jusnaturalismo

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A reflexão sobre as regras e os valores que regem – ou devem reger – a vida em sociedade é tão antiga quanto a própria filosofia. Os sentidos do direito e da justiça são temas recorrentes no pensamento filosófico. Desde a Idade Média, ao menos, o direito conquistou relativa autono- mia como campo de conhecimento. Por essa razão, a filosofia do direito é muito antiga e sua produção, extensa. Essa produção ocupa-se, tradicionalmente, de desenvolver teorias e reflexões com três preocupações principais: 1) oferecer uma definição do direito. Definir o direito é delimitar suas fronteiras, apontando quais fatos, instituições e formas serão reconheci- dos como jurídicos; 2) discutir o sentido do justo e os critérios de justiça ou, ainda, debater a pertinência de considerações axiológicas sobre o direito e a justiça no interior de uma teoria do direito; 3) definir limites e formas de interpretação do direito, para determi- nar como encontrar as normas e reconhecer que pertencem à ordem jurídica. Apresentar o percurso da filosofia do direito corresponde a construir uma história do conceito do direito, da justiça e das formas de interpre- tação encontráveis nos filósofos. O jusnaturalismo designa um conjunto de autores de distintas tra- dições que: afirmam em comum a existência de um direito natural, como fonte de obrigações e princípios de justiça necessários, porquanto naturais, e conhecidos por todos. desenvolvem uma abordagem prescritiva sobre o direito, com refle- xões sobre como ele deve ser para realizar o ideal de justiça. Incluem, portanto, considerações sobre a finalidade do direito. A histórica polêmica entre o jusnaturalismo e o positivismo, que es- trutura o desenvolvimento do pensamento filosófico jurídico ociden- tal assenta-se em duas expressões contrapostas: direito natural, por um lado, e direito positivo, por outro. Os critérios gerais de distinção entre eles são: 39 J USNATURALISMO Universal (válido para toda a humanidade) Particular (e relativo, válido em alguns lugares e para alguns povos) Imutável (mas Aristóteles e os jusnaturalistas contemporâneos não compartilham essa visão) Mutável Fonte é a natureza (ou a razão imanente e natural dos seres humanos). Sistema de normas com validade em si Fonte é o poder civil (da população ou delegado). Existe por convenção ou ato de vontade da autoridade política legítima Conhecido por meio da razão Conhecido por meio de uma declaração de vontade (promulgação) Os comandos prescrevem ou proíbem atos essencialmente bons ou maus por si mesmos Os comandos prescrevem ou proíbem atos que são bons porque ordenados por lei e maus porque proibidos por lei A expressão “direito natural” possui significados diferentes, conforme as concepções a respeito da natureza e da origem desse direito, que po- dem ser fundamentalmente agrupados em três versões do jusnaturalis- mo, com variantes: 1) o direito natural como revelação aos homens de uma lei estabele- cida pela divindade; 2) o direito natural como conjunto de leis que refletem a nature- za dos seres e dos objetos, apreensível pela observação empírica de constâncias; 3) o direito natural como conjunto de leis derivadas da razão humana. A razão é uma faculdade natural do homem que permite compreender regras universais. • O jusnaturalismo na antiguidade Estudiosos apontam em Antígona, tragédia de Sofócles, a primeira re- ferência a um direito natural, que se referia às ordens eternas dos deuses. Antígona descumpre uma ordem do rei por considerá-la injusta, e enter- ra seu irmão Polinice, argumentando que uma autoridade política não poderia sobrepor-se à lei divina, que cumprira ao sepultar o irmão. No argumento de Antígona haveria, portanto, a primeira afirmação de um “justo por natureza”, que se oporia ao “justo por lei”, em uma concepção jusnaturalista da primeira versão. Os filósofos gregos trataram incidentalmente da justiça e do direito. Platão e seus seguidores desenvolvem uma concepção de justiça natural como leis naturais que organizam o universo, distintas das leis que regu- lam a vida social e que constituem a justiça positiva. Aristóteles Aristóteles dedica-se especificamente aos temas do direito e da jus- tiça, especialmente em sua obra Ética a Nicômaco, na qual reconhece a existência de duas partes distintas que comporiam o que ele denomi- nava justiça civil, sendo uma a de origem natural e outra fundada na lei. Essa dicotomia funda-se em dois critérios: A parte natural da justiça (direito natural) A parte fundada na lei da justiça (direito positivo) com relação aos efeitos com relação à validade Mantém em toda parte o mesmo efeito Tem eficácia restrita à comunidade em que é posto Prescreve ações cuja validade não depende de juízos subjetivos de valor (não depende de que a ação prescrita pareça boa a alguém). As ações prescritas pelo direito de origem natural são objetivamente boas, corretas e necessárias Prescreve ações cuja validade deriva da própria prescrição por lei. As ações são corretas e necessárias porque uma lei assim define Aristóteles, que assumia o caráter dinâmico da natureza, reconhecia que o direito natural também podia mudar. Além de desenvolver uma concepção de direito que abarcava normas naturais e normas legais, Aristóteles ocupou-se do tema da justiça, de- senvolvendo algumas distinções conforme o uso ou perspectiva que se tem sobre o termo: Justiça geral – a justiça é, nesse sentido, equiparada à bondade. Dize- mos ser justo tudo aquilo que julgamos bom. Com essa expressão Aris- tóteles referia-se à virtude geral, ou soma de todas as virtudes. Justiça como virtude específica – no quadro maior das virtudes mo- rais humanas, a justiça é apenas uma delas. Nesse sentido de virtude

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Page 1: jusnaturalismo

A refl exão sobre as regras e os valores que regem – ou devem reger – a vida em sociedade é tão antiga quanto a própria fi losofi a. Os sentidos do direito e da justiça são temas recorrentes no pensamento fi losófi co. Desde a Idade Média, ao menos, o direito conquistou relativa autono-mia como campo de conhecimento. Por essa razão, a fi losofi a do direito é muito antiga e sua produção, extensa.

Essa produção ocupa-se, tradicionalmente, de desenvolver teorias e refl exões com três preocupações principais:

1) oferecer uma definição do direito. Defi nir o direito é delimitar suas fronteiras, apontando quais fatos, instituições e formas serão reconheci-dos como jurídicos;

2) discutir o sentido do justo e os critérios de justiça ou, ainda, debater a pertinência de considerações axiológicas sobre o direito e a justiça no interior de uma teoria do direito;

3) defi nir limites e formas de interpretação do direito, para determi-nar como encontrar as normas e reconhecer que pertencem à ordem jurídica.

Apresentar o percurso da fi losofi a do direito corresponde a construir uma história do conceito do direito, da justiça e das formas de interpre-tação encontráveis nos fi lósofos.

O jusnaturalismo designa um conjunto de autores de distintas tra-dições que:

• afi rmam em comum a existência de um direito natural, como fonte de obrigações e princípios de justiça necessários, porquanto naturais, e conhecidos por todos.

• desenvolvem uma abordagem prescritiva sobre o direito, com refl e-xões sobre como ele deve ser para realizar o ideal de justiça. Incluem, portanto, considerações sobre a finalidade do direito.

A histórica polêmica entre o jusnaturalismo e o positivismo, que es-trutura o desenvolvimento do pensamento fi losófi co jurídico ociden-tal assenta-se em duas expressões contrapostas: direito natural, por um lado, e direito positivo, por outro. Os critérios gerais de distinção entre eles são:

39

J U S N A T U R A L I S M O

Universal (válido para toda

a humanidade)

Particular (e relativo, válido

em alguns lugares e para

alguns povos)

Imutável (mas Aristóteles

e os jusnaturalistas

contemporâneos não

compartilham essa visão)

Mutável

Fonte é a natureza

(ou a razão imanente

e natural dos seres

humanos). Sistema de

normas com validade em si

Fonte é o poder civil

(da população ou delegado).

Existe por convenção ou ato

de vontade da autoridade

política legítima

Conhecido por

meio da razão

Conhecido por meio de

uma declaração de vontade

(promulgação)

Os comandos prescrevem

ou proíbem atos

essencialmente bons ou

maus por si mesmos

Os comandos prescrevem

ou proíbem atos que são

bons porque ordenados

por lei e maus porque

proibidos por lei

A expressão “direito natural” possui signifi cados diferentes, conforme as concepções a respeito da natureza e da origem desse direito, que po-dem ser fundamentalmente agrupados em três versões do jusnaturalis-mo, com variantes:

1) o direito natural como revelação aos homens de uma lei estabele-cida pela divindade;

2) o direito natural como conjunto de leis que refletem a nature-za dos seres e dos objetos, apreensível pela observação empírica de constâncias;

3) o direito natural como conjunto de leis derivadas da razão humana. A razão é uma faculdade natural do homem que permite compreender regras universais.

• O jusnaturalismo na antiguidadeEstudiosos apontam em Antígona, tragédia de Sofócles, a primeira re-

ferência a um direito natural, que se referia às ordens eternas dos deuses. Antígona descumpre uma ordem do rei por considerá-la injusta, e enter-ra seu irmão Polinice, argumentando que uma autoridade política não poderia sobrepor-se à lei divina, que cumprira ao sepultar o irmão. No argumento de Antígona haveria, portanto, a primeira afi rmação de um “justo por natureza”, que se oporia ao “justo por lei”, em uma concepção jusnaturalista da primeira versão.

Os fi lósofos gregos trataram incidentalmente da justiça e do direito. Platão e seus seguidores desenvolvem uma concepção de justiça natural como leis naturais que organizam o universo, distintas das leis que regu-lam a vida social e que constituem a justiça positiva.

AristótelesAristóteles dedica-se especifi camente aos temas do direito e da jus-

tiça, especialmente em sua obra Ética a Nicômaco, na qual reconhece a existência de duas partes distintas que comporiam o que ele denomi-nava justiça civil, sendo uma a de origem natural e outra fundada na lei. Essa dicotomia funda-se em dois critérios:

A parte natural da justiça (direito natural)

A parte fundada na lei dajustiça (direito positivo)

com relação aos efeitos

com relação à validade

Mantém em toda

parte o mesmo efeito

Tem eficácia restrita à

comunidade em que é posto

Prescreve ações cuja

validade não depende

de juízos subjetivos de

valor (não depende de

que a ação prescrita

pareça boa a alguém).

As ações prescritas pelo

direito de origem natural

são objetivamente boas,

corretas e necessárias

Prescreve ações cuja

validade deriva da

própria prescrição por lei.

As ações são corretas e

necessárias porque uma

lei assim define

Aristóteles, que assumia o caráter dinâmico da natureza, reconhecia que o direito natural também podia mudar.

Além de desenvolver uma concepção de direito que abarcava normas naturais e normas legais, Aristóteles ocupou-se do tema da justiça, de-senvolvendo algumas distinções conforme o uso ou perspectiva que se tem sobre o termo:

Justiça geral – a justiça é, nesse sentido, equiparada à bondade. Dize-mos ser justo tudo aquilo que julgamos bom. Com essa expressão Aris-tóteles referia-se à virtude geral, ou soma de todas as virtudes.

Justiça como virtude específica – no quadro maior das virtudes mo-rais humanas, a justiça é apenas uma delas. Nesse sentido de virtude

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NÃO ESQUECER

específi ca, a justiça corresponde à virtude da igualda-de. Essa virtude pode estar presente nas trocas e nas partilhas, e, em cada um dos casos, está associada a um critério de igualdade.

• A justiça retributiva

é a virtude da igualdade nas trocas

e obedece a uma lógica aritmética.

• A justiça distributiva é a virtude da igualdade nas

partilhas e obedece a uma lógica

geométrica (proporcional).

• O jusnaturalismo romano e medievalO direito romano empregou a mesma distinção,

reconhecendo a existência de uma razão da natureza que vincularia todos os animais. Além dos dois critérios empregados já por Aristóteles para distinguir o direito natural do direito positivo, o pensamento jurídico ro-mano acresceu um terceiro critério: o direito natural é imutável, enquanto o direito fundado na lei pode ser alterado por efeito de outra lei ou por costumes.

Com o avanço do cristianismo na Europa Medieval, ganha força o jusnaturalismo da primeira vertente. Afi rma-se a existência de uma justiça imanente reve-lada por Deus e pelo Evangelho e que seria o princípio ordenador de todo o universo.

Santo tomás de aquinoSanto Tomás procura em sua obra solucionar as

contradições e integrar as concepções jusnaturalistas, afi rmando a um só tempo o caráter divino e racional da lei natural. O direito para Aquino tinha de ser eter-no porque o que é contingente não pode ser objeto de análise racional.

Em sua famosa Suma Teológica, defi ne a lei (lex) como a regra ou medida dos atos que orienta a ação (ou ina-ção). A lei promove uma ordenação da razão para o bem comum. Essa concepção cria a exigência de:

• objetividade, sem a qual a lei não poderia ser en-sinada e compreendida e, assim, deixaria de orientar a ação, e

• promoção do bem comum, sem a qual é irracional e incompreensível e, assim, igualmente deixa de orien-tar a ação.

Ao afi rmar a objetividade do direito, Santo Tomás nega uma concepção voluntarista de direito, pois para ele a vontade é sempre subjetiva. A lei apenas publi-ca as relações entre as pessoas e as coisas que a razão revela.

Na mesma questão, Aquino distingue quatro tipos de lei:

• A lei divina: revelada por Deus aos homens nas Sagradas Escrituras.

• A lei eterna: um plano racional que ordena todo o universo.

• A lei natural: participação da Lei Eterna na criatura racional, ou seja, aquilo que o homem é levado a fazer pela sua natureza racional.

• A lei humana: lei feita pelo homem, de acordo com a lei natural. É uma ordenação da razão promulgada pelo chefe da comunidade para o bem comum.

Aquino apresenta também um encadeamento lógi-co entre essas manifestações que resultaria em uma ordem justa. Uma ordem justa, para Santo Tomás, era aquela em que essas leis estariam em harmonia umas

com as outras: a lei positiva poderia ser racionalmente deduzida da lei natural, fragmento de ordem eterna do universo que corresponde à lei eterna, produzida e re-velada por Deus.

ESSENCIAL

A lei natural é para Aquino

um comando racional e uma fração

da ordem imposta por Deus, governador

do universo. Como um comando divino

é naturalmente racional, assim como

os seres humanos, a lei natural está

presente no ser humano.

Já a lei humana deriva da natural

por obra do legislador por conclusão

ou por determinação.

A derivação por conclusão é uma operação pela qual a lei positiva deriva da natural por uma conclusão lógi-ca: a norma que proíbe o homicídio deriva da lei natural que prescreve o respeito à vida humana.

A derivação por determinação é uma operação de concretização e restrição do sentido de uma lei natural. A lei humana nesse caso determina o modo concreto como um preceito genérico do direito natural deve ser aplicado. Neste caso, Santo Tomás admite que a valida-de da lei depende do ato do legislador.

Direito (ius) é compreendido como o sentido e a fi na-lidade da ação; é distinto da lei (lex), que é medida da ação. Ius é o justo (eterno e racional) e lex é a medida do justo.

Sobre a justiça, Santo Tomás desenvolve a concepção aristotélica, destacando que a justiça está orientada para a fi nalidade de promover o bem da comunidade. A igualdade é uma relação que pressupõe um outro, pois não faz sentido afi rmar a igualdade consigo mes-mo. Portanto, a justiça como igualdade é uma virtude orientada para o outro, tanto tomado isoladamente quanto em comum. Assim, mesmo quando um homem se orienta pela justiça em função de um bem que pode trazer a si, como virtude orientada para o outro, essa ação justa promove o bem comum. Daí por que Aquino afi rma ser a justiça uma virtude universal, que orienta todas as virtudes individuais para o bem comum.

A justiça universal é também denominada por San-to Tomás justiça legal. Seu objeto imediato é o bem co-mum, e seu objeto mediato, o bem de cada pessoa, ina-tingível sem a convivência universal. Trata-se de uma virtude social, só realizável pela e na comunidade, por meio de leis e costumes, por todos conhecidos, que or-ganizam as ações para o bem comum. As leis são uma medida que guia os indivíduos em suas ações para a promoção da justiça.

A promoção do bem comum não se confunde com a distribuição entre particulares desse bem. Para esta, assim como para as trocas de bens entre particulares, não existe uma medida única. Por isso, além da justiça legal existem, para Aquino, duas formas de justiça par-ticular, como Aristóteles já reconhecera, que se refere a pessoas singulares e aos bens por elas devidos:

• A justiça comutativa regula a troca de coisas sin-gulares e se aplica quando um bem é devido a um indi-víduo. A relação é entre dois indivíduos.

• A justiça distributiva regula a apropriação das coi-sas comuns ou indivisíveis e se aplica quando um bem

é devido a uma parte de um todo (indivíduo em um grupo, por exemplo). A relação é entre um indivíduo e o todo.

• O jusnaturalismo modernoNos séculos XVII e XVIII, com fi guras como Grócio,

Locke e Pufendorf, surge um modelo moderno de jus-naturalismo em que:

• a lei é cada vez menos medida objetiva e racional da ação e cada vez mais comando;

• o direito (ius) é cada vez menos o justo, aquilo que é imposto objetivamente a todos em uma mesma re-lação pelo bem comum, e cada vez mais as faculdades e liberdades que confi guram o que hoje denominamos direitos subjetivos;

• um espaço maior é conferido ao poder do sobera-no de legislar;

• contudo, o pensamento jurídico continua a derivar a existência de alguns direitos de suposições sobre a natureza do homem e a tecer considerações axiológi-cas sobre como deve ser o direito para realizar o ideal de justiça.

O pensamento jusnaturalista moderno buscava es-tabelecer uma ordem racional no interior dos Estados nacionais e, sobretudo, entre os Estados, sem espaço para as tradições locais multifacetadas. Essas exigên-cias estavam associadas à afi rmação do poder dos Es-tados nacionais contra o Império e a Igreja Católica e à restauração da ordem na Europa arruinada por guerras religiosas e dinásticas.

Hugo GrócioHugo Grócio é considerado o fundador do jusnatu-

ralismo moderno. Em sua obra Do direito da guerra e da paz (1625), rejeita o voluntarismo teológico e reafi rma o jusnaturalismo em sua versão racionalista ao tratar o direito natural como um ditado da razão, indepen-dente da vontade e da existência de Deus e válido para todos os povos. Em sua obra, Grócio defi ne o direito natural como um preceito da razão que torna deter-minados atos moralmente necessários e outros moral-mente torpes conforme estejam ou não de acordo com a própria natureza racional do homem.

Na obra de Grócio, o direito natural, que se confunde com o ius gentium dos romanos e o que mais tarde se denominará direito internacional, extrai sua validade apenas de sua coerência com a razão humana. Além de depurar o jusnaturalismo de elementos teológicos, Grócio modifi ca os sentidos do direito e da justiça e alarga as fontes possíveis do direito.

Com relação à noção de direito (ius), Grócio oferece três acepções:

1) direito é o justo, o ato que corresponde à razão;2) direito propriamente dito é uma faculdade ou

liberdade (qualidade moral para possuir ou fazer coisas);

3) direito como sinônimo de lei.O sentido estrito do direito, para Grócio, torna-se o

da faculdade e da liberdade, isto é, o dos direitos subje-tivos. Altera-se também o objeto da justiça, que passa a ser esse direito de fazer ou possuir alguma coisa. O ful-cro de sua teoria era a afi rmação do poder da comuni-dade internacional de criar obrigações válidas entre os Estados, mas para tanto emprega os indivíduos como metáfora dos Estados e, assim, acaba por desenvolver uma teoria dos direitos naturais dos indivíduos em um Estado, em que surge a concepção de sujeitos de direi-tos naturais.

Para além da existência de obrigações morais uni-versais (direito natural), cuja observância era necessá-ria para a manutenção da ordem, Grócio reconhece as obrigações civis (direito positivo) entre os seres huma-