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16/02/2015 Karl Marx : A Lei Não Está Desvinculada do Dever Geral de Dizer a Verdade http://www.scientificsocialism.de/KMFEDireitoCAP7Port.htm#_ftnref3 1/12 PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA Debates acerca da Lei sobre o Furto de Madeira (Parte I) : A Lei Não Está Desvinculada do Dever Geral de Dizer a Verdade, A Natureza Jurídica das Coisas Não Pode Comportarse Segundo a Lei, Mas Sim é a Lei que Deve Comportarse Segundo a Natureza Jurídica das Coisas KARL MARX [1] Concepção e Organização, Compilação e Tradução Emil Asturig von München, Fevereiro de 2007 Para Palestras, Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque Contatar [email protected] Voltar ao Índice Geral http://www.scientificsocialism.de/KMFEDireitoCapa.htm Até o presente momento, descrevemos duas grandes ações principais de cunho estatal da Assembléia Estadual : suas confusões em relação à liberdade de imprensa e sua falta de liberdade em relação a confusões. Baixemos, agora, à terra firme. Antes de passarmos à questão propriamente terrena, em toda a sua grandeza vital, i.e. à questão relativa ao parcelamento da posse fundiária, concedamos ao nosso leitor algumas pinturas do gênero nas quais o espírito – e gostaríamos ainda de dizer – a natureza física dessa mesma Assembléia refletirseão, de modo multifacetado. Em verdade, a Lei sobre o Furto de Madeira – tal qual a Lei sobre as Contravenções Penais Referentes à Caça, à Floresta e ao Campo – merece ser discutida não apenas em relação à Assembléia Estadual, senão igualmente em relação a si mesma.

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16/02/2015 Karl Marx : A Lei Não Está Desvinculada do Dever Geral de Dizer a Verdade

http://www.scientific­socialism.de/KMFEDireitoCAP7Port.htm#_ftnref3 1/12

PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃODE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NODOMÍNIO DO DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE

CLASSE

KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS SOBRE O DIREITO E OESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA

Debates acerca da Lei sobre o Furto de Madeira(Parte I) :

A Lei Não Está Desvinculada do DeverGeral de Dizer a Verdade,

A Natureza Jurídica das Coisas Não PodeComportar­se Segundo a Lei,

Mas Sim é a Lei que Deve Comportar­seSegundo a Natureza Jurídica das Coisas

KARL MARX[1]

Concepção e Organização, Compilação e Tradução Emil Asturig von München, Fevereiro de 2007 Para Palestras, Cursos e Publicações sobre o Tema em DestaqueContatar [email protected] Voltar ao Índice Geralhttp://www.scientific­socialism.de/KMFEDireitoCapa.htm

Até o presente momento, descrevemos duas grandesações principais de cunho estatal da AssembléiaEstadual : suas confusões em relação à liberdade deimprensa e sua falta de liberdade em relação a confusões.Baixemos, agora, à terra firme. Antes de passarmos à questão propriamente terrena, emtoda a sua grandeza vital, i.e. à questão relativa aoparcelamento da posse fundiária, concedamos aonosso leitor algumas pinturas do gênero nas quais oespírito – e gostaríamos ainda de dizer – a natureza físicadessa mesma Assembléia refletir­se­ão, de modomultifacetado. Em verdade, a Lei sobre o Furto de Madeira – tal qual aLei sobre as Contravenções Penais Referentes àCaça, à Floresta e ao Campo – merece ser discutida nãoapenas em relação à Assembléia Estadual, senãoigualmente em relação a si mesma.

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Porém, o seu Projeto de Lei não se encontra em nossasmãos. Nosso material limita­se a alguns acréscimosvagamente esboçados, formulados pela AssembléiaEstadual e por sua Comissão Legislativa, a leis quefiguram apenas enquanto números de parágrafos. Os próprios protocolos das tratativas dos estamentosestaduais são absolutamente escassos, comunicados demodo tão descontextualizado e apócrifo (EvM.: na“Gazeta Renana”, surge, aqui, a palavra “negócrifo”) quesua publicação assemelha­se a uma mistificação.Se nos permitirmos julgar a partir do presente frontispício,cumpre dizer que a Assembléia Estadual, com esse seusilêncio passivo, quis prestar à nossa província um ato dereverência. Um fato característico dos presentes debates saltaimediante à vista.A Assembléia Estadual surge enquanto legisladorsuplementar, ao lado do legislador do Estado. Será do máximo interesse examinar as qualidadeslegislativas da Assembléia Estadual à luz de umexemplo.Partindo desse ponto de vista, o leitor haverá de nosperdoar se lhes exigirmos paciência e pertinácia, duasvirtudes que, na análise de nosso objeto estéril, tiveramde ser incessantemente exercitadas. Em nosso relatório sobre os debates da AssembléiaEstadual acerca da Lei sobre o Furto de Madeira,estamos colocando diretamente às claras os debates daAssembléia Estadual acerca de sua própria vocaçãolegislativa. Logo no início do debate, um deputado com mandatomunicipal opôs­se ao título da lei, que alarga a categoriado “furto”, de modo abarcar simples contravenções penais referentes à madeira.Outro deputado do estamento honorífico dos cavaleiroscontestou o seguinte :

"Precisamente porque não se considera furto asubstração de madeira, acontece esta tãofreqüentemente."

Segundo essa analogia, o mesmo legislador deveriaconcluir : por não se considerar homicídio sopapos,desferidos no pé­da­orelha, ocorrem estes tãofreqüentemente. Decrete­se, pois, que o sopapo na orelhaé um homicídio.Um outro deputado do estamento honorífico doscavaleiros entende o seguinte :

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" ... é ainda mais inquietante não se pronunciar apalavra “furto”, pois as pessoas que tomarãoconhecimento da discussão sobre essa palavra,poderão ser facilmente levadas a acreditar que asubtração de madeira não é também consideradapela Assembléia Estadual como furto."

A Assembléia Estadual deve decidir se considera serfurto uma contravenção penal referente à madeira. Porém, se a Assembléia Estadual não declara ser furtouma contravenção penal referente à madeira, as pessoaspoderiam acreditar que a Assembléia Estadual nãoconsideraria, realmente, ser furto uma contravenção penalreferente à madeira. Assim, o melhor é deixar essacapciosa questão controversa repousar absolutamente só.Trata­se de um eufemismo, sendo que há de se evitareufemismos. O proprietário de floresta não permite que olegislador tome a palavra, pois as paredes têm ouvidos. O mesmo deputado ainda continua. Ele considera sertoda essa investigação acerca da expressão “furto” “umainquietante preocupação da assembléia plenária commelhorias redacionais.” Depois dessas manifestaçõesesclarecedoras, a Assembléia Estadual votou o título dalei. Partindo do ponto de vista, acima precisamenterecomendado, que considera equivocadamente comopura negligência redacional a transformação de umcidadão do Estado em ladrão, rejeitando toda a oposiçãoexpressada contra isso como sendo purismo gramatical,torna­se evidente que também a subtração de madeiracaída e apanhada no chão ou o recolhimento demadeira seca sejam subsumidos sob a rubrica de furto epunidos tão severamente como a substração de madeiraverde, ainda de pé.Em verdade, o deputado com mandato municipal, acimareferido, observa o seguinte :

”Podendo a pena elevar­se até prolongada prisão,uma tal rigor haverá de conduzir pessoas que,d’outro modo, ainda se situam no bom caminho,precisamente ao caminho do crime. Isso ocorrerátambém porque entrarão em contato na prisão comladrões contumazes. Considere­se, portanto, caberpunir o recolhimento ou a subtração de madeiraseca, caída e apanhada no chão, meramente comuma pena policial simples."

Porém, um outro deputado com mandato municipal refuta­o, com o profundo argumento, a seguir exposto :

" de que, nas florestas de minha região, apenasárvores jovens são freqüentemente, de início,abatidas e, quando, por isso, decompõem­se, são

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tratadas, posteriormente, como madeira caída eapanhada no chão."

É impossível fazer tombar ao chão, de modo maiselegante e, ao mesmo tempo, mais simples, o Direito dosseres humanos, em face do Direito das árvoresjovens. D’um lado, situa­se, segundo a presunção doparágrafo, a necessidade de que uma massa de sereshumanos, sem intenção criminosa, seja abatida daverdejante árvore da moralidade e lançada no inferno docrime, da infâmia e da miséria, tal como se fosse madeiracaída e apanhada no chão. D’outro lado, seguindo arefutação do parágrafo, existe a possibilidade de maltratode algumas árvores jovens, sendo que isso mal necessitade argumentação!

Vencem os ídolos de madeira, caem as vítimashumanas !O Regimento do Tribunal Criminal de ExecuçãoSumária de Penas Capitais subsume sob furto demadeira apenas a subtração de madeira abatida e oabatimento criminoso de madeira.Sim ! Nossa Assembléia Estadual não vai acreditar :

"Wo aber jemandt bei tag essendt früchtenem, und damit durch wegtragen derselben nitgroßen geuerlichen schaden thett, der ist nachgelegenhayt der personen und der sachburgerlich zu straffen." No vernáculo : "Se alguém, porém, durante o dia, pegarfrutas para comer e, com isso, removendo­as,não provocar danos consideravelmentegraves, deve ser punido, segundo a matériadas pessoas e das coisas civis." (Portanto,tratado de modo não criminal).”

[2]

O Regimento do Tribunal Criminal de ExecuçãoSumária de Penas Capitais do século XVI exorta­nos,diante da acusação de excessiva humanidade, a defendê­lo contra uma Assembléia Estadual Renana do séculoXIX, sendo que damos cumprimento a essa exortação. Orecolhimento de madeira caída e apanhada no chão eo mais combinado furto de madeira! Uma definição écomum a ambos : o apropriar­se de madeira alheia. Portanto, ambos constituem furto. Nisso, resume­se a lógica hipermetrope que acabou deproduzir leis. Por isso, chamamos atenção, de início, paraa diferença aqui existente. Se é imperioso admitir que asituação fática é, em sua essência, diferente, dificilmentepoder­se­á afirmar que, do ponto de vista da lei, é

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idêntica. Para que ocorra a apropriação de madeiraverde, é necessário que seja ela separada, com violência,de seu conjunto orgânico. Como isso é um evidenteatentado cometido contra a árvore, é, portanto, através daárvore, um atentado evidente cometido contra oproprietário da árvore.

Além disso, se madeira derrubada é subtraída a umaterceira pessoa, é, pois, a madeira derrubada um produtodo proprietário. Madeira derrubada já é madeiraprocessada. No lugar do conjunto natural, formado com apropriedade, surge o conjunto artificial. Logo, quemsubstrai madeira derrubada, subtrai propriedade.

Pelo contrário, no caso de madeira caída e apanhada nochão, nada é separado da propriedade. O que estáseparado da propriedade é separado da propriedade. Oladrão de madeira profere uma sentença arbitrária contraa propriedade. O coletor de madeira caída e apanhadano chão executa apenas uma sentença que a naturezada própria propriedade proferiu.

Pois vós, proprietários, possuís, entretanto, apenas aárvore, sendo que, porém, a árvore já não mais possuiaqueles seus galhos. Recolher madeira caída,apanhando­a no chão, e roubar madeira são, portanto,essencialmente, coisas diferentes. O objeto é diferente. Aação efetuada em relação ao objeto não é menosdiferente. Portanto, a intenção tem de ser tambémdiferente, pois qual medida objetiva devemos atribuir àintenção, se não o conteúdo da ação e a forma da ação ? E, apesar dessa diferença essencial, vós denominais furtoambas essas situações e as punis como sendo furto.

Em verdade, apenais o recolhimento de madeira caídae apanhada no chão de modo mais rigoroso do que ofurto de madeira, pois já punis esse ato na medida em queo designais como furto, pena essa que não impondesostensivamente ao próprio furto de madeira. Teríeis dedenominá­lo, pois, assassinato de madeira e puní­lo comose assassinato fosse.

A lei não está desvinculada do dever geral de dizer averdade. A lei possui duplamente esse dever, pois é oporta­voz geral e autêntico da natureza jurídica dascoisas. Por isso, a natureza jurídica das coisas nãopode, por isso, comportar­se segundo a lei, mas sim éa lei que deve comportar­se segundo a naturezajurídica das coisas. Porém, se a lei denomina furto demadeira uma ação que nem sequer constitui umacontravenção penal referente à madeira, está a lei,portanto, mentindo e o pobre é sacrificado por causa deuma mentira legal.

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"Il y a deux genres de corruption, l'un lorsque lepeuple n'observe point les lois; l'autre lorsqu'ilest corrompu par les lois: mal incurable parcequ'il est dans le remède même. No vernáculo : “Há dois gêneros de corrupção”, diz Montesquieu,“um deles quando o povo não observaabsolutamente as leis ; outro quando é corrompidopelas leis : trata­se de um mal incurável, porque seencontra inserido no próprio remédio.”

[3]

Quanto menos lograreis fazer prevalecer a crença de aquiexistir um crime, onde, de fato, nenhum crime existe, tantomais havereis apenas de conseguir transformar opróprio crime em ato jurídico. Haveis obliterado asfronteiras diferenciadoras, porém equivocai­vos seacreditardes terem sido elas obliteradas tão somente novosso interesse.

O povo vê a pena, porém não vê o crime e porque vê apena, onde não existe crime algum, já não verá, porisso, nenhum crime, onde existir pena.Na medida em que empregais a categoria do furto ali,onde não pode ser adotada, também a haveis dissimuladaali, onde deve ser adotada. E essa noção abrutalhada quemantém apenas uma definição comum para açõesdistintas, abstraindo da diferenciação, não suprime a simesma ?

Se toda lesão à propriedade é considerada,indistintamente e sem maior determinação, como furto,não haveria, então, de ser furto toda a propriedadeprivada ? Através da minha propriedade privada, nãoexcluo todo terceiro dessa propriedade ? Não violo,assim, o seu Direito de propriedade ? Se negais a diferença de tipos essencialmente diferentesdo mesmo crime, negais, pois, o crime enquanto umadiferença do Direito, suprimis, pois, o próprio Direito,pois todos os crimes possuem um lado em comumcom o próprio Direito. Por isso, trata­se de um fato tantode ordem histórica quanto de cunho racional o de que aseveridade indiferenciada suprime todos os efeitos dapena, visto que suprimiu a pena enquanto um efeito doDireito.Porém, sobre o que litigamos?

A Assembléia Estadual rejeita, em verdade, a distinçãoexistente entre o recolhimento de madeira caída eapanhada no chão, a contravenção penal referente àmadeira e o furto de madeira. Repudia o elementodiferenciador da ação executada, enquanto elemento

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determinante para a ação, quando se trata do interessedo transgressor da floresta, porém reconhece­o,quando se trata do interesse do proprietário dafloresta. Assim, a Comissão Legislativa da Assembléia propõe,adicionalmente :

"... designar como circunstâncias agravantes, se amadeira verde for abatida ou talhada por meio deinstrumentos cortantes e se, em vez de machado,utilizar­se a serra."

A Assembléia Estadual aprova essa diferenciação.A mesma agudeza de espírito que é tão consciente paradiferenciar, em seu próprio interesse, um machado deuma serra, é tão inescrupulosa para recusar­se adistinguir, no interesse alheio, entre madeira caída eapanhada no chão e madeira verde. A diferença é significativa enquanto circunstânciaagravante, porém é desprovida de qualquer significadoenquanto circunstância atenuante, apesar de umaagravante não ser possível, quando as atenuantes sãoimpossíveis. A mesma lógica repete­se ainda por váriasvezes no curso dos debates.No § 65, um deputado com mandato de municípios desejao seguinte :

"... que também o valor da madeira subtraída devaser adotado como padrão de determinação dapena", "o que é contestado pelo relator por não serprático."

O mesmo deputado com mandato de municípios assinalao seguinte acerca do §66 :

"... de modo geral, em toda a lei, sente­se a falta deuma indicação de valor, com base no qual a penaseria aumentada ou diminuída."

A importância do valor para a determinação da pena, emcasos de violação da propriedade, emerge a partir de simesma. Se o conceito de crime exige a pena, a realidade docrime exige uma medida para a pena. O crime realpossui seus limites. Assim, a pena haverá de ser limitadapara ser real e haverá de ser limitada, segundo umprincípio de Direito, para ser justa. A tarefa consiste emtornar a pena uma conseqüência real do crime. Ela temde surgir perante o criminoso como um efeito necessáriode seu próprio ato e, portanto, como seu próprio ato.Assim, o limite da sua pena deve ser o limite do seu ato.

O conteúdo determinado que é violado constitui o limitedo crime determinado. A medida desse conteúdo é,

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portanto, a medida do crime. No caso da propriedade,essa medida é o seu valor.Enquanto a personalidade é sempre uma totalidade,em quaisquer que sejam os seus limites, é a propriedadedisponível sempre apenas em um limite que não éapenas determinável, senão ainda determinado, que nãoé apenas mensurável, senão ainda medido.O valor é a existência civil da propriedade, é a palavralógica, com a qual ela apenas então alcançaintelegibilidade e comunicabilidade social.

É claro que essa determinação objetiva, dada pelanatureza do próprio objeto, tem de construir um elementodeterminante tanto objetivo quanto essencial para a pena.Se aqui, onde se trata de números, a legislação, a fim denão se perder em uma infinitude de definições, podeapenas proceder de modo extrínseco, deve, então, nomínimo, realizar uma regulação. Não se trata de seremesgotadas as diferenças, mas sim de serem feitas asdiferenças.

Porém, a Assembléia Estadual não se dispôsabsolutamente a dedicar sua nobre atenção a essespormenores. Acreditais, então, poder concluir, p.ex., quea Assembléia Estadual teria excluído inteiramente ovalor na determinação da pena? Conclusão, porém,imprudente e sem praticidade! O proprietário florestal –posteriormente, trataremos disso mais amplamente – nãose permite apenas indenizar com o simples valor geral, aser prestado pelo ladrão, senão confere ainda a essevalor até mesmo um caráter individual, assentando sobreessa individualidade poética a reivindicação de umaespecial reparação por perdas e danos. Agora, ficamossabendo o que é que o relator entende por praticidade.O proprietário prático da floresta raciocina da seguinteforma :

"Essa definição legal é boa, apenas enquantome for útil, pois aquilo que me é útil é o bom.Essa definição legal é redundante, é prejudicial,não tem praticidade, na medida em que deve seraplicada contra o acusado por puro caprichoteórico de Direito. Dado o fato de que o acusadoé­me prejudicial, torna­se evidente que tudo aquiloque obsta ser ele atingido para o seu maiorprejuízo, é­me prejudicial. Isso constitui umasabedoria prática."

Porém, nós, seres humanos sem praticidade alguma,exigimos para as massas miseráveis, política esocialmente desapossadas, o que o servilismo instruídoe instrutor dos assim chamados historiadores descobriu atítulo de verdadeira pedra filosofal, a fim de transformartoda a pretensão desonesta no puro ouro do Direito.

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Para a pobreza, reivindicamos o Direito Consuetudinárioe, em verdade, um Direito Consuetudinário que não éum Direito local, um Direito Consuetudinário que é, emtodos os países, o Direito Consuetudinário da pobreza.Vamos ainda mais longe, para afirmarmos que o DireitoConsuetudinário, por sua própria natureza, pode serapenas o Direito dessas massas mais inferiores,desapossadas e elementares. Os assim chamados costumes dos privilegiados sãoconcebidos como costumes contrários ao Direito. Adata do seu nascimento remonta ao período em que ahistória da humanidade constituía uma parte da HistóriaNatural e, tal como o comprova a saga egípcia, todos osDeuses escondiam­se em formas de animais. Ahumanidade surgia decomposta em raças determinadasde animais selvagens cujo inter­relacionamento não eraa igualdade, mas sim a desigualdade, uma desigualdadeque as leis positivavam.

A situação do mundo, marcada pela falta de liberdade,exigía Direitos de escravidão, pois, enquanto o DireitoHumano é o existir da liberdade, o Direito dos AnimaisIrracionais é o existir da falta de liberdade.

O feudalismo é, em sentido amplo, o reino selvático­animal do espírito, o mundo da humanidade divorciada,em oposição ao mundo da humanidade que cria suaspróprias diferenciações, cuja desigualdade nada é senãoa refração em cores da igualdade. Nos países dofeudalismo ingênuo, nos países do sistema de castas,onde, no sentido literal da palavra, a humanidade éempacotada em caixas separadas e onde os membrosnobres da Grande Santidade, do Santo Humano,transbordantes livremente uns nos outros, são serrados,dilacerados, violentamente desmembrados uns dosoutros, encontramos também a adoração do animalirracional, a religião selvático­animalesca em suaforma primitiva.Pois, o ser humano sempre considera como suaessência suprema aquilo que é sua verdadeiraessência.

A única igualdade que surge na vida real dos animaisirracionais é a igualdade existente entre um destes e osoutros de sua espécie determinada. Trata­se da igualdadede determinada espécie consigo mesma, porém não aigualdade do gênero. O próprio gênero animal surgeapenas no comportamento hostil das diversas espéciesanimais que fazem valer suas diferentes qualidadesparticulares umas em face das outras. No estômago doanimal selvagem predador, a natureza preparou o localescolhido para a reconciliação, o cântaro da mais íntima

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fusão, o órgão de conexão das várias espécies animais.

Da mesma maneira, no feudalismo, uma raça alimenta­seàs expensas da outra, até rebaixar­se àquela que, talcomo um pólipo, cresce sobre a terra e apenas possuitantos braços para colher os frutos da terra, destinados àsraças superiores, enquanto ela mesma come poeira, pois,se no reino da animalidade irracional da natureza, osociosos têm sua morte causada pelas abelhas operárias,possuem as abelhas operárias, inversamente, no reinoanimal­espiritual, sua morte causada pelos ociosos e,precisamente, por causa do trabalho.

Se os privilegiados do Direito legal apelam ao seuDireito Consuetudinário, exigem, em vez do conteúdohumano do Direito, a forma irracional­animalesca doDireito que, agora, transformado em mera máscaraselvático­animal, perde a sua realidade.

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA­REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOSMOSCOU ­ SÃO PAULO ­ MUNIQUE – PARIS

[1] Cf. MARX, KARL HEINRICH. Debatten über das Holzdiebstahlsgesetz. Von einen Rheinländer

(Debates acerca da Lei sobre o Furto de Madeira. Por um Renano)(1° de Novembro de 1842), in :Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Vol. 1, pp. 109 ­ 147. O presente texto de Marx,traduzido, agora, segundo tudo está a indicar, pela primeira vez, para a língua portuguesa, foipublicado, originariamente, no jornal intitulado "Gazeta Renana", Nr. 298, de 25 de outubro de1842. Anoto, por oportuno, que as passagens dos discursos, pronunciados pelos deputados daAssembléia Estadual, aos quais Marx se refere no presente texto, encontram­se incluídos nosSITZUNGSPROTOLOLLE DES SECHSTEN RHEINISCHEN PROVINZIALLANDTAGS(Protocolos das Sessões da Sexta Assembléia Estadual Provincial da Renânia), Koblenz, 1841, pp. 3 es.O presente texto de Marx é parte de uma série de artigos, composta de 5 partes, já por mim traduzidapara o idioma português. Esses artigos de Marx, redigidos entre 25 de outubro e 3 de novembro de1842, propõem­se a analisar os debates, ocorridos na Assembléia Estadual da Renânia, entre 23 demaio e 25 de julho de 1841. Aplicando magistralmente o método dialético­materialista à temática emcausa, Marx conseguiu aqui examinar, pela primeira vez, com profundidade, as contradições,existentes entre os interesses materiais de diferentes classes histórico­sociais do mundocontemporâneo, posicionando­se em defesa dos interesses das massas populares pobres, despojadas detodos os tipos de propriedade.Marx demonstra, em seus artigos em realce, que o Direito Consuetudinário de recolhimento demadeira caída e apanhada no chão não poderia ser tipificado como furto, por meio de novalegislação penal. Marx reivindica, assim, para a pobreza o Direito Consuetudinário, válido em todosos países, o qual : " ... por sua própria natureza, pode ser apenas o Direito dessas massas maisinferiores, desapossadas e elementares."

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E, com efeito : em contraste com o Direito Consuetudinário da nobreza privilegiada que se fundasobre a falsa concepção de uma suposta desigualdade natural­estamental dos seres humanos, o DireitoConsuetudinário da pobreza é postulado por Marx como sendo efetivamente social­universal.Diferentemente dos animais despidos de razão, os seres humanos são livres e iguais a todos os seuspares do gênero humano, ao passo que os primeiros, por não gozarem de liberdade, são iguais apenasno âmbito de sua espécie determinada. As diferenças de classes e estamentos historicamenteexistentes contradizem, assim, à essência da liberdade igual de todos os seres humanos. Os DireitosConsuetudinários das distinções são, portanto, costumes, praticados contra o próprio conceito deDireito e Legislação Racionais, uma vez que seu conteúdo colide com sua forma jurídica, enquantoque o Direito Consuetudinário da pobreza não colide senão com a ausência de sua própriaformalidade jurídica.O interesse material dos proprietários de floresta é, segundo Marx, é um interesse particular e, porconsegüinte, limitado. O interesse das massas mais inferiores, desapossadas e elementares, uminteresse universal e ilimitado.Por exigirem os proprietários de floresta também um Direito de Propriedade sobre a madeira caída eapanhada no chão, agem em discrepância com o Direito Consuetudinário da pobreza, visto que sãoas próprias árvores, enquanto partes integrantes da natureza, que despejaram ao chão e, praticamente,excluíram de si mesmas essa madeira caída e apanhada. As massas mais inferiores, excluídas,despejadas, separadas e não integradas pela sociedade de classes, são tais quais a madeira caída aochão e, nessa analogia, reconhecem, instintivamente, o seu Direito de apropriação das coisasderrubadas e caídas ao chão. Antecipando em vários anos sua ulterior magistral descoberta da essência da mais­valia capitalista,Marx demonstra que as classes proprietárias superiores exigiam não apenas indenização pelasubtração da madeira caída e apanhada no chão, senão ainda penas pecuniárias a serem pagas pelos"ladrões de madeira". O valor da madeira substraída nessas circunstâncias deveria ainda ser fixadopor autoridades florestais, contratadas pela nobreza latifundiária, no melhor dos casos, não de modovitalício, senão apenas temporariamente. No último artigo da série aqui em realce, Marx propugnou, inovadoramente, seu conceito de fetiche,o qual haveria de desenvolver, posteriormente, em sua crítica dialética do dinheiro e do capital. O texto aqui em realce, tal quais os demais dessa série, demonstram, inequivocamente, o início dadedicação intelectual de Marx aos estudos da economia política. Acerca do tema, vide maisprecisamente Cf. IDEM. Vorwort zur Kritik der Politischen Ökonomie (Prefácio à Crítica daEconomia Política)(Agosto de 1858 – Janeiro de 1859), in : ibidem, Vol. XIII, Berlim : Dietz Verlag,1961, pp. 7 e s.Nesse último material, Marx assinala, com precisão : "Meu estudo específico era o da Ciência doDireito, o qual empreendi, entretanto, apenas como disciplina subordinada, ao lado da Filosofia eda História. Em 1842 e 1843, enquanto redator da “Gazeta Renana”, meti­me, pela primeira vez, noembaraço de ter de colaborar, pronunciando­me acerca dos assim chamados interesses materiais. Osdebates da Assembléia Estadual da Renâna sobre o furto de madeira das florestas e o parcelamentoda propriedade fundiária, a polêmica ministerial que o Sr. von Schaper, outrora Presidente Supremoda Província da Renânia, moveu contra a “Gazeta Renana” acerca das condições do camponês doVale do Rio Mosela, os debates, enfim, sobre o livre comércio e a duana protecionista, forneceram osprimeiros pretextos para minha dedicação às questões econômicas. Por outro lado, naquela época,quando a boa vontade de "ir adiante" havia multiplamente compensado o conhecimento objetivo,tornara­se audível na "Gazeta Renana" um eco de socialismo e do comunismo francês, levementetingido de filosofia. Declarei­me contrário a essa obra de má qualidade, confessando, porém, aomesmo tempo, de modo direto e aberto, em uma controvérsia, mantida com o "Diário Popular deAugsburg", que meus estudos, até então empreendidos, não me permitiam ousar formular, por mimmesmo, nenhum julgamento acerca do conteúdo das tendências francesas. Em vez disso, lancei mão,avidamente, da ilusão dos editores da "Gazeta Renana", que acreditavam poder fazer retroceder asentença de morte recaída sobre o jornal devido às suas posições mais complacentes, a fim de meretirar da cena pública e recolher­me em meu gabinete de estudo."[2] Indicação de Emil Asturig von München : Marx refere­se aqui à seguinte legislação carolíngea,

eminentemente célebre por sua suas prescrições penal­punitivas extremamente cruéis, DIE

16/02/2015 Karl Marx : A Lei Não Está Desvinculada do Dever Geral de Dizer a Verdade

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PEINLICHE HALSGERICHTSORDNUNG KAISER KARL'S V. CONSTITUTIOCRIMINALIS CAROLINA. (Regimento do Tribunal Criminal de Execução Sumária de PenasCapitais do Imperador Carlos V. Constituição Criminal Carolíngea), hrsg. Heinrich Zoepfl,Heildelberg : Winter, 1842, pp. III e s.[3] Indicação de Emil Asturig von München : Acerca do tema, vide MONTESQUIEU, CHARLES

DE SECONDAT BARON DE LA BRÈDE ET DE. De l'Esprit De Loi Ou Du Rapport Que LesLoix doivent avoir avec la Constitution de chaque Gouvernement, les Moeurs, le Climat, la Religion,le Commerce, &c. (Do Espírito das Leis ou da Relação que as Leis devem possuir com a Constituiçãode Cada Governo, os Costumes, o Clima, a Religião, o Comércio etc.)(1748), Primeira Parte, Livro VI: Conseqüências dos Princípios dos Diversos Governos em Relação à Simplicidade das Leis Civis eCriminais, a Forma dos Julgamentos e o Estabelecimento das Penas, Capítulo XII : Sobre o Poder dasPenas, Geneva : Barrillot, 1749, pp. 3 e s.