mais velhas que entrevistamos, com exceção de D. Mariazinha

que não foi nascida na comunidade, todas já fizeram panelas, ofício ensinado pelas

mães e avós. D. Euflorzina Rosa de Jesus, de 89 anos, nos conta em sua simplicidade:

“Já fiz, muito tortinha mais eu fiz. Foi com quê cabei de ajuda meu velho a se mantê os

filho, que minha mãe teve oito filho e eu Deus me deu onze”.378 D. Euflorzina lembra

que colocava as panelas num balaio em cima da cabeça e ia para a feira vender com a

ajuda do seu marido. Esse ofício passou para suas filhas Rosa e Lindaura, atualmente as

duas mais importantes paneleiras da região.

Nascida no povoado da Tapagem, Lindaura revela que “nunca ganhou um real”

que não tivesse sido do seu trabalho de fabricação de panelas e ainda brincou: “O dia

que eu fui aposentá mesmo, lá no INSS me perguntou se eu já trabalhei de carteira

assinada, falei: Não, eu conheço carteira que eu vejo nas mão dos outros que é azul, mas

minha mesmo nunca tive não”.379 Começou a “mexer com o barro” aos nove anos de

idade ensinada por sua avó paterna Otília, que, como diz Rosa, “era índia cabocla pêga

no mato.” Na ocasião da entrevista em 2015, Lindaura tinha 65 anos e continuava a

trabalhar de segunda a sexta e às vezes aos sábados quando não conseguia terminar

todas as peças. Enquanto a entrevistávamos, ela dava acabamento nas peças de barro e

falava sobre sua rotina: nos dias em que trabalha com o barro acorda às 4:30 da manhã e

começa a trabalhar às seis, só parando no final da tarde. Perguntamos se ela gostava do

trabalho, ao que ela respondeu:

Gosto minha fia, gosto, amo, adoro. Se eu levantar de manhã eu não

sei fazer quais nada que eu já acostumei, dá de manhã eu já levanto

quatro e meia, faço café, arrumo a cozinha e falo logo: hoje é dia de

trabalhar, já tá quais na hora de trabaiar. Aí eu sentando aqui ó,

levanto meio dia pra almoçar, paro quatro hora da tarde, fazer uma

caminhadinha pra relaxar mais os nervo. Aqui eu amo de coração.380

O trabalho começa com a seleção dos materiais, sendo dois tipos de barro: um é

comprado numa olaria no Tucum e o outro retirado do quintal de sua casa: “Um sem o

outro não funciona não, é igualmente nós. Ai você pisa ele, cê cessa, aí cê bota o outro

de molho pra cê misturar, pra cê dar o ponto até chegar aqui pra gente fazê.” Seu filho

378 Entrevista realizada pela autora com Euflorzina Rosa de Jesus, na Tapagem, 30/05/2015. 379 Entrevista com Lindaura Rosa, na Tapagem, 30/05/2015. 380 Entrevista com Lindaura Rosa, na Tapagem, 30/05/2015.

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153

mais velho Luciano a ajuda buscando o barro no Tucum e cavando o que vai ser usado

no quintal. Em agosto de 2014 ele nos levou ao quintal de sua mãe para nos mostrar o

processo. Na figura 22 está apresentado por ele os dois tipos de barro: o vermelho que é

comprado no Tucum, e é cessado para retirar as partes grossas, enquanto o torrão sólido

e acinzentado é retirado do quintal e colocado de molho para ficar no ponto de misturar.

Figura 22 - Os dois tipos de barro utilizados para fazer as panelas.

Autor: Karla Dias. 23/08/2014.

Após selecionados os materiais, é necessário trabalhá-los para que deem liga e

assim dar forma às panelas:

Você pega os dois barros e mistura, demora um hora, uma e pouco.

Porque primeiro bate o barro, cessa, até o que ficou de molho

amolecer, tem que colocar água em um e o outro seco é que dá a liga e

você pode enrolar. Vai amassando na tauba mesmo, vai batendo até

ficar no ponto que você pode levantar ele e ir dando forma a panela. O

mais fino eu compro no Tucum ele não precisa amolecer, o que tem

que amolecer é o daqui da Tapage.381

Esse trabalho é feito entre segunda e terça feira. No restante da semana, com o

barro já preparado, ela se ocupa em dar forma a jarros grandes, panelas, xícaras,

381 Entrevista com Lindaura, Tapagem, 30/05/2015.

Page 155: karla dias de lima

154

cuscuzeiros, pratos, moringas etc. Perguntada sobre a média de quantas peças ela

produzia, respondeu: “Dependendo da pequena eu posso fazê até vinte, mais pequena,

agora grande assim eu faço cinco que nem ontem como era aquelas peça grande aí eu só

pude fazer cinco, que acabô os braço da gente, agora pequenininha assim eu faço até

vinte ou quinze”.382 Para modelar as peças ela utiliza alguns elementos naturais e

improvisados. O primeiro deles é um “sabugo”, uma espiga de milho sem os caroços

que é passada por fora da peça enquanto ela é modelada; por dentro ela utiliza a

“coiteba”, que é na realidade um pedaço de borracha de sandália bem gasto que serve

para alisar o interior da peça; para cortar as peças, ela utiliza uma faca feita de madeira,

já que as de metal não funcionam para esta finalidade e, por fim, com um pano ela vai

limpando as arestas até que a peça esteja toda modelada. O trabalho de modelagem é

feito com as mãos e a peça fica apoiada numa tábua para fazer a base. Após a peça ficar

pronta é posta para secar, para depois ser queimada.

Aos sábados as panelas são queimadas. Este processo de queima demora o dia

inteiro: “Ali agora só de tarde pra queimá, demora um dia né? Que às vezes eu arrumo

sete hora e aí vai queimar seis, seis e meia da noite. Que não pode botá fogo de uma vez

que vira cem, estoura tudo”.383 O trabalho com o barro é uma prática artesanal que

requer das mulheres um saber empírico sobre os tempos necessários para que as peças

saiam em perfeito estado. O forno deve ser preparado com bastante lenha, pois as peças

são colocadas em um vão cheio de areia e cobertas com pedaços de cerâmicas, enquanto

na parte de baixo o fogo é ateado e realimentado ao longo do dia. A figura 23 mostra o

forno da casa de Lindaura. No sábado de agosto de 2014 ela não estava “queimando

panelas” por que esperava pela neta recém-nascida.

382Entrevista com Lindaura, Tapagem, 30/05/2015. 383 Entrevista com Lindaura, Tapagem, 30/05/2015.

Page 156: karla dias de lima

155

Figura 23 – Forno da casa de Lindaura.

Foto da autora. 23/08/2014.

A feira é outro lugar que requer competências e artimanhas para atrair clientes e

conseguir realizar vendas. Lindaura produz semanalmente o suficiente para vender na

feira e mantém um estoque de peças numa loja em Tanhaçu. Os valores cobrados por

peça podem ser considerados pequenos, variam de R$15,00 por um pote grande a

R$2,50 numa xícara. Sobre o valor recebido, Lindaura nos diz: “Antigamente era mais

pouco, e o mais pouco fazia mais fartura do que o de hoje, que hoje dinheiro virou

um...não tem quantidade que dá né?”.384 Na feira de Tanhaçu a cerâmica do Tucum é

conhecida, elas ocupam uma rua lateral do mercado onde expõem as suas peças no

chão. Lindaura é a única paneleira da Tapagem e Rosa, Ester e Sidineia, que aparecem

na figura 26 abaixo, são as outras mulheres que também fazem panelas de barro na

comunidade, com as quais só tivemos contato em 2009 quando foi feita essa foto. No

384 Entrevista com Lindaura Rosa, Tapagem, 30/05/2015.

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156

lado esquerdo da figura 24 podem ser vistos o filho de Lindaura, Luciano e sua esposa

Eva, ambos vendem vassouras e esteiras feitas de palha de licuri.

Figura 24- A autora (ao centro de blusa roxa) com Lindaura (a esquerda de bermuda e

blusa rosa) e suas companheiras na feira de Tanhaçu.

Autor: Célio Santos. Outubro de 2009.

A memória está presente nas falas, nas lutas, tradições e crenças das mulheres do

Tucum. Do contato com elas ficou a marca indelével de seu protagonismo. Algumas,

juntamente com Maria do Carmo, seguem em frente e assumem a liderança, estudam e

vão à luta por seus interesses; outras, como Rosa e Lindaura, fazem do “barro sua luta”,

pois é neste barro que se fortalecem as mulheres do Tucum na preservação de sua

identidade.

Page 158: karla dias de lima

157

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após viajar alguns quilômetros e entrar na cidade de Tanhaçu, o interessado em

conhecer a comunidade do Tucum deve seguir em direção à saída da cidade no sentido

de Ituaçu, e passado o fórum, à direita encontrará uma rua de terra que prenuncia o

caminho para uma zona rural. Essa rua, não por coincidência, chama-se Tucum é o

início do caminho que leva à comunidade, distante da sede 9 km. Por esse caminho de

terra vermelha, durante anos a fio, homens e mulheres andaram a pé fazendo o trajeto

entre a cidade e o campo, o que também fiz de carro ou moto durante a pesquisa e

pretendo fazê-lo a pé, quando for entregar aos moradores o texto final, por desejar

experimentar e sentir o trajeto até o Tucum. Só aqui me permiti falar na primeira

pessoa, para dar pessoalidade e tentar amarrar as fortes impressões que o Tucum me

deixou.

Ao iniciar a escrita, há exatamente um ano, muitas questões da pesquisa ainda

não estavam fechadas ou mesmo percebidas plenamente do ponto de vista teórico.

Pesquisar o Tucum, através dos relatos orais de seus moradores, revelou-se um trabalho

que exigiu delicadeza, principalmente por desvelar vivências e desafios de mulheres

endurecidas pelo trabalho constante, porém dadas a laivos de humor e ternura, a ponto

de me emocionar ao ouvir os seus relatos. Será um feito se essa escrita conseguir, de

fato, dar corpo a essas mulheres, visto que elas são muito mais do que as estruturas

pífias que a linguagem pode relevar ao tentar descrevê-las.

A história oral é uma ferramenta importante para recuperar as diversas trajetórias

de grupos que, ao longo do século XX, lutaram por igualdade social e por direito às

identidades e tradições coletivas. A finalidade das fontes orais para os estudos do tempo

presente é ampla, possibilitando fazer ressoar vozes de grupos que foram excluídos da

história. De fato, a oralidade foi a principal fonte para essa pesquisa, aliada aos

documentos da associação, leis, certidão de reconhecimento e site consultados, a partir

dos quais foi elaborado esse relato sobre o Tucum.

Ao entrevistar as moradoras do Tucum me deparei com os lugares da memória

geracional, tão comum em comunidades quilombolas. As histórias contadas ao longo do

tempo, de mãe para filha, ainda persistem na localidade. As fontes orais apontam que a

comunidade do Tucum surgiu a partir da chegada de três fundadores: Cândido Pinto,

Rafael Lino da Silva e Alexandre Novais. Aventamos a possibilidade de acessar

Page 159: karla dias de lima

158

inventários e descobrir se foram escravos e a quem pertenciam, possivelmente tendo

adotado os nomes de seus senhores. Não encontramos documentação sobre eles nos

fóruns de Tanhaçu e Ituaçu e esse ponto constitui uma questão que continuará aberta a

futuras pesquisas.

Outra questão importante que se revelou ao longo da escrita foi em torno das

dificuldades que os moradores do Tucum ainda sentem para se identificarem como

quilombolas. Passados nove anos desde o reconhecimento, a construção de uma

identidade quilombola ainda está em processo no Tucum. Compreendo que no

imaginário dos moradores, quilombo está associado à escravidão, e alguns não querem

retomar esta questão. Creio que a consolidação de uma identidade quilombola no

Tucum ocorrerá quando os moradores perceberem uma “coerência” entre o individual e

o coletivo, como apontado por Leila Teixeira:

É possível afirmar que a cultura, as formas de vida, os costumes,

transmitidos com o passar do tempo destas comunidades têm sido

importante para a formação da identidade. É preciso atentar-se para

que a ação do tempo não destrua traços originais que asseguram a

identidade de um grupo. Sobretudo se essa “memória identitária” é

condição de sobrevivência de uma comunidade.385

As mulheres do Tucum constituem a parte suave desta escrita, foram elas as

responsáveis pelo reforço da “memória identitária”, determinante para o processo de

autorreconhecimento. As reflexões sobre as questões de gênero foram importantes e, em

especial, por também refletirmos sob um viés etnicorracial: ser mulher negra e

quilombola. As relações de gênero no Tucum foram pensadas a partir dos lugares de

emponderamento e submissão, a partir dos quais se pode entender o protagonismo de

algumas mulheres. Ao iniciar a pesquisa pensava que a liderança feminina fosse um

processo amplo dentro da comunidade, e de fato ainda acredito que as mulheres

quilombolas são emponderadas em muitos aspectos, talvez provavelmente devido aos

obstáculos que sua condição lhes impõe. No entanto, ao longo dos contatos com as

moradoras e nas entrevistas, constatei ser uma liderança feminina restrita e de certa

maneira concentrada na figura de Maria do Carmo Oliveira Silva. Por conta dos

desafios que surgiram em sua trajetória, essa mulher negra, de real tenacidade, foi

tomando para si a função de buscar melhorias para a comunidade e, sem dúvida, foi a

385 TEIXEIRA, 2010, p. 49, grifos nossos.

Page 160: karla dias de lima

159

principal articuladora para que o reconhecimento do Tucum. No nosso último encontro,

ela sempre preocupada com todos, falou-me da angústia que ainda sentia:

Ahh eu gostaria que tivesse assim, um meio de acolher esses jovens,

que eles estudam e no final eles ficam assim, uns ficam parados,

outros vão pra outras cidades até mesmo tem enfrentado as cidades

grandes. Eu gostaria que tivesse um meio de um serviço, uma

atividade que pudesse envolver os jovens, para que eles não ficassem

tão assim vagos né? Ou muitos deles que vão para grandes cidades,

chegando lá muitos voltam de novo, assim pra casa, não faz quase

nada assim.386

Esse anseio para que a juventude possa trabalhar e se envolver com a

comunidade é recorrente no discurso das mulheres do Tucum. Em minhas visitas, elas

me recebiam em suas casas, ofereciam comida, me levaram ao quintal e conversávamos

enquanto trabalhavam. No segundo encontro com Lindaura em 2014, ela descreveu em

minúcias como realiza seu trabalho e disse que “até queimaria umas panelas para

demonstrar”, mas a ocasião não favorecia já que sua neta recém-nascida estava

chegando de Vitória da Conquista. Encontramos-nos novamente em maio de 2015 e

dessa vez quem não pode me receber foi Rosa, sua irmã, que também estava envolvida

com uma neta recém-nascida. Ambas sorriram e disseram que chego sempre em tempos

bons, afirmo que eram realmente tempos bons para todos.

Compreendo que esses “tempos bons” vieram como consequência da

visibilidade que a comunidade do Tucum ganhou após o seu reconhecimento.

Visibilidade ampliada com o acesso a políticas de reparação histórica e após ter-se

encontrado o famoso “pote” nas terras de comunidade. Após esses eventos, e passados

nove anos de seu reconhecimento, a população do Tucum vê-se motivada por uma

“atenção política” que lhes garantiu conquistas cidadãs com o fortalecimento de ações

que abrangeram políticas públicas que garantiram a essas comunidades negras rurais um

reforço na autoestima e uma marca na historiografia nacional, nas histórias do tempo

presente.

Ao longo da escrita levantei muitos questionamentos acerca do processo de

reconhecimento do Tucum e sobre o papel das mulheres na comunidade. Alguns

respondi ao longo da escrita e outras tantas questões não se esgotaram neste texto.

Talvez seja nesse momento que o ofício de historiadora se mostre com certa leveza,

386 Entrevista com Maria do Carmo Oliveira Silva, no Tucum, 30/05/2015.

Page 161: karla dias de lima

160

pois, falar das mulheres do Tucum, foi também falar de todas as mulheres e de mim

mesma. Este desfecho não significa que a pesquisa foi concluída. Ela continua e haverá

sempre novos olhares que poderão ser direcionados a questões sobre as quais não

comentei. Ao abrir este espaço de “escuta” das vozes das mulheres do Tucum, propus

pensar sobre a ação feminina nesta comunidade, como o reconhecimento quilombola

ressoou no seu cotidiano, e ao mesmo tempo proporcionar aprendizados e reflexões

sobre os seus modos de vida, desafios e esperanças. Aqui encerro com a expectativa de

que essa pesquisa seja somada a outras tantas que vêm dando visibilidade às populações

negras!

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161

FONTES

ORAIS:

Relação dos entrevistados:

JESUS, Euflorzina Rosa de. Euflorzina Rosa de Jesus. Entrevistada pela autora na

Tapage no dia 30/05/2015.

NOVAIS, Maria Anízia. Maria Anízia Novais. Entrevistada pela autora no Tucum no

dia 04/08/2012.

NOVAIS, Madalena Oliveira. Madalena Oliveira Novais. Entrevistada pela autora no

Tucum no dia 04/08/2012.

OLIVEIRA, Carlito Augusto. Carlito Augusto Oliveira. Entrevistado pela autora em

Tanhaçu nos dias 19/10/2009 e 30 /05/2015.

OLIVEIRA, Lindaura Rosa de. Lindaura Rosa de Oliveira. Entrevistada pela autora

na Tapage nos dias 23/08/2014 e 30/05/2015.

SILVA, Eliane Santana. Eliane Santana Silva. Entrevistada pela autora no Tucum no

dia 24/08/2014.

SANTANA, Maria. Maria Santana. Entrevistada pela autora no Tucum no dia

24/08/2014.

SILVA, Carmo de Oliveira. Carmo de Oliveira Silva. Entrevistado pela autora em Rio

de Contas no dia 02/04/2015.

SILVA, Edelvira Oliveira. Edelvira Oliveira Silva. Entrevistada pela autora no Tucum

no dia 23/08/2014.

SILVA, Maria do Carmo Oliveira. Maria do Carmo Oliveira Silva. Entrevistada pela

autora no Tucum nos dias 04/08/2012, 24/08/2014 e 30/05/2015.

SILVA, Maria Rita Oliveira. Maria Rita Oliveira Silva. Entrevistada pela autora no

Tucum no dia 24/08/2014 e 30/05/2015.

SILVA, Rosa. Rosa Silva. Entrevistada pela autora no Tucum no dia 04/08/2012.

ICONOGRÁFICAS:

Fotografia da Igreja de Nossa Senhora Aparecida (autoria desconhecida).

Fotografia da Igreja de São João Batista (autoria desconhecida).

Fotografia do I Encontro das Comunidades Quilombolas do Território de Identidade

Sertão Produtivo (autoria desconhecida).

Page 163: karla dias de lima

162

ESCRITAS:

Ata da primeira reunião da Associação do trabalhadores rurais do Tucum e Capim-Açu

ocorrida em 26/04/1996.

2ª via da Certidão de reconhecimento de 21 de outubro de 2010.

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Declaração de auto-reconhecimento de 09 de junho de 2006.

Certidão registrada no Cartório de Registros e Títulos de Tanhaçu. Registro nº 303,

folha 026 do Livro A-2 referente a mudança do nome da Associação da comunidade em

08/04/2010.

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ANEXOS

Anexo 1:

Termo de autorização do uso de imagem e depoimento

Page 178: karla dias de lima

177

TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS

Eu_________________________________,CPF____________, RG________________, depois

de conhecer e entender os objetivos, procedimentos metodológicos, riscos e benefícios da

pesquisa, bem como de estar ciente da necessidade do uso de minha imagem e depoimento,

especificados no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), AUTORIZO, através

do presente termo, a pesquisadora Karla Dias de Lima do projeto de pesquisa intitulado “ A

comunidade quilombola de Tucum-Ba: lideranças feminina e práticas cotidianas”a realizar

as fotos que se façam necessárias e/ou a colher meu depoimento sem quaisquer ônus financeiros

a nenhuma das partes.

Ao mesmo tempo, libero a utilização destas fotos e/ou depoimentos para fins científicos e de

estudos (livros, artigos, slides e transparências), em favor da pesquisadora, acima especificada.

Tanhaçu/BA, __ de ______ de ______

Anexo 2:

Questionários

Page 179: karla dias de lima

178

SOBRE A COMUNIDADE

1- Quantas pessoas integram essa comunidade?

2- Como membro de uma comunidade quilombola descendente de escravos negros,

como vocês tem encarado as questões raciais? O preconceito, seja pela condição

se ser negro, seja pela condição de ser remanescente de quilombo, ainda é algo

presente na vida de vocês?

3- Como vocês se relacionam com a terra? É um tipo de posse coletiva? Como se dá

a divisão da produção?

4- É possível precisar desde quando a sua comunidade passou a produzir nessas

terras?

5- E quanto às famílias? Como se organizam na comunidade? Todos vivem aqui?

6- Quem é maioria? Homens ou mulheres?

7- A que você atribui essa considerável diferença entre o número de homens e de

mulheres na sua comunidade?

8- Hoje, quais são as principais dificuldades encontradas pelas comunidades?

9- Existe algum tipo de liderança dentro da sua comunidade? Alguém que represente

o interesse da comunidade nos órgãos públicos? Se existe, quem são essas

pessoas?

10- Como essas lideranças são escolhidas?

11- Existe algum tipo de associação ou entidade que represente os interesses das

comunidades remanescentes de quilombos nessa região? Se existe, qual é o nome

da entidade e há quanto tempo foi formada? 12- Qual era o nome da associação antes? Quando foi fundada?

13- Existem atas?

14- Hoje, quais são os principais interesses e projetos dessa entidade? Quais os

principais desafios para a associação se manter?

SOBRE O RECONHECIMENTO

1- Pra você o que é ser quilombola?

2- O que achou do reconhecimento da comunidade?

3- O que sabe sobre a fundação dessa região?

4- Quais os povoados do Tucum?

5- O Tucum já foi conhecido por outro nome?

6- Quanto ao processo de reconhecimento das terras, as comunidades têm

encontrado alguma dificuldade, seja de ordem política, seja burocrática? Que

dificuldades são essas?

7- Gostaria de saber se o termo “quilombola” sempre esteve presente no

seio das comunidades ou é algo recente? Se recente, a partir de quando

o termo “quilombola” passou a ser utilizado pelas comunidades?

8- O que as líderes eram antes?

CULTURA

1- Quais as tradições culturais de vocês?

2- Vocês têm conseguido mantê-la? Tem sido possível passar essa cultura para os mais

jovens?

Page 180: karla dias de lima

179

3- Como as tradições dos antepassados são passadas para os mais jovens?

4- Que tipo de manifestação cultural tem em sua comunidade?

5- Qual é a festa mais comemorada na comunidade?

MULHERES

1- A assistência técnica para desenvolver atividade agrícola na comunidade tem sido

disponibilizada para as mulheres da comunidade?

( ) sim ( ) não

Cite dificuldade para obter alcançar esta assistência.

2- Qual a visão de futuro para as mulheres desta comunidade?

3- Qual a participação das mulheres nas decisões dessa comunidade?

1- Você trabalha?

4-Quais espaços estas mulheres têm participado? Pode citar mais de um:

( ) igreja ( ) barro ( ) mulheres ( ) Associação ( ) conselho ( ) Outros:___________

5- Alguma mulher dessa comunidade já se candidatou a alguma algum cargo público?

( ) sim ( ) não

Se sim qual?

6- Quais foram as dificuldades enfrentadas para se candidatar?

SOBRE A ECONOMIA DA REGIÃO

1- Qual a base da economia local?

2- Há produção agrícola? O que é cultivado?

3- Quem vai para colheita?

4- Há mutirão para a colheita?

5- Há criação de animais? Quais são?

6- Atividades econômicas exercidas pelas mulheres na comunidade

( ) Agricultura ( ) comércio ( ) produção artesanato ( ) doméstica ( ) serviço público ( )

professora

Citar outras:

_______________________________________________________________

7- Existe alguma dificuldade para a mulher quilombola de conciliar o trabalho em casa

com o trabalho externo? Qual dificuldade?

8- Quais os benefícios governamentais têm atingido a mulher na comunidade?

Os recursos financeiros de créditos para atividades agrícolas do governo têm atingido

a mulher nesta comunidade? Cite dificuldade para obter estes recursos.

RELIGIÃO

1- Religião predominante na comunidade?

2- Porque Nossa senhora Aparecida e porque São João?

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180

3- Há quantos anos as igrejas existem?

4- Quem escolheu?

5- De que ano são as igrejas da comunidade?

6- Tem pároco na comunidade?

7- Como são organizadas as missas?

8- Fora a religião católica que outras religiões existem na comunidade?

9- Se existir terreiro como é visto?

10- Quem frequenta?

11- Há rezadeiras na comunidade?

BARRO

1- Desde quando você trabalha com o barro? Quem lhe ensinou?

2- Há quanto tempo essa prática existe na comunidade?

3- Quem são as mulheres que a praticam atualmente?

4- Como é o processo de fabricação? Descreva todos os passos.

5- Que materiais são usados?

6- De onde vem esse barro?

7- Onde as panelas são queimadas?

8- Após a queima é feito mais algum procedimento?

9- Quantas panelas são produzidas por semana?

10- Quais os tipos de panela feitas?

11- Quanto tempo se gasta produzindo panelas?

12- Algum membro da família ajuda no processo?

13- Quantas panelas são vendidas na feira?

14- É possível se sustentar da venda de produtos de barro?

15- Há quanto tempo as panelas são vendidas na feira?