juscelino kubistchek e o fundo monetÁrio … · 2 o governo juscelino kubistchek (1955 – 1961)...
TRANSCRIPT
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE
THOMAZ MOREIRA ARANTES DE CASTRO
JUSCELINO KUBISTCHEK E O
FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL:
RAZÕES DO ROMPIMENTO
BELO HORIZONTE
2010
THOMAZ MOREIRA ARANTES DE CASTRO
JUSCELINO KUBISTCHEK E O
FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL:
RAZÕES DO ROMPIMENTO
Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais.
Áreas de concentração: Política Externa Brasileira, Economia Brasileira e História do Brasil
Orientador: Professor Dawisson Helvécio Belém Lopes Colaboradores: Professor Carlyle Laia e Doutor Eduardo Carvalho de Castro
BELO HORIZONTE
2010
Meus sinceros agradecimentos a todos os
que, de alguma forma ou de outra, se
envolveram direta ou indiretamente na
elaboração deste trabalho, sendo me
guiando, me incentivando ou me
inspirando. Agradeço especialmente aos
professores Carlyle Laia e Dawisson Lopes
pela contribuição enquanto orientadores; ao
professor Luis Cândido Lima, enquanto
pessoa que me fez criar gosto pela
fascinante disciplina que é a Economia
Brasileira; e ao meu primo, doutor Eduardo
Carvalho de Castro, que enquanto imenso e
importante colaborador me indicou fontes
sensíveis e bibliografia para este trabalho.
RESUMO
O anúncio oficial do rompimento entre o governo de Juscelino Kubistchek e o Fundo
Monetário Internacional, em 1959, gerou grandes repercussões na economia e na
política no Brasil do contexto. Munido destes pressupostos, este trabalho busca explicar,
através do estudo de várias esferas das ciências sociais, as razões básicas pelas quais tal
rompimento se deu; quais seriam, essencialmente, os condicionantes históricos,
políticos (domésticos e internacionais) e econômicos que dão conta de fazer
compreender tal evento, que de forma genérica, evidenciou da forma mais concreta o
choque de valores entre o mundo desenvolvido – notadamente os Estados Unidos – e a
América Latina, em fase de desenvolvimento e expansão do setor produtivo, entre as
décadas de 50 e 60.
PALAVRAS-CHAVE: Juscelino Kubistchek. Fundo Monetário Internacional. Anos 50.
ABSTRACT
Juscelino Kubistchek`s official report of breaking relations with International Monetary
Fund in 1959 had repercussions on Brazilian economical and political affairs of that
context. Given this presupposes, this work aims to explain trough several social sciences
areas the fundamental reasons for that braking off; which would be the essential history,
politics (domestic and international) and economy status of that time that would be able
to make this event comprehensible. In a generic form this fact most concretely
resembles the conflict between developed world – specially the United States – and
Latin America values, a region that in the 50`s and 60`s was passing trough a notable
development and production expanding process.
KEYWORDS: Juscelino Kubistchek. International Monetary Fund. Fifty decade.
1
INTRODUÇÃO
Entre os anos cinquenta e sessenta, marcados principalmente por momentos de
flutuações na tensão da Guerra Fria e no diálogo leste-oeste, ocorre também uma
ruptura de cunho igualmente ideológico dentro do bloco ocidental, o lado capitalista do
contexto. O destacado presidente brasileiro Juscelino Kubitschek, com mandato entre os
anos de 1955 e 1961 e um dos expoentes do projeto nacional-desenvolvimentista
brasileiro, através de seu Plano de Metas, deixa de se entender com o Fundo Monetário
Internacional, credor e financiador que em contrapartida aos empréstimos entregaria
uma ampla lista com recomendações a serem adotadas pelo país, em termos de política
econômica – o receituário ortodoxo – que, como será exposto, se apresentaria como um
conjunto de medidas posicionados de forma antagônica à implementação das Metas.
Operando com essas personagens e elementos, esse artigo reúne os seguintes
aspectos básicos: o governo de Juscelino Kubistchek, o Fundo Monetário Internacional,
e as panorâmicas econômicas, políticas e sociais do país naquele contexto. Haverá
abordagens à sociedade brasileira daquele momento, à política externa adotada pelo
Brasil, ao ambiente internacional do contexto, às duas ideologias em questão –
desenvolvimentismo e ortodoxia –, e ao planejamento econômico de JK e suas origens
históricas, dentre várias outras razões pelas quais ocorre o desentendimento e o
conseqüente rompimento.
Num sentido weberiano, não é possível e – nem sensato – buscar uma
monocausalidade a esse fenômeno, que foi a ruptura. Reside aí o problema deste
trabalho: a compreensão das várias causas que culminariam com tal rompimento entre o
Brasil e aquela instituição.
Assim, com o objetivo de explicar com instrumentos e conhecimentos de várias
disciplinas as várias motivações por trás de tal ruptura, o objetivo deste trabalho é
fornecer um amplo prisma de razões que dão conta de estabelecer o entendimento de tal
fenômeno para as ciências sociais e humanas como um todo. Observe-se já que se
buscará evitar falta de sincronia entre os momento históricos retratados e as idéias de
sua época; contudo, alguns conceitos serão tratados em linhas mais gerais para fornecer
um entendimento mais simples de um ou outro aspecto, de forma a não 'se desviar da
rota' da compreensão do desentendimento entre o presidente Juscelino Kubitschek e o
Fundo Monetário Internacional.
2
O GOVERNO JUSCELINO KUBISTCHEK (1955 – 1961)
Juscelino Kubitschek foi talvez o maior expoente do pensamento e da política de
cunho nacional-desenvolvimentista da historia do país. Mesmo não sendo o pioneiro no
desenvolvimentismo brasileiro, que foi inicialmente motivado em boa parte pela
dificuldade de provimento de bens industriais por parte dos Estados Unidos e da Europa
já nos anos trinta, JK e seu Plano de Metas representariam juntos uma própria evolução
dos primeiros passos do progresso nacional, baseado no processo que se conhece hoje
como a Substituição de Importações, que enquanto antecedente direto do planejamento
econômico juscelinista será tratado anteriormente a este, de forma a se possibilitar
também a compreensão das idéias, valores e bases das metas de Juscelino.
Segundo palavras de Argemiro Brum (1998), no contexto em que Juscelino é
eleito, “acreditava-se que os países atrasados, para atingirem o desenvolvimento,
deviam percorrer as mesmas etapas por que haviam passado os países já
desenvolvidos.” (BRUM, 1998, pág. 231). Contudo, pode-se auferir de forma breve e
sucinta que o planejamento econômico de Kubistchek era
“um modelo de desenvolvimento voltado centralmente para a realização de um
crescimento econômico acelerado (...), com o objetivo de diminuir a distância de nível
de industrialização e renda (do Brasil) em relação aos países considerados
desenvolvidos. Para tanto, o Estado devia desempenhar a função de principal agente
indutor do processo, quer sinalizando os rumos da economia e direcionando os
investimentos, quer investindo diretamente em setores fundamentais como infra-
estrutura e indústria básica.” (BRUM, 1998, pág. 232)
Tendo em certa medida continuado a empreitada de desenvolvimento nacional
iniciada e tocada pelo também progressista presidente Getúlio Vargas, pode-se atribuir a
Juscelino o mérito de iniciar a montagem do imponente parque industrial brasileiro, que
vem tomando aos poucos a atual preeminência da atividade agropecuária como base da
economia nacional. Inclusive foi esta última a sofrer mais com os instrumentos do Plano
de Metas, que centralizava os incentivos públicos de forma esmagadora sobre o setor
industrial e ainda por cima realizava transferência de renda do campo para a indústria,
como se verá mais profundamente no capítulo dedicado a esse plano.
Em seu O Desenvolvimento Econômico Brasileiro, Argemiro Brum (1998)
descreve muito bem a transformação pela qual passou o Brasil sob os cinco anos de
governo de Juscelino Kubistchek. Junto ao pensamento deste autor e mais contribuições
3
de Amaury Patrick Gremaud, Marco Antônio Sandoval de Vasconcellos e Rudinei
Toneto Júnior (2002), em seu livro Economia Brasileira Contemporânea (2002), será
ilustrada a trajetória da administração JK e os momentos anteriores a ela, de forma a
entender este período específico de forma ampla e concisa, ao longo deste trabalho.
O primeiro autor citado aponta que, curiosamente, o presidente “bossa-nova”
fora eleito com baixa vantagem em relação a seus concorrentes, o que de início o
colocava na situação de fraca legitimidade popular. O seu conhecido e controverso
slogan “Cinquenta anos em cinco” teria sido a chave de sua vitória – e a seriedade com
que adotou tal empreitada em seu governo, por meio do também afamado Plano de
Metas, teria revertido a situação de insatisfação em meio à sociedade. Sua proposta de
“acelerar a marcha histórica do país”, posta em prática, justificaria não só sua
legitimidade e sua fama de progressista, como também viraria bandeira de vários de
seus sucessores.
Juscelino não era um sonhador solitário. Embora tivesse conhecido de perto a
reconstrução da Europa e os resultados positivos do esforço daqueles governantes e
tentado reproduzir tal modelo de ação política no Brasil, o contexto era perfeitamente
favorável para a aplicação das políticas desenvolvimentistas. Era um momento em que a
economia norte-americana passava por expansões tanto em seu mercado doméstico
quanto nas participações em outros mercados. Assim, a transnacionalização das
empresas e do próprio capital favorecia o investimento em novas áreas como a América
Latina, que por sua vez passava por uma transformação de consciência e desejava cada
vez mais autonomia sobre o próprio futuro econômico e político, segundo Brum (1998).
Dessa forma, Juscelino teria criado um conceito genuíno de desenvolvimento,
específico para o Brasil de seu tempo. Era uma idéia de governo indutor do processo de
crescimento, notoriamente acelerado – velocidade que deixaria para trás outros setores
que não o industrial. E o Estado operaria de forma a intervir diretamente na economia,
canalizando investimentos e muitas vezes aplicando-os diretamente com recursos
públicos, especialmente na infra-estrutura básica e nas indústrias de base. Para tal, a
política juscelinista contava diretamente com o auxílio do capital externo, que viria
junto com estímulos fiscais promovidos pelo governo. E diferentemente de Getúlio
Vargas que buscava capital estrangeiro na forma de empréstimos e programas de
financiamento, JK abria o país à entrada de empresas multinacionais que quisessem
adentrar o setor produtivo nacional, fazendo uma tríade peculiar entre Estado, empresa
4
privada e investimento externo (FAUSTO, 1995 apud BRUM, 1998). O ambicioso
plano de governo de JK já previa avanços em duas esferas: economicamente,
transformar o sistema produtivo brasileiro num imenso parque industrial, em sua época
com vistas à fabricação de bens de consumo duráveis; e socialmente, oportunidades de
emprego e elevação do padrão de vida dos brasileiros, ao mesmo tempo em que a
política se estabilizava e se consolidava com base nos direitos democráticos.
Historicamente, “o Plano de Metas foi a primeira experiência brasileira – e uma das
primeiras em América Latina – na qual o governo baseou sua ação na consecução de um
programa desenvolvimentista.” (FONSECA, 2008, pág. 9). Note-se, portanto, que seus
antecessores não tinham como proposta de governo o desenvolvimento.
Antes de entrar no mérito e características dos dois programas político-
econômicos, cabe inserir algumas considerações sobre uma definição mais acadêmica
do fenômeno do desenvolvimento observada à luz daquela época. São propostas de
Millikan e Blackmer (1963), autores que desenvolvem uma visão do desenvolvimento
nacional contemporânea a Juscelino, e de Marly Rodrigues (1992), voltada para a
compreensão da década de cinquenta no Brasil.
Segundo os dois primeiros, o desenvolvimento econômico não se traduz somente
em maior produtividade e maior exploração de nichos diversos de mercado. Além, se
refere também a maiores oportunidades de educação e emprego e ofertas de serviços
como saúde e infra-estrutura geral em nível superior de eficiência e abrangência. Não
deve ser pensado como transformação geral em curto prazo, pois precisaria de
investimentos largos – principalmente no setor de capital social e capacitação técnica –
e que obviamente demandariam tempo de maturação. Ao observar a transição que passa
o Brasil entre 1930 e 1980, sendo JK um marco médio nesse período, o argumento dos
autores faz sentido.
O conceito trabalhado por eles não abrange somente o aspecto econômico. Os
desdobramentos do progresso estão também na política e nos traços culturais e
psicológicos da sociedade que o tem como palco. Assim, diversas reformas sociais e
institucionais acompanham a transformação da economia do país, e isso se verificaria na
construção dos processos de desenvolvimento das nações emergentes do contexto, que
fariam muito mais adaptações institucionais, técnicas e de recursos já modelados pelo
primeiro-mundo da época, do que inovações e concepções de desenvolvimento genuínas
e localizadas, de acordo com tais autores. A busca por um sistema monetário eficiente,
5
uma classe social comercial ativa, um parque industrial, uma boa administração pública
e a estabilidade do poder fiscal e tributário do governo é compreendida como traço
comum dos programas do tipo nacional-desenvolvimentista, segundo Millikan e
Blackmer (1963).
Já Marly Rodrigues inclui, numa perspectiva histórica, a gênese da Comissão
Econômica para a América Latina – a CEPAL, de onde se extrairia importantes idéias
para o Plano de Metas – no seio da ONU, em 1948. Identificando características de
comportamento internacional que gerariam a Teoria da Dependência, a CEPAL aponta
como solução, para a condição de dependência dos subdesenvolvidos em relação aos
desenvolvidos, uma série de transformações estruturais na economia dos países mais
pobres baseadas na industrialização e na reforma agrária. Pensamento caro aos grupos
nacionalistas de apoio a JK, pois “as propostas cepalinas fundamentaram as convicções
industrialistas e de intervenção do Estado na economia”. (RODRIGUES, 1992, Pág. 24)
O PROGRAMA DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES
Segundo Gremaud, Vasconcellos e Toneto Júnior (2002), a industrialização
brasileira aparentemente ocorreu mais seguindo a pressão externa do que uma real
vontade que emanasse do povo brasileiro em ser pólo de desenvolvimento. E demonstra
que o impulso progressista de Juscelino não era pioneiro e se revelava sim como uma
tendência iniciada por presidentes anteriores – Juscelino se mostraria sucessor da
política de Getúlio Vargas, que buscava o máximo de proveito em termos de
desenvolvimento econômico em sua política externa e voltava suas políticas públicas
para o mesmo fim.
Na mundialmente conturbada década de trinta, o mundo conhecia verdadeiras
tragédias de crises econômicas sem precedentes, explosões inflacionárias cavalares e
desvalorizações brutais de moedas e salários, que geraram problemas de abastecimento
e fome em vários países. Tal cenário global, oriundo do estouro da Bolsa de Nova
Iorque em 1929, viria a reforçar o discurso de grupos politicamente radicais como os
nazistas da Alemanha, os comunistas da União Soviética e os fascistas italianos, avessos
à ordem liberal e de livre-comércio defendidas principalmente por americanos e
ingleses.
No ínterim, o Brasil acabava de sair de um período tenso, abandonando a
carapaça dura de uma centralização do poder nacional nas mãos das elites locais de
Minas Gerais e São Paulo, a “República Café-com-Leite”, para entrar em uma nova fase
6
de sua política, com uma personagem revolucionária que marcou a história brasileira
com peso comparável ao que Juscelino teria posteriormente – trata-se de Getúlio
Dornelles Vargas.
Tendo assumido o poder federal em 1930, após a revolução contra os
conservadores, Getúlio entrou em cena num contexto não só de instabilidade política
geral, como também amplamente desfavorável ao comércio internacional do principal
produto de exportação brasileiro, o café. Com a crise generalizada pelo mundo, a saída
encontrada por este presidente foi introduzir uma nova mentalidade econômica no país
que não fosse baseada exclusivamente na cafeicultura.
Com a demanda internacional pelo produto em vertiginosa baixa e o
investimento externo que escapava do país, Vargas teria de ser criativo e revolucionário
também no trato ao sistema produtivo brasileiro. A resposta encontrada para a querela
do momento era aquilo que Celso Furtado chama de ‘deslocamento do centro dinâmico
da economia’. (FURTADO, 1972 apud GREMAUD et al., 2002, pág. 361)
Constituindo-se como uma diretriz econômica de caráter heterodoxo, tal
deslocamento seria nada mais que a mudança da origem da renda do grosso da
população brasileira; antes definida essencialmente pela demanda externa,
especialmente pelos produtos da cafeicultura, agora a renda nacional se voltaria para a
produção e consumo de bens nacionais – por meio do estímulo à indústria e da
importância desta na geração de riqueza para o país.
Obviamente que para tal empreitada, era fundamental o desenvolvimento de
alguns instrumentos diretos do governo sobre a atividade produtiva. Além da mudança
de rumos da demanda brasileira, que pôde ser contemplada via geração de bens
nacionais antes inexistentes, houve também uma política de manutenção de renda, por
meio da compra do excedente da produção de café pelo governo e sua posterior queima,
forçando alta no preço do produto no âmbito do mercado internacional. Viabilizando o
plantio e a colheita dos antigos cafeicultores, a base dessa política era, segundo os
autores, keynesiana, com vistas à sustentação da demanda agregada (GREMAUD et al.,
2002, pág. 362).
Assim, até esse ponto, percebe-se que o Programa de Substituição de
Importações iniciado na década de trinta teve origens no desequilíbrio externo e se
marcou pela industrialização fechada – voltada especificamente para o atendimento da
demanda interna e geração e consolidação do mercado brasileiro.
7
Segundo os mesmos autores, este plano ocorreu gradualmente em etapas,
descrevendo períodos de maior crescimento de um setor industrial em detrimento dos
demais. Isso significava certa rotatividade em relação à intensidade do crescimento dos
setores de bens de consumo não-duráveis (têxteis, alimentos), bens de consumo
duráveis (eletrodomésticos, automóveis, indústria mecânica em geral), bens
intermediários (aço, ligas metálicas, cimento, químicos e petroquímicos em geral) e
bens de capital (máquinas e equipamentos acabados e prontos para o uso). Argumentam
os autores que tal fato se deveu não em função de algum planejamento específico, mas
novamente por contextos internacionais: regeram as etapas de cada setor os
estrangulamentos externos (a escassez de divisas incorrida pela queda do valor das
exportações ao mesmo tempo em que a demanda externa é mantida).
O modelo de substituição de importações brasileiro acabou se marcando também
pelas políticas protecionistas, pois Vargas não se alinhava diretamente ao corolário
liberal ortodoxo de Estados Unidos e Inglaterra e não toleraria uma desleal concorrência
entre os produtos brasileiros e os estrangeiros dentro do mercado nacional. Os
instrumentos mais recorrentes do protecionismo à indústria nacional na época eram a
desvalorização real da moeda brasileira, o que forçava o aumento do preço dos produtos
importados em relação ao praticado pelos nacionais; o controle de câmbio por meio de
licenças concedidas pelo governo para importação de determinados bens; as taxas
múltiplas de câmbio, constituídas por uma grande diversidade de mercados cambiais
que dificultariam ou facilitariam a compra de bens importados de acordo com a
necessidade; e por fim utilizava-se da própria elevação das tarifas alfandegárias, que
tipificadas em relação ao produto importado seriam comuns também na era JK.
O programa brasileiro de substituição de importações naturalmente apresentou
problemas e dificuldades, alguns dos quais seriam ensaios para entraves que
apareceriam na fase de implantação e mesmo durante o Plano de Metas de Juscelino
Kubistchek. A começar pelos desequilíbrios externos – confisco cambial e transferência
de renda da esfera agrícola para a industrial; falta de competitividade da indústria
nacional; falta de variedade de produtos e marcas em função das políticas
protecionistas; elevação da demanda por importações decorrente do aumento da renda
nacional e do consumo – passando pela grande inferência do Estado na atividade
produtiva –, que gerou novas instituições para gerir a atividade produtiva e aumentou o
déficit público por causa de sua participação no provimento de infra-estrutura e insumos
8
básicos, dando à luz a uma grave questão de concentração de renda; desincentivo à
produção agrícola ao passo que a atividade industrial é supervalorizada, gerando
também o fenômeno do êxodo rural e o atual problema da favelização no espaço urbano
– o Programa de Substituição de Importações iniciado por Getúlio Vargas bateu de
frente com a escassez de recursos para financiamento resultante da ausência de um
sistema financeiro sólido e de uma ampla reforma tributária.
Por fim, a história do Programa de Substituições de Importações no Brasil pode
ser resumida da seguinte forma: um processo de industrialização dado como
conseqüência de questões internacionais que esgotaram a cafeicultura, que foi protegido
e que cresceu gradualmente, ao passo que atravessou determinadas dificuldades e deu
origem a novos entraves. O Plano de Metas de Juscelino Kubistchek que sucederia esse
programa foi ao mesmo tempo continuação e reinvenção deste. Diferenciou-se do PSI
principalmente por ser mais bem planejado, por incluir novos aspectos – especialmente
a importância do capital externo e pela participação de multinacionais no mercado – e
por ter sido, de fato, proposta política e fonte de legitimação do governo JK. Os dois
planos juntos contariam com marcas interessantes, visto que “de 1940 a 1961 a
produção industrial brasileira quase sextuplicou e teve ritmo de crescimento maior do
que o dobro do ritmo de crescimento global da economia.” (FONSECA, 2008, pág. 11)
O PLANO DE METAS
Essencialmente, o progressismo juscelinista se corporificou nesse plano, que já
previa os avanços esperados a se refletirem na economia e na sociedade. Foram
definidas metas em setores-chave mais a construção da nova capital federal, em
Brasília. Dentre os setores de saúde, transportes, alimentação e educação – o Plano
SALTE do presidente anterior Eurico Gaspar Dutra (1946 – 1950) – mais avanços na
oferta de energia e construção de indústrias de base, de acordo com Brum (1998), os
maiores objetivos eram de realizar progressos no sentido da expansão da atividade
industrial – via formação de pessoal técnico e criação de infra-estrutura necessária – e
mesmo para atender as demandas sociais da época e, obviamente, gerar mercado. Esses
objetivos somariam 98% dos investimentos do governo de JK. Orçado em US$5,75
bilhões, o Plano de Metas receberia US$3,2 bi de financiadores estrangeiros e
investimentos públicos e privados (WEISS, 2003, pág. 119). E ocorreu com objetivos
industrializantes, verificado que
9
“no período 1950-1955, a produção manufatureira crescera 39% nos EUA e 30% na
Europa Ocidental, e o PNB (Produto Nacional Bruto), respectivamente, 29% e 30%. No
mesmo período, o volume físico do comércio mundial de matérias-primas crescera
apenas 12% e, excluído o petróleo, medíocres 6%.” (BOJUNGA, 2001, págs. 528 e
529).
Este plano fora criado não sem auxílio de intelectuais e técnicos em
planejamento e gestão. Contribuíram sensivelmente para o plano econômico de
Juscelino as idéias formuladas na Comissão Mista Brasil-EUA (JBUSEDC, da sigla em
inglês) para o Desenvolvimento Econômico, o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE), a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) e o
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). “Os veteranos da JBUSEDC e BNDE,
Roberto Campos e Lucas Lopes, foram os autores principais das metas e a maioria dos
técnicos veio da JBUSEDC, do BNDE, e da Cepal.” (WEISS, 2003, pág. 118).
De acordo com o pensamento de Argemiro Brum (1998), a busca pela
identificação dos pontos de estrangulamento não só externos como também dos internos
(problemas de fornecimento de energia, transportes e alimentação) e também dos
chamados pontos de germinação (áreas que com o devido investimento poderiam gerar
efeitos multiplicadores), executada pela JBUSEDC e posteriormente pelo BNDE e
incorporada pelos diversos planejadores de Juscelino, pode ter dado alguma base de
planejamento do governo sobre de divisão de recursos nas diversas áreas de
investimento.
Estes organismos forneceriam ao presidente alguma base teórica de ação e
identificaram bem as características do ambiente internacional do contexto. Foi
claramente entendido pela intelectualidade que o modelo de desenvolvimento
independente proposto por Getúlio Vargas entre as décadas de trinta e cinqüenta era
bastante inflexível e apontava sinais de desgaste e necessidade de novas reformulações.
Assim, as idéias que marcariam a administração de JK foram essencialmente o tripé
Estado, Iniciativa Privada e Investimento Externo, diferente da proposta varguista,
avessa à participação estrangeira. Celso Fonseca (2008) considera que “a retomada do
crescimento econômico era impostergável em meados dos anos 50. A opção industrial
tornou-se a idéia-força da política econômica para a superação da crise na qual o país se
envolver após o nacionalismo varguista.” (FONSECA, 2008, pág. 10).
Segundo Michael Weiss (2003), grande foi a contribuição teórica que a CEPAL
teria sobre o Plano de Metas de JK e que afetaria sobremaneira a condução da política
10
externa brasileira. “Prebisch apresentou uma justificativa teórica para a política já
adotada pelo Brasil...” (WEISS, 2003, pág. 110). Além de responsabilizar o governo dos
EUA por gerar progresso em toda a América, a CEPAL defendia o planejamento
econômico pelo Estado e sua intervenção direta na economia por meio de investimentos
públicos, proteção tarifária à indústria nacional e mecanismos de controle de
importações – pressupostos heterodoxos que bateriam de frente com as percepções
estadunidenses. Além, buscava alertar os latino-americanos sobre os perigos de
remessas de lucros por parte das multinacionais e da ortodoxia fiscal – encampada por
Washington, BIRD e FMI – como instrumento de controle de inflação, alegando que
esta limitava o crescimento (WEISS, 2003, págs. 110-111). Havia uma percepção
latente de que “o papel da política econômica já não se podia limitar ao
intervencionismo; o Estado devia sistematizar sua ação, combinando-o com o capital
privado, atraindo investimentos e canalizando-as setorialmente.” (FONSECA, 2008,
pág. 10).
Brum (1998) dá especial trato à abertura do sistema produtivo brasileiro aos
investimentos estrangeiros, que se verificava de forma tímida até então. O imediato pós-
guerra foi extremamente favorável à expansão dos capitais norte-americanos, sendo
também contexto de expansão da economia global e de consolidação do monopólio de
mercado por alguns grupos empresariais. Completa a reconstrução de Europa e Japão,
os capitais de empresas européias, japonesas e principalmente dos EUA passaram a
buscar algum espaço em países subdesenvolvidos que se mostrassem potenciais
geradores de lucro. No período de governo de Juscelino Kubistchek entraram no país
US$2,18 bilhões, sendo 80% tomados sob a forma de empréstimos e financiamentos e
sendo aproximadamente 95% direcionados para as metas prioritárias. O BNDE
emprestaria às filias estrangeiras que aqui se instalaram o montante de 6,9 bilhões de
cruzeiros (BRUM, 1998, pág. 245).
O autor também trata brevemente os reflexos sociais que a proposta e aplicação
do Plano de Metas geraram. O plano estabelecido teria feito os diferentes grupos e
segmentos brasileiros olharem o político com maior simpatia. Nominalmente, o
empresariado nacional passou a enxergar uma perspectiva de crescimento, expansão de
mercado e alguma autonomia pelo Estado; trabalhadores e operários esperavam que
com o crescimento planejado houvesse geração de empregos e melhores salários por
meio da expansão da demanda pela mão-de-obra; para as classes militares, grupos de
11
onde provinha boa parte da oposição política a JK, o Plano de Metas favoreceria em
alguma instância a defesa nacional – possibilitando o desenvolvimento da indústria
bélica nacional; e a esquerda, incapaz de formular proposta econômica com peso
concorrente, preferiu conciliar-se a Juscelino e encará-lo como mal menor do que a
proposta da oposição udenista, centrando-se no debate teórico e ideológico
(BENEVIDES, 1976 apud BRUM, 1998, pág. 233). Aparentemente, ao lado do governo
de Juscelino emergiu também uma maior maturidade política no país, pois “(...) a
sociedade brasileira articulava-se com novos parâmetros, compondo uma disputa
eleitoral mais objetiva em relação a seus interesses e melhor organizada para
materialização de seus ideais.” (FONSECA, 2008, pág.12).
Brum (1998) destaca também que no período de Juscelino houve também
transformações na esfera técnica da administração pública. “A máquina pública era
emperrada, morosa, influenciada pelo clientelismo, ineficiente e pouco eficaz. Carecia
de uma ampla e profunda reforma – um processo demorado, que poderia encalhar no
Congresso.” (BRUM, 1998, pág. 233). Logo, foi feita a opção por um atalho.
Para lidar com tais problemas, o presidente dividiu a administração pública em
dois setores distintos com funções específicas. A Administração Direta – os ministérios
e órgãos institucionais – cuidariam da rotina administrativa, das ações políticas
ordinárias, das demandas de governadores, prefeitos e de congressistas, aos moldes do
tradicional fisiologismo e clientelismo.
Já a Administração Paralela, que vigorou somente em seu mandato, se constituiu
via a ação de órgãos extraconstitucionais criados por decretos-presidenciais e se focou
na pesada tarefa de tocar a implementação das grandes metas do plano, tendo em vista a
necessidade de “aumentar a racionalidade e agilidade do sistema administrativo
brasileiro.” (BRUM, 1998, pág. 237).
O autor cita diversos exemplos. O mais famoso e já mencionado órgão de
administração paralela criada pelo presidente foi o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE), com o objetivo de financiar e fomentar projetos de expansão
industrial e infra-estrutural. Mas também se destacaram a Carteira de Comércio Exterior
(CACEX), criada dentro do Banco do Brasil para reger as importações e exportações, e
a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), também do Banco do Brasil e
com a função de cuidar das políticas concernentes à moeda e ao crédito.
12
Brum (1998) também indica alguns órgãos menores e específicos que
participaram de forma decisiva no Plano de Metas. Tendo grande margem orçamentária
e de atuação e com pessoal competente escolhido dentro das forças armadas, da
iniciativa privada e dos administradores públicos das áreas interessadas, eles
trabalhariam de acordo com os demais órgãos citados. Diversos Grupos de Trabalho
(GTs), com a função de prestar assessoria em diversas matérias e de elaborar projetos de
lei; os Grupos Executivos (GEs), com a função de executar as metas e prioridades do
governo para a economia nacional; e o Conselho de Política Aduaneira (CPA), com o
papel de fazer confluir as tarifas alfandegárias com os interesses do Plano de Metas,
serviram de braço operacional ao governo de Juscelino Kubistchek. Para cada uma das
metas estipuladas no planejamento econômico, havia um GT e um GE, bem como
grupos de estudo análogos e análises do CPA.
A crítica que recai sobre esse processo político é justamente o inchaço que se
gerou no poder executivo federal, que deixou os outros poderes, especialmente o
legislativo, em posição secundária e impotente para questionamentos – visto até que o
governo tinha maioria parlamentar.
“Ao ampliar o poder do Executivo, JK acentuou o papel do Estado como vanguarda do
desenvolvimento e fortaleceu a predominância do Estado sobre a sociedade civil, uma
das características do populismo. Nesse aspecto, o desenvolvimentismo era uma nuança
um pouco melhorada do populismo.” (BRUM, 1998, pág. 238).
Por outro lado, tratando aquele período de modo genérico e exclusivamente pelo
prisma econômico, Gremaud, Vasconcellos e Toneto Júnior (2002, pág. 378 a 383)
descrevem a mecânica do plano do governo de Juscelino com base em três pontos
principais: investimentos públicos na infra-estrutura, especialmente no que tangia os
transportes e a geração de energia – substituindo as ferrovias pelas rodovias, com vistas
à grande importância que o governo deu à indústria automobilística nacional –, o
estímulo à produção dos bens intermediários tais como aço, carvão e cimento, e o
estímulo à introdução de indústrias de bens de consumo duráveis e de capital.
Para que se tocasse o ambicioso e gigantesco plano econômico, foram criadas
diversas comissões – consonantes com a CACEX, a SUMOC, o BNDE, o CPA, os GTs
e GEs citados por Argemiro Brum (1998) –, específicas por setor, com vistas à
administração e o fornecimento de incentivos e benefícios a eles, de modo que as metas
pudessem ser cumpridas – uma das mais importantes comissões criadas, a título de
13
exemplo dos próprios autores, foi o Grupo Executivo da Indústria Automobilística
(Geia).
Simultaneamente, o governo lançava além dos investimentos diretos, programas
de crédito a juros baixos e a busca de empréstimos externos – via isenções fiscais,
garantias de mercado e principalmente a instrução 113 da Superintendência da Moeda e
do Crédito (SUMOC), que facilitava o investimento estrangeiro direto sem haver
cobertura cambial. Soma-se a estes instrumentos uma política de reserva de mercado
que se baseasse em instrumentos cambiais e tarifários que, baseados na lei do similar
nacional, pudessem fornecer proteção à nascente indústria brasileira.
Todos esses instrumentos contemplavam o combate à formação de pontos de
estrangulamento (demanda insatisfeita em determinados setores oriunda de um
desenvolvimento equilibrado) e buscavam induzir a criação de pontos de germinação
(setores que pudessem gerar demanda derivada ou de investimentos em setores
complementares, cujo maior exemplo foi a construção da nova capital federal, que em
larga medida impulsionou a indústria da construção civil), de forma a sustentar a taxa de
crescimento nacional. Dessa forma, algumas metas foram cumpridas com bastante êxito
e verificou-se largas taxas de crescimento da produção de setores específicos, como
exemplificado (GREMAUD et al, 2002, pág. 380), no período 1955 a 1962:
• Materiais de Transporte: + 711%
• Elétricos e comunicações: + 417%
• Têxtil: + 34%
• Alimentos: + 54%
O expressivo crescimento na produção industrial naquele espaço de tempo,
especialmente nos setores de bens de consumo leves, é consonante com a lógica do
Programa de Substituição de importações. Todavia, marcou também por seu lado
algumas das maiores deficiências e carências do governo de Juscelino Kubistchek. No
mesmo período verificaram-se também os piores índices de crescimento da atividade
agrícola e algumas das maiores questões sociais e trabalhistas. Ambos foram reflexos do
direcionamento do planejamento econômico e da queda dos investimentos públicos
nessas esferas. E a própria questão do financiamento dos projetos foi por si só um
grande entrave para a sociedade e o sistema produtivo brasileiro no geral. Meios
possíveis de captação de recursos e financiamento disponíveis na época:
14
“(...) aumento das exportações através de uma reforma cambial que corrigisse a
sobrevalorização da moeda nacional; aumento da poupança, forçando a acumulação
interna de capital através da diminuição do consumo; aumento da arrecadação pública
através de uma reforma tributária; capital estrangeiro através da obtenção de créditos no
exterior e investimentos diretos de empresas multinacionais; aumento das emissões de
papel-moeda, elevando as taxas de inflação.” (BRUM, 1998, pág. 239).
Destes, os instrumentos mais recorrentes para que se alavancasse recursos para
as metas foi a emissão pura e simples de moeda pelo Banco Central – o que
desencadeou uma espiral inflacionária no contexto, uma das piores características do
governo de Juscelino. Contudo, segundo Brum, o presidente acreditava e já previa no
seu planejamento a “inflação desenvolvimentista”, sendo o problema em questão visto
como reflexo e mazela justificável do Plano de Metas. “Seguia, de forma simplificada, a
tendência estruturalista da CEPAL que ‘afirmava que a industrialização de economias
subdesenvolvidas só é possível com certo nível de inflação administrada. ’” (CAMPOS,
1995, pág. 271, apud BRUM, 1998, pág. 239). Além, o endividamento externo, outro
meio largamente utilizado para a obtenção de verbas, provocou deterioração no saldo de
transações correntes. Os empréstimos, segundo Brum, teriam sido orientados à
construção de obras públicas de infra-estrutura, como rodovias e redes de telefonia, ao
passo que os investimentos diretos das empresas multinacionais direcionaram-se
especialmente para a fundação das indústrias de bens de consumo duráveis e expansão
destas. Como resultado, em termos de um balanço geral final, a dívida externa brasileira
alcançou o montante de 3,9 bilhões de dólares em 1960 (BRUM, 1998, pág. 240), ao
passo que a amortização e o pagamento dos juros passaram de 11,6% em do valor das
exportações nacionais, em 1955, para 36.6%, no ano de 1960. (BRUM, 1998, pág. 241).
Se contra a inflação tentava-se algum controle, visto o esforço na tentativa de dar
alguma margem de equilíbrio nas contas, ainda assim parecia ser ela um “cavalo difícil
de domar”. Como resultado, “o desequilíbrio das contas externas acabou provocando
uma crise cambial nos últimos anos do mandato.” (BRUM, 1998, pág. 241).
O autor afirma que essa linha de pensamento induziu o governo a usar da
inflação como instrumento de poupança forçada – indispensável para o investimento e
crescimento da atividade produtiva em escala industrial – por meio do confisco salarial.
Por fim, outro dado que caracterizou o governo JK em maus termos, segundo Gremaud
e co-autores (2002, pág. 381), foi a concentração de renda que se deu em função do
15
desestímulo à produção agrícola, ao passo que os setores industriais e de tecnologia
foram largamente beneficiados no período.
Comprimindo o pensamento de Gremaud e seus colegas, pode ser feita uma
definição mais concisa e breve do que tenha representado o governo de Juscelino
Kubistchek e seu Plano de Metas enquanto elemento histórico para o Brasil e enquanto
modelo de política econômica. Apesar de no período de 1955 a 1960 a transformação de
a atividade produtiva brasileira ter se dado de forma latente e acelerada, fazendo ampliar
a atividade industrial no país, ocorre também por sua vez o recrudescimento das
contradições já citadas dos Planos de Substituição de Importações, mesmo que o
objetivo do Plano de Metas fosse muito mais ambicioso e com um alcance e resultado
final muito mais amplo, pois segundo os autores, “a interação entre os diferentes setores
e subsetores da economia brasileira que passam a ditar o ritmo de uma economia que já
está no final dos anos 50 muito mais madura e integrada.” (GREMAUD et al, 2002,
pág. 381).
Já Argemiro Brum trata a conclusão de seu pensamento com os resultados finais
do Plano de Metas. Apesar da mediocridade na agricultura e na educação, o autor
aponta crescimento médio do Produto Interno Bruto nacional como tendo sido por volta
de 8% e da renda per capita em torno de 5% no período JK, frente às respectivas taxas
nos patamares de 6,5% e 3,6% nos anos anteriores. Os setores mais beneficiados com
crescimento foram o da indústria automobilística, a siderurgia, o ferro e o alumínio, a da
construção naval, do cimento, da pavimentação e da construção de rodovias, do material
elétrico e da energia elétrica, da petroquímica, do papel, das máquinas e bens de capital
no geral, dos álcalis e dos transportes aéreos, dentre outros exemplos citados pelo autor.
Mais especificamente, “entre 1955 e 1961 a produção industrial cresceu 80% (em
preços constantes) com as porcentagens mais altas registradas pelas indústrias de aço
(100%), indústrias mecânicas (125%), indústrias elétricas e de comunicações (380%) e
indústrias de equipamentos de transporte (600%).” (SKIDMORE, 1967, apud BRUM,
1998, pág. 241). O crescimento industrial verificado no período gerou efeito
multiplicativo, sendo também decisivo para a compreensão do surgimento de novos
empreendimentos econômicos no ramo industrial, comercial e de serviços. Verificou-se
também aumento da empregabilidade e mesmo da demanda por mão-de-obra
qualificada. Os cinco anos da presidência de Juscelino Kubistchek inseririam o Brasil na
16
rota da produção de bens de consumo duráveis, como os automóveis e eletrodomésticos.
(RODRIGUES, 1992, Pág. 69)
Explicado e ilustrado os cinco anos de governo de Juscelino Kubistchek, com o
auxílio de Argemiro Brum (1998), de Marly Rodrigues (1992) e de Gremaud,
Vasconcellos e Toneto Júnior (2002), vamos avançar agora para a compreensão da
política externa adotada pelo governo JK. Serão abordados alguns elementos de
destaque para a compreensão deste condicionante que auxilia o estudo do rompimento
entre Juscelino Kubistchek e o Fundo Monetário Internacional.
A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DO PERÍODO JK
Assim como a lógica do desenvolvimentismo no Brasil, a política externa
brasileira conheceu transformações e particularidades que a destacam dos demais
setores políticos nacionais até hoje. Getúlio Vargas inicia uma nova posição brasileira,
voltada para o pragmatismo e que viria na trilha do americanismo do Barão de Rio
Branco; seu sucessor, Gaspar Dutra, radicaliza esta postura e adota a visão “o que for
bom para os EUA é também bom para o Brasil”; Juscelino viria no vácuo de seu
antecessor, Café Filho, e teria grande afinidade com o capital externo – diferença
substancial ao programa de Vargas.
Segundo Luiz Amado Cervo (2002), a tolerância à participação do investimento
estrangeiro na atividade produtiva brasileira se verifica já no governo Café Filho, que
consegue um empréstimo de US$200 milhões junto ao governo americano – mesmo que
este julgasse que a responsável pelo crédito devesse sempre ser a iniciativa privada.
Paulo Fagundes Vizentini (1994), ao estudar o período de 1951 a 1964 como um todo,
não se furta a comparar as características dos governos de Juscelino Kubistchek com o
de Getúlio Vargas, e também com os posteriores Jânio Quadros e João Goulart,
formuladores do que se chama Política Externa Independente – segundo o autor, em
conjunto, esses presidentes gerariam uma relação de continuidade na condução das
Relações Exteriores. O vislumbre da política externa como instrumento de
desenvolvimento econômico se iniciou ainda no governo de Getúlio Vargas, em
detrimento da tendência de esforço de inserção do Brasil no hemisfério ocidental ao
lado dos EUA, que caracterizou a primeira metade do século XX.
17
Com a posse de Kubistchek, a cooperação internacional ganha um contorno
ainda maior. Reconhecendo a importância do capital externo para o seu projeto
econômico e também demandando parcerias que viabilizassem a transferência de
tecnologia, ao mesmo tempo em que convivia com vizinhos imersos na tendência
antiamericana e ultranacionalista, JK enxergaria uma janela de oportunidades para que
tomasse a dianteira de facilitar o diálogo entre Washington e a América Latina e poder
receber maiores investimentos americanos ao projetar uma posição de destaque de seu
país na região. Segundo Cervo, seria este o momento em que a PEB mais se voltou para
o cenário global no século XX, ao lado de formulações teóricas como as da CEPAL e da
Escola da Teoria da Dependência, de que JK retiraria argumentos como o da
deterioração progressiva dos termos de troca entre os países centrais e os periféricos
(CERVO, 2002, Pág. 287), além da percepção de que a estrutura mundial impedia o
progresso latino-americano, que a região se encontrava em estágio de
subdesenvolvimento e que constituía periferia do sistema mundial (WEISS, 2003, pág.
109). Mesmo assim, a idéia de uma barganha nacionalista para se chegar a relações
privilegiadas com os EUA seria herdada do período de Getúlio Vargas por JK
(VIZENTINI, 1994, Pág. 25) e, como apresentaria Raúl Prebisch para o contexto
regional, a responsabilidade do desenvolvimento da América Latina era de Washington
(PREBISCH, 1969 apud WEISS, 2003, pág. 110).
Vizentini (1994) descreve o período da década de 50 como um momento de
novas demandas para a política externa, ainda que os EUA permanecessem em destaque
para o governo brasileiro. Muito em parte influenciado pelo andamento e pelos
resultados das políticas públicas de Vargas, pelo Programa de Substituição de
Importações e subseqüentemente do Plano de Metas, observava-se “a afirmação de uma
burguesia industrial, de segmentos médios urbanos, de uma jovem classe operária e
outros trabalhadores urbanos e rurais” (VIZENTINI, 1994, Pág. 25, §3°), que
configuravam uma crescente participação popular e forçavam a transformação do
sistema político nacional como um todo. Os esforços por desenvolvimento – e por uma
política externa desenvolvimentista – obrigariam os presidentes desse período a buscar
cooperação internacional. E no ponto da cooperação, Cervo (2002) e Vizentini (1994)
concordam, embora cada um veja o tratamento dado pelo Brasil aos EUA com enfoques
diferentes. Porém, o primeiro privilegia a relação sul-sul da época, enquanto esse
aspecto do contexto é considerado secundário pelo segundo autor.
18
O entendimento da necessidade de cooperação mais ampla, de acordo com o
pensamento de Cervo (2002), impulsiona Juscelino a lançar a Operação Pan-Americana
(OPA), movimento que se caracterizou pela pressão sobre os Estados Unidos por
financiamentos a projetos públicos na América Latina. Entre os vizinhos das Américas
do Sul e Central JK encontraria apoio, já que estes atravessavam um momento de forte
exacerbação nacionalista, de antiamericanismo e, sobretudo, de luta antiimperialista. As
relações entre os Estados Unidos e os latino-americanos precisavam ser reformuladas;
estariam travadas em impasses enquanto houvesse a percepção de descaso dos primeiros
em relação ao subdesenvolvimento dos últimos.
“O preço de matérias-primas caiu de modo constante depois de 1954, reduzindo a
receita de exportações e demonstrando o absurdo da teoria norte-americana de que o
aumento da atividade comercial resultaria em desenvolvimento econômico. (...) os EUA
apelavam aos princípios de mercado livre somente quando não envolvia os seus
próprios interesses.”
(WEISS, 2003, pág. 114, §3°).
Tendo clareza das idéias acima, que induziam a América Latina a se posicionar
de forma divergente aos EUA, Juscelino se manifesta oficialmente:
“A aceleração do progresso econômico das nações que, como a nossa, emergem do
estágio do subdesenvolvimento, depende, em grande parte, da cooperação internacional,
da intensificação dos contatos de toda ordem, do harmonioso intercâmbio comercial, da
canalização de um maior fluxo de investimentos estrangeiros e do incremento da
assistência técnica, do aumento do valor e do volume das exportações (...).” (Discurso
de JK, RBPI, 6:116-123, 1959 apud CERVO, 2002, pág. 289).
Contudo, não é sensato pensar as reivindicações nacionalistas de Juscelino
contra a política externa americana como uma posição de esquerda e nem tampouco
revolucionária. A bandeira que empunhava era do desenvolvimento regional contra o
avanço da ideologia revolucionária no continente – sendo, portanto, ideologicamente
conservador. A novidade da OPA era justamente um esforço de ‘transformar a América
Latina em aliado do mundo ocidental e não se constituir o proletariado deste’ – a
despeito de seu caráter mais amplo do que estritamente a dimensão econômica, o
movimento advogava como causa maior a incompatibilidade entre democracia e
pobreza (CERVO, 2002, pág. 291). Para Vizentini (1994), a OPA teria significado,
sobretudo, a retomada da tática de barganha com Washington. O autor destaca que o
retorno da Europa Ocidental à corrida comercial internacional favoreceria não só a
19
barganha da política externa juscelinista, como o próprio Plano de Metas enquanto
demandante de capitais externos (VIZENTINI, 1994, pág. 27).
No seio da OEA, o movimento foi acolhido por vinte e um membros,
assessorado pelos estudos da CEPAL e de outros organismos que apontavam as
necessidades de aplicação de capitais privados nas áreas mais atrasadas da América
Latina e do aumento da disponibilidade de crédito nas entidades multilaterais, do
fomento à formação de mercados regionais e do fortalecimento dos programas de
assistência técnica, tendo os capitais públicos a função de financiar os setores
econômicos básicos e infra-estruturais (CERVO, 2002, pág. 290-293).
Com a revolução cubana de 1959, Washington passou a dedicar mais de sua
política externa aos vizinhos latino-americanos. E concretizou sua atenção pela criação
do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID – que esvaziou todo o
planejamento e as aspirações da Operação Pan-Americana de JK. A resposta latino-
americana foi a subseqüente criação da Associação Latino-Americana de Livre
Comércio (ALALC), pelo Tratado de Montevidéu de 1960, assinado por Brasil e outros
países sul-americanos. O objetivo era de gerar estabilidade política e obviamente
fomentar o intercâmbio comercial entre seus membros, bem como partilha dos
programas de substituição de importações, aumento de produção, inovações e progresso
técnico.
No que tange somente o contexto da política externa brasileira, separada da
confluência com os demais vizinhos da América Latina, cabem algumas considerações.
É interessante uma visita breve à história da Comissão Mista Brasil - Estado Unidos
para o Desenvolvimento Econômico. Não existia mais quando da posse de Juscelino,
mas foi vital para a PEB de Vargas (entendido como antecessor de JK na rota do
desenvolvimentismo). Dela, seriam extraídos vários conceitos importantes como o de
‘indústrias de base’ e ‘gargalos estruturais’, além de propostas que seriam continuadas
no Plano de Metas – inclusive antecipando a necessidade de capital externo e de
investimentos públicos que marcariam o governo Kubistchek. “(...) A JBUSEDC foi
uma precursora necessária das Metas.” (WEISS, 1986, Pág. 75, §3°).
De acordo com Michael Weiss (1986), fracassou enquanto instrumento de
aproximação com os EUA, mas bem-sucedido em termos técnicos: o Brasil completou,
entre 1951 e 53, os 42 projetos da Comissão, com destaque para a criação do Banco
Nacional do Desenvolvimento, o BNDE. Os recursos provinham majoritariamente do
20
Eximbank americano, mas contou com apoio do BIRD – ambos sujeitos às
recomendações do FMI – e, isoladamente, de bancos europeus.
Contudo, o trato dos Estados Unidos e do Banco Mundial significou descaso,
especialmente quando das reivindicações por maiores financiamentos. Tendo, na época,
encampado a sua política externa como reação pós-New Deal e vaticinando em favor da
ortodoxia econômica, os EUA pouco estiveram abertos às demandas brasileiras – e
latino-americanas em geral –, mesmo que houvessem concordado com a criação da
JBUSEDC (que, por sua vez, nem sempre era ouvida pelo governo americano).
Agravava o problema a percepção estadunidense de que a vizinhança estivesse segura
de qualquer “contaminação ideológica” e de que a Europa ocidental fosse mais frágil
em termos de ameaça à segurança militar – daí o despejo de bilhões de dólares nas
economias do velho continente. Para a América Latina, eram empurradas não só a idéia
dos investimentos privados oriundos das empresas sediadas nos EUA, mas também uma
lista de recomendações que as favorecessem e que continham “inflação baixa, a moeda
estável, incentivos fiscais, entrada e saída fáceis para o capital” (WEISS, 1986, pág. 59).
Ainda assim, “as empresas americanas não estavam investindo tanto quanto era
desejado pelo Brasil e, desta maneira, retardavam o desenvolvimento.” (WEISS, 2003,
pág. 114).
Os choques progressivos entre as posições dos principais financiadores e a do
Brasil, em vários momentos, contribuíram sobremaneira para o enfraquecimento da
câmara e deterioração das relações entre o Brasil e os EUA. O descaso com os
interesses brasileiros e a pressão do governo americano, do BIRD, do EXIM e do FMI
por medidas de austeridade e suspensão do regime de taxas múltiplas de câmbio seriam
respondidos com o rompimento final com o Fundo – JK optaria pela política que
garantia sua popularidade.
“EXIM cobrou mais do que emprestou na América Latina. Nesses anos (1954 e
1955), o Brasil recebeu somente US$ 4 milhões em empréstimos do EXIM
para desenvolvimento e nada do BIRD, por causa da instabilidade política, a
inflação e o balanço de pagamento desfavorável. O EXIM abriu suas portas ao
Brasil outra vez em 1956 e o BIRD fez o mesmo em 1958, mas não tanto
quanto o Brasil desejava.” (WEISS, 2003, pág. 116, §1°).
Em outras linhas, a despeito de o desenvolvimentismo juscelinista residir
igualmente na PEB, o café, principal produto primário-exportador brasileiro, recebeu
atenção especial do presidente, que enxergava na venda do grão a receita que geraria a
21
capacidade de importação do Brasil – para isso, JK buscou acordos internacionais que
favorecessem o café brasileiro e novos mercados para ele, além de se utilizar de
subsídios e mesmo a retenção de safra. Com isso, um superávit de US$ 40 milhões foi
registrado na balança comercial brasileira no ano de 1959. (CERVO, 2002, Págs. 289 –
297).
Mencionando-se o FMI, é importante também levantar alguns pontos acerca da
relação entre este e o Brasil. O que mais aproximaria o governo de JK das
recomendações ortodoxas seria o trato de liberdade de circulação de capitais externos no
país. Atitude tipicamente liberal de isenção da inferência do governo brasileiro nesse
setor econômico, significava para o presidente a confiança internacional na situação
política e econômica do país naquele momento, e com o saldo de US$ 150 milhões
nesse setor em 1959 não haveria estímulos contrários à postura (CERVO, 2002, pág.
289).
Porém cabe destacar que somente no trato ao capital externo JK e FMI
concordavam. Ademais, a heterodoxia juscelinista encontrava oposição naquela
instituição, que em face à solicitação de empréstimos em 1958 por conta de desfalques
da ordem de US$300 milhões do Balanço de Pagamentos brasileiro, reagiu da seguinte
forma:
“O FMI exigia um programa de austeridade com crédito de bancos brasileiros
mais restrito, cortes drásticos em gastos governamentais, e um política de
comércio externo liberalizada que incluía a eliminação do sistema de taxas
múltiplas para o câmbio e a implementação de subsídios para a importação de
petróleo e trigo.” (WEISS, 2003, pág. 125, §2°).
Naquele momento, o Brasil conseguiria do Fundo o montante de US$37,5
milhões e mais US$158 milhões com o EXIM e fundos privados, através de um
programa elaborado pelo Ministério das Finanças e pelo BNDE, respectivamente de
Lucas Lopes e de Roberto Campos. (WEISS, 2003, págs. 126-129). Segundo
documento oficial do FMI, datado de 1958, o governo brasileiro se comprometeria a
conter gastos públicos e deixar de investir 135 bilhões de cruzeiros, limitando seu
déficit à casa de 20 bi para aquele ano. Também não permitiria que a oferta de crédito
crescesse mais que 5% para o setor não-bancário, reveria seu sistema de múltiplas taxas
de câmbio, reajustando as taxas preferenciais de forma que se gerasse equilíbrio, e
limitaria a exportação de café a 15 milhões de sacas, tolerando que até oito milhões
delas não fossem recompradas. Além, deveria estar em constante diálogo com o Fundo
22
enquanto os US$ 37,5 mi do SBA requerido fossem gradualmente resgatados. A cota de
participação do país era, na época, de US$150 mi. (IMF: 1958 SR REQUEST FOR
SBA, EBS/58/25, Suplemento I de 27/05/1958 e Suplemento II de 02/06/1958).
Assim, deparando-se com recomendações que desfavoreceriam suas metas e
motivado pelo descaso do organismo para com o desenvolvimento brasileiro, Juscelino
Kubistchek anunciaria o rompimento entre o seu governo e o Fundo Monetário
Internacional em junho de 1959. Entretanto, com os temores americanos sobre os efeitos
regionais da Revolução Cubana daquele mesmo ano, o Brasil consegue um empréstimo
junto à instituição no valor de cerca de US$ 48 milhões, não sendo submetido à política
econômica do FMI. (CERVO, 2002, pág. 297).
Cabe aqui uma reflexão final: a participação do Fundo no provimento de capitais
para o financiamento público de projetos do governo JK não foi a principal fonte e pode
ser considerada irrisória perto do montante total fornecido por outros mecanismos –
sozinho, o Eximbank americano enviaria mais de US$850 milhões ao Brasil entre 1940
e 1959, por exemplo. Assim, é possível conceber o rompimento, sobretudo como fato
emblemático da falta de compasso entre o ideal desenvolvimentista da América Latina e
o tratamento dado a esta região pelos Estados Unidos, maior participante nos recursos
do Fundo e principal guardião e advogado do liberalismo ortodoxo até hoje (ainda que a
crise global force o governo americano atual a optar por medidas heterodoxas).
As reivindicações por capitais e desentendimentos entre aquele país e o Brasil se
refletiriam decisivamente na condução da Política Externa Brasileira pós-JK, que de
forma genérica se marcou ora pelo predomínio do não-alinhamento, ora pelo diálogo
sul-sul e ora pela retomada da bandeira desenvolvimentista.
O FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL
Alcides Pedro Sabbi (1991), por meio do seu O que é FMI nos ajuda a
compreender como se constitui e funciona o órgão comumente conhecido como
“guardião” da ortodoxia liberal, e para alguns, como Danilo Rothberg (2005) – autor de
O FMI sob ataque – também guardião dos interesses monopolistas dos Estados Unidos
da América. Com auxílio de documentos gentilmente fornecidos por Eduardo de Castro,
atual analista do FMI, será possível compreender melhor a mecânica do órgão e a sua
relação com o Brasil no momento em questão.
23
Criado no seio do sistema das Nações Unidas, não é possível entender
plenamente como nasceu essa instituição sem entender os seus propósitos originais e
dos seus dois “irmãos de Bretton Woods”: o Banco Mundial e o Acordo Geral de
Tarifas Alfandegárias e Comércio – GATT (hoje substituído pela OMC, a Organização
Mundial do Comércio). O escopo institucional das organizações mencionadas foi
definido na conferência de Bretton Woods, Nova Hampshire, EUA, em julho de 1944.
A ocasião era continuação das negociações entre Estados Unidos e Reino Unido, que
vinham acontecendo desde 1941. O objetivo dos dois países: “estruturar uma nova
ordem econômica para o pós-guerra” (SABBI, 1991, pág. 11).
Já fragilizada desde o fim da Primeira Grande Guerra, a ordem econômica
internacional precisava ser repensada, reconstruída, refeita, e replanejada. Na
conferência, duas posições se chocavam: a proposta britânica do economista John
Maynard Keynes e a americana formulada pelo técnico do Tesouro Americano, Harry
Dexter White.
O primeiro propunha a criação de uma “União para Compensações
Internacionais”, que funcionasse como um grande Banco Central Internacional e
regulasse os bancos centrais nacionais, sendo também capaz de gerar recursos e créditos
suficientes para dar aporte ao comércio internacional. Essa instituição, com capital de
aporte de 25 bilhões de dólares, seria responsável por conceder também um número
limitado de empréstimos direcionados à correção dos problemas de Balanço de
Pagamentos dos países sem, contudo, intervir na política doméstica deles de forma
extensa. Os Estados superavitários fariam depósitos na União, gerando financiamento
para que os deficitários pudessem equilibrar seus Balanços de Pagamentos.
Contudo, aprovou-se a criação de um “Fundo de Estabilização”, que funcionasse
como uma agência de distribuição de dinheiro entre as nações. Com o capital de US$8,8
bilhões, insuficiente para gerar equilíbrio financeiro entre os membros e para controlar
as transações comerciais internacionais, entra em funcionamento o Fundo Monetário
Internacional, sediado em Washington. Tendo como moeda-padrão internacional o
dólar, os países deficitários tiveram de suportar com esforço os custos dos ajustes em
seus BPs. Isso abriu imensa margem para que o Fundo se sentisse livre para ingerir na
regulação da atividade produtiva das nações que demandassem de seus empréstimos. A
seguir, serão apresentadas de forma breve e sucinta as funções desempenhadas pelo
FMI.
24
ANATOMIA INSTITUCIONAL E FUNÇÕES DO FMI
A sua função mais conhecida e tradicional é de fato auxiliar casos de desfalques
no balanço de pagamentos com recursos a emprestar aos países com tais problemas.
Porém, fora fundado com o objetivo de gerar estabilidade das taxas de câmbio entre as
relações comerciais dos seus membros, de acordo com Sabbi. Lembra o autor de uma
definição importante: “Estabilidade cambial significa o equilíbrio na conversão do valor
da moeda de um país para o valor equivalente da moeda de outro país” (SABBI, 1991,
pág. 15) – donde se emenda um interessante dado histórico: “Essa estabilidade foi
sustentada, de 1870 ao início da Primeira Guerra Mundial, pelo padrão-ouro, respaldado
pela Inglaterra. O ouro servia como meio de pagamento no comércio internacional e o
poder de compra dos países era baseado no volume de ouro que possuíam.” (SABBI,
1991, pág. 15).
Alcides Sabbi (1991) também atribui ao Fundo a tarefa de fomentar a
cooperação financeira e econômica entre os membros. Obviamente, isso quer dizer o
combate ao protecionismo, aos subsídios e às restrições de mercados, comuns no
contexto de sua fundação e que geram controvérsias até hoje, além de serem
“problemas” para a agenda tradicionalmente ortodoxa do FMI. Tarifas alfandegárias
mais pesadas, recorrentes no governo Juscelino Kubistchek, estariam na mira da
instituição, notoriamente favorável ao livre-comércio internacional sem regulações.
Mas a função mais controversa e que mais inspira uma literatura crítica ao
Fundo Monetário Internacional é de prover meios de elevação do nível de emprego e
renda e da qualidade de vida da população dos países-sócios. Curioso, pois são
conhecidas algumas das políticas recomendadas pelo Fundo que têm caráter recessivo
traduzidas em elevação das taxas de juros que limitam o fornecimento de crédito e nos
arrochos salariais, que reduzem demanda e poder de compra.
Voltando a Danilo Rothberg (2005), a despeito de escrever uma obra que reúne
essencialmente críticas à instituição, apresenta uma grande lista de afazeres oficiais do
fundo e de tipos de empréstimos que pode realizar. Fornece uma segunda opinião acerca
do FMI, inclusive mais atual que a de Alcides Pedro Sabbi (1991).
De acordo com esse autor, entrando formalmente em operação ao primeiro dia
de março de 1947, o FMI surge como credor oficial das devastadas economias européias
do pós-guerra, no âmbito do Plano Marshall. Secundariamente ao contexto, mas
25
primariamente na atualidade, o fundo objetiva estabelecer o crescimento global
ordenado.
Para tão notável empreitada, o Fundo operaria no sentido de fomentar
cooperação monetária internacional; na prestação de consultoria e supervisão técnica
aos países nos momentos de crise; no incentivo à expansão do comércio internacional
de forma balanceada, inclusive buscando eliminar restrições comerciais; na promoção
da estabilidade cambial e, fundamentalmente, no empréstimo de reservas internacionais
aos países que necessitem corrigir seus balanços de pagamentos.
Obviamente, não estão ausentes os critérios que regerão os valores de
empréstimos que cada Estado pode tomar. Cada membro da instituição possui uma cota
específica de participação, com contribuição em determinada quantidade de reservas por
meio da qual será estipulado o teto de financiamento passível de ser emprestado. Tais
contribuições se medem em SDRs (Special Drawing Rights), vinculados ao peso médio
do dólar, do euro e do iene japonês.
Os vários tipos de programa de empréstimos oficiais do fundo trazem consigo
diferentes requisitos e mesmo diferentes prazos específicos de pagamento – uma vez
que cada tipo considera também distintos tipos e urgências de crises.
Os Stand-By Arrangements (SBAs) são oferecidos aos países em caso de
problemas temporários em seus balanços de pagamentos, com a condição de que
mantenham determinados níveis de atividade econômica, pagando o empréstimo em até
cinco anos. Foi o tipo solicitado por Alkmin, então ministro das Finanças de Juscelino,
entre os anos de 1957 e 58. (BOJUNGA, 2001, pág. 528)
Para contextos mais graves, de “distorções generalizadas entre custos e preços”
(IMF, 2001.d, apud ROTHBERG, 2005, pág.), há o tipo de financiamento chamado de
Extended Fund Facility (EFF). Característico dos países que sofrem com graves
problemas de estrutura produtiva e comercial, deve ter como contrapartida políticas
econômicas e financeiras, e com prazo de pagamento para até uma década.
São também oferecidas linhas de crédito complementares aos SBAs e aos EFFs,
como a Supplemental Reserve Facility (SRF), bem como um específico para países de
política econômica sólida, todavia afetados por crises internacionais, o Contigent Credit
Lines (CCL). Além, para Estados em crises oriundas de conflitos ou desastres naturais
há o Emergency Assistance; e para os países pobres e endividados há o Poverty
26
Reduction and Growth Facility (PRGF), com juros reduzidos e extensão de prazo de
pagamento.
Aqui se encaixa uma nota importante: as condições impostas por alguns
programas de empréstimos são políticas conhecidas como ortodoxas. Segundo Luiz
Carlos Bresser Ferreira, em artigo escrito ao jornal O São Paulo (28/11 – 04/12/80), elas
são:
“a) liberar a taxa de câmbio (desvalorizando mais o cruzeiro – então moeda nacional –
estimulando a exportação e desestimulando a importação): (b) liberar: os preços
(acabando com os tabelamentos e controles do CIP) e principalmente (c) liberar os juros
(fazendo com que o seu aumento desestimule os investimentos e ajude a levar a
economia à recessão). Quanto aos salários, pela lógica também deveriam ser liberados,
mas, segundo a receita, devem ser controlados e reduzidos.” (BRESSER-PEREIRA, A
lógica da política econômica ortodoxa, O São Paulo, 28/11/ 1980)
Voltando ao pensamento de Sabbi (1991), encontramos mais elementos de
descrição das características institucionais do Fundo Monetário Internacional. Segundo
o autor, os recursos que compõem os cofres do Fundo provêem principalmente de
quotas subscritas pelos Estados-membros (via Direitos Especiais de Saque – DES, que
serve de medida de “moeda institucional” desde 1969, com paridade aproximada com o
dólar e compõe as quotas de participação dos Estados), ou pelos empréstimos de
governos de países e até por organizações – é citada a Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP; pág.17), sendo possível também captação de fundos
no sistema financeiro privado. Os diversos tipos de empréstimo são condicionados e
proporcionais às quotas.
Marca da instituição considerada vergonhosa por Sabbi (1991) seria uma
controversa atuação de contribuir muito menos com os países pobres – aqueles que mais
demandam recursos e mais precisam de fundos para corrigir seus BPs – do que com os
mais ricos. Importante sublinhar que até 1960 – justamente o período em que Juscelino
Kubistchek ocupou a presidência – o FMI concedia dois terços de seus recursos para os
países mais desenvolvidos, deixando apenas um terço a uma imensa maioria de Estados
subdesenvolvidos – dentre eles, o Brasil desenvolvimentista de JK (SABBI, 1991, pág.
20). Mesmo em uma tentativa de entendimento e concordância com a austeridade, JK
veria dificuldades de conciliação política. O plano ortodoxo de Lucas Lopes e Roberto
Campos, de 1958, surtia efeito econômico lento e político desfavorável, voltando contra
27
o presidente a impopularidade, forçando-o a se reposicionar frente ao seu
comportamento.
“Depois de um esforço final, sem êxito, de ultrapassar a intransigência do FMI para um
esforço sério de estabilizar e depois de um apelo direto aos EUA, no dia 9 de junho
Kubistchek terminou as negociações com o FMI. No fim, a inflação causou menos
estragos políticos do que a estabilização.” (WALLERSTEIN, 1980 apud WEISS, 2003,
pág. 128).
ORTODOXIA E DESENVOLVIMENTISMO: DIÁLOGO CONFLITANTE
Marly Rodrigues (1992) traça considerações que pesam contra o Plano de Metas
e a dívida externa que seu financiamento deixaria como legado aos presidentes
posteriores – e que geraria necessidade de financiamento externo. O governo JK
experimentou crise orçamentária derivada da inflação com média de 20% ao ano,
originária das despesas públicas e da queda do preço dos produtos de exportação e que
geraria desfalques no Balanço de Pagamento brasileiro.
Criado para auxiliar os países a solucionarem tais questões, o Fundo Monetário
Internacional seria assediado pelo presidente brasileiro, atrás de recursos. Tal opção de
crédito seria aventada por Lucas Lopes, ministro das Finanças nesse momento
específico, e seu Plano de Estabilização Monetária (PEM), consonante com a ortodoxia
– seu antecessor, José Maria Alkmim, era contrário à política do Fundo.
Como de praxe, sendo a situação do país não uma emergência por catástrofes ou
qualquer ocasião que demandasse fundos especiais, o FMI entregaria seu receituário
ortodoxo. Segundo Marly Rodrigues (1992), a obtenção do crédito frente a esta
instituição abriria brechas para a ingerência externa na economia nacional. “O limite da
intervenção externa é marcado pela soberania da nação, o que lhe reserva o direito de
decidir. O direito à decisão é invocado por JK por ocasião do rompimento com o FMI.”
(RODRIGUES, 1992, Pág. 63). Além, como o próprio Roberto Campos admite, era
“irrealista a insistência [do Fundo] na simultaneidade das medidas internas monetárias e
fiscais e a desvalorização cambial”. (BOJUNGA, 2001, pág. 529).
Como descrito pontualmente por Bresser-Pereira (1980), as políticas que o
governo deveria adotar em contrapartida combateriam as ações de antes –
28
comprometendo enfim os objetivos e o andamento do Plano de Metas. Caso fosse
adotado o planejamento ortodoxo, o crescimento econômico e a expansão industrial
teriam sido freados, pois se constituiria um período de recessão, caracterizado pelo
arrocho salarial – prejudicando a renda nacional –, pela queda da participação do Estado
na incipiente e vulnerável economia nacional do contexto e também nos serviços
básicos aos quais o governo se presta, mesmo que em JK parte desses aspectos fossem
pouco marginalizados. O governo também seria forçado a elevar a tributação,
prejudicando mais uma vez a renda da iniciativa privada e constrangendo o
investimento, fundamental para a expansão produtiva. Seriam barrados em parte os
importados, essenciais para atender a já estimulada demanda e principalmente para
compor parte dos insumos e complementos industriais básicos – maquinário estrangeiro
foi um gênero especialmente relevante na pauta de importações nacionais, dentro da
lógica de substituição de importações. De acordo com Marly Rodrigues (1998), a lógica
do PEM seguia essa linha e se tornaria impopular, especialmente por forçar alta
generalizada nos preços (pág. 68).
A receita governamental aumentaria, porém ao custo da redução do poder de
compra da população e da capacidade de produção. Os juros em alta favoreceriam um
seleto grupo de ‘jogadores’ do mercado financeiro, mas reduziriam a oferta de crédito
para o consumidor comum, visando retrair demanda. Esta por sinal faria reduzir o
tamanho do mercado nacional, justamente o entrave que o Plano de Metas buscava
imediatamente solucionar. Certamente, o custo sócio-político seria alto demais para que
o presidente se dispusesse a tentar equilibrar as contas do Estado nesses moldes.
Associando as contribuições de Bresser (1980), Sabbi (1991) e Rothberg (2005)
no que tange a economia ortodoxa, e resgatando Brum (1998) e Gremaud e co-autores
(2002) no que é dito a respeito das características do Plano de Metas, é visível que não
só o nacional-desenvolvimentismo e a ortodoxia se mostraram irreconciliáveis naquele
momento, tornando diametralmente opostas as ações políticas de um e de outro.
A participação do Estado na economia foi imprescindível para o andamento do
plano – além de constar do pensamento cepalino, sem a inferência dele principalmente
no provimento de infra-estrutura, é de supor que o país careceria de boas redes de
telefonia, de energia elétrica e de rodovias, fundamentais para a consolidação da
indústria nacional. Principalmente, a ausência da contribuição do governo para as
indústrias que surgiam teria provavelmente gerado efeito que dificultaria o cenário atual
29
brasileiro, de ser um dos principais parques industriais do mundo e potência emergente
no cenário global.
Não é impossível crer que o presidente teria pesado as possibilidades. A
inflação, que em alguma medida era prevista, mesmo tendo fugido um pouco ao
controle, deixava dúvidas se seria acertada em espaço de tempo curto; os efeitos sociais
previsíveis da ortodoxia, inseridos no momento em que o ‘motor’ da economia nacional
trabalhava com razoável eficiência, gerariam resultado adverso ao que se desejava com
o Plano de Metas.
Logo, enxergando o PEM e o receituário do FMI como freios às metas, JK
recusa o novo plano e rompe com o Fundo – não sem o apoio massivo das diversas
classes sociais que experimentaram progresso através do planejamento
desenvolvimentista, como o empresariado, os burocratas, os políticos, os sindicalistas e
até mesmo os militares, antes opositores do presidente. Na ocasião do anúncio de
rompimento, Juscelino teria dito: “Somos capazes de governar-nos (...). São os
brasileiros os responsáveis pelo Brasil.” (KUBITSCHEK, 1959 apud ROGRIGUES,
1992, Pág. 68).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo nos permite entender o fenômeno do rompimento, basicamente, por
três grandes enfoques distintos. Economicamente, emergiu um choque direto entre as
idéias da melhor forma de se conduzir o Estado frente à atividade produtiva.
Politicamente, a popularidade do presidente, o antiamericanismo e o nacionalismo
generalizado no país catalisaram o desentendimento entre o Brasil, os EUA e o FMI.
Historicamente, por fim, havia estímulos dos antecessores de JK a que este continuasse
a empreitada desenvolvimentista iniciada outrora com o PSI.
O aspecto da economia e do planejamento trouxe à luz o embate entre
desenvolvimentismo e austeridade. O primeiro faz referência direta ao trabalho de
governos como o de JK, e o segundo às medidas de estabilização – ao passo que os
objetivos não sejam necessariamente opostos, os instrumentos de um e de outro
produzem efeitos exatamente contrários. A adoção do planejamento desenvolvimentista
por Kubistchek foi fundamental para a consolidação do capitalismo brasileiro
contemporâneo. Além, choques entre pressupostos ocorreriam como, por exemplo, na
30
questão da iniciativa privada, que não poderia ser aplicada ao Brasil daquele momento
em moldes liberais.
“O Brasil (...) carecia de uma tradição liberal e sua classe empresarial, pelo seu
aparecimento tardio, seu tamanho reduzido e sua dependência tradicional da orientação
do estado em assuntos econômicos, era incapaz de guiar a nação ao desenvolvimento”.
(WEISS, 2003, Pág. 107, §2°)
Em um segundo prisma, a história da política nacional favoreceria o programa
de metas – e estaria ao lado do desenvolvimento contra a austeridade. Além de todo um
histórico iniciado em contexto anterior e tendo como precursores os trabalhos de
Getúlio Vargas como presidente e o Programa de Substituição de Importações, JK
construiu sua reputação por meio de sua obstinação em trazer desenvolvimento e
tecnologia. E ao passo que a pressão externa era pela agenda de estabilização e controle
inflacionário, cafeicultores e industriais ameaçavam ondas de quebradeiras como reação
a políticas de retração de crédito (BOJUNGA, 2001, pág. 529). Ao mesmo tempo, a
própria popularidade e a legitimidade caíam e, por fim,
“Juscelino começou a se dar conta de que seria inviável politicamente conter os salários,
o crédito e os gastos públicos ao mesmo tempo, para satisfazer as exigências
doutrinárias de uma agência que não estava desempenhando a missão para a qual fora
criada.” (BOJUNGA, 2001, pág. 529, §1°).
Por fim, explica em larga medida o rompimento a conjuntura da política
brasileira, tanto interna quanto externa. Ao passo que o desenvolvimento parecia “um
caminho sem volta” para os brasileiros, o antiamericanismo que florescia em toda a
América Latina e o desgaste experimentado pelas relações entre os Estados Unidos e a
região, além do fim da ilusão da relação especial Brasil-EUA, influenciaram muito o
rompimento, que no limite representa um choque aberto entre os desenvolvidos e os
subdesenvolvidos, especificamente entre um que fosse expoente da economia
internacional e outro que se esforçava em lançar bases para chegar ao mesmo status.
Weiss (2003) expõe conclusivamente o que representou, para a política externa, o
rompimento de 1959:
“Talvez o exemplo mais marcante da deterioração do relacionamento Brasil-EUA tenha
se dado em junho de 1959, quando o presidente Juscelino Kubistchek rejeitou um plano
de austeridade fiscal requerido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e apoiado
pelo governo dos EUA como pré-condição para continuar a assistência econômica. O
rompimento com o FMI foi o ápice de uma década de deterioração do relacionamento
Brasil-EUA e marcou o fim do esforço brasileiro em manter um relacionamento
31
especial baseado em cooperação econômica com os EUA.” (WEISS, 2003, Pág. 106,
§1°).
BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS
ROTHBERG, Danilo. O FMI sob ataque: Recessão global e desigualdade entre
as nações. 1. Ed. São Paulo: UNESP. 2005. 234p.
RODRIGUES, Marly. A década de 50: Populismo e metas desenvolvimentistas
no Brasil. 4. Ed. São Paulo: Ática. 1992. 85p.
GREMAUD, A. VASCONCELLOS, M.A.S, TONETO, R. Economia
Brasileira Contemporânea. 4. Ed. São Paulo: Atlas. 2002. 578p.
SABBI, Alcides. O que é FMI. 1. Ed. São Paulo: Brasiliense. 1991. 76p.
CERVO, Luís Amado. História da Política Exterior do Brasil. 2. Ed. Brasília:
UnB. 2002. 349p.
FONSECA, Celso Silva. Desenvolvimentismo e alianças políticas. Revista
Múltipla. Brasília, n.24, p. 9-37, jun. 2008.
BRUM, Argemiro. O desenvolvimento econômico brasileiro. 18. Ed.
Petrópolis: Vozes. 1998, p. 229-255.
BOJUNGA, Cláudio. JK, o artista do impossível. 1. Ed. Rio de Janeiro:
Objetiva. 2001. 800p.
MILLIKAN, M. BLACKMER, D. Nações em desenvolvimento. 3. Ed. Rio de
Janeiro: Fundo de Cultura. 1963. Cap.5. p.58-80.
32
VIZENTINI, Paulo Fagundes. O nacionalismo desenvolvimentista e a política
externa independente (1951-1964). Revista Brasileira de Política
Internacional. Brasília, n.37, p.24-36, 1994.
WEISS, W. Michael. A Comissão Mista Brasil - Estados Unidos e o mito da
‘Relação Especial’. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, n.2,
p.57-79, 1986.
WEISS, W. Michael. O Debate sobre desenvolvimento entre o Brasil e os EUA
na década de cinquenta. Revista Antropolitica. São Paulo, n.10. p.105-138,
jul.2003.
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A lógica da política econômica ortodoxa. O São Paulo. São Paulo, 28.11 a 04.12.1980. Disponível em <http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=3145>. Acesso: 4 jun. 2010.
INTERNATIONAL MONETARY FUND. Request for Stand-by
Arrangement – Brazil. EBS/58/25, Suplemento 1. Washington. 27 mai. 1958.
15p.
INTERNATIONAL MONETARY FUND. 1958 Consultations – Brazil.
SM/59/25. Washington. 17 abr. 1959. 90p.