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parceria para a cidadania Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos:

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parceria para a cidadania

Justiça e Educação emHeliópolis e Guarulhos:

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Fazem parte desta publicação um CD e um DVD afixados à capa.

Você pode:

• copiar, distribuir, exibir e executar a obra.

Sob as seguintes condições:

• Atribuição. Você deve dar crédito ao autor original, da formaespecificada pelo autor ou licenciante.

• Uso Não-Comercial. Você não pode utilizar esta obra com finalidadescomerciais.

• Vedada a Criação de Obras Derivadas. Você não pode alterar,transformar ou criar outra obra com base nesta.

• Para cada novo uso ou distribuição, você deve deixar claro para outrosos termos da licença desta obra.

• Qualquer uma destas condições pode ser renunciada, desde que vocêobtenha permissão do autor.

• Nada nesta licença prejudica ou restringe os direitos morais dos autores.

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Catalogação na Fonte: Centro de Referência em Educação Mario Covas

J96 Justiça e educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para acidadania/ Madza Ednir, organizadora. - São Paulo : CECIP, 2007.128 p. : il.

Parte integrante de um conjunto de materiais de registro de implementa-ção do Projeto “Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceriapara a cidadania”. Projeto da Fundação para o Desenvolvimento da Educa-ção – FDE, executado pelo CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular,com a participação dos Juízes das Varas da Infância e da Juventude deGuarulhos e Varas Especiais da Infância e da Juventude da Capital/SP.

Acompanha 1 CD, 1 DVD e 1 conjunto de fichas com procedimentosbásicos dos círculos restaurativos.

Patrocínio: Ministério da Educação/FNDE – Fundo Nacional de Desen-volvimento da Educação, Governo Federal.

1. Justiça restaurativa 2. Círculo restaurativo 3. Justiça e Educação4. Cidadania 5. São Paulo (Cidade) I. Ednir, Madza. II. São Paulo(Estado) Secretaria da Educação. III. Fundação para o Desenvolvimentoda Educação.

CDU: 37:340.114

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CD

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AUTORESAna Paula de Souza – Promotora de Justiça da Vara da Infância e daJuventude de Guarulhos/SPDaniel Issler – Juiz da Vara da Infância e da Juventude de GuarulhosDominic Barter – Especialista em Justiça Restaurativa. CNVBrasil/Centro Internacional de Comunicação Não-ViolentaEgberto de Almeida Penido – Juiz Assessor da Presidência da Seçãode Direito Público do Tribunal de Justiça e coordenador do "Projeto deJustiça Restaurativa" junto às Varas Especiais da Infância e daJuventude da Capital/SP (Região de Heliópolis)Luciana Bergamo Tchorbadjian – Promotora das Varas Especiais daInfância e da Juventude da Capital – Setor de Justiça Restaurativa,Região de HeliópolisMadza Ednir – Coordenadora Pedagógica do CECIP, Especialista emMudanças EducacionaisMonica Mumme – Coordenadora de Projetos do CECIP, Especialistaem Mudanças EducacionaisVania Curi Yazbek – Terapeuta e Mediadora, especializada emcapacitação de práticas de resolução de conflito

COLABORADORASJurema Reis Corrêa Panza, FDEVera Lúcia de Jesus Curriel, Dirigente de Ensino da Diretoria Guarulhos-NorteMaria Isabel Faria, Dirigente de Ensino da Diretoria Centro-SulAna Maria Paixão de Andrade, Co-facilitadoraCélia Pinto da Silveira, Co-facilitadora

Diretoria de Ensino da Região Guarulhos-NorteVera Lúcia de Jesus Curriel, Dirigente de EnsinoMaria da Anunciação D’Araújo, Assessora JurídicaSilvia Mello Pereira, Supervisora de EnsinoMaria Iva A. Ramos, Supervisora de EnsinoMiriam T. K. Watanave, Assistente Técnico-PedagógicaMarivana S. Mascarenhas, ATP de GeografiaTeresa de Souza Izidoro, ATP de Ciências Humanas

Diretoria de Ensino da Região Centro-SulMaria Isabel Faria, Dirigente de EnsinoLourdes Cereja, Supervisora de EnsinoAriovaldo da Silva Stella, ATP de CiênciasSheila Bazarim, ATP da Escola da Família

Escolas de GuarulhosE.E. Profa. Hilda Prates GalloE.E. Dona Brasilia Castaño de OliveiraE.E. Prof. Roberto Alves dos SantosE.E. Prof. Allyrio de Figueiredo BrasilE.E. Profa. Salime MudehE.E. Genoefa D'aquino PacittiE.E. Ponte Alta VE.E. Prof. Maurício NazarE.E. Cel. Ary Jorge ZeituneE.E. Prof. Milton CernachE.E. Cidade Soberana II

Escolas de HeliópolisE.E. Antonio Alcântara MachadoE.E. Seminário Nossa Senhora da GloriaE.E. Profa. Eurydice ZerbiniE.E. Prof. Astrogildo SilvaE.E. Presidente Tancredo NevesE.E. Manuela Lacerda VergueiroE.E. Prof. Gualter da SilvaE.E. Prof. Ataliba de Oliveira

ORGANIZAÇÃO, PRODUÇÃO EDITORIAL E GRÁFICACECIP – Centro de Criação de Imagem Popular

Claudius Ceccon – Projeto Gráfico e Direção de ArteMadza Ednir – Concepção da estrutura do material, sistematização eedição dos textos originaisDeisi Romano e Dinah Frotté – RevisãoSilvia Fittipaldi | Magic Art – Editoração Eletrônica

GovernadorJosé Serra

Secretária da EducaçãoMaria Lucia Vasconcelos

Secretária-AdjuntaCarmem Annunziato

Chefe de GabineteEvandro Fabiani Capano

Coordenador de Ensino da RegiãoMetropolitana da Grande São PauloLuiz Candido Rodrigues Maria

Fundação para o Desenvolvimento

da Educação – FDE

PresidenteFábio Bonini Simões de Lima

Chefe de GabineteRichard Vainberg

Diretora de Projetos EspeciaisIara Glória Areias Prado

Assessores da Diretoria de Projetos EspeciaisCassiana dos Passos ClaroCláudia AratangyJosé Claudio Marmo Rizzo

Gerente de Educação e CidadaniaNivaldo Leal dos Santos

Departamento de Educação PreventivaEdison de Almeida (Chefe)Jurema Reis Corrêa Panza (Coord. do Projeto)Andreelli Cristina de CarvalhoDeisi RomanoNadir de AlmeidaSilvani ArrudaSylvio Antonio de MirandaUyara Schimittd

Fundação para o Desenvolvimentoda Educação – FDERua Rodolfo Miranda, 636 – Bom Retiro01121-900 – São Paulo, SPTel: (11) 3327.4248www.fde.sp.gov.br

São Paulo, 2007

Esses materiais foram produzidos no âmbito doProjeto Justiça Restaurativa, Contrato nº 44/4364/06/04, com recursos do Ministério da Educação / FNDE– Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação,Governo Federal.

Governo do Estado de São Paulo

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Introdução

Capítulo 1

Parceria – Quando Justiça e Educação querem andar de mãos dadasViolência na sociedade e nas escolas brasileiras: o que fazer?

Justiça RestaurativaA Justiça Restaurativa e a Secretaria de Educação no Estado de São Paulo

Capítulo 2

Justiça e Educação – O desenho do projeto em Heliópolis e Guarulhos

Intenções e objetivosOs eixos do Projeto e sua articulação

Capítulo 3

Modo de Fazer I – como Guarulhos e Heliópolis começarama criar e trilhar seu próprio caminho

Articulações e parceriasMobilização e sensibilização

Formação de facilitadores de Práticas Restaurativas

Apoio a mudanças educacionais e institucionais nas escolas, no Fórum e na comunidadeFortalecimento de Redes

Modo de Fazer II – Como preparar facilitadores de Práticas Restaurativas

Capítulo 4

Resultados – Desafios do processo, lições aprendidase novas perguntas que pedem respostas urgentes

Resultados obtidos

Desafios do processoLições aprendidas

Capítulo 5

Perspectivas Futuras

ANEXO – Fichas de procedimentos

Mídias complementares: CD e DVD afixados à capa

Sumário

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2630

32

333537

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Introdução 5

Essa publicação oferece aos atores envolvidos em processos de mudança e aperfei-çoamento das instituições brasileiras uma experiência de parceria entre os Sistemasde Justiça e de Educação.

Ela faz parte de um conjunto de materiais de registro da implementação do Projeto“Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania”. Nessasduas localidades, de características sociais e econômicas muito distintas, o ProjetoJustiça e Educação foi recriado, adaptando-se às demandas da realidade local.

Em oito meses de trabalho, os agentes do Sistema Educacional, do Judiciário e dacomunidade conseguiram deflagrar um processo de surpreendente vitalidade, queessa publicação procura resgatar.

O conjunto também inclui um vídeo em que é documentada a implementação do pro-cesso e um CD contendo todos os materiais produzidos pelo Projeto.

Esta publicação traz, em anexo, um conjunto de fichas com os procedimentos básicosempregados nos Círculos Restaurativos, para auxiliar aqueles que pretendem colocá-los em prática.

O conjunto poderá ser utilizado por agentes de mudança nos Sistemas Educacional ede Justiça, no desenvolvimento de ações visando a construção de comunidades apren-dizes, em que a justiça e o diálogo prevaleçam.

Veja a seguir o mapa da publicação.

Introdução

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Mapa daPublicaçãoO leitor poderá “entrar” nessa publica-ção por diferentes “portas”, dependendode seus interesses específicos. Para faci-litar sua escolha de por onde começar,apresentamos a seguir uma micro-sínte-se dos cinco capítulos.

CAPÍTULO 1

Histórico/contextualização

Desdobra-se em três itens, que enfatizama relevância social do projeto – uma res-posta original à questão da violência, vi-sando atender direitos e melhorar a edu-cação em sentido amplo, como processoque ocorre nas escolas, na família e nasociedade:

� A violência é hoje a principal preocupa-ção dos brasileiros; ela se manifesta nasociedade e, portanto, em suas institui-ções como, por exemplo, nas escolas; eas abordagens punitivas usadas para li-dar com ela não têm funcionado.

� Existe uma abordagem de prevenção daviolência e reconstrução do que foi que-brado pelo conflito: a Justiça Restaurati-va. Há 30 anos vem sendo usada em dife-rentes países. A abordagem de JustiçaRestaurativa nos Sistemas Judiciário eEducacional surge no Brasil em 2005, comtrês projetos pioneiros do Ministério daJustiça.

� Explicita porque a Secretaria da Edu-cação e o Tribunal de Justiça de São Pau-lo se interessam em fazer parceria edar continuidade a ela.

CAPÍTULO 2

Arquitetura do Projetoem Heliópolis e Guarulhos

� Descrevem-se os critérios de escolha dosespaços de implementação, as caracte-rísticas socioeconômicas e as dinâmi-cas sociais desses espaços e como o Pro-jeto busca fortalecer essas dinâmicas.

� Apresentam-se os parceiros – repre-sentando o poder executivo, a Secreta-ria da Educação (Sistema Educacional),a Fundação para o Desenvolvimento daEducação – FDE, implementadora deinúmeras iniciativas voltadas à constru-ção de uma cultura de paz, em especialo Projeto Comunidade Presente; repre-sentando o poder judiciário – as VarasEspeciais da Infância e da Juventude daCapital (Setor de Justiça Restaurativa –Região de Heliópolis) e a Vara da Infân-cia e da Juventude de Guarulhos (juízesespecialistas em Justiça Restaurativa).

� Mostram-se como se articulam os trêseixos do projeto, sendo o eixo central aaprendizagem de procedimentos restau-tativos (como operar o Círculo Restau-rativo) por agentes sociais atuando noSistema Educacional, no Sistema Judici-ário e na comunidade.

Para que esses agentes possam encontraracolhida nas instituições onde se reali-zam os Procedimentos Restaurativos, emespecial o Círculo, é preciso desenvolvero segundo eixo:

� Apoiar mudanças: nas escolas (forma-ção de lideranças educacionais), noFórum e nas comunidades.

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Introdução 7

E para que as causas sociais dos confli-tos, identificadas nos Círculos, possam sertrabalhadas, é preciso desenvolver o ter-ceiro eixo:

� Fortalecer a Rede de Atendimento paraonde os participantes dos Procedimen-tos Restaurativos (Círculos) serão en-caminhados.

CAPÍTULO 3

Modo de Fazer I

Descreve-se o caminho Restaurativo deHeliópolis e Guarulhos, detalhando pro-cedimentos para:

� Articular a parceria entre os SistemasEducacional e Judiciário.

� Mobilizar e sensibilizar o universo emquestão.

� Formar operadores de Círculos Res-taurativos em escolas, Fórum e comu-nidade.

� Apoiar mudanças em escolas, Fórum ecomunidades.

� Fortalecer a Rede de Apoio.

Modo de Fazer II

Descrevem-se a metodologia, os conteúdose as estratégias da formação de facilitadoresde Práticas Restaurativas:

� Diferença entre Justiça Restaurativa eRetributiva.

� Compreendendo o Sistema Restaurativo.

� Etapas do Processo Restaurativo.

� As três etapas vistas mais de perto.

� Como fazer o Pré-Círculo.

� Como fazer o Círculo.

� Como fazer o Pós-Círculo.

CAPÍTULO 4

Resultados alcançadose lições aprendidas

Apresentam-se relatos de três Círculosbem sucedidos e as falas avaliativas dedirigentes de ensino, juízes e participan-tes do Projeto Justiça e Educação.

CAPÍTULO 5

Perspectivas futuras

Sem parcerias não há solução para o for-talecimento da cidadania, portanto, é me-lhor que aprendamos a fazê-las rumo auma educação justa e a uma justiça edu-cativa para o nosso país. E só se aprendea fazer, fazendo.

ANEXO

Uma seleção de fichas de procedimentospara dar apoio às lideranças educacio-nais e aos facilitadores de Práticas Res-taurativas.

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Violênciasna sociedadee nas escolasbrasileiras:o que fazer?

A questão da violência é o que maispreocupa os brasileiros

A violência pode ser analisada sob diferen-tes perspectivas. Quando o foco está em suasseqüelas danosas, é vista como a ação in-tencional (de um indivíduo ou grupo) queacarreta uma modificação prejudicial noestado psicofísico de um outro indivíduoou grupo ou é dirigida contra a sua própriaintegridade física/psicológica. Quando ofoco está na falha das competências dequem a pratica ou sofre, é vista como aexpressão trágica de necessidades huma-nas não atendidas.

O conceito de violência inclui fenômenostão distintos como: agressões físicas e ver-

ParceriaQuando Justiça e Educação queremandar de mãos dadas

bais, roubos, assaltos, seqüestros, homicí-dios, “acidentes” de tráfego, suicídio e tam-bém auto-depreciação, agressões verbaise simbólicas, manifestações de preconceitoe discriminação, tentativas de inferiorizar,humilhar, excluir ou submeter o outro, ne-gação, pelo Estado, de direitos econômi-cos, sociais, culturais e ambientais aos ci-dadãos e cidadãs. Alguns estudiosos, re-conhecendo a sua multiplicidade, só se re-ferem à violência no plural. Pesquisa reali-zada pelo Datafolha, entre os dias 19 e 20 demarço de 2007, em todo o país, ouvindo 5.700pessoas, revelou que os brasileiros consi-deram a violência o principal problema dopaís (31%), superando a preocupação como desemprego (22%) – uma forma especi-almente perversa de violência econômica esocial.

A violência está em toda partee também nas escolas

A violência social e urbana1 reflete-se narealidade interna das escolas brasileiras. Ofato de que, de modo geral, elas não estejamsendo capazes de possibilitar aprendizagensbásicas e de fazer sentido para a maioria deseus alunos, já representa, em si, um desres-

1A violência no campo,também estarrecedora, nãoestás sendo abordada aqui,embora tenha impactodecisivo na diminuição daqualidade de vida e naviolência das cidades.

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peito ao direito de todos e todas a uma edu-cação de qualidade. A situação crítica des-sas escolas é muito bem retratada no filme“Pro Dia Nascer Feliz”, do diretor João Jar-dim. Em meio à falta geral de condiçõesmateriais, remuneração defasada dos ser-vidores e não aceitação, pela cultura esco-lar, da cultura juvenil2, sobressai a violência.Esta, de forma clara, é, ao mesmo tempo,fator de impedimento ao desenvolvimentoda atividade-fim de transmitir, construir eavaliar conhecimentos e habilidades, e con-seqüência da forma precária como essa ati-vidade fim vem sendo realizada. Como dizum aluno de Marari, Pernambuco, “Aqui agente não tem chance de sonhar”.

Também em grande número de escolaspaulistas, em especial na capital e arre-dores, em que pesem os esforços contí-nuos da Secretaria da Educação para ne-las fomentar uma cultura da paz, consta-ta-se ainda a existência de um ambienteincompatível com o clima de cuidado, in-teresse e diálogo, que caracteriza insti-tuições onde o desempenho dos alunos éexcelente. São freqüentes agressões ver-bais e físicas, desrespeito generalizado,medo da dominação por meio da forçaexercida por indivíduos ou grupos. Umprofessor da rede estadual, por exemplo,nos relatou recentemente que os alunosda escola em que trabalha permanecemcom as mochilas nas costas durante ohorário do intervalo, com medo de que,deixando seus pertences na sala de aula,eles possam ser subtraídos.

Respostas punitivas à violência sótêm feito agravar a situação

Indignadas e amedrontadas com a escala-da da violência no meio urbano e no interi-or das escolas – antes consideradas refúgi-os seguros – a população e as comunidades

escolares vêm pressionando e cobrando asautoridades dos Sistemas da Justiça e daEducação por uma intervenção firme.

Com certeza, não se pode conviver passi-vamente com tamanha inversão de valo-res e desrespeito generalizado. No entan-to, a demanda que se faz às autoridades épor um maior endurecimento da legisla-ção e das punições aplicadas aos autoresde atos de violência.

Da mesma forma, não se tem revelado eficazcombater a violência nas escolas e nas co-munidades, colocando mais grades nos cor-redores e janelas, instalando câmeras de vi-gilância, levantando muros mais altos, tor-nando mais severas as penalidades dos Sis-temas Disciplinar e Penal.

Essas respostas reativas à violência não têmefeitos duradouros porque se limitam a lidarcom a sua superfície e não consideram deonde ela surge. Com certeza, é preciso agir,tomando providências imediatas para conteratos violentos, no mesmo momento em queocorrem, seja no espaço da comunidade emgeral ou no da escola – e responsabilizar osenvolvidos. No entanto, soluções rápidas esimples para um problema complexo, ligadoà exclusão social, podem eliminar aquela ma-nifestação isolada de violência, mas não im-pedem nem previnem que outras ocorram.

A constatação de que os problemas que es-tão ligados à violência na sociedade e nasescolas têm um forte componente social ecultural, vêm gerando a mobilização de seg-mentos do Poder Público e dos agentes so-ciais, produzindo novas idéias e práticaspara não apenas eliminar a violência quan-do ela ocorre, mas, principalmente, preve-ni-la. Começa a se difundir a compreensãode que sentir-se seguro tem a ver menoscom medidas de controle e repressão e maiscom o fortalecimento das conexões entre

2Participantes do painel"Juventude, Educação,Qualidade e Democracia",da IV Conferência Nacionalde Educação e Cultura,realizada em Brasília, 2007,com a presença depesquisadores e derepresentantes dosestudantes, afirmam que,apesar de ser o principalfoco da educação, o jovemnão é ouvido e nãoconsegue participar dasdecisões em sua própriaescola.

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pessoas e grupos, com atendimento às suasnecessidades básicas de respeito e perten-cimento e reconhecimento de seus direitosde cidadania.

Outras respostas vêm sendoconstruídas por diferentes atores sociais

Gradativamente dissemina-se entre agen-tes governamentais e não governamen-tais brasileiros, propostas como a de cons-trução de Cidades Educadoras, nascidaem Barcelona, Espanha (1990). A idéia épensar a cidade como “espaço de convi-vência intercultural, intergeracional e deconstrução de múltiplos saberes”. A re-conceitualização da cidade pressupõecompreendê-la como uma grande rede deespaços pedagógicos formais (escolas,universidades...) e informais (casas de fa-mília, praças, meios de comunicação, em-presas, meios de transporte...).

Uma cidade educadora assume que a edu-cação é algo que ocorre nas escolas, nas fa-mílias, e as transcende. Afinal, a cidade edu-ca para a violência ou para a não-violênciapor meio de suas instituições,e tambémpela forma como seus espaços são distri-buídos, apropriados, utilizados, pelasinterações que se estabelecem no seu terri-tório entre indivíduos e grupos pertencen-tes a diferentes classes sociais, garantindo-se ou não a universalização dos direitos decidadania estabelecidos por lei3.

E escolas educam para a não-violência aoperceberem que não podem educar sozi-nhas, mas precisam articular-se com as de-mais organizações do bairro ou cidade. Elaseducam pelas interações que possibilitama construção de conhecimentos, atitudes evalores, pela forma como os seus espaçossão utilizados e ocupados, e pelas estratégi-as utilizadas nos processos decisórios.

A gestão de uma cidade educadora temcomo um de seus propósitos básicos pos-sibilitar que os cidadãos e as cidadãs to-mem consciência do que aprendem e ensi-nam ao interagir na cidade, percebendo quepodem transformá-la de forma deliberada,intencional, rumo a uma vida de qualidadepara todos.

A gestão de uma escola cidadã tem comopropósito fazer com que educadores,alunos, profissionais da escola, familia-res e membros da comunidade sintam-se conectados entre si e com outras or-ganizações da comunidade; sintam-sepertencendo à escola e à cidade, ensi-nando e aprendendo e provocando mu-danças, ao interagir no espaço escolar ecomunitário.

A elaboração coletiva de projetos sociais eeducativos é uma forma de enfrentar a his-tórica contradição entre exclusão e inclu-são inerente à dinâmica das cidades brasi-leiras e reproduzida em suas escolas.

Paralelamente, dissemina-se no nosso Sis-tema de Justiça outras formas de resoluçãode conflitos, que não se baseiam apenas nacultura do litígio, do “perde ou ganha”, quealimentam sistemas de controle social, queem essência retroalimentam a violência egeram ainda mais a exclusão e a estigmati-zação. Há muito vem surgindo no âmbitodo Poder Judiciário, dinâmicas de resolu-ção de conflitos que valorizam a mediação,e, mais recentemente, a Justiça Comunitá-ria e a Justiça Restaurativa.

Estas dinâmicas surgem, não só em decor-rência da insatisfação com o sistema deresolução de conflitos eminentemente re-tributivo, que tem predominado em nossacultura, mas, também, em face da constata-ção de que “por detrás de cada norma, resi-dem, antes que direitos ou deveres, valores

3Vide “Cidade Educadora,princípios e experiências”,vários autores, CortezEditora, Instituto PauloFreire, Cidades EducadorasAmérica Latina, 2004.

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fundamentais que se objetiva preservar:dignidade, integridade, igualdade, isonomia,respeito, pertencimento, reciprocidade, so-lidariedade, harmonia. Vistos assim, desdeessa dimensão ética, direitos e valores seconfundem. Mudando o foco de reafirmarnormas para o de reafirmar valores, a fun-ção de justiça pode ser revigorada para ad-quirir um sentido ético que parece ter-seperdido no curso da história. Não que asnormas, em seu conteúdo ou em sua con-tribuição social, mereçam ser desprezadas.O que se tem em perspectiva é a necessida-de de priorizar a identificação e a reafir-mação dos valores e não aplicar as normascomo um fim em si mesmo. E, tanto quantoas normas, os valores sobre os quais se cons-trói a justiça cada vez mais deixam de sercompreendidos como pré-determinados,senão que devem ser considerados comoemergentes do contexto relacional, ou seja,devem ser referidos aos fatos concretos davida diante dos quais as próprias normasdevem ser reinterpretadas.” “(...) Essa ten-dência evolutiva, que enfatiza os valores elhes dá relevância cada vez maior que àsleis, indica que a atividade valorativa do juizpossa vir a ser progressivamente substituí-da pela contribuição das próprias pessoasenvolvidas no conflito, cuja visão dos fatose cujos valores certamente serão sempremais condizentes e adequados à própriarealidade. Com isso pode-se sugerir que, namedida em que se desenvolvam métodosde participação colaborativa como os pro-postos pela Justiça Restaurativa, a atividadede fazer justiça, dentro e fora das institui-ções oficiais, pode tornar a função justiça(e, conseqüentemente, o acesso à justiça)cada vez mais capilarizada, aberta e demo-crática.” 4

Além disso, a elaboração de projetos de aces-so à justiça por meio alternativos de resolu-ção de conflitos é uma forma de enfrentartambém a histórica contradição entre apoio

e disciplina, entre controle e acolhimentoinerente em nossa sociedade e reproduzidaem Sistema de Justiça Retributiva.

O Projeto “Justiça e Educação em Helió-polis e Guarulhos: parceria para a cida-dania”, desenvolvido em parceria pelaSecretaria da Educação do Estado de SãoPaulo, por meio da Fundação para o De-senvolvimento da Educação – FDE e peloPoder Judiciário, é mais um exemplo dasmuitas experiências de pedagogia soci-al e ampliação do acesso à justiça – pormeio de resoluções não-violentas de con-flitos – em curso no nosso país. Essas ini-ciativas caminham no sentido da supe-ração da violência pela reconstrução dotecido social. No entanto, “aprender aconstruir redes internas à escola, entreescolas, entre escolas e outras institui-ções e organizações, entre escolas e fa-mílias e empresas, é um grande desafio”.O ato de cooperar para o bem comumcontinua sendo “subversivo” em relaçãoà ideologia historicamente enraizada.Uma ideologia que faz parecer “naturais”a verticalização das decisões, a depen-dência, o fatalismo, o individualismo do“cada um por si e Deus contra todos”.5

Do mesmo modo, aprender a resolver con-flitos de modo cooperativo e não-violento,baseado numa ética de diálogo, tendo comoobjetivo a responsabilização coletiva eparticipativa de todos envolvidos, é tam-bém um grande desafio. O ato de se fazerjustiça por meio do diálogo que esclarece econscientiza e não por meio do julgamen-to, se apresenta também “subversivo” emrelação à ideologia historicamenteenraizada que se baseia no “poder sobre ooutro” e não no “poder com o outro”. Umaideologia em que onde “(...) a idéia de Jus-tiça Criminal como o equivalente de ´pu-nição´ parece já assentada no senso co-mum, o que é o mesmo que reconhecer que

4Iniciação em JustiçaRestaurativa – Subsídiosde Práticas Restaurativaspara a Transformação deConflitos – Núcleo deEstudos em JustiçaRestaurativas – ProjetoJustiça para o Século 21 –Instituindo PráticasRestaurativas -PortoAlegre/Rio Grande do Sul– 2006 – p. 10/11.

5Madza Ednir, paperproduzido para o InstitutoCredicard, 2007.

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ela se tornou cultura. Zehr (1990) descreveo problema afirmando que: “É muito difí-cil compreender que o paradigma que con-sideramos tão natural, tão lógico, tem, defato, governado nosso entendimento sobrecrime e justiça apenas alguns poucos sécu-los. Nós não fizemos sempre da mesma for-ma e, ao invés desse modelo, as práticas deJustiça Comunitárias acompanharam amaior parte de nossa história.”6

Em seguida, apresentaremos o conceito cen-tral do Projeto Justiça e Educação, em tornodo qual a parceria entre os dois sistemas foiestabelecida: Justiça Restaurativa, uma abor-dagem de reconstrução do que foi quebradopela violência e de prevenção da violência,pelo empoderamento das comunidades para,coletivamente, enfrentarem as causas soci-ais da violência, promovendo inclusão e uni-versalização de direitos.

JustiçarestaurativaUma abordagem de reconstruçãodo que foi quebrado por conflitose de prevenção da violência

Noções de Justiça Restaurativa

A Justiça Restaurativa é um modelo alter-nativo e complementar de resolução de con-flitos que procura fundar-se em uma lógicadistinta da punitiva e retributiva. A lógicaretributiva é baseada no princípio de quetodo ato ofensivo ou violento deve ser re-tribuído com uma punição corresponden-te à intensidade da ofensa /violência.

Os valores que regem a Justiça Restaurativasão: empoderamento, participação, autono-mia, respeito, busca de sentido e de perten-

cimento na responsabilização pelos danoscausados, mas também na satisfação dasnecessidades emergidas a partir da situa-ção de conflito. Esses valores têm demons-trado a possibilidade de se alcançar orestabelecimento do senso de justiça, dig-nidade e segurança – daí seu nome “restau-rativa” – em termos diferentes daqueles quelevaram à situação de conflito.

O modelo, fundado em experiências co-munitárias, muitas delas ancestrais, pau-ta-se, numa de suas dimensões, pelo en-contro das pessoas envolvidas e membrosda comunidade atingida (incluindo fami-liares e amigos) para, juntos, identifica-rem as possibilidades de resolução de con-flitos a partir da identificação das neces-sidades dele decorrentes. Espera-se che-gar, por meio do conhecimento do porquêdos atos cometidos, e das conseqüênciasdesses atos, à reparação dos danos causa-dos – tanto emocionais como materiais.E mais: pretende-se desenvolver habilida-des para evitar nova recaída na situaçãoconflitiva e atender, com suporte social, àsnecessidades desveladas.

Assim, na Justiça Restaurativa há o encon-tro entre aquele que praticou o ato que ge-rou um dano (“autor do ato”), com aqueleque recebeu este ato (“receptor do ato”),para que o primeiro se defronte com asconseqüências de suas escolhas e ações.Deste encontro, facilitado por pessoas ca-pacitadas em técnicas de condução de con-flitos, também participam pessoas que fo-ram indiretamente atingidas pela ofensa eque possam contribuir para a resolução doconflito. Neste encontro, baseado numa éti-ca de diálogo, visa-se, não a punição, mas aefetiva responsabilização. Visa-se que ascausas que levaram ao ato danoso sejaminvestigadas, do mesmo modo que se repa-rem os danos e se lide, ainda, com as seqüe-las que brotaram a partir da ofensa.

6Justiça Restaurativa – umcaminho para os direitoshumanos? Marcos Rolim eoutros; 2004, Instituto deAcesso à Justiça, p. 10

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania14

Conforme o ensinamento de MylèneJaccoud, “só o direito restaurador conce-de às vítimas um lugar central; o direitopunitivo e o reabilitador lhes oferecemapenas um lugar secundário”7. Segundo aconcepção de Van Ness & Strong8, a JustiçaRestaurativa é composta de três eixos:

1. Reparação de danos

O que implica: aceitação de responsabili-dade pela ofensa, troca de experiências en-tre “vítima” e “ofensor”9, com efetivoenvolvimento deles; um Acordo ou planoreparador dos danos causados; construçãoou reconstrução de relações.

2. Envolvimento dos afetados emembros da sua comunidade

O que implica: participação ativa de “re-ceptor do ato”, “autor do ato” e da comu-nidade no processo de construção da Jus-tiça, tanto maior quanto possível, o quenão apenas visa fortalecer relações anti-gas como também novas; assegurar su-porte aos afetados, encorajando este pa-pel; promover uma sensação de reduçãodo medo e de aumento de bem-estar; cri-ar um entendimento mais aprofundadodo problema, pela diversidade de pers-pectiva dos envolvidos, permitindo o de-senvolvimento de habilidades para solu-ção futura de conflitos.

3. Transformação do papelgovernamental e da comunidade emudança sistêmica

O que implica: mudança da missão dosagentes governamentais, como participa-ção de alguns de seus membros em Círcu-los Restaurativos; mudança de foco, com

maior atenção ao “receptor do ato” e co-munidade, bem como em um maior pro-cesso restaurativo em relação ao “autor doato”; alteração da estratégia de ação comincorporação de Práticas Restaurativas emsuas ações; estabelecimento de canais decomunicação com a comunidade. A cria-ção ou fortalecimento de redes na comu-nidade, de um lado, quebra a burocracia e,de outro, estimula as organizações volta-das ao atendimento dos direitos das cri-anças e adolescentes a clarear os sentidosde sua ação e os valores que marcam suascondutas; estímulo à apropriação coletivada regra (incluindo sua possível atualiza-ção ou mudança), do diálogo e da resolu-ção de conflitos, buscando superar a apa-tia e desenvolver um sentimento de res-ponsabilidade para com os problemas co-munitários, com um maior engajamentocívico; desenvolvimento de habilidades es-pecíficas para resolução de conflitos, parauma comunicação social mais eficaz e re-alização de direitos.

Os Círculos Restaurativos, espaços de diálo-go e de resolução não-punitiva de confli-tos, por meio de Acordos definidos em con-junto pelas partes envolvidas10 buscam oatendimento dos dois primeiros eixos daconcepção de Justiça Restaurativa: a repa-ração de danos e participação dos envolvi-dos, mas também são o elemento de cone-xão entre o Sistema de Justiça e da Seguran-ça Pública com a comunidade, em um pa-pel outro daquele hoje existente. (Vide Ca-pítulo 3, em Formação de Facilitadores dePráticas Restaurativas).

Se o que estimula a violência, envolvendoadolescentes em conflito com a lei, tem umadimensão cultural e estrutural, a respostanão pode, de fato, ser pontual, mas deman-da, pelo contrário, uma atuação sistêmicaque permita reverter padrões de conduta,tanto de indivíduos como de grupos e ór-

7Justiça Restaurativa –Coletânea de Artigos;organização de CatherineSlakmon, Renato CamposPinto De Vitto e RenatoSócrates Gomes Pinto;publicado pelo Ministérioda Justiça do Brasil e oPrograma das NaçõesUnidas para oDesenvolvimento –PNUD; p. 168.

8Restoring Justice.

9Veja “As três etapas doProcesso Restaurativo”, noCapitulo 3, e também obox “Coisas que fazemoscom palavras” maisadiante – ressignificaçãodos conceitos de ofensor evítima, realizada pelosparticipantes do ProjetoJustiça e Educação,adotando-se comodesignações alternativas:“autor do ato” e “receptordo ato”.

10Nos CírculosRestaurativos, a resoluçãode conflitos não focaliza aspessoas do “receptor doato” ou do “autor do ato”,mas as causas queprovocaram os conflitos,envolvendo a comunidadena co-responsabilização,compreensão e superaçãodas mesmas.

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gãos governamentais tornando-os coope-rativos, respeitosos e inclusivos.

A base ética na qual se funda a Justiça Restau-rativa promove11: a) horizontalidade entre osenvolvidos; b) cooperação voluntária no pro-cesso; c) reconhecimento da humanidade detodos; d) reconhecimento dos anseios dosenvolvidos por valores que todos têm em co-mum; e) respeito pelas fortes emoções quepessoas vítimas de transgressões podem ex-perimentar; f) empatia para com os valoresdesconsiderados por uma transgressão; g) res-ponsabilidade de todos pelas futuras conse-qüências de transgressões; h) ações que cu-ram e restauram o valor simbólico e real doque foi perdido ou quebrado.

Abordagens restaurativasna prática

As práticas de Justiça Restaurativa sãomuito antigas e estão baseadas nas tradi-ções de muitos povos no oriente e no oci-dente. Princípios restaurativos teriammesmo caracterizado os procedimentosde justiça comunitária na maior parte dahistória dos povos do mundo. Essas tra-dições foram substituídas pelo modelodominante de Justiça Criminal tal comoo conhecemos hoje em praticamente to-das as nações modernas, o que torna es-pecialmente difícil imaginar a transpo-sição de seu paradigma. De fato, a idéiade Justiça Criminal como o equivalentede “punição” parece já assentada no sen-so comum o que é mesmo que reconhe-cer que ela já se tornou cultura12.

Segundo Belinda Hopkins, autora inglesaque vem trabalhando há dez anos no cam-po do manejo de conflitos, alternativas àviolência, mediação e justiça restaurativaem escolas13, o resgate das Práticas Res-taurativas tem início no Canadá, em 1975,

quando o primeiro modelo Restaurativode Reconciliação Vítima Ofensor foi in-troduzido no Sistema Criminal (Ontário).A partir daí, projetos semelhantes surgemao final da década de 70 nos EUA e na Eu-ropa (Áustria, Alemanha e Inglaterra).

Em 1990, surge um modelo de prática res-taurativa na Nova Zelândia – A Conferên-cia de Grupo Familiar (Family GroupConference). Esse modelo surge da necessi-dade de diminuir o número de jovens maoris(habitantes nativos do país que convivemlado a lado com os ingleses descendentes dosantigos colonizadores) nas prisões e da crí-tica maori ao Sistema de Justiça CriminalOcidental, em que o ofensor é tratado comoum indivíduo isolado. Os maoris entendemque indivíduos são produtos de seu grupo, eque a falha de um indivíduo reflete as falhasda família e da comunidade. Portanto, essessegmentos devem ser envolvidos. O tercei-ro modelo, de Conferência Restaurativa(Círculo Restaurativo), surge na Inglaterrae Gales, inspirado pelo modelo da NovaZelândia. Há ainda o modelo sul africano,aplicado ao processo de reconciliação dasociedade pós-apartheid.

Além desses modelos, inúmeros outrosvêm surgindo em diversos países, inclusi-ve na América do Sul, como é o caso daColômbia (que incluiu a previsão da justi-ça restaurativa em sua Constituição), Ar-gentina e Chile.

Depois de 30 anos de aplicação prática, comresultados positivos documentados em cen-tenas de estudos de casos e pesquisas, a per-gunta não é mais “a abordagem restaurati-va funciona?” Afinal, já se provou que elafunciona, mesmo em casos extremos comoabuso sexual e assassinato14.

De fato, experiências internacionais,como as da Nova Zelândia e da África do

11Eduardo Rezende Melo,Dominic Barter e MadzaEdnir; O Caminho de SãoCaetano.

12“Justiça Restaurativa – umcaminho para os direitoshumanos?”, Marcos Rolim,Pedro Scuro Neto, RenatoCampos Pinto de Vitto eRenato Sócrates GomesPinto, – IAJ – Instituto deAcesso a Justiça – 2004.

13“Just schools – a wholeschool approach toRestorative Justice”,Jessica KingsleyPublishers, London &Philadelphia, 2004.

14Em 28 de julho de 1999, aONU – Organização dasNações Unidas, por meiodo seu ConselhoEconômico e Social, passoua recomendar a adoção daJustiça Restaurativa porseus Estados Membros ,visando apoiar serviçosque incorporassemPráticas Restaurativas,tendo conceituado JustiçaRestaurativa como sendo“um processo através doqual todas as partesenvolvidas em um ato quecausou ofensa reúnen-separa decidir coletivamentecomo lidar com ascircunstâncias decorrentesdesse ato e suasimplicações para o futuro.

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Sul, foram bem sucedidas a ponto de nãomais se cogitar apenas uma Justiça Res-taurativa, mas também de uma Socieda-de Restaurativa15.

A pergunta é COMO fazer a Justiça Res-taurativa funcionar no Brasil, aplicandoseus princípios aos nossos diferentes con-textos históricos e culturais. É isso quecomeçamos a fazer em nosso país, a par-tir de 2003.

Justiça Restaurativa no Brasil

No Brasil, a Justiça Restaurativa foi intro-duzida formalmente em 2004, por meio doMinistério da Justiça, através de sua Secre-taria da Reforma do Judiciário, que elabo-rou o projeto “Promovendo Práticas Res-taurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”,e, juntamente com o PNUD – Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento,apoiou três projetos-piloto de Justiça Res-taurativa, sendo um deles no Estado de SãoPaulo, na Vara da Infância e da Juventude daComarca de São Caetano do Sul. Os outrosdois projetos, foram implementados noJuizado Especial Criminal do Núcleo Ban-deirantes, em Brasília/DF, e na 3ª. Vara daInfância e da Juventude de Porto Alegre/RS,com competência para executar as medi-das socioeducativas.

Cada um destes projetos-piloto, implemen-tados com base nos princípios da JustiçaRestaurativa, ganharam contornos distin-tos, fazendo uso de Práticas Restaurativasnem sempre idênticas, em face das peculia-ridades de cada Juízo, bem como da locali-dade que estava sendo implementado e, ain-da, da circunstância de se tratar de “pilo-tos”, que buscam na experimentação, a cons-trução do modelo regional e/ou nacional deJustiça Restaurativa mais adequado para asrealidades brasileiras.

A JustiçaRestaurativae a Secretariada Educaçãodo Estadode São Paulo

Em São Caetano do Sul/SP, cidade de médioporte no cenário nacional (com aproxima-damente 140 mil habitantes), ao contráriodos outros dois projetos, a implementaçãoda Justiça Restaurativa na Vara da Infânciae da Juventude iniciou-se por meio de umaparceria entre o Sistema de Justiça e o Sis-tema de Educação, firmada em 2004, comouma aposta na convergência dos objetivosde ambos: melhor contribuir na formaçãoda criança e do adolescente, e na resposta asituações de conflito e violência.

Foi elaborado, assim, o projeto “Justiça eEducação: parceria para a cidadania”, ini-cialmente envolvendo três escolas esta-duais de Ensino Médio. Com apoio doConselho Municipal das Direitos da Cri-ança e do Adolescente dessa cidade, bus-cou-se fortalecer a capacidade das esco-las envolvidas de funcionarem de manei-ra sistêmica, em rede com outras organi-zações e instituições da comunidade, emespecial o Fórum e o Conselho Tutelar,para garantir os direitos básicos das cri-anças, adolescentes e familiares.

Transcorrido um ano e meio do projeto,diante do êxito da experiência, ela foi am-pliada para as onze escolas estaduais deEnsino Médio que se localizam naquelemunicípio.

15Eduardo Rezende Melo –Manual de JustiçaRestaurativa, no prelo.

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16Consta no “Plano deTrabalho” do MEC/FNDEque: “O projeto pretenderever o conceito de Justiçae o processo que édesencadeado para lidarcom atos de violência einfração cometidos pelosjovens alunos, ao seremapreendidos pela políciaou encaminhados aoConselho Tutelar, atravésdo trinômio Justiça,Educação e Cidadania,garantindo a integraçãoentre justiça e acomunidade escolar. Estãocontempladas açõespreventivas para situaçõesque ocorrem em escolascom vistas à superação daconduta que levou àviolência, objetivandoalterar a regra ética, aspráticas jurídicas, ostermos em que pode seassentar a solidariedadesocial, trazendo, para omomento atual, novosentido no modo como seorganiza a vida social.Busca-se uma luta contra aviolência física primária.Poderá envolver alunos ouprofessores como vítimasou agressores”.

Nessa etapa da parceria entre Justiça eEducação, a responsabilidade da Secre-taria de Educação foi a de autorizar oenvolvimento da Diretoria de Ensino deS. Caetano do Sul na proposta apresenta-da pelo Juiz da Vara da Infância e da Ju-ventude. O Poder Judiciário viabilizou,por meio do PNUD-Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento, as ver-bas necessárias para a contratação deparceiros técnicos que realizaram a for-mação de facilitadores voluntários dePráticas Restaurativas (então chamadosconciliadores) e das lideranças educa-cionais que iriam acolher a inovação re-presentada pelos Círculos Restaurativos.

Em 2006, a parceria entre Justiça e Edu-cação toma um novo impulso. A Secreta-ria da Educação do Estado de São Paulorecebeu recursos – por meio da Funda-ção para o Desenvolvimento da Educa-ção – FDE e da Coordenadoria de Ensinoda Grande São Paulo – COGSP, em convê-nio com o Fundo Nacional de Desenvol-vimento e o Ministério da Educação eCultura – para que, no curso do segundosemestre, em parceria com o Poder Judi-ciário, ocorresse a implantação de Práti-cas Restaurativas em 20 (vinte) escolaspúblicas de Ensino Médio. O Projeto en-globou duas Diretorias de Ensino, capa-citando 10 (dez) educadores por escola,bem como agentes parceiros do Sistemade Justiça e da comunidade16.

A Secretaria da Educação assim justificou,para obter financiamento dessa ação, a ne-cessidade de continuar e ampliar a parce-ria com o Poder Judiciário: “Acreditandoque a violência é um fenômeno que de-corre não apenas de fatores estruturais deordem socioeconômica, mas também dedeterminantes culturais e psicossociais, aSEE-SP vem buscando formas de apoiar asescolas para que elas possam transformar-

se em espaços democráticos de constru-ção de uma cultura da não-violência e deuma educação para a sustentabilidade. Aparceria entre a Justiça e a Educação podecontribuir na realização dessa meta, des-fazendo a associação entre jovens e vio-lência, e capacitando atores sociais na es-cola e comunidade para lidar de formaprodutiva com situações de conflito en-volvendo alunos, educadores e membrosda comunidade”.

Provocada pela Secretaria da Educação, acoordenação do Centro de Estudos de Jus-tiça Restaurativa da Escola Paulista daMagistratura, que vinha avaliando a via-bilidade de se introduzirem Práticas Res-taurativas na Capital e em outras cidadesde grande porte, acelerou o processo deimplementação da Justiça Restaurativa nacidade de São Paulo e em Guarulhos/SP,resultando desta parceria o projeto: “Jus-tiça e Educação em Heliópolis e Guaru-lhos: parceria para a cidadania”.

Justiça e Educação, estendendo reciproca-mente as mãos, certamente maximizamsuas capacidades para atuar no sentidocontrário à triste realidade social que vi-vemos. As experiências anteriores de Jus-tiça Restaurativa, no Brasil e no mundo,mostram a viabilidade desta articulação,da qual dependem a própria reversão doquadro de deterioração de valores e do in-dividualismo sem limites na luta por so-brevivência, com a construção de direitosde cidadania para todos.

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2Justiça eEducaçãoO desenho do projeto em Heliópolis e Guarulhos

A compreensão da lógica do Projeto Justiçae Educação pode ser facilitada pela respos-ta a cinco perguntas:

� Quais os critérios de definição dos es-paços de implementação do Projeto?

� Qual o contexto socioeconômico dessesespaços e quais as principais dinâmicassociais presentes?

� Quais as intenções e objetivos desse Pro-jeto, tendo em vista o fortalecimento dasdinâmicas já existentes?

� Quais as responsabilidades dos parcei-ros (Secretaria da Educação / FDE e doPoder Judiciário) na realização dessas in-tenções e objetivos?

� Quais os principais eixos do Projeto ecomo se articulam?

Quais os critériosde definição dosespaços deimplementaçãodo Projeto?

Quando a Secretaria da Educação do Esta-do de São Paulo anunciou aos represen-tantes do Poder Judiciário sua intenção dedisseminar a abordagem da Justiça Res-taurativa em outras duas Diretorias de En-sino, estes precisaram tomar uma decisão,que iria ser a base das demais: em que re-giões implementar essa parceria? Era fun-damental que a implementação se fizessena Capital e na região conhecida como“Grande São Paulo”.

O critério básico era a existência de Juízesde Direito e Promotores de Justiça comconhecimento de Justiça Restaurativa e dis-postos a darem início ao Projeto.

Guarulhos imediatamente surgiu como pos-sibilidade. Afinal, desde 2003 Procedimen-tos Restaurativos começaram a ser imple-mentados na Vara da Infância e da Juventu-

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de. Além disso, medidas de gestão adminis-trativa e, principalmente, a estruturação e ofortalecimento de uma Rede de Atendimen-to haviam reduzido o número de processosem andamento, de mais de 6000, em 2004,para menos de 3100, em 2006.

A consideração de que este processo se de-senvolveu de forma positiva foi fator pre-ponderante na escolha de Guarulhos comoum dos braços do “Justiça e Educação”. Fun-damentalmente, deseja-se observar os resul-tados da implementação de Círculos e Práti-cas Restaurativas em cenário de grande ci-dade, pertencente à região metropolitana, naqual há intensos problemas sociais que tam-bém afetam profundamente os direitos dascrianças e adolescentes, mas onde há, de ou-tro lado, uma Justiça da Infância e da Juven-tude atuante, e uma Rede de Atendimentobem formada no âmbito da comunidade.

Por sua vez, o desafio de se implementar umprojeto de justiça restaurativa na capital deSão Paulo apresentou-se, inicialmente,imensurável, dada a dimensão territorial epopulacional da metrópole, bem como o frag-mentário e complexo Sistema de Justiça daInfância e da Juventude, sobre o qual estáestruturado o campo de atuação jurisdicionalda área da Infância. É uma situação bem di-versa da vivenciada pelos demais Juízos daInfância e da Juventude existentes no Estadode São Paulo, os quais concentram em umaúnica Vara Judicial todas as competênciasfragmentárias que compõem o sistema daCapital, possibilitando uma única coorde-nação administrativa e jurisdicional.

Esta fragmentação de competências, mate-rializada em estruturas administrativas di-versas e geograficamente distantes, e emequipes técnicas distintas, reflete-se na di-versidade e complexidade dos fluxos e pro-cedimentos de atendimento e encaminha-mento do adolescente em conflito com a lei.

Assim, foi necessário que ocorresse umadelimitação geográfica da área de atuaçãodo projeto para que não se perdesse naimensidão de demandas da megalópole.

A escolha da região de Heliópolis consi-derou a proximidade desta localidade coma Comarca de São Caetano do Sul/SP (cujoprojeto de Justiça Restaurativa encontra-se implementado desde 2005), possibili-tando não apenas a articulação conjuntadas duas Redes de Apoio de referidas lo-calidades, como também que ambos pro-jetos viabilizassem fluxos eprocedimentais articulados de encami-nhamento do adolescente em conflito coma lei. Um exemplo: o encaminhamento,pela Vara da Infância e da Juventude deSão Caetano do Sul, de adolescentes resi-dentes em Heliópolis, que estivessem res-pondendo a procedimento de ato infraci-onal praticados naquela Comarca, paraespaços de realização de Círculos Restau-rativos situados na comunidade Heliópo-lis (seja espaços estruturados na comuni-dade ou, sendo o adolescente aluno de umadas escolas parceiras, em espaços organi-zados nestas unidades escolares).

Espaços deintervenção

Qual o seu contexto socioeconômicoe quais as dinâmicas sociaisencontradas?

Guarulhos

Contexto econômico social

Guarulhos foi fundada no ano de 1560, peloPadre Jesuíta Manuel de Paiva, constituin-do-se inicialmente num aldeamento de ín-dios Guaru, da tribo dos Guaianazes, visan-

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do a defesa do povoado de São Paulo. Ocrescimento inicial foi impulsionado pelamineração aurífera. Durante os séculosXVII e XVIII houve estabelecimento desesmarias e o surgimento de atividade eco-nômica ligada à agricultura e à criação degado. Em 1915, chega a Guarulhos a primei-ra linha ferroviária. Na década de 40, insta-lam-se no município indústrias do setorelétrico, metalúrgico, plástico, alimentício,borracha, calçados, peças para automóveis,relógios e couros1.

A localização geográfica de Guarulhos, vin-culada com São Paulo, condicionou o seudesenvolvimento ao da Capital, gerando as-sim sistemas de vida dependentes. A inau-guração da Rodovia Presidente Dutra (BR-116) em 1952, que liga São Paulo e Rio deJaneiro (à época Capital Federal), impul-sionou Guarulhos para tomar a atual con-figuração de cidade grande. Mas o forteaumento na atividade industrial, a partirde então, levou ao crescimento urbanodesordenado2.

Nesta mesma direção, foi inaugurado em1985, o Aeroporto Internacional, que contacom o maior terminal de cargas da Améri-ca do Sul3. Por Guarulhos também passamas Rodovias Fernão Dias (BR-381) e dosTrabalhadores (atual Ayrton Senna – SP-70).

Segundo dados do IBGE4, a população deGuarulhos estimada em 2005 era de 1.251.179habitantes, concentrados numa área de318km2. A população de crianças e adoles-centes é de 377.5665. O rendimento médiodo cidadão é de R$ 753,82. Em 2004, para oEnsino Médio, havia 85 escolas estaduais.

Constitui-se em município provido degrandes contingentes populacionais viven-do em situação de carência e miséria. Den-tre as famílias, 7,4% estão abaixo da linhade pobreza, sobrevivendo com renda men-

sal inferior a meio salário mínimo6. Dadosdo Censo realizado pelo IBGE no ano de1996 mostram que a população vivendo emfavelas era da ordem de 16,4% do total. Pes-quisa realizada na cidade de Guarulhos,aprovada pela gestão 2000/2002, do Conse-lho Municipal dos Direitos da Criança e doAdolescente, revelou que apenas 64,3% dashabitações eram construídas em alvenariae possuíam acabamento. A média de filhosfalecidos em cada grupo familiar era de 1,87.

A mesma pesquisa revelou que 19,9% dasmães não gostam da escola freqüentadapelos filhos. O principal motivo apresenta-do é a violência (67,5%)8.

A precariedade social verificada em Gua-rulhos dá-se, sobretudo, em função do cres-cimento urbano rápido e desordenado,ocorrido nas últimas décadas, que gerou egera substanciais dificuldades do apare-lhamento público para o atendimento dosmais pobres. Dados do IBGE sistematiza-dos pela Prefeitura de Guarulhos mostramque a taxa de Crescimento demográficoentre as décadas de 40 e 70 sempre esteveacima de 8% (na década de 60 chegou aopatamar de 11,05%). A partir da década de80, o crescimento veio diminuindo, e, em2006, foi calculado em 2,56%. Mas este per-centual ainda é muito alto para as condi-ções de baixo desenvolvimento existentes,e a situação persiste ante a inoperância doPoder Público em promover o esclareci-mento da população para a importânciado planejamento familiar e do exercícioda paternidade responsável9.

Comentando os percentuais de crianças eadolescente com acesso a bebidas, cigarrose drogas (14,5%), e a idade média de conta-to com substâncias nocivas à saúde (12,78anos), assim como o envolvimento de cri-anças e adolescentes na aquisição de ar-mas, munições e explosivos (5,7%), refe-

1Dados colhidos doRelatório Diagnóstico doMunicípio de Guarulhos,elaborado pela Secretariada Assistência Social doMunicípio e encaminhadoao Comitê Gestor da RedeSocial São Paulo; dezembrode 2006.

2Idem

3http://www.infraero.gov.br/aero_prev_home.php?ai=43

4http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1.

5Censo IBGE 2000.

6Seade – 2000.

7Mapa da Criança e doAdolescente de Guarulhos;Centro Social da ParóquiaSanto Alberto Magno;Prefeitura do Município deGuarulhos; ed. Iangraf;2000/2002; p. 25 e 45.

8Idem p. 51.

9http://www.guarulhos.sp.gov.br/05_cidade/estatisticas/dinamica_dem_guarulhos.xls

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rem Aparecida Marques Munhoz e Janetedas Graças Reis, Assistentes Sociais da Varada Infância e da Juventude de Guarulhos:“Em nossa prática profissional vemosestarrecidas, em muitos casos, que a opres-são social e a miséria material levam ao es-morecimento das relações conjugais e fili-ais, sendo a família relegada a umnucleamento acéfalo e sem vida. Acredita-mos no potencial transformador que têmnossas crianças e jovens de gerar um tem-po de convivência solidária, e pensamos queos órgãos públicos e as organizações não-governamentais têm o papel decisivo dedeflagrar uma rede de trabalhos articula-dos que poderão alterar os dados que oranos são apresentados nesta pesquisa”10.

A dimensão do comprometimento socialpode ser aquilatada pelo índice de mortali-dade na população de 15 a 34 anos de idade,que é 172/100.000 habitantes, contra 19/100.000 para o faixa etária de 1 a 5 anos11.

Dinâmicas sociais presentes

O movimento social em defesa dos direitosda criança e do adolescente tem significa-tiva expressão em Guarulhos.

Já na III Conferência Municipal dos Direi-tos da Criança e do Adolescente, realizadaem 2001, foram apresentadas pelos grupostemáticos, e aprovadas em plenária, pro-postas12 visando apoiar as escolas no com-bate e prevenção à violência, como:

� criação de projetos de incentivo à famí-lia/escola;

� criação de núcleo de estudos sobre vio-lência, formado por psicólogos, pedago-gos, professores, pais, Conselhos, Asso-ciação de Pais e Mestres, Secretaria Mu-nicipal da Educação, a fim de orientar acomunidade escolar;

� realização de campanhas de prevençãoao uso indevido de drogas nas unidadesescolares pela Secretaria Municipal daEducação;

� capacitação de jovens para que estes fos-sem multiplicadores de formação e in-formação nas escolas;

� criação de projeto de combate à violên-cia nas escolas, oferecendo cursos paraas comunidades.

A partir de 2003, a Vara da Infância e da Ju-ventude intensifica sua interação com a co-munidade Guarulhense, assumindo um pa-pel proativo em busca de melhorias na qua-lidade dos serviços prestados à população.

Exemplos dessa nova postura foram a criaçãodo Projeto de Mediação, descrito a seguir, e oProjeto de Formação de Rede (Veja p. 64)

Mediação em Guarulhos

O “Projeto de Mediação da Vara da Infân-cia e da Juventude de Guarulhos – Parce-ria com as Faculdades Integradas de Gua-rulhos (FIG)”13, aprovado pelo Tribunal deJustiça, inicialmente, pelo período experi-mental de um ano, consistiu na capacita-ção de grupos de mediadores voluntários,para atuar nas causas processuais da Varada Infância versando sobre: 1) atos infra-cionais de natureza leve; e 2) conflitos fa-miliares.

O projeto, iniciado em outubro de 2003,formou, na primeira capacitação, um gru-po de 20 mediadores (selecionados entreprofessores da faculdade, ex-alunos, oupessoas de reconhecida capacidade e for-mação intelectual), vindos das áreas doDireito, Psicologia, Assistência Social ePedagogia14. A instituição de ensino for-nece o espaço físico, com os recursos ma-teriais e humanos necessários ao funcio-

10Mapa da Criança e doAdolescente de Guarulhos;Centro Social da ParóquiaSanto Alberto Magno;Prefeitura do Município deGuarulhos; ed. Iangraf;2000/2002; p. 56 e 57.

11Seade – 2004.

12Relatório Final da IIIConferência Municipal dosDireitos da Criança e doAdolescente (cidade deGuarulhos), elaborado peloConselho Municipal dosDireitos da Criança e doAdolescente (CMDCA);agosto de 2001.

13Atualmente, as FIG foramalçadas pelo Ministério daEducação à condição deCentro Universitário,passando a denominar-se“Centro UniversitárioMetropolitano de SãoPaulo – UNIMESP”.

14Hoje, após a capacitação detrês grupos de voluntários,o número de mediadoresefetivamente atuantes é deaproximadamente 40.

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namento. Ao Judiciário incumbe a capa-citação em mediação, compreendida comoforma de resolução alternativa de confli-tos, de acordo com técnicas internacio-nalmente reconhecidas, padrões de cargahorária e condutas éticas.

Logo se verificou que a estrutura montadaera de dimensões significativamente maio-res do que o necessário para dar conta doscasos da Vara da Infância e da Juventude tão-somente, e o projeto então foi ampliado paraatender às dez Varas Cíveis locais, que à épo-ca eram as competentes para julgar os casosreferentes ao Direito de Família15.

Desde a concepção, o projeto de mediaçãojá tinha o enfoque das Práticas Restaurati-vas, especialmente no que tange aos atosinfracionais de natureza leve, nos quais serealizava a mediação entre vítima eofensor16.

Passado o período experimental, e consta-tada a eficiência do sistema implementa-do, o projeto foi aprovado pelo Tribunal deJustiça para funcionar em caráter definiti-vo, com a celebração de convênio entre oJudiciário Estadual e a Instituição de Ensi-no, ocorrida em outubro de 2006, passandoo aparelhamento a denominar-se “Setor deMediação de Guarulhos”17.

Desde a inauguração, já passaram pelo Se-tor mais de 1000 processos; o índice mé-dio de Acordos nas mediações realizadasé de aproximadamente 85% (nos casos re-ferentes a atos infracionais o índice é su-perior a 90%); e dentre as pessoas atendi-das, mais de 90% se dizem satisfeitas oumuito satisfeitas.

Heliópolis

Contexto econômico social

A região de Heliópolis engloba os bairrosde Heliópolis, Vila Nova Heliópolis, CidadeNova Heliópolis e Ilha Heliópolis, localiza-da na região sudeste de São Paulo, naSubprefeitura do Ipiranga – tida por mui-tos como a maior favela da cidade de SãoPaulo (com cerca de 1 milhão de metrosquadrados e por volta de 120 mil habitan-tes, 51% deles crianças e adolescentes).

Heliópolis teve origem em 1971, quando aPrefeitura resolveu desalojar 102 famíliasda favela de Vila Prudente para a constru-ção de um viaduto sobre o rio Tamanduateí.As famílias foram alojadas num terreno doantigo IAPAS, agora de propriedade daCohab. O que deveria ser um assentamentoprovisório cresceu rapidamente, e de for-ma incontrolável, alimentado pela ação degrileiros, que se instalaram na área e passa-ram a vender os lotes.

A maioria das habitações, embora aindanão legalizadas, não são barracos, masconstruções de tijolo e concreto, dispostasem ruelas estreitas e tortuosas. As casas eruas de Heliópolis, de modo geral, dispõemde água, luz e esgoto, e as ruas têm calça-mento. O emprego escasseia e 80% dosmoradores sobrevivem com renda de uma três salários mínimos; os demais, commenos que isso.

A região conta com todo tipo de comércio.São 2,6 mil estabelecimentos comerciais,funcionando, salvo uma ou outra exceção,irregularmente, sem CNPJ ou inscrição:açougues, livrarias, salões de beleza; pet-shops, lan-houses e cerca de mil bares. Umpequeno shopping center, com 12 lojas estáinstalado no local, bem como revendas demotos da Honda e Yamaha.

15Em dezembro de 2005, oscasos de Direito deFamília passaram a serprocessados e julgadospelas seis Varas de Famíliaque naquele momentoforam instaladas.

16Deve ser salientado quetanto mediação quantoCírculos Restaurativos sãoformas de soluçãoalternativa de conflitos, ehá muitas semelhançasentre elas, mas tambémdistinções. Entre as maissignificantes é aparticipação ativa dacomunidade ao longo doprocesso. Outra é arealização da seqüênciaintegrada – Pré-Círculo,Círculo e Pós-Círculo –sem parâmetros paralelosnecessários na mediação.

17O convênio respeita asdisposições doProvimento n.º 953/05, doE. Conselho Superior daMagistratura.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania24

Quanto a equipamentos sociais, há esco-las públicas estaduais e municipais, umhospital, um posto de saúde e um distritopolicial.

A Prefeitura vem legalizando diversas mo-radias na região.

Dinâmicas sociais presentes

A organização dos moradores de Heliópolisé o motivo das melhorias presentes no local.

Como exemplo, citamos a UNAS (Uniãode Núcleos, Associações e Sociedades dosMoradores de Heliópolis e São JoãoClímaco). Nascida na década de 70, é hojeo órgão mais atuante da região. Começoureivindicando a posse das áreas ocupadas,e depois ampliou sua ação, por meio deparcerias com a iniciativa privada. Issopermitiu às lideranças comunitárias de-senvolver no local projetos nas áreas deeducação, tecnologia, cultura, esporte, saú-de, habitação, geração de renda e assistên-cia social. A UNAS é constituída por umadiretoria eleita pelos próprios moradores.

Dentre as realizações das parcerias promo-vidas pela UNAS, contam-se a instalação,em Heliópolis, de:

� Núcleos Socioeducativos;

� Centros de Educação Infantil;

� creches; e

� lavanderia comunitária.

Além disso, foram criados Programas vi-sando:

� atendimento jurídico;

� alfabetização de adultos;

� prevenção do uso indevido de drogas;

� prevenção da gravidez não planejada;

� mediação de conflitos;

� inclusão digital;

� apoio aos sem-teto; e

� apoio a jovens infratores.

Exemplos de outras conquistas, fruto deparcerias e articulações, empreendidas pe-los representantes da sociedade organiza-da em Heliópolis:

ArquiteturaRuy Ohtake, um dos mais importantes ar-quitetos brasileiros deixou uma das ruasprincipais de Heliópolis mais alegre e colo-rida, com pinturas em todas as casas.

Rádio HeliópolisNascida da idéia de dialogar com a comuni-dade e tirar os moradores da favela da passi-vidade e os tornarem atores na transforma-ção de sua realidade, foi criada a rádio He-liópolis, patrocinada pelo Itaú Cultural, con-tando com a parceria da empresa de comu-nicação Oboré. A Rádio Oficina capacitouos locutores gratuitamente e promove cur-sos pagos na área. Em uma das atividades dasua programação está um horário destinadoà Faculdade de Saúde Pública, o qual, com ointuito de conscientizar a população, abordadiversos tipos de doenças, como evitá-las ecomo tratá-las.

Programa de TV.Foram capacitados 10 adolescentes entre 14e 19 anos para criar o primeiro programa detevê voltado à população de Heliópolis, comapoio da Universidade Metodista de São Pau-lo (Metodista) – representada por oito alu-nos de Jornalismo – e da UNAS.

BibliotecaGraças à iniciativa do pastor CarlosAltheman, uma prisão desativada foi con-vertida em biblioteca. O espaço é hoje fre-qüentado por 600 alunos, que recebem gra-tuitamente aulas de inglês e computação,além de reforço escolar.

Posto de policiamento comunitárioO pastor Carlos Altheman também coor-denou as demandas por mais segurança, e,

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juntamente com os Líderes locais ajudarama formar policiais capazes de atuar na fave-la respeitando seus moradores.

Instituto BaccarelliIniciativa do renomado músico internacio-nal, Maestro Bacarelli, esse Instituto ofereceinstrução musical a 500 crianças e jovens deHeliópolis e cercanias. Funcionando nas an-tigas instalações de uma fábrica de sucos, oInstituto gerencia a Sinfônica Heliópolis(prática orquestral), a Orquestra do Ama-nhã (iniciação e aprimoramento em estu-dos de instrumentos), o Coral da Gente (ini-ciação e aperfeiçoamento em canto coral etécnicas de expressão cênica) e o projetoEncantar na Escola (iniciação em canto co-ral aplicado em escolas da rede pública).

Além de conquistar parceiros na iniciativaprivada, Heliópolis também conta com alia-dos na área governamental. Dois exemplos:

Escola Municipal PresidenteCampos SallesDirigida por Braz Rodrigues Nogueira, temcomo objetivo transformar o entorno daescola em um espaço educativo e atuar combase em parcerias para ampliar as oportu-nidades oferecidas a seus alunos.

Programa Agente JovemFinanciado pelo Governo Federal, com oacompanhamento da Secretaria Municipalde Assistência Social, por meio de seu es-critório no IPIRANGA, o Programa AgenteJovem atende a 100 adolescentes da comu-nidade entre 16 e 18 anos, com uma bolsamensal de 65 reais, formando-os para atua-rem como agentes sociais e trabalharem emprol da melhoria dos problemas locais.

Todos os projetos e programas menciona-dos, segundo a UNAS, atendem apenas a umaparcela insignificante das crianças e jovensque lá habitam. O site da entidade alerta:

“Heliópolis é um local totalmente carenteapesar de organizado, e que também estásubmetido às questões ligadas à violência,ao tráfico de drogas, ao crime organizado e,o mais grave, à desestrutura familiar e aodesemprego em maior proporção. Portan-to, é muito carente e precisa de muito in-vestimento público, privado e institucionalpara que possamos gradativamente mudara realidade desta comunidade”.

Outros projetos sociais e ações são desen-volvidos na região, por inúmeras organiza-ções não-governamentais, como a Funda-ção Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga– FUNSAI e o Projeto Refazendo Vínculos,Valores e Atitudes, cujos responsáveis fo-ram também capacitados para atuaremcomo facilitadores restaurativos. Tambémexiste, na região do Ipiranga, um ConselhoTutelar efetivamente atuante.

De acordo com matéria publicada pelo jor-nalista Gilberto Dimenstein em seu site, emjaneiro de 2005, devido a essa efervescênciacultural e social em Heliópolis, a taxa deassassinatos havia caído, em quatro anos,pela metade. “Uma comparação entre osmeses de janeiro a maio de 2001 e o mesmoperíodo deste ano revela uma redução de pre-cisamente 49% nos índices de violência”.

Contudo, apesar da expressiva diminuiçãodo índice violência, o mesmo ainda per-manece elevado. A região ainda convivecom diversos contextos violentos e situa-ções de pobreza e miséria, sendopreocupante o quadro de vulnerabilidadeem que está inserido.

Assim, para superar a situação de risco emque vivem os adolescente de Heliópolis18,não basta a existência dessas diversas ini-ciativas sociais promovidas no local, porinúmeras organizações não governamen-tais: é preciso articulá-las, possibilitando

18Segundo dados do Censo2000 do IBGE, há cerca de100 mil famílias naregião de Heliópolis. Estapopulação é, em suamaioria, uma populaçãojovem. Cerca de 50% doshabitantes se encontramna faixa etária entre 0 e21 anos.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania26

uma intervenção a médio prazo que possacontribuir para a universalização dos di-reitos de cidadania dessa população.

Intençõese objetivosQuais as intenções e os objetivos desseProjeto, tendo em vista o fortalecimentodas dinâmicas já existentes?

Diante da realidade das duas regiões, o quepretende o “Justiça e Educação em Helió-polis e Guarulhos: parceria para a cidada-nia”? Qual é a intervenção proposta nas di-nâmicas sociais presentes e que valor sepretende agregar a elas?

O Projeto Justiça e Educação tem como vi-são contribuir para a transformação de es-colas e comunidades, que vivenciam situa-ções de violência, em espaços de diálogo eresolução pacífica de conflitos, por meioda colaboração entre os Sistemas Judiciá-rio e Educacional, do trabalho com a Redede Apoio e da parceria com a comunidade.Por tanto, um dos maiores ganhos desta pro-posta é a parceria entre Sistemas Judiciárioe Educacional. O que se busca é tornar aJustiça mais educativa e a educação maisjusta. Para tanto, estimula-se o entendimentode que as ações educativas extrapolam oâmbito da escola, são sugeridos procedi-mentos que facilitam a atuação de formasistêmica e as manifestações de violênciasão investigadas a partir de suas causas, oque aumenta a possibilidade de se reverte-rem tais manifestações. Essa investigação éfunção tanto da educação como da justiça,respeitando suas especificidades técnicas,e tendo em vista a realização do que estáprevisto no ECA (vide box).

O objetivo geral do Projeto, no períodode agosto de 2006 a dezembro de 2006,era o seguinte:

Capacitar, em aproximadamente 100 ho-ras, em parceria com agentes da Justiça –Juízes e Conselheiros de Direitos e Tutela-res e Diretorias de Ensino – 200 educado-res, alunos e outros membros de comuni-dades escolares de duas Diretorias de En-sino da COGSP / SEE-SP, responsáveis, res-pectivamente, pelo bairro de Heliópolis, nacidade de São Paulo, e pela cidade de Gua-rulhos, Grande São Paulo, para queimplementassem Círculos Restaurativosnas escolas e em outros espaços. Esta ca-pacitação deveria contribuir para que asunidades escolares envolvidas se transfor-massem em espaços seguros e democráti-cos de diálogo, aprendizagem e resoluçãode conflitos, atuando em parceria com jo-vens/alunos protagonistas, famílias, insti-tuições e organizações governamentais enão governamentais da sua Rede de Apoioe outros atores sociais presentes na co-munidade.

Para alcançá-lo, os coordenadores do Pro-jeto se propuseram a:

� Preparar, em cada uma das escolas deEnsino Médio dos municípios de SãoPaulo (Heliópolis) e Guarulhos que vo-luntariamente se inscrevessem no pro-jeto, cinco lideranças educacionais (di-retor ou vice-diretor, coordenador pe-dagógico, representante de professores,representante de alunos (de preferên-cia ligado ao Grêmio) e representantede familiares dos alunos), e pelo menosdois supervisores e/ou assistentes téc-nico-pedagógicos em cada uma dasDiretorias de Ensino, para que pudes-sem apoiar a implementação de Círcu-los Restaurativos nas unidades escola-res, garantindo espaço e tempo para oseu funcionamento, bem como as con-

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O Estatuto da Criança e do Adolescente, ape-sar de todos os avanços que a nova legisla-ção proporcionou no campo da Infância e daJuventude, consubstanciados num conjunto deesforços de articulação política-instucional,gestão operacional e fundamentação teórica,verifica-se que ainda se encontram distantesdas promessas de justiça e dignidade na áreada Infância e da Juventude preconizadas emmencionado diploma legal, havendo muito parase caminhar.

Inúmeras são as circunstâncias políticas einstitucionais que contribuem para este qua-dro, que vão desde políticas públicas, quereforçam a estigmatização do adolescenteem conflito com a lei, até a fragmentação eburocratização dos serviços que integram oSistema da Infância e da Juventude.

Além deste contexto, percebe-se que, a nãoabsorção integral do novo paradigma promo-vido pelo Estatuto da Criança e do Adoles-cente – ECA no sistema tradicional de Justiçae nas suas respectivas práticas.O impactocultural gerado pela nova legislação, acabapor retroalimentar percepções equivocadasdo novo sistema legislativo, sobremaneira namídia e na opinião pública, que se prestamapenas para reforçar a insegurança social,na medida em que descontextualizam esupervalorizarem a delinqüência juvenil, pas-sando a impressão de inexistência de um sis-tema de responsabilização aos autores deatos infracionais. São freqüentes, ainda, osmovimentos de redução da idade penal, comorevela pesquisa realizada recentemente peloperiódico Estado de São Paulo e o Ibope, queconstatou que 85% da população paulistaapóia a redução da maioridade.19

Para o enfrentamento destas questões, nabusca da efetivação dos princípios do ECA,as práticas institucionais, sociais e profissio-nais devem se nortear pelo princípio das res-ponsabilidades partilhadas. Sua realização deforma descentralizada e em uma perspectivade rede, possibilita que as intervenções nes-te campo sejam construídas de modointeristitucional e articulado.

Colocando o ECA em prática

Mostra-se prioritário também que, na cons-trução do processo de responsabilização,a jurisdição ao ser prestada considere ossignificados que emergem da experiênciasocial dos sujeitos.20

Com a Justiça Restaurativa, o processo sai dasuperficialidade, o conflito passa a ser exami-nado minuciosamente por meio de um proces-so cooperativo, envolvendo todas as partesinteressadas numa vivência restauradora.

O novo modelo tem como elemento essenci-al suprir as necessidades emocionais e ma-teriais daqueles que receberam o ato ofen-sivo, bem como levar o adolescente autordo ato ofensivo a assumir a plena respon-sabilidade por ele, mediante compromissoconcreto. Além disso, busca engajar o mai-or número de pessoas relacionadas ao con-flito no enfrentamento das causas que ogeraram.

Constrói-se assim, no desenrolar do pró-prio processo, o caminho da humanizaçãoe pacificação das relações sociais existen-tes num conflito, com vistas à redução doimpacto da violência sobre os cidadãos, pormeio de uma experiência enriquecedora paratodos. Nos deparamos assim com uma di-nâmica que humaniza as relações sociais,a serviço da vida.

Constata-se que os princípios e as práticasda Justiça Restaurativa são úteis e neces-sários ao envolvimento e empoderamentode crianças, adolescentes, bem como suasfamílias e comunidades, na resolução de si-tuações de conflito, constituindo em uma po-derosa via de efetivação do Estatuto da Cri-ança e do Adolescente.

É na busca de construção de ações efica-zes para a afirmação de valores que possi-bilitem a efetiva implementação do ECA, aten-dendo as necessidades de pertencimento ecidadania dos adolescentes em conflito coma lei, que se construiu o projeto: “Justiça eEducação em Heliópolis e Guarulhos: par-ceria para a cidadania”.

19O Estado de São Paulo, p.C1; 02.08.2006.

20Leoberto Brancher eBeatriz Aguinsky –“Juventude, Crime &Justiça: uma promessaimpagável”(www.justica21.org.br).

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania28

dições organizacionais necessárias paraque essa inovação possa incorporar-seao Projeto Político-Pedagógico da es-cola e fortalecê-lo.

� Formar, em cada uma de aproximada-mente 20 escolas, um grupo de cerca decinco facilitadores de Práticas Restau-rativas escolhidos dentre voluntários dacomunidade (jovens, pais e mães de alu-nos, porteiros, merendeiras, inspetoresde alunos, estudantes universitários,aposentados, professores, especialistasem educação, assistentes sociais, advo-gados, psicólogos, por exemplo) paraconduzir Círculos Restaurativos no es-paço escolar.

� Formar dez facilitadores da Justiça li-gados às Varas da Infância e da Juventu-de de São Paulo e Guarulhos, escolhidosentre conselheiros tutelares, conselhei-ros de direitos, assistentes sociais, pro-fissionais do direito, e ONGs para reali-zar Círculos Restaurativos no espaço doFórum ou de outras entidades, com basenas mesmas dinâmicas descritas nascapacitações, quando esses adolescen-tes não forem oriundos da cidade ounão estiverem matriculados nas esco-las participantes.

� Incentivar juízes, promotores, conselhei-ros de direito e tutelares e técnicos dasVaras da Infância e da Juventude da Capi-tal e Guarulhos a refletir sobre o seu papel,visando ampliar a postura inclusiva eparticipativa na resolução de conflitos deadolescentes em conflito com a lei, enca-minhando-os a Círculos Restaurativoscom envolvimento comunitário e aco-lhendo os Planos de Ação construídos.

� Oferecer instrumentos a diferentes or-ganizações e segmentos das comuni-dades de Heliópolis e Guarulhos, paraque pudessem cooperar na criação deambientes seguros para alunos, edu-cadores e famílias, por meio de encon-tros com representantes do judiciário,

da Rede de Atendimento à criança eadolescente e da comunidade em ge-ral para, no máximo 100 pessoas decada município, mobilizando a comu-nidade para a resolução de seus con-flitos e para assunção de um papelproativo na transformação de suascausas em oportunidades para umamudança social.

ResponsabilidadesQuais as responsabilidades dosparceiros (Secretaria da Educação doEstado de São Paulo / FDE e PoderJudiciário) na realização dessasintenções e objetivos?

Na parceria Justiça e Educação, os dois par-ceiros uniram suas forças na realização dasintenções e objetivos do Projeto. Vejamoscomo ficou a divisão de responsabilidades:

Poder JudiciárioVaras da Infância e da Juventude

� Selecionar as regiões e Varas Judiciáriaspara implementação do Projeto.

� Autorizar os Juízes a utilizar seu tempo,ou parte dele, nos procedimentos neces-sários ao apoio às escolas e articulaçãoda Rede de Atendimento.

� Disponibilizar a tecnologia social refe-rente à Justiça Restaurativa.

� Interagir e cooperar com os demaisformadores, responsáveis pela capaci-tação dos facilitadores de PráticasRestaurativas que iriam operar os Cír-culos Restaurativos e das liderançaseducacionais que iriam acolher os Cír-culos em suas escolas (veja box).

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Os responsáveis pela formação de facilitadores dePráticas Restaurativas e de Lideranças Educacionais

Centro Internacional de Comunicação Não-Violenta / CNVBrasil

O CNVBrasil – Centro Internacional de Comunicação Não-Violenta é umaorganização internacional, não lucrativa, dedicada à construção da paz. Sua visão é ummundo onde todas as pessoas possam ter suas necessidades atendidas e resolver confli-tos de modo pacífico. Por meio de materiais, treinamentos e consultoria organizacional, criaredes e apóia comunidades que possam contribuir para avanços em economia, educação,justiça, saúde e construção da paz.

O CNVC foi fundado em 1984, por Marshall Rosenberg, que originalmente desenvolveu aComunicação Não-Violenta no contexto da violência sistêmica nas escolas, e suas seqüe-las intra-pessoais, inter-pessoais e sociais. É atualmente ativa em 65 países.

Em 2002, Dominic Barter, diretor do Projeto de Justiça Restaurativa para o CNVC, fundou oCNVBrasil. Desde 2003, organiza conferências, treinamentos, projetos e práticas que pro-movem a Justiça Restaurativa, usando o modelo aplicado nos projetos-piloto de Porto Alegre,São Caetano do Sul, Heliópolis e Guarulhos.

Vania Curi Yazbek

Psicóloga Clínica e Mediadora, sócia-fundadora e responsável pela implementação do setorde mediação do Instituto FAMILIAE21, especialista em coordenar Projetos de Capacitação emPráticas de Resolução de Conflitos numa abordagem construcionista social, com foco navisão transformativa das relações; coordenou a capacitação de facilitadores comunitáriosdo Projeto de Justiça Restaurativa, de São Caetano do Sul, São Paulo.

Centro de Criação de Imagem Popular

O CECIP, fundado em 1986, é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, quevisa democratizar o acesso a informações qualificadas, contribuindo para a construção deum país justo e de uma cidadania consciente, ativa e participativa. Para tanto, produz mate-riais educativos e capacita agentes sociais, valorizando a cultura brasileira e contribuindopara a definição de políticas públicas que atendam a demandas da sociedade.

As ações de capacitação do CECIP, inspiradas em Paulo Freire, contam com a parceria doAPS International – Centro pelo Aperfeiçoamento das Escolas, uma instituição com sede naHolanda, que atua em sistemas escolares na Europa, Ásia, África e Américas. Por meiodelas, estimula-se a construção da autonomia de comunidades educativas, a formação degrupos colaborativos, a priorização de problemas e o planejamento para a ação.

Na realização do Projeto “Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para acidadania ”, o papel do CECIP foi, além de coordenar o eixo “Apoio a Mudanças nas Escolas”,gerenciar, por delegação da FDE, os recursos e ações.

21Instituto FAMILIAE é umaassociação sem finslucrativos, com a missãode atuar na comunidadeconstruindo contextossociais, que possibilitemao indivíduo reconstruirsuas relações e a si mesmo,visando uma participaçãosocial transformadora.Desde 1991, dedica-se àformação de profissionaisem práticas da clínicasistêmica, sob o enfoqueconstrucionista social, nasáreas de Terapia Familiar eMediação Transformativa--reflexiva.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania30

Poder ExecutivoSecretaria da Educação / Fundaçãopara o Desenvolvimento da Educação

� Captar as verbas necessárias ao projeto.

� Supervisionar, monitorar e avaliar a ges-tão financeira e pedagógica do Projeto.

� Consultar as Diretorias de Ensino cor-respondentes às Comarcas definidas peloJudiciário, verificando seu interesse naimplementação do Projeto.

� Assegurar tempo, espaço, equipamentos,convocação de pessoal, para a realizaçãode encontros, seminários e oficinas.

� Promover a articulação entre esse Proje-to e o Programa Comunidade Presente.

� Estimular a integração do Projeto aoProjeto Político-Pedagógico das escolas

� Estimular a cooperação de seus técnicose especialistas com os responsáveis pelaformação de facilitadores de PráticasRestaurativas e de lideranças educacio-nais, no planejamento e implementaçãode atividades e materiais.

Os eixos doprojeto e suaarticulaçãoPara realizar seus objetivos, o Projeto quese desenvolveu em Heliópolis e Guarulhosfixou, como eixo central, a aprendizagemdos Procedimentos Restaurativos por par-te de facilitadores voluntários que iriamoperar os Círculos Restaurativos nas esco-las, no Fórum e na comunidade.

Em torno desse eixo, giravam os outros dois:

� implementação de mudanças instituci-onais e educacionais nas escolas e nasVaras da Infância e da Juventude, possi-bilitando as condições físicas e organi-zacionais de implementação dos Círcu-los, e a disseminação da proposta junto acomunidades, agentes do Sistema Edu-cacional e Judiciário;

� fortalecimento da Rede de Apoio, ouseja,da articulação entre as entidades deatendimento aos direitos das crianças eadolescentes, para as quais serão enca-minhados os casos dos Círculos Restau-rativos, sempre que o conflito tiver sidocausado por falta de atendimento a di-reitos e necessidades básicas do cida-dão e da cidadã.

No Capítulo 3, Modo de Fazer I e II, asaprendizagens dos Procedimentos Restau-rativos; o apoio à mudanças nas escolas enas instituições do judiciário e na comu-nidade; e o fortalecimento da Rede deAtendimento serão amplamente detalha-dos, apresentando as ações implementa-das no Projeto.

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3 | Modo de Fazer I 31

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1. Equipe da DiretoriaGuarulhos Norte como Juiz Daniel Issler;

2. Juiz Egberto A. Penido;

3. Juiz Daniel Issler;

4. Uyara Schimittd e oJuiz Egberto A. Penido;

5. Promotora LucianaBergamoTchorbadjian;

6. Monica Mumme;

7. Vania Curi Yazbek;

8. Maria Isabel Faria;

9. Jurema Reis CorrêaPanza;

10. Dominic Barter;

11. Sheila Bazarim;

12. Oficina deFacilitadores dePráticas Restaurativasem Guarulhos;

13. Ariovaldo da SilvaStella;

14. Madza Ednir;

15. Oficina deFacilitadores dePráticas Restaurativasem Heliópolis.

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2 | Justiça e Educação 31

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania32

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A parceria fundamentou-se em princípioscomuns e em uma concepção de Justiça Res-taurativa que, além de reparar danos sofri-dos pelas partes afetadas por conflitos, pro-move a participação de todos na construçãoda Justiça e, por conseguinte, contribui paraa mudança de papéis governamentais e parao fortalecimento de redes comunitárias.

Entre agosto de 2006 e março de 2007, ela sematerializou no Projeto “Justiça e Educa-ção em Heliópolis e Guarulhos: parceriapara a cidadania”, cujo “modo de fazer” des-creveremos nas páginas seguintes1:

� contatos iniciais entre os parceiros fo-ram realizados;

� agentes sociais nas escolas, Fóruns e co-munidades foram mobilizados;

� facilitadores de Práticas Restaurativasforam preparados para operar os Círcu-los Restaurativos;

Na comunidade de Heliópolis (SP/Capital) e no município de Guaru-lhos, Grande São Paulo, educadores e juízes decidiram unir-se para ini-ciar uma parceria pela cidadania, que pudesse aperfeiçoar as escolaspúblicas e as Varas da Infância e da Juventude, visando combater a violên-cia que impede o desenvolvimento do potencial de crianças e jovens.

Modo de Fazer IComo Guarulhos e Heliópolis começaram a criar etrilhar seu próprio caminho Restaurativo

� lideranças escolares foram preparadaspara acolher os Círculos Restaurativosem suas unidades e para comunicar aprofessores, alunos e familiares a exis-tência de uma estratégia alternativa dese lidar com o conflito;

� equipes das Varas da Infância e da Ju-ventude foram preparadas para aco-lher a abordagem restaurativa;

� as comunidades foram envolvidas naaprendizagem de uma nova forma delidar com o conflito;

� redes de órgãos e instituições de aten-dimento aos direitos da criança e doadolescente foram formadas e conso-lidadas;

� fluxos de procedimentos, tendo no seucentro o Círculo Restaurativo, foramtestados e implementados pelas lide-ranças escolares, equipes das Varas,membros das comunidades e redes deatendimento.

1 A “costura” da parceriaJustiça e Educação e aelaboração do projetoocorreu em agosto de2006. As ações nas escolas,Fórum e comunidades sedesenrolaram de setembroa dezembro, sendointerrompidas nas escolasem meados de dezembro afevereiro, devido às férias.Em 2007, foram realizadosa sistematização doprocesso e o Fórum Justiçae Educação, em 27 de abril,para a discussão dosresultados do projeto.(ver p.122)

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3 | Modo de Fazer I 33

Todas essas ações construíram as bases deum processo que, para firmar-se e frutificar,deveria ter continuidade. Com o prossegui-mento do trabalho iniciado em 2006, os agen-tes sociais na escola e no Sistema Judiciáriopuderam, gradativamente, passar a interagircomo aliados na construção de uma culturade paz em comunidades justas.

Articulaçõese parceriaisO projeto “Justiça e Educação” traz, no pró-prio nome, a promessa de uma parceria en-tre o Sistema de Justiça e o Sistema de Edu-cação, com o objetivo de fortalecer a cidada-nia de todos, em escolas e comunidades maisinclusivas e seguras. Antonio Carlos Gomesda Costa define parceria como: “relação deinterdependência e complementaridadeoperacional, técnica ou financeira, onde,muitas vezes, cada parceiro cuida de umaparte do processo em curso”. A justificativae a estrutura da parceria Justiça e Educa-ção em Heliópolis e Guarulhos podem serobservadas no quadro na página seguinte.

O Sistema Judiciário, representado por juízesdas Varas da Infância e da Juventude, e o Sis-tema Educacional, representado pelas diri-gentes de Ensino e técnicos da Fundaçãopara o Desenvolvimento da Educação da Se-cretaria da Educação do Estado de São Paulobuscaram tecer a sua parceria por meio deuma série de encontros e reuniões.

Biografia de uma parceriaem construção

O Projeto de Justiça Restaurativa imple-mentado em São Caetano do Sul com apoiodo PNUD, sob a coordenação do Juiz Eduar-

do Mello, inspira a Secretaria da Educaçãoa propor, a partir da liberação de recursosdo MEC, uma parceria para realizar um pro-jeto envolvendo 200 educadores e 20 esco-las de Ensino Médio da Rede Estadual.

O Poder Judiciário e a Secretaria de Educa-ção decidem os critérios técnicos de esco-lha das Comarcas/regiões – Diretorias deEnsino onde o projeto seria implementado– e definem seus representantes para coor-denar o projeto: dois juízes da Vara da In-fância e da Juventude, por parte do PoderJudiciário, e duas dirigentes de Ensino daCoordenadoria de Ensino da Grande SãoPaulo, juntamente com os técnicos da Di-retoria de Projetos Especiais da FDE.

Os juízes das Varas da Infância e da Juven-tude que coordenam o projeto – um atu-ando em São Paulo (Heliópolis) e outro,em Guarulhos – elaboram uma primeiraversão do Projeto, a partir da demandacontida no edital do MEC, em colabora-ção com os parceiros técnicos que já esta-vam engajados no Projeto Justiça Restau-rativa de São Caetano do Sul (CECIP,CNVBrasil e Instituto FAMILIAE).

A versão inicial do projeto é apresentadapelos juízes e seus parceiros técnicos à equi-pe da FDE escolhida para liderar o projetocomo representante da Secretaria da Educa-ção. Princípios, metodologias e estratégiasda parceria são debatidos e acordados. Oprojeto é discutido por Juízes/parceiros téc-nicos e membros da FDE, com as Dirigentesdas duas Diretorias de Ensino da Secretariada Educação correspondentes às Comarcasde Heliópolis e Guarulhos. Papéis e respon-sabilidades de cada parte na implementaçãodo Projeto são acordados.

Encontros avaliativos intermediários foramrealizados entre Juízes/parceiros técnicos eFDE para ajustar fluxos de comunicação.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania34

A violência na escola conduz à diminui-ção da aprendizagem e ao abandonodos estudos, principalmente por partedos jovens.

Conhecimentos e experiências em pro-gramas de abertura da escola à comu-nidade, na construção de uma culturade paz, com reflexos na diminuição dosíndices de violência.

Disponibilização de tempo para profis-sionais participarem de atividadesformativas; de espaço para a realiza-ção de ações comunitárias.

Disponibilização de verba para opera-cionalização das capacitações em abor-dagens restaurativas, por técnicos emComunicação Não-Violenta, Mediaçãoe Facilitação de Mudanças Educacio-nais indicados pelos Juízes.

A saída da escola é o primeiro passo para ojovem tornar-se infrator, e a volta para a escolaé o primeiro passo no caminho da recuperaçãode um ex-infrator; quanto menos violentas fo-rem as escolas e comunidades, menos jovensserão autores e receptores de atos violentos.

Conhecimentos e experiências sobre aborda-gens restaurativas de resolução de conflitos(Círculo Restaurativo) e sua aplicação bem su-cedida em sistemas educacionais. Condiçõespara fortalecer a Rede de Atendimento aos di-reitos das crianças, jovens e suas famílias,direitos esses que, quando violados, diminuemsua possibilidade de permanecer e aprenderna escola.

Disponibilização de tempo de profissionais dasVaras da Infância e da Juventude para ofere-cerem atividades formativas em Justiça Res-taurativa e para fortalecerem a Rede de Aten-dimento às crianças e adolescentes, em apoioàs escolas.

Designação de Juízes, promotores e outrosmembros da equipe das Varas de Infância e daJuventude para implementarem o Projeto juntoàs escolas, à comunidade e a Rede de Apoio.

O que cada parceiro pode oferecer para resolver o problema:

Do ponto de vista técnico

Do ponto de vista operacional

Do ponto de vista financeiro

Problema compartilhado:

Diminuir a violência, envolvendo crianças e jovens na escola e na comunidade

Justiça Educação

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3 | Modo de Fazer I 35

No decorrer do processo, novas parceriasse desenvolveram: entre os juízes e as Dire-torias de Ensino; entre os juízes e as esco-las; entre os Juízes, escolas e outras institui-ções da Rede de Apoio à criança e ao ado-lescente em Heliópolis e Guarulhos.

Essa caminhada foi bastante difícil, levandoa reflexões e aprendizagens mútuas. Avan-ços educacionais e sociais devem superar aatual fragmentação de ações, substituindo-apor trabalho articulado e em rede entre dife-rentes instituições, que, juntas, assumem aresponsabilidade de construírem respostas.

Mobilização esensibilizaçãoEste projeto é uma possibilidade de criar umespaço para se articular a reflexão sobre otrabalho com direitos humanos nas escolascom as questões do poder, da violência e daautoridade.2

É possível que a maior parte das situaçõesde incivilidades, conflitos e violências prati-cadas por adolescentes, que também são alu-nos de escolas da rede pública, sejam acom-panhados por um trabalho de intervençãocom a possibilidade de construção, media-ção e restauração de relações de poder demo-cráticas. Essa intervenção é um canal para aresolução não-violenta de conflitos e para onão apagamento do outro.3

Definidos os parâmetros, diretrizes e me-todologia do “Justiça e Educação em He-liópolis e Guarulhos: parceria para a ci-dadania” pelas l ideranças do SistemaEducacional e do Sistema Judiciário, aproposta foi apresentada a juristas, edu-cadores, alunos, seus familiares e mem-bros da comunidade.

Um encontro inicial, no auditório do Fórumde Heliópolis, com a presença da Secretáriada Educação e das autoridades do Poder Judi-ciário Paulista e com ampla presença das equi-pes das Varas da Infância e da Juventude daCapital e de Guarulhos divulgou a parceria nomeio jurídico, informando e sensibilizandoos profissionais do direito para a importân-cia da cooperação com educadores.

Para disparar, informar e motivar a participa-ção das equipes escolares e comunidades fo-ram planejados e realizados, com a coopera-ção entre a equipe do Projeto e as equipes daFDE e das Diretorias de Ensino, dois Seminá-rios de Mobilização, em Guarulhos e em He-liópolis, respectivamente. Nessa ocasião, oProjeto foi apresentado às escolas, com a par-ticipação das Dirigentes de Ensino das duaslocalidades, Supervisores e ATPs destas dire-torias. O público que se queria mobilizar eidentificar como parceiros nessa construçãocolaborativa e participativa era composto de:

� pessoas que se percebem como sujeitosda ação educativa, que mudam paradig-mas e interferem na construção de novosparâmetros para resolução de conflitos;

� pessoas protagonistas em uma ação di-ferente das práticas usuais, entendendoerro e o conflito como uma oportunida-de de aprender;

� pessoas interessadas no diálogo comouma das maneiras de exercitar a auto-nomia e a responsabilidade; e

� pessoas que acreditam na comunicaçãoe na cooperação e que entendem o tra-balho em rede como uma das bases quesolidifica mudanças estruturais e impri-me uma nova lógica nas ações dos gru-pos organizados.

Os Seminários de Mobilização ofereceraminformações sobre o conteúdo do Projeto,bem como esclareceram as dúvidas iniciaissobre o processo. Para tanto, a equipe fez as

2Educadora participanteda reunião deapresentação do projetopela Diretoria de EnsinoCentro-Sul, em23/02/2007, no Centro deEducação Única dosMeninos (CEU),Heliópolis, SP.

3ATP/Assistente TécnicoPedagógico da Diretoriade Ensino Guarulhos-Norte, capacitada comofacilitadora dos CírculosRestaurativos, nareunião de 22/02/2007,Guarulhos, SP.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania36

apresentações relativas a cada eixo do Proje-to para que os participantes pudessem:

� conhecer os Círculos Restaurativos edescobrir o que faz o facilitador Restau-rativo voluntário;

� compreender como os princípios dosCírculos Restaurativos podem servivenciados na escola e comunidadecomo um todo; e

� discutir o projeto em grupos, levantan-do perguntas e sugestões e pensandoformas de divulgar / comunicar o pro-jeto na escola e na comunidade (veja oquadro abaixo), conquistando voluntá-rios e voluntárias interessados em secapacitarem para atuar como facilita-

dores de Círculos Restaurativos no es-paço da escola e da comunidade.

Apresentada a proposta, o corpo de gesto-res de uma das escolas alegou ter dificulda-des para participar do projeto por já esta-rem assoberbados de demandas e com fal-ta de recursos humanos. Nesse momento,as equipes de duas outras escolas tambémse manifestaram, expondo uma série de em-pecilhos para se comprometerem com umprojeto desta natureza. Em sendo por ade-são, as decisões das equipes foram respei-tadas. A difusão dos resultados obtidos pe-las escolas participantes seria o melhor ar-gumento para convencer as demais a in-gressarem no futuro.

4A Língua Portuguesa usagenericamente omasculino, mas fiqueregistrado que as PráticasRestaurativas tanto podemter facilitadoras comofacilitadores.

Procuram-se voluntários que desejem aprendera ajudar pessoas a resolver conflitos

O que é “Círculo Restaurativo”?

É um modo de resolver conflitos por meio do diálogo, em que as partes envolvidas chegam aAcordos definidos em conjunto, com apoio de um Facilitador de Práticas Restaurativas.

Quem pode aprender a ser Facilitador4 de Práticas Restaurativas?� Adolescentes e jovens alunos da escola;� Pais, mães e familiares de alunos;� Outros membros da comunidade, conselheiros tutelares, estudantes, profissionais;� Educadores e funcionários.

Todos com disponibilidade para trabalhar voluntariamente na escola por, no mínimo, duashoras semanais (para a realização de Círculos Restaurativos).

Perfil do Facilitador Restaurativo

É uma pessoa que:☺ sabe escutar o outro e sentir o que o outro está sentindo;☺ se interessa de verdade pelo outro e faz perguntas para conhecê-lo melhor;☺ gosta mais de observar as pessoas do que fazer julgamentos e criticas;☺ tem facilidade em se expressar;☺ tem facilidade em se expor;☺ fica animado com novos desafios e aprendizados.

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3 | Modo de Fazer I 37

Necessidades humanas não entram emconflito, elas coexistem. O que entra emconflito são as estratégias que usamospara conseguir atender às nossasnecessidades.

Dominic Barter

Formação deFacilitadoresde PráticasRestaurativas

Mais de cem pessoas em Guarulhos e He-liópolis se interessaram em ser capacitadaspara atuar, de forma voluntária, como faci-litadores de Práticas Restaurativas em es-colas, comunidades e nos Fóruns das duaslocalidades. Esse grupo era composto poreducadores das escolas (em especial pro-fessores), estudantes, mães de alunos, mem-bros de ONGs, da comunidade, profissio-nais do Sistema de Assistência Social (SAS),do Fórum e do Conselho Tutelar.

A capacitação foi orientada pela práticade Círculos Restaurativos e realizada pordois profissionais especializados, um emComunicação Não-Violenta5 e o outro emMediação Transformativa6, duas técnicasutilizadas em Práticas Restaurativas e pro-cessos de aprendizagem, em várias partesdo mundo. Foram realizados oito encon-tros, com oito horas cada, distribuídos emtrês blocos mensais – outubro, novembroe dezembro de 2006, intercalados por trêsatividades, de três horas cada, para acom-panhamento.

Esperava-se, como resultado do proces-so de capacitação, que os participantes

fossem capazes de iniciar a realização deCírculos Restaurativos para resolução deconflitos em seus locais de atuação, vi-sando a mudança do papel que atualmentedesempenham para um engajamento naconstrução de uma cultura de paz em co-munidades.

No Modo de Fazer II (ver p. 67), apresenta-remos os traços essenciais da metodolo-gia utilizada, bem como os conteúdos de-senvolvidos, as estratégias junto aos parti-cipantes e as ferramentas a eles oferecidaspara continuarem seu percurso formativode maneira autônoma.

Apoio amudançaseducacionaise institucionaisnas escolas,no Fórum ena comunidadePara que o Círculo Restaurativo e outras abor-dagens inovadoras de resolução de conflitospossam ser implementados em diferentesespaços institucionais, como escolas, Fórume ONGs, esses espaços e as pessoas que nelesinteragem precisam ser preparados paraacolher e sustentar a mudança representadapelos Procedimentos Restaurativos.

Como vimos, a prática dos Círculos Restau-rativos expressa princípios de não-punição,horizontalidade entre os envolvidos, respei-to mútuo, e, principalmente, autonomia, ba-seada na possibilidade de fazer escolhas – de

5(Marshall Rosenberg,1984)

6(Folger, J. P., Bush, R.B.1994)

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania38

onde provém a responsabilidade. Tais prin-cípios contradizem a cultura que permeia asinstituições brasileiras, em especial as per-tencentes aos Sistemas Educacional e Judi-ciário, que se caracterizam em geral pela ver-ticalidade das relações, com ênfase à puni-ção dos erros ou desvios da norma comométodo educativo e onde a margem de es-colha ou poder de decisão se estreita cadavez mais à medida em que se desce aos ní-veis mais baixos da hierarquia.

Assim, para que os facilitadores de Práti-cas Restaurativas capacitados pudessemencontrar um contexto propício à exe-cução dessas práticas, as lideranças dasinstituições onde iriam atuar foram pre-paradas para recebê-los, criando as con-dições estruturais e organizacionais im-prescindíveis ao funcionamento dos Cír-culos Restaurativos.

Todas as escolas onde os Círculos seriamrealizados, portanto, foram preparadas paratal por uma especialista em Facilitação deMudanças Educacionais (CECIP – APSInternational, 1997), que contou com a co-laboração de duas co-facilitadoras e umaconsultora7. Da mesma forma, juízes e pro-motores especializados em Justiça Restau-rativa também procuraram tornar o Fórum,o Conselho Tutelar e os espaços comunitá-rios que acolheriam Círculos Restaurativos,em ambientes receptivos a essa prática. (Verna p. 56 – Apoio a mudanças nas Varas daInfância e da Juventude).

Apenas nas escolas, entretanto, conteú-dos, metodologias e estratégias específi-cas foram utilizados de forma sistemáti-ca para apoiar as mudanças representa-das pela introdução do Círculo em suasdinâmicas, como veremos nos parágra-fos seguintes.

Apoio a mudançasnas escolasO Projeto previa a capacitação de cinco li-deranças educacionais em cada uma das 19escolas participantes, ligadas às Diretoriasde Ensino Centro-Sul de São Paulo (queabrange Heliópolis) e Guarulhos-Norte.Consideramos lideranças educacionais nãoapenas os gestores, como também outrosmembros da comunidade escolar em posi-ção de inspirar, motivar e mobilizar os de-mais participantes da escola rumo à conse-cução de seus objetivos.

Assim, deveriam participar das cinco Ofi-cinas mensais de Formação de LiderançasEducacionais realizadas entre setembro edezembro de 2006, grupos por escola for-mados de: diretor ou vice, professor coor-denador, representantes de professores, dealunos, preferencialmente dos grêmios, e defamiliares dos alunos.

Além disso, as escolas receberiam visitassemanais de acompanhamento e apoio daFacilitadora e das co-facilitadoras de mu-danças educacionais, (acompanhadas desupervisores e ATPs das Diretorias de Ensi-no quando possível). Esperava-se, como re-sultado da capacitação e do processo deacompanhamento, que essas lideranças fos-sem capazes de divulgar a nova propostajunto à comunidade escolar e de prepararsuas unidades, física e organizacionalmen-te, para receber os Círculos Restaurativos,tendo compreendido os princípios que osfundamentam e sua importância como me-canismos de resolução de conflitos.

A construção coletiva e participativa, comefetivo lugar para que todos os envolvidospudessem interferir, sugerir e modificar, foia metodologia utilizada para elaborar odetalhamento de cada Oficina. Três grupos

7Facilitadora de MudançasEducacionais: MonicaMumme, Coordenadora deProjetos do CECIP; co-facilitadoras: Ana MariaPaixão, educadora social eCélia P. Oliveira,especialista em Educação;Consultora: Madza Ednir,Diretora Pedagógica eEditora do CECIP.

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3 | Modo de Fazer I 39

participaram do processo: 1) os represen-tantes das Diretorias de Ensino e da FDE; 2)os próprios participantes das Oficinas deLideranças; 3) os responsáveis pelos doisoutros eixos do Projeto, “Práticas Restau-rativas” e “Trabalho em Rede”8.

A articulação de competências, a interdis-ciplinaridade e a dialogicidade (cf. PauloFreire) são as marcas do Projeto, presen-tes nas Oficinas de Lideranças. A partici-pação de representantes das Diretorias deEnsino das duas regiões e da FDE tornoupossível aproximar os pressupostos teóri-cos da capacitação de lideranças educaci-onais da realidade das escolas envolvidas,adaptando informações e conteúdos aoscontextos locais.

Os participantes das oficinas também tive-ram um papel fundamental em seu dese-nho. As dúvidas e questionamentos apre-sentados em nossos encontros e nas visitasde acompanhamento indicavam os próxi-mos conteúdos a serem trabalhados.

Os responsáveis pelos outros dois eixos doProjeto, compartilharam, com a Facilita-dora de Mudanças Educacionais e suaequipe, conhecimentos técnicos sobre Jus-tiça Restaurativa e Práticas Restaurativas.Isso foi essencial para garantir a integra-ção entre os conteúdos e informaçõesapresentadas às lideranças educacionais eaos aprendizes de facilitadores de Práti-cas Restaurativas. Também possibilitouque as ações desenvolvidas nos três eixosse complementassem e consolidassemcom bases mais sólidas.

A participação, nas cinco oficinas, das Di-retorias de Ensino, com suas dirigentes,supervisoras e ATPs, da equipe da FDE, dosjuízes e suas equipes, enriqueceram os te-mas abordados e trouxeram embasamentoteóricos e práticos que complementaram o

trabalho desenvolvido. Ao dar visibilidadeaos órgãos da Rede de Atendimento aos di-reitos da criança e adolescência presentesem Heliópolis e Guarulhos, os profissionaisdas Varas da Infância e da Juventude apon-taram às lideranças educacionais e facilita-dores restaurativos quais os recursos da co-munidade com que podem se aliar em seutrabalho de prevenção e combate às múlti-plas formas de violência.

As escolas envolvidas receberam a men-sagem de que não estão sozinhas. Podemcontar não só umas com as outras, mascom as respectivas Dirigentes de Ensinoda Secretaria da Educação e representan-tes do poder Judiciário, vistos não maiscomo “cobradores e inspetores”, mascomo aliados e apoiadores.

MetodologiaA metodologia do trabalho com as lideran-ças educacionais, desenvolvida pelo CECIPe APS International, baseia-se nos princí-pios do Construtivismo, propiciando aosaprendizes fazer a mediação entre Infor-mação e Prática, através da reflexão sobresuas teorias subjetivas (modelos mentais,concepções teóricas adotadas ou implíci-tas na prática rotineira, crenças, valores).

Tendo em vista que a aprendizagem ocor-re por meio de interações, possibilita-se oexercício e a criação de procedimentosque favorecem o diálogo, a cooperação naresolução de problemas e o compartilharde idéias e experiências9. As múltiplas in-teligências dos aprendizes10 são mobiliza-das durante o processo, considerando-seos participantes de forma holística, emsuas dimensões intelectual, física, senso-rial e emocional11. O foco de todos os pro-cessos é a prática dos educadores, com im-pacto na aprendizagem das crianças e jo-vens nas escolas.

9.Cf. Paulo Freire, Pedagogiacomo prática da Liberdade,1968.

10.Cf. Howard Gardner, 1992.

11.Cf. Daniel Goleman, 1994.

8Juizes Egberto Penido(Heliópolis, SP) e DanielIssler (Guarulhos), líderesda implantação da JustiçaRestaurativa no Estado deSão Paulo.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania40

Informam essa metodologia os Princípi-os da Facilitação de Mudanças Educacio-nais12 focalizando a construção coletivade processos de transformação. Estesprincípios são:

� Os principais fatores da mudança sãoas pessoas. Estão no centro de todo pro-cesso de mudança.

� As pessoas devem ser consideradas emrelação aos seus sentimentos e necessi-dades.

� A base de todo processo de mudança éo diálogo e a reflexão sobre o que sepratica. A mudança tem várias etapas,e é preciso começar por algum lugar.

� Mudanças culturais/paradigmáticas le-vam tempo. Não é de um dia para ooutro que as pessoas mudam sua for-ma de pensar. Mas, só se muda no fazere no compromisso com este fazer.

Acreditamos que é necessário incluir aspessoas em todas as reflexões que se re-ferem às suas práticas e que têm relaçãodireta com suas realidades. Uma novaprática só faz sentido se “nascer” das in-quietações de um grupo, por meio doquestionamento das práticas habituais,visando identificar outra forma de agirdiante de situações que são difíceis demodificar. Implementar uma mudançasignifica visitar valores e crenças, mexerem verdades absolutas, questionar para-digmas, enfim conhecer o novo e fazer oexercício da experimentação. Para tanto,é necessário ter apoio, ser acompanhado,estimulado a avaliar o processo constan-temente, planejar e (re)planejar ativida-des. Isto é construir de forma conjuntanovas propostas. Esta é a base da Facili-tação de Mudanças Educacionais.

Ao fazer uma análise dos Princípios daFacilitação de Mudanças Educacionais épossível observar sua proximidade dos

princípios apresentados pelas PráticasRestaurativas. O que se busca são açõesconcretas, que possibilitem às pessoas di-alogarem e refletirem sobre seus mode-los mentais, seus sentimentos e necessi-dades, e a partir disto se compromete-rem a agir de uma outra maneira diantedas situações cotidianas.

O marco teórico utilizado para nortear aformação das lideranças educacionais foiretirado do livro “Mestres da Mudança: li-derando escolas com a cabeça e o cora-ção” (CECIP-APS International, 2006) e seapóia em uma definição de liderança queinclui quatro pontos objetivos. (Ver desta-que na lateral)

Para Michael Fullan, os profissionais daárea de educação podem fazer diferençana formação de sujeitos singulares e úni-cos e, desta forma, estão apoiando a cons-trução de competências e habilidades es-senciais a uma vida digna, de qualidade.Porque acreditamos que isto é real efactível, a metodologia desenvolvida nes-te trabalho apostou na autonomia e nalivre escolha de seus participantes, paraque experimentassem os Círculos Restau-rativos e, a partir de sua vivência, com-partilhassem seus aprendizados e desco-bertas com outras pessoas ligadas às es-colas, à comunidade e às pessoas da Redede Apoio.

Conteúdostrabalhados

Os conteúdos das Oficinas de LiderançasEducacionais foram sendo re-organiza-dos e distribuídos no tempo em funçãodas dúvidas e questionamentos apresen-tados pelos participantes.

12.Cf. Michael Fullan, 1990,Andy Hargreaves, 1996.Karen Seashore, 1992,Boudewijn van Velzen,1994.

Liderar é.....

• Traduzir diretrizes em

conceitos operativos e

práticos;

• Saber aonde se quer

chegar;

• Ter um curso de ação

definido;

• Ser flexível e

(re)planejar ações,

quando necessário, para

atender às demandas.

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3 | Modo de Fazer I 41

I) Círculo Restaurativo

Mudanças educacionais e mudançasde paradigma: da punição à responsa-bilização. Pré-Condições para que osCírculos possam acontecer nasescolas.

Os Círculos Restaurativos têm relação di-reta com mudanças educacionais no cam-po das inter-relações.

Realizar Círculos Restaurativos na escola éresgatar a possibilidade de, também nesseespaço, conectar-se com a humanidade dooutro; é aumentar a disponibilidade que alu-nos, educadores, familiares, devem ter paraouvir necessidades e sentimentos recípro-cos. Necessidades e sentimentos que, quan-do, por diversas razões, são desconsidera-dos, dificultam a aprendizagem e provocamconflitos.

Conflitos fazem parte intrínseca da vida: é aforma com que lidamos com eles que ostransformam em oportunidades de mudan-ça / aprendizagem ou em episódios de vio-lência. Lidar com o conflito de forma dife-rente, desafiando os padrões negativos epunitivos com que vêm sendo abordados,requer uma decisão consciente, voluntária,persistente, porque estamos falando demudanças de paradigmas, de cultura e depráticas convencionais. No entanto, antesde decidir, é fundamental experimentar!

Segundo Nelda Cambrom-McCabe, no ar-tigo “A Escolarização como um empreen-dimento ético”, “Ensinar não significa ape-nas dominar conhecimentos e um conjun-to de habilidades e técnicas para transferi-los aos estudantes. Ensinar envolve ser res-ponsável pelo desenvolvimento de criançase jovens em uma sociedade democrática,complexa e contraditória. Assim, os pro-fessores não podem pensar apenas em ter-

mos dos “meios” pelos quais ensinam, masdos “fins” que norteiam o ensino”. E dentreas finalidades básicas do processo educativo– que não se esgota nas escolas, mas ocorretambém na família e na sociedade – está aformação de cidadãos autônomos, capazesde fazer escolhas conscientes e assumir res-ponsabilidade por seus atos.

Da punição à responsabilização

O Círculo Restaurativo é uma maneira di-ferenciada de resolução de situaçõesconflitantes, que enfatiza a construção daautonomia das partes em conflito. Issoocorre ao tomarem consciência de que têma possibilidade de optar e tomar decisõesdiferentes, restaurando a confiança rompi-da e construindo o bem comum. Todos osenvolvidos se inserem na questão como co-responsáveis. Durante o Círculo Restaura-tivo, os participantes são convidados a fala-rem sobre o fato ocorrido, pensando sobreas causas de suas ações e sobre as conseqü-ências delas advindas. Evita-se aculpabilização e a rotulação, substituindo-as por uma postura pró-ativa diante dooutro e por uma escuta mais acolhedoradas emoções e sentimentos que são a basede todo os nossos comportamentos.

Apresentar às escolas uma proposta de li-dar, pela via restaurativa, com os conflitosque envolvem alunos e alunos, alunos e pro-fessores, e outros, muitas vezes desperta te-mor e ansiedade. A cultura punitiva queprevalece na sociedade está presente tam-bém no Sistema Educacional, ainda quemuito se fale da importância de se substi-tuir gradativamente a heterodisciplina pelaautodisciplina. Num primeiro momento,surgem dúvidas como: “Então não haverámais punição? A pessoa faz uma coisa hor-rível e só tem uma conversa? O que faze-mos com as normas disciplinares? Sempre

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania42

insistimos em que precisa haver diálogo naescola. O que há de novo, então, no CírculoRestaurativo? Como acreditar em algo quenunca vi funcionando? Este é mais um da-queles projetos que começa e termina semque saibamos direito o que é?”

Em primeiro lugar, é preciso ter claro que,mesmo dispondo de uma alternativa nãopunitiva para lidar com conflitos, a escolacontinua tendo em suas normas discipli-nares uma referência para a indisciplina,até que a comunidade escolar sinta neces-sidade de revê-las à luz das Práticas Restau-rativas. Isto pode ocorrer quando as pesso-as se sentem encorajadas a experimentaros Círculos Restaurativos, percebendo osresultados efetivos na melhoria das relaçõese o impacto disto na dinâmica de ensinoaprendizagem. Essa mudança de culturapressupõe a continuidade dos processosformativos para além do tempo limitadode um projeto.

No entanto, o tempo de um projeto podeser suficiente para que lideranças educaci-onais e facilitadores de Práticas Restaura-tivas reconheçam o poder que têm paratransformar as realidades de seus locais detrabalho, e usem os procedimentos apren-didos como um dos instrumentos paramudar o contexto no qual estão inseridos.

A punição não provoca necessariamente areflexão sobre as causas que estão na raiz doconflito. Um aluno que é punido por haverxingado o professor, dificilmente irá mudarsuas atitudes e padrão de comportamento, amenos que ele e esse professor reflitam so-bre o que está por trás da agressão. O impor-tante é comprometer a todos os envolvidos,e chegar a um acordo factível, que respeiteos indivíduos e suas necessidades, e, atacan-do as causas do problema, previna a ocor-rência de novos incidentes violentos. O diá-logo que deveria estar presente na ação edu-

cativa, e que raramente ocorre em sala deaula, está embutido nos procedimentos es-tabelecidos nos Círculos Restaurativos. Taisprocedimentos garantem que todos possamser ouvidos igualmente, sem julgamentosprévios e definições de quem está certo ouerrado. Todos são implicados e se responsa-bilizam por ser parte da solução.

Pré-condições para que os CírculosRestaurativos comecem a funcionarem uma escola13

É preciso que os Círculos comecem a acon-tecer na escola, para que o seu podereducativo possa ser sentido. Assim, é es-sencial que as lideranças educacionais en-volvidas no Projeto construam as pré-con-dições básicas para acolher essa nova prá-tica. Selecionados os voluntários que serãocapacitados para operarem os Círculos Res-taurativos, é preciso equacionar, coletiva-mente, questões relativas à comunicação,ao espaço, ao tempo, os procedimentos:

1. Espaço próprio para a realizaçãode Círculos

Deve ser um local onde os participantes doCírculo possam dialogar sem serem inter-rompidos, com garantia de privacidade.Deve haver sinalização indicando que ali serealizam Círculos Restaurativos, em “tais”dias e “tais” horários.

2. Horário dos CírculosDe acordo com a quantidade de voluntári-os, é possível dispor de cinco horários se-manais (de um mínimo de duas horas deduração cada) marcados para a realizaçãodos Círculos, possibilitando que alunos dosdiferentes turnos possam participar deles.

3. Procedimentos e rotinasOs procedimentos para solicitar um Pro-cesso Restaurativo devem estar claros e ser

13.As pré-condiçõestrabalhadas pelaslideranças educacionaisforam identificadas porDominic Barter eimplementadas com oacompanhamento daequipe de Facilitação deMudanças Educacionais doCECIP.

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conhecidos por todos (Ver p. 73). Em geral,há um caderno, em local previamente defi-nido (por exemplo, a secretaria da escola),onde a pessoa que solicita o Círculo escre-ve seu nome e horário em que trabalha/estuda. Assim, o Facilitador de Práticas Res-taurativas poderá procurar essa pessoa paramarcar o Pré-Círculo. Pode ocorrer tam-bém que, diante de uma ocorrência disci-plinar, o professor ou outro funcionário en-caminhe as pessoas envolvidas no conflitoà direção, que irá oferecer-lhes a participa-ção no Círculo Restaurativo como alterna-tiva à punição, segundo o Sistema Discipli-nar da escola. Caso aceitem, serãocontatados pelo Facilitador de Práticas Res-taurativas, para marcar o Pré-Círculo.

4. Autorização dos responsáveisOs pais ou responsáveis devem dar umaautorização por escrito para que os filhosmenores de idade participem dos Círculos.Nas escolas, a autorização pode ser assina-da na hora da matrícula.

5. Comunicação / informaçãoPara que alunos, educadores e outrosmembros da equipe escolar possam pro-curar os Círculos Restaurativos, essa al-ternativa de resolução de conflitos preci-sa ser amplamente divulgada na comuni-dade escolar. O primeiro movimento nes-sa direção é feito durante a “campanha”para captar voluntários que possam ope-rar os Círculos. No entanto, é necessárioque o processo continue e se aprofunde.Murais devem ser organizados, no pátio,na sala dos professores, cartazes podem serafixados nas salas de aula, contendo as se-guintes informações:

a) O que é o Círculo Restaurativo;b) Horário de funcionamento dos Círculos;c) Local de funcionamento dos Círculos;d) Como pedir um Círculo;e) Quais os passos do Círculo;

f ) Nomes dos facilitadores de Práticas Res-taurativas e onde encontrá-los.

O objetivo de propor, inicialmente, queas lideranças escolares realizem essaspré-condições, é facilitar o processo eviabilizar a realização dos Círculos Res-taurativos. Não é possível começar a de-senvolver as Práticas Restaurativas, semque o ambiente esteja preparado e as pes-soas estejam avisadas de que algo dife-rente começa a acontecer. Um Facilita-dor de Práticas Restaurativas só pode atu-ar se a comunidade escolar sabe que exis-te uma outra forma de resolução de con-flitos além daquela pré-estabelecida nasnormas disciplinares. A idéia é trazermais uma possibilidade para se lidar como conflito e ampliar o repertório de açõesque auxiliam na construção de um diálo-go horizontal.

II) Os sentidos da violência

Pesquisa participativa e investigaçãode sentidos. As lideranças educacio-nais e a construção das pré-condiçõespara a realização dos Círculos nasescolas.

A nossa sociedade vive uma grave crise deinsegurança, manifestando indignação euma certa paralisia diante de tanta violên-cia. O livro “Violências nas escolas”, deMiriam Abramovay e colegas, elaborado apartir de uma pesquisa realizada em 2003,utiliza duas definições de violência:

(1) Intervenção física de um indivíduo ougrupo contra a integridade de outro(s) ou degrupo(s) e também contra si mesmo, abran-gendo desde os suicídios, espancamentos devários tipos, roubos, assaltos e homicídiosaté a violência no trânsito, (disfarçada soba denominação de “acidentes”), além das di-versas formas de agressão sexual.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania44

(2) Formas de violência simbólica (abuso dopoder baseado no consentimento que se esta-belece e se impõe mediante o uso de símbolosde autoridade); verbal; institucional(marginalização, discriminação e práticasde assujeitamento utilizadas por instituiçõesdiversas que instrumentalizam estratégiasde poder).

Todos esses tipos de violência provocam re-ações que podem ser intensas, passionais, epor vezes, inconseqüentes e devastadoras.Talvez devêssemos pensar e verificar quaissão os resultados concretos destas respos-tas, que, em sua maioria, apenas alimentamnovas manifestações de violência eaprofundam o caos social.

Ainda de acordo com a pesquisa, diferen-tes formas de violência estão cada vez maispresentes nas escolas brasileiras. Elas pode-riam ser prevenidas, se os princípios quenorteiam os Círculos Restaurativos fossemvivenciados em todos os espaços da escola:horizontalidade nas relações, respeito mú-tuo, possibilidade de fazer escolhas e assu-mir responsabilidade, busca de sentido.Quando não lidamos com o conflito, ape-nas fingimos que não existe ou utilizamosformas violentas de resolução, o que estácausando a situação não é visto, portantonão é solucionado. Pode não aparecer deforma visível, mas compromete as relaçõese estabelece formas violentas de se conec-tar consigo e com o outro.

Uma proposta concreta, que interrompeeste Círculo e estabelece outro, com umpotencial enorme de transformação, restau-ração é o Círculo Restaurativo. Este impri-me uma nova maneira de agir, solucionan-do os conflitos que ocorrem nas escolas, pormeio da lógica do diálogo, do comprometi-mento, do acolhimento às diferenças e derespeito ao ser humano. E, além de dar umaresposta à violência que restaura as rela-

ções entre o autor do ato ofensivo e o re-ceptor do mesmo, previne novas ações vio-lentas, ao envolver a comunidade na inves-tigação das causas organizacionais, cultu-rais, econômicas e sociais do conflito e nabusca de respostas para solucioná-las.

III) Função das Liderançaseducacionais naimplementação dos CírculosRestaurativos

Antes de mais nada, seu papel é mobilizaras condições físicas e organizacionais queviabilizam a implementação dos CírculosRestaurativos, possibilitando que os facili-tadores de Práticas Restaurativas iniciemsuas ações. Esta é a primeira mudança. Apartir dela, outras podem ocorrer.

E as mudanças decisivas são aquelas queocorrem nas formas de pensar e interpretara realidade. Para possibilitá-las, cabe aos ges-tores utilizar várias estratégias para incenti-var a comunidade escolar a colocar às clarasseus conceitos subjetivos sobre violência.Alunos, professores, equipe gestora, familia-res e membros da comunidade têm diferen-tes visões e definições de violência. Ao mes-mo tempo, nem todos têm consciência dasações que já vêm sendo empreendidas paraprevení-las e combatê-las no espaço escolar.A realização de uma pesquisa participativa,com envolvimento de alunos na sua execu-ção, tabulação e na divulgação dos dados podeser o primeiro passo para começar a criarconsenso. É necessário que se invista emnovas alternativas que reforcem a cultura dodiálogo e da responsabilidade compartilha-da como forma de eliminar a violência e li-dar de maneira produtiva com os conflitos.

Assim, gradativamente, toda a comunida-de escolar se tornará “dona” dos CírculosRestaurativos.

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Plano de Ação Remarcomo instrumento demudança da realidade

Planejando as ações que faltampara que os Círculos aconteçam.

Os resultados das pesquisas sobre violência,realizadas nas escolas participantes do Pro-jeto, estimularam a reflexão do grupo, legiti-mando, ainda mais, a necessidade de se ofe-recer novas maneiras de se trabalhar com aquestão de violência. As pessoas precisamsentir-se seguras, para então experimentarum procedimento que traga novas respostasa antigas perguntas: o Círculo Restaurativo.

No entanto, não se podem subestimar asdificuldades encontradas pelas liderançasem construir as condições básicas para ofuncionamento dos Círculos. A decisão degarantir esses elementos concretos (espa-ços, horários, murais...) supõe uma mudan-ça subjetiva importante. As lideranças pre-cisam enfrentar e superar crenças arraiga-das sobre a eficácia da punição e dúvidassobre a legitimidade dos Círculos. Lidar coma incerteza é parte essencial de todo pro-cesso de mudança. Em alguns momentos,pessoas se perguntam: “Será que dá certo?Vamos conseguir mudar algo com isso?”–e essas inquietações podem ser paralisantes.

A demora na concretização das pré-con-dições atrapalha a atuação dos facilita-dores de Práticas Restaurativas. Eles pre-cisam experimentar o que aprendem du-rante as capacitações. Essas questões fo-ram discutidas com os participantes, quepuderam compartilhar angústias, reafir-mar os compromissos acordados no iní-cio do processo e encontrar soluções parareverter as dificuldades.

A estratégia de Planejamento para a AçãoRemar é um caminho adequado para se

provocarem mudanças gradativas no con-texto escolar, ajudando as lideranças a rea-lizarem o objetivo a que se propuseram (nocaso, garantir a preparação do espaço es-colar para a implementação dos CírculosRestaurativos). Os planos de Ação REMARsão Realistas, Específicos, Mensuráveis,Atraentes para quem os executa e Realiza-dos a Tempo.14 Elaborados de forma coo-perativa, eles fortalecem as equipes e as em-poderam, fazendo com que percebam quesão capazes de resolver problemas educa-cionais e seguir adiante.

Um Plano de Ação REMAR é acompanha-do constantemente. Enquanto uma açãoestá em desenvolvimento é fundamentalque se avalie o que está ocorrendo e, jun-to com os envolvidos, criem-se as estra-tégias para o avanço das atividades. As-sim se produz conhecimento e se achamas respostas para as incertezas naturaisde todo processo de mudança.

Refletindo sobre ascondições para semudar/aprender

À luz do processo de construçãodas pré-condições para que osCírculos possam acontecer: asnecessidades psicológicas básicasde todo aprendiz.

À medida em que as lideranças educaci-onais vão construindo em suas escolas ascondições essenciais à implementaçãodos Círculos Restaurativos, elas são con-vidadas a refletir sobre suas ações e so-bre o desafio de envolver a equipe esco-lar na nova proposta.

Esse é o momento de introduzir algumasinformações importantes para que osgestores, em especial, compreendam os

14Cf. “Mestres da Mudança”,p.98 e 99.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania46

fatores que levam docentes a aprender e amudar, assumindo novas condutas.

A Instrução Adaptativa é uma abordagemdesenvolvida pelo APS Internacional15, Cen-tro de Aperfeiçoamento de Escolas, daHolanda, e que parte do princípio de queprofessores são profissionais cujos méto-dos de ensino são moldados por suas moti-vações pessoais, idéias, preferências e há-bitos. Esse conjunto de motivações, idéias,crenças, nem sempre conscientes, são assuas teorias ou conceitos subjetivos – quese traduzem em suas práticas. Assim, paraconvidar professores a mudarem o seu fa-zer, em primeiro lugar precisamos possibi-litar que eles tomem consciência dos con-ceitos subjetivos que fundamentam sua prá-tica. Em seguida, oferecemos a eles infor-mação sobre novos modelos e conceitos,fundamentados em experiências e pesqui-sas. Confrontando suas idéias antigas comas novas, os professores poderão refletir e,a partir daí, formar um novo conceito, des-sa vez consciente – um conceito de traba-lho. Esse conceito de trabalho será, então,experimentado na prática, observando-secomo funciona. É assim que o professorpassa a examinar de forma crítica sua pró-pria atuação profissional – um passo es-sencial rumo às mudanças.

Esse processo de aprendizagem, no entan-to, só poderá ocorrer se os gestores ou for-madores, em sua interação com os docen-tes, levarem em conta três necessidades psi-cológicas inter-relacionadas:

• Pertencimento/relacionamento: ogestor/formador deve promover nosdocentes a sensação de que eles im-portam, de que pertencem a um grupoe sua presença conta.

• Competência : o gestor/formadordeve promover nos docentes a sensa-

ção de que são competentes, são capa-zes de fazer algo; precisam acreditarem si mesmo, ter auto-confiança.

• Autonomia: o gestor/formador devepromover nos docentes a sensação deque são independentes, confiáveis ecapazes de regular as próprias ações.

Na base de tudo está a confiança. O gestortransmite à equipe a sensação de que con-fia no grupo. É sobre o alicerce dessa confi-ança que se pode oferecer o desafio damudança/aprendizagem aos docentes. Mas,ao mesmo tempo em que desafia os pro-fessores, o gestor lhes dá o apoio de queprecisam para enfrentá-lo.

O professor, ao vivenciar esse modelo, po-derá a aplicá-lo a seu grupo de alunos. Afi-nal, as necessidades de pertencimento, com-petência e autonomia são exigências psi-cológicas básicas para todos, sejam eles jo-vens ou velhos. Importante também é no-tar que, no funcionamento dos CírculosRestaurativos, essas três necessidades bási-cas são atendidas. As partes em conflito sãoconvidas a se perceber como parte da co-munidade (seus apoiadores estão presen-tes e a comunidade não foge à responsabi-lidade pela criação do contexto que propi-ciou o evento); elas são tratadas como pes-soas competentes e autônomas, capazes depor si só resolver o conflito, sem dependerde uma autoridade externa, e tendo sempre

15Cf. “Aprendendo a fazerInstrução Adaptativa”,Rinse Dijkstra, APS,Holanda- Texto preparadopara a Conferência Anualda ASCD, 1999 e adaptadopor Boudewijn van Velzenpara o Seminário da SEE-SP ,“Sucesso eAdaptabilidade na Escola”,CECIP/APS, 2002.

Competência Autonomia

Pertencimento

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3 | Modo de Fazer I 47

aberta a possibilidade de continuar o pro-cesso ou de interrompê-lo.

É assim, pouco a pouco, que se aprendemnovos paradigmas e conceitos, sem os quaisnão é possível realizar mudanças efetivas eque se sustentem. Mudar é, fundamental-mente, aprender a olhar por outros pris-mas e buscar outros ângulos para enxergaras mesmas imagens.

Estimulandoa autonomiae empoderandoas liderançaseducacionais

Desafio de implementação dosCírculos Restaurativos: Círculo deinfluência e Círculo de preocupações;sinergia interprojetos.

Quando lideranças educacionais se de-param com dificuldades no desempenhode seu papel; quando percebem que seusesforços para mudar e aperfeiçoar a es-cola por meio, por exemplo, da imple-mentação dos Círculos Restaurativos, es-tão dando resultados abaixo das suas ex-pectativas, o primeiro impulso é atribuira outros, ou a outras instâncias, as causasdos problemas.

O educador Stephen R. Covey, em seu livro“Os sete hábitos das pessoas altamente efi-cazes” alerta que a tendência de enfatizarmosas preocupações (aquilo que vemos comoobstáculos além do nosso controle, que pre-judicam e atrapalham) pode nos paralisar ediminuir nosso senso de poder. Se, ao invésdisso, focalizarmos nossa energia naquilo quepodemos fazer diante das condições que te-mos, nosso senso de poder aumenta, e des-cobrimos que, sim, podemos exercer influ-

ência, podemos mudar. Não podemos mu-dar tudo, mas alguma coisa, sim.

Nosso comportamento pode ser reativo –apenas reagindo às surpresas que a vida e arealidade nos propõem – ou pró-ativo – to-mando iniciativas que são fruto de decisõesconscientes, baseadas em valores e princípi-os. Podemos escolher as respostas que da-mos diante dos obstáculos que encontramos.Nosso próprio comportamento é algo quepodemos controlar, e ao fazermos isso, au-mentamos nosso poder. Uma liderança edu-cacional, um professor, um aluno, qualquerpessoa, enfim, tem poder de escolher res-postas diferentes a um número ilimitado decondições, sem depender de autorização deninguém. O poder de controlar e influenciarcondições adversas, se evidencia quando nosdeparamos com duas escolas que pertencemà mesma rede de ensino, atendem à mesmaclientela, no mesmo bairro, mas têm umaatmosfera completamente diferente, bemcomo índices de aprendizagem distintos.

Como diz Covey “Pessoas pró-ativas inves-tem tempo e energia em coisas que estãosob seu controle (seu Círculo de Influência)ao invés de reagir ou se preocupar com con-dições sobre as quais têm pouco ou nenhumcontrole (seu Círculo de Preocupação)”.16

Essa crença na importância de empoderar aspessoas para que assumam a responsabilida-de por ações e omissões é, como vimos, umadas bases dos Círculos Restaurativos. Os par-ticipantes dos Círculos Restaurativos experi-mentam, do princípio ao final do processo,esta sensação: a de que, sim, têm escolha.

Sinergia entre projetos – uma forma deaumentar o Círculo de influência daslideranças educacionais

Com a intenção de contribuir para melho-rar a qualidade da educação oferecida em

Preocupações

Influências

Preocupações

Influências

Preocupações

Influências

Preocupações

Influências

Preocupações

CírculosRestaurativos

16Círculo de Preocupação eCírculo de Influência

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania48

suas escolas, a Secretaria da Educação deSão Paulo vem oferecendo a elas a partici-pação em diversos Programas e Projetos.O desafio das lideranças educacionais éarticular essas iniciativas e criar sinergiaentre eles, fortalecendo o seu Projeto Polí-tico-Pedagógico.

Por exemplo, cabe aos gestores fazer asarticulações entre o Projeto Justiça e Edu-cação em Heliópolis e Guarulhos: parce-ria para a cidadania, e o Projeto Comuni-dade Presente, desenvolvido pela FDE des-de 1998, cuja atuação almeja fortalecer, pormeio das Diretorias de Ensino, as Unida-des Escolares, as Associações de Pais eMestres – APMs, os Conselhos de Escola eos Grêmios Estudantis, buscando ainteração da escola com a comunidade,promovendo uma ação mais eficaz no tra-to das diferentes formas de violência e ele-vando a importância da participação dacomunidade como prática no processo deconstrução da cidadania”.

A implementação dos Círculos Restaura-tivos nas escolas é mais uma forma de“Conscientizar a comunidade a ocuparmelhor seus espaços de direito; sensibili-zar a comunidade escolar da necessidadede ações anti-violência e promover a arti-culação com as instituições governamen-tais e não-governamentais que estejam li-gadas à questão dos direitos da criança edo adolescente”, objetivos específicos doPrograma Comunidade Presente.

Materiais distribuídos às Diretorias deEnsino e às escolas da Rede Estadual,como o kit didático pedagógico “Práticae Valorização das Ações Preventivas”, or-ganizados pelas equipes técnicas dosprojetos Comunidade Presente e Preven-ção também se Ensina – podem ser usa-dos também no processo de dissemina-ção do Projeto Justiça e Educação junto à

comunidade escolar. Eles contêm umaseleção de livros, que abordam temascomo: as diversas manifestações de vio-lência, promoção do diálogo, prevençãoao uso indevido de drogas, redução dagravidez não planejada e a diversidadesexual, entre outros.

Como dizíamos antes: o gestor pode esco-lher sua resposta às iniciativas da Secreta-ria da Educação. A escola pode ser ummero receptáculo delas, ou pode utilizá-las e adaptá-las às suas próprias necessi-dades, ao seu próprio Projeto, aumentan-do seu Círculo de influência.

Círculos Restaurativosrealizados nas escolase Varas da Infânciae da Juventude

A presença dos juízes e promotores daVara de Infância e da Juventude nas Ofi-cinas de Lideranças Educacionais contri-buiu com esclarecimentos importantessobre o contexto o qual o “Justiça e Edu-cação em Heliópolis e Guarulhos: parce-ria para a cidadania” está inserido: a ex-perimentação, pelo Ministério de Justiçado Brasil, via Secretaria de Reforma doJudiciário, de práticas de Justiça Restau-rativa em nosso país.

Além disso, foram apresentados os fluxosde comunicação entre escolas e Fórum,com a orientação de como devem ser uti-lizados e sua relevância na construção deindicativos que apontem a construção deuma política pública no campo das Práti-cas Restaurativas.

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As PráticasRestaurativas dianteda missão da escola

Sabemos que o caminho para implemen-tar mudanças é repleto de desafios e con-tradições. As resistências às novas práti-cas estão presentes em todos os lugares.No entanto, quando pensamos estratégi-as para transpor essas barreiras, temosmais condições de, gradualmente, enfren-tarmos os impedimentos que apareceme, desta forma, aprender. Erros são nos-sos companheiros no processo de imple-mentação e transformação de práticas,quando refletimos sobre eles e nos uni-mos para construir acertos.

Os facilitadores de Práticas Restaurativase as lideranças educacionais precisam atu-ar juntos na implementação da mudançarepresentada pela inserção dos CírculosRestaurativos na dinâmica da escola. Ape-sar de suas atuações serem diferentes, épreciso que, já no processo de capacita-ção, se estabeleça uma maior proximida-de entre os dois grupos. Criar cumplicida-de entre lideranças educacionais e facili-tadores de Práticas Restaurativas é essen-cial para que a complementaridade entreseus papéis se evidencie, fortalecendo aproposta restaurativa na escola.

Belinda Hopkins, uma especialista na in-trodução de abordagens de Justiça Res-taurativa em escolas17, diz:

Pode ser sedutor imaginar uma vari-nha de condão, um conserto rápido quemudasse todos os indivíduos de umaorganização da noite para o dia, detal forma que, pela manhã, a cultura, ocompromisso, os sistemas, as habilida-des e o tempo para intervenções res-taurativas estivessem todos miraculo-

17Just Schools- a wholeapproach to RestorativeJustice; Jessica KingsleyPublishers, London &Philadelphia, 2006

18

Visão e Missãoda Escola

Visão

Definir coletivamentea visão da escola éconvidar professores,funcionários, alunos efamiliares a responderà seguinte questão: “oque desejam que aescola seja no futuro?”

Missão

A missão da escola sãoseus objetivos, metas evalores, acordados porseus agentes eexpressos de formasintética, para quepossam sercomunicados direta erapidamente a todosos interessados

“Mestres da Mudança: liderara escola com a cabeça e ocoração”, CECIP/APSInternational, Artmed, 2006.

samente no lugar. Mas isso significa-ria se desviar do ponto central. É o ca-minho em direção à mudança quemuda as pessoas. Transformar uma es-cola, ou qualquer instituição, em umlugar onde a justiça restaurativa in-forma o modo como as pessoas intera-gem diariamente umas com as outras,é algo que precisa ser feito restaurati-vamente. Todos que serão afetados pelamudança devem ser envolvidos e sentirque seus pontos de vista são respeita-dos e levados em conta.

Segundo a autora, ao introduzir PráticasRestaurativas em uma escola, é essencialalinhar os valores restaurativos com osvalores e crenças que as pessoas já com-partilham.

Assim, convidar professores, funcionári-os, alunos e pais a retomar (ou criar) aVisão e a Missão18 da escola, à luz dos va-lores restaurativos, contribui para criarum terreno comum, de onde uma novacultura, menos punitiva e mais dialógica,poderá brotar. A Missão de cada escola esua relação com o projeto Justiça e Edu-cação deve ser discutida, possibilitandoque as pessoas planejem o que deve serfeito para que os Círculos Restaurativosse incorporem à metodologia emprega-da nos espaços escolares, tornando-osmais seguros, mais inclusivos e capazesde promover aprendizagens significati-vas para todos.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania50

Decidiu-se pela realização de Círculos Res-taurativos nas unidades escolares nos ca-sos de infrações meramente disciplinares(desentendimento, rebeldia) ou atos infraci-onais de natureza leve.

Consideram-se infrações leves aquelasequiparadas aos delitos de menor potencialofensivo, ou seja, delitos para os quais apena máxima não seja superior a 01 (um)ano ou, mesmo que exceda a um ano, nãotenham graves conseqüências. Assim é que,por exemplo, homicídio tentado ou consu-mado, roubo, seqüestro, extorsão, estupro,atentado violento ao pudor, porte de arma,tráfico de entorpecentes são qualificadoscomo infrações graves. Já atos infracionaiscomo agressões sem lesões, injúria, picha-ção, desacato a funcionário público, danoao patrimônio público são tidos como levese passíveis de abordagem por meio de Cír-culo Restaurativo.

Se a escola realizar o Círculo Restaurativorelativo a caso meramente disciplinar, en-caminhando o relatório do Círculo ao Fórum,o Ministério Público (promotor de justiça) pro-moverá o arquivamento, submetendo-o à ho-mologação do juiz. Se a escola realizar oCírculo Restaurativo referente a ato infraci-onal considerado leve, encaminhando o re-latório do Círculo ao Fórum, o Ministério Pú-blico (promotor de justiça) poderá concedera remissão, uma espécie de perdão, comoforma de exclusão do processo. Em haven-do homologação judicial, o caso será, emseguida, arquivado.

Mas o caso poderá ter início no Fórum, enão na escola, quando o boletim de ocor-rência for lavrado e encaminhado ao pro-motor de justiça. Neste caso, tratando-sede ato infracional, o Círculo Restaurativo

poderá ser feito no Fórum, na escola ouna comunidade e, da mesma forma, na se-qüência, o adolescente poderá receber aremissão.

Se a intervenção ao conflito, representadapelo Círculo, porventura falhar (pela inter-rupção quando ainda em curso, impossibili-dade de se alcançar um Acordo ou mesmopelo descumprimento do Acordo) ainda, as-sim, dependendo do caso (sua gravidade,circunstâncias, conseqüências, primarieda-de do adolescente, seu perfil, etc), o jovempoderá ser beneficiado pela remissão.

Se ela, contudo, não se revelar adequada, oprocedimento para a apuração do ato infra-cional pelo Poder Judiciário terá lugar, apóso oferecimento de representação (espéciede denúncia), pelo promotor de justiça. Aofinal do processo, se reconhecida a res-ponsabilidade do adolescente, após a co-lheita das provas, com a participação dadefesa, o juiz poderá aplicar-lhe uma medi-da socioeducativa (advertência, reparaçãodo dano, prestação de serviços à comuni-dade, liberdade assistida). As medidas desemiliberdade e internação são reservadasaos atos infracionais graves ou a casos dereiteração infracional.

Os casos ainda poderão ter início na comu-nidade, já que membros dela também foramcapacitados em técnicas restaurativas. Seisso acontecer, após o encaminhamento dorelatório do Círculo ao Fórum, o mesmo pro-cedimento acima relatado terá lugar.

Importante ressaltar que, em todas as hipó-teses, o adolescente será tratado com res-peito e dignidade e terá todos os seus direi-tos preservados, conforme determina o Es-tatuto da Criança e do Adolescente.

Círculos Restaurativos nas escolas:a perspectiva da Justiça

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3 | Modo de Fazer I 51

Estratégias,exercícios práticose ferramentas

As estratégias utilizadas visaram possibi-litar aos participantes refletir sobre osconteúdos apresentados e, por meio dessareflexão, encontrar ligações entre as novasidéias propostas e sua prática.

Em vez de palestras sobre os temas, op-tou-se por favorecer a aprendizagem daslideranças educacionais por meio de pro-cedimentos que favorecem o diálogo, ocompartilhar de idéias e experiências, acooperação na resolução de problemas.

Assim, embora momentos de informa-ção sobre conceitos e modelos estives-sem presentes, privilegiaram-se os tra-balhos e vivências em grupo ou em du-plas, em que os participantes podiamcompartilhar idéias, incertezas e expe-riências à luz de novas informações, fa-zer perguntas, levantar questionamentos,buscar respostas coletivas, planejar eavaliar ações, sempre em uma perspec-tiva pragmática, tendo um horizontepróximo à vista: criar as condições bá-sicas para a implementação dos Círcu-los Restaurativos nas escolas.

Abaixo, exemplos de procedimentos uti-lizados e de “formatos” oferecidos aogrupo, como apoio à disseminação, pe-las lideranças educacionais, dos Proce-dimentos Restaurativos no espaço escolar19.

A Mudança Muda as Pessoas

Esse exercício quebra o gelo e possibilitaaos participantes refletir sobre o processode mudança, percebendo que nem todasas mudanças são para melhor.

Refletir sobre mudanças:

� O grupo será dividido em duplas. Fica-rão um de frente para o outro. Vão seolhar e tentar observar seu companhei-ro em detalhes. Em seguida, virados umde costas um para o outro, vão mudaralgo. Ex: soltam o cabelo, tiram o colar.Isto acontece diversas vezes e rápido,durante10 minutos.

� As mesmas duplas vão discutir sobreseus sentimentos e sensações durante aatividade. Depois de cinco minutos, res-pondem a pergunta: “Para vocês, mu-dar é...” (10 min).

� Convidar o maior número possível deduplas para compartilharem respostas.(10 min).

Quem somos nós? Feira deTroca de Informações

Para criar senso de pertencimento nogrupo, e fazer com que percebessem assemelhanças e diferenças entre suas rea-lidades, organizamos uma Feira onde cadagrupo de lideranças apresentava a sua es-cola, seus pontos fortes, fracos e suas es-tratégias de lidar com o conflito. Ao mes-mo tempo, essa dinâmica possibilitou,por meio da interação e da troca de in-formações entre pessoas de diferentesescolas, identificar de forma rápida e di-nâmica o perfil das comunidades escola-res envolvidas no Projeto.

Formam-se grupos por escola. Cada umdeles discute os seguintes pontos:

� O que você mais gosta na sua escola?

� O que você mudaria?

� Existe conflito no espaço escolar emque você está inserido?

� Qual a forma para resolver esses con-flitos?

19A maior parte dessesprocedimentos e formatosfoi entregue, em CD rom ,às lideranças educacionaise facilitadores de PráticasRestaurativas na últimaoficina de liderançaseducacionais (Dezembro/2006).

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania52

Os grupos registram as discussões emcartolina e também fazem uma perguntapara que os outros grupos respondam. Osresultados são expostos nas paredes. Ao

A MAIORIA DAS LIDERANÇAS PARTICIPANTES DO PROJETO...

1) Afirma gostar, em suas escolas, das pessoas; das interações.

2) Mudaria o espaço físico; o número de alunos por sala; o compromisso dos professo-res, a participação das famílias; o tipo de aula (mais prática)

3) Acha que existe conflito no espaço escolar (com exceção de uma equipe, que concluiupela sua inexistência).

4) A estratégia usada para se lidar com o conflito é o diálogo.

ALGUMAS PERGUNTAS DAS EQUIPES ESCOLARES:

� Quais são as providências tomadas pela escola, quando há o conhecimento de possí-vel abuso sexual sofrido pela criança/adolescente?

� Como lidar com um aluno que faz gestos obscenos a todos da Unidade Escolar, sendoque o mesmo já é acompanhado pelo Conselho Tutelar?

� Ao perceber que o aluno é usuário de drogas e causa conseqüências desagradáveis,como a destruição do espaço escolar e outros, o que fazer neste caso?

� Quais os recursos utilizados para a questão da indisciplina?

� Como fazer a família interagir melhor com a vida escolar de seu filho?

� Que tipo de trabalho é feito para diminuir o vandalismo?

� Como a escola trabalha com a questão da discriminação e do preconceito racial?

Interessante observar que, para lidar com conflitos, as escolas não afirmam recorrer aoSistema Disciplinar. Isso pode significar que as ocorrências disciplinares, como bullying,agressões verbais e físicas, tão comuns no ambiente escolar, não são vistas como conflitos.Ou que o Sistema Disciplinar não é utilizado.

Outro ponto a ser destacado é a unanimidade em dizer que o diálogo é utilizado como meio delidar com os conflitos. Como os conflitos continuam existindo, isso poderia significar que“diálogo não funciona”. No entanto, o que as pessoas entendem por diálogo? Como ele éexercitado? No Curso de Formação de Facilitadores de Práticas Restaurativas, observou-sea enorme e generalizada dificuldade em se exercitar uma habilidade básica para o diálogo, a“escuta ativa”.

COMO SOMOS?

lado de cada cartaz, fica um membro daequipe da escola, para explicar o que es-creveram e ouvir as respostas à perguntado grupo.

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3 | Modo de Fazer I 53

O que é violência para mim?

A violência possui diferentes significados para diferentes pessoas.

A estratégia da Flor (Adaptado de “Mestres da Mudança”, p.68) possibilita que, em poucotempo, todos os membros de um grupo possam saber o que cada um pensa sobre deter-minado assunto. Cada participante desenha, individualmente, uma flor grande. No miolo,pedimos para colocar o que entendia por violência”. Nas pétalas, as manifestações daviolência. Em seguida, em grupo, decidem o que colocar no miolo e nas pétalas. Algunsresultados obtidos:

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania54

20Termômetro(De Veilige school –A escola segura – PMVO,Holanda)

COMO VOCÊ SE SENTIU NA ESCOLA

E NA COMUNIDADE ESSE MÊS?

EU ME SENTI :Na sala de aula :Seguro ( ) não muito seguro ( ) inseguro ( ) muito inseguro ( )

Na escola:Seguro ( ) não muito seguro ( ) inseguro ( ) muito inseguro ( )

Nos arredores da escola:Seguro ( ) não muito seguro ( ) inseguro ( ) muito inseguro ( )

Entre a escola e a casa e vice versa:Seguro ( ) não muito seguro ( ) inseguro ( ) muito inseguro ( )

ESSE MÊSMexeram comigo e ou me intimidaram:Nunca ( ) algumas vezes ( ) muitas vezes ( ) o tempo todo ( )

Me xingaram e ou ameaçaram:Nunca ( ) algumas vezes ( ) muitas vezes ( ) o tempo todo ( )

Fiquei com medo de certos alunos:Nunca ( ) algumas vezes ( ) muitas vezes ( ) o tempo todo ( )

Algo meu foi roubado:Nunca ( ) algumas vezes ( ) muitas vezes ( ) o tempo todo ( )

Eu estive envolvido em briga e ou violência física:Nunca ( ) algumas vezes ( ) muitas vezes ( ) o tempo todo ( )

Eu conversei sobre essas coisas com a seguinte pessoa na escola:_____________________________________________________.

E isso: Ajudou ( ) não ajudou ( )

Esse questionário pode ser facilmente aplicado em uma ou mais classes, tabulado e seusresultados poderão ser imediatamente utilizados.

Pesquisa: o Termômetro da Violência20

Esse questionário permite medir o quão seguros os alunos e a equipe de uma escola sesentem, e quais são as formas de violência com a qual se confrontam na escola. Pode serrepetido um ano depois, para verificar o impacto do Projeto Justiça e Educação.

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3 | Modo de Fazer I 55

Plano de Ação REMAR

O plano de Ação REMAR é um plano in-teligente, porque une as pessoas, fazendocom que remem na mesma direção aoperseguirem objetivos comuns e produzresultados mensuráveis, em curto espaçode tempo. Na formação de lideranças, esseinstrumento foi usado várias vezes.

Por exemplo, planejou-se a implementa-ção da pesquisa sobre violência nas es-colas. Outro Plano de Ação foi realizado,para se construirem as condições que fal-tavam para a efetivação dos Círculos Res-taurativos.

Dramatização de CírculoRestaurativo

A melhor forma de apresentar uma in-formação nova é colocá-la em prática,mobilizando todas as inteligências dosparticipantes.

Assim, não basta descrever com palavraso Círculo Restaurativo. É preciso mos-trar imagens do Círculo em vídeo. Ou,melhor ainda, possibilitar às liderançaseducacionais presenciarem a simulaçãode um Círculo realizado pelos participan-tes do Curso de Formação de Facilitado-res de Práticas Restaurativas.

A dramatização foi utilizada em outrosmomentos, por exemplo, possibilitando queos participantes representassem situaçõesde conflito existentes em suas escolas.

Sobre Fins e Começos

O encerramento de um Curso é carregadode valor simbólico e representa para os par-ticipantes o momento em que se defron-

tam com o desafio de seguir adiante, de for-ma autônoma. A Facilitadora de MudançasEducacionais acredita na competência dosparticipantes e confia em sua capacidadede seguir adiante, agora compreendendoque fazem parte de um grupo, que não es-tão sozinhos.

Para transmitir aos participantes a sensaçãode que o fim representa um começo, e queeles são capazes de impulsionar mudanças, asseguintes estratégias foram utilizadas:

� Leitura da história “O equilibrista”, deFernanda Lopes de Almeida (EditoraÁtica, 1989), que reflete as diferentesformas de construção de valores éti-cos e dos diversos olhares sobre as ati-tudes diante da vida;

� Mostrar os desenhos, solicitando a to-dos que se levantassem quando se iden-tificassem com os personagens da his-tória;

� Eles identificavam situações fictíciascom a realidade objetiva;

� Reapresentação do power point utili-zado no Seminário de mobilização,onde estava descrito o passo a passodo Projeto. À medida que os profissi-onais descritos nos objetivos e estra-tégias do Projeto eram mencionadosnos slides, a facilitadora pedia que selevantassem.

Com isso, todos puderam perceber suaimportância na construção e implemen-tação das Práticas Restaurativas, e o sig-nificado de seus esforços, que haviamtransformado meras palavras e intençõesem realidades.

Ao receberem o CD-rom com os proce-dimentos, os participantes reafirmarama intenção de continuar as ações do Pro-jeto Justiça e Educação, mesmo após o tér-mino das capacitações.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania56

Apoio a mudançasnas Varas daInfância eda Juventude

A adoção, pela Justiça, dos Círculos Restau-rativos como estratégia para lidar com ado-lescentes em conflito com a lei – alunos –exige um repensar de valores, crenças e pro-cedimentos, por parte dos agentes do PoderJudiciário e do Sistema de Justiça, incluindoprofissionais das Varas de Infância e Juven-tude (juízes, promotores, equipe técnica), dosCartórios, da Segurança Pública (delegados,policiais) e dos órgãos da Rede de Apoio eProteção à Criança e ao Adolescente.

As mudanças de paradigma demandadasao Sistema de Justiça são tão profundasquanto às que vimos tentando implemen-tar no Sistema Educacional em nosso país,desde o início do século passado. Tanto nomodelo da Educação Transformadora21,quanto no da Justiça Restaurativa, transita-se da abstração na definição de conheci-

mento da Lei, para a concretude; da estig-matização de erro e do conflito, para a suavalorização; da heteronomia para a auto-nomia; da concentração para a desconcen-tração de poder; da verticalidade / monó-logo para a horizontalidade / diálogo.

O fato de que passados quase 80 anos do lan-çamento do Manifesto dos Pioneiros da Edu-cação Nova, convivam no Sistema Educaci-onal o modelo Transformador (presente nasdiretrizes educacionais e nos parâmetroscurriculares) e o Tradicional (na prática degrande parte das escolas) mostra a lentidãodos processos de mudança cultural.

Na Educação, o novo paradigma já se tor-nou hegemônico entre o “alto clero” (inte-lectuais da Universidade, autores, especia-listas, formadores de opinião). O processode transformação em curso no campo daJustiça tem a mesma urgência e enfrenta osmesmos desafios que os da Educação.

Dentre os inovadores do Sistema Judiciá-rio, estão os Juízes e Promotores que assu-miram a liderança do Projeto Justiça e Edu-cação em Heliópolis e Guarulhos: parceriapara a cidadania, nas Varas da Infância e daJuventude em Heliópolis (Capital) e Guaru-lhos. Os Magistrados realizaram o trabalhoem condições distintas, que procuramosexpressar nas seguintes diferenças:

Atuar “na própria casa” X atuar “nacasa do outros”

Enquanto, em Guarulhos, a abordagem res-taurativa vem sendo adotada pelo titular daVara desde 2002, em Heliópolis um juiz22 foidesignado especialmente para trabalhar jun-to a outros colegas, esses, sim, titulares das 4Varas Especiais da Infância e da Juventude daCapital, que concordaram em abrir espaçopara que essa nova estratégia fosse experimen-

A Justiça Restaurativa implica emuma grande mudança cultural, ouseja, em síntese, na assimilação daidéia de que os conflitos, muitas vezes,podem ser administrados pelospróprios envolvidos, devidamenteauxiliados por pessoas capacitadas,sem que haja a interferência dospoderes constituídos. E, como todamudança cultural, é lenta, gradativa eexige um trabalho persistente einvestimento contínuo.

Promotora Luciana B. Tchorbadjian

21Dewey, Piaget, Vigotsky ,Luria , Anísio Teixeira,Freire, entre outros

22O Juiz de DireitoCoordenador do Projetode Justiça Restaurativa emHeliópolis foi designado,pelo Tribunal de Justiça doEstado, para auxiliar os 04(quatro) Magistrados queatuam nas Varas Especiaismencionadas. A ele estãosendo encaminhados todosos procedimentos quetratam de jovensinfratores moradores daregião de Heliópolis ouestudantes das 08 (oito)escolas parceiras doprojeto. De formasemelhante, aProcuradoria-Geral deJustiça designou umaPromotora de Justiça paraauxiliar os Promotores deJustiça que atuam peranteas Varas Especiais,especificamente no que dizrespeito à implementaçãodo Projeto Piloto deJustiça Restaurativa.

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3 | Modo de Fazer I 57

tada, e repassar para o juiz da “seção de JustiçaRestaurativa” todos os casos de infração co-metidos por adolescentes de Heliópolis23.

Consolidar e ampliar X apresentare iniciar

Em Guarulhos tratava-se de consolidar e am-pliar as condições para a implementação deCírculos Restaurativos, e de fortalecer as re-lações e interações já existentes entre o Fó-rum e outras organizações sociais. Em He-liópolis, foi preciso introduzir novos proce-dimentos dentro de uma estrutura e uma or-ganização consolidadas, no ambiente do Fó-rum, procurando não acrescentar mais tra-balho e preocupações aos já sobrecarrega-dos titulares das Varas, responsáveis por to-dos os processos de adolescentes em confli-to com a lei da cidade de São Paulo. (cerca de1500 casos por ano para cada juiz, com até 30audiências diárias por juiz)24.

Continuar a interação com CMDCAe órgãos da Rede de AtendimentoX propor interação e repensar fluxos /interações entre órgãos da Rede deAtendimento

Em Guarulhos, a relação da Vara da Infância eda Juventude com o Conselho Municipal deDireitos da Criança e do Adolescente –CMDCA – é mais próxima. Em Heliópolis, ve-rificou-se que o CMDCA de São Paulo e asVaras Especiais de Infância e Juventude daCapital encontram mais dificuldades em in-teragir, inclusive devido ao gigantismo da re-gião metropolitana. Em Guarulhos, a Rede deAtendimento já estava constituída, inclusivecom rotina estabelecida de encontros gerais.Em Heliópolis, apesar da existência de dife-rentes entidades e organizações voltadas àscrianças e adolescentes, sua atuação era pre-dominantemente isolada, desarticulada.

Competência jurisdicional paraquestão da criança e do adolescenteconcentrada em um único órgão dejurisdição, e em um único Juiz,favorecendo a articulação local XCompetência jurisdicional distribuídapor vários órgãos e vários juízes, emcontexto abrangente e fragmentado

Em Guarulhos, a Vara da Infância e da Ju-ventude tem competência cumulativa paraa apreciação de todas as causas relativas aoDireito da Criança e do Adolescente, con-forme o previsto no art. 146 e seguintes daLei n.º 8.069/90 e art. 98 do mesmo DiplomaLegal, abrangendo tanto os casos de apura-ção de ato infracional e execução de medi-das socioeducativas como os de naturezacível (pedidos de providências, guarda, vi-sitas, adoção, destituição do poder familiar,autorizações de viagem, alvarás para per-missão de entrada de crianças e adoles-centes em determinados locais ou even-tos, etc.). Sendo uma única Vara, conta comum só juiz e mais 18 serventuários no Car-tório, cinco assistentes sociais, três psicó-logas, dois estagiários e quatro oficiais deJustiça. Junto à Vara, atuam também doispromotores de justiça, um para a matériade natureza cível e outro para a relaciona-da a atos infracionais. Cada um dos pro-motores de justiça tem um funcionário àdisposição. A Procuradoria do Municípioatua prestando o serviço de assistência ju-diciária gratuita aos necessitados, contan-do com dois advogados.

Em Heliópolis, o Projeto-Piloto da JustiçaRestaurativa acontece no contexto das Va-ras Especiais da Infância e da Juventudeda Capital de São Paulo. Os casos de todosos adolescentes infratores a quem éatribuida a prática de ato infracional sãoencaminhados ao Fórum das Varas Espe-ciais, localizado nas proximidades da re-gião central da cidade. Quer o jovem resi-

23Após três meses deimplementação do projeto,constatou-se que onúmero de casosenvolvendo adolescente emconflito com a lei, comresidência em Heliópolis,era, em muito, inferior, aoesperado inicialmente.Assim, o setor, passou areceber, também, eventuaiscasos referidos a atosinfracionais de menorpotencial ofensivo, onde seconstatasse a existência dealgum vínculo relacionalmais duradouro entrevítima e infrator. Estescasos são encaminhados ao“setor de JustiçaRestaurativa” a critériodos Juízos das VarasEspeciais(preponderantemente atosinfracionais relacionados acrimes contra a honra, ouque envolvam alunos deescolas).

24Para que se tenha umaidéia da quantidade deprocessos que aportam noFórum das Varas Especiais,note-se que, apenas no anode 2006,somaram mais de 13 milos que nele deram entrada.A título de exemplo, foramdistribuídos 2310 casosreferentes a atosinfracionaiscorrespondentes ao delitode roubo; 1730 casos deatos infracionaisequivalentes ao crime defurto; 1219 referentes aocrime de lesões corporaise 395 correspondentes aosdelitos contra a liberdadeindividual (artigos 146 a154 do Código Penal).

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania58

da em Parelheiros, extremo sul da cidade,quer em Itaquera, extremidade da zonaleste, ele e seus responsáveis devem com-parecer ao referido Fórum.

O Fórum das Varas Especiais é dividido emdois setores: o do conhecimento e o da exe-cução. O setor de conhecimento conta comquatro Magistrados. Cada um deles é respon-sável por uma das quatro Varas Especiais. Aeles competem conhecer os atos infracio-nais praticados por adolescentes e, se for ocaso, aplicar as medidas socioeducativas e/ou protetivas previstas em lei. Já, ao segundosetor mencionado, intitulado Departamen-to de Execuções da Infância e da Juventudeda Capital – DEIJ – cabe cuidar da execuçãoda medida socioeducativa imposta ao joveme fiscalizar as entidades de atendimento aoadolescente autor de ato infracional.

Existem, ainda, Varas da Infância e da Ju-ventude (não especiais) instaladas e emfuncionamento tanto no Foro Central daCapital como em dez Foros Regionais, emdiferentes bairros. Contudo, os respectivosjuízes não têm competência para conhecere apreciar os atos infracionais praticadospor adolescentes.

As quatro Varas Especiais e o DEIJ, bem comoseus respectivos cartórios judiciais, contamcom cerca de 150 funcionários. Há, ainda, oCartório Distribuidor, porta de entrada de to-dos os casos que envolvem jovens autores deato infracional.

O setor técnico do Fórum das Varas Especi-ais é composto por treze assistentes sociaise dez psicólogas que atuam perante as qua-tro Varas e perante o Departamento de Exe-cuções e atendem casos ocorridos em todoEstado de São Paulo.

O Ministério Público local conta com quinzecargos de promotores de justiça. Doze deles

têm atribuições para oficiar perante o Setorde Conhecimento e os outros três perante oDEIJ. São 26 os funcionários do MinistérioPúblico lotados na Promotoria de Justiça.

A Defensoria Pública conta, atualmente,com dez defensores, que atuam perante osdois Setores – o de Conhecimento e o De-partamento de Execuções – e seis funcio-nários.

O Juiz de Direito Coordenador do Projeto-Piloto de Justiça Restaurativa não tem com-petência para apreciar os casos em fase deexecução das medidas socioeducativas,mesmo que o jovem infrator seja oriundode Heliópolis. A Promotora de Justiça tam-bém não tem atribuição para oficiar pe-rante o Departamento de Execuções.Tampouco, a competência para apreciaros casos envolvendo crianças ou adolescen-tes em situação de risco (competência daVara da Infância e da Juventude).

As diferenças entre os contextos de atua-ção dos Juízes em Heliópolis e Guarulhostrouxeram, portanto, desafios diferentes eigualmente complexos a cada um deles. Otema do desafio em Heliópolis girou emtorno da iniciação da inovação. O tema, emGuarulhos, girou em torno da implementa-ção da inovação e de sua ampliação/aprofundamento. Além disso, ambos tive-ram como objetivo geral, diagnosticar asdificuldades estruturais e institucionaispara a implementação de Práticas Restau-rativas no Sistema de Justiça ligado à Infân-cia e Juventude em uma metrópole comoGuarulhos, em uma megalópole, como SãoPaulo, contribuindo para o aprimoramen-to na forma de estruturação e articulaçãode referido Sistema de Justiça. Em ambosos casos, há ainda um longo caminho a serpercorrido para que, no futuro, possa au-mentar, no mundo jurídico, o consenso so-bre conceitos-chave, como por exemplo:

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3 | Modo de Fazer I 59

� Punição: deverá existir o reconheci-mento de que punir com rigor cada vezmaior os adolescentes que infringem alei não contribui para o objetivo deseja-do, que é evitar a reincidência do com-portamento ofensivo e possibilitar a in-tegração do jovem à sociedade.

� Responsabilização: haverá o reconhe-cimento de que a alternativa à puniçãonão é a impunidade, mas a responsabili-zação, ou seja, possibilitar que quem pra-ticou o ato ofensivo assuma responsabi-lidade diante do que praticou, compre-endendo as conseqüências para o outro epara si mesmo, das escolhas que fez. Aomesmo tempo, se compreenderá que aresponsabilidade pelo ato infracional nãoé apenas de quem praticou o ato, mas deum conjunto de atores sociais, inclusivedo Poder Público e da comunidade.

Metodologiae estratégias

Tanto em Guarulhos, como em Heliópolis, ametodologia utilizada para, gradativamen-te, envolver as equipes de diferentes profis-sionais das Varas da Infância e da Juventu-de na nova abordagem representada pelosprocedimentos de Justiça Restaurativa ba-seou-se na crença do poder do diálogo en-tre diferentes, e na força da demonstraçãoda eficácia dos novos procedimentos.

Algumas estratégias utilizadas:

� Reuniões individuais formais inter-pa-res (Juiz X Juízes; Promotora X Promo-tores) para apresentação e discussão daproposta-Heliópolis.

� Reunião realizada pelo Juiz sobre Justi-ça Restaurativa, com os Promotores –Varas Especiais da Infância e da Juven-tude da Capital.

� Reuniões com os Diretores de Cartóriosobre os procedimentos em relação aosprocessos em casos de aplicação da Jus-tiça Restaurativa (Círculos).

� Conversas informais, com os colegas, peloJuiz e Promotora designada para o Projeto.

� Distribuição de textos informativos so-bre Justiça Restaurativa.

� Convite aos membros da equipe técnica(assistentes sociais e psicólogas) paraque participem do Curso de Formaçãode Facilitadores de Práticas Restaurati-vas, aprendendo a conduzir os CírculosRestaurativos.25

� Encontros com a equipe técnica, cujosmembros estão sendo capacitados paraatuar como facilitadores de Práticas Res-taurativas para discussão de casos.

� Valorização do trabalho desempenhadopelos membros da equipe, motivando-os.

� Apresentação, aos pares, dos procedi-mentos técnicos e dos resultados dosCírculos realizados, demonstrando a se-riedade dos mesmos.

A definição clara dos procedimentos e flu-xos de comunicação envolvidos na imple-mentação do Círculo Restaurativo no Fórum(ver p. 61), com ampla divulgação dos mes-mos junto aos profissionais das Varas da In-fância e da Juventude foi também uma es-tratégia-chave utilizada nessa etapa do pro-cesso de implantação da Justiça Restaurativaem Heliópolis e Guarulhos.

Procedimentos efluxos para realizaçãodos Círculosrestaurativos no Fórum

O encaminhamento aos Círculos Restaura-tivos depende da admissão, pelo adolescen-te, da prática do ato tido como infracional,de sua concordância, bem como o consenti-

25Em Guarulhos, aProcuradoria doMunicípio participou dascapacitações e oficinas, pormeio de uma Procuradora-Chefe e um funcionário, osquais cooperaram com aequipe da VIJ para arealização de CírculosRestaurativos no âmbitodo Fórum.Representantes de todos osquatro Conselhos Tutelaresdo Município estiverampresentes às reuniões decapacitação, oficinas delíderes e supervisão. UmaAssistente Social daSecretaria Municipal daAssistência Social tambémfreqüentou a capacitação,tendo a referida Secretariadecidido pelaimplementação de Círculospara o atendimento deconflitos familiares noâmbito do CRAS (Centrode Referência daAssistência Social).

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania60

mento do responsável, da vítima e da Defen-soria. Isso se dá, em princípio, nos casos deprática de atos infracionais equivalentes aosdelitos de menor potencial ofensivo.

A participação dos envolvidos – adolescen-te, seu responsável, vítima e pessoas por am-bos indicadas – no Círculo Restaurativo,que tem como objetivo a efetiva responsa-bilização do jovem, com a percepção porele, das conseqüências de seu ato, oempoderamento da vítima e da comunida-de e a construção de acordo que importena reparação dos danos causados e na res-tauração da relação rompida com a práticada infração. O encaminhamento ao Círculopropicia, também, que sejam verificadas etrabalhadas as causas da infração.

Os procedimentos e fluxos para realizaçãodos Círculos Restaurativos no Fórum sãobasicamente os mesmos em Heliópolis eGuarulhos; no entanto, é importante notaras pequenas diferenças/nuances, uma vezque apontam para a flexibilidade dos ca-minhos restaurativos. Respeitados os prin-cípios básicos, eles podem ser adaptados erecriados de acordo com as exigências es-pecíficas de cada realidade.

Apoio a mudançasna comunidadeA maior parte dos conflitos que ocorrem nasfamílias e comunidades podem ser resolvi-dos de forma pacífica quando pessoas co-muns se apropriam de habilidades básicascomo as envolvidas no manejo de CírculosRestaurativos. Lideranças comunitárias po-dem tornar-se facilitadores de Práticas Res-taurativas e possibilitar que partes envolvi-das em conflito cheguem a Acordos que be-neficiem a todos e façam avançar a qualida-de de vida no quarteirão ou no bairro.

Tanto em Heliópolis, quanto em Guarulhos,percebeu-se interesse por parte de mora-dores em se apropriar das habilidades ne-cessárias à operação de Círculos Restaura-tivos. Eles participaram das Oficinas de Ca-pacitação de Facilitadores de Práticas Res-taurativas e já começaram a atuar em dife-rentes espaços, inclusive em escolas.

Em Heliópolis, foram capacitados para atua-rem como Facilitadoras Restaurativas duasConselheiras Tutelares, e mais sete integran-tes da comunidade, entre lideranças comuni-tárias, técnicos de instituições que atuam noacompanhamento de liberdade assistida, pres-tação de serviços, ou membros de organiza-ções com atuação social na região. Desta for-ma, foram estruturados espaços comunitári-os de resolução de conflito, viabilizando a pro-cura espontânea de formas de resolução deconflitos e a articulação entre a comunidadee as instituições de atendimento. Os Círculosrealizados fora do Fórum e do ambiente es-colar estão sendo realizados no Conselho Tu-telar, na sede da organização não governamen-tal “Unas”26, na entidade Refazendo Vínculos27,e na Fundação Nossa Senhora Auxiliadora doIpiranga – FUNSAI. O Juiz de Direito e a pro-motora de Justiça designados para atuaremno projeto, deslocaram-se em diversas opor-tunidades para a comunidade, realizando en-contros com representantes de organizaçõesformais e informais.

Em Guarulhos, a comunidade organiza-seem dois locais para a realização de Círcu-los. Nos Conselhos Tutelares, realizam-se osCírculos para os casos de atos infracionaisatribuídos a crianças e adolescentes. Outrolocal é o Centro de Referência da Assistên-cia Social – CRAS, no qual os conflitos fa-miliares são objeto de Círculos Restaurati-vos. A intenção é expandir a utilização domodelo, abordando espécies diversas deconflitos, e recorrentes no atendimento ofe-recido pelos órgãos de assistência social.

26União de NúcleosAssociações e Sociedadesde Moradores deHeliópolis, com projetosde liberdade assistida eculturais, entre outros.

27Refazendo Vínculos,Valores e Atitudes: Projetode trabalho sócio-educativo junto a jovens eadolescentes em conflitocom a lei, resultado deconvênio com o FundoMunicipal da Criança e doAdolescente e Secretaria deAssistência eDesenvolvimento Socialdo Município de São Paulo,na região de Heliópolis. Oacompanhamento sócio-jurídico, o apoiopsicológico e a realizaçãode oficinas de teatro,música, artes-plásticas,grafitagem e informáticasão complementados peloprojeto Oriente-se, queatinge pais e educadoresnas escolas, postos desaúde e outros espaços dacomunidade, na orientaçãoe reflexão sobre temas equestões como drogas,sexualidade, violência.

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3 | Modo de Fazer I 61

1. Condições deencaminhamentode casos aoCírculo

2 . Quemencaminha

3 . Como se dáa oitiva

4. Quem organizae realiza oCírculo

5. Como aconteceo Pré-Círculo

Idem.

Serão realizados no Fórum os Círculos Res-taurativos advindos de conflitos provenien-tes das comunidades das escolas não parti-cipantes do projeto, assim como conflitos emque se verifique a existência de uma dimen-são comunitária, como conflitos de vizinhan-ça ou intra-familiares.

O processo é encaminhado ao Ministério Pú-blico, que após análise detalhada, observan-do as circunstâncias e os benefícios que jus-tificam a aplicação das Práticas Restaurati-vas, faz a opção requerendo remessa dosautos para a realização de Círculo Restaura-tivo, designando preliminarmente, data paraoitiva do adolescente.

Na data designada, o jovem, devidamenteacompanhado de seu responsável, compa-rece na Promotoria de Justiça para oitiva in-formal e é indagado acerca do ocorrido, co-lhendo-se a termo suas declarações. Admi-tindo a verdade dos fatos, recebe então ex-plicação detalhada acerca da finalidade eobjetivos da Justiça Restaurativa, sendo emseguida, indagado sobre o interesse em par-ticipar do Círculo.

Integrantes do setor técnico – assistentes sociaise psicólogas; escreventes e integrantes da Pro-curadoria do Município. Além disso, é permitida aparticipação de qualquer outro facilitador (oriundoda comunidade ou da escola) que tenha participa-do da capacitação.

Se existe aprovação do autor do ato, realiza-sedesde logo o Pré-Círculo com o adolescente eresponsáveis. Posteriormente, é feito contatocom a pessoa apontada como vítima, atravésdos facilitadores, visando colher sua aceitaçãopara a participação do Círculo Restaurativo; emcaso positivo, realiza-se o Pré-Círculo.

Para que o caso seja encaminhado para o Cír-culo Restaurativo, é necessário que ocorramtrês condições: (a) se trate de ato infracionalreferentes a crime e atos infracionais de menorpotencial ofensivo praticados, em tese, por ado-lescentes residentes em Heliópolis ou, ainda quenão seja residente em Heliópolis, onde se cons-tate também a existência de algum vínculorelacional mais duradouro entre o autor e re-ceptor do ato; (b) haja a assunção da autoria daprática do referido ato; e (c) voluntariedade departicipação no Círculo, por parte daqueles en-volvidos diretamente no ato infracional, seusrepresentantes legais, Defensoria Pública, Mi-nistério Público e do Juiz de Direito.

São encaminhados ao “setor de Justiça Res-taurativa”, uma vez preenchidos os requisi-tos constantes no quadro 1. Não sendo o ado-lescente residente em Heliópolis, o caso seráencaminhado ao “setor” a critério dos Juízesdas Varas Especiais, após verificarem even-tual potencial do caso (preponderantementeatos infracionais relacionados a crimes con-tra a honra ou que envolvam alunos de outrasescolas).

Já na oitiva informal, há uma ampliação dosparticipantes, envolvendo além da Promotorade Justiça, o Juiz de Direito, o Defensor Públi-co e uma integrante da equipe técnica, quejuntos avaliam se o caso é ou não de encami-nhamento para o Círculo. Encaminhado o casopara o Círculo Restaurativo, é determinada asuspensão do procedimento.

Integrantes do setor técnico – assistentes so-ciais e psicólogas. Além disso, é permitida aparticipação de qualquer outro facilitador(oriundo da comunidade ou da escola) quetenha participado da capacitação.

Caso o autor do ato ofensivo aceite participardo Círculo, o Pré-Círculo será conduzido porintegrante da equipe técnica do Fórum. Pos-teriormente, é realizado o Pré-Círculo com oreceptor do ato danoso e eventuais outrosparticipantes do Círculo.

Procedimentos/

FluxosHeliópolis Guarulhos

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania62

6. Onde e comoacontece oCírculo

7. Como se dá oacompanhamentodo Acordo

8. Pós-Círculo/Acordocumprido

9. Pós-Círculo/Acordodescumprido

10. Outrosencaminhamentos

O Círculo pode ser realizado no espaço pre-parado para tanto, no próprio Fórum; ou en-caminhado para ser realizado no ambienteda escola que o adolescente esteja matricu-lado ou, ainda, no espaço localizado na co-munidade. Havendo acordo, aguarda-se ocumprimento do mesmo, sendo designado oPós-Círculo para verificação da realizaçãoda avença. Como no Círculo se trabalha comassunção de diversos níveis de responsabi-lidade, envolvendo todos presentes, sobre-maneira com a responsabilidade da rede pri-mária, eventualmente poderá ser sugerida,ainda, a aplicação de medida de proteção aoJuíz da Vara Regional, para aplicação de me-dida em relação aos representantes legaisdo adolescente. Não está descartada a pos-sibilidade do Círculo se prestar, ainda, paranortear eventual medida socioeducativa oude proteção que se entenda necessário apli-car ao adolescente.

A equipe técnica e o Conselho Tutelar efetu-arão o acompanhamento devido, visando oefetivo cumprimento do Acordo homologadopela autoridade judiciária.

Cumprido o Acordo, o mesmo retorna ao Mi-nistério Público que, verificando a inexistênciade qualquer irregularidade, propõe a remis-são. Na seqüência, a proposta de remissão éhomologada pelo Juiz.

Não se descarta a possibilidade de realizarnovo Círculo na hipótese de descumprimentodo Acordo.

As partes podem desistir do procedimento aqualquer momento, tendo em vista que a par-ticipação é estritamente voluntária.

O autor e o receptor do ato e a comunidadeexpressarão seus sentimentos, descreven-do como foram afetados, e desenvolvendoum plano para reparar os danos ou evitar quevoltem a se repetir, dialogando e chegando aum acordo como sujeitos centrais do proces-so. Os Círculos Restaurativos no Fórum con-tarão com a participação de integrantes dossetores técnicos (Social e da Psicologia). Ou-tros funcionários da Vara da Infância tambémpoderão estar presentes, assim como con-selheiros tutelares e outros integrantes dacomunidade relacionados à solução do con-flito e suas causas.

Idem.

Idem.

Idem.

Idem.

Procedimentos/

FluxosHeliópolis Guarulhos

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3 | Modo de Fazer I 63

Fortalecimentode Redes “A articulação da Rede de Atendimento aosdireitos da criança e do adolescente requermudança de papéis no Sistema de Justiça,de Educação, de Segurança, numa perspec-tiva restaurativa”28

Para Jacqueline Moll, criar uma cidade edu-cadora, onde crianças, jovens, adultos e ve-lhos aprendam e se aperfeiçoem, semprepressupõe a realização de “Ações intencio-nalmente desenvolvidas, conectando espa-ços formais e informais, podem ocorrer pelaação mediadora de diferentes atores soci-ais, com ações locais desencadeadas na rua,no bairro, na região, a partir de temas pas-síveis de problematização”29.

Cidades educadoras são aquelas onde po-dem se desenvolver Comunidades deAprendizagem: “comunidade humana or-ganizada, que constrói e se envolve emum projeto educativo e cultural próprio,para educar-se a si mesma, a suas crian-ças, jovens e adultos, no marco de um es-forço endógeno, cooperativo e solidário,baseado em um diagnóstico não apenasde suas carências, mas de suas forças parasuperar tais debilidades30.

Cidades, bairros, comunidades, escolastornam-se ambientes seguros onde os di-reitos da infância e da adolescência àeducação, à saúde, ao lazer, ao respeito e àconvivência, entre outros, sejam atendi-dos, por meio da criação e fortalecimen-to de Redes de Apoio.

A rede primária de apoio – a mais im-portante – é constituída pela família, ami-gos e vizinhos dessas crianças e jovens.Quanto mais as famílias e seu entorno co-

laborarem e se apoiarem mutuamente,mais forte será a rede primária e maio-res serão as possibilidades de desenvol-vimento dos mais jovens.

A rede secundária é a Rede de Atendi-mento – formada pelas organizações einstituições que oferecem ou deveriamoferecer diferentes serviços de proteçãoe apoio à realização plena do potencialdas crianças, adolescentes e suas famílias– escolas, universidades, fundações, pos-tos de saúde, entidades de assistência so-cial, organizações voltadas à prevenção etratamento da violência doméstica,drogadição e outras. Quando essas orga-nizações e instituições trabalham de for-ma isolada, ignorando-se mutuamente, arede se esgarça e desaparece, tornando-se incapaz de fazer frente ao desafio deatender aos direitos das crianças e dosadolescentes.

A Justiça Restaurativa propõe fortalecero trabalho em rede, promovendo parce-rias entre atores e forças, e tornando pos-sível superar e enfrentar problemas que,isoladamente, nenhuma das instituiçõesou organizações seria capaz de resolver.A escola, por exemplo, para desempenharbem seu papel, precisa que a saúde de seusalunos seja bem cuidada nos centros deatendimento, que programas sociais aten-dam às necessidades das famílias em si-tuação de pobreza ou miséria, que seusalunos possam ter acesso a oportunida-des de esporte, lazer e cultura na comu-nidade, e assim por diante.

28Dr. Eduardo Melo, Juiz daVara da Infãncia de S.Caetano do Sul

29A Cidade educadora comopossibilidade –apontamentos, in CidadeEducadora, a experiênciade Porto Alegre, Cortez Ed,2004.

30Comunidades deAprendizagem: umacomunidade organizada,Rosa María Torres, 1999.Essas citações foramretiradas do artigo “Aaprendizagem dacooperação:desenvolvendo o potencialde escolas, comunidades ejovens” , Madza Ednir, Inst.Credicard, ProgramaJovens Escolhas em Redecom o Futuro, 2007.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania64

zando seu funcionamento a partir de reu-niões mensais, nas quais os participantescomparecem voluntariamente para o di-álogo, examinam prioridades, discutema melhor forma de lidar com os proble-mas sociais existentes, elaboram proje-tos, organizam capacitações e há comu-nicação sobre informações que são de in-teresse dos participantes. Dentro da rede,houve a formação de três grupos perma-nentes de trabalho (comunicação,capacitação e projetos), estabelecendo-se a possibilidade da formação de gruposde trabalho temporários, com finalida-des específicas.

Funcionamento

Desde então, a rede em Guarulhos reúne-se mensalmente. Participam com regula-ridade integrantes da Vara da Infância eda Juventude, dos Conselhos Tutelares,Conselho Municipal de Direitos da Cri-ança e do Adolescente, Secretarias Muni-cipais de Assistência Social, Saúde e Edu-cação, Diretoria de Ensino, ONGs, Defen-soria Pública e outros.

Desta iniciativa já frutificaram ações re-levantes para a Comarca, tais como:

a) a inserção de informações sobre as enti-dades de atendimento à infância e à juven-tude (localização, contato, objeto de traba-lho, entre outras) no programa de informá-tica para referenciamento geográfico doMunicípio, atualmente disponível naInternet31; b) lançamento de programa-pi-loto de famílias acolhedoras, como alterna-tiva à medida protetiva de abrigamento; c)redução da ordem de 25% no número decrianças e adolescentes abrigados, entre osanos de 2004 e 2006; d) resolução do pro-blema de falta de vagas para abrigamentodentro da Comarca para crianças ou ado-lescentes sem necessidades especiais.

Metodologiae procedimentosem GuarulhosFormação

Mediante parceria entre Poder Judiciá-rio, Ministério Público, a organizaçãonão-governamental Amici dei Bambini– AIBI, e a Associação de Assistentes So-ciais e Psicólogos do Tribunal de Justiça– AASPTJ, além de outras ONGs, ocorreuentre os anos de 2004 e 2005, um projetoenvolvendo a Circunscrição Judiciária deGuarulhos e a Circunscrição Judiciária deRegistro, com o objetivo de conferir for-mação, capacitação e atualização no Di-reito da Criança e do Adolescente à Con-vivência Familiar aos diversos atores so-ciais responsáveis pelo atendimento à In-fância e à Juventude, passando pela for-mação da Rede de Atendimento.

Na primeira fase, de acordo com a meto-dologia elaborada pela AASPTJ, houve umperíodo de coleta de informações sobrea realidade local em cada uma dasComarcas participantes. Seguiu-se umseminário de abertura, para informar acomunidade sobre o Projeto, e convidá-la a participar de uma série de cinco ofi-cinas mensais com duração de um dia,para a capacitação.

Ao final das oficinas, cada Comarca de-veria elaborar um Plano de Ação em redepara trabalhar as questões da infância eda juventude. Um seminário final coroouo trabalho, devolvendo à comunidade in-formação sobre o que foi realizado e pro-duzido.

No caso de Guarulhos, o plano foi umprojeto que consistiu na própria forma-ção da Rede de Atendimento, sistemati-

31http://webgeo.guarulhos.sp.gov.br/

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3 | Modo de Fazer I 65

Fortalecimento

� A UNIMESP-FIG (Centro Universitá-rio Metropolitano de São Paulo – an-tigas Faculdades Integradas de Guaru-lhos), que já atua em parceira com oJudiciário no âmbito do Setor de Me-diação, cedeu suas instalações para arealização de eventos relacionados àmatéria da Justiça Restaurativa. Aliás,sua Faculdade de Direito é certamenteuma das primeiras instituições de En-sino Superior, em âmbito nacional, aimplementar na grade curricular docurso de graduação a matéria “Media-ção e Arbitragem”, que abrange tam-bém em seu programa todas as formasde solução alternativa de conflitos, en-tre as quais os Círculos Restaurativos.

� A Guarda Civil Metropolitana já teve,através de seu Comandante, conheci-mento específico sobre o Projeto e seufuncionamento, tendo sido demons-trada disposição para atuar emsintonia nesse sentido.

� Em Guarulhos, há três Batalhões da Po-lícia Militar, diversos Postos Avança-dos de Atendimento da PM e dezenasde Delegacias de Polícia, inclusive De-legacia Seccional; tendo em vista queo contato individual do Juiz Coorde-nador para exposição sobre o Projetoe respectiva articulação não se faz pos-sível, pelo menos no exíguo tempo queo Projeto proporciona, já está previstoque isso aconteça em reunião do Con-selho de Segurança.

� No âmbito da educação, visitas do Juize outros servidores da Vara da Infân-cia e da Juventude de Guarulhos emcada uma das 11 escolas participantespelo Projeto, entre a segunda quinzenade fevereiro e a primeira de março/2007, mediante preparação em conjun-to com a Diretoria de Ensino Guaru-lhos Norte, ressaltaram a parceria exis-

tente e envolveram, em níveis cada vezmais aprofundados, a comunidade es-colar.

� Reunião dos Supervisores de Ensino daDiretoria Guarulhos Norte com o JuizCoordenador também contribuiu naaproximação institucional e para quese possa diretamente tratar de assun-tos relacionados ao Projeto, assimcomo outros relacionados com a edu-cação, de modo geral.

Metodologiae procedimentosem HeliópolisFormação

Um trabalho significativo de construção,fortalecimento e articulação de rede temsido desenvolvido e já começa a apresen-tar seus frutos.

Nas Varas Especiais da Infância e da Ju-ventude, verificou-se que apesar das di-versas atividades sociais realizadas na re-gião por meio de organizações não-gover-namentais, a Rede de Atendimento não seencontrava articulada de forma sistêmica.Assim, iniciou-se a articulação da mesma,considerando o fluxo de atendimento doadolescente em conflito com a lei.

Paralelamente ao mapeamento de todas asações sociais existentes, que vem sendo re-alizado pelas profissionais da equipe téc-nica capacitadas para o projeto, passou-seà construção de diretrizes de uma políticade atendimento aos adolescentes em con-flito com a lei, construindo fluxos e proce-dimentos de modo coletivo.

Desde o início da implementação do pro-jeto, foram realizadas reuniões com re-

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania66

presentantes do Poder Público e da soci-edade civil, sendo várias na própria co-munidade. A Polícia Civil, a Polícia Mili-tar, a Guarda Civil Metropolitana, o Con-selho Tutelar do Ipiranga, a Subprefeiturado Ipiranga, assim como representantesde entidades não-governamentais já es-tão engajados no projeto.

Em dezembro de 2006, em um encontropreliminar da Rede de Atendimento, esti-veram reunidos: a) Diretoria de EnsinoCentro-Sul (Dirigente, Supervisoras eATPs); b) Diretoras das oito escolas par-ceiras; c) FDE; d) Polícia Militar; e) PolíciaCivil; f ) Guarda Metropolitana; g) Conse-lho Tutelar; h) Conselho Municipal da Cri-ança e do Adolescente; i) Subprefeitura doIpiranga; j) Ministério Público; k) Defen-soria Pública; l) Poder Judiciário; m) as-sistentes sociais e psicólogas das Varas Es-peciais da Infância e da Juventude; e n)assistentes sociais do Fórum Regional daInfância e da Juventude.

Construção coletiva

A partir do mencionado encontro,agendaram-se reuniões, com intervalosaproximados de quarenta dias, visandonão apenas proporcionar a aproximaçãodos agentes destas instituições, como cons-truir o entendimento claro, por todos, dasatividades desenvolvidas, da importânciadesta atuação e do modo pelo qual cadaação repercute na atuação do outro. Alémdisso, a reflexão conjunta sobre o objetivocomum da ação da rede, possibilita a cons-trução coletiva de fluxos e procedimentosde atendimento ao adolescente em confli-to com a lei.

A articulação da Rede de Atendimento,focada na região de Heliópolis, nesta fase,ainda se mostra incipiente, sendo que di-versas instituições, igualmente fundamen-

tais para a construção dos fluxos e proce-dimentos objetivados, foram convidadasa integrar-se à Rede.

No entanto, as primeiras reuniões reali-zadas possibilitaram a uns que se conhe-cessem e a outros que se aproximassem,com o objetivo comum de melhor aten-der ao jovem autor de ato infracional.Aqueles que participaram tiveram, ain-da, a oportunidade, de conviver, de trocarexperiências e de construir, conjuntamen-te, novos caminhos, o que é bastante sig-nificativo em se tratando de umamegalópole como São Paulo.

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Modo de Fazer IIMetodologia, conteúdos e procedimentospara a formação de Facilitadores de PráticasRestaurativas

As diferentes formas de estruturar e con-duzir encontros entre os envolvidos em umconflito são conhecidas pelo termo genéri-co “Práticas Restaurativas”. A história dodesenvolvimento e evolução destas práti-cas, registra a crescente compreensão, den-tro da comunidade internacional de JustiçaRestaurativa, dos elementos que contribuempara a recuperação da comunicação entrepessoas e grupos em conflito e a transfor-mação, tanto do comportamento individu-al como das condições em que este com-portamento surge.

Um dos princípios que tem guiado este per-curso pode ser resumido no lema: “Quantomais alinhada com os princípios de JustiçaRestaurativa é a prática e quanto maior aflexibilidade em sua adaptação às condi-ções locais, mais restaurativos são os resul-tados”32. Encontros entre vítimas e ofensoressurgidos nos anos 70; experiências com gru-pos comunitários dos anos 80; encontrosestruturados por roteiros nos anos 90; avan-ços na investigação de sociedades e siste-mas restaurativos na primeira década desteséculo: hoje existe um leque amplo e ricode opções, dentro das quais podem ser adap-

tadas práticas que atendem à realidade es-pecífica em que pretende agir.

Quando se implementam experiências, pormeio de projetos-piloto, é premente quese identifique um método a ser seguido,que, posteriormente, servirá para susten-tar o desenvolvimento de uma metodolo-gia. O modo ordenado de proceder e umconjunto de procedimentos técnicos pos-sibilitam a consolidação e a disseminaçãoda prática. Os anos de pesquisa e experi-ência prática desenvolvida pelo CentroInternacional de Comunicação Não-Vio-lenta, ofereceram os elementos deestruturação e sistematização, fundamen-tados no conhecimento empírico do fazerdiário de Círculos em diversos contextosculturais. Eles foram essenciais paranortear a capacitação de facilitadores dePráticas Restaurativas e a implementaçãode Círculos Restaurativos em Heliópolis eGuarulhos.

32Barter, Dominic 2006,Relatórios das oficinas desupervisão do Projetopiloto de implantação deProcessos Restaurativos,Secretaria da Reforma daJudiciária / PNUD, 2006.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania68

Metodologiada capacitaçãoAs ações que compõem a metodologia decapacitação do projeto relativa à Forma-ção de Facilitadores de Práticas Restau-rativas, objetivam uma mudança paradig-mática na maneira de conotar e manejaro conflito, e de pensar e intervir na co-munidade, uma vez que o protagonismodos agentes sociais só poderá ser desen-volvido com um comprometimento euma adesão genuína de todos os envolvi-dos. Dentro de um universo teórico con-temporâneo, em que “... o conhecimento,as relações e os indivíduos são produtossocialmente construídos..., acordandoque não há conhecimento útil que sejagenérico...”33, desenvolveu-se um progra-ma com intensa participação de todos naconstrução conjunta de conhecimento ena busca de formas de trabalhar, de ins-trumentos e de ferramentas conversacio-nais que fossem significativas e úteis paracada um.

Dessa maneira, sem generalizações, estabe-leceram-se metas e estratégias didáticas fle-xíveis, permitindo sua adaptação à singu-laridade de cada contexto – Heliópolis eGuarulhos, sem perder o foco a ser alcança-do. Com o objetivo de otimizar recursos nodesenvolvimento do processo de aprendi-zagem, procurou-se guardar uma coerên-cia estreita entre forma e conteúdo, entre osaber e o saber fazer. Para tal, utilizaram-se,por um lado, os princípios da Comunica-ção Não-Violenta . Esta propõe uma refor-mulação das dinâmicas de poder social, in-clusive por meio da maneira pela qual nosexpressamos e escutamos os outros, fomen-tando o respeito e a empatia, e possibilitan-do a construção de soluções pacificas atra-vés da mediação de disputas e conflitos emtodos os níveis.34 Por outro lado, também

foram utilizados os princípios da Media-ção Transformativa: “empowerment” – em-poderar o indivíduo pela identificaçãode recursos próprios e seu conseqüenteagenciamento, e “recognition”: reconhecero outro em um constante exercício de alte-ridade nas relações.

Conteúdostrabalhados

DiferenciandoJustiça Retributiva eJustiça Restaurativa

Práticas de Justiça Restaurativa não ape-nas distinguem-se dos meios emprega-dos pela Justiça Criminal, como podemcomplementá-los, seja em resposta aosconflitos do dia-a-dia, às infrações juve-nis ou aos crimes adultos. Porém JustiçaRestaurativa e Criminal são fundamen-tadas em formas diferentes de ver o serhumano, a sociedade e o conflito. Um as-pecto do desafio de implementar um Sis-tema Restaurativo como complemento aosistema existente, é desenvolver procedi-mentos que co-existam de forma harmo-niosa com os vigentes e que, embora sefundamentem em lógicas mutuamenteexcludentes, criem valor para todos. OProjeto Justiça e Educação e toda sua equi-pe, assumiram esse desafio. A capacita-ção dos Facilitadores de Práticas Restau-rativas começou com o convite aosaprendizes e às suas instituições, a faze-rem o mesmo em suas respectivas áreasde atuação.

Os procedimentos atuais de resolução deconflitos, tanto na delegacia e no tribunal,quanto na escola, seguem uma lógica co-

33Araújo, N. B. eYazbek, V. C. 2001.

34Rosenberg, Marshall2006.

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3 | Modo de Fazer II 69

nhecida como “retributiva”. A etimologiadesta palavra sugere o pagamento de algodevido. É usada para descrever respostasao conflito que cobram algo do autor deum ato danoso, mas que, em geral, não im-plicam benefícios à vitima. Normalmente,a retribuição é recebida pela autoridade querepresenta a norma ferida, e não pela víti-ma. Esta pouco contribui e pouco é “cura-da” no processo35.

O quadro abaixo permite caracterizar al-gumas das prioridades da lógica “retribu-tiva”, que hoje prevalece, ao lado das prio-ridades da lógica “restaurativa”. Esta ga-rante a coerência interna e a eficácia daspráticas propostas, pois visa não ‘pagar odevido’ mas “restabelecer o que foi perdi-do ou quebrado”.

Esta diferença – entre “culpar alguém poralgo que fez no passado” e “responsabili-zar-se por fazer as coisas direito no futu-ro”36 – pode ser representada visualmen-te com a imagem de uma pirâmide, parailustrar a lógica retributiva dos atuais Sis-temas de Justiça e Educação, e um Círcu-lo, para simbolizar a intenção e práticade restaurar.

A primeira imagem, mostra o poder – epor conseqüência, a responsabilidade – deresponder e decidir a favor da Justiça comoque suspenso acima dos participantes, forade alcance, numa dinâmica de dominação37.A segunda, por sua vez, representa a cons-trução, pelos participantes, de relações ho-rizontais em que o poder – e, portanto, a

responsabilidade – é igualmente distri-buído entre todos.

É esta configuração interna das PráticasRestaurativas de fazer justiça que leva aJustiça Restaurativa a ser considerada umsistema próprio de sociedades que se or-ganizam não à base de “reis e rainhas”,mas da vontade do povo – trata-se de uma“justiça republicana”.38

Se a injustiça dói, a justiça deve curar ador. A lógica da retribuição procura ob-ter esse resultado por meio da devoluçãodo dano a quem o praticou, por meio docastigo, que procura contabilizar o que édevido. Na maioria das vezes, o que é pagopelo agressor não beneficia a vitima. Elaprocura satisfazer-se com uma justiçaabstrata. Neste processo, coloca-se o focosobre o papel protagonista do autor doato injusto. Permanecem ocultas a expe-riência direta da vitima e da comunida-de, bem como as conseqüências quevivenciam.

A sociedade paga três vezes: pelo crime,pelo criminoso e pela estória de insegu-rança que a vitima e comunidade tornama contar, instalando ou aumentando o cli-ma de medo.

A Justiça Restaurativa promove a ação cu-rativa por uma via inversa, destacando avítima e a comunidade da mesma formaque o autor do ato danoso, e focalizando abusca de benefícios concretos para todos.Ela vê a infração da norma como a expres-

35Christie, N. (1977)“Conflitos comopropriedade”, em TheBritish Journal ofCriminologia, Vol. 17:1

36Braithwaite, J. Entre aproporcionalidade e aimpunidade: confrontação,verdade e prevenção. EmNovas Direzeses naGovernança da Justiça eSegurança. Brasília, DF:Ministério da Justiça,2006.

37Eisler, R. O cálice e a espada.Imago, Rio de Janeiro,1990.

38Braithwaite, J. e Parker, C.Justiça Restaurativa é aJustiça Republicana. Em G.Bazemore e L. Walgrave(eds), Restorative JuvenileJustice. Palisades, New York,EUA: Criminal JusticePress, 1999.

Foco de Apuração Identificar quem errou Identificar necessidades não atendidas

Foco de Resposta “Reeducar” à força Restaurar harmonia dos envolvidos

Aspecto Social Manter o controle Restabelecer o equilíbrio

Área de Atenção Cultura Retributiva Cultura Restaurativa

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania70

são frustrada e incompleta de umainteração rompida. Cria formas de reto-mar o diálogo e de reintegrar poder e res-ponsabilidade, desvelando a origem (a “bi-ografia’) e o sentido do ato ofensivo prati-cado, suas conseqüências e causassubjacentes. É assim que se criam asprecondições para a construção coletivade soluções sustentáveis. O subproduto pe-dagógico de um processo restaurativo é oresgate da história dos seres humanos portrás do acontecido e do seu poder de re-começar e construir segurança.

Compreendendo oSistema Restaurativo

Quando alinhamos a prática circular coma lógica de restauração, dentro de um con-texto comunitário e/ou institucional ar-ticulado, começamos produzir um Siste-ma Restaurativo – em que responsabili-dade e poder compartilhado norteiam-se por princípios que manifestam umaconcreta inovação social. O contexto co-munitário / institucional dá validadeaos resultados e acesso ao processo. Tam-bém possibilita a interface com sistemasque pretendem resultados parecidos, pormeios diferentes (como formas de justi-ça retributiva, ou sistemas que usam mei-os aparentemente semelhantes para ob-ter resultados diferentes (como igrejas,ONGs e outros).

A prática une a todos e os guia para quetrilhem, de forma disciplinada, o caminhorumo ao Acordo. Este representa um novomarco em relação ao qual passam a identi-ficar-se autor e receptor do ato ofensivo,bem como os membros da comunidade porele afetados. Antes, sua relação inter-pes-soal era definida pelo ato do Conflito. De-pois, passa ser definida pelo Acordo. A ló-gica fundamenta o resto, orientando a ma-

neira como vemos39, constatamos e respon-demos aos outros durante os Círculos. Tam-bém evita que usemos a prática restaurati-va para repetir dinâmicas de culpabilizaçãoou vitimização.

Considerando o conjunto alinhado des-tes três aspectos – contexto, prática elógica restaurativos – agimos com a ex-plícita intenção de:

a) transcender as dinâmicas da culpa, vin-gança e desempoderamento;

b) conectar pessoas, transcendendo seuspapéis como vítima, testemunha ouofensor;

c) executar ações construtivas em bene-fício mutuo, para restaurar o que foiquebrado ou ferido pelo conflito e pre-venir a violência.

A breve, mas intensa experiência nacio-nal confirma as experiências internacio-nais, ao sugerir que a Justiça Restaurativasomente se desenvolve de forma plena nocontexto de um Sistema Restaurativo. Ovalor disso se revela quando articulamos,de forma coordenada, escolas e demaisórgãos da rede de atendimento aos direi-tos da criança e adolescente, as comuni-dades em seu contorno, o Fórum, paraobter:

a) procedimentos acessíveis para com-preender e responder ao conflito;

b) subsídios práticos para uma pedago-gia da justiça;

c) responsabilidade; o elemento que fal-ta na dicotomia punição/impunidade;

d) o envolvimento de todos e todas naconstrução de comunidades e cidadeseducadoras, onde os direitos de cida-dania, e em especial das crianças e jo-vens, possam universalizar-se;

e) a recuperação do sentido da norma.

39“um crime é, no seu âmago,a violação de uma pessoapor outra pessoa” –Zehr, H. 1990, ChangingLenses:a new focus forcrime and justice,Scottdale, PA, EUA: HeraldPress.

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3 | Modo de Fazer II 71

As etapas do ProcessoRestaurativo e osentido da participação

No cerne de um Sistema Restaurativo estáo Processo Restaurativo, constituído poruma seqüência de encontros inter-ligados,hospedados por um facilitador. Sãoestruturados para apoiar seus participan-tes na transição de uma experiência nega-tiva de conflito, para a experiência da pos-sibilidade de mudança, aprendizado e con-vivência futura. Passar por esta transiçãosignifica perceber-se como co-autor doprocesso, saindo do lugar de espectador dassuas próprias emoções e das demais pesso-as envolvidas.

Não é estranho se alguns participantes en-trem nas reuniões, marcados por fortesemoções de medo, vergonha, raiva, ressen-timento e / ou desconfiança. Pode apareceruma opção mais desejável esquecer o ocor-rido, minimizar seu impacto e desculpar oque eles, ou outros, fizeram e não fizeram.Igualmente podem decidir manter a má-goa e querer se afastar dos envolvidos, oumesmo se vingar. O Processo Restaurativooferece um outro caminho – em que a arti-culação das necessidades universais40 de to-dos, não atendidas pelo conflito, move umadinâmica de crescente responsabilização.Ele pode ser avaliado em parte pela trans-formação dos sentimentos e idéias negati-vos iniciais e em parte pela demonstração,no grupo, da emergente capacidade de ela-borar soluções consensuadas que respon-dam ao conflito e aos fatores que contribu-íam para sua ocorrência.

São três os encontros que compõem o Pro-cesso Restaurativo:

O primeiro, o Pré-Círculo, visa definir:

� o ato cometido;

� as conseqüências dele;

� o restante do Processo Restaurativo,os outros participantes e a vontadede continuar.

Isto é feito no contexto do estabelecimentode um vínculo de confiança dos participan-tes com o facilitador.

O segundo encontro, o Círculo, une comoiguais as pessoas atingidas pelo conflito – oautor e receptor do ato danoso, e a comu-nidade à qual ambos pertencem – para fir-mar um Acordo que visa:

� reparar danos;

� restaurar o senso de dignidade, seguran-ça e justiça aos participantes; e

� reintegrar a todos na sociedade

O terceiro encontro, o Pós-Círculo, une asmesmas pessoas, mais os que surgiram paraauxiliar no cumprimento do Acordo, paraavaliar os níveis de satisfação de todos edecidir os próximos passos.

Para resumir: o Pré-Círculo prepara o Cír-culo, cujos resultados são acompanhadosno Pós-Círculo.

O esquema, na página a seguir, possibilitauma visualização do processo.

No centro do esquema, o facilitador de Práti-cas Restaurativas interage com três grupos departicipantes (autor ou autores do ato; recep-tor ou receptores do ato: membros da comu-nidade atingida pelo conflito), presentes noPré-Círculo, no Círculo e no Pós-Círculo.

As palavras usadas para descrever esses trêsgrupos indicam sua função nos procedimen-tos usados para resolver o conflito. Quandoenvolvidos em processos retributivos são co-nhecidos por “ofensor” (“infrator”, etc.),“vítima” e “parentes, testemunhos, rede deatendimento, sociedade”.

40As necessidades básicassão objetivas, porque a suaespecificação teórica eempírica independe depreferências individuais. Esão universais, porque aconcepção de sériosprejuízos, decorrentes dasua não-satisfaçãoadequada, é a mesma paratodo indivíduo, emqualquer cultura” – Pereira,P.A.P, 2000. Necessidadeshumanas – subsídios àcritica dos mínimossociais. São Paulo, Brasil:Editora Cortez.

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O Processo Restaurativo dá alto valor àespecificidade – mantemos claramente de-finidos, a todo tempo, quem assume respon-sabilidade em relação a que aspecto, consi-derando o caso único que o círculo enfoca.A escolha cuidadosa de termos para identi-ficar os três grupos apóia este princípio, ofe-recendo uma oportunidade de distinguirquem é quem, no olhar do facilitador, e deevitar estigma. Os termos “autor”, “receptor”e “comunidade” são usados neste sentido.

Cada etapa do processo envolve, então, quempraticou o ato (o autor), quem foi direta-mente, ou mais imediatamente, prejudica-do pelo ato (o receptor) e quem foi indire-tamente impactado (a comunidade, ou redeprimária de convivência).

Para esses três envolvidos e também para ofacilitador, a participação é facultativa evoluntária.

Para o autor, a participação depende dogesto voluntário e sincero de assumir a res-ponsabilidade da autoria do ato em que oCírculo será baseado.

Para a comunidade, participação depen-de da voluntária e sincera vontade de as-sumir co-responsabilidade pelo contex-to em que o ato surgiu, e para ativamentepromover mudanças futuras.

Para o receptor, a participação dependeda sua voluntária e sincera vontade deassumir responsabilidade para seu pró-prio bem estar, e solicitar as ações queconcretamente transformarão sua formade se ver, e de ver os outros, depois da suaexperiência do ato.

Para o facilitador, a participação depen-de da sua voluntária e sincera vontade deNÃO assumir responsabilidade pelos ou-tros participantes, e, em vez disso, utili-zar um conjunto de habilidades ligadasao entendimento do conflito, bem comohabilidades de comunicação e de ação,somadas a um conhecimento empíricodas dinâmicas próprias ao Processo Res-taurativo, à disponibilidade de compar-tilhar autoridade e ao compromisso pes-soal com a prática.

Círculo

Pré-Círculo Pós-Círculo

Facilitador dePráticas Restaurativas

Comunidade

Autordo ato

Receptordo ato

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As três etapasvistas mais de perto:características doPré-Círculo, Círculoe Pós-Círculo

Pré-Círculo

Propicia condições para que o Círculo pos-sa acontecer. O facilitador prepara-se paraencontrar os envolvidos; escuta-os de ma-neira empática; define junto com eles o temaa ser abordado no Círculo; apresenta “omapa” do processo, que inclui: os passos doprocedimento oferecido, sua meta, o “Acor-do”, e sua avaliação no Pós-Círculo; regis-tra quem mais estará presente no Círculo; ecolhe o consentimento dos participantespara ir adiante com o processo.

Há três encontros no Pré-Círculo: um como receptor ou receptores do ato; um com oautor ou autores do ato; e um com todos osmembros da comunidade (colegas, paren-tes, outros afetados). Cada encontro dura,em média, 15 a 30 minutos.

Círculo

Propicia condições para que todos:

� possam expressar-se;

� saibam que foram ouvidos a contento;

� revelem e contextualizem suas escolhas;

� demonstrem que estão cientes das con-seqüências das suas escolhas, neles e nosoutros;

� elaborem ações para transformar seuconflito e propô-las;

� firmem um Acordo com prazos para arealização das suas ações.

O facilitador, fortalecendo a horizontalidadedo encontro, apóia todos para que mantenhamo foco nas dinâmicas consentidas no Pré-Cír-culo. Todo Círculo termina num Acordo.

Em quase todos os casos, o Círculo Restau-rativo se completa em um único encontro.Dura em média, 90 minutos.

Pós-Círculo

Propicia condições para que os participan-tes avaliem sua satisfação com os Planos deAção, individuais e/ou coletivos, que soma-dos, compõem o Acordo; e para que dialo-guem sobre os próximos passos.

Pessoas que colaboraram para a realizaçãodo Acordo estão convidadas ao Pós-Círcu-lo, mesmo que não tenham participado doCírculo. A presença dessas pessoas ampliao número de participantes da “comunida-de”. Mesmo quando apoiaram Planos deAção no cumprimento de um dever oucompetência profissional – por exemplo,quando alguém que ajudou agiu na sua fun-ção como Conselheiro Tutelar – sua pre-sença no Pós-Círculo deve expressar umcomprometimento pessoal, como aconte-ce com todos os envolvidos.

O Pós-Círculo, sempre realizado com apresença do facilitador, dura entre 20 e 40minutos.

O ProcessoRestaurativo enquantoprocesso dialógico:aprendendo alinguagem restaurativa

Assumindo responsabilidade poraquilo que sentimos e necessitamos

Os encontros do Processo Restaurativo –Pré-Círculo, o Círculo e o Pós-Círculo – sãoespaços dialógicos, de comunicação. Assim,o uso de linguagem tem um grande signifi-cado em suas dinâmicas. Tanto pode apoiar,

O grau derestauração eaprendizagem emum ProcessoRestaurativoaumenta a medidaem que:

Diminuio grau de punição

Diminuio grau de uso deperguntas analíticas(Por quê?)

Diminuio grau de rotulação(julgamento)

Aumentao grau devoluntariedade

Aumentao grau dehorizontalidade

Aumentao grau deresponsabilidade

Aumentao grau de escutaempática

Aumentao grau de eficácia doAcordo em satisfazernecessidades nãoatendidas pelo ato

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como entravar o caminho até o Acordo. Ofe-rece um feedback (retorno) constante ao fa-cilitador. Abre ou fecha portas que revelam ahumanidade do outro, desfazendo a lógicaque o rotula como pretexto para o agredir.

É no uso da linguagem que sinalizamos e, àsvezes, ensaiamos nossa contínua responsa-bilização durante o decorrer do Círculo.Quando somos levados a refletir sobre a lin-guagem que usamos correntemente, vemosque em geral responsabilizamos o outro pornossas emoções e sentimentos, e não reco-nhecemos que só nós temos poder paramudar a forma como nos sentimos.

Exemplos de expressões que dão ao outro ocontrole sobre nós: “Você me deixa triste eansioso”, “Você faz com que eu me sintaculpado”, “Você me dá alívio”. As pesquisasde linguagem que informam o Círculo,como o trabalho de Marshall Rosenberg,indicam que a fonte de nossos sentimentosé o estado das nossas necessidades, e nãoas ações de outros, como estas expressõessugerem.

Não nos referimos aqui a necessidades naperspectiva da Sociologia ou da Biologia.Também não queremos com essa palavradescrever algo que falta, um espaço vazio aser preenchido. O sentido em que ela é usadanas Práticas Restaurativas é o de uma forçaintrínseca que nos move a contribuir para arealização de valores universais. Esta forçapode variar em intensidade, mas é uma ne-cessidade porque, literalmente, não cessa.

Procuramos transformar sistemas e organi-zações tornando-os mais justos porque issoatende à necessidade de contribuir para o bemestar alheio. Não somos únicos nisso, todosprecisam contribuir.

Essa relação estreita entre sentimentos enecessidades é registrada no Círculo pela

transformação de formas verbais que des-locam a responsabilidade para fora de quemage – como nas frases “eu só fiz isso porquevocê falou que...”, “eu roubei porque nãotinha comida em casa” – em formas ver-bais em que a responsabilidade permanececom quem agiu – como nas frases “fiz issoporque eu queria pertencer ao grupo...”, “euroubei porque precisava comer e naquelemomento não vi outra alternativa”.

O facilitador é a principal fonte da com-petência dialógica de escutar e se expres-sar em formas que consideram a dinâmi-ca necessidade-sentimento, entre outras.Nas Oficinas de Formação de Facilitado-res de Práticas Restaurativas, observamosque, tão logo começaram a facilitar Círcu-los, sua linguagem foi adotada pelos ou-tros participantes do Processo Restaura-tivo. Isso não é de estranhar, pois a lingua-gem dos facilitadores em capacitação de-monstrava utilidade, servindo ao proces-so como um todo. A diferença: por partedo facilitador, o uso dessa nova forma dese comunicar era consciente.

O facilitador se oferece para “traduzir”mensagens, cujo vocabulário se baseia emabstrações, pressuposições, diagnósticose análise das motivações dos outros, oude si mesmo, quando há indicadores deque tais mensagens serão também rece-bidas pelo outro com o mesmo nívelacusatório. O facilitador não muda sen-tido da mensagem emitida. Ao contrário,a “tradução” visa manter, se nãoaprofundar, o sentido proposto. Ele mudaas palavras, mas almeja o máximo de fi-delidade ao sentido. Oferece a quem fa-lou todo um vocabulário de observações,sentimentos, necessidades e solicitações– distintas e seqüenciais. Se a oferta éaceita por quem falou, e compreendidacomo tal pelo ouvinte, serve de estímulopara a humanização dos participantes, ao

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mesmo tempo em que diminui a possi-bilidade de ressentimento e atrito.

A principal ferramenta desta “tradução” queo facilitador opcionalmente disponibiliza,é a pergunta empática. Outra ferramentaimportante é a expressão pessoal do facili-tador, na sua posição “real” de participantedo processo, no papel de membro da co-munidade. No final do Pré-Círculo, Círculoe durante o Pós-Círculo há oportunidadesmais explícitas para a contribuição verbal,pessoal, do facilitador. Há certas situações– quando, por exemplo, Acordos baseadosem Planos de Ação não confiáveis estão sen-do aceitos pelos outros participantes – emque esta expressão pessoal tem um papelchave no processo. A linguagem de respon-sabilidade facilita, e ao mesmo tempo tam-bém modela, o valor desta contribuição.

Enquanto nossa sociedade se mantém in-certa sobre o valor de assumirmos respon-sabilidade pelo atendimento às nossas pró-prias necessidades e de reconhecermos queum caminho para isso acontecer é expressá-las claramente, para si mesmo e para os ou-tros, o Processo Restaurativo demonstrauma prática de liderança e vanguarda numaárea social em crescente crise.

Como realizaro Pré–CírculoO procedimento é deflagrado quando al-guém, afetado por um conflito, procura jus-tiça ou quer resolver algum tipo dedesequilíbrio na convivência social, atra-vés do mecanismo que a escola, outra insti-tuição da comunidade ou o Fórum, estãooferecendo – o Processo Restaurativo. Adivulgação do processo, seu acesso livre edemocrático, e outras questões relevantesao fluxo de procedimento dentro do qual o

Processo Restaurativo faz parte estão re-gistradas às páginas 61 e 62.

Diferentemente de práticas em que a auto-ridade é delegada de forma desigual, no Pro-cesso Restaurativo pessoas não são “enca-minhadas” ou “constrangidas” a participar.Se uma professora observa um conflitoviolento se manifestar entre dois alunos aresposta padrão é levá-los à Diretoria. Aprofessora, em geral, não participa da reso-lução de um conflito grave. Se este casoacontecesse em um ambiente Restaurati-vo, a professora solicitante do processo atu-aria como um membro da comunidade eparticiparia ativamente como tal. Ela se ve-ria como envolvida na co-construção diá-ria do contexto em que o conflito surgiu ese perceberia o prejuízo pessoal e profissi-onal, causado pela forma violenta escolhi-da pelos alunos para resolver o conflito. Noentanto, a consciência de seu papel de pro-fessora, e seu desejo de que as pessoas nasua comunidade escolar tivessem sua inte-gridade física respeitada, não diminuiria avoluntariedade da decisão, por parte dosalunos, de participar ou não de um Proces-so Restaurativo.

No Processo Restaurativo não há espec-tadores nem observadores, apenas parti-cipantes.

O que fazer ANTESdo Pré-Círculo

Preparação interna do facilitador

O povo indígena Navajo (EUA) desenvolvePráticas Restaurativas próprias, dentre oscuidados para manter a paz das suas comu-nidades. Descrevem41, neste contexto, o fa-cilitador destas práticas como “um mem-bro da comunidade que pense bem, falebem, planeje bem e demonstre no seu com-

41Yazzi, R. (1998) ‘NavajoPeacemeking: Implicationsfor Adjudication-BasedSystems of Justice’,Contemporaray JusticeReview.

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portamento que sua conduta tem, comochão, a espiritualidade”. O facilitador dePráticas Restaurativas que desejamos for-mar opera a partir dessa lógica quase es-quecida na nossa sociedade, e que devepermear o processo. Portanto, o facilitadoraprende a desenvolver hábitos diários paraaprimorar competências relevantes e lem-brar por que faz o que faz.

Este trabalho precede as demais etapas doprocesso, e também está embutido nelas,acompanhando o facilitador em todos osmomentos.

Reflexão

O facilitador começa alinhando-se com ointuito do processo, e fortalecendo o vín-culo interno com os valores universais queo motivam. Sabe que estes mesmos valoresse encontram subjacentes à injustiça come-tida, e às dolorosas seqüelas das vítimas eda comunidade. O diálogo e as ações capa-zes de revelar esta humanidade comparti-lhada devem centrar-se em uma linguagemque expresse valores ou necessidades hu-manas. Para atingir esse objetivo, alguns fa-cilitadores costumam recordar os princí-pios do trabalho ou contemplar o caso emquestão. Outros fazem contato com a natu-reza ou com expressões de certas formasde cultura; reservam tempo para a reflexãoou praticam alguma forma de autocentramento. O mais importante é recor-dar e reforçar o porquê e o como que faci-litamos Círculos.

Apoio mútuo

Muitos facilitadores gostam de trabalhar emequipe, e entram no processo com um co-facilitador, pois reconhecem a grande im-portância de apoio mútuo. Na preparaçãopara o encontro com os participantes doCírculo, que começa com a recuperação

consciente do sentido deste processo, faci-litadores se encontram para discutir casose incrementar sua capacidade de servir, apartir de uma visão multifacetada, ondetodos são ouvidos com o coração. A escutaempática entre pares é também um aspec-to essencial na preparação, transformandouma linguagem estática em uma linguagemprocessual, em que a mudança torna-se vi-sível e valorizada.

Acesso

O processo inicia-se quando o solicitante(que pode ser o autor do ato, seu receptorou alguém indiretamente afetado) registraseu pedido de fazer um Círculo, utilizandoo meio de acesso previamente estabeleci-do. Na maioria das escolas o acesso é sim-ples e aberto a todos. Nas comunidades, adivulgação e acesso podem ser feitos pormeios de comunicação comunitários. Nostribunais, após o início do processo judici-al, é oferecido o Círculo Restaurativo, quepode ou não seu aceito pelo autor. Em casoafirmativo, a pessoa é considerada solicitante.

Acolhida

O facilitador recebe o pedido do Círculo eentra em contato pessoal com o solicitante.O contato visa oferecer uma acolhida dequalidade, que produza uma sensação debem-estar. O cuidado em estabelecer umadinâmica horizontal, de escolha e respon-sabilidade, sem acusação, condenação oupena, é básico. O facilitador agenda a reu-nião do Pré-Círculo com o solicitante, du-rante a qual serão indicados os outros en-volvidos – direta e indiretamente – noconflito. Com esta informação, o facilita-dor convida e acolhe os demais, oferecen-do-lhes um diálogo que busca o bem estare que se baseia no princípio da livre esco-lha. Ameaças ou outras formas de imposi-ção não se harmonizam com os princípi-

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os básicos da Justiça Restaurativa – seucaráter voluntário e não-punitivo. O obje-tivo é agir e aprender, não apurar culpa. Naacolhida, criam-se as condições necessá-rias para que os próximos procedimentossejam bem sucedidos.

O que fazer DURANTEo Pré-Círculo42

O Pré-Círculo é marcado por três momen-tos distintos: a descrição do ato, a escuta eo consentimento informado. Ao mesmotempo em que o facilitador está colhendo ecompartilhando informações necessáriasao processo, tem como foco prioritário oestabelecimento de um vínculo de confi-ança com o participante. Utilizando-se deum vocabulário simples e não-técnico, ofacilitador demonstra seu interesse na pes-soa, ao invés de estar focado no papel quedesempenha, o de facilitar.

A palavra que melhor descreve esta quali-dade de autenticidade, paciência e consi-deração é presença.

A descrição do ato

O primeiro passo é pedir que o ocorridoseja descrito, de maneira simples, concretae sem avaliação. Como foi o evento/acon-tecimento? O que foi feito? O que foi dito?

Para orientar essa descrição, é interessan-te lembrar a imagem de uma câmera desegurança, que grava somente o que acon-tece. O que a tela da câmera mostra não é“um ladrão roubando a empresa” mas “umhomem de 30 e poucos anos, com rostocoberto, carregando um micro até o esta-cionamento”. A frase “um ladrão rouban-do a empresa” expressa uma opinião, im-plícita no uso de rótulos avaliativos – “la-drão”, “roubar”. A frase “um homem de 30 e

poucos anos, etc” apenas descreve a seqüên-cia de ações apresentadas na tela.

O facilitador deve apoiar os presentes a uti-lizar, no relato, este tipo de abordagem pre-cisa, limpa e não acusatória, que descrevesomente aquilo ouvido e visto no momen-to do ato ocorrido.

A informação oferecida pelos participan-tes em resposta à pergunta: “O que foi feitoou dito que você gostaria de tratar no Cír-culo?”, fundamentará o Processo Restaura-tivo até o fim. Quanto mais clara e objetivafor a descrição do evento, quanto menosforem utilizados juízos de valor, melhor seráo andamento do Círculo.

A escuta

Todos os passos do Processo Restaurativose constituem em espaços de escuta mútua,baseada nos princípios da comunicação.Neste momento do Pré-Círculo, a escutaganha mais uma função, servindo comorecurso de transição do foco na definiçãodo ato cometido para o foco nas conseqüên-cias do ato para as pessoas. O que nos inte-ressa é o significado deste ato para a pessoaque participa do processo. Assim, escuta-mos com uma atitude afetiva, alinhada aosprincípios que movem o Processo Restau-rativo, e convocamos o sentido que o atoinjusto tem para a pessoa, a se revelar. Oconvite feito é para que a pessoa reflita so-bre o sentido do ato injusto.

Prestar atenção naquilo que nos está sendodito é uma das formas mais poderosas deestar presente. Esta presença – em que re-cebo o que está dito, sem aconselhar ou ten-tar concertar o outro – reconhece e validaa experiência do outro. A atividade mentalde concordar ou discordar do que estamosouvindo, pode continuar – mas em segun-do plano – pois agora nossa atenção está

42Pré-Círculos sãorealizados com todos osparticipantes do ProcessoRestaurativo– autor, receptor ecomunidade (ou redeprimaria). São trêsencontros no total, umpara cada uma das trêspartes do Círculo. Sóparticipa no Círculo quemjá passou pelo Pré-Círculo,assegurando assim aqualidade e propósitocomum do processo.

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em outro lugar: no outro. Exercitamos umacapacidade inata de focar nossa curiosida-de na experiência atual do outro, e nos per-mitimos seguir até onde ele nos leva.

O nome desta habilidade é escutaempática. A palavra empatia descreveuma resposta à necessidade de compre-ensão, de que alguém entenda a vida donosso ponto de vista. Escutarempaticamente é demonstrar a intençãode compreender respeitosamente a ex-periência atual do outro.

A escuta empática demonstra comparti-lhamento de poder. Promove a horizon-talidade. Coloca a vítima e a comunidadeno centro do processo. Constrói confian-ça. Empodera. Renova.

Escutar é uma atividade silenciosa. As-sim, procuramos tornar visível a quali-dade única da nossa atenção ao formularperguntas com o intuito de confirmar seestamos, de fato, conectados à experiên-cia do outro. Estas perguntas empáticassão uma forma precisa e eficaz de mos-trar esta intenção.

O consentimento informado

No terceiro momento do Pré-Círculo hátrês perguntas que norteiam a atuação dofacilitador:

a) “Você pode me dizer o que compre-endeu até agora sobre o CírculoRestaurativo?”

Antes de fazer essa pergunta o facilitadorvai tornar clara a seqüência e a lógica doprocesso, na mente de cada um que nele váparticipar. Terá o cuidado de descrever ointuito e o caminho do Círculo, como tam-bém a relevância e o funcionamento doPós-Círculo. Os passos do Círculo serão

apresentados. Princípios e condições doprocesso serão compartilhados. No finaldeste relato o facilitador deseja que as in-formações descritas no box ao lado sejamcompreendidas.

Outras perguntas que podem ajudar o fa-cilitador a saber se o que está sendo com-partilhado foi, não só ouvido, mas com-preendido:

“Você poderia me contar o que entendeu detudo isso, para eu saber se consegui ser claro?”

“Como você contaria a outra pessoa o quecompreendeu disso que estamos falando?”

b) “Quem mais precisa estar presentepara encerrar este conflito?”

Esta pergunta procura descobrir mais so-bre o contexto do ato, e quem mais estádireta ou indiretamente envolvido.

É importante perguntar “quem precisaestar presente para encerrar o conflito?”A resposta será diferente se perguntar-mos, por exemplo, “quem mais você gos-taria que estivesse presente?” Procuramoscriar um ambiente seguro para todos, semesquecer que nosso foco é uma soluçãosustentável do conflito. Quanto mais pes-soas envolvidas estiverem presentes, maiseficaz o Acordo tende a ser.

O facilitador registra os nomes citados,para fazer contato com eles em seguida.Ele deixa claro que a participação destaspessoas será voluntária e não garante queaceitem o convite.

c) “Consente, então, em participar ati-vamente no Processo Restaurativo?”

A confirmação a esta pergunta encerra oPré-Círculo.

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O Círculo Restaurativo é uma reunião das partes envolvidas num conflito. As pessoas queconvivem com o autor de um ato ofensivo e com o receptor direto desse ato, fazem partedo conflito, pois contribuem na criação da cultura local de resolução de conflitos e sãobeneficiados ou prejudicados pela capacidade dos seus membros de conviverem em paz.Assim, são partes igualmente importantes: o autor, a receptor e a comunidade.

No Círculo todos têm a oportunidade de falar e serem ouvidos. Os passos foram constru-ídos para que todos tenham sua vez de se expressar, e possam saber até que ponto foramcompreendidos. Assim, participar no Círculo é concordar em seguir seus passos.

O Círculo é constituído de três momentos. Cada momento é guiado por passos, descri-tos num cartaz na parede, onde todos podem checar se estamos no caminho que levaao Acordo. A dinâmica básica é: primeiro A fala para B, em seguida B diz o que ouviuA dizer e como compreendeu, e A confirma ou corrige esta impressão – e o processocorre até que A se sente ouvido e compreendido.

O Círculo é um espaço seguro. O facilitador vela pelo bem estar de todos presentes,igualmente, independente do que tenham feito. Se há alguma dúvida sobre isto, ou umpedido a ser feito, o facilitador gostaria de recebê-lo ainda no Pré-Círculo. Ele fará omelhor que puder para atender às preocupações dos participantes, e explicará o quenão é possível e porquê.

A presença de todos é voluntária. O próprio facilitador está presente porque quer, edeseja contribuir.

O Círculo é um espaço de poder compartilhado, onde as relações se organizam hori-zontalmente. Todos estão presentes em sua dimensão pessoal, despidos de seuspapéis profissionais e sociais. Como disse um participante: “Aqui ninguém tem cracháde autoridade”. Sem relações de poder verticais, as possibilidades de atitudes puniti-vas diminuem. O encontro procura não “o culpado” e “sua pena”, mas ações concretasque beneficiem a todos os envolvidos.

A presença do facilitador serve para lembrar a todos dos passos que concordaram emseguir, e para auxiliar no andamento do diálogo, rumo a um Acordo concreto.

Todos vão para o Círculo para investigar e se responsabilizar por suas escolhas epelas conseqüências destas, inclusive o facilitador e co-facilitador, se há. Participamcom o intuito de elaborar um Acordo, contendo Planos de Ação que procuram restaurara dignidade, a segurança, a confiança e a convivência em todos presentes e nosafetados não presentes.

O Círculo Restaurativo

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A resposta negativa convida o facilitador ainvestigar quais necessidades o participan-te acredita não seriam atendias, caso parti-cipasse. Esta informação é valiosa para ofacilitador, pois permite que continue aaprender como apresentar o Processo Res-taurativo e descubra se ainda resta algummal entendido.

No diálogo que segue, o participante expe-rimentará tanto o poder da escuta empáticacomo a disponibilidade do facilitador emadaptar os detalhes do Círculo para atendê-lo, em vez de pedir a ele que se adapte a umprocedimento fechado.

Seja qual for o resultado deste diálogo, oparticipante terá passado por uma dinâ-mica com qualidades distintas, em que suaautonomia foi respeitada. Ele terá conhe-cido uma nova opção, e poderá contar aoutros o que descobriu. E o facilitador co-nhecerá as necessidades que levaram oparticipante a não fazer o Círculo. Isso in-centivará sua reflexão e busca de condi-ções para que os Círculos se implantamno Brasil.

O que fazer DEPOISdo Pré-Círculo

Agendamento

Terminados os Pré-Círculos, é responsabi-lidade do facilitador agendar o Círculo, co-ordenando com seus colegas, suas institui-ção e/ou comunidade o uso do espaço a serusado para este fim.

Preparação do espaço

O local onde haverá o Círculo deverá ser previ-amente preparado, certificando-se de que oespaço possibilite que os participantes sintam-se acolhidos, e não haja interrupções de pesso-as ou barulho durante o processo. Cuidadoscom o espaço expressam também uma for-ma de demonstrar cuidado com os partici-pantes. Um espaço bem cuidado valoriza oprocesso e quem o utiliza. Isto se mostraigualmente verdadeiro quando os recursosdisponíveis para a sala são mínimos, mas atentativa de organizá-los de forma cuida-dosa é óbvia.

EM SUMA: O PRÉ-CÍRCULO

Antes� Acesso ao Círculo: o solicitante registra seu pedido.

� Preparação do facilitador – momento individual – reflexão; coletivo – apoio dos pares.

� Acolhida: facilitador contata o solicitante e depois as demais partes.

Durante� Descrição do ato lesivo-objetiva, sem julgamento.

� Escuta empática.

� Consentimento informado: O que você compreendeu até agora sobre o Círculo? Quemmais deve estar presente para encerrar esse conflito? Concorda, então, em participar doProcesso Restaurativo?

Depois� Agendamento do Círculo.

� Preparação do espaço.

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Como realizaro CírculoO que fazer ANTESdo Círculo

Preparação interna do facilitador

O facilitador prepara-se, por meio da re-flexão solitária, e também pelo diálogo comseus colegas, para saber distinguir, de umlado, os seus julgamentos e, do outro, aspessoas que encontrará no Processo Res-taurativo. Porém, há atos ofensivos que nostocam de maneira especialmente forte, enossos julgamentos começam a falar maisalto. Também há comportamentos no Cír-culo que nos desafiam. O que fazer, porexemplo, quando o facilitador sente difi-culdade em se conectar com um partici-pante do Círculo?

Os participantes de uma Oficina de For-mação de Facilitadores de Práticas Res-taurativas foram convidados a identificaralgo que uma pessoa faz ou diz que blo-queasse sua capacidade de lidar com ela.Uma professora disse que não conseguialidar com o sarcasmo. Com a ajuda doscapacitadores ela foi aos poucos identifi-cando o comportamento específico, deuma pessoa específica, por trás do que elaresumiu como “sarcasmo”. E assim, o olhare o sorriso que doíam, vieram à tona, ondeantes havia o rótulo.

A situação foi dramatizada e os partici-pantes refletiram sobre ela. A conclusãofoi que a dificuldade em se formular umaconexão está ligada, muitas vezes, a pre-conceitos ou pressupostos não checados,e à tendência que temos de julgar e inter-pretar em vez de simplesmente observar.Tomar consciência dessas interpretaçõesé muito útil. Isso nos adverte de que esta-

mos pensando e nos comunicando de for-ma não alinhada aos princípios da JustiçaRestaurativa. Nestas ocasiões, o apoio denossos pares é essencial para nos ajudar anos tornarmos capazes de reconhecer a hu-manidade do outro e a identidade funda-mental de nossas necessidades/valores.Assim, desenvolveremos o olhar e a lin-guagem empáticos, que vão nos auxiliar aentrar em contato com nossas necessida-des, e as dos outros, inclusive em momen-tos críticos.

Acolhimento

É comum que um ou mais participantesdo Círculo nunca, ou poucas vezes, te-nham visitado o espaço onde aconteceráesta reunião. Encontrar as pessoas na por-ta do prédio onde foi marcado o Círculo,oferecer água quando cheguem, procu-rar saber se há algo mais que pode serfeito para lhes dar conforto – tudo issocontribui bastante para reforçar a vonta-de de participar de forma plena.

Evidenciar que todos os participantes rece-bem tratamento igualmente respeitoso,também demonstra a todos que no Proces-so Restaurativo as pessoas não se definempelos seus atos do passado, e sim pelo po-tencial que têm para assumir o desafio dopresente e co-criar um novo futuro.

O Círculo Restaurativo tem esse nometambém devido à organização das cadei-ras. O facilitador vai se defrontar maiscedo ou mais tarde com a questão doslugares onde as pessoas devem sentar.Algumas vezes, o facilitador receberá umpedido que o influencia na sua decisão.O receptor do ato, por exemplo, já no Pré-Círculo, poderá ter solicitado ficar dis-tante fisicamente do autor. Neste caso, ofacilitador decide previamente onde vãosentar os participantes, e os convida a

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ocupar a “sua” cadeira, cuidando de queele mesmo, ou o co-facilitador (se há pre-sente) fiquem entre os oponentes.

Em situações mais tranqüilas, deixar osparticipantes decidirem onde se sentarfaz parte do cuidado de não assumir res-ponsabilidade para eles e de comparti-lhar o poder de forma horizontal.

O que fazer DURANTEo Círculo

Introdução: apresentaçõese esclarecimentos

Quando entram na sala do Círculo, mui-tas pessoas não se conhecem. A primeiraação em conjunto pode ser apresentá-las,e/ou pedir que cada um diga seu nome,acolhendo a todos.

Os esclarecimentos prestados no Pré-Círculo são repetidos, retomando-se osprincípios e procedimentos do Círculo,e sua meta: um Acordo tecido pelos Pla-nos de Ação – concretos, factíveis e comprazos de cumprimento – de cada umpresente. Na parede haverá um cartazcom os passos do Círculo como recursovisual de apoio (ver página ao lado), faci-litando a autonomia dos participantes ediminuindo dependência no papel dofacilitador. Quando possível, a mesmainformação do cartaz será reproduzidaem folhas de papel, distribuídas a todospelo facilitador.

O intuito do Círculo Restaurativo é trans-cender a lógica de punição ao basear-seno poder de escolha dos envolvidos. As-sim os presentes podem caminhar rumoà construção de planos pessoais e coleti-vos de ação, com o objetivo de dar res-posta às necessidades não atendidas que

provocaram à quebra da norma e se su-cederam a ela.

Em muitos casos, o ato em questão noCírculo é somente o último capítulo deuma seqüência de ações lesivas ocorri-das entre as pessoas presentes. O foco noato escolhido é essencial – cada Círculodeve concentrar-se em apenas um elodessa possível cadeia de eventos dano-sos. Pode ser benéfico, ainda na apresen-tação, resumir o ato praticado, em lin-guagem objetiva, sem julgar. O foco emapenas um ato lesivo nos permite enca-minhar o diálogo para o Acordo, sem queos participantes se percam numa chuvade mútuas acusações e contra acusações.

Participar em um Círculo onde o que estáem foco é a decisão tomada por João dechutar Pedro, porém, não significa igno-rar que, antes, Pedro chamou João de “idi-ota”. Ou que Filipe, Maria e Miguel (co-munidade) disseram a João: “não anda-mos mais contigo enquanto você não exi-gir respeito de Pedro”. Trata-se de ir embusca das dinâmicas que subjazem a to-dos, ou à maioria destes incidentes, paraque os participantes possam entendê-lose resolvê-los pacificamente. Se tentarmostratar vários incidentes em um mesmoCírculo, acabaremos não nos concentran-do em nenhum. Ao abordarmos um, afundo, nos aproximaremos também daraiz dos outros.

É possível que todos os presentes seidentifiquem como “vítimas” da situa-ção, enquanto vêem os outros como“agressores”. A par tir da abertura doCírculo, o facilitador deve evidenciarclareza na identificação de quem é quemno Círculo, em relação ao ato em ques-tão, usando linguagem que apóia, porparte de cada um, a retomada da res-ponsabilidade pessoal.

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Um cartaz, com as etapas do Círculo,deve estar afixado no local do encontro,a vista de todos, facilitando oacompanhamento de roteiro pelos envolvidos:

Etapas do Círculo

PRIMEIRO MOMENTO – COMPREENSÃO MÚTUA

Todos falam e escutam como estão e o que querem agora

A⇒⇒⇒⇒⇒B um se expressa ao outro

B⇔⇔⇔⇔⇔A o outro resume a essência do que ouviu

A ⇔⇔⇔⇔⇔ B quem se expressou corrige ou confirma, até considerarque foi ouvido

C escuta e se expressa

SEGUNDO MOMENTO – AUTO-RESPONSABILIZAÇÃO

Todos falam e escutam como estavam e o que queriam na hora do ato

A ⇒⇒⇒⇒⇒ B um se expressa ao outro

B ⇔⇔⇔⇔⇔A o outro resume a essência do que ouviu

A ⇔⇔⇔⇔⇔ B quem se expressou corrige ou confirma, até considerarque foi ouvido

C escuta e se expressa

TERCEIRO MOMENTO – ACORDO

Todos elaboram Planos de Ação que descrevem o que farão e quando

Planos são redigidos num Acordo, Pós-Círculo é agendado

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Momento 1 – Compreensão mútua

A visão de conflito própria aos CírculosRestaurativos presume que, antes de haveruma agressão, a linha de comunicação en-tre as pessoas cai. Também a comunicaçãointerrompida pode ser a primeira manifes-tação dessa agressão. Assim, o Círculo co-meça com uma dinâmica estruturada pararestabelecer a comunicação entre as pes-soas presentes – ou limpá-la de ruídos –,possibilitando que voltem a fazer sentidoumas para as outras.

O facilitador é, em geral, quem convida umadas três partes envolvidas (Autor–receptor-comunidade) a falar, dirigindo-se a quemquiser, respondendo à pergunta: “Como estápassando atualmente, depois do que aconte-ceu, e quais as conseqüências para você?” –ou “O que quer que o outro saiba sobre comovocê está, neste momento?”

Essa pergunta – que será feita, de uma for-ma ou outra, a todos os presentes – éconstruída de modo a focalizar como “está”cada um no momento presente: “bem”,“mal” e tudo no meio disso. Ela não visaabordar o ato cometido em si, pois antesque se crie um canal de comunicação mí-nimo entre todos, é improvável que exis-tam condições para tanto.

Depois que o primeiro participante falou,solicita-se à pessoa a quem ele se dirigiu,que se manifeste – não com sua opinião,mas com um resumo do que ouviu e com-preendeu. A lógica deste pedido é possibi-litar a quem se expressou saber até que pon-to conseguiu se fazer entendido. Os partici-pantes, culturalmente preparados a acredi-tar, contra inúmeras provas, que “mensa-gem dada é mensagem recebida”, no início,estranham esta dinâmica de confirmar oque foi dito, antes de continuar o diálogo.Logo que começam a se beneficiar dos seus

efeitos – o esclarecimento das mensagenspara todos – a sensação de novidade dimi-nui em importância. Em muitos casos o fa-cilitador não precisa continuar repetindo apergunta “O que você compreendeu do queouviu?”, pois os envolvidos assumem a prá-tica, cuja estrutura é das mais simples.

Há então um ciclo – mensagem enviada peloemissor (quem falou) ⇒ ⇒ ⇒ ⇒ ⇒ impressão recebi-da pelo destinatário (quem escutou) ⇒⇒⇒⇒⇒confirmação ou correção, pelo emissor, da im-pressão do destinatário – que continua. Ter-mina, somente, quando a pessoa que ex-pressou a mensagem, ao ser perguntada sedisse tudo o que queria e se foi ouvida, serevela satisfeita: “disse tudo e fui ouvido”.

Neste momento, a mesma dinâmica se re-pete, agora com os papéis invertidos: quemescutou- o destinatário, se expressa, e quemfalou (o emissor), escuta.

Por fim, o terceiro componente do Círculo– normalmente a comunidade – tem a pa-lavra. Quando um membro da comunidadese dirige a indivíduos presentes em parti-cular, são eles que confirmam sua compre-ensão, até que a pessoa que falou se diz sa-tisfeita. Quando se expressa de modo maisgeral, o facilitador é quem resume o queouviu, com foco no sentido essencial damensagem, ou seja, na necessidade univer-sal subjacente.

Quando todos presentes se declaram terdito o que querem, e de terem sido com-preendidos, o primeiro dos três momentosdo Círculo Restaurativo se completou.

As conexões estabelecidas entre as partestalvez já demonstram uma outra forma deencarar os outros no Círculo. Mesmo se istoainda demorar a aparecer, as condições es-tão prontas para que abordemos o assuntodo ato em si.

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Momento 2 – Auto-responsabilização

Neste segundo momento do Círculo, a per-gunta procura revelar as necessidades quecada um estava procurando atender, e asnecessidades que cada um deixou de aten-der, ao fazer o que fez na hora do ocorrido.Usando uma linguagem simples, o convite épara que os participantes voltem a atençãopara aquilo que procuravam, e aquilo queperderam: “O que quer que o outro saiba so-bre o que você buscava ou pretendia na horado ocorrido?”

Seguindo a mesma dinâmica de comuni-cação utilizada para promover a compre-ensão mútua entre as pessoas no início doCírculo, a pergunta que favorece a auto-responsabilização é oferecida as três partespresentes (receptor do ato, autor, comuni-dade), até que todos se dão por satisfeitos,afirmando que se expressaram e foramc o m p r e e n d i d o s .

Momento 3 – Acordo

Já no Pré-Círculo, as pessoas envolvidasno conflito foram informadas de que o ob-jetivo do Círculo é possibilitar que elascheguem a um acordo que beneficie a to-dos. No Círculo, os dois momentos anteri-ores (compreensão mútua e auto-respon-sabilização) devem criar, nos participan-tes, a capacidade de se entender, e os cri-térios para agir em consenso, necessáriospara que seja formulado um Acordo. Esseé o terceiro momento do Círculo.

As etapas do Círculo constroem as condi-ções necessárias para que o Acordo sejapossível, quando:

1) Estabelecem intenção e sistemáticafavorecendo um encontro em que o po-der – manifesto no direito a falar – écompartilhado de forma horizontal, o

que elimina, do processo de resoluçãodo conflito, o clima de ameaça, puni-ção, dever e perda em que ele surgiu.(Processo Restaurativo e postura do fa-cilitador como portal de acesso a ele)

2) Restabelecem a comunicação rompidaou danificada entre alguns ou todos osparticipantes, humanizando a visão unsdos outros no momento em que se en-contram no Círculo, o que reduz osníveis de estresse estimulados pelasimagens e reações emocionais desper-tadas nesse primeiro momento do en-contro, e possibilita a escuta recíprocadas experiências mútuas; permitem aquem está num processo de diálogo in-terrompido (conflito) começar a per-ceber o sentido da comunicação (ver-bal e não verbal) do outro, tambémcomo, possivelmente, novas camadas desentido em sua própria comunicação.(Compreensão mútua)

3) Restabelecem a comunicação rompidaou danificada entre alguns ou todos osparticipantes, humanizando a visão unsdos outros retroativamente, e permi-tindo uma investigação da “biografiaoculta” das escolhas de cada participan-te no momento do ocorrido; possibili-tam, assim, que cada uma das partes sereconheça nas necessidades que o ou-tro procurou atender na hora do atoofensivo, e naquelas decorrentes desseato – “Vejo que você, que me agrediu, éum ser humano e não um monstro”,“Vejo que roubei não um “rico” mas umser humano”. (Auto-responsabilização)

4) Promovem, quando autêntica, a expres-são de remorso pelas conseqüências dosatos prejudiciais praticados, e o desejode aprender outras formas de satisfazeras mesmas necessidades a partir de ago-ra. (Auto-responsabilização)

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5) Levantam, num vocabulário simples ecompreendido por todos, as necessida-des em busca de realização na hora emque as pessoas se encontram no Círculo(presente), na hora em que o ato lesivoocorreu ( passado), e nas condições so-ciais que contextualizaram o ato e o en-contro. (Auto-responsabilização)

6) Revelam a todos, em particular aos mem-bros da comunidade, sua co-responsabi-lidade em relação aos conflitos que ma-nifestam na vizinhança, e a possibilidadede articular redes informais e formais depoder, com o intuito de promover o apoiomútuo e aprimorar o acesso aos recursoseconômicos, sociais, culturais e ambien-tais necessários à realização dos direitose a uma vida digna.

Tendo percorrido com sucesso os doismomentos anteriores, os participantes doCírculo Restaurativo devem estar prepara-dos para decidir como irão reparar o danoprovocado pelo conflito e prevenir novosepisódios de violência.

Quando o processo de construção do Acor-do não é iniciado espontaneamente, o faci-litador pode estimulá-lo perguntando aosparticipantes o que gostariam de ver acon-tecer no futuro próximo, ou se há algo queestão inspirados a oferecer um ao outro. Apergunta orientadora desse momento podeser: “O que querem fazer agora, para res-taurar a justiça?”

O Acordo não é uma promessa vaga, mas asoma de Planos de Ação, individuais e co-letivos, oferecidos e solicitados mutuamen-te pelos presentes no Círculo, elaboradosem conjunto, com indicação das responsa-bilidades e compromissos assumidos porcada um. Seu núcleo básico são ações con-cretas, factíveis e exeqüíveis, com prazo de-terminado para serem realizadas.

Para o autor do ato lesivo, o Acordo deveexpressar a nova maneira que ele encon-trou de atender às suas necessidades, des-ta vez em harmonia com outros. Repre-senta o desejo de autor de contribuir parao bem estar do receptor.

É também a oportunidade para que osmembros da comunidade reflitam sobreaquilo que poderia ser feito pela escola,família, sociedade ou governo para aten-der às necessidades dos envolvidos – deacesso, por exemplo, à educação, ao lazer,ao esporte, à assistência social, ao traba-lho, à proteção, ao tratamento, para atacaras causas profundas do conflito destrutivo.

Uma vez elaborados os Planos de Ação, oAcordo é redigido pelo facilitador e repas-sado a todos, para receber as assinaturas deconfirmação.

Características de um AcordoRestaurativo

O Acordo descreve ações que...

� São elaboradas a partir das necessida-des identificadas no decorrer do Cír-culo, às quais pretendem atender;

� Têm um prazo definido para sua reali-zação (torna-se, portanto, mensurável);

� São exeqüíveis – podem ser realizadascom recursos já disponíveis ao seu rea-lizador;

� São concretas, reais – reparam o dano;

� Têm valor simbólico – restauram as-pectos imateriais que se quebraram ouperderam com o conflito;

� São diferentes de um “combinado”, ouuma promessa, pois trazem, especifica-dos no maior detalhe possível, quem irárealizá-las, com quem, quando/ por quan-to tempo, onde, como;

� Podem começar a ser realizadas tão logosejam planejadas.

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Dizem respeito ao fato ocorrido,procurando restaurar a dignidade, aharmonia, a segurança e a confiançadas pessoas;

� Beneficiam, também, quem as oferece;

� Demonstram, por parte de quem as ofe-rece, o desejo de desenvolver a capaci-dade de se cuidar, de forma que tambémbeneficiam outros;

� Demonstram, por parte de quem as soli-cita, a consciência de pedir o que preci-sa, para conviver bem com outros;

� Demonstram, por parte de todos, a von-tade de assumir a posse dos seus confli-tos e a responsabilidade de tomar inici-ativa e fazer algo para resolvê-los.

Respeitam os direitos de todosenvolvidos na sua realização.

Obs: Se essas características não estiverempresentes, o facilitador pode interferir, e, pormeio de perguntas, apoiar a crescenteespecificação de cada Plano de Ação, aju-dando assim a aperfeiçoar o Acordo.

Finalização

Assinado o Acordo, segue um momento detransição, que marca o final do Círculo. É ahora de agradecer a todos e de se marcar oencontro do Pós-Círculo, onde osparticipantes irão avaliar se as açõesprevistas foram realizadas e se suasnecessidades foram atendidas. Quandopossível, oferecer água, café, ou mostrar, dealguma outra forma, o cuidado com aspessoas facilita criar esse momentoimportante de maior informalidade, antesda partida.

O que fazer DEPOISdo Círculo

Registro

Para aperfeiçoar a avaliação qualitativado Círculo Restaurativo, facilitadorespodem ser solicitados a devolver à coor-denação do projeto Justiça Restaurativa,o relato da atividade. O melhor momentopara fazer isso é logo depois do Círculo,quando os acontecimentos estão aindafrescos na memória.

Apoio mútuo

Depois do Círculo, o facilitador tem, comoprincipal fonte de apoio, os demais facili-tadores da sua instituição ou comunidade.A aprendizado e supervisão que estes con-tatos podem oferecer é um recurso de mui-to valor.

Quando o Círculo contou também com apresença de um co-facilitador, a experiên-cia de troca e aprendizado com o grupo é,em geral, ainda mais proveitosa.

Pré-agendar reuniões regulares facilita asupervisão mútua e fortalece a noção defacilitar Círculos Restaurativos como umprocesso contínuo de aprendizagem.

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Em Suma: O Círculo Restaurativo

AntesINTRODUÇÃO: Acolhimento / Informação / Princípios e caminho a trilhar

DurantePRIMEIRO MOMENTO – COMPREENSÃO MÚTUAPergunta norteadora: “O que quer que o outro saiba sobre como você está, neste momento?”

O diálogo acontece com as três partes (autor, receptor, comunidade) ativas – duas seexpressando e escutando, um (em geral) escutando. Todos presentes passam porcada um desses papéis, neste primeiro momento do Círculo. Quando se expressam,escolhem a quem se dirigir / de quem querem a compreensão.

Neste exemplo, o autor do ato lesivo se expressa para o receptor:A expressa-se para RR descreve a essência do que ouviu de AA confirma ou corrige impressão de RC observa este diálogo

Esta dinâmica continua até que A diz: sim, falei e fui ouvido.Continua, com R e C se expressando, um de cada vez, até que todos dizem: sim, faleie fui ouvido.

SEGUNDO MOMENTO – AUTO-RESPONSABILIZAÇÃOPergunta norteadora: “O que quer que o outro saiba sobre o que você buscava na hora do ato?”

A pergunta que inicia o diálogo muda, para focar as necessidades subjacentes àescolha de cada um presente, na hora do ato.A dinâmica de diálogo e participação é, porém, idêntica a do primeiro momento descritoacima.

TERCEIRO MOMENTO – ACORDOPergunta norteadora: “O que querem fazer agora, para restaurar a justiça?”

Diálogo entre todos, à base de ofertas e solicitações, visando a construção de Planosde Ação, individuais e coletivos, para atender às necessidades frustradas antes,durante e depois do ato, e reveladas nos momentos anteriores. O resultado é um Planode Ação para cada participante, com prazo claro para sua realização. Somados pelofacilitador, esses Planos formam um Acordo consensuado que é redigido pelo facilita-dor e assinado por todos.

FINALIZAÇÃO – Agradecimento – Agendamento do Pós-Círculo – Tempo de informalidadeentre participantes.

Depois� Registro

� Apoio mútuo

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Como realizaro Pós-CírculoO Pós-Círculo acontece depois de esgotadoo prazo para a realização das ações previstasno Acordo. É o momento em que se verifi-cam os níveis de satisfação dos envolvidos.Se os objetivos do Processo Restaurativo fo-ram atingidos, ou seja, se as ações previstasno Acordo tiveram êxito em atender neces-sidades que antes haviam sido desconside-radas, é no Pós-Círculo que isso será consta-tado e comemorado. Se os objetivos não fo-ram atingidos, por alguns participantes, oupor todos, no Pós-Círculo isso será reveladoe respondido. Se as ações previstas no Acor-do não foram cumpridas, é no Pós-Círculoque serão descobertas as necessidades nãoatendidas, e como as propostas de ação po-dem ser adaptadas para dar conta disso, eem seguida, serem realizadas.

Como já vimos, o Pós-Círculo é marcadoao final da reunião do Círculo, consideran-do os prazos previstos no Acordo. Deve con-tar com a presença do autor do ato lesivo,do receptor e dos membros da comunida-de presentes no Círculo. Poderão participarmembros da comunidade que auxiliaramno cumprimento de um ou outro Plano deAção, mesmo se não estiveram presentesao Círculo. Conselheiros tutelares, represen-tantes da rede de atendimento e outros po-dem integrar este grupo, participando en-quanto pessoas, não em seu papel oficial.

É importante notar que a liderança explícitado facilitador nos encontros restaurativos(Pré-Círculo, Círculo e Pós-Círculo), vai di-minuindo à medida em que o processo avan-ça. No Pré-Círculo, ele tem uma participa-ção acentuada, já que é a primeira reunião.No Círculo, os participantes, munidos da in-formação de que precisam sobre as dinâmi-cas, fazem a maior parte do trabalho, com

apoio do facilitador. No Pós-Círculo, então,cada vez mais o facilitador pode retornar àsua origem como membro da “comunida-de” expressando-se e revelando-se.

O que fazer ANTESdo Pós-Círculo

Convite

Na elaboração do Acordo podem surgirações que utilizam, no Processo Restau-rativo, serviços da rede de atendimento,envolvendo assim assistentes sociais,Conselhos Tutelares, polícia, assistentesde saúde e outros.

Todas essas pessoas podem ser convidadasa participar no Pós-Círculo, em caráter vo-luntário e pessoal, como membros da co-munidade que são. O facilitador pode fazercontato direto com elas. É um caminho.Outro caminho é fazer o contato por meiode um participante que usa o serviço.

Preparação interna do facilitador

Idem à preparação realizada no Pré-Círcu-lo e no Círculo (Ver p. 75 e 82)

Preparação do espaço

O facilitador deve consultar os colegas nainstituição e / ou comunidade, para definir asala e marcar o horário, cuidando da apa-rência, conforto e silêncio do espaço em quea reunião do Pós-Círculo acontecerá (ver p.42, Espaço próprio para a realização de Cír-culo.

Acolhida

O facilitador recebe os participantes e re-toma os objetivos do Pós-Círculo.(Ver p. 81,Acolhimento).

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania90

AvaliaçãoPara avaliar a satisfação dos participantesem relação ao Acordo, o facilitador podeconvidar os participantes a se expressaremem relação à seguinte pergunta:

“O que deseja que o outro saiba sobre comovocê está, neste momento, em relação ao Acor-do e suas conseqüências?”

Quando o facilitador ou outro participan-te avalia que há ruídos na comunicação,ou seja, as mensagens estão sendo envia-das, mas não estão sendo recebidas deforma precisa, a dinâmica já utilizada noCírculo está a mão (Ver p. 83). A estruturado Pós-Círculo é a mesma do Círculo: oque muda é o conteúdo. No primeiro, oque está em foco é um ato lesivo, danoso.No segundo, o foco é a avaliação do Acor-

do. O facilitador usará perguntasempáticas, estimulando as pessoas a seexercitarem em escutar atentamente, de-monstrar que ouviram, o que o outro quisdizer e distinguir entre:

� o que a mensagem significa para quem aestá expressando.

� as idéias que quem ouve tem na cabeça . As respostas dos participantes à perguntainicial determinarão o caminho que Pós-Círculo tomará. Há três possibilidades: asações do Acordo foram cumpridas e a sa-tisfação das necessidades identificadas noCírculo; as ações foram cumpridas, mas asnecessidades não foram satisfeitas; as açõesnão foram realizadas. Cada uma dessas pos-sibilidades exige encaminhamentos dife-rentes. Confira o quadro abaixo.

Avaliação no Pós-Círculo: três possibilidades

Caminhos a seguir

1) Ações do Acordo realizadas, com satisfação das necessidades identificadas no Círculo:

� Comemorar o sucesso.

� Afirmar a capacidade de quem realizou as ações, de identificar o que o outro (ou elemesmo) precisava,elaborar um plano para responder a isto; realizar o plano e receberretorno/feedback sobre ele.

2) Ações do Plano realizadas, sem satisfação das necessidades identificadas no Círculo:

� Relembrar as necessidades de cada um, que as ações visavam atender.

� Re-significar as ações realizadas, adaptando-as a novas situações.

� Propor novas ações.

3) Ações do Plano não realizadas:

� Investigar as necessidades não atendidas pelo Acordo.

� Re-significar as ações planejadas, adaptando-as a novas situações.

� Planejar novas ações que possam atender às necessidades que o Plano de Açãoanterior não atendeu.

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O que fazer DEPOISdo Pós-Círculo

Comunicar

Comunicar o êxito dos Planos de Ação doAcordo realizado em um Círculo Restau-rativo é de grande valia para a comunida-de em que o conflito se deu. A comunida-de quer ser informada a respeito da reso-lução de um problema que a impactou,mesmo se de forma leve. O processo é co-

munitário, e é para lá que precisa retornarcom seus resultados.

Outro motivo para compartilhar resulta-dos é que isso é uma estratégia de difu-são da proposta de Justiça Restaurativa ede fortalecimento sua presença na comu-nidade. No Projeto Justiça e Educação,facilitadores e lideranças utilizavam, paracomunicar os resultados dos Círculos, omural da escola, grafite – solicitado pelaescola, rádio comunitária, jornal do bair-ro e outros veículos.

Em suma: o Pós-Círculo

Antes� Convite a todos os envolvidos no Círculo, relembrando a data do Pós-Círculo.

� Convite a quem auxiliou fazer os Planos de Açãos.

� Preparação interna do facilitador.

Durante� Avaliar a capacidade de um ouvir o outro.

� Lembrar aos presentes que se comprometeram a participar ativamente.

� Celebração do sucesso das ações ou renegociação do Acordo.

Depois� Se o Acordo foi bem sucedido e o Plano cumprido, os resultados devem ser divulgados

na comunidade.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania92

O ProcessoRestaurativonas escolasPara inserir os Círculos na dinâmica da vidaescolar, o primeiro passo é contar com li-deranças educacionais comprometidas quegarantam as condições básicas ao funcio-namento dos Círculos, como espaço físico,

Quando estefluxograma envolvevoluntariamente osparticipantes e fluirespeitando osprincípios de umaprática restaurativa, osresultados sãosignificativos não sópara as pessoas queparticiparamdiretamente desseprocesso. Se acomunidade escolar éinformada sobre comouma situação deconflito foi resolvida,abre a possibilidade dese discutir sobre asregras e normasdisciplinaresestabelecidas e refletirqual a melhor forma dese lidar com situaçõesconflitantes.Os gestores eprofessores têm umagrande oportunidadede, a partir dasexperiências dosCírculosRestaurativos, reversua forma de agirdiante de um conflito,acolhendo-o comoinerente à condiçãohumana. Além disso,implementarmudanças no ProjetoPolítico-Pedagógico àluz de processos quetrazem significadosmais legítimos aossentimentos e àsnecessidades de cadaindivíduo.

ProcessoRestaurativo

em umaEscola

tempo, procedimentos para acolher e en-caminhar a solicitação de Círculos Restau-rativos, etc. (ver p. 42). O ponto central éfazer fluir a informação sobre os Círculos(o que são, como solicitar, quando e ondeacontecem). Essas informações devem es-tar disponíveis na sala dos professores, noscorredores, nas salas de aula. E que os resul-tados dos Acordos estabelecidos nos Cír-culos também precisam ser divulgados.

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Estratégias:exercícios práticose ferramentas

Os conteúdos descritos no item anteriorforam trabalhados com os participantespor meio do diálogo, em pequenos gru-pos e em pares; de exercícios temáticos eparticipativos; e com a vivência de faci-litação em situações simuladas de Círcu-los Restaurativos.

Como parte da estratégia didática, foramrealizados exercícios reflexivos de auto-co-nhecimento e mudança pessoal para auxi-liar a prática da facilitação de Círculos Res-taurativos; especialmente para a identifi-cação e a apropriação de recursos pessoaise para o reconhecimento do outro, comoalguém diferente de si.

O “Estacionamento de questões” foi umadas estratégias didáticas rotineiramenteutilizadas para articular o ritmo aceleradodo programa com o acolhimento de ques-tões levantadas pelo grupo. Em cartazes afi-xados na parede, iam sendo anotadas todasas perguntas trazidas para que fossem aco-lhidas as dúvidas e respondidas ao longodo dia, dentro da seqüência previamenteprogramada.

Utilizou-se a pergunta norteadora “Como eufaço parte desse tema?” para estimular aconstrução social do significado de cadatema, possibilitando aos participantes am-pliação teórica e levantamento de recursosdo grupo, partindo das habilidades pessoais.

Seguem alguns procedimentos utilizados ede “formatos conversacionais” oferecidosao grupo, como apoio ao exercício do novopapel que estavam aprendendo, o de facili-tador de Práticas Restaurativas.43

Formatos conversacionais

Criação de Contextos Conversacionaispara Ensino/Aprendizagem

Dentro de uma proposta construcionistasocial, toda ação adquire um sentido sin-gular, dependendo do contexto e do pro-pósito com que é realizada. Portanto, a pri-meira preocupação é construir contextosconversacionais para ensino/aprendiza-gem que possam gerar boas conversaçõese nas quais o diálogo produza transforma-ções, compreensão ativa e aprendizagemmútua. Para atingir este objetivo, propõe-se a tarefa a seguir.

Levando em conta as conversas que já tive-mos sobre a atividade que realizamos (e asconversas que teve consigo mesmo e comoutros fora do grupo), reflita sobre:

� como pensou que essa atividade pode-ria ser útil a você?

� em relação a quê você considerou queessa atividade poderia ajudá-lo?

� como imaginou que participar desse tra-balho poderia trazer novas possibilida-des de resolver situações na sua prática?

� o que deverá acontecer para que consi-dere esta atividade útil para você?

Dialogando com diferentesinterpretações da realidade

O objetivo deste exercício é convidar os par-ticipantes a pesquisar e identificar seumodo de aprender e construir conhecimen-to, constatando como as experiências pes-soais participam deste processo. O exercí-cio possibilita que percebam suas reaçõesdiante de diferentes formas de interpretare expressar a realidade por meio da lingua-gem, e explorar conexões possíveis entreestas realidades.

43Questões como estasdelineiam o propósito dese estar nestasconversações (Aonde vou?Como vou? Para que vou?O que espero encontrar?),comprometem oparticipante de umamaneira ativa, provocamuma reflexão sobre ocontexto dessaconversação e, ao mesmotempo, constituem-senuma medida daefetividade do trabalhopara cada um.” (Araújo, N.B. e Yazbek, V. C. 2001).

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania94

Para este exercício, são utilizadas fotosselecionadas de revistas, ilustrando matériajornalística sobre algum evento. Apesar depermitirem uma identificação destes fatos,são figuras muito inespecíficas, genéricas,que dão margem a diferentes interpretações.A tarefa proposta é a seguinte:

Individualmente

� Construir um relato curto, por escrito(duas a três linhas) sobre a foto.

� Escolher alguém para formar uma dupla(de preferência desconhecido).

Em duplas

� Apresentar-se ao outro.

� Relatar o que escreveu ao parceiro.

� Ajudar o outro, através de perguntas, aesclarecer seu relato.

� Identificar os dados da foto que partici-param na construção do seu relato.

� Silenciosamente, pensar consigo, quaisestímulos da foto ou quais pontos dorelato têm alguma relação com experi-ências de sua vida pessoal.

Em pequenos grupos

� Reunir-se com as pessoas que utilizaram amesma foto para a construção do relato e:• compartilhar as diferentes versões da

mesma foto;• identificar como selecionou e quais

estímulos foram estruturantes de seurelato;

• perceber como reage internamente aosrelatos semelhantes e diferentes do seu.

IndividualmenteRefletir – Quando encontro pessoas quedesafiam meus pontos de vista, minhas cren-ças, meus valores:

� O que torna possível ouvi-las?

� O que torna possível convidá-las a falarmais sobre o que pensam ou sentem des-de seu (delas) ponto de vista?

� O que torna possível perguntar comochegaram a pensar e sentir daquelamaneira?”

Construção de Redesde aprendizagem eapoio mútuo

Cada participante se prepara individual-mente, identificando:

� Que recursos identifica em si que sejamúteis para a atividade que está apren-dendo e tentando desenvolver?

� Quais habilidades julga necessárias de-senvolver em si? Para o quê gostaria decontar com a ajuda de companheiros?

Cada participante se reúne com o grupo depertinência: por escola, Fórum, comunida-de, e compõe o quadro de recursos a ofere-cer e a buscar como complementar. Final-mente, há um compartilhamento de recur-sos, que possibilita visualizar a rede de per-tencimento estruturada pela proposta res-taurativa, permitindo identificar propósi-tos para a aproximação e estimulando ainteração entre colegas.

Habilidadesde Comunicação

Distinguindo observação dejulgamento, necessidade desentimento

Uma das maiores habilidades de comuni-cação é conseguir separar observação deavaliação e julgamento. Além disso, o Faci-litador de Práticas Restaurativas precisa dis-tinguir sentimentos de necessidades.

Em duplas

� A pessoa (A) já facilitou Círculos e outra(B) não.

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� Conta a história de um Círculo.

� Escuta.

� Diz o que compreendeu da história.

� Tanto (A) quanto (B) distingüem na falado outro:

• O que é JULGAMENTO,do que é OBSERVAÇÃO.

• O que é SENTIMENTO,do que é NECESSIDADE.

Escuta ativa

Ao ouvir o outro, em geral vamos julgando einterpretando aquilo que nos é dito, perden-do a capacidade de apenas estarmos comele, e realmente escutá-lo. COMUNICAÇÃOé falar e ser ouvido. O exercício abaixo de-monstra o quanto é difícil ser ouvido.

Em duplas

� (A) descreve uma cena ou um objeto.

� (B) escuta.

� (B) repete / expressa o que foi dito por (A)

� Trocam-se os papéis.

Ao final, cada um avalia o quanto o outroescutou realmente o que foi dito, e o quan-to acrescentou de seus próprios julgamen-tos ou interpretações.

Simulações/Role Playing

As simulações de Círculos Restaurativos fo-ram uma estratégia constantemente utiliza-da. O exercício abaixo propõe a simulaçãodas três etapas do Processo Restaurativo:

� Os participantes formam grupos de cin-co, sendo: um no papel de facilitador,dois como os envolvidos diretamente noconflito – (A) e (B), e dois como mem-bros da comunidade.

� Cada um conta uma história real de con-flito, acontecida em sua vida.

� Escolhem uma das histórias para ser dra-matizada/contada pelo grupo.

� Os participantes estipulam o “tempoteatral” apropriado para cada etapa doProcesso Restaurativo.

� Dramatizam as três fases do ProcessoRestaurativo (Pré-Círculo, Círculo e Pós-Círculo), estipulando-se um tempo apro-ximado para cada uma.

� O capacitador passa pelos grupos obser-vando o desempenho de cada um.

Ao final, há um tempo de avaliação em quecada equipe relata suas dificuldades, desco-bertas e formula uma pergunta. As pergun-tas e dúvidas são respondidas coletivamente.

Facilitador de PráticasRestaurativas formandooutro Facilitador

Um dos objetivos das oficinas era tornar osfacilitadores capazes de formar novos facili-tadores. O facilitador é um multiplicador dePráticas Restaurativas nas escolas e deve in-cluir em suas habilidades a de capacitar al-guém para fazer o que ele faz. Assim os Cír-culos Restaurativos continuam, mesmoquando o facilitador capacitado se aposen-tar ou mudar de escola ou comunidade. Paraisso, o facilitador capacitado deve identifi-car, em seu local de atuação, quem é a pessoamais curiosa ou propensa a escutar o outro.

Roteiro de situação de aprendizagem emque um facilitador já capacitado acompa-nha o desempenho de um facilitador apren-diz, na simulação de um Círculo. O facilita-dor capacitado fica ao lado do aprendizcomo sua “sombra”, apoiando e interferin-do quando necessário.

O facilitador aprendiz tem o roteiro de pro-cedimentos do Círculo (As Etapas do Pro-cesso Restaurativo, ver p. 71) e procura se-

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania96

gui-lo, promovendo a escuta mútua entredois colegas que representam (A) e (B) edois colegas que representam membros dacomunidade.

� Facilitador capacitado: não tira a aten-ção do outro (não perde o contato visu-al). É a “sombra” ou o auxiliar do novofacilitador.

� Facilitador aprendiz: tem em mãos ocaderno com as anotações que precisapara seguir com o Círculo. Recebe e aco-lhe.

� Ao final da simulação das três etapas, ofacilitador aprendiz ouve o feedback dosdemais participantes do Círculo, e porúltimo, do facilitador capacitado.

Roteiro do facilitador aprendiz

Operando um Círculo Restaurativo

Sugerimos que no início, cada facilitador dePráticas Restaurativas tenha em mãos uma“colinha” com as etapas do procedimento.Com o tempo, à medida que for se sentindomais seguro poderá dispensar esse apoio.

Introdução: acolhida e esclarecimentos

a) Apresente as pessoas.b) Esclareça:

Quanto tempo vai levar (cerca de 1hora); Princípios: o Círculo não é puni-tivo; é horizontal – ninguém está em po-sição superior ou inferior ao outro; é vo-luntário – a qualquer momento quemquiser pode sair do processo.

c) Esclareça:Etapas / passos – compreensão mútua:(A) expressa para (B) como está hojeem relação ao fato; responsabilização,luto ou remorso: (B) expressa para (A)o que queria, buscava; Acordo exeqüível– prazo.

d) Esclareça:Acordo: havendo uma compreensão mú-tua, nosso objetivo é um Acordo que ve-nha restaurar aquilo que se perdeu nomomento do conflito. Um Plano comações concretas que possam beneficiartodos.

e) Esclareça:Pós-Círculo – Depois disso nós vamos nosreunir novamente em data que marcare-mos hoje para checarmos se o Acordo foicumprido e se foi satisfatório para todos.

f ) Checar:Vocês entenderam? Estão confiantes deque compreenderam o Processo Res-taurativo? Vocês querem prosseguir?

Compreensão mútua

g) Indique o Cartaz com as etapas do Cír-culo: “Bem, então vou seguir os passosdo cartaz. Convido (A) a expressar comoestá no momento em relação ao ato.Como você está agora em relação a tudoque aconteceu? (Cuidado, não fale desentimentos de forma isolada – faça umelo com a necessidade – Ex.: Você estátriste porque quer atenção?)

h) Não pergunte como (A) está se sentin-do. Pergunte como está agora em rela-ção ao fato.

i) Sabemos que terminou quando (A) dizsim, fui inteiramente ouvido.

j) Possibilite que os apoiadores de (A) nacomunidade se expressem.

Auto-responsabilização / lutok) Mesmos passos em relação a (B).

Acordo / Plano de Açãol) Cheque o realismo das ações propostas,

sua ligação com o evento ocorrido, seuvalor simbólico. Verifique com o grupo adata do Pós-Círculo e a inclua no Acordo.

m)Registre o Acordo e peça a assinaturados participantes.

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ponsabilidade por administrar sua própriaaprendizagem. Ao mesmo tempo, as ofici-nas contribuem para difundir na comuni-dade as Práticas Restaurativas.

Com coordenação rodiziada, o formatodas Oficinas empodera os participantespara buscar, diretamente no grupo, ou vir-tualmente, via e-group ou e-email, ou, ainda,em pesquisas na web, o apoio necessáriopara responder aos seus questionamentose atender às suas necessidades individuaisde aprimoramento enquanto facilitadoresde Práticas Restaurativas.

Roteiro para encontrosemanal de três horas

Formação do grupo

� Quem – nome dos participantes

� Onde – local

� Quando – data e horário

� Freqüência – quinzenal ou semanal

Dinâmica do encontro

� Escolha do coordenador do dia –5 min

� Construção da agenda – 10 min

� Diálogo sobre a prática – 60 min

� Intervalo – 15 min

� Debate sobre temas de interesse –60 min

� Informes /notícias – 15 min

� Fechamento/reflexões avaliativas– 15 min

O ritmo acelerado do processo de prepa-ração de facilitadores de Práticas Restau-rativas e a época em que foi realizado (fi-nal do segundo semestre), colocou aos ca-pacitadores o desafio de preparar os par-ticipantes para gerir a continuidade do seuprocesso de aprimoramento profissional.

O roteiro a seguir, desenvolvido pela equi-pe docente do setor de mediação do Insti-tuto FAMILIAE-SP, foi discutido e ofere-cido em uma oficina de três horas paracada local (Heliópolis e Guarulhos), com ointuito de estimular os interessados aconstruir espaços semanais de encontroentre facilitadores de Práticas Restaurati-vas com diferentes níveis de experiênciaprofissional.

As “Oficinas de Prática”44 podem ser or-ganizadas por iniciativa de grupos autô-nomos de profissionais e membros da co-munidade, capacitados para atuar comofacilitadores de Práticas Restaurativas, in-teressados em aperfeiçoar sua prática ediscutir temas ligados ao uso de Procedi-mentos Restaurativos, como os Círculos,na resolução de conflitos. Esses encontrossemanais entre facilitadores de PráticasRestaurativas, com diversos níveis de co-nhecimento e experiência profissional, vi-savam incentivar ações de responsabili-dade pelo próprio processo de aprendiza-gem.

Além disso, visavam identificar e reconhe-cer que o grupo tem recursos que podempropiciar um apoio mútuo, construir ca-minhos em direção à automonia e àsustentabilidade, promovendo o diálogo en-tre diferentes e sobre as diferenças e de-monstrando que o facilitador assumiu res-

Oficina de aprimoramento de prática

44Cf. metodologia das“Oficinas de Prática –FAMILIAE 2001

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania98 Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania98

Escolhido o coordenador do dia dentre osparticipantes, as atividades se desenrolamda seguinte forma:

Construção da agenda (10 min)

� Diálogo sobre a prática. Momento emque um facilitador ou grupo de facili-tadores vai relatar sua prática, solici-tando a opinião e as sugestões do grupopara melhorá-la (anotar quem compar-tilhará a experiência).

� Debate: temas de interesse (listar quaisas questões).

� Informes e notícias (anotar quem ofe-recerá novas informações ao grupo).

Diálogo sobre a prática(60 min)

A atividade é um processo de diálogo en-tre dois grupos, ou entre um indivíduo eum grupo, sendo que o primeiro pedeconsultoria / feedback ao segundo sobresua prática. Há três momentos dealternância entre fala e escuta, lideradopelo coordenador do dia.

Momento 1 (busca do foco)

� O grupo (A), formado pelo(s) facilitador(es)que solicita(m) a ajuda e um dos partici-pantes para ser o interlocutor, posiciona-se no centro da roda e expõe seu caso. Ointerlocutor pergunta:– Como você(s) está(ão) em relação à

prática que vai(vão) realizar ou quejá realizou(ram)?

– O que você(s) precisa(m) conversarsobre você(s) e/ou sobre sua atuaçãono Círculo para que possa(m) se sen-tir confortável(is) / competente(s) econfiante(s)?

– Nesse foco, sobre que(ais) ponto(s)você(s) gostaria(m) de ouvir contri-buições do grupo?

� O grupo (B), formado pelos demais par-ticipantes, escuta atenta e silenciosa-mente.

Momento 2(contribuições como recurso)

� O grupo (B) oferece suas contribuiçõesao grupo (A), que escuta silenciosa-mente.

� Cada participante do grupo, que estevenuma escuta silenciosa, oferece algumponto que foi recurso em sua própriaexperiência, evitando julgamentos, crí-ticas e discussões.

Momento 3 (coleta de ganhos)

� O grupo (A) retoma o diálogo para re-gistrar como foi tocado pela fala dogrupo (B).

� O interlocutor do grupo (A) conduz aconversa para que o(s) facilitador(es)identifique(m) os efeitos em si da fala doscolegas, verbalizando se houve mudançae qual(ais) ponto(s) fizeram a diferença.

Intervalo(15 min)

Debate de temas de interesse(questões significativas para ogrupo) (60 min)

� Diante das questões trazidas pelo gru-po e anotadas pelo coordenador no mo-mento da construção da agenda, o gru-po transforma a pergunta de cada par-ticipante em um tema para discussão,pesquisa e estudo.

� O apoio necessário para responder àsindagações virá diretamente do grupoou, virtualmente, via e-group ou e-email,ou, ainda, em pesquisas na web.

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Informes e notícias(15 min)O grupo compartilha informações sobreeventos, notícias no jornal, TV, rádio, li-vros e artigos sobre Justiça Restaurativa.

Fechamento e reflexões avaliativassobre a experiência(diálogo sobre a aprendizagem)(15 min)

� Finalizar com um momento de refle-xões individuais:• O que aprendi nesse encontro?• O que imagino que desta situação po-

deria ser útil e para quais propósitos?• O que levo como tema de pesquisa –

inquietações / questionamentos – aténosso próximo encontro?

Selecionar alguns pontos principais paraque sejam compartilhados com o grupo.

A finalização é uma avaliação reflexiva,útil para o realinhamento do percurso,fazendo com que os participantes pos-sam gerir seu próprio desenvolvimento ese responsabilizar pelo aprimoramentode sua prática.

a) Parte individual

� Pede-se aos participantes que, de olhosfechados e buscando uma posição rela-xada e confortável, acompanhem em suamemória o desenrolar de “um filme”, quemostra as etapas do curso, desde quecada um ouviu falar sobre ele, passandopelos primeiros encontros com os cole-gas e professores e o conhecimento cadavez maior de temas e Práticas Restaura-tivas, até esse último dia.

� Solicita-se a cada participante que ima-gine / identifique um amigo que não es-teja presente e com quem costuma com-partilhar experiências novas.

� Em seguida, propõe-se aos participan-tes que escrevam uma pequena mensa-gem a esse amigo, como um telegrama,nos seguintes termos: “O que vivi nesseprocesso. O curso que fiz. O novo temacom o qual me envolvi”.

� Depois que os participantes escrevem amensagem ao amigo, pede-se que ima-ginem e escrevam o que esse amigo lheresponderia ou comentaria.

b) Parte coletiva

Solicita-se que os participantes reco-nectem-se com o grupo, compartilhandoas mensagens e os comentários.

Atividade de encerramento do cursoEsse exercício de fechamento é uma atividade reflexiva com o objetivode identificar o significado do curso e de seus princípios restaurativos,para cada um.

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1. Fórum Justiça eEducação: parceria pelacidadania;

2. Dominic Barter e VaniaCuri Yazbek;

3. Trabalho em grupo emuma oficina de PráticasRestaurativas;

4. Juiz Egberto A. Penido;

5. Trabalho sobre JustiçaRestaurativa;

6. LiderançasEducacionais;

7. Monica Mumme;

8. Juiz Daniel Issler e VeraLúcia de Jesus Curriel;

9 e 10.Facilitadores dePráticas Restaurativas;

11. Dinâmica em grupoem uma oficina deLiderançaseducacionais.

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Primeira história

Os namorados Maria, 14 anos, e João, 16 anos, estudavam na mesma escola deHeliópolis. Ambos pobres, sem mesada ou trabalho, porém Maria mais pobre ainda,vivendo com a mãe, arrimo da casa, e três irmãos menores. Depois de alguns mesesde namoro, Maria ficou grávida de João. O menino, apavorado, não quis assumirnenhuma responsabilidade, e começou a fugir da namorada. A menina, quando abarriga começou a crescer, foi obrigada a contar o acontecido à mãe. A respostamaterna foi ameaçar expulsá-la de casa se não “resolvesse o problema” de algumamaneira. Não havia lugar ou dinheiro para sustentar um bebê. Pressionada, amenina recorreu à família do ex-namorado, que devolveu o caso à mãe. Sucediam-se agressões verbais e acusações mútuas entre as duas famílias vizinhas e entre osdois jovens. De vizinhos e namorados, haviam se transformado em inimigos.

Um final previsível:....................................................................(complete)

Antes de apresentar os resultados dos meses de vigência do “Justiça eEducação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania”, gos-taríamos de convidar o leitor a apreciar três histórias reais, envolven-do adolescentes e adultos de escolas e comunidades daqueles dois lo-cais1, e imaginar o final que teriam, em uma situação regida pelosvalores da cultura da violência ou da cultura retributiva, inspiradorade uma justiça do tipo “olho por olho dente por dente”.

ResultadosDesafios do processo, lições aprendidas enovas perguntas que pedem respostas urgentes

1Os nomes são fictícios,para proteger aprivacidade dosenvolvidos.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania102

Segunda história

Na hora do recreio, quando o tempo é curto para tudo o que os adolescentes têm a dizeruns aos outros e em geral a gritaria e a confusão imperam, Mariana estava especial-mente agitada. A única inspetora de alunos presente no pátio tentava em vão colocarum pouco de ordem na situação. Por várias vezes chamou a atenção de Mariana. Nãosabemos o que aconteceu para deflagrar a agressividade de Mariana, se o tom da vozda inspetora, ou os termos que usou ao falar com a adolescente, ou se a explosão se deuporque naquele dia estava emocionalmente fragilizada. O fato é que a menina “partiupara cima da inspetora”, e a agrediu fisicamente.

Um final previsível:....................................................................(complete)

Terceira história

Os adolescentes José e Mário, estudantes da mesma escola, se encontraram na praça. Daconversa e das piadas, descambaram para o insulto, e do insulto, à briga física. Socos epontapés acompanhavam os xingamentos. Os colegas de escola Juca e Mauro tentaraminterferir e “apartar a briga”. Que esperança. Ao serem atingidos pelos socos dos doisprimeiros, o que fazem é entrar na confusão. No final, além dos machucados, restou asensação de ameaça e de que nunca mais iriam sentir-se seguros na escola ou navizinhança. José, em especial, que havia tirado sangue do nariz de Mário, ficou commuito medo, temendo represálias.

Um final previsível:....................................................................(complete)

Os finais previsíveis dessas três histórias, queacontecem quase todos dias nas escolas bra-sileiras e seus arredores, são bastante tristes.Na primeira história, as possibilidades dedesfecho poderiam incluir aborto ou suicí-dio. Na segunda, clima ruim entre as envolvi-das, suspensão ou outra punição. Na tercei-ra, a violência entre eles poderia se agravar,levando ao cumprimento de medidassocioeducativas de acordo com o ECA.

No entanto, em lugar desses desenlacessombrios, cada uma das histórias terminoubem, ou pelo menos, o melhor possível, den-tro das circunstâncias.

A mãe de Maria não pensa mais emexpulsá-la e vai acompanhá-la nas visitasao médico do pré-natal. João e sua famíliadecidiram ajudar a construir um quartopara ela e o bebê na casa materna. João,Maria e suas famílias voltaram a conver-sar e a se entender.

Mariana compreendeu o quanto havia pas-sado dos limites e como a inspetora se sen-tira em relação a isso. O diretor da escolarefletiu sobre a atmosfera do recreio e comomelhorá-la. Mariana se propôs a realizaratividades na escola ao final de semana,dentro do Programa Escola da Família2, de-

2Programa desenvolvidopela Secretaria daEducação do Estado de SãoPaulo, desde 2003, nasescolas.

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4 | Resultados 103

batendo com outros adolescentes a ques-tão de Direitos e Deveres.

Os quatro adolescentes brigões perceberamque há outras maneiras menos perigosasde se extravasar a energia. Estão organizan-do um jogo de futebol no campo do bairropara se reaproximarem.

O que fez a diferença entre os “finais dashistórias” que iriam manter ou intensificaro ciclo de violência e desfechos que dãouma chance à convivência pacífica entrediferentes? A resposta está no fato de quetodos esses adolescentes habitavam em umterritório onde o Projeto “Justiça e Educa-ção em Heliópolis e Guarulhos: parceriapara a cidadania” estava em vigor. E, graçasa esse projeto, os adolescentes, suas famíli-as e apoiadores na comunidade tiveramacesso a uma abordagem de resolução deconflitos da Justiça Restaurativa, chamadaCírculo Restaurativo. O poder desse proce-dimento para instaurar um clima mais sau-dável em escolas e comunidades eempoderá-las, para que possam identificaras causas de seus problemas e resolvê-los, étamanho, que se faz sentir mesmo quandoos Círculos são conduzidos por facilitado-res de Práticas Restaurativas ainda em for-mação, ou inexperientes, como foi o casonas três histórias relatadas3.

ResultadosobtidosNas últimas oficinas do Curso de Lideran-ças Educacionais, realizadas em Dezembro,em Guarulhos e Heliópolis, estavam tam-bém presentes os facilitadores de PráticasRestaurativas e os agentes do Sistema Judi-ciário. Naquele momento, foram retoma-dos os objetivos específicos do Projeto Jus-

tiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos:parceria para a cidadania. Foi comoventeverificar o quanto foi realizado por aquele gru-po de pessoas, passados apenas quatro mesesdo Seminário de Mobilização, apesar das difi-culdades encontradas. Vejamos os resultadosdessa intensa caminhada, em relação a cadaum dos objetivos.

O que foi destacado, em primeiro lugar, foio avanço representado pela vontade queJustiça e Educação manifestaram de unirforças para sensibilizar e chamar a atençãopara outras formas de resolução de confli-tos que atingem crianças, jovens e adultosem escolas e comunidades.

ParceriaTem início uma parceria entreSistemas de Justiça e Educaçãoem Heliópolis e Guarulhos

A relevância do trabalho conjunto trans-parece na fala de todos os envolvidos,como se vê nos depoimentos abaixo. Note-se a compreensão de que a parceria se es-tende para além do Projeto Justiça e Edu-cação, e tem a ver com Justiça Restaurati-va e Educação para uma cultura de paz.

A palavra do Poder Judiciário

Os juízes, representando o Poder Judiciárioem Heliópolis e Guarulhos, apontam os be-nefícios da parceria.

Durante as mobilizações e capacitaçõesdo Projeto, foi sensível a apreciação dacomunidade escolar considerada comoum todo, especialmente professores, di-retores, coordenadores pedagógicos, alu-nos e pais, pelo fato de haver atuaçãoconjunta das instituições da Educaçãoe da Justiça, o que nunca antes havia

3Os facilitadores dosCírculos foram MariaAparecida e ClóvisFrancisco (primeirahistória) e Janete Graçados Reis (Assistente Socialda Vara da Infância deGuarulhos) e Cleide Matos(Psicóloga da Vara daInfância e da Juventude deGuarulhos) (segunda eterceira histórias),capacitados por DominicBarter e Vânia Yazbek.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania104

sido registrado em Guarulhos e Helió-polis. Era perceptível a enorme necessi-dade de que isso ocorresse, pois o eleva-do grau de violência na comunidade,dentro e no entorno das escolas, leva àperda de referências de valor. E nem aSecretaria da Educação e escolas (dire-tor, professores e funcionários) nem asVaras da Infância e da Juventude, isola-damente, são capazes de reverter o pro-cesso de erosão social. Prioritário, nessemomento do Projeto, é enfatizar a im-portância que ele teve para a aproxi-mação institucional entre Judiciário,Diretorias de Ensino e o restante dascomunidades, considerando todos aque-les que participam da Rede de Atendi-mento à Infância e à Juventude. Nunca,antes, na Comarca de Guarulhos e naRegião de Heliópolis os representantesdestes diferentes setores sentaram-se jun-tos para pensar em soluções práticaspara aplacar os problemas, que tambémsão comuns.

Em Guarulhos, onde já existia uma boacomunicação entre o Fórum e a Direto-ria de Ensino, foi interessante maisuma vez notar que a atuação em con-junto da Vara da Infância e da Juven-tude e da Diretoria de Ensino, no quetange à Justiça Restaurativa, levou aoutras possibilidades de interação nãodiretamente relacionadas ao Projeto,mas que também têm relevância, taiscomo: a proposição de realizar a cons-cientização dos alunos sobre paterni-dade responsável e planejamento fami-liar, ou mesmo capacitação de profes-sores e outros funcionários das escolasna matéria relacionada à Infância e àJuventude.

A palavra da FDE 4

A Fundação para o Desenvolvimento daEducação – FDE, órgão executor da Se-cretaria da Educação do Estado de SãoPaulo – SEE, contratante e coordenadoratécnico-pedagógica do Projeto “Justiça eEducação em Heliópolis e Guarulhos: par-ceria para a cidadania”, assim avaliou aparceria com a Justiça:

O desafio de elaborar um trabalho emparceria, que envolvesse educação em di-reitos humanos, foi construído lenta e co-letivamente. Sob forma reflexivo-participativa, procurou-se fazer com quetodos fossem tocados pela questão decomo cada um poderia restaurar as re-lações no cotidiano sem deixar de cum-prir seu papel principal. Quais são asresponsabilidades da escola? Quais osseus limites? Qual será o caminho para aconstrução de uma vida justa em comum?Qual é o lugar a ser ocupado por nós,educadores? Foram questões quepermearam a construção desta parceriaao longo do Projeto.

Este é um Projeto ousado e inovador. Umrespiro, numa situação de medo, uma es-perança, num momento em que acredi-tar na capacidade do ser humano dedialogar e restaurar as relações, não existemais. Nunca antes, nas redes públicasestadual ou municipal, houve uma apro-ximação efetiva ou diálogo entre conse-lheiros tutelares, juízes e promotores dasVaras da Infância e da Juventude, pro-fessores, que favorecesse os alunos, prin-cipalmente contemplando crianças e ado-lescentes.

Nas reuniões, aos poucos, psicólogos, as-sistentes sociais, médicos, psiquiatras,educadores, juízes e policiais estão vol-tando a sua atenção para a construção

4Pela ProfessoraJurema Reis CorrêaPanza,Coordenadora doProjeto Justiça eEducação emHeliópolis eGuarulhos: parceriapara a cidadania,apresentado aDiretoria deProjetos Especiaisda FDE.

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desta Rede de Proteção à criança e aoadolescente, incluindo a participação dacomunidade no exercício efetivo dos seusdeveres e direitos de cidadania, semean-do a cultura da paz, em busca da melho-ria da convivência.

Departamento de Educação Preventiva

A palavra das Diretorias de Ensinoda Secretaria da Educação do Estadode São Paulo

Guarulhos5

Justiça Restaurativa é um conceito novoe forte. Ele dá ênfase à resolução de con-flitos, em vez de apenas punir trans-gressões. Começa a envolver a Justiçada Infância e da Juventude e é coerentecom a Doutrina da Proteção Integralda Infância e com os movimentos pelacultura de paz.

A Justiça Restaurativa se faz importan-te nas escolas da Diretoria de Ensino daRegião de Guarulhos-Norte, por umaquestão de princípio. Ela reconhece queos conflitos fazem parte integrante davida social, estimula as pessoas a assu-mirem responsabilidades e a desenvolve-rem a prática da não-violência.

Nesse sentido, a presença e a participa-ção, nessa Diretoria de Ensino, do Juizda Vara da Infância e da Juventude Dr.Daniel Issler, dos Conselhos Tutelar e dosDireitos da Criança e do Adolescente têmsido muito importantes.

A Justiça Restaurativa compartilha poder eencoraja o diálogo entre as pessoas envolvidasem conflitos. Estimula o ouvir em vez de rotular,procura reativar os valores, modifica o olhar ea forma com que vemos o outro.

Propõe uma nova postura que nos au-xilia a viver em comunidade; a fazerparcerias em vez de dominar; a resga-tar os laços de família. Restaura o sensode dignidade, de segurança e de justiça.Estimula uma melhor interação com ooutro e o desenvolvimento de estratégi-as de comunicação para que, diante daruptura da norma, ocorra a restaura-ção da harmonia e não a punição.

Tudo isso tem a ver com a Educação quequeremos, baseada não em punição, masno compromisso e na responsabilidadede todos os envolvidos no processo deensino-aprendizagem, de dar condiçãoao outro de crescer, conhecer e respeitaro diferente.

Heliópolis6

A Justiça Restaurativa foi apresenta-da às escolas por meio da Gerência deProjetos Especiais da Fundação parao Desenvolvimento da Educação – FDE.Essa abordagem veio fortalecer o Pro-jeto Comunidade Presente, da FDE,comprometido com o desenvolvimentoda cidadania e da cultura da não-vio-lência, estabelecendo vínculos, convi-dando os jovens a lidar com conflitos epreparando-os para desenvolver capa-cidades para solucionar problemas emdiversos âmbitos.

O Projeto Justiça e Educação veio ao en-contro de uma grande necessidade atu-al: reverter a situação de insegurança doBrasil contemporâneo. Temos que lutarpor escolas justas e restaurativas. Paraisso, é necessária uma parceria efetivaentre a Educação e Justiça, por meio daqual poderemos tornar a justiça maiseducativa e a educação mais justa. Des-sa parceria emerge a esperança de rever-ter a violência, restaurando interaçõesdanificadas pelo conflito.

5Pelas ProfessorasMarivana S.Mascarenhas eTeresa de SouzaIzidoro, AssistentesTécnicoPedagógicas-ATPsda Diretoria deEnsino da RegiãoGuarulhos-Norte.

6Pela ProfessoraMaria Isabel Faria,Dirigente daDiretoria de Ensinoda Região Centro-Sul (Heliópolis).

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Trata-se de um projeto inovador, que res-ponde a uma angústia muito grande dosprofissionais da área da educação: comolidar com conflitos, levando o aluno a re-fletir sobre sua ação e sobre as conse-qüências desta ação.

A prática dos Círculos Restaurativosleva a uma reflexão tanto do agressorcomo do agredido, preparando os envol-vidos a lidar com suas emoções e procu-rando meios mais saudáveis para resol-ver “problemas”, que até então pareciamtão complicados. Refletir antes de agir,conhecer a extensão de suas ações e pos-síveis prejuízos que podem causar nooutro e em si mesmo, faz com que o jovemamadureça emocionalmente e prepare–se para lidar com os inevitáveis conflitosem sua vida cotidiana, dentro e fora doambiente escolar, exercitando sua cida-dania e aprendendo o convívio com odiferente.

Apesar de estarmos no Projeto há tãopouco tempo, já temos resultados indi-cando que realmente vale a pena insis-tirmos em sua continuidade.

CapacitaçãoForam capacitados 100 facilitadoresde Práticas Restaurativas para atua-rem em escolas, nas Varas da Infân-cia e da Juventude e nas comunidadesde Heliópolis e Guarulhos

Cerca de 100 voluntários ligados ao Siste-ma Educacional – educadores, jovens, paise mães de alunos – receberam uma capa-citação de 80 horas7, para conduzir Círcu-los Restaurativos no espaço escolar. Mais20 voluntários ligados ao Sistema de Justi-ça e à comunidade – conselheiros tutela-res, conselheiros de direitos, assistentes so-ciais, psicólogas, também foram capacita-

dos para realizar Círculos Restaurativos noespaço do Fórum ou de outras entidades,com adolescentes não matriculados nas es-colas, participantes do Projeto Justiça eEducação.

Por meio da formação de facilitadores dePráticas Restaurativas, de lideranças edu-cacionais e de agentes da comunidade edo judiciário, “Práticas Restaurativas fo-ram conhecidas como uma outra possi-bilidade de resolução de conflitos. Modi-ficaram-se crenças e valores. Para algu-mas pessoas essas práticas tornaram-se aúnica maneira eficaz de se resolver con-flitos, com a certeza de se estabelecer ou-tros parâmetros para as mesmas rela-ções”. Monica Mumme, Facilitadora deMudanças Educacionais.

Indicadores do impacto da capacitação,sobre os participantes do Curso de Forma-ção de Facilitadores de Práticas Restaura-tivas, são os textos avaliativos escritos aofinal do processo, como:

“Participei da capacitação de um projetode Justiça Restaurativa que nos ensina alidar de forma diferente com os conflitos.Reforçou tudo em que acreditava sobre acapacidade dos jovens de repensarem osseus próprios atos. Vou entrar de cabeça”.

“Esse curso me fez lembrar de uma capa-cidade que eu havia esquecido: a de en-contrar o outro”.

“A Justiça Restaurativa me fez ouvir, mefez agir diferente, me fez participar maisda vida”.

“É um novo olhar, um novo pensar, umnovo agir. Foram semanas de crescimen-to interior, aumentando meu conhecimen-to de mim e de quem me cerca. Vou aju-dar e ser ajudada”.

7Os fundamentos,metodologia eprocedimentos dascapacitações deFacilitadores de PráticasRestaurativas, conduzidaspor Dominic Barter, daCNVBrasil e Vânia CuriYazbek, estão descritos noModo de Fazer II(ver p. 67)

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Além de possibilitar aos participantes odesenvolvimento de competências e ha-bilidades específicas ao desempenho deseu novo papel, um resultado importantedessas capacitações foi a criação, no gru-po, de novos termos para substituir osutilizados em contextos punitivos/retributivos para designar pessoas emconflitos. No Sistema Judiciário e, commenos ênfase e formalidade, também noEducacional, essas pessoas são denomi-nadas “agressor” ou “ofensor” e “vítima”.No grupo de aprendizes de facilitadoresde Práticas Restaurativas essas palavrasforam substituídas por “autor do ato” e“receptor do ato”.

Preparaçãode liderançasForam preparadas 100 liderançaseducacionais para apoiar a implemen-tação de Círculos Restaurativos nasunidades escolares

Em cada uma das escolas de Ensino Médiode Guarulhos e de Heliópolis, inscritas noprojeto, cinco lideranças educacionais fo-ram capacitadas para garantir espaço,tempo e condições organizacionais de co-municação para o funcionamento de Cír-culos Restaurativos em suas instalações.Essas lideranças contam, principalmente,com gestores, mas também com represen-tantes de professores, familiares e alunos.Dois supervisores e/ou assistentes técni-co-pedagógicos em cada uma das Direto-rias de Ensino também foram preparadospara acompanhar e apoiar as liderançasno processo de iniciação e implementa-ção dos Círculos Restaurativos.

Por meio de uma capacitação de 42 ho-ras8, e do apoio semanal representado peloacompanhamento às escolas pela facilita-

Fazemos coisascom as palavras

O cuidado com a linguagem expressa acompreensão, pelo grupo, dos novos pa-radigmas que inspiravam as atividades dacapacitação, segundo os quais a lingua-gem deve ser entendida como atividade,ação. A linguagem não veicula sentido, elao realiza. Portanto, a linguagem constrói osmundos sociais e os indivíduos.

Sob esse enfoque, durante o curso, convi-damos os participantes a ficarem atentosàs verbalizações (suas e dos outros) paradesenvolver uma escuta cuidadosa e atentaaos vocábulos utilizados nas atividades.Houve um esforço consciente por evitar esuprimir as palavras ou expressões quepudessem rotular, julgar, excluir, ou seja,construir relações antagônicas, competiti-vas ou estigmatizantes, produzindo e ali-mentando a violência ao invés dedesestimulá-la e resolvê-la.

A substituição das palavras “agressor-ofensor” e “vítima” por “autor” e “receptor”do ato, respectivamente, pelos participan-tes do grupo, foi apenas o início de umamudança na prática e um novo olhar dessegrupo com relação à dinâmica de resolu-ção de conflitos.

dora de Mudanças Educacionais e das co-facilitadoras9, as lideranças educacionaisforam sensibilizadas e passaram a viven-ciar a proposta apresentada, compartilhan-do dúvidas e receios, agindo e refletindosobre o processo em curso. Foram co-au-toras do Curso de Formação de Lideran-ças, estimulando o (re)planejamento dasações previstas.

A equipe da FDE e as Diretorias de Ensi-no, colaboradoras constantes no planeja-mento, implementação e avaliação do Cur-

8Os fundamentos,metodologia, conteúdos eestratégias do Curso deFormação de LiderançasEducacionais, coordenadopor Monica Mumme, doCECIP, estão registrados àp. 38.

9A educadora social AnaPaixão e a pedagoga CéliaOliveira, do CECIP,acompanhadas, quandopossível por Supervisorese APPs das Diretorias deEnsino

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so de Formação de Lideranças Educaci-onais para os Círculos Restaurativos, es-tão prontas a dar continuidade ao pro-cesso de apoio às escolas, na incorpora-ção à prática dos princípios da JustiçaRestaurativa.

Em dezembro de 2006, estavam presentesem todas as escolas as pré-condições deimplementação dos Círculos Restaurati-vos, e, no mínimo, a primeira etapa doCírculo Restaurativo já havia sido expe-rimentada.

As lideranças educacionais envolvidas nacapacitação:

� Traduziram diretrizes em conceitosoperativos e práticos: “criar escolas se-guras e construir uma cultura de paz”é uma diretriz. Ao decidirem investirna implementação de Círculos Restau-rativos para resolver conflitos, os par-ticipantes fizeram uma tradução ope-racional possível dessa diretriz geral.

� Definiram aonde queriam chegar: “li-derar é ter objetivos claros, e sabercomunicá-los”. As lideranças desenvol-veram a visão de uma escola, na qualos conflitos não se transformem ematos de violência. Depois disso passa-ram a comunicar essa visão para a co-munidade.

� Algumas escolas traçaram um curso deação definido. Por meio do planejamen-to para a ação, estabeleceram e cum-priram os passos necessários à implan-tação dos Círculos Restaurativos.

� Foram flexíveis. Souberam (re) plane-jar ações, sempre que necessário.

O reconhecimento das aprendizagens,construídas pelos participantes duranteo curso, se expressou em depoimentospessoais.

ReflexãoJuízes, promotores, conselheirosde direito e tutelares e técnicos dasVaras da Infância e da Juventude naCapital e Guarulhos foram convidadosa refletir sobre o seu papel

Uma nova abordagem de resolução deconflitos passou a ser exercitada nas Va-ras da Infância e da Juventude da Capital(Heliópolis) e em Guarulhos. Com isso,mesmo os agentes da Justiça não direta-mente envolvidos no projeto passaram aconviver com posturas inclusivas eparticipativas em relação a adolescentesem conflito com a lei. Esses adolescentespassaram a ser encaminhados a CírculosRestaurativos com envolvimento comu-nitário e os Planos de Ação por eles cons-truídos foram acolhidos.

A partir de outubro de 2006, os facilitadoresde Práticas Restaurativas em processo deformação, com supervisão de seuscapacitadores, começaram a exercitar suashabilidades junto a adolescentes pratican-tes de atos infracionais.

No Fórum de Heliópolis

Deram entrada no setor 125 processos,sendo que alguns destes envolveram ado-lescentes em conflito com a lei não resi-dentes em Heliópolis, mas que foram en-caminhados para o Setor de Justiça Res-taurativa pelo Juíz da 3ª Vara Especial daInfância e da Juventude, por entender quese tratava da via mais adequada para re-solução do conflito ali em exame. Embo-ra extrapolasse os critérios objetivos pre-vistos inicialmente no Projeto, aceitou-se o processamento pelo Setor de JustiçaRestaurativa, a fim de avaliar experimen-talmente os critérios necessários paraeventual expansão do Projeto no futuro.

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Dos 125 processos, 49 foram encaminha-dos para Círculo Restaurativo até junhode 2007, tendo sido realizados nesse pe-ríodo 17 Círculos, com Acordo em 16 de-les. Tratava-se de casos de: um crime con-tra o patrimônio público, envolvendodois adolescentes; três casos referentes acrimes de ameaça; seis a lesão corporaldolosa; um crime de ofensa ao pudor eseis crimes de injúria. Os demais aindase encontram em fase de Pré-Círculo.

Os outros 76 processos não foram enca-minhados a Círculos, porque envolveramcrimes de maior potencial ofensivo,como roubo e tráfico de entorpecentes.

No Fórum de Guarulhos

Houve tempo hábil para a realização dedez Círculos Restaurativos pela Vara daInfância, sendo sete casos de agressão etrês de ofensa contra a honra obtendo-sesete Acordos até o momento. Nos Círcu-los realizados, embora os números aindanão sejam estatisticamente significati-vos, houve Acordo. Este fato, aliado à per-cepção da alta satisfação das pessoas en-volvidas em conflitos e que participaramdos Círculos, indica não só a viabilidadeda iniciativa como forte potencial paci-ficador social, no enfrentamento da vio-lência e conflitos inter-pessoais.

O Projeto Justiça e Educação, ainda queesteja em sua fase inicial, já trouxe um di-ferencial qualitativo ao atendimento aosadolescentes a quem se atribui a práticade ato infracional. Ele tem possibilitadoque os profissionais nele envolvidos – juizde direito, promotora de justiça, psicólo-gas e assistentes sociais – conheçam o lo-cal de moradia do jovem, suas principaiscaracterísticas e os recursos nele existen-tes e tem propiciado a aproximação comas escolas freqüentadas por esses jovens.

Embora todos reconheçam a lentidão dosprocessos de mudança paradigmática, háindícios de que as ações inaugurais doProjeto já impulsionaram algumas trans-formações no modo de pensar. Como afir-ma Monica Mumme, Facilitadora de Mu-danças Educacionais do CECIP. “A idéiade que Juízes são sempre profissionaisdistantes e inatingíveis foi desmitificada.Eles estiveram presentes em todas asações desenvolvidas e, sempre que solici-tados, responderam às demandas apre-sentadas. Criaram vínculos fundamentaispara a sustentação das mudançasimplementadas. Legitimaram, por meioda criação de fluxos de comunicação, en-tre as escolas, Varas da Infância e demaisórgãos da Rede de Atendimento, os pro-cedimentos instaurados pelos CírculosRestaurativos”.

No depoimento a seguir, uma assistentesocial da equipe da Vara da Infância e daJuventude de Heliópolis mostra como oseu modelo mental a respeito do que é,para que e a quem serve a Justiça Restau-rativa e como mudou ao longo dos pri-meiros cinco meses de experimentaçãocom o Projeto.

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A sociedade avançou muito, principalmen-te nos aspectos tecnológicos e científi-cos. Esses avanços são evidentes: o ge-noma humano, a cibernética, a robótica ea Internet. Todavia, ainda há um grandefosso social que acompanha a vida con-temporânea. O desejo de reparação querompe o limiar do século XXI é a vingança.A justiça é ética, mas a vingança não.Desejamos, frente aos altos índices de vi-olência, uma justiça que principalemnteatinja a todas as classes sociais, não so-mente os mais vulneráveis sobre o pontode vista socioeconômico, normalmente po-bres e negros.

Ao trabalhar nas Varas Especiais da In-fância e da Juventude, deparei-me comuma realidade – que conhecia –, todavia,nesse momento, ela atravessa o meu co-tidiano, a minha vida, o meu pensamento eminha alma. Compreendo também que, asrespostas oferecidas pelo Estado, pelasociedade e pelas inst i tuições deinternação são precárias, pouca resso-nância de intervenções frente ao real, seconsideramos a grave fratura social quelança centenas, milhares de crianças eadolescentes para as ruas, configuran-do-se, gradativamente, numa barbárie so-cial em que, muitas vezes, as vítimas pas-sam a ser algozes.

Neste processo de dúvidas e de vontadede intervir de forma mais efetiva, conhecia Justiça Restaurativa, todavia, questio-nava sobre que modelo é esse que se pro-põe a restaurar valores e relações numasociedade onde são inconciliáveis os in-teresses de classes?

10Por Maria R. ChagasVargas Rodriguez,Assistente Social doJudiciário/ VarasEspeciais daInfância e daJuventude

A Justiça Restaurativa propõe-se a criarcondições de reflexão sobre episódios co-tidianos que chamamos de conflitos. Com-preender a dor do outro, saber o que o ou-tro pensa e sente frente a uma situaçãotraumática, dolorosa que viveu, permite res-gatar valores que se perdem, gradativamen-te, na sociedade em que vivemos.

Tratam-se os envolvidos nos conflitos peloseu nome; todos possuem uma identida-de, valores e, principalmente, afirma-se opertencimento de todos à mesma condi-ção humana. Acredita-se que, somenteencontraremos soluções para os confli-tos sociais, se consideramos a dor do ou-tro, resgatarmos vínculos de solidarieda-de e concedermos ao outro o direito de tersua vida respeitada.

Essa fala, que parece dramática e até eiva-da de fundamentalismo religioso, não temnada a ver com esses aspectos. Durante aminha vida, fui militante de esquerda, direto-ra de Centro Acadêmico na Universidade, eoutras “transgressões” necessárias aoexercício de minha cidadania. No momentoem que “tudo que é sólido desmancha noar”, penso em atitude cotidianas, que tra-gam a compreensão da subjetividade dooutro, construindo assim uma convivênciamais humanitária e não violenta.

Tenho muitas dúvidas, anseios e desejos,mas sei que a Justiça Restaurativa tem melevado a permanecer com uma visão de mun-do que considera o outro, que o compreen-de, por mais que a sociedade grite por “justi-ça”, querendo dizer “vingança”, num con-texto onde a grande maioria punida é pobre”.

É possível restaurar valores e relaçõesnuma sociedade onde os interesses de classe

são inconciliáveis?10

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Apoio à criação deambientes segurosDiferentes organizações e segmentosdas comunidades de Heliópolis eGuarulhos receberam apoio paracooperar na criação de ambientesseguros para alunos, educadores efamílias, por meio da implantação oufortalecimento da Rede de Atendimen-to às crianças e aos adolescentes

Foram realizados encontros, liderados pe-los Juízes e outros agentes do judiciário,com representantes das organizações daRede de Atendimento à criança ao adoles-cente e da comunidade em geral. Tambémaconteceram encontros menores, nas es-colas, com Juízes, agentes do judiciário eda Rede de Atendimento, com ênfase à pro-moção de atividades de orientação e apoioàs famílias e ao protagonismo juvenil11.

As Dirigentes das Diretorias de Ensino eos participantes das escolas foram unâ-nimes na apreciação desse movimentoque convida as escolas a saírem do isola-mento e se conectarem a outras institui-ções que também atendem a crianças eadolescentes. Na observação de MonicaMumme, “as Redes de Apoio em Heliópo-lis e Guarulhos começam a aproximar ins-tituições, que necessitam de um espaçopara se conhecerem e pensarem de formacoletiva ações que garantam os direitos decrianças e adolescentes”.

E a Dirigente de Heliópolis afirma:

“A articulação da Rede de Apoio foium dos pontos relevantes neste traba-lho, pois além dos encontros previstospara os “facilitadores de Práticas Res-taurativas”, houve também encontrosperiódicos liderados pelo Juiz da Vara

da Infância e da Juventude. O Projeto“Justiça e Educação” rompe com o tra-balho individual e solitário; sua per-manência e expansão deve-se ao tra-balho em parceria”.

Desafiosdo processoO educador e pesquisador de mudançaseducacionais canadense Michel Fullancostuma dizer que “problemas são nossosamigos”. Isso, porque problemas são de-safios que nos desacomodam e nos for-çam a crescer, aprendendo e avançando/mudando. A implementação do Projeto“Justiça e Educação em Heliópolis e Gua-rulhos: parceria para a cidadania” colo-cou, diariamente, os coordenadores deseus três eixos (Procedimentos Restaura-tivos/Facilitação de Mudanças Institucio-nais e Educacionais/ Rede de Apoio) di-ante de problemas-desafios, que os inter-rogavam, provocando respostas criativas.A seguir serão apresentados os desafios eestratégias que extraímos do processo.

DesafiosgeraisAlguns problemas foram sentidos peloscoordenadores dos três eixos, bem comopelas Dirigentes de Ensino.

Atuar dentro de um paradigmadominante que contraria osprincípios da inovação restaurativa

Exemplos de depoimentos indicando a di-ficuldade que é “remar contra a maré” dacultura retributiva/punitiva dominante:

11As atividades relativasao fortalecimento da Redede Atendimento à criançae ao adolescente lideradasem Heliópolis, peloDr. Egberto Penido, e emGuarulhos, pelo Dr. DanielIssler, estão descritas àp. 63.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania112

“Embora os ideais e princípios que cons-tituem a Justiça Restaurativa certamen-te cativem grande parte dos que deles têmnotícia, os grandes obstáculos são, ain-da, a descrença de muitos de que a situa-ção social, já tão deteriorada, possa serrevertida.”

Juizes Daniel Issler e Egberto Penido

“Quando algumas pessoas escutam pelaprimeira vez sobre Práticas Restaurati-vas e Justiça Restaurativa, a reação é dedesconfiança e ou descrédito. As resis-tências e dificuldades em se lidar com asdiferenças fazem parte do processo, masnão deixam de ser um desafio, que exigeserenidade, perseverança e determinação.Todos, que apostam na idéia de restau-rar em vez de punir, estão expostos asmais diversas reações, nem sempre aco-lhedoras e estimulantes. É claro que des-ta vez não foi diferente.”

Coordenadora de Facilitaçãode Mudanças Educacionais,

Monica Mumme

“É difícil assumir um Projeto que tocaem um ponto bastante delicado, a ques-tão da violência, e traz um novo olharquanto aos relacionamentos, à valori-zação do outro, propondo o refletir an-tes de agir, em um momento em que háum grande descrédito em todo sistema,em que se acredita que a impunidadeimpera. O novo assusta! A tendência, demodo geral, é esperar resultados antesde aderir àquilo que não conhecemos.Acreditamos que esses foram os princi-pais fatores que, de certa forma, impe-diram que houvesse adesão do númerode escolas inicialmente previsto.”

Dirigente de Ensino Maria Izabel

O estranhamento já era esperado, e a saí-da foi convidar os participantes a tomarconsciência desse “choque”, convidando-os a não rejeitar o novo sem antesexperimentá-lo.

Atuar com parâmetros de tempoinadequados

Um dos grandes fatores de sucesso de umplanejamento é o seu realismo. E um dosmeios de se aferir esse realismo é verificar seo tempo para a realização das ações é ade-quado. Todos os coordenadores enfrentaramo desafio de realizar um conjunto de açõesenvolvendo capacitação,em um período ex-tremamente concentrado de tempo:

“O tempo aliado à época do ano foram fato-res que causaram uma certa fragilidade aoprocesso em curso. As capacitações foramrealizadas em um período de três meses emeio. Neste intervalo, aconteceram inúmerosferiados, as eleições e as escolas foramsobrecarregadas pelo grande número de ta-refas relativas ao encerramento do ano. Comisso, em algumas oficinas, houve um esvazi-amento na participação em decorrência doacúmulo de atividades. Com certeza, situa-ções como essas interferem diretamente noque estava previsto e trouxeram conseqüên-cias para a realização das atividades do Pro-jeto. Se a pessoa não pôde estar presente emtodas as capacitações, algumas informaçõesforam perdidas e a oportunidade de trocarexperiências e aprender com o outro não foiintegralmente aproveitada.”Coordenadora de Facilitação de Mudanças

Educacionais, Monica Mumme.

“O ritmo acelerado dessa capacitação e aépoca em que foi realizado (final do se-gundo semestre) acrescentou dificuldadespara que alguns resultados fossem alcan-çados. Quando o curso chegou ao final e osparticipantes estavam estimulados e mais

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confiantes para experimentar na práticao que haviam aprendido, houve a inter-rupção de férias escolares, dificultando asinterações do grupo e diminuindo as opor-tunidades de realização de novos Círculos.A implantação de um projeto que visa de-senvolver novas visões e posturas e quepretende modificar práticas tãoenraizadas (punitivas diante da violên-cia), deve, quando possível, observar umtempo para sedimentação, contínuo àcapacitação.”

Coordenadores do Eixo ProcedimentosRestaurativos, Dominic Barter e

Vania Curi Yazbek.

A saída encontrada foi incentivar a criaçãode Redes de Apoio mútuo entre os partici-pantes e incentivá-los a utilizar os instrumen-tos oferecidos (formatos de Oficinas de Prá-ticas Restaurativas, textos, procedimentos emCD rom, acesso ao grupo de e-mail criado noservidor Yahoo) para dar continuidade ao pro-cesso formativo.

Conviver com o diferente,em todos os níveis

Um projeto interdisciplinar como o Justiçae Educação coloca a todos os participanteso desafio de se abrir para o diferente. Nãoapenas tolerar, mas valorizar as diferençasfoi um desafio para os profissionais da áreada Justiça e da Educação e para a equipe decoordenação do Projeto.

A experiência de trabalhar num mesmo Pro-jeto com ações “quase simultâneas” em duascomunidades diferentes (Heliópolis e Guaru-lhos) sugeria que a programação fosse a mes-ma e, conseqüentemente, gerava a expectati-va de resultados semelhantes. Esse movimen-to foi gradativamente neutralizado, compro-vando-se mais uma vez que a singularidadedos indivíduos e grupos humanos não aceitageneralizações.

DesafiosespecíficosQuanto à parceria Justiça e Educação

Na deflagração do Projeto Justiça e Educa-ção em Heliópolis e Guarulhos: parceriapara a cidadania, os parceiros centrais, ini-ciadores eram, de um lado, o Sistema Edu-cacional, representado pelos Dirigentes daFDE, de outro o Sistema Judiciário, repre-sentado pelos Juízes das Varas da Infânciae da Juventude de Guarulhos e Heliópo-lis12. Existia uma relação de interdepen-dência, dada pela complemen-tariedadetécnica e financeira: o Sistema Educacio-nal possuía as verbas para a implementa-ção de um projeto-piloto para disseminarem 20 escolas uma tecnologia social quelhe interessava, construída pelo Judiciário:a abordagem restaurativa. O Sistema Judi-ciário possuía essa tecnologia social e avontade de disseminá-la.

Cada parceiro cuidou de uma parte doprocesso: a Secretaria da Educação, viaseu órgão executor, a FDE, contratou umaONG, com comprovada experiência e acú-mulo de conhecimento nas áreas de edu-cação e direitos da criança e do adoles-cente - CECIP, para gerenciar os recursose operacionalizar o Projeto, com especi-alistas indicados pelo Judiciário. O CECIPtambém coordenou e acompanhou a ca-pacitação dos educadores e a formaçãodos grupos de lideranças educacionais efacilitadores de Círculos Restaurativos,cumprindo seu papel de contratante e co-ordenador técnico-pedagógico. A Secre-taria da Educação tomou, ainda, todas asprovidências para convocar os educado-res envolvidos, possibilitando e estimu-lando sua presença nas capacitações, ofe-recendo espaços e equipamentos para arealização das mesmas.

12Essa “parceria fundadora”desdobrou-se em múltiplasoutras. Por exemplo: Varasda Infância e da JuventudeX Diretorias de Ensino deHeliópolis e Guarulhos;Varas de Infância e daJuventude X Parceirostécnicos na formação defacilitadores de PráticasRestaurativas e liderançaseducacionais; Varas daInfância e da Juventude Xescolas; escolas XConselhos Tutelares;facilitadores de PráticasRestaurativas X liderançaseducacionais (em cadaescola); escolas X outrasinstituições da Rede deAtendimento lideradaspelos juízes, etc.Focalizamos a parceria notopo, pois seu sucesso oufracasso repercute emtodas as demais.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania114

O Poder Judiciário, através do seu Conse-lho Superior da Magistratura, autorizou arealização do Projeto, e junto com a EscolaPaulista da Magistratura, por meio do seuCentro de Estudos de Justiça Restaurativa,identificou Juízes coordenadores em Jus-tiça Restaurativa no Estado de São Pauloque estivessem dispostos a implementarprojetos-piloto de Justiça Restaurativa noâmbito da Capital/SP e em cidades locali-zadas na Grande São Paulo. Deslocou umJuiz para Heliópolis (estruturando uma salade audiência para o “Setor de Justiça Res-taurativa”), e apoiou as novas formas detrabalho que eles assumiram, autorizandoque dedicassem tempo extra ao contatodireto junto às escolas e à articulação daRede de Atendimento. Além disso, os Juízese os Cartórios das Varas Especiais da In-fância e da Juventude apoiaram e disponi-bilizaram as suas estruturas para a realiza-ção do Projeto. Como se não bastasse, asintegrantes das equipes técnicas de ambaslocalidades, apesar da imensa sobrecargade serviços, apoiaram diretamente o Pro-jeto, sendo que muitas foram capacitadascomo facilitadoras restaurativas. O Minis-tério Público designou também uma Pro-motora de Justiça para atuar junto ao Pro-jeto e, do mesmo modo, foi disponibilizadoespaço físico e um funcionário para darapoio as ações. Os representantes do Mi-nistério Público que atuam nas Varas Es-peciais da Infância e da Juventude tam-bém concordaram com a atuação da Pro-motora de Justiça designada e disponibi-lizaram a estrutura da Promotoria paraimplementação do Projeto. Em Guarulhos,o apoio da Procuradoria Geral da Justiça àPromotora de Justiça da Vara da Infância eda Juventude também foi integral.

Esse tipo de parceria inter-institucional porsi só já foi um avanço, pela complementari-dade de esforços que propiciou, e cujos re-sultados foram reconhecidos por todos.

Características básicasde uma aliança socialestratégica:

a) a existência de um propósito comum;

b) o propósito ético-político de enfrentá-lo;

c) o reconhecimento de que, diante de suamagnitude e complexidade, esse desa-fio ultrapassa as forças individuais decada organização;

d) a constatação de que, além de um de-safio comum, as organizações aliadascompartilhem pontos de vista, interes-ses, crenças e valores;

e) a disposição de coordenar ações e in-tegrar resultados, mantendo a neces-sária constância de propósitos, tanto noêxito quanto na adversidade.

Para abordar o tema “parceria” na imple-mentação de projetos sociais, AntonioCarlos Gomes da Costa apresenta as ca-racterísticas básicas de uma aliança so-cial estratégica (v. box acima).

A proposta de realização de um projetoeducacional de forma cooperativa pela Se-cretaria da Educação do Estado de São Paulo/Fundação para o Desenvolvimento da Edu-cação e Poder Judiciário – Varas da Infân-cia e da Juventude da Capital (Heliópolis) ede Guarulhos pode representar o início deuma poderosa aliança social estratégica emfavor da realização dos direitos das crian-ças e jovens, com superação da violêncianas escolas. A dificuldade inicial de diálogofoi superada, revelando constância de pro-pósito e assegurando aos parceiros uma re-lação de co-autoria.

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Quanto à formação de facilitadoresde Práticas Restaurativas

Os desafios disseram respeito a três as-pectos: a) identificação de voluntários quese interessassem em fazer o Curso de For-mação e depois passassem a operar Cír-culos Restaurativos; b) planejamento docurso, considerando as diversidades empresença; c) criação de condições nas es-colas para que os facilitadores aprendizescomeçassem a exercitar suas habilidades,operando Círculos na prática.

a) Identificação de voluntários nacomunidade escolar, que seinteressassem em fazer o Cursode Formação e depois passassema operar Círculos Restaurativos

O pré-requisito para potencializar o su-cesso do curso de formação era o êxitodas lideranças educacionais em captar eidentificar voluntários que tivessem de-sejo de receber a formação necessária paraatuar como facilitadores de Círculos Res-taurativos.13

As lideranças educacionais foram convi-dadas a fazer isso logo depois do Semi-nário de Mobilização. Elas deveriam con-vocar amplas reuniões com a comunida-de, escolas, familiares, alunos, educado-res e funcionários para informá-los so-bre a proposta, explicar o funcionamen-to dos Círculos Restaurativos e motivaras pessoas a se oferecerem como volun-tários para operá-los. A orientação eracentrar esforços na identificação de pes-soas que tivessem tempo disponível paraoferecer esse serviço à escola e à comu-nidade, em especial, jovens alunos, fami-liares de alunos e profissionais da comu-nidade aposentados, mas também funci-onários e educadores da escola que dis-pusessem de horários para se dedicar aotrabalho voluntário.

Houve grande dificuldade na identificaçãodesses voluntários. Talvez as liderançaseducacionais não tenham tido tempo paraassimilar e aderir à proposta com intensi-dade suficiente para comunicá-la de for-ma eficaz, nem tenham tido tempo parafamiliarizar-se mais com as habilidades ecompetências necessárias para mobilizara comunidade escolar. O fato é que a mai-oria dos voluntários que compareceramao Curso eram educadores (com poucotempo vago disponível e sujeitos a seremtransferidos de unidade escolar, portanto,deixando de ser referência do projeto) enão membros da comunidade, em especi-al jovens, como seria desejável para asse-gurar a continuidade e aprofundamentoda operação dos Círculos nas escolas. Vá-rios desses educadores desistiram do cur-so ao perceberem que não teriam tempodisponível para realizar as tarefas de umfacilitador de Práticas Restaurativas nosCírculos Restaurativos.

O interesse e compromisso despertadopelo curso nos participantes, entretanto, eo prazer que sentiram os primeiros a ex-perimentar o poder dos Círculos Restau-rativos na resolução de conflitos foram asgrandes alavancas para superar o desafiode se fazer um trabalho voluntário, mes-mo sobrecarregado por outras funções eobrigações profissionais. Contudo, a ques-tão do trabalho voluntário é tema que deveser refletido e analisado durante a conti-nuidade do Projeto.

b) Planejamento do cursoconsiderando as diversidades empresença

Outro grande desafio a ser vencido foi adiversidade:

� de abordagens metodológicas: a capa-citação dos facilitadores de CírculosRestaurativos foi realizada por dois pro-fissionais do campo de resolução de

13Lembremo-nos de que amaioria dos voluntáriosdeveria ser identificada noSistema Educacional(membros da comunidadeescolar e comunidade doentorno da escola) paraoperarem Círculos nasescolas – 100 pessoas nototal. Além deles, haviam os20 voluntários ligados aoSistema de Justiça e àcomunidade mais ampla,para operarem Círculos noFórum e organizações dacomunidade. Os desafiosaqui relatados quanto àidentificação devoluntários, dizemrespeito especificamenteaos voluntários ligados aoSistema Educacional

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania116

conflitos que aceitaram o desafio detrabalhar, conjuntamente apesar da ba-gagem de conhecimentos e experiênci-as diferentes entre si;

� de participantes na capacitação, com di-ferentes níveis de formação acadêmica,de funções hierárquicas desempenhadasem seu ambiente de trabalho e convi-vência (comunidade escolar: diretor,professor, aluno, pais de aluno, diretor einspetor de ensino entre outros; SistemaJudiciário: juiz, promotor, equipe técni-ca do Fórum, escrevente, procurador en-tre outros; organizações comunitárias:conselheiros tutelares, assistentes soci-ais do Secretaria de Assistência Social,profissionais e voluntários da Rede deAtendimento da comunidade em geral);

� de contextos onde seriam realizados osCírculos Restaurativos, cujas especifici-dades demandaram procedimentos sin-gulares para atender e respeitar o funci-onamento e os Sistemas Disciplinares decada lugar (ambiente escolar, Fórum eespaços comunitários); de tipos de con-flitos a serem abordados pelos facilita-dores no Sistema Educacional e no Sis-tema Judiciário, envolvendo desde ofen-sas consideradas leves até transgressõesdisciplinares graves ou atos infracionais.Um exemplo da dificuldade específicaencontrada pelos facilitadores restaura-tivos que atuam no Fórum foi a consi-derável resistência das pessoas que re-ceberam o ato ofensivo em participardo Círculo.

A estratégia usada em relação ao primeiroaspecto (abordagens metodológicas) foiprocessá-lo e superá-lo pelo olhar de curio-sidade de um para com o outro e pela dispo-nibilidade para uma aprendizagem mútua.E, por fim, mas de fundamental eficiência, apostura respeitosa entre os capacitadoresdiante das próprias diferenças fez com queessas, por várias vezes, fossem identificadas

e avaliadas pelos participantes como com-plementares e enriquecedoras.

Quanto aos demais aspectos (diversidadede participantes, de contextos e tipos deconflitos), a estratégia foi construir umambiente cooperativo de convivência nacapacitação, investindo-se na criação decontextos conversacionais para as ativi-dades, adotando e incentivando uma pos-tura inclusiva diante do diferente, exerci-tando uma postura reflexiva estimuladapelas perguntas que levam a buscar res-postas ainda não pensadas (não prontas)ou mesmo por atividades que exploram apossibilidade de flexibilizar, de mudar eampliar crenças e descrições sobre si esobre o outro. Também foram realizadasvárias atividades que facilitaram omapeamento e identificação de recursosa serem buscados e a serem oferecidospelos participantes, com articulação entrerepresentantes de diferentes setores dasociedade, ali presentes.

c) Criação de condições, nas escolas,para que os facilitadoresaprendizes pudessem começar aexercitar suas habilidadesrestaurativas, operando Círculosna prática

A demora na concretização das pré-con-dições para a realização dos Círculos, re-fletindo a complexidade do processo demudança nos modos de pensar dos parti-cipantes, em algumas escolas, atrapalhoua atuação dos facilitadores de Práticas Res-taurativas. Eles precisavam experimentaro que estavam aprendendo durante ascapacitações, e não encontravam espaçopara tal.

A Facilitadora de Mudanças Educacionaisconvidou as lideranças a lidarem com oproblema, que foi discutido abertamentenas Oficinas de Formação de Lideranças

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Educacionais, onde todos puderam com-partilhar suas dificuldades. Não se tratoude apontar erros, mas de confrontar inten-ções e atos, reafirmando os compromissosacordados no início do processo, bemcomo buscou-se encontrar soluções parareverter as dificuldades.

� Quanto à preparação das lideranças edu-cacionais para apoiarem a implementa-ção de Círculos Restaurativos nas unida-des escolares dois desafios foram enfren-tados: a) no processo de convite às esco-las participantes do Projeto; b) no pro-cesso de capacitação propriamente dito.

a) O convite às escolasA Secretaria da Educação tem por princí-pio, sempre, convidar as escolas a partici-parem de Projetos, abrindo inscrições e tra-balhando com os que voluntariamente seinscrevem. Da mesma forma os procedi-mentos de Justiça Restaurativa só podemser realizados por adesão voluntária.

A dificuldade foi a seguinte. Os critérios deescolha do território de aplicação do Pro-jeto foram definidos pelo Poder Judiciário,uma vez que a presença e comprometimen-to de um Juiz especialista em Justiça Res-taurativa era indispensável, daí serem, ne-cessariamente, as comarcas Diretorias deEnsino de Guarulhos e Heliópolis. Por ou-tro lado, o número de escolas a ser envolvi-da e sua modalidade estavam amarradosno Termo de Referência elaborado peloMEC, e que norteou a elaboração do Proje-to Justiça e Educação em Heliópolis e Gua-rulhos. Eram 20 escolas de Ensino Médio.Em Guarulhos, sendo um universo maior,abriram-se inscrições e dez escolas volun-tárias se ofereceram para participar. EmHeliópolis, havia apenas dez escolas de En-sino Médio. Então, em vez de se abrireminscrições, o projeto foi apresentado a to-das. Dessas, duas delas recusaram o convite.

As demais aceitaram. Uma decisão quepode ter sido resultante do constrangimentodiante da necessidade de, ao exercer suaautonomia, assumir o que entendiam comoum confronto aberto com a hierarquia, re-presentada pela Diretoria de Ensino e FDE.Reconhecer, lidar com, e superar essa limi-tação inicial foi um desafio para toda aequipe do Projeto.

b) O processo de capacitaçãopropriamente dito

Repetindo mais uma vez o especialista emMudanças Educacionais Michael Fullan, “éimpossível obrigar alguém a fazer aquiloque realmente importa”. Convidar as lide-ranças educacionais a assumirem, de for-ma autônoma, o compromisso de apoia-rem a implementação de Círculos Restau-rativos em suas escolas, exigia ouvi-las, aco-lhendo suas preocupações e possibilitar quecompreendessem até que ponto a propos-ta, realmente, iria contribuir na resoluçãodos graves problemas que enfrentam emrelação ao que percebem como indisciplinados alunos, como agressividade mútua edesrespeito aos funcionários da escola, si-tuação agravada pelo que definem comodesestruturação e falta de apoio das famíli-as, e pelo clima de violência nos arredoresdas unidades, com presença de tráfico dedrogas, assaltos e roubos.

A maioria dos gestores e professores en-volvidos possuía conceitos ou teorias sub-jetivas a respeito das causas dessa situaçãoe das formas para enfrentá-la baseadas emvalores, conhecimentos e experiências con-solidados ao longo do tempo, apoiando oaprimoramento do modelo punitivo comoforma de eliminar as violências presentesno espaço escolar. Mudar esses conceitossubjetivos (muitas vezes não explicitamen-te declarados, mas implícitos em práticas)exigiu convidar os participantes a examiná-los e, então, compará-los com informações

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania118

sobre a nova proposta, representada pelomodelo Restaurativo. No processo, emo-ções de medo e ansiedade surgiam, princi-palmente diante da possibilidade de que acrítica ao modelo punitivo significasse umadefesa da impunidade.

Isso foi mudando, à medida que as lide-ranças educacionais, por meio de uma sé-rie de atividades práticas, incluindo simu-lação de Círculo Restaurativo, foram com-preendendo que a alternativa proposta pe-los Círculos à punição não é a impunida-de, mas a responsabilização de todos osenvolvidos no conflito para que conser-tem o que foi danificado pela quebra danorma ou pela violência, pesquisem ascausas do acontecido e busquem eliminá-las. Também veio ao encontro de suas ne-cessidades, a idéia de que o Círculo pro-move o maior comprometimento das fa-mílias e da comunidade na educação dosfilhos (cujos representantes são convida-dos a participar como apoiadores dos di-retamente envolvidos no conflito). Outroponto importante para vencer o medo ini-cial, foi a consciência de que o sistemadisciplinar da escola não corria o risco deser arbitrariamente suprimido ou elimi-nado pela existência do Círculo Restaura-tivo, como alternativa para se lidar com oconflito, dependendo inteiramente daequipe a decisão de, gradativamente, ade-quar o sistema tradicional aos princípiosrestaurativos.

À medida que as lideranças educacionais(gestores, professores e alunos) iam supe-rando a desconfiança e o medo e se entusi-asmando com a proposta durante as Ofici-nas de Formação de Lideranças, passavama compartilhá-la com seus pares, nas esco-las. Muitos deles retornavam frustrados aopróximo encontro com a Facilitadora deMudanças Educacionais, pois, ao apresen-tarem a proposta dos Círculos Restaurati-

vos, recebiam olhares indiferentes e opini-ões que expressavam descrédito.

O diálogo entre os participantes, com apoiomútuo, proporcionou a descoberta que nãose pode desistir na primeira tentativa. Reco-nheceram que a concepção de Justiça Res-taurativa é muito diferente da convencional,diferente da que crescemos ouvindo e apren-dendo. Portanto, não será em uma única con-versa que todos vão se aproximar da pro-posta e se disponibilizar a participar. Deci-diram começar, primeiro, com os que dese-javam, sabendo que, aos poucos, outros iamchegar e contribuir da forma possível – eoutros poucos nunca iriam se aproximar –decisão que deve ser respeitada.

O fato (positivo) de que o ritmo naturalde aprendizagem e mudança das lideran-ças educacionais estava sendo respeitado,refletiu em algo negativo para o processode formação de facilitadores de PráticasRestaurativas: como ressaltado anterior-mente, em muitas escolas, demorou paraque as condições de funcionamento dosCírculos fossem asseguradas. A implanta-ção, ao mesmo tempo, em todas as escolas,das condições necessárias, seria um indi-cador de que a autonomia dos participan-tes estava sendo sufocada por uma deter-minação ou imposição externa.

Como se vê, a questão do tempo foi crucial.As lideranças precisavam de mais tempopara refletir e experimentar a nova proposta.Da mesma forma, as equipes escolares, pro-fessores e alunos, precisavam de tempo. Asmudanças que ocorreram são indicadoresda qualidade do processo de aprendizagemvivenciado pelas lideranças e facilitadoresde Práticas Restaurativas e do compromissodos participantes que persistiram nascapacitações, apesar da época extremamen-te inadequada em que aconteciam, com oacúmulo de tarefas do final do ano letivo.

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Juízes, promotores, conselheiros dedireito e tutelares e técnicos das Varasda Infância e da Juventude na Capitale Guarulhos convidados a refletirsobre o seu papel

Em um contexto Restaurativo, o juiz deixade ser um especialista e estudioso que lidaapenas com idéias e textos, tentando pro-duzir julgamentos e decisões justas, e passaa ser um agente de transformação direta-mente envolvido com as pessoas da comu-nidade a qual serve. Da mesma forma, téc-nicos das Varas da Infância e da Juventude,bem como atores do Conselho Municipal eTutelar são convidados a readequar e redi-mensionar seu papel, realçando o aspectode pedagogia social implícito nos Procedi-mentos Restaurativos.

Da mesma forma que os profissionais doSistema de Ensino, os agentes do Sistemade Justiça também precisam operar mu-danças no seu papel institucional ao mes-mo tempo em que estão sobrecarregadosde tarefas e obrigações.

Nas Varas da Infância e da Juventude da Ca-pital (onde se localiza o experimento de He-liópolis) o desafio é gigante. Um juiz dessasVaras chega a realizar 30 audiências em umsó dia. Como afirma a Promotora LucianaBergamo Tchorbadjian, “as enormes dimen-sões territoriais de São Paulo e a concentra-ção da apreciação dos atos infracionais emum único local, impede que os profissionaisconheçam a realidade do adolescente que in-fraciona e os recursos disponíveis em seu lo-cal de moradia”. Enfrentar essa situação exi-girá profundas reformulações organizaci-onais no sistema.

Fortalecimento da Rede deAtendimento às crianças e aosadolescentes, para que diferentesorganizações e segmentos dascomunidades de Heliópolis eGuarulhos possam cooperar nacriação de ambientes seguros paraalunos, educadores e famílias

Um juiz ou outro representante do Poder Pú-blico que deseje contribuir para a superaçãodo histórico isolamento e a fragmentação deações de atendimento aos direitos dos cida-dãos em uma cidade ou bairro, possibilitan-do a diferentes instituições se comunicareme atuarem de forma coordenada, precisa to-mar uma série de medidas que demandamtempo, persistência e tolerância às frustrações.Em primeiro lugar, há que mapear essas insti-tuições, verificando as que estão presentes eas que deveriam, por lei, estar presentes, masestão ausentes. Por exemplo, escolas, postosde saúde, delegacias de polícia e ConselhosTutelares existem em praticamente toda par-te, mesmo nas comunidades mais pobres. Poroutro lado, escasseiam os centros esportivose culturais, bibliotecas, centros de tratamentode drogadição e alcoolismo, de acolhimento avítimas de violência e outras. Em Guarulhos,esse mapeamento já havia sido feito pela Varada Infância e da Juventude e já se estava numaetapa seguinte, quando, identificadas, as insti-tuições e organizações presentes na região sãoconvidadas para encontros, por meio dos quaisseus representantes passam a se conhecer, e otrabalho em rede tem condições de se reali-zar. Em Heliópolis, como vimos antes, come-çou-se da estaca zero.

É difícil perceber que nenhuma das institui-ções de atendimento aos direitos pode, sozi-nha, cumprir seu papel, e só na articulaçãocom as demais, isso é possível. Nenhuma éauto-suficiente. No entanto, os primeirosganhos que começam a advir do simples re-conhecimento mútuo trazem grandes espe-

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania120

ranças de fortalecimento do trabalho em redeem Heliópolis e Guarulhos.

LiçõesaprendidasParcerias e alianças entreJustiça e Educação

� Iniciar uma parceria exige despender tem-po e energia para construir conhecimentomútuo, possibilitando aos parceiros iden-tificar suas identidades e diferenças, suasforças e fraquezas. No decorrer da parce-ria, o diálogo entre os parceiros precisa serfluido e constante, oferecendo e receben-do feedback sobre o processo e ajustando-o em direção ao rumo desejado.

� Uma parceria evolui pelo diálogo e cons-trução de confiança mútua. Habilidades decomunicação, utilizadas em Práticas Res-taurativas, como observar, não julgar, fazerperguntas empáticas, perceber as necessi-dades do outro são essenciais para susten-tar esse diálogo e fortalecer a parceria.

� Quanto maior for a consciência que umaequipe escolar tem de sua própria identi-dade, e quanto mais ela for capaz de esta-belecer cooperação entre seus própriosmembros, mais ela será capaz de fazer par-cerias e trabalhar em rede com outras or-ganizações da comunidade numa perspec-tiva restaurativa. Autonomia dos parceirosé a condição da interdependência em quese baseia a parceria.

� Em um Projeto que envolve por um ladoinstituições como o Poder Judiciário e oMinistério Público e, por outro, a Secreta-ria da Educação, a parceria deve ser esta-belecida do topo à base, sendo que açõesparceiras no topo garantem asustentabilidade das parcerias na base.

� A parceria entre Sistema Educacional e Sis-tema Judiciário pode evoluir para uma ali-ança estratégica a longo prazo, desde queos propósitos e os resultados esperadosdessa aliança estejam claros para ambos osparceiros e eles assumam uma relação deco-autoria e co-responsabilidade, definin-do, passo a passo o trabalho conjunto.

Implementaçãode CírculosRestaurativosem escolas

� Quanto maior for o grau de voluntarieda-de das lideranças educacionais ao aderi-rem a um Projeto de Justiça Restaurativa,maior será sua capacidade de comunicá-lo à equipe e comunidade.

� As lideranças educacionais e docentes pre-cisam experimentar os ProcedimentosRestaurativos para compreender melhor osseus princípios e relacioná-los às suas cren-ças e valores.

� A identificação de voluntários entre mem-bros da comunidade, intra e extra escolarpara aprenderem a operar Círculos Res-taurativos nas escolas, deve ser feita comcuidado, garantindo-se a circulação ante-rior de informações por tempo suficiente,sobre os Círculos e seu funcionamento.

� Estratégias para remunerar os facilitado-res de Círculos Restaurativos nas escolas,retirando-se do trabalho o caráter de vo-luntariedade, devem ser estudadas.

� Um dos critérios básicos para a seleção deum aprendiz de facilitador de Círculo Res-taurativo é o seu vínculo com a comunida-de; ele deve ser morador da comunidade.

� A incorporação de um maior número dejovens como facilitadores de Práticas Res-taurativas é um indicador de que a escola ea comunidade passaram a vê-los como so-luções e não como problemas.

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� A capacitação de facilitadores de PráticasRestaurativas que operam em escolas e defacilitadores restaurativos que operam noFórum devem ser realizadas separadamen-te, para melhor atender às especificidadesdos dois contextos.

� A preparação das lideranças educacio-nais e dos facilitadores de Círculos Res-taurativos deve ser realizada em épocaadequada; o tempo das capacitaçõesdeve ser protegido.

� Apoios constantes ao processo de inicia-ção e implementação dos Círculos Restau-rativos devem ser oferecidos pela Secreta-ria da Educação, Varas da Infância e da Ju-ventude e parceiros técnicos.

Implementaçãode CírculosRestaurativosSobre a atuação das Varas da Infânciae da Juventude em Justiça Restaurativa,com implementação de Círculos Restau-rativos no Fórum e outros espaços dacomunidade

� A articulação entre a Vara da Infância eda Juventude, a comunidade e as escolasé facilitada quando a competênciajurisdicional para questão da criança edo adolescente está concentrada numúnico órgão de jurisdição e num únicoJuiz, tornando desnecessária a articula-ção interna no Judiciário, e gerando umponto de referência central para que ascomunidades possam travar o diálogo,solucionar dúvidas e trabalhar de formacoordenada.

� Nas grandes metrópoles como São Paulo, oPoder Judiciário, o Ministério Público e aDefensoria Pública deveriam estar instala-dos em locais geograficamente mais pró-ximos às comunidades atendidas, possibi-litando uma conexão mais profunda dos

respectivos profissionais à comunidade e,sobretudo, facilitando o acesso à Justiça.

� Para que as pessoas, receptoras de atosofensivos praticados por adolescentes,participem de Círculos, onde dialoga-rão com o autor do ato, é necessárioestudar estratégias (como, por exem-plo, carta ou vídeo do adolescenteofensor direcionados ao receptor doato, convidando-o para o Círculo e pe-dindo desculpas pelo ato) para que sesintam seguras e dispostas a colocar-se, com suas necessidades e interesses,diante do outro.

Rede de ApoioSobre a criação e fortalecimentoda Rede de Apoio ao atendimentodos direitos das criançase dos adolescentes

� A participação do Conselho Municipal deDireitos da Criança e do Adolescente é es-sencial para que a Rede de Atendimentopossa ser criada e fortalecida.

� Quando as escolas passam a se percebercomo integrantes da Rede de Atendi-mento aos direitos da criança e do ado-lescente, aumenta sua sensação de po-der e a compreensão de que educar cri-anças e jovens é responsabilidade de to-das as organizações da cidade e não ape-nas das instituições de ensino.

� A participação de representantes da co-munidade, do Conselho Tutelar e de orga-nizações da Rede de Apoio nos CírculosRestaurativos possibilita o fortalecimentodessa última, pela identificação das neces-sidades não atendidas que são as causassubjacentes ao conflito e pela responsabi-lização, também da comunidade e dos ór-gãos da Rede de Apoio, por oferecer servi-ços que possam garantir os direitos amea-çados ou violados.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania122

Em abril de 2007, foi realizado o Fórum Jus-tiça e Educação: parceria pela cidadania,apresentando os resultados do Projeto eseus desafios para a implementação de Cír-culos Restaurativos em espaços escolares,na comunidade e nas Varas da Infância eda Juventude em Guarulhos e Heliópolis.

A solenidade de abertura do evento contoucom a presença da Professora Maria LúciaMarcondes Carvalho Vasconcelos, Secretá-ria de Educação do Estado de São Paulo, Dr.Fábio Bonini Simões de Lima, Presidente daFDE e o Desembargador Gilberto Passos deFreitas, Corregedor Geral do Tribunal de Jus-tiça do Estado de São Paulo, que falaram paraaproximadamente 450 pessoas, incluindo osrepresentantes das 19 escolas envolvidasno processo. O Projeto foi apresentado pe-los Juízes Egberto A. Penido e Daniel Issler.

No período da manhã, foram compostas asmesas “Parceria Justiça e Educação – Relatode experiências – depoimentos de Facilitado-res de Práticas Restaurativas e LiderançasEducacionais” – com as falas das Dirigentesdas Diretorias de Ensino das Regiões CentroSul (Heliópolis) e Guarulhos-Norte; do Juiz eda Promotora das Varas Especiais da Infânciae da Juventude da Capital e do Juiz da Vara daInfância e da Juventude de Guarulhos; e re-presentantes das Escolas Estaduais TancredoNeves e Escola Salime Mudeh, que participa-ram do Projeto como facilitadores e liderançaseducacionais. Durante os depoimentos, foipossível observar o quanto a proposta, inicia-da em setembro de 2006, avançou nos espa-ços onde os Círculos foram implementados.Algumas questões importantes, que servempara a reflexão e o aprimoramento da propos-ta no futuro, foram abordadas, como por exem-plo, o aspecto do voluntariado.

Para fechar a manhã de trabalho, o Dr. LeobertoBrancher, Juiz da 3ª Vara da Infância e da Ju-ventude de Porto Alegre e Coordenador doNúcleo de Estudos e Pesquisas em JustiçaRestaurativa da Escola Superior da Magistra-tura da Associação dos Juízes do Rio Grandedo Sul, AJURIS, trouxe sua contribuição com apalestra “As Interfaces na Construção de umaDisciplina Social Restaurativa”.

À tarde, os especialistas em Facilitação dePráticas Restaurativas apresentaram os pon-tos essenciais do processo desenvolvidonas duas regiões de São Paulo, bem comoos conceitos teóricos sobre as Práticas Res-taurativas, incluindo os procedimentos de re-solução de conflitos dentro do espaço esco-lar, na comunidade e sua relevância na cons-trução de valores de cidadania.

Em seguida, as especialistas em Facilitaçãode Mudanças Educacionais trouxeram a re-flexão da metodologia adotada no processode capacitação das lideranças educacionais,apresentaram os avanços, resultantes da im-plementação dos Círculos Restaurativos nas19 escolas envolvidas no Projeto, bem comoos desafios a serem vencidos para a susten-tação das propostas nestes espaços. Aindatratando da escola, na palestra “Indo além docada um por si”, o Dr. Boudewjin van Velzen,especialista holandês Diretor do APS Interna-cional (Centro de Aperfeiçoamento de Esco-las, baseado em Utrecht) apresentou estraté-gias que envolvem participação, colaboraçãoe alianças entre as partes para alcançar oobjetivo comum: uma escola mais segura.

A palestra seguinte “Justiça Restaurativa numaperspectiva intermunicipal” foi apresentadapelo Dr. Eduardo Rezende Melo, Juiz da Varada Infância e da Juventude de São Caetanodo Sul. Foi ressaltada a importância do traba-lho em rede e de que forma os resultadosobtidos na experiência de São Caetano do Sulcorroboram com as iniciativas de Heliópolis eGuarulhos. No encerramento a Profª JuremaReis Corrêa Panza, Coordenadora do Projetopela Diretoria de Projetos Especiais da FDE,fez um breve resumo das ações desenvolvi-das e sublinhou a importância do projeto paraa disseminação de uma cultura de paz.

Um encontro como esse nos possibilita ve-rificar a importância deste tema e mostraque há muito a construir dentro de umaperspectiva de Justiça Restaurativa. Asbases que viabilizam a consolidação des-ta prática estão em processo de desen-volvimento, provocando nos envolvidos asinquietações necessárias para estimularmudanças de paradigmas.

Fórum Justiça e Educação: parceria pela cidadania

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5 | Perspectivas futuras 123

O Poder Judiciário tem como diretiva aexpansão do conhecimento de juízes efuncionários sobre os ideais e PráticasRestaurativas, objetivando que um núme-ro cada vez maior de comarcas, ao longode toda a extensão territorial do Estadode São Paulo, passe a utilizar deste mo-derno instrumental.

Não há nenhuma dúvida de que o trabalhode formação e estruturação da Rede deAtendimento às crianças e aos adolescen-tes está imbricado na implementação dasPráticas Restaurativas. Nesse sentido, o Tri-bunal de Justiça, através da recentementecriada Coordenadoria da Infância e da Ju-ventude, tem realizado ações tendendo a es-timular a atividade dos juízes nessa direçãode engajamento comunitário.

5

Mudanças na Educação e na forma de administração da Justiça nãopodem ser impostas, pois ninguém muda sua forma de pensar pordecreto – e sem mudanças na forma de pensar, o agir permaneceinalterado. Embora as ações do Projeto Justiça e Educação ainda este-jam em curso, a avaliação do processo e as lições que aprendemos atéaqui permitem que possamos delinear perspectivas promissoras.

PerspectivasFuturas

Como vimos nas páginas anteriores, forammuitos os desafios desses primeiros meses,todos muito importantes, porque nos aju-daram a produzir conhecimento, alimen-taram nossas reflexões e deram mais con-sistência e legitimidade à proposta.

Nem todos os desafios foram ultrapassadosainda. Não seria possível. A proposta que bus-camos disseminar transcende a formalidadede um projeto, que tem começo, meio e fim.Ela tem como base a Justiça Restaurativa. Por-tanto, tudo o que foi desenvolvido tinha emsua essência a perspectiva de continuidade.As capacitações terminaram, mas os CírculosRestaurativos podem continuar, com as pes-soas que se disponibilizaram a experimentare tiveram a coragem de apostar em uma outraforma de resolução de conflitos.

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Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania124

As mesmas considerações são também vá-lidas no que se refere à formação de novosjuízes, pela Escola Paulista da Magistratura,a qual criou e mantém o Núcleo de JustiçaRestaurativa, espaço de difusão do conhe-cimento sobre o tema.

A expectativa é de que este conjunto deações de natureza preventiva possa contri-buir, a médio e longo prazo, para a quedados índices de violência e de atos infracio-nais de natureza grave.

Uma das perspectivas promissoras quevislumbramos é a possível incorporaçãodos Círculos Restaurativos, bem como deoutras atividades ligadas ao Projeto Co-munidade Presente, aos Projetos Político-Pedagógicos das escolas. Isso envolverácontinuidade do apoio às lideranças, paraque possam continuar fortalecendo o tra-balho cooperativo entre os docentes, os fa-cilitadores de Práticas Restaurativas e fa-zendo articulações entre todas as ativida-des curriculares, incluindo-se aí as Práti-cas Restaurativas e outras desenvolvidasdurante o fim de semana no espaço esco-lar. Como em qualquer lugar, e na escolanão é diferente, os conflitos estão presen-tes. É urgente que sejam vistos como ins-trumento de mudança e aprendizagem.Não se trata de evitá-los, mas de ter recur-sos eficazes para lidar com eles esolucioná-los. Um conflito nunca é sem im-portância e suas conseqüências podem sersérias, ocasionando a exclusão de alunos ede professores do Sistema Educacional. Énatural existirem conflitos, e é um equívo-co não aprender a lidar com eles. Quandose propõe a implementação de CírculosRestaurativos e o apoio do Sistema Judiciá-rio para fortalecer estas práticas, aponta-seum caminho concreto, com respostas sóli-das às inquietações sobre como resolver osdiversos tipos de violência que prejudicama realização das práticas educativas.

O convite das Varas de Infância e da Juven-tude, para que as escolas assumam seu pa-pel na Rede de Atendimento a crianças eadolescentes, vem fortalecer as orientaçõese diretrizes da Secretaria da Educação nosentido de que a escola volte-se à realidadedos seus alunos e estabeleça parcerias semas quais uma educação de qualidade, quefaça sentido, se inviabiliza.

Faz parte da função da escola criar con-dições para que pessoas sejam acolhidasem suas diferenças, respeitadas em suasidentidades étnicas, sociais, econômicase culturais, e estimuladas a expressaremsuas opiniões no exercício de sua cida-dania. A gradativa incorporação, pelosparticipantes, das idéias ligadas à culturade paz, diálogo, responsabilidade plena,voltadas a ações efetivas para lidar comos conflitos e atos infracionais, dependecertamente da continuidade noestreitamento do relacionamentoinstitucional entre Justiça e Educação,Varas da Infância e da Juventude e Dire-torias de Ensino. Esta parceria fortalece-rá a confiança dos participantes para aimplementação dos Círculos dentro dasescolas, o que também é condição neces-sária para reassegurar sua efetividadepara a construção de ambiente de paz eharmonia na comunidade escolar, indis-pensável para a realização da atividade-fim: transmitir conhecimento.

Embora haja ainda um longo caminho apercorrer, esperamos que uma aliança es-tratégica a longo prazo entre Justiça e Edu-cação gere difusão do conhecimento nasescolas, nos meios acadêmicos, governa-mentais e no âmbito da população em ge-ral, sobre os princípios que regem a JustiçaRestaurativa e a forma pela qual ela se de-senvolve na prática, contribuindo para aquebra de barreiras à mudança de paradig-ma que já se iniciou.

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| ANEXO 125

O Pré-Círculo

Antes� Acesso ao Círculo: o solicitante registra seu pedido.

� Preparação do facilitador – momento individual – reflexão; coletivo – apoio dos pares.

� Acolhida: facilitador contata o solicitante e depois as demais partes.

Durante� Descrição objetiva do ato lesivo, sem julgamento.

� Escuta empática.

� Consentimento informado: O que você compreendeu até agora sobre o Círculo? Quemmais deve estar presente para encerrar esse conflito? Concorda, então, em participardo Processo Restaurativo?

Depois� Agendamento do Círculo.

� Preparação do espaço.

ANEXO

Formulação de Círculos Restaurativoselaborada por Dominic Barter

Fichas de procedimentos

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O Círculo Restaurativo

AntesINTRODUÇÃO: Acolhimento / Informação / Princípios e caminho a trilhar

DurantePRIMEIRO MOMENTO – COMPREENSÃO MÚTUAPergunta norteadora: “O que quer que o outro saiba sobre como você está, neste momento?”

O diálogo acontece com as três partes (autor, receptor, comunidade) ativas – duasse expressando e escutando, um (em geral) escutando. Todos presentes passampara cada um desses papéis neste primeiro momento do Círculo. Quando se expres-sam, escolhem a quem se dirigir / de quem querem a compreensão.

Neste exemplo, o autor do ato lesivo se expressa para o receptor:A expressa-se para RR descreve a essência do que ouviu de AA confirma ou corrige impressão de RC observa este diálogo

Esta dinâmica continua até que A diz: sim, falei e fui ouvido.Continua, com R e C se expressando, um de cada vez, até que todos dizem: sim,falei e fui ouvido.

SEGUNDO MOMENTO – AUTO-RESPONSABILIZAÇÃOPergunta norteadora: “O que quer que o outro saiba sobre o que você buscava na hora do ato?”

A pergunta que inicia o diálogo muda, para focar as necessidades subjacentes àescolha de cada um presente, na hora do ato.A dinâmica de diálogo e participação é, porém, idêntica à do primeiro momentodescrito acima.

TERCEIRO MOMENTO – ACORDOPergunta norteadora: “O que querem fazer agora, para restaurar a justiça?”

Diálogo entre todos, à base de ofertas e solicitações, visando a construção dePlanos de Ação, individuais e coletivos, para atender às necessidades frustradasantes, durante e depois do ato, e reveladas nos momentos anteriores. O resultadoé um Plano de Ação para cada participante, com prazo claro para sua realização.Somados pelo facilitador, esses Planos formam um Acordo consensuado que éredigido pelo facilitador e assinado por todos.

FINALIZAÇÃO – Agradecimento – Agendamento do Pós-Círculo – Tempo de informalidadeentre participantes.

Depois� Registro

� Apoio mútuo

Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania126

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Etapas do Círculo

PRIMEIRO MOMENTO – COMPREENSÃO MÚTUA

Todos falam e escutam como estão e o que querem agora

A⇒B um se expressa ao outro

B⇔A o outro resume a essência do que ouviu

A⇔B quem se expressou corrige ou confirma, até considerar que foi ouvido

C escuta e se expressa

SEGUNDO MOMENTO – AUTO-RESPONSABILIZAÇÃO

Todos falam e escutam como estavam e o que queriam na hora do ato

A⇒B um se expressa ao outro

B⇔A o outro resume a essência do que ouviu

A⇔B quem se expressou corrige ou confirma, até considerar que foi ouvido

C escuta e se expressa

TERCEIRO MOMENTO – ACORDO

Todos elaboram Planos de Ação que descrevem o que farão e quando

Planos são redigidos num Acordo, Pós-Círculo é agendado

| ANEXO 127

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Avaliação no Pós-Círculo:

três possibilidades

Caminhos a seguir:

1) Ações do Acordo realizadas, com satisfação das necessidades identificadas no Círculo:

� Comemorar o sucesso;

� Afirmar a capacidade de quem realizou as ações, de identificar o que o outro (ou elemesmo) precisava,elaborar um plano para responder a isto; realizar o plano e rece-ber retorno/feedback sobre ele.

2) Ações do Plano realizadas, sem satisfação das necessidades identificadas no Círculo:

� Relembrar as necessidades de cada um, que as ações visavam atender;

� Re-significar as ações realizadas, adaptando-as a novas situações;

� Propor novas ações.

3- Ações do Plano não realizadas:

� Investigar as necessidades não atendidas pelo Acordo;

� Re-significar as ações planejadas, adaptando-as a novas situações;

� Planejar novas ações que possam atender às necessidades que o Plano de Açãoanterior não atendeu.

O Pós-Círculo

Antes� Convite a todos os envolvidos no Círculo, relembrando a data do Pós-Círculo.

� Convite a quem auxiliou fazer os Planos de Ações.

� Preparação interna do facilitador.

Durante� Avaliar a capacidade de um ouvir o outro.

� Lembrar aos presentes que se comprometeram a participar ativamente.

� Celebração do sucesso das ações ou renegociação do Acordo.

Depois� Se o Acordo foi bem sucedido e o Plano cumprido, os resultados devem ser divulga-

dos na comunidade.

Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania128

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DVD

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Em GuarulhosCentro Universitário Metropolitano de São Paulo – UNIMESP- FIG

Faculdades Integradas Torricelli

Equipe da Vara da Infância e da Juventude de Guarulhos:Lígia Helena Nunes Rodrigues – Escrevente-Chefe – Facilitadora RestaurativaWânia Cristina de Sousa Hamade – Escrevente-Chefe – Facilitadora RestaurativaRosemeire Diogo de Souza Vansan – Diretora de Serviços – Facilitadora RestaurativaMaria Elsa Gomes – Escrevente-Chefe – Facilitadora RestaurativaFlavia Aparecida do Amaral – Escrevente – Facilitadora RestaurativaCleide Matos – Psicóloga – Facilitadora RestaurativaJanete das Graças Reis – Assistente Social – Facilitadora RestaurativaAparecida Marques Munhoz – Assistente Social – Facilitadora Restaurativa

Equipe da Prefeitura Municipal de GuarulhosRicardo Alexandre de Castro Magalhães – Procuradora – Facilitador RestaurativoDiana Ostan Romanini Mangella dos Santos – Procuradora – Facilitadora RestaurativaEliane Lopes – Assistente Social – Facilitadora Restaurativa

Equipe dos Conselhos Tutelares de GuarulhosSonidelane C. Mesquita Lima – Região Cumbica – Facilitadora RestaurativaAndréia de Andrade Polino – Região Cumbica – Facilitadora RestaurativaGleice Neves de Oliveira – Região Pimentas – Facilitadora RestaurativaNiusa Aparecida Alves – Região Centro – Facilitadora RestaurativaRosilandir Santana Batista Nardy – Região Centro – Facilitadora RestaurativaPalmira Santos Rocha Cabral – Região São João – Facilitadora Restaurativa

Em HeliópolisConselho Tutelar de Ipiranga

Mercia Maria Ribeiro – Conselho Tutelar do Ipiranga – Facilitadora RestaurativaSolange Agda da Cruz – Conselho Tutelar do Ipiranga – Facilitadora Restaurativa

Organizações Não GovernamentaisElisângela da S. Rezende – Fundação Nossa Senhora Auxiliadora – Facilitadora RestaurativaMaria Juliana da Silva – Fundação Nossa Senhora Auxiliadora – Facilitadora RestaurativaEdmundo Barboza Silva – CRECA – Ipiranga/UNAS – Facilitador RestaurativoLise Maria Del Priori – UNAS/Programa de Liberdade Assistida – Facilitadora RestaurativaGabriela Balaguer – Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes – Facilitadora RestaurativaGilson Silva de Souza – Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes – Facilitador RestaurativoViviane Capecce – CAAP’I – Ipiranga – Facilitadora RestaurativaJoão Miranda – Presidente da UNAS – União de Núcleos, Associações e Sociedadesdos Moradores de Heliópolis e São João ClímacoRegina Maria Santório – Coord. da CAAP’I – Ipiranga

Varas Especiais da Infância e da Juventude da CapitalLuis Fernando Camargo de Barros Vidal – Juiz de Direito da 1a. Vara e Diretor do Fórum.Sérgio Mazina Martins – Juiz de Direito da 2a. VaraRenato Genzani Filho – Juiz de Direito da 3a. VaraÂngelo Malanga – Juiz de Direito da 4a. VaraJorge Luiz Salles – Diretor de Serviços do 3º OfícioSolange Matheus Medeiros Carboni – Diretora de Serviços do 2º OfícioBernadette Correia da Graça – Diretora de Serviços do 4º OfícioAntonio Ferreira dos Santos – Escrevente-Chefe do 1º OfícioSumico Yamada Okada – Escrevente ChefeAna Luisa Borge Gomes – Escrevente – “Setor de Justiça Restaurativa”

Departamento de Execução da Infância e da JuventudeMônica Ribeiro de Souza Paukoski – Juíza de Direito Coordenadora do DepartamentoMaria de Fátima Pereira da Costa e Silva – Juíza de DireitoTrazíbulo José Ferreira da Silva – Juiz de DireitoMaria Elisa Silva Gibin – Juíza de Direito

Equipe TécnicaAngélica A. Netto – Psicóloga Judiciária e Facilitadora RestaurativaMonica Rosa Melo – Psicóloga Judiciária e Facilitadora RestaurativaMaria Constantini – Psicóloga Judiciária e Facilitadora RestaurativaCilene S. Terra – Assistente Social Judiciário e Facilitadora RestaurativaFrancisca Diniz – Chefe do Setor de Assistência Judiciária-Varas Especiais da Infânciae da Juventude da Capital – facilitadora RestaurativaGenovaite Martinaitis – Assistente Social Judiciário e Facilitadora RestaurativaMaria Rodrigues – Assistente Social Judiciário e Facilitadora Restaurativa

Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional do IpirangaEliana Barbosa Oliveira, Maria Constantini, Mônica Rosa Melo e Célia Regina Dalseno– Assistentes Sociais Judiciárias – Facilitadoras Restaurativas

Coordenadoria de Ensino da Região Metropolitana da Grande São Paulo – COGSPRita Cássia R. Graner – Coordenadora de Ensino

A G R A D E C I M E N T O S

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A equipe do Projeto “Justiça e Educaçãoem Heliópolis e Guarulhos: uma parceria para a cidadania”agradece a todos aqueles que apoiaram para a viabilidadede suas ações

Celso Luiz Limongi – Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Gilberto Passos de Freitas – Corregedor Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Caio Eduardo Canguçu de Almeida – Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estadode São Paulo

Sidnei Beneti – Presidente da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estadode São Paulo

Luiz Carlos Ribeiro dos Santos – Presidente da Seção de Direito Criminal do Tribunalde Justiça do Estado de São Paulo

Marcus Vinicius de Andrade – Diretor da Escola Paulista da Magistratura

Flavio Américo Frasseto – Defensor Público – Coordenador do Núcleo de Infânciae Juventude/ Varas Especiais da Infância e da Juventude da Capital

Ana Amazonas Barroso Carrieri, Rogério Marrone de Castro Sampaio e Paulo JorgeScartezzini Guimarães – Juízes Assessores da Presidência da Seção de Direito Públicodo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Leoberto Brancher – Juiz de Direito da 3a. Vara do Juizado Regional da Infânciae da Juventude de Porto Alegre / RS

Eduardo Rezende Melo – Juiz de Direto da Vara da Infância e Juventude de São Caetanodo Sul / SP.

Edson Chuji Kinashi – Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude do IpirangaSolange de Fátima Orsi Bulgueroni – Secretária Judiciária do Tribunal de Justiça do Estadode São Paulo

Rodrigo César Rebello Pinho – Procurador-Geral de Justiça

Antônio de Pádua Bertone Pereira – Corregedor-Geral do Ministério Público

Conselho Superior do Ministério Público

Laila Said Abdel Qader Shukair – Promotora de Justiça Coordenadoria do Centro de ApoioOperacional da Infância e Juventude

Lélio Ferraz de Siqueira Neto e Elaine Maria Clemente Tiritan Muller – Promotores de Justiçade São Caetano do Sul

Raquel Maria Leone de Almeida César Barbosa, Edson Spina Fertonani, Mário Augusto BrunoNeto, Oswaldo Barberis Júnior, Oswaldo Monteiro da Silva Neto, Carlo Fantoni Júnior,Thales Cézar de Oliveira, Nilda Miyuki Sakashita Mitsuda, Wilson Ricardo Coelho Tafnere Paula Elinore Pruks – Promotores de Justiça da Infância e da Juventude da Capital

Marcio Roberto Zavariz, Oficial de Promotoria, e demais funcionários da Promotoriade Justiça da Infância e da Juventude da Capital

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Para promover uma plena inclusão social das crianças

e adolescentes, é necessário tornar a escola sensível e

atenta aos conflitos, com coragem de lidar com essas

questões de maneira a gerar mudanças na dinâmica

escolar e social.

Uma escola que reflete sobre sua função social aprende

e pode ser ponto de partida e de chegada para

processos efetivos de inclusão social. Ela possibilitará

que crianças e jovens construam sentido para suas

vidas, prevenirá a violência e a marginalização social e

abrirá a possibilidade de recuperação do adolescente

em conflito com a lei. Na escola, ele poderá encontrar

o espaço de acolhimento e de reflexão sobre as razões

e conseqüências de seu ato, permitindo-lhe reavaliar

sua conduta e seu modo de ação no mundo.

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