justiça em kant e hume

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANA SETOR DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA OTAVIO AUGUSTO HORNING JUSTIÇA EM HUME E KANT Trabalho apresentado ao Programa de Graduação em Filosofia – do Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para a obtenção de nota na disciplina HF 376: Ética I Profª Drª. Maria Isabel Limongi

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Page 1: Justiça Em Kant e Hume

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANA

SETOR DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

OTAVIO AUGUSTO HORNING

JUSTIÇA EM HUME E KANT

Trabalho apresentado ao Programa de Graduação em Filosofia – do Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para a obtenção de nota na disciplina HF 376: Ética I

Profª Drª. Maria Isabel Limongi

Curitiba2015

Page 2: Justiça Em Kant e Hume

1. A VIRTUDE ARTIFICIAL DA JUSTIÇA EM HUME

A filosofia humeana destaca-se ao conferir à imaginação a formação das nossas

crenças mais relevantes. Quanto à formação de cadeias mentais reguladas no

entendimento humano oriundas do livre jogo associativo da imaginação, a razão tem um

papel de relevância maior que o sentimento. Contudo, a discussão sobre os princípios da

moral, segundo Hume, requereria discutir se o fundamento da determinação da distinção

entre o bem e o mal repousa na razão ou no sentimento.

Entretanto, ao elencar como certa que a virtude, enquanto a boa condução de

uma ação, é “estimável”, e o vício, enquanto a má condução de uma ação, é “odioso”, o

filósofo irá colocar a discussão dos princípios da moral na ação humana e em sua

condução, observáveis na experiência, considerando o papel da razão e do sentimento

no seguimento da escolha de determinada ação.

Nesse sentido, Hume irá classificar, em sua “Investigação sobre os princípios da

moral”, as virtudes pela sua agradabilidade e utilidade sociais ou individuais, expondo

suas características naturais e artificiais. Assim a Justiça, para Hume, é uma virtude

socialmente útil e necessária.

1.1. O uso e o fim da Justiça

A virtude da Justiça refere-se à distribuição de bens externos, disto, segundo

Hume, segue-se que esta virtude não se aplica, especulativamente, a dois extremos: (i) à

sociedade extremamente benevolente – cuja distribuição de bens externos teria por

critério beneficiar o próximo em uma relação de simpatia com o mesmo – ou abundante

em recursos – que a natureza sempre proverá qualquer necessidade ou inclinação dos

homens nessa sociedade – ou (ii) à sociedade extremamente perniciosa – em que não há

aplicação de nenhuma distribuição de bens, seja pela extrema condição penosa de

sobrevivência, que no máximo proporcionaria uma distribuição de bens entre as

organizações mais fundamentais da sociedade, tal qual a família, ou pelo egoísmo

presente em grande escala, vício que não tem por fim a ordem da sociedade pela sua

condução de ação seguir apenas o curso de suas próprias inclinação, ou pelo fanatismo

presente em grande escala, vício que, segundo Hume, por ter um discurso de regulação

das ações humanas, supõe seu discurso acima do magistrado cívil e de qualquer

especulação, escolha ou ação que não se reporte ao mesmo.

Page 3: Justiça Em Kant e Hume

Ao prosseguir sua argumentação referente a virtude da Justiça, Hume coloca sua

possibilidade no meio termo dos extremos expostos anteriormente, tendo em vista que

neste meio termo ela se faz necessária à aplicação das ideias de propriedades,

necessárias na sociedade civil, referentes as condições materiais de vida e o limite do

sentimento de benevolência e simpatia com o próximo:

A condição ordinária da humanidade é um meio-termo entre esses extremos. Somos naturalmente parciais em relação a nós mesmos e nossos amigos, mas somos capazes de compreender a vantagem resultante de uma conduta mais equânime. Poucos prazeres nos são dados pela mão aberta e liberal da natureza, mas, pela técnica, trabalho e diligência, podemos extraí-los em grande abundância. Por isso, as idéias de propriedade tornam-se necessárias em toda sociedade civil, é disso que a justiça deriva sua utilidade para o público; e é só desse fato que decorre seu mérito e seu caráter moralmente obrigatório 1 (HUME, 2004, p. 247).

A utilidade pública da Justiça confere sua necessidade e valor, sendo seu fim a

“felicidade e segurança pela preservação da ordem na sociedade” (HUME, 2004, p.

245). A Justiça não é um fim em si mesma; ela é um meio que se efetiva pela aplicação

de regras de justiça que garantem a equidade do direito à posse de bens externos, cujas

regras dependem da particularidade donde se situa uma comunidade.

1.2. Sistema geral de Justiça humeano

A formação de leis e regulamentações, para determinar a posse de bens externos,

tem por fim a segurança e a felicidade da humanidade. Essas regras tem por guia a

particularidade da sociedade em que serão aplicadas, procurando serem mais úteis e

benéficas para a sociedade. Nesse sentido, o sistema de justiça humano considera três

critérios para o seu regimento: (i) Utilidade particular e social, (ii) Associação da

imaginação e (iii) Jurisprudência.

1.2.1. Utilidade particular e social

Considerando que a sociedade em que é aplicado o sistema de justiça humeano

está em um meio termo entre a abundância e a penúria, a propriedade será regida em

1 A virtude da Justiça é artificial por não haver na natureza nenhum ponto de apoio para sua utilidade e obrigatoriedade; a Justiça tem utilidade pública por suas regras que garantem a equidade do direito de posse de bens externos levando em conta a técnica, o trabalho e a diligência do homem, que só são necessárias na sociedade civil.

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função do interesse geral da humanidade. Os benefícios que atingem o social acabam

atingindo o particular, contudo os benefícios particulares podem não atingir o social, o

mesmo se segue para os malefícios. Seguindo este raciocínio, Hume exalta a utilidade

pública da Justiça acima da particular, tendo em vista que mesmo se determinadas

regras resultem momentaneamente em malefícios a homens ou comunidades

particulares, é de interesse social a regra estabelecer “a conveniência e as necessidades

do gênero humano” (HUME, 2004, p. 257).

1.2.2. Associação da imaginação

A consideração da posse de bens externos, para Hume, segue-se do fato dos

objetos da natureza serem alheios a nós e que é através dos interesses gerais da

sociedade que se pode fazer a conexão entre o objeto externo e o proprietário do

mesmo. Ou seja, a regularidade do pensamento de posse segue-se da liberdade da

imaginação de conectar eventos na atuação de três princípios associativos que agem

sobre as ideias: “De minha parte, parece haver apenas três princípios de conexão entre

ideias, a saber, semelhança, contiguidade no tempo ou no espaço, e causa ou efeito”

(HUME, 2004, p.42).

O princípio da primeira posse, que acarreta o direito a posse de uma

propriedade quando não há nenhuma reivindicação presente ou antecedente, é, segundo

Hume, um exemplo de uma conexão traçada pela imaginação entre a propriedade sem

reivindicação e o direito de posse da mesma.

1.2.3. Jurisprudência

O direito a propriedade está subordinado, segundo Hume, as leis civis que

deliberam acerca da “conveniência” particular de cada comunidade. A utilidade da

propriedade está regida pela lei. Nesse sentido as leis civis estão de acordo com o

interesse da sociedade. Se a utilidade particular e social e a associação da imaginação

falharem ao definir a propriedade em determinado caso, a jurisprudência delibera o

direito a propriedade deste, pois nas leis civis se encontra o fundamento da Justiça; o

interesse da sociedade:

Admite-se que a propriedade repousa nas leis civis, admite-se que as leis civis não têm outro objetivo senão o interesse da sociedade; deve-

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se admitir, portanto, que esse interesse é o único fundamento da propriedade e da justiça. Isto sem mencionar que nossa própria obrigação de obedecer ao magistrado e a suas leis não se funda em nada além dos interesses da sociedade (HUME, 2004, p. 259).

2. A PRESCRIÇÃO PRÁTICA DA JUSTIÇA EM KANT

A separação entre a Critica da Razão Pura e a Crítica da Razão Prática é a

separação fundamental entre dois conceitos: natureza e liberdade. A vontade é a

faculdade de apetição que é uma das causas da natureza no mundo. Tudo o que é

representado como possível (ou necessário) segundo esse vontade chama-se prático-

possível. Os conceitos que forem da natureza são técnico-práticos (filosofia teórica), da

liberdade moral-práticos (filosofia prática).

2.1. O Imperativo Categórico

No âmbito da filosofia prática, Kant argumenta que a boa vontade é uma

apetição necessária para o seguimento da lei moral. A boa vontade aliada ao conteúdo

prescritivo da lei moral gera o dever de se seguir a mesma. Tendo em vista as

características de necessidade e universalidade que o conceito de apriori supõe, Kant

formula, em sua “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, a lei moral que

prescreve nossas ações; o imperativo categórico: “eu possa querer também que minha

máxima se torne uma lei universal” (KANT, 1986, p. 33). Segundo Kant, Máxima é o

princípio subjetivo do querer; a lei moral, a saber, o imperativo categórico, é o princípio

objetivo do querer. O respeito a lei envolve a conciliação destes dois princípios.

Nesse sentido, ser livre é seguir a lei moral; o seguimento desta lei garante sua

universalidade na medida em que não serve às inclinações (propensões sensíveis) e sim

ao dever de seguir a lei.

2.1. A Prescrição Prática da Justiça

As prescrições práticas são retiradas do conceito de liberdade, que faz conhecer

o supra-sensível mediante leis formais. Elas se tornam leis que se referem a fins ou

intenções. Sendo só a razão, segundo Kant, legisladora no âmbito prático, da liberdade.

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No âmbito da natureza, ela só tira conclusões, através das inferências, a partir das leis

dadas do entendimento.

A Justiça, para Kant, é uma prescrição prática que - diferente do Imperativo

Categórico, que é uma lei moral referente ao agir por dever, ou seja, uma lei interna -

regula as ações que inferem no seguimento das leis externas, ou seja, das leis jurídicas

que disciplinam-nos externamente. A Justiça, segundo a Doutrina do Direito Público

presente na “Metafísica dos Costumes”, garante o dever de se ter uma possível

propriedade, o dever de se entrar numa sociedade civil e o direito de se usar de coerção

para disciplinar as ações que fogem das normas jurídicas. Nas palavras do filósofo,

“qualquer ação é justa se se consegue coexistir com a Liberdade de todos em

concordância com a lei universal” (KANT, 2003, p. 164).

3. REFERÊNCIAS

HUME, D. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral.

Tradução J. O. A. Marques. São Paulo: Unesp, 2004.

KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro,

2003.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Traduzido do alemão

por Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986