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Jurisprudência da Terceira Turma
JURISPRUDÉNCIA DA TERCEIRA TURMA
HABEAS CORPUS N. 20.369 - SP (Registro n. 2002.0003925-6)
Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito
Impetrantes: Marisa Pisani Perez e outro
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Sílvio Carvalho Diniz
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EMENTA: Habeas corpus - Prisão civil - Alimentos - Acordo
homologado - Descumprimento - Execução de nota promissória contra a emitente - Genitora do devedor principal.
1. As Turmas que compõem a Segunda Seção já assentaram que a celebração de acordo nos autos de execução de alimentos, por si
só, não impede a efetivação da prisão civil do devedor se o mesmo não cumprir o avençado.
2. A execução da genitora do devedor principal, baseada em
nota promissória emitida por aquela como garantia do acordo celebrado nos autos da execução dos alimentos, igualmente, não impe
de a prisão civil do paciente, mesmo diante da nomeação de bens à penhora. Na hipótese presente, restou expresso no acordo que o seu descumprimento acarretaria a prisão civil e, por outro lado, na exe
cução proposta, a posteriori, contra a genitora do devedor principal não houve efetivo pagamento, prova de que já pagou, ou justifi
cação da impossibilidade do paciente fazê-lo. Apenas, se aceita a nomeação à penhora, o juízo estará garantido para efeito de oposição de embargos. A prisão civil, assim, permanece legal.
3. Habeas corpus indeferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Nancy
Andrighi, Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ari Pargendler.
Brasília-DF, 26 de março de 2002 (data do julgamento).
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
230 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Presidente.
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.
Publicado no DJ de 06.05.2002.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Os advogados Marisa Pisani Perez e Sildeni Batista Marçal de Andrade Giostri impetram o presente habeas corpus em favor de Sílvio Carvalho Diniz, buscando evitar a prisão civil do Paciente como devedor de alimentos. Alegam, para tanto, que:
"Foi proposta ação de execução de alimentos em face do Paciente, por sua ex-mulher, a fim de receber pensões alimentícias em atraso, referentes aos meses de agosto de 1998 a outubro de 1999, inclusive. Foi avençado e homologado acordo entre as partes, no qual houve novação da dívida, por Margarida Oliveira Diniz (genitora do Paciente), que emitiu duas notas promissórias no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) e R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a serem resgatadas em 10 de outubro de 2000 e 10 de dezembro de 2000, respectivamente. E, ainda, que a emissão das cártulas mencionadas não excluía a responsabilidade do Paciente no dever do cumprimento de sua obrigação alimentar e que o não-pagamento do acordo avençado daria ensejo à expedição imediata de novo mandado de prisão.
A Exeqüente requereu a expedição de mandado de prisão em face do Paciente, pelo não-cumprimento daquele acordo em 8 de março de 2001, o que foi deferido pela MMa. Juíza de Direito da P. Vara Cível de São Joaquim da Barra.
Não se conformando com a ordem de prisão, o Paciente interpôs agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sendo negado o provimento ao recurso. Publicado o acórdão, a Exeqüente requereu novamente a expedição de mandado de prisão, o que foi acolhido pelo MM. Juiz de Direito Substituto da Comarca de São Joaquim da Barra, em 28.12.200l.
Primeiramente, ocorre novação da dívida por terceira pessoa (Margarida Oliveira Diniz) através da emissão das notas promissórias, mudando, assim, a natureza jurídica da obrigação, que deixou de ser alimentar e passou a ser quirografária. O que, inclusive, já está sendo
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objeto de execução por quantia certa contra devedor solvente (Processo n. 304/2001 - em trâmite perante o egrégio Juízo e Cartório do 12
Oficio Cível de São Joaquim da Barra-SP), cópia em anexo, inclusive na referida execução, foi oferecido em caução um lote de esmeraldas. O que se denota é que está ocorrendo verdadeiro bis in idem, ou seja, duas execuções referentes à mesma dívida, ferindo flagrantemente o princípio da segurança jurídica e o princípio da ampla defesa e do contraditório, conforme se infere do artigo 52, incisos LV e LXXV, da Constituição Federal, haja vista, que com a homologação do acordo, a ação de execução de alimentos, perdeu o objeto.
Mesmo que, como entendeu o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ou seja, que o Paciente e sua genitora são devedores solidários, não justifica a cobrança do mesmo débito em duas ações, uma contra o Paciente, pelo rito do artigo 733 do Código de Processo Civil, e outra contra sua genitora, pelo rito do artigo 732 do mesmo instituto. A Exeqüente deveria optar em prosseguir numa ou noutra execução." (fls. 3/4).
A liminar foi indeferida pelo Sr. Ministro Nilson Naves, Vice-Presidente desta Corte, em despacho de 21.01.2002 (fls. 80/81).
Opina o Dr. Washington Bolívar Junior, ilustrado Subprocurador-Geral da República, pela concessão da ordem mediante a seguinte fundamentação, verbis:
"( ... )
É de se notar que a jurisprudência do egrégio STJ sinaliza contra a pretensão do Paciente, eis que assim já proferiu:
'Habeas corpus. Prisão civil. Alimentos.
Se o processo de execução de alimentos é suspenso por força de acordo entre as partes, o inadimplemento deste autoriza o restabelecimento da ordem de prisão anteriormente decretada, independentemente de nova citação do devedor; basta a intimação do respectivo procurador. Habeas corpus denegado.' (HC n. 16.602-SP, DJ de 03.09.2001, p. 219, Min. Ari Pargendler)."
Entretanto, este writ tem uma particularidade fundamental para o seu deslinde, qual seja, a de que, paralelamente à execução em que decretada a prisão do Paciente, corre uma outra execução referente ao
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mesmo débito, contra a genitora do Paciente, conforme verificação às fls. 59/60. Execução esta que se encontra em fase adiantada, tendo, inclusive, sido efetuada a penhora de bens no valor de R$ 60.000,00.
Diante disso, entendo que razão assiste ao Paciente (fls. 3/4), ao argumentar que:
'Primeiramente, ocorreu novação da dívida por terceira pessoa (Margarida Oliveira Diniz) através da emissão das notas promissórias, mudando, assim, a natureza jurídica da obrigação, que deixou de ser alimentar e passou a ser quirografária. O que, inclusive, já está sendo objeto de execução por quantia certa contra devedor solvente (Processo n. 304/2001 - em trâmite perante o egrégio Juízo e Cartório do 152. Ofício de São Joaquim da Barra-SP), cópia em anexo, inclusive na referida execução, foi oferecido em caução um lote de esmeraldas. O que se denota é que está ocorrendo verdadeiro bis in idem, ou seja, duas execuções referentes à mesma dívida, ( ... ) a ação de execução de alimentos, perdeu o objeto.'
Por outro lado, vale registrar que, posteriormente, em caso de novos inadimplementos, pode a Exeqüente renovar a propositura de execuções com base no art. 733 do CPC, consoante jurisprudência desse egrégio STJ, a saber:
'Penal. Processual. Alimentos pretéritos. Prisão civil. Inadmissibilidade. Habeas corpus. Recurso.
1. É ilegal a prisão por dívida alimentar em ação de execução de alimentos pretéritos.
2. Recurso conhecido e provido, ressalvada a possibilidade de renovação da medida constritiva em caso de inadimplemento.' (RRC n. 7.734-SP, Min. Edson Vidigal, DJ de 14.09.1998, p. 91)." (fls. 87/88).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Os Impetrantes querem obstar a prisão civil do Paciente nos autos de execução de alimentos
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alegando que houve acordo e que a credora já está executando a mãe do Paciente, que emitiu uma nota promissória para viabilizar o acordo, estando caracterizado um bis in idem.
A ordem não há que ser deferida.
Primeiramente, é tranqüila a jurisprudência das Turmas que compõem
a Segunda Seção no sentido de que o acordo celebrado não impede a custódia do Paciente se não cumprir a sua obrigação. No caso dos autos, deve
observar-se, consta como cláusula do acordo que "o não-pagamento do acordo nas datas avençadas dará ensejo à expedição imediata de novo man
dado de prisão em desfavor do alimentante que expressamente renuncia ao direito de qualquer justificativa processual ante a total capacidade de paga
mento, dentro dos limites da presente avença, tanto sua como de sua
genitora" (fi. 14). Sobre a questão, indico os seguintes precedentes:
"Habeas corpus. Prisão civil. Alimentos.
Se o processo de execução de alimentos é suspenso por força de
acordo entre as partes, o inadimplemento deste autoriza o restabele
cimento da ordem de prisão anteriormente decretada, independente de
nova citação do devedor; basta a intimação do respectivo procurador.
Habeas corpus denegado." (RC n. 16.602-SP, Terceira Turma,
relator o Ministro Ari Pargendler, DI de 03.09.2001).
"Habeas corpus. Recurso ordinário. Prisão civil. Dívida de ali
mentos. Descumprimento de acordo firmado entre alimentante e ali
mentanda. Constrangimento ilegal. Inocorrência. Desprovimento. Denegação da ordem.
I - Se houve transação entre alimentante e alimentanda sobre verbas alimentares fixadas em sentença, resta descaracterizada a dívida
pretérita, tornando cabível a prisão.
11 - Se a prisão se fundou no descumprimento de parte desse
acordo firmado para pagamento da verba alimentar, ainda que referente
a período anterior, incorre ilegalidade.
111 - Inadequado é o habeas corpus para exame de matéria concernente a fatos e provas, v.g., quanto à impossibilidade de paga
mento da pensão ou falta de condições financeiras." (RRC.n. 10.838-
RS, Quarta Turma, relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,
DI de 07.05.2001).
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Por outro lado, a execução proposta contra a genitora do Paciente, com
base na nota promissória objeto do acordo, não tem o condão de afastar a custódia civil, mesmo diante da efetivação da penhora de um lote de esme
raldas, nomeado pela executada, avaliado, segundo laudo da empresa Brasilian Gems Avaliações, em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).
O fato é que a credora dos alimentos, nos autos da execução que propôs contra a mãe do devedor principal, não recebeu o que tem direito. A no
meação à penhora de um lote de esmeraldas, se aceito em juízo, apenas garantirá a execução, podendo a executada embargar. O débito alimentar per
sistirá. Observe-se que na execução de alimentos, o Código de Processo Ci
vil estabelece que o devedor será citado "para, em três dias, efetuar o pa
gamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo" (art. 733, caput). Na execução proposta contra a emitente da nota promissória,
nenhuma das três hipóteses ocorreu, permanecendo como legal o decreto prisional baseado no § 1ll. do referido dispositivo.
Ante o exposto, indefiro a ordem.
RECURSO ESPECIAL N. 59.594 - MG (Registro n. 1995.0003554-5)
Relator: Ministro Antônio de Pádua Ribeiro
Recorrentes: Murilo Pereira Coelho e outros
Advogados: Carlos Augusto Sobral Rolemberg e outros
Recorrida: Marly Silva Junqueira Reis
Advogados: Sérgio Murilo Diniz Braga e outro
EMENTA: Direito Civil e Processual Civil - Partilha - Ação declaratória de nulidade - Usufruto vidual - Código Civil, art. 1.611,
§ I!!. - Legitimidade da usufrutuária - Exceção de incompetência -
Trânsito em julgado - Matéria de prova.
I - A usufrutuária não é considerada herdeira, contudo assiste
-lhe o direito de promover a anulação de partilha amigável que lhe
traga prejuízos.
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H - Julgada improcedente a exceção de incompetência, com trânsito em julgado, não pode a questão de competência ser objeto
de análise por esta Corte.
IH - A alegação de inexistência de má-fé ao afastar do acervo
hereditário as propriedades que, alegadamente, não faziam parte da
partilha, envolve reexame de provas, incabível na via processual elei
ta (Súmula n. 7-STJ).
IV - A partilha amigável pode ser anulada. A partilha judicial
é que é rescindível. Assim, é perfeitamente cabível o pedido de anulação de partilha amigável que traga prejuízos à usufrutuária.
V - Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima
indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu
nal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs.
Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho
votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Mi
nistro Ari Pargendler.
Brasília-DF, 8 de maio de 2003 (data do julgamento).
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Relator.
Publicado no DI de 09.06.2003.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Marly Silva Junqueira Reis
ajuizou ação declaratória de nulidade de escritura pública de partilha ami
gável contra os ora recorrentes, ao fundamento de que, embora aceita nos
autos como beneficiária do usufruto vitalício de uma quarta parte dos bens
que ficaram pelo falecimento de Walter Junqueira Reis, com quem era casada em segundas núpcias, não participou da mencionada divisão.
Contra a sentença que julgou procedente a ação, apelaram os vencidos,
mas o acórdão recorrido a confirmou, porque a Autora, titular de usufruto
vidual sobre 25% do patrimônio do de cujus, casada que era sob o regime
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de separação de bens, não participou, de fato, do instrumento público de partilha amigável dos bens do falecido.
Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados.
Interpuseram, então, recurso especial pelas letras a e c do permissivo constitucional, no qual alegam negativa de vigência ao disposto nos arts. 1.063, 1.611, 1.773 e 1.805 do Código Civil, c.c. os arts. 1.069 e 1.031 do Código de Processo Civil, bem como aos arts. 113, 132, 467 e 468 do mesmo estatuto processual. Argüem, ainda, divergência jurisprudencial.
Alegam que, na escritura pública de partilha anulada, se deliberou também sobre a divisão dos bens da primeira mulher de Walter Junqueira Reis, Maria Rita Coelho Junqueira, falecida, cujo inventário ainda se achava em andamento e que tinha como única herdeira a sua mãe, Doralice Pereira Coelho.
Afirmam que, diante dos autos relativos aos inventários de Maria Rita e Walter Junqueira, ao encerrar o primeiro, o Juiz de Direito da Comarca de São Gonçalo do Sapucaí-MG, já havia decidido sobre validade da citada escritura de partilha, e que essa decisão não foi modificada, tendo transitado em julgado. Assim, entendem, a partilha não poderia sr anulada sem a demonstração de que houve vícios ou defeitos que maculassem sua validade.
Argüem:
"A coação, o erro e o dolo, como ressabido, são vícios de consentimento e como tal devem ser provados. Ora in casu, não tinha a recorrida legitimidade para interferir na escritura de partilha, pois lhe falecia a condição de herdeira, requerida pela lei, para o seu fazimento. Mesmo que, se pudesse, por absurdo considerar sua aquiescência como necessária, os termos da partilha, não lhe trouxeram qualquer lesão. Se assim fosse, por conseqüência, não teria ela titularidade para uma ação anulatória, pois a lesão não é motivo competente para intentar a ação de anulação e sim rescisória." (fi. 670).
E ainda:
"Por disposição legal, claro é que somente aos herdeiros é reservado o fazimento da escritura pública de partilha. Não quis a lei incluir na categoria de herdeiro a usufrutuária, eis que a distinção, no plano dogmativo e jurídico é clara: usufruto é direito temporário, ao
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máximo vitalício, e não tem caráter sucessório. Herdeiro é titular de direito real no plano sucessório, detentor do domínio dos bens inventariados." (fi. 671).
Insistem em que a usufrutuária não é herdeira, e que só os herdeiros podem fazer a partilha. Portanto, não tem a recorrida titularidade para participar da partilha, a não ser especificamente sobre os frutos que já lhe foram reservados na referida escritura.
Entendem que a legislação invocada estabeleceu os parâmetros dos direitos da viuvez, "dimensionando-o não na categoria de herdeiro, mas, sim de usufrutuário vidual. É o chamado usufruto ex 1ege que decorre da cogência legal, mas que nem por isto se confunde com a qualidade de herdeiros" (fi. 669).
Sustentam:
"Ora, face a lei os titulares do direito de elaborar partilha amigável, por escritura pública, são os herdeiros, bastando para isto que sejam preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 1.773 de, além de herdeiros, serem maiores e capazes. Tanto mais é este direito reservado apenas aos herdeiros, ... " (fi. 669).
E, mais adiante:
"A coerência legal de se aprazar os direitos dos herdeiros não pode e não deve ser obstaculada por terceiros, e, a condição legal usufrutuária não tem o condão de obstacular a partilha, como, data venia, de forma equivocada dispôs o v. acórdão."
Afirmam que a lei estabeleceu como pressupostos da partilha amigável apenas que os herdeiros sejam maiores e capazes. Não sendo a Recorrida herdeira, não tinha direito de investir contra a partilha da primeira mulher de Walter Junqueira.
Sustentam que não houve má-fé ao afastar do acervo hereditário as propriedades que, em acordos anteriores à partilha, daquele já não faziam parte. E que não há "qualquer prova que tenham os partilhantes 'mascarado' ou 'esvaziado' o direito da Recorrida, ... " (fi. 676).
Insistem na falta de competência do Juízo que apreciou a exceção de incompetência, pois, afirmam, o prolator da sentença o fez na condição de
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colaborador, e que não era Juiz da Comarca, portanto, sem poderes para exercer sua jurisdição no local onde corria a ação.
Finalmente, alegam que a escritura de partilha e divisão no inventário dos bens havidos por falecimento de Maria Rita, da qual não participou a ora recorrida, foi submetida à homologação e transitou em julgado. Assim argúem, "pelo menos ao inventário de Maria Rita Coelho Junqueira é a escritura de partilha válida e operante por decisão soberana e imutável do MM. Juiz da Comarca de São Gonçalo do Sapucaí, segundo se depreende dos citados dispositivos. O inventário dos bens deixados por Maria Rita para sua mãe, Doralice Pereira Coelho, sua única e universal herdeira é processo autônomo de competência daquele Juízo e já chancelado com a força de res judicata. O v. acórdão, concessa venia, não poderia desconhecer os limites da coisa julgada, atribuindo a presente ação força que não possui" (fls. 679/680).
Citam jurisprudência no sentido de que os herdeiros maiores e capazes podem partilhar o acervo segundo suas conveniências, não podendo o Juiz deixar de homologar a partilha feita por escritura pública.
Oferecidas as contra-razões, foi o recurso inadmitido, subindo a esta Corte por força de provimento a agravo de instrumento, proferido pelo meu antecessor, eminente Ministro Nilson Naves.
Nesta Instância, manifesta-se o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Dr. Roberto Casali, ilustre Subprocurador-Geral da República, pelo não-conhecimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Antônio de Pádua.Ribeiro (Relator): Pelo que se verifica dos autos, Walter Junqueira Reis foi casado primeiramente com Maria Rita Coelho Junqueira. Falecendo esta em 1978 e deixando como única herdeira necessária sua mãe Doralice Pereira Coelho, foi aberta a respectiva sucessão e nomeado inventariante o viúvo-meeiro.
Walter casou-se em segundas núpcias com Marly Silva Junqueira Reis, pelo regime de separação de bens por contar o varão com mais de 60 anos de idade, antes de partilhados os bens do inventário de sua primeira mulher.
Também antes que o processo de inventário estivesse concluído, Walter veio a falecer, deixando dois herdeiros: o filho adotivo Murilo Pereira Coelho,
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filho de Doralice Pereira Coelho, e sua irmã, Vera Maria Coelho Cisneros, casada com Francisco Cisneros Neto.
o de cujus não teve filhos também com a segunda mulher.
Promoveram os herdeiros dos dois inventários escritura de partilha de divisão de bens na Comarca de Três Pontas-MG. Feita a partilha e homologada, ajuizou a ora recorrida a ação declaratória de nulidade da referida partilha, que, julgada procedente em ambas as instâncias ordinárias, é agora
objeto deste recurso especial.
Analiso, preliminarmente, a alegação de ilegitimidade da Recorrida na condição de usufrutuária, que, segundo entendem os Recorrentes, não poderia interferir na partilha por não ser ela herdeira.
A partir da Lei n. 4.121, de 27.8.1962, instituiu-se o usufruto legal em
favor do cônjuge sobrevivente.
Assim, pela morte de um dos cônjuges, se o regime não era o da comunhão universal, o cônjuge supérstite terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver fi
lhos deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes do de cujus. É o chamado usufruto vidual (Código Civil
anterior, art. 1.611, § p~, com a redação da citada Lei).
Renomados doutrinadores entendem que o usufrutuário não pode ser considerado herdeiro.
O mestre Orlando GOllles já afirmava:
"Realmente o usufruto de quota hereditária, ainda de natureza legal, configura-se como legado. Jamais atribui a seu titular a con
dição de herdeiro. A razão é inteligível: a representação jurídica do falecido, que compete ao herdeiro, não pode ser exercida pelo titular de um direito temporário, como é o usufrutuário ou, como diz Vitali, 'el concetto di usufrutto é incompatibile coll'atro di quota di
eredità, qual e la legittima, che conferisce la rappresentanza giuridica deI
defunto; non potendo aversi una rappresentanza temporanea'. Ademais, como esclarece Polacco, 'herdeiro é somente quem é chamado na totalidade do patrimônio ou em uma quota-parte dele, o que não é
o caso da pessoa chamada em um jus in re aliena que não é quota-parte do patrimônio'." (in Questões de Direito Civil, Ed. Saraiva,
5Jl ed., p. 205).
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E ainda:
"Afinando a maioria dos tratadistas na opinião de que a natureza do direito hereditário do cônjuge impede considerá-lo herdeiro, predomina a doutrina que o tem como legatário ex lege." (in Sugestões, Ed. Forense, lIa. ed., p. 64).
Contudo, ainda que não seja considerado herdeiro, tem o usufrutuário direito de promover ação de anulação de ato que venha a lhe trazer prejuízo.
Orlando Gomes salienta:
"Posto seja legatário ex lege, seu direito pode ser sacrificado pela prática de doações aos descendentes ou ascendentes, que o esvaziem. Não sendo herdeiro, está impossibilitado de pleitear a colação dos bens doados, mas lhe assiste direito a promover-lhes a anulação com fundamento no princípio geral de direito que proíbe seu uso com o fim de prejudicar a outrem. A não se admitir esta possibilidade, a finalidade da lei poderia ser contrariada por adiantamentos de legítima, feitos com o propósito de diminuir, ou mesmo eliminar, o direito de usufruto do cônjuge sobrevivente." (ob. cit., pp. 64/65).
José da Silva Pacheco esclarece:
"Não sendo o usufrutuário um herdeiro, impossibilitado está de pleitear a colação dos bens, mas assiste-lhe o direito de promover a anulação do ato." (in Inventários e Partilhas, 16a. ed., p. 217).
No caso dos autos entendeu o Juízo de 1ll. grau que a partilha dos bens prejudicou a autora ora recorrida, afirmando:
"Em face disso, nenhuma escritura pública, principalmente de partilha e divisão de bens, sem a participação do cônjuge supérstite, não é válida, mormente se contra este ato o cônjuge prejudicado se revela com relação ao percentual do usufruto que lhe cabe, e notadamente diante de uma escritura pública em que os Réus partiram e dividiram os bens beneficiando-se e prejudicando de modo ostensivo os direitos da Autora, colocando-a como usufrutuária de bens ao que parece menos rentáveis e a retirando da própria casa em que morava ou mora." (fi. 507).
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E mais adiante:
"E da referida escritura pública de partilha e divisão, vê-se cla
ramente que as partes agiram com absoluta fraude, prejudicando os interesses da Autora, distribuindo os bens como bem quiseram, e, com isso, diminuindo a rentabilidade da parte do usufruto que lhe cabe." (fl. 508).
o usufruto é direito real temporário que permanece enquanto durar a viuvez, para beneficiar o cônjuge sobrevivente quando o regime não for o da comunhão universal de bens. Portanto, tem o cônjuge supérstite o direito de usufruir dos bens deixados pelo cônjuge falecido, sem que os herdeiros lhe dificultem esse direito.
Afasto, assim, a alegada ilegitimidade da Recorrida.
Afirmam os Recorridos que não houve má-fé ao afastar do acervo hereditário as propriedades que não faziam parte da partilha. Essa matéria
envolve necessariamente o reexame de provas, incabível na via do recurso especial (Súmula n. 7 desta Corte). Cumpre-me apenas salientar que o Juízo a quo entendeu que a partilha e divisão constituíram um "verdadeiro en
godo, como, aliás, se observa, até pelos indícios, com o simples fato de, tramitando o processo de inventário dos bens do de cujus na Comarca de São Gonçalo do Sapucaí, lavrar-se a escritura em outra comarca, longe das vistas da Autora, que deve ter sido surpreendida, quando o instrumento de partilha e divisão amigável deu entrada no processo de inventário" (fl. 509).
Alegam os Recorrentes falta de competência do Juízo que apreciou a exceção de incompetência.
Ocorre que a citada exceção foi julgada improcedente. Houve agravo de instrumento, não conhecido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Não interposto qualquer recurso (fl. 93 do processo anexo), o
acórdão transitou em julgado. Portanto, a questão da competência não pode mais ser objeto de análise por esta Corte.
Afirmam que a homologação da escritura de partilha e divisão no inventário de Maria Rita já havia transitado em julgado, portanto não pode
ria ser anulada como fizeram a sentença e o acórdão recorrido.
Sucede que a anulação é perfeitamente possível, tratando-se de parti
lha amigável, conforme dispõe o art. 1.029 do Código Civil. A partilha litigiosa é que é rescindível.
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Esclarece, nesse particular, Orlando Gomes:
"A partilha amigável é anulável, a partilha litigiosa, rescindível.
É que a primeira, conquanto deva ser reduzida a termo nos autos ou homologada pelo Juiz, é em essência um contrato, estando exposta aos vícios psíquicos do consentimento. Assim como se pode anular qualquer contrato se a vontade é viciada por erro, dolo, ou coação, também a partilha amigável é anulável se eivada de um desses vícios." (in Sucessões, lll!. ed., p. 296).
Da mesma forma, preleciona José da Silva Pacheco:
"O art. 1.805 do Código Civil determinava que 'a partilha, uma vez feita e julgada, só é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral, os atos jurídicos', fazendo referência ao art. 178, § 6ll., n. V, do Código Civil, segundo o qual prescrevia em um ano a ação de nulidade da partilha, contado o prazo da data em que a sentença passasse em julgado.
O Código de Processo Civil, de 1973, porém, distinguindo a partilha amigável da partilha judicial, concebeu a primeira como anulável e a segunda como rescindível." (in Inventários e Partilhas, 16l!. ed., pp. 611/612).
Já Sílvio de Salvo Venosa anota:
"A partilha gera efeitos entre os que participaram do processo. Não toca direitos de terceiros para quem é res inter alios acta. A partilha nem lhes aproveita, nem lhes prejudica, continuando eles com os direitos que possuem, com relação aos bens e aos herdeiros.
Note que a partilha amigável é homologada, enquanto que a partilha judicial é julgada." (in Direito Civil - Direito das Sucessões, Ed. Atlas).
O Juízo de 1ll. grau reconheceu. que a partilha feita sem a participação da autora não tem qualquer validade no processo de inventário. Afirmou o MM. Julgador:
"Sem a participação da Autora na escritura pública de partilha e divisão dos bens, de fls. 7 e seguintes, foi a Autora ludibriada, e essa
RST}, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 243
escritura não poderia ter força de validade no processo de inventário que tramitava, ou que ainda tramita, na Comarca de São Gonçalo do Sapucaí." (fi. 505).
E, mais adiante:
"O art. 134, §p., letra d, do Código Civil, dispõe que:
'A escritura pública, lavrada em notas do tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena, e, além de outros requisitos previstos em lei especial, deve conter:
( ... )
d) manifestação da vontade das partes e dos intervenientes ... '
Induvidosamente, a Autora tinha que participar do instrumento público lavrado pelo tabelião Sebastião Lucas de Oliveira, e, não tendo participado, referida escritura é nula de pleno direito, não produzindo qualquer efeito jurídico." (fi. 508).
Não procede, pois, a alegação de que a partilha amigável não poderia ser anulada.
Por outro lado, a jurisprudência citada no recurso especial não se presta a confronto, por tratar de hipótese diversa da versada nestes autos.
Não havendo, portanto, qualquer ofensa aos dispositivos legais citados, e nem o alegado dissenso pretoriano, não conheço do recurso interposto.
RECURSO ESPECIAL N. 62.130 - SP (Registro n. 1995.0011825-4)
Relator: Ministro Antônio de Pádua Ribeiro
Recorrente: Amélia Basílio Gasperini Dantas
Advogados: J oyce Machado e Melo e outros
Recorrida: Chiaroni Riclair Indústria Metalúrgica Ltda (Massa Falida)
Advogado: Alfredo Luiz Kugelmas (Síndico)
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
244 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Interessado: Pedro Luiz Pela
Advogada: Joyce Machado e Melo
EMENTA: Falência - Ação revocatória - Decadência - Prazo.
I - O prazo de decadência para ajuizar ação revocatória é de 1 ano, contado da data da publicação do aviso previsto no art. 114 do Decreto-Lei n. 7.661/1945. Contudo, o dies a quo não fica ao exclusivo critério do síndico da massa falida. Não justificada a demora, o prazo de decadência começa a contar a partir do momento em que essa publicação deveria ocorrer, de acordo com o cronograma falimentar legalmente previsto.
11 - Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ari Pargendler.
Brasília-DF, 8 de maio de 2003 (data do julgamento).
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Relator.
Publicado no DI de 09.06.2003.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Amélia Basílio Gasperini Dantas interpôs recurso especial pelas letras a e c do permissivo constitucional contra acórdão que manteve a procedência da ação revocatória ajuizada pela massa falida Chiaroni Riclair Indústria Metalúrgica Ltda.
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
Alega a Recorrente infringência ao disposto nos arts. 56, §§ 1ll. e 3ll., e 114 do Decreto-Lei n. 7.661/1945, além de divergência jurisprudencial, por ter o acórdão recorrido considerado que a alienação do imóvel ocorreu no período suspeito e por afastar a decadência sob alegação de que: "A
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JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 245
libito do síndico, a demanda será ajuizável tão logo assuma ele o encargo" (fl. 546).
Oferecidas as contra-razões (fls. 588/589), foi o recurso admitido (fls. 598/602).
Nesta Instância, manifestou-se a douta Subprocuradoria Geral da República pelo não-conhecimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (Relator): O acórdão afastou a alegação de decadência afirmando que o prazo só começa a contar a partir da data da publicação do aviso, referido no art. 114 e parágrafo do Decreto-Lei n. 7.661/1945, salientando (fl. 546):
"A libito do síndico, a demanda será ajuizável tão logo assuma ele o encargo, resolvendo-se o termo de ajuizamento um ano após a publicação do mencionado aviso."
No voto proferido nos embargos de declaração assim está assentado (fl. 559):
"Sustentam os Embargantes que não há nos autos notícia da publicação do aviso a que se refere o artigo 114 da Lei de Falências. E não há mesmo, e, exatamente por não ignorar esse fato, o venerando acórdão embargado entendeu que, não publicado o aviso, não há falar em decurso do prazo ... "
Salientou a Recorrente, verbis (fls. 565 e 566):
"O v. acórdão pretende engajar a manutenção dos atos cartoriais e do Síndico da Falência, mesmo após haver decadência e preclusão, só após, e a seu 'libito' (palavras do v. acórdão), ajuizar reivindicação cujos efeitos jurídicos se pretende sejam eternizados o que não correspondem a necessidade da ordem jurídica."
"Do ponto de vista social e negociaI, a manutenção de um estado indefinido do processo falimentar, produz como notório, as mais
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
246 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
maléficas e nocivas conseqüências relativamente à segurança dos cidadãos em suas relações comerciais - o que, enfim, redunda na falta de segurança no Direito."
o art. 56 do Decreto-Lei n. 7.661/1945, assim estabelece:
"A ação revocatória correrá perante o Juiz da falência e terá curso ordinário.
§ 1 Q. A ação somente poderá ser proposta até um ano, a contar da data da publicação do aviso a que se refere o art. 114 e seu parágrafo."
Por sua vez, o citado art. 114 do mesmo estatuto legal dispõe:
"Apresentado o relatório do síndico (art. 63, XIX), se o falido não pedir concordata, dentro do prazo a que se refere o art. 178, ou se a que tiver pedido lhe for negada, o síndico, nas quarenta e oito horas seguintes, comunicará aos interessados, por aviso publicado no órgão oficial, que iniciará a realização do ativo e o pagamento do passivo."
Portanto, pelos dispositivos transcritos, a ação revocatória poderá ser proposta até um ano a contar da data em que o síndico publicar o aviso de que irá iniciar a realização do ativo e o pagamento do passivo.
Ocorre que, pelo que consta do acórdão, esse aviso sequer havia sido publicado até aquela data. A falência foi decretada em janeiro de 1983 e a ação revocatória foi proposta em agosto de 1987, portanto mais de quatro anos após.
O Decreto-Lei n. 7.661/1945, em seu art. 132, § 1Q, dispõe:
"Salvo caso de força maior, devidamente provado, o processo da falência deverá estar encerrado dois anos depois do dia da declaração."
Isso não está demonstrado nos autos.
Aceitar-se que a propositura da ação fique ao arbítrio do Síndico, como afirmou o acórdão recorrido, estar-se-ia reconhecendo a existência de condição potestativa e permitindo que o Síndico fosse o senhor da ação revocatória, podendo promovê-la quando bem quiser.
RST}, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 247
É conveniente citarmos a lição do Professor Arnoldo:
"o prazo de decadência da ação revocatória de um ano, a partir da publicação do aviso do art. 114 da lei falimentar, a que se refere o art. 56, § 1 Q, do mesmo diploma, deve ser calculado não a partir da
publicação efetiva, mas do momento em que essa publicação deveria ocorrer de acordo com o cronograma falimentar legalmente previsto. Se assim não se fizesse, a decadência não teria dies a quo, que ficaria ao exclusivo critério do síndico da massa falida." (RT 469, p. 46).
"Efetivamente, a tese do STF referente ao início do prazo de prescrição do crime falimentar também deve ser aplicada à ação revocatória, a fim de não impor uma insegurança jurídica, que decorreria da ausência de previsão do dies a quo, passando o mesmo a depender exclusivamente do síndico e tornando-se assim condição potestativa, que repugna à lei e à segurança das partes." (RT 469, p. 46).
Nelson Nery Júnior, em parecer publicado na Revista de Processo (ano XIII, abril/junho de 1988, n. 50, pp. 175/176), salienta:
"A decadência é um instituto que foi criado em benefício da segurança das relações jurídicas, de modo que atende à ordem pública. O que não se pode permitir é que o síndico seja o único senhor plenipotenciário da ação revocatória, podendo promovê-la quando bem quiser. E isto fatalmente ocorrerá se não for expedido o aviso do art. 114, referido pelo § 1 Q do art. 56, ambos da LF.
Não se pode conceber a condição potestativa de deixar-se ao
alvedrio do síndico o prazo, que é de ordem pública, para a propositura da ação revocatória. Não se compatibilizam prazo de ordem pública com condição potestativa!"
"É de aplicar-se, portanto, a todos os prazos extintivos na Lei de Falência, o art. 132, l Q do referido diploma legal: 'Salvo caso de força maior, devidamente provado, o processo da falência deverá estar encerrado dois anos depois do dia da declaração'."
"Evidentemente, como já dissemos acima, não se pode deixar ao exclusivo arbítrio do síndico, o início do prazo para a propositura da
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
248 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ação revocatória falimentar. Isto implicaria em reconhecer-se a existência de uma condição potestativa, contrária à lei e que conspira contra a segurança das relações jurídicas."
Decidindo o acórdão atacado que a demanda será ajuizada" A libito do síndico" conferiu interpretação rigorosamente literal ao disposto nos arts. 114 e 56, § 1ll., da Lei de Falências, contrariando-os em sua finalidade.
Esta Corte, por esta egrégia Terceira Turma, já se pronunciou pela decadência quando o síndico não realiza a publicação do aviso. O acórdão se encontra assim ementado:
"Falência. Ação revocatória. Prazo. Termo inicial. Segundo os arts. 56, § 1ll. e 114 e seu parágrafo, é de um ano o prazo de decadência, contado da data da publicação do aviso. Mas o termo inicial desse prazo não fica ao exclusivo arbítrio do síndico.
Não lhe cabe proceder a seu talante. Vencidas as etapas que antecedem ao aviso, se o síndico, apesar de instado pelo Juiz, não realiza a publicação, é de se ter por verificada a decadência, quando, como no caso presente, publicado o aviso vários anos após. Hipótese de negligência e não obediência ao cronograma falimentar. Recurso conhecido e provido, para pronunciar-se a decadência." (REsp n. 10.316-PR, reI. Ministro Nilson Naves, in DJ de 12.12.1994).
No voto-vista proferido, o eminente Ministro Eduardo Ribeiro acompanhou o relator, afirmando:
"Admitir-se tal procedimento significaria entender-se que ficaria ao inteiro arbítrio do síndico e, por conseguinte, da massa, a quem ele representa e é interessada na revocatória, estabelecer o momento inicial do prazo de caducidade. Ter-se-ia aí a estranha situação de o autor da ação determinar, como lhe aprouvesse, o termo para início do prazo de decadência.
Certo que, em tese, poderá o Juiz destituir o síndico que se mostre desidioso. Não menos exato, entretanto, que o participante de negócio, exposto a revocatória, é inteiramente estranho a tudo isso.
No excelente memorial apresentado fez-se notar que, a adotar-se a tese em exame, ter-se-ia que concluir que as obrigações do falido haveriam de reputar-se extintas, decorridos cinco anos do dia em que a falência deveria ter-se encerrada.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 249
Com a devida vênia as situações me parecem distintas. Ao falido é dado intervir no processo, seja facilitando seu andamento, seja instando junto ao Juiz para que tome as necessárias providências, tendentes a que tenha curso regular, inclusive a destituição do síndico. Na mesma situação não se encontra o terceiro que possa eventualmente ser réu em pedido de revogação. Nem se pode comparar o reconhecimento da decadência com o de extinção de obrigações do falido, com processo falimentar em andamento.
Limito-me, como o disse, à hipótese que o caso em julgamento configura. Considero que, atingida a fase em que se há de fazer a publicação do questionado aviso, decorrido o prazo estabelecido em lei para que essa se efetue, e não havendo razão de força maior que o obste, o prazo decadencial começa a fluir."
Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para decretar a decadência da ação revocatória, extinguindo, em conseqüência o processo, nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil. Condeno a autora a pagar as custas atualizadas monetariamente e honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor dado à causa, corrigidos na forma do disposto na Súmula n. 14 desta Corte.
RECURSO ESPECIAL N. 127.725 - MG (Registro n. 1997.0025757-6)
Relator: Ministro Castro Filho
Recorrente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Recorrido: Martinho Gomes dos Santos
EMENTA: Processual Civil - Ação de alimentos - Ministério Público - Legitimidade para propô-la - Artigos 98, lI, e 201, lII, da Lei n. 8.069/90.
Tratando-se de menores sob a guarda e responsabilidade da genitora, falta legitimidade ao Ministério Público para propor ação de alimentos como substituto processual.
Recurso especial não conhecido, com ressalvas quanto à terminologia.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
250 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
Brasília-DF, 15 de maio de 2003 (data do julgamento).
Ministro Castro Filho, Relator.
Publicado no DJ de 16.06.2003.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Filho: Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra acórdão da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça daquele Estado, que negou provimento a seu recurso, mantendo sentença que extinguira o processo sem julgamento do mérito, ex vi dos artigos 267, I, e 295, lI, do Código de Processo Civil.
O Colegiado entendeu que as relevantes funções atribuídas ao Parquet,
em defesa e proteção do menor, são supletivas, isto é, exercitáveis enquanto perdurar a situação de desamparo prevista no artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Desta forma, o menor sob o poder dos pais é por estes representado ou assistido, em juízo ou fora dele, sendo a participação do órgão do Ministério Público nos feitos de seu interesse exercida como custos legis, e não como substituto processual, representante ou assistente.
Irresignado, o órgão ministerial, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, alega ter o acórdão recorrido negado vigência ao artigo 201, III, da Lei n. 8.069/1990.
Sustenta que, não reunindo a mãe dos menores condições financeiras de sustentá-los dignamente e se encontrando o pai omisso, configurada está a hipótese prevista no artigo 98, lI, do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual a falta, omissão ou abuso dos pais implica na aplicação de medidas de proteção.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 251
Afirma a legitimidade do Ministério Público para ingressar, em nome próprio, com ação alimentar, qualquer que seja o juízo competente, desde que o faça em benefício da criança ou adolescente. Cita, em defesa de sua tese, a doutrina de Paulo Afonso Garrido de Paula.
O recurso foi admitido pelo primeiro vice-presidente do Tribunal a quo.
O Dr. Henrique Fagundes, ilustre Subprocurador-Geral da República, opina pelo não-conhecimento do recurso especial (fls. 88/91).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Castro Filho (Relator): A legitimação do Ministério
Público para a propositura de ação de alimentos decorre do artigo 201, III,
do Estatuto da Criança e do Adolescente, nas condições estabelecidas pelo
artigo 98, lI, do mesmo Estatuto, ou seja, nas hipóteses em que houver falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis.
Assim, entende o Recorrente que detém legitimidade, como substitu
to processual, para a presente demanda, mesmo estando os menores sob guarda e responsabilidade da genitora.
No entanto, outro tem sido o entendimento desta colenda Corte. Confiram-se:
"Ação de alimentos. Legitimidade do Ministério Público para
intentá-la. Arts. 98, lI, e 201, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13.07.1990).
Tratando-se de menor que se encontra sob a guarda e responsa
bilidade da genitora, falta legitimidade ao Ministério Público para ajuizar a ação de alimentos como substituto processual.
Recurso especial não conhecido." (REsp n. 120.118-PR, Quarta
Turma, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, reI. p/ acórdão Min. Barros Monteiro, j. em 17.9.1998, DJ de 01.03.1999, p. 321).
"Processual Civil. Ministério Público. Legitimidade. Pátrio Po
der. Jurisprudência do STl Súmula n. 83.
I - A jurisprudência do STJ acolhe entendimento no sentido de que não pode o Ministério Público, a título de substituto processual,
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
252 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
acionar a tutela jurisdicional para defender direito, representando menor que esteja sob pátrio poder. Inteligência dos arts. 98, 11, e 201, do 'Estatuto da Criança e do Adolescente' (ECA).
11 - Recurso não conhecido." (REsp n. 102.039-MG, Terceira Turma, reI. Min. Waldemar Zveiter, j. em 21.11.1997, DJ de 30.3.1998, p.41).
No mesmo sentido: REsp n. 89.661-MG, Quarta Turma, reI. Ministro Carlos Monteiro, j. em 27.8.1996, DJ de 11.11.1996, p. 43.718, RSTJ 94/ 256, RT 738/259; Ag n. 432.136-PR, Quarta Turma, reI. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, j. em 17.5.2002, DJ de 29.05.2002.
Inexistindo desrespeito ao dispositivo legal apontado como violado, não
conheço do presente recurso especial, com ressalvas quanto à terminologia.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 142.522 - DF (Registro n. 1997.0053683-1)
Relator: Ministro Castro Filho
Recorrente: Encol S/A Engenharia Comércio e Indústria
Advogados: Luiz Bernardo Rocha Gomide e outros
Recorrido: Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa
Advogados: Luiz Antônio Borges Guimarães e outros
EMENTA: Processual Civil - Execução de título extrajudicial -Penhor cedular - Penhora - Bem dado em garantia - Precedentes.
I - Quando já tiver encontrado motivos suficientes para fundar a decisão, o Magistrado não se encontra obrigado a responder todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos, não havendo que se falar em violação ao inciso 11 do artigo 535 do Código de Processo Civil.
11 - "Inadmissível o recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo." (Súmula n. 211-STJ).
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 253
IH - As garantias reais geram o que se pode denominar, em Direito Processual, de penhora natural. Assim, na ação de execução fundada em título extrajudicial garantido por penhor cedular, inexistindo acordo em sentido contrário, a penhora deve recair necessariamente sobre o bem objeto da garantia, independentemente de nomeação. Por conseguinte, não há falar-se em aceitação tácita do credor ao oferecimento de outros bens à penhora pelo devedor, eis que tal nomeação é ineficaz.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ari Pargendler.
Brasília-DF, 22 de maio de 2003 (data do julgamento).
Ministro Castro Filho, Relator.
Publicado no DJ de 16.06.2003.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Filho: Encol S/A Engenharia, Comércio e Indústria e outros interpõem recurso especial contra acórdão da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Relator-Desembargador José Hilário de Vasconcelos, que, nos autos da execução de título extrajudicial proposta por Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa, determinou a penhora dos bens dados em penhor cedular.
Eis a ementa redigida para o aresto, verbis (fi. 145):
"Execução forçada. Título executivo extrajudicial. Penhor cedular. Constrição sobre o bem dado em garantia.
Não cabe indicação e nem constrição de outro bem quando se trate de execução forçada fundada em título executivo extrajudicial em que
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
254 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
há hipoteca cedular, pois o ato constritivo deve sempre recair, independentemente de nomeação, sobre a coisa dada em garantia (CPC, § 2ll., art. 655)."
Opostos embargos declaratórios pelos executados, foram rejeitados (fls. 163/166).
Sustentam, em síntese, os Recorrentes, violação aos artigos 183, 535, 620, 655, § 2ll., 656, parágrafo único, e 677 do Código de Processo Civil, bem como divergência jurisprudencial.
Defendem a possibilidade de a penhora recair sobre outros bens, mesmo que não sejam aqueles designados na lei ou no contrato, uma vez convindo ao credor.
Dizem ter havido preclusão, pois a petição do Recorrido impugnando a nomeação de ações da Encol S/A, à penhora foi protocolizada intempestivamente, presumindo, por conseguinte, a aceitação tácita dessa indicação.
Afirmam que a penhora do bem dado em penhor cedular implicaria na penhora da própria empresa, situação mais onerosa ao devedor, existindo outros suficientes para garantir execução.
Com contra-razões, foi admitido o recurso especial (fl. 223).
Não obstante ter sido determinado o sobrestamento do recurso, com fulcro no § 3ll. do artigo 542 do Código de Processo Civil, e na Resolução n. 1/1999 desta Corte, verifica-se que a hipótese é de processo de execução, não enquadrada na norma legal.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Castro Filho (Relator): Cuidam os autos, na origem, de agravo de instrumento interposto por Encol S/A, nos autos da execução por título extrajudicial proposta por Banespa S/A, sob a alegação de que foram oferecidas à penhora 39.836.000 (trinta e nove milhões, oitocentos e trinta e seis mil) ações da Agravante e, intimado o Exeqüente para se pronunciar sobre a nomeação, quedou-se silente. No entanto, posteriormente, requereu fosse modificada a decisão que determinou a lavratura do termo de penhora. O Juiz acolheu o argumento de inexistência de preclusão e revogou o decisum anterior, ordenando a expedição de carta precatória para São Paulo e Rio de Janeiro, com o escopo de penhorar e avaliar os bens localizados naquelas cidades.
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 255
Assim decidiu o Tribunal a quo:
"Através do despacho de fi. 104 dos autos da execução forçada (fi. 78 destes autos de agravo de instrumento), o Juiz ofereceu oportunidade ao agravado de dizer sobre a indicação das ações à penhora.
Imediatamente, a Agravante juntou novos documentos e o agravado discordou da nomeação feita e o MM. Juiz-condutor do processo determinou a expedição de precatória para penhora e avaliação de outros bens, despacho este que foi objeto deste agravo.
Em suas informações prestadas, S. Ex. a disse que o fato que o levou à revogação do primeiro despacho determinativo da lavratura do termo de penhora foi ter percebido que quando o agravado foi intimado para falar sobre a indicação, não tinham os Agravantes trazido aos autos todos os documentos necessários à perfeita indicação e inclusive em duas petições posteriores pediram a juntada de documentos de fundamental importância para a aceitação ou não dos bens oferecidos.
Creio que o digno Magistrado agiu corretamente, pois a nomeação de bens estava incompleta, por falta de elementos capazes de propiciar à contra-parte examinar a respeito da conveniência ou não da penhora sobre aquelas ações.
Por outro lado, ao firmar o contrato de financiamento' que deu origem à execução forçada, os Agravantes deram como segurança para o seu integral cumprimento penhor cedular de 1ll. grau e sobre eles necessariamente deve recair a penhora, a não ser com concordância do credor de que recaia sobre outros bens. O § 2ll. do art. 655 do Código de Processo Civil é claro em estabelecer que 'na execução de crédito pignoratício, anticrédito ou hipotecário, a penhora, independentemente de nomeação, recairá sobre a coisa dada em garantia'. A esse respeito o agravado trouxe à baila acórdão do egrégio 1ll. Tribunal de Alçada Cível de São Paulo onde ficou consignado o seguinte:
'Penhora. Execução de cédula comercial com hipoteca cedular. Nomeação de bens não vinculados ao título. Concordância do credor. Artigos 594, 655, § 2ll. e 656, caput, do CPC. Pretensão, todavia, à reconsideração do ato de aceitação. Acolhimento, visto não ter sido tomada por termo a respectiva penhora. Efetivação sobre o imóvel hipotecado. Recurso provido para esse fim.' (in Rev. de Jur. do TACSP, RT 124/51).
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
256 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sobressai-se do voto do eminente Relator:
'A rigor, não cabe a indicação de outro bem à penhora havendo hipoteca cedular, pois esta deve sempre recair, independentemente de nomeação, sobre a coisa dada em garantia (art. 655, § 2ll., do CPC).
Todavia, a ineficácia da nomeação de bens estranhos à cédula, porque não vinculados a esta, só é validada convindo ao credor. Além disso, este só poderá promover a execução sobre outros bens depois de excutida a coisa que se achar em seu poder (art. 594 do CPC, c.c. o art. 656, caput, do CPC).
No caso, é certo, houve oferecimento de bens que contaram com a concordância do credor (fls. 36/38 e 41) mas, antes de ter sido tomado por termo a respectiva penhora, o Exeqüente ingressou nos autos com outra petição, onde reconsiderou o ato de aceitação, por evidente lapso, e reiterou que fosse penhorado o bem constante da cédula hipotecária mencionada na inicial (fls. 41v. e 48/49).'
No caso sub judice ocorreu fato processual similar, em que a lavratura do termo de penhora sobre as ações indicadas sequer chegou a se concretizar, diante de petição do credor refutando a nomeação feita e indicando os bens constantes da garantia cedular.
Aquele mesmo egrégio Tribunal decidiu, no AI n. 335.139, julgado em 06.02.1985 (vide CPC Anotado, de Alexandre de Paula, voI. UI, p. 2.699), que 'nos termos do art. 655, § 2ll., do CPC, em se tratando de execução hipotecária, a nomeação de bens à penhora é inteiramente despicienda, haja vista que a constrição judicial há de recair sobre a coisa dada em garantia. Portanto, é esta a penhora natural, que obrigatoriamente deve ser feita, nas execuções dessa qualidade. É claro que, se for o caso, a ampliação poderá vir a ser futuramente determinada, uma vez constatada a insuficiência de bens, ou a impossibilidade de execução específica'.
Sr. Presidente, quero esclarecer que os Agravantes adentraram com um arrazoado dirigido a este eminente Relator, onde alegam que o despacho que ordenou a intimação para dizer sobre o oferecimento
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 257
de bens a penhora foi publicado, e o Relator, ao indeferir a liminar,
fundamentou que não houvera sido. Quero deixar claro que diante das considerações tecidas nesta decisão deste agravo de instrumento, esta questão em nada influenciará no desate da lide, tendo em vista a obrigatoriedade da penhora sobre os bens dados em garantia cedular.
Por estas considerações, nego provimento ao agravo.
É como voto."
Da leitura supra, verifica-se a inexistência de qualquer omissão no aresto recorrido. Já decidiu esta Corte, inúmeras vezes, não constituir omissão a ausência de menção, pelo Tribunal a quo, a todos os argumentos levantados pelas partes, se foi declinado fundamento suficiente ao deslinde da controvérsia.
Nesse sentido, confira-se a manifestação desta egrégia Corte a respeito
da oposição de embargos declaratórios e das circunstâncias que demonstram ou não a violação ao disposto nos incisos do artigo 535 do Código de Processo Civil:
"Processual Civil. Recurso especial. Agravo. Art. 557, § p., do CPC. Violação aos artigos 165, 458, inciso H; 460, parágrafo único, e 535, inciso H, todos do CPC. Fundamentação satisfatória e ausência de omissão mesmo após a insurgência da parte na via declaratória. Inviabilidade de predispor os embargos de declaração ao rejulgamento
da lide. Questões remetidas à liquidação. Hipótese que não configura omissão visto que ainda será objeto de apreciação.
I - A nulidade do julgamento por omissão depende da necessidade do órgão jurisdicional manifestar-se sobre as questões que lhes são devolvidas.
H - É de se reconhecer ofensa ao art. 535, H, do CPC, quando, opostos os declaratórios, o Tribunal a quo recalcitra em omitir-se sobre ponto a respeito do qual deveria pronunciar-se. Se inexiste esta obrigatoriedade, por já ter o órgão julgador satisfatoriamente examinado a irresignação do Embargante afasta-se a alegação de violação à
lei federal.
IH - Não há omissão quando as questões suscitadas serão objeto de discussão na liqüidação, por arbitramento, mediante prova pericial.
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
258 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IV - Inexiste violação aos artigos 165, 458, inciso II, 460, parágrafo único, do CPC, se a apontada imprecisão do acórdão recorrido ou de sua fundamentação advém de omissão não configurada no acórdão recorrido." (grifou-se). (AgRg no REsp n. 259.141-SP, Terceira Turma, rel. a Min. a Nancy Andrighi, j. em 06.03.2001, DI de 02.04.2001, p. 291);
"Embargos de declaração. Agravo regimental. Omissão e contradição, inexistentes.
1. O acórdão possui ampla e suficiente fundamentação, no sentido de que tanto a indenização por dano moral quanto o pagamento de pensão mensal em salários mínimos foram determinados ante a análise do conjunto probatório contido nos autos, o que não se reexamina em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n. 7-STI, não havendo configuração de quantia abusiva distante da realidade dos autos.
2. O Tribunal de origem afastou as impugnações ventiladas pela recorrente, não estando o julgador obrigado a responder a todos os argumentos suscitados pelas partes.
3. Omissão alguma há no acórdão, não se podendo falar em contrariedade ao artigo 535 do Código de Processo Civil.
4. Embargos de declaração rejeitados." (grifou-se). (EDcl no AgRg no Ag n. 186.231-MG, Terceira Turma, reI. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 27.04.1999, DI de 31.05.1999, p. 145).
Os artigos 183, 620, 656, parágrafo único, e 677 do Código de Processo Civil não foram objeto de debate pelo acórdão hostilizado, não em razão de qualquer omissão, mas pelo fato de serem despiciendos ao deslinde da controvérsia. O julgado recorrido fundamentou-se no artigo 655, § 2.2., do Código Processual, afirmando a necessidade de a penhora recair sobre os bens vinculados à garantia da obrigação. Incide, à espécie, o enunciado n. 211 da Súmula desta Corte.
A decisão recorrida não violou qualquer dispositivo legal, ao contrário, deu interpretação escorreita ao artigo 655, § 2.2., do Código de Processo Civil. Eventual substituição dos bens dados em garantia do contrato pode ser feita, com a concordância do credor e desde que sejam suficientes.
Na espécie, ao revés do afirmado pelos Recorrentes, salientou o tribunal de origem a pronta manifestação do banco, discordando da nomeação feita, não tendo sido lavrado o termo de penhora.
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 259
Por outro lado, no caso de execução garantida por penhor cedular, como a penhora deve recair, obrigatoriamente, sobre o bem constante do contrato, é ineficaz a nomeação feita pelo devedor, salvo situação excepcional, inexistente neste processo. É que as garantias reais, como o penhor e a hipoteca, geram o que se poderia chamar, em Direito Processual, de penhora natural.
Esse entendimento coincide com a orientação firmada por este Superior Tribunal de Justiça em casos semelhantes, como demonstram os precedentes abaixo citados:
"Processual Civil. Recurso especial. Ação de execução. Cédula de crédito comercial. Hipoteca garantidora do título. Nomeação de outro bem à penhora. Ineficácia.
- Na ação de execução que se funda em título extrajudicial garantido por hipoteca, a penhora há de recair necessariamente sobre o bem objeto da garantia, independentemente de nomeação. Não há que se falar em aceitação tácita do credor ao oferecimento e posterior penhora de outro bem do devedor, posto que, nessa hipótese, a nomeação realizada por ele é ineficaz. Precedentes." (REsp n. 406.636-SP,
relatora Ministra Nancy Andrighi, Dl de 27.05.2002).
"Execução pignoratícia e hipotecária. Penhora. Art. 655, § 2'\ do CPC. Recurso conhecido e provido.
I - Na execução de crédito pignoratício, a penhora, independentemente da nomeação, recairá sobre a coisa dada em garantia (art. 655, § 2Q
, do CPC). Não há falar, portanto, em intempestividade da manifestação do credor quanto à nomeação efetuada pelo devedor, em desacordo com o supracitado preceito legal.
11 - Recurso conhecido e provido." (REsp n. 241.903-SP, relator Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 16.04.2001).
"Agravo regimental. Ausência de prequestionamento. Imóvel dado em garantia hipotecária. Substituição da penhora. Inadmissibilidade.
1. Ausência de prequestionamento em relação aos temas dos arts. 789 e 820 do Código Civil. Incidência das Súmulas n. 282 e 356 do STF.
2. Na execução de crédito hipotecário, a penhora recairá sobre o bem dado em garantia, independentemente de nomeação. Art. 655, § 2Q
,
do CPC.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
260 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo desprovido." (AgRg no Ag n. 300.295-GO, relator Ministro Barros Monteiro, DJ de 25.03.2002).
° dissídio jurisprudencial, por sua vez, não restou demonstrado, nos moldes exigidos pelo Regimento Interno desta Corte. Ademais, não se vislumbra a identidade de bases fáticas, indispensáveis para a comprovação da divergência.
Forte em tais lineamentos, não conheço do recurso, pela letra c, e, ressalvado o ponto de vista pessoal, no que concerne à terminologia (não-conhecimento ao invés de não-provimento), dele também não conheço pela letra a do permissivo constitucional.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 212.252 - CE (Registro n. 1999.0038839-9)
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrido:
Advogado:
Ministro Ari Pargendler
Sul América Companhia Nacional de Seguros
Fernando Neves da Silva e outros
Antônio César Nocrato
Eulídio de Sousa Júnior
EMENTA: Processo Civil - Execução - Honorários de advogado - Quando são arbitrados.
O Direito pretoriano consolidou a prática, adotada pelos juízes, de arbitrar provisoriamente o valor dos honorários de advogado para a hipótese de pronto pagamento. Hipótese, todavia, em que, manifestado, pelo depósito da quantia controvertida, o intuito da oposição de embargos do devedor, já não cabia a fixação provisória da verba honorária, e muito menos dos honorários definitivos, que supõem a apreciação eqüitativa do juiz a respeito das circunstâncias aludidas nas alíneas a, b e c do § 3.2. do Código de Processo Civil, possível apenas na ocasião da sentença.
Recurso especial conhecido e provido.
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 261
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar provimento. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Brasília-DF, 20 de março de 2003 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Relator.
Publicado no DI de 4.8.2003.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: Sul América Companhia Nacional de Seguros interpôs agravo de instrumento (fls. 2/8) contra decisão que, nos autos de embargos do devedor, exigiu a complementação do depósito "com o montante das custas iniciais e honorários em 10% (dez por cento) sobre o principal" (fl. 50).
A egrégia Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará manteve a decisão, em acórdão da lavra do eminente Desembargador José Mauri Moura Rocha, assim ementado:
"Agravo de instrumento. Ação executiva. Pretensão da executada de que o juízo seja garantido exclusivamente pelo depósito do valor principal, dispensados os honorários advocatícios. Inadmissibilidade. A segurança do juízo, requisito para a interposição dos embargos do devedor (CPC, art. 737), exige que o patrimônio penhorado ou depositado seja suficiente para suprir, além do débito principal, as custas processuais e honorários advocatícios, pois, sucumbindo o Embargante, terá que arcar com tais despesas. Insustentabilidade das razões levantadas. Recurso improvido." (fl. 103).
Daí o recurso especial interposto por Sul América Companhia Nacional de Seguros, com base no artigo 105, inciso In, letras a e c, da Constituição Federal, por violação ao artigo 20, § 4Jl., do Código de Processo Civil (fls. 107/115).
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
262 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): O Direito pretoriano consolidou a prática, adotada pelos juízes, de arbitrar provisoriamente o valor dos honorários de advogado para a hipótese de pronto pagamento na execução. O artigo 20, § 411., do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n. 8.952, de 1994, convalidou esse procedimento, acrescentando ao texto originário: "e nas execuções, embargadas ou não".
Na espécie, o MM. Juiz de Direito omitiu essa providência, não obstante a petição inicial da execução tenha embutido na quantia reclamada, a título de honorários de advogado, o percentual de 20% sobre o valor do débito. Só depois do depósito do principal, levado a efeito para possibilitar o processamento dos embargos do devedor, o MM. Juiz de Direito exigiu a complementação do depósito "com o montante das custas iniciais e honorárias em 10% sobre o principal" (fi. 50).
A decisão foi atacada por meio de agravo de instrumento, a que o Tribunal a quo negou provimento. Sem razão. Manifestado o intuito da oposição de embargos do devedor, já não cabia a fixação provisória da verba honorária, e muito menos dos honorários definitivos, que supõem a apreciação eqüitativa do juiz a respeito das circunstâncias aludidas nas alíneas a, b e c do § 311. do Código de Processo Civil, possível apenas na ocasião da sentença.
Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de lhe dar provimento para tornar sem efeito a decisão do MM. Juiz de Direito que determinou a complementação do depósito como condição do processamento dos embargos do devedor (fi. 50).
RECURSO ESPECIAL N. 216.530 - PB (Registro n. 1999.0046229-7)
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrida:
Advogado:
Ministro Castro Filho
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Maria Fabianna Ribeiro do Valle Estima e outros
Usina Santa Maria S/A (massa falida)
Gilvan Siqueira de Sá
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 263
EMENTA: Ação de restituição de contribuições previdenciárias - Existência de contestação - Verba de sucumbência devida pela falida.
Considerada objetivamente, a parte que sofreu derrota em juízo deve responder pelas verbas de sucumbência, mormente em se tratando de ação de restituição de contribuições previdenciárias contestada pela massa falida, tendo em vista a insubsistência do artigo 77, § 72., da Lei de Falências frente ao princípio da sucumbência, consagrado no Código de Processo Civil vigente.
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
Brasília-DF, 15 de maio de 2003 (data do julgamento).
Ministro Castro Filho, Relator.
Publicado no DI de 16.06.2003.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Filho: Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5â Região, que negou provimento à sua apelação, à consideração de que, na hipótese, "A sentença determinou a correta restituição das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e as recolhidas sobre a receita bruta da produção dos fornecedores não repassadas pela falida ao INSS, com base no artigo 76 do Decreto-Lei n. 7.661/ 1945 (Lei de Falências).
Não há razão para a cobrança de honorários advocatícios, porque o § 2l! do art. 208 do referido diploma legal determina que a massa não pagará custas a advogados dos credores e do falido".
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
264 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sustenta o Recorrente que o aludido artigo 208, § 2ll., da Lei de Falências não tem aplicação à espécie, sendo devidos os honorários advocatícios em pedido de restituição.
Admitido o recurso, na origem, ascenderam os autos a esta Corte, vindo-me conclusos.
É o breve relatório.
VOTO
o Sr. Ministro Castro Filho (Relator): Originalmente, o INSS propôs, com fundamento nos artigos 76 e seguintes do Decreto-Lei n. 7.661/ 1945, ação de restituição de crédito previdenciário que, embora descontado, não lhe foi repassado por ocasião da falência da Recorrida, totalizando, à época, a importância de 951.195,67 (novecentos e cinqüenta e um mil, cento e noventa e cinco reais e sessenta e sete centavos).
Citados os falidos, o síndico e os interessados, a ação foi contestada pela massa falida, aduzindo ser improcedente o pedido, vez que, se na hipótese houve apropriação indébita, esta teria se dado por parte dos sócios da empresa Agroenge Ltda, que, nos anos anteriores a 1993, administraram a Usina Santa Maria S/A, na qualidade de rendeiros, em parceria com os falidos.
O pedido foi julgado procedente, ao fundamento de que, "não se tratando as contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados de valores da massa falida e sim de retenção de valores de terceiros, indevidamente não repassadas pelo empregador, elas não estão sujeitas à classificação como créditos previstos no art. 102 da Lei de Falências e art. 186 do Código Tributário Nacional".
Não obstante, assinalou o MM. Juiz-sentenciante que sobre o valor em discussão não deveriam incidir honorários advocatícios, entendimento que veio a ser ratificado em sede de apelação pelo Tribunal Estadual, à consideração de que o § 2ll. do art. 208 da Lei de Falências determina que a massa não pagará custas a advogados dos credores e do falido.
Sobre a matéria, entende este Superior Tribunal de Justiça que, considerada objetivamente, a parte que sofreu derrota em juízo deve responder pelas verbas de sucumbência, mormente em se tratando de ação de restituição de contribuições previdenciárias contestada pela massa falida, tendo em vista a insubsistência do artigo 77, § 7ll., da Lei de Falências frente ao princípio da sucumbência, consagrado no Código de Processo Civil vigente.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 265
Nesse sentido, colho pronunciamento desta egrégia Terceira Turma, no julgamento do REsp n. 36.058-MG, DI de 14.10.2002, de que fui relator, cuja ementa restou assim sintetizada:
"Ação de restituição de mercadorias. Inexistência de contestação. Verba de sucumbência devida pela concordatária.
Considerada objetivamente, a parte que sofreu derrota em juízo deve responder pelas verbas de sucumbência, mesmo em se tratando de ação de restituição de mercadorias não contestada pela concordatária, tendo em vista a insubsistência do artigo 77, § 7SJ., da Lei de Falências frente ao princípio da sucumbência, consagrado no Código de Processo Civil vigente.
Recurso provido."
Confiram-se, ainda, os seguintes precedentes:
"Falência. Pedido de restituição de mercadorias. Honorários de advogado.
A norma inserta no art. 77, § 7SJ., da Lei de Falências, que expressamente determina o pagamento das despesas da reclamação pelo reclamante, quando não contestada pelo reclamado, deixa de subsistir diante da nova sistemática instituída pelo Código de Processo Civil de 1973 (art. 20, caput) que lhe é posterior, incumbindo àquele que deu causa ao processo e sofreu derrota arcar com os encargos da sucumbência, incluídos os honorários de advogado. Precedentes da Quarta Turma.
Recurso conhecido e provido." (REsp n. 160.054-SP, DI de 11.12.2000, reI. Min. Barros Monteiro);
"Processo Civil. Honorários de advogado. Pedido de restituição. São devidos os honorários de advogado no pedido de restituição; exceção ao princípio de que todas as despesas que os credores fizerem para serem admitidos ao concurso na falência estão pré-excluídas de indenização (Decreto-Lei n. 7.66111945, art. 77, § 7SJ.). Recurso especial conhecido e provido." (REsp n. 16.945-ES, DI de 29.05.2000, reI. Min. Ari Pargendler).
Feitas estas considerações, conheço do recurso especial e lhe dou provimento, para determinar à Recorrida pagar à Recorrente, a título de
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
266 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
honorários advocatícios, a importância de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), que fixo nos termos do artigo 20, § 4.Q, do Código de Processo Civil.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 238.174 - SP (Registro n. 1999.0102895-7)
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrida:
Advogados:
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro
Campari do Brasil Ltda
Marçal de Assis Brasil Neto e outros e Antônio Carlos Gonçalves
Distillerie Stock do Brasil Ltda
Luiz Gastão Pães de Barros Leães e outros
Sustentação oral: Antônio Carlos Gonçalves (pelo recorrente) e Luiz Gastão Pães de Barros Leães (pelos recorridos)
EMENTA: Direito Civil e Direito Processual Civil - Contrato -Cláusula compromissória - Lei n. 9.307/1996 - Irretroatividade.
I - A Lei n. 9.307/1996, sejam considerados os dispositivos de direito material, sejam os de Direito Processual, não pode retroagir para atingir os efeitos do negócio jurídico perfeito. Não se aplica, pois, aos contratos celebrados antes do prazo de seu art. 43.
II - Recurso especial conhecido, mas desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Castro Filho, por unanimidade, conhecer do recurso especial e, por maioria, vencido o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, negar-lhe provimento. Votou vencido o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília-DF, 6 de maio de 2003 (data do julgamento).
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 267
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Relator.
Publicado no DJ de 16.06.2003.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Trata-se de recurso especial fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, interposto por Campari do Brasil Ltda contra Distillerie Stock do Brasil Ltda.
Consta dos autos que a Recorrida ajuizou ação com o objetivo de haver ressarcimento pelos danos decorrentes do fim de um longo relacionamento comercial mantido com a Recorrente.
Em contestação, a Recorrente argüiu duas preliminares, quais sejam, a existência de cláusula contratual de arbitragem e sua ilegitimidade passiva para a causa quanto aos contratos firmados até o ano de 1989. A primeira preliminar foi acolhida pela sentença.
Apelaram as partes, e a questão referente às duas preliminares referidas foi o objeto de debate no acórdão recorrido. Foi provido apenas o re
curso da recorrida "para cassar a sentença, devendo o processo retomar a sua seqüência natural" (fi. 456). A ementa do aresto foi lavrada nos seguintes termos:
"Cláusula arbitral assumida em contrato anterior ao advento da Lei n. 9.307/1996 continua correspondendo a simples promessa de constituir o juízo arbitral, sem força de impedir que as partes pleiteiem seus direitos no Juízo Comum (art. 5'\ XXXV, da Constituição Federal).
Sentença restritiva de acesso à ordem jurídica e que configura negativa de vigência ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e do próprio fundamento da arbitragem do comércio internacional.
Recurso da Autora provido para que a ação prossiga, improvido o da Ré." (fl. 445).
A Recorrente opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados pelo acórdão de fls. 475/478.
Daí a interposição do recurso especial, no qual se alega negativa de vigência do art. 9.Q. da Lei de Introdução ao Código Civil, dos arts. 1.Q. e 43
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
268 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
da Lei n. 9.307/1996, e dos arts. p. e 4.2 do Decreto n. 21.187/1932. Sustenta-se, também, contrariedade ao art. 1.211 do Código de Processo Civil, bem como divergência jurisprudencial quanto à aplicação da Lei n. 9.307/ 1996 e do Decreto n. 21.187/1932.
Esclarece a Recorrente que os contratos firmados com a Recorrida "previam cláusula de arbitragem, através da constituição de um tribunal em Milão, Itália, para dirimir quaisquer controvérsias entre as partes" (fl. 518). Argumenta que, de acordo com o art. 9.2 da LICC, deverá ser aplicada a lei do país em que a obrigação for constituída. No caso, "deveria ser aplicada a lei italiana, conforme já exposto nos contratos" (fl. 523).
Foram oferecidas contra-razões às fls. 621/633.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (Relator): A Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, representa considerável avanço no cenário jurídico nacional, na medida em que possibilita afastar a ameaça da inviabilização do trabalho do Judiciário. No âmbito da Justiça, há, em todo o mundo, queixa generalizada quanto aos custos e à delonga na solução dos litígios pelo Poder Judiciário. Entre as soluções para tais problemas, têm sido apontados meios alternativos de resolução dos conflitos, dentre os quais destaca-se a arbitragem.
Em notícia histórica, vale lembrar que, antes mesmo de o Estado chamar para si o monopólio da imposição coativa do Direito, as partes elegeram árbitros, pessoas integrantes do grupo social dotadas de sabedoria, experiência e conduta ilibada, o que inspirava a confiança dos contendores.
A Constituição de 1824, por sua vez, já consagrava meios conciliatórios privados, e dispunha, no art. 160, que "nas causas cíveis e penais, civilmente intentadas, poderão as partes nomear juízes árbitros, cujas sentenças serão executadas sem recursos, se assim o convencionarem ambas as partes". Todavia, com o advento do Código Civil, a matéria foi disciplinada de forma diversa, pois se dispôs que: "A sentença arbitral só se executará depois de homologada, salvo se for proferida por Juiz de 1ll. ou 2ll. instância, como árbitro nomeado pelas partes" (art. 1.045). O Código de Processo Civil de 1939 tornou obrigatória a homologação para a executoriedade da decisão. O Código Buzaid, em seu art. 1.098, dispôs que o Juiz a que couber originariamente o julgamento da causa é o competente para a homologação.
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Portanto, se as partes não quisessem acorrer diretamente ao Judiciário, deveriam valer-se do juízo arbitral e, posteriormente, postular a homologação judicial, sob pena de tornar inócua a atividade dos árbitros. Mas se a função do juízo arbitral era justamente tornar a solução dos conflitos de
interesses mais rápida e menos custosa e, ainda, sigilosa, a necessidade da homologação judicial o esvaziava de utilidade prática.
Em face desse panorama é que a lei disciplinou o juízo arbitral, fundado em institutos jurídicos existentes há longos anos no nosso ordenamento jurídico, mas pouco utilizados: o compromisso e o juízo arbitral. A "Lei
Marco Maciel" soluciona o grande obstáculo que impede uma maior utili
zação da arbitragem: o fato de não ter a cláusula arbitral força vinculante.
Por isso, é fundamental que se procure, com urgência, dar efetividade à nossa lei de arbitragem. A sua eficácia irá refletir no âmbito interno, proporcionando o descongestionamento do Judiciário e solução mais barata,
rápida e adequada aos conflitos de interesses. No âmbito externo, a formação dos blocos econômicos e a expansão da economia global atestam que as fronteiras nacionais passaram a ser obstáculo ao desenvolvimento das empresas multinacionais, fenômeno que, bem ou mal, assume dimensão mais significativa com a liberação cada vez maior do comércio.
A arbitragem vem sendo adotada em vários países, assim na América
Latina, como também em países europeus, tais como a França, Itália, Bélgica e Inglaterra. No Brasil, ela começa a dar, com otimismo, os seus pri
meiros passos rumo à efetiva utilização do juízo arbitral, tanto é que constitui gáudio saber-se da instalação de Tribunais de Arbitragem nos Estados
de São Paulo e Rio de Janeiro e de Câmaras no Ceará, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Bahia, Minas Gerais e Distrito Federal, entre outras unidades federativas.
É de todo pertinente citar a exigüidade de tempo na resolução de litígios através do juízo arbitral, consoante dados alvissareiros fornecidos pelo
Tribunal Arbitral de São Paulo, dando conta de que a duração dos processos a ele submetidos tem-se fixado no prazo máximo de 55 dias, menos de dois meses, portanto.
o STF, no julgamento de agravo interposto na SE n. 5.206-Espanha, declarou, incidentalmente, por maioria, a constitucionalidade da Lei n.
9.307/1996, por considerar que a cláusula compromissória e a permissão dada ao Juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar
o compromisso não ofendem o art. 5~, XXXV, da Constituição Federal.
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Em parecer proferido naquela causa, o Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, consignou o seguinte pensamento:
"O que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional estabelece é que: 'a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a Direito'. Não estabelece que as partes interessadas não excluirão da apreciação judicial suas questões ou conflitos. Não determina que os interessados deverão sempre levar ao Judiciário suas demandas."
Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery também se posicionam a favor da constitucionalidade da referida lei:
"A arbitragem não ofende os princlplos constitucionais da inafastabilidade do controle judicial, nem do juiz natural. A Lei de Arbitragem deixa a cargo das partes a escolha, isto é, se querem ver sua lide julgada por juiz estatal ou por juiz privado. Seria inconstitucional a Lei de Arbitragem se estipulasse arbitragem compulsória, excluindo do exame, pelo Poder Judiciário, a ameaça ou lesão a direito. Não fere o juiz natural, pois as partes já estabeleceram, previamente, como será julgada eventual lide existente entre elas. O requisito da pré-constituição na forma da lei, caracterizador do princípio do juiz natural, está presente no juízo arbitral." (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil em Vigor, Editora RT, 3.a ed., 1997,p. 1295).
Diante disso, resta saber se o diploma legal citado tem ou não aplicação no caso concreto. No acórdão recorrido são elencadas as seguintes razões para que sejam rejeitadas as preliminares suscitadas em contestação pela Recorrente:
- a cláusula arbitral, se assumida em contrato anterior à Lei n. 9.307/ 1996, corresponde a simples promessa de constituir o juízo arbitral, ou seja, obrigação de fazer, cujo descumprimento sujeita o inadimplente, quando muito, a arcar com perdas e danos. A cláusula, no plano nacional, é inútil, pois não tem força vinculante;
- a sentença que extingue o processo em virtude da constatação da existência de cláusula arbitral configura negativa de vigência do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, bem como do próprio fundamento da arbitragem do comércio internacional;
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- a ação foi proposta quando a Lei n. 9.307/1996 já estava em vigor,
mas o contrato que estabeleceu a cláusula arbitral é de 1971. Tanto para o CPC de 1939 quanto para o de 1973, a distinção entre cláusula arbitral e compromisso arbitral era de singular importância, "porque a redação do
contrato com regra de subsunção aos árbitros desacompanhada de compromisso específico, representava simples pactum de compromittendo incapaz de 'obstar à cognição dos juízes ordinários'" (fl. 451).
Após tecer considerações sobre a Lei n. 9.307/1996, "um marco histórico para o avanço sistemático da arbitragem no Brasil, considerada agora
uma aliada da função do Judiciário de pacificar conflitos" (fl. 449), o acórdão deixa claro que a questão em debate não se refere à soberania da cláusula, mas ao fato de ter esta sido pactuada antes da entrada em vigor
da lei de regência.
Quanto à segunda preliminar, a de ilegitimidade passiva para a cau
sa, constam os seguintes fundamentos:
- não é possível constatar que a Davide Campari-Milano S.P.S e a Campari do Brasil S/A são pessoas distintas, pois esta última foi fundada com 99,99% do capital social da primeira;
- a Campari Brasil S/A é clone da matriz italiana, necessário para con
quistar direitos na América. Posicionou-se em relação à Distillerie Stock -ora recorrida - ratificando o passado contratual da Davide Campari, sub-rogando-se em direitos e obrigações, inclusive no dever de responder por pre
juízos causados ao longo dos anos.
Nesse contexto, não se afiguram procedentes os argumentos da Recor
rente.
Em primeiro lugar, consigne-se deva prevalecer o aresto quanto à
questão da legitimidade, mesmo porque alterar o entendimento nele firmado implica a necessidade de rever o contexto fático-probatório dos autos. A tanto não se presta o recurso especial, consoante enunciado n. 7 da
Súmula desta Corte.
No que se refere à cláusula arbitral, o óbice maior à sua prevalência no caso concreto - segundo o acórdão recorrido e tal como explicitado anteriormente - é o fato de ter sido pactuada antes da entrada em vigor da Lei
n. 9.307/1996. Daí porque o Recorrente aduz violação ao art. 1.211 do Código de Processo Civil, segundo o qual "ao entrar em vigor - o CPC -suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes".
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Para a solução da controvérsia, portanto, é necessário saber se a lei de regência atinge os negócios jurídicos já firmados ou não.
Consta que as partes assinaram o contrato em 1971. Trata-se de ato jurídico perfeito, em que as partes pactuaram a cláusula arbitral, cujos termos foram transcritos no aresto como a seguir:
"Para qualquer controvérsia que possa surgir entre as partes, será feito recurso a uma arbitragem de três juízes que decidirão ex bono et aequo. Em caso de controvérsia, cada parte nomeará um juiz, e os dois juízes, assim nomeados, designarão o terceiro juiz. Em caso de desacordo sobre a nomeação do terceiro juiz, este último será designado pelo Presidente da Ordem dos Advogados de Milão." (fi. 457).
A cláusula, então, foi fumada antes da entrada em vigor da Lei n. 9.307/ 1996, cuja natureza processual é defendida pelo Recorrente. Pelo negócio jurídico em exame, as partes estipularam que qualquer controvérsia dele oriunda seria submetida a arbitragem. A diferença reside em que, com a entrada em vigor daquele diploma, o interessado passou a dispor do mecanismo adequado para fazer valer a cláusula arbitral, que, considerada obrigação de fazer, não ensejava execução específica. Por isso o acórdão consignou que o descumprimento da avença "sujeita, quando muito, a perdas e danos" (fi. 449).
Impende considerar, tal como o fez o aresto, citando Galeno Lacerda, que "Lei processual nova não pode atingir situações processuais já constituídas" (fi. 453). A Recorrente insiste em que "a cláusula arbitral pactuada entre as partes já encontrava-se apta a produzir efeitos em conformidade com as novas disposições previstas na Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996", e, tendo a ação sido proposta em 17 de dezembro de 1996, "como poder-se-ia clamar por direitos processuais adquiridos, quando nem sequer havia sido instaurado processo e/ou praticados quaisquer atos processuais?" (fi. 528).
Todavia, a despeito da inteligente argumentação da Recorrente em torno dos direitos processuais adquiridos, não se pode olvidar que as partes, ao contratarem, tinham em mente a incidência das regras então em vigor, não fazendo qualquer ressalva quanto à possibilidade de aplicação de lei nova. Portanto, ainda que se diga ter a lei de arbitragem natureza processual, não se trata apenas de estudar as normas que regem os processos pendentes, mas também de cuidar dos efeitos de negócio jurídico já firmado, o qual não
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pode sofrer ingerência de lei posterior. Destarte, deve-se compatibilizar, para a solução do presente caso, o que dispõe o art. 1.211 do CPC, tido por violado, com a regra do art. 6Q. da Lei de Introdução ao Código Civil.
A respeito do tema da irretroatividade da lei, há precedentes na jurisprudência desta Corte, da qual são exemplos os seguintes julgados:
"Direito Civil. Contratos. Superveniência da lei.
A lei nova é inoponível aos contratos em curso, salvo se modificando a conjuntura econômica afeta à base do negócio jurídico.
Recurso especial não conhecido." (REsp n. 53.345-CE, relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 23.10.1995).
"Caderneta de poupança. Correção monetária. Alteração de critério em virtude da Lei n. 8.024/1990.
Na ação de cobrança para reaver a diferença de rendimentos, é parte legítima passiva ad causa:m a instituição financeira privada com a qual foi celebrado o contrato de depósito, porque lei nova não pode alterar negócio jurídico firmado sob o império de diploma legislativo anterior." (REsp n. 41. 760-SP, relator Ministro Torreão Braz, DJ de
09.05.1994).
"Celebrado o negócio jurídico sob a égide de uma lei, é essa aplicável para reger a relação jurídica constituída, de duração determinada e definida, em garantia do ato jurídico e em atenção à necessidade de segurança e certeza reclamadas pela vida em sociedade para o desenvolvimento das relações civis e comerciais." (REsp n. 10.391-PR, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 20.09.1993).
"Lei nova não pode alterar negócio jurídico firmado sob o império de diploma legislativo anterior." (RSTJ n. 71/293).
o STF também já se pronunciou sobre a matéria:
"A incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negociaI, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas." (RE n. 193.792-RS, relator l\Ilinistro Celso de Mello, DJ de 10.12.1996).
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o caso concreto não assume peculiaridades que justifiquem tratamento diverso, devendo prevalecer a lei vigente quando da contratação. Não se trata de simples normas de procedimento, mas de regras que, se aplicadas, afetariam os efeitos da obrigação assumida no passado e, conseqüentemente, o direito material das partes.
Logo, se o contrato foi legitimamente firmado, os contratantes têm o direito de vê-lo cumprido de acordo com a lei vigente ao tempo de sua celebração, a qual regulará seus efeitos.
Portanto, apesar do significativo avanço representado pela Lei n. 9.307/ 1996, a qual não ofende o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, deve ser respeitado o negócio jurídico perfeito.
Ante o exposto, não há que se falar em violação ao art. 1.211 do CPC, nem da Lei n. 9.307/1996.
E, salvo com o julgado de Minas Gerais (fls. 543/556), a divergência jurisprudencial também não restou caracterizada, à míngua de circunstâncias que assemelhem os casos confrontados.
No paradigma do STJ (fls. 560/608), tratou-se de contrato internacional e a aplicação do Protocolo de Genebra. No acórdão recorrido, entendeu-se que o contrato não era internacional e, de qualquer forma, não se fizeram ponderações sobre o referido protocolo.
O julgado do Rio Grande do Sul (fls. 557/559) versou sobre arbitragem, mas não discutiu a questão sob o enfoque do direito intertemporal. No caso em análise, a Lei n. 9.307/1996 deixou de ser aplicada para que não se ofendesse o ato jurídico perfeito.
Com relação ao paradigma de Minas Gerais, tem-se que a tese ali defendida não pode ser acolhida. Registrou-se naquele julgado que, "em tema de juízo arbitral, matéria estritamente processual, é irrelevante que a arbitragem tenha sido convencionada antes da vigência da Lei n. 9.307/1996" (fl. 543). Porém, do que aqui já restou exposto, a lei nova não pode retroagir para atingir os efeitos do negócio jurídico perfeito. A lei processual tem, sim, aplicação imediata aos processos em curso ou aos que forem iniciados. Mas tal regra se refere ao procedimento, não à convenção das partes, sob pena de se ofender a autonomia de sua vontade.
O Decreto n. 21.187/1932 e o art. 9.\1. da Lei de Introdução ao Código Civil não foram prequestionados. A Recorrente pretende seja aplicada a lei italiana ao caso em exame, pois aquele determina a aplicação da lei do país em que a obrigação for constituída. Entretanto, o Tribunal a quo afastou a
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possibilidade da arbitragem ao fundamento de que a lei de regência não vigia à época da contratação, sem levar em consideração o lugar em que firmado o contrato.
Portanto, é aplicável, no particular, a Súmula n. 211 desta Corte.
De qualquer modo, a argumentação da Recorrente não poderia ser aco
lhida, pois o acórdão, mediante assertivas inafastáveis sem nova investigação de elementos probatórios, estabeleceu que, de fato, a obrigação constituiu-se no Brasil (o que, repita-se, não foi o fundamento de que se valeu
o Tribunal para julgar pela possibilidade de a Recorrida ajuizar a ação). Além disso, constatou-se que a Recorrente é de nacionalidade brasileira. Assim, não pode ela dizer que é empresa internacional.
A respeito, transcrevem-se as seguintes passagens do acórdão:
"O recurso da Campari é inconsistente, na medida em que pro
cura fragmentar, no tempo, um relacionamento comercial ininterrupto e que somente modificou-se com o nascimento da Campari do Brasil, que substituiu a Davide Campari-Milano Campari S.P.S.
( ... )
A Campari do Brasil posicionou-se em relação à Distillerie Stock
ratificando o passado contratual da Davide Campari, o que representa
uma sub-rogação de direitos e obrigações, inclusive e eventualmente, no dever de responder pelos prejuízos decorrentes do abuso do poder contratual exercido ao longo dos anos.
( ... )
Além disso, a Ré é pessoa jurídica nacional." (fls. 448 e 458, grifei).
E, do que consta dos autos, a ratificação citada foi firrpada no Brasil.
Ainda que assim não fosse, registre-se que a Recorrente se contradiz ao pedir, com fundamento no art. 9.1l. da LICC, a aplicação da lei italiana - argumentando ser empresa italiana - e, ao mesmo tempo, a aplicação da
Lei n. 9.307/1996, diploma brasileiro.
Ademais, consta de uma das ratificações do contrato que eventuais controvérsias haveriam de ser dirimidas no Brasil. Não se pode, pois, afastar
a cláusula de eleição de foro ao argumento de que pactuado o compromisso
arbitral ou de que a lei italiana deveria ser aplicada ao caso. Sobre o ponto, confira-se o seguinte trecho do aresto recorrido:
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276 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Assim, a legitimidade ad causam da acionada era incontestável, sendo a repercussão da mesma questão absolutamente atrelada ao mérito, inclusive se a Ré responderá por atos anteriores à sua constituição, ou mesmo posteriores, mas praticados pela empresa italiana.
Ora, a cláusula compromissória constante no pacto de 1974 não foi ratificada, expressamente, pelas avenças posteriores dos digladiantes. Além disso, a Ré é pessoa jurídica nacional e, embora pertencente à subscritora do contrato de 10.04.1974, não o subscreveu.
O contrato de distribuição firmado entre a Stock do Brasil e a Campari do Brasil continha cláusula expressa, a respeito do tema (14.1, fi. 92):
'Fica eleito o foro da Comarca da capital do Estado de São Paulo, para dirimir toda e qualquer pendência oriunda deste contrato, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que possa ser.'" (fi. 458).
Logo, verifica-se o acerto do acórdão recorrido em anular a sentença na qual o juiz de 1.Q. grau se declarava incompetente para conhecer da ação ajuizada pela Recorrida.
Posto isso, em conclusão, conheço do recurso especial, uma vez que caracterizado o dissídio de julgados antes referido, mas lhe nego provimento.
VOTO-VENCIDO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: A Empresa-recorrida ajuizou ação de indenização alegando ser empresa que se destaca no mercado internacional de produtores de bebidas, estando há mais de 60 anos no ramo, possuindo sede social e fábrica em São Paulo e escritório de representação nos mais expressivos centros comerciais do território brasileiro; que quando constituída em 1934 tinha a denominação de Seagers do Brasil S/A, sendo então controlada pela Seagers (Overseas) Ltda, empresa britânica; que em 1966 a Distillerie Stock USA Ltda passou a fazer parte da sociedade, quando teve a razão social alterada para Seagers & Stock do Brasil S/A Importadora e Industrial de Bebidas; que em 1971 a Seagers retirou-se da sociedade, cedendo suas quotas para a Lynelko Holding S/A, que vinha a ser uma holding suíça; que, finalmente, em 1976 veio a ter sua razão social alterada para Distillerie Stock do Brasil; que em 31.05.1990 a Lynelko Holding S/A cedeu e transferiu as quotas sociais da controlada para
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a Lynco-Serviços Empresariais S/C Ltda, que atualmente tem a denominação social de Lynco-Participações Ltda, sociedade civil de capital nacional; que até a data de hoje, como sócia majoritária, detém o controle a Suplicante, conforme se verifica do contrato social consolidado em 21.11.1994; que em 1958, sob a denominação social da época, sob licença da proprietária da marca, Davide Campari-Milano S.P.A., lançou no mercado brasileiro o produto denominado "bitter Campari"; que em 16.04.1971 foi assinado em Lugano, na Suíça, o primeiro contrato de licença entre a Davide Campari-Milano S.P.A., como licenciadora, e a Seagers & Stock do Brasil S/A, como licenciada, para disciplinar o uso da marca "Campari" no Brasil; que por esse contrato a Seagers & Stock foi autorizada a produzir e comercializar o "bitter Campari", pagando royalties à licenciadora pelo uso da respectiva marca; que para a fabricação a Autora era obrigada a adquirir da Suplicada uma "mistura especial de ervas aromáticas" e outros materiais, "faturados ao seu preço de tarifa", "sujeito às flutuações do mercado, para entrega FOB-Gênova"; que o contrato estabelecia que as aludidas "misturas de ervas" constituíam segredo de fabricação, não podendo a sua composição ser revelada, devendo, ainda, a licenciada reservar uma quota mínima equivalente a 11 % do preço de vendas para a publicidade do pro
duto no território brasileiro, ademais de ficar incumbida de ser a guardiã da marca no país, sem direito a qualquer remuneração, salvo o reembolso das despesas que fizesse no desempenho dessa obrigação; que nesse contrato o endereço da Seagers & Stock era na Rua Humberto I, um prédio alugado de aproximadamente 2.000m2 em terreno de 3.200m2
, e que, pelo contrato, a Seagers & Stock não deveria medir esforços para ter equipamentos
e instalações adequados ao fabrico do produto; que, em 10.04.1974, a licenciadora Davide Campari-Milano S.P.A., à margem do contrato de 1971, firmou com a licenciada dois contratos, um no Brasil e outro em Lugano, na Suíça, o primeiro "continha quinze cláusulas elaboradas de acordo com as normas e disposições então vigentes no nosso país (que o Ato Normativo n. 15, de 11 de setembro de 1975, do INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial, viria logo depois consolidar), tendo sido levado à averbação nesse instituto, sem encontrar nenhum óbice", sendo sucessivamente prorrogado e objeto de dois aditamentos, também registrados; que o outro foi assinado em Lugano, entre a licenciadora e a Distillerie Stock S.P.A., denominado "contrato integrante de licença", "visto que consubstanciava uma complementacão às quinze cláusulas do contrato de licença assinado no Brasil, tanto assim que as suas cláusulas são enumeradas a partir da cláusula n. 16 em diante", não encaminhado ao INPI pela simples razão "de que os
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compromissos assumidos pela licenciada não seriam admitidos pelo INPI. Celebrado fora do território brasileiro, tinha, assim, por escopo impor as referidas obrigações à Suplicante, que delas não poderia se furtar, dados os vultosos investimentos que à essa época já fizera em sua fábrica para a produção do 'bitter Campari' no Brasil"; que com tais contratos, a Suplicante tinha mais segurança para continuar a manter a fabricação do produto, iniciada em 1971, arcando com os elevados custos decorrentes da industrialização e comercialização do produto, tendo investido na construção de novas instalações, com área de 10.000m2 em terreno de 18.000m2; que em função do trabalho desenvolvido, de 1976 a 1990, o Brasil figurou como o maior país de venda do "bitter Campari", refletindo-se no faturamento da Suplicante, de tal modo que o produto ganhou a posição de principal de sua linha de comercialização, "concorrendo com mais de 50% (cinqüenta por cento) do montante de suas vendas globais"; que em razão desse êxito a Davide Campari-Milano S.P.A. começou a dar maior atenção ao mercado brasileiro; que a partir daí "as relações entre licenciadora e licenciada começam a se deteriorar"; que em 1980 foi realizada a la. Convenção Internacional Campari, cabendo à Suplicante a organização do evento reunindo os fabricantes e distribuidores da Davide Campari em todo o mundo, comparecendo o Vice-Presidente da Ré; que ficou decidido, então, que a Suplicada passaria a participar diretamente do acompanhamento desse mercado, com a presença permanente de um preposto no Brasil; que alguns meses após a convenção, em 18.06.1982, foi constituída em São Paulo a Campari do Brasil Ltda, com a finalidade de representar os interesses da empresa italiana no Brasil e promover a defesa e a afirmação dos produtos; que com a criação da nova empresa ocorreu uma profunda mudança no relacionamento entre a licenciadora e a licenciada; que o contrato brasileiro de licença foi prorrogado como já assinalado, tratando-se de simples formalidade, para disciplinar, apenas, o uso da marca, sendo que o "relacionamento industrial, comercial e administrativo era regulado pelo contrato firmado em Lugano, sem registro no Brasil"; que, ao contrário do contrato brasileiro, "cuja vigência era anual, esse contrato, concebido inicialmente para ser uma 'complementação' do outro, passou a ser por prazo de 5 (cinco) anos iniciais, com mais 5 (cinco) anos de prorrogação e previsão de renovação automática a cada biênio (doc. n. 5, cláusula 26), 'desde que as metas de venda fossem atingidas e todas as cláusulas do contrato satisfatoriamente cumpridas'''; que com a constituição da Campari do Brasil novo contrato foi assinado em Lugano, com data de 10.09.1984, revogando expressamente o contrato de 10.04.1974, "e a estipulação de cláusulas contundentes e mais restritivas do
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que as do contrato anterior", assim as de n. 23, 24 e 29, verdadeiramente
potestativas, demonstrando "claramente a trama que a Campari começava a armar com o intuito de assenhorear-se de todos os conhecimentos sobre o mercado brasileiro, tanto na área de publicidade e promoção quanto na área
de produção e venda, com relação ao produto"; que três anos após a sua
constituição, a Campari do Brasil começou a construção de sua fábrica, que
ficaria pronta em 1988; que tal contrato revela a "intenção oculta e
desenganadamente dolosa da Campari: tão logo estivesse em plena capacidade de funcionamento no Brasil a sua planta industrial, simplesmente lan
çaria às urtigas a Stock, que tanto fizera para difundir o nome do 'bitter
Campari' no país. Usando da força de seu poder econômico, simplesmente impôs se mantivesse no instrumento a disposição que ensejava à licenciadora
a faculdade de rescindir antecipada e unilateralmente a avença (doc. n. 6,
cláusula 29)"; com a finalização da fábrica da Campari, pronta para fabri
car diretamente o produto, "sob licença da casa-mãe Davide Campari-Milano S.P.A., à Campari do Brasil pareceu não mais interessar a manutenção com a Stock de outro relacionamento, a não ser aquele que paulatinamente con
duzisse à total absorção da organização comercial de venda da Suplicante.
Foi o que, sem o menor constrangimento, a Suplicada passou a fazer"; que
o primeiro passo foi a absorção dos serviços de publicidade, função que era
desempenhada pela Autora, na forma do contrato, com obrigatória destinação de pelo menos 11 % de seu faturamento para custeio do encargo; que para esse fim foi assinado contrato específico em 05.07.1982, pas
sando a Campari a fornecer à Stock "todas as informações e elementos pu
blicitários utilizados pela empresa italiana em todas as praças do mundo,
pelo que a Stock deveria, na contratação das campanhas publicitárias, submetê-las à prévia aprovação da Campari (cláusula 3.!!., item 3.1). O pre
ço do fornecimento, pela Campari, do material de publicidade, seria pago
pela Stock (cláusula 5.!!., item 5.1)"; que, em seguida, passou a assumir a própria organização de vendas da Stock, substituindo em 1988 o fornecimento da "mistura de ervas" por um produto intermediário (xarope), que chama de "semi-acabado", e, logo em 1989, comunica a Stock "que, a partir
de 1 Jl. de janeiro de 1990, passaria, ela própria, a fornecer o produto engarrafado, ou seja, o produto acabado pronto para consumo, pelo que, a partir de
então, o papel da Stock deveria resumir-se ao papel de mero distribuidor do produto no país"; que, enfim, pronta para fornecer o produto acabado, "mas
não contando ainda com uma organização comercial hábil para proceder à
venda do 'bitter Campari' no país, não obstante vigorasse ainda o último
'contrato integrante de licença', que autorizava a Stock a fabricar o produto
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no Brasil, a Campari simplesmente obrigou a Stock a assinar em 5 de julho de 1989 (pois, a essa altura, quando corria o risco de perder todo o seu investimento, como poderia a empresa brasileira se recusar a assinar o que quer que fosse?), obrigou a Stock, repetimos, a assinar um 'contrato provisório de distribuição do produto' (doc. n. 8), para vigorar até 31.12.1989, sob o pretexto de 'tutelar os interesses do produto"'; que tal contrato virou definitivo, na forma do contrato assinado em 30.06.1989, vigendo a partir de 01.01.1990, descobrindo os verdadeiros propósitos da Ré, "até então encobertos com atitudes cerimoniosas e gentis. Como é exemplo, aliás, a carta, em inglês, datada de 26.09.1989 (doc. n. 10), firmada pelo diretor da Divisão Internacional da Davide Campari, pela qual essa empresa comunica à Stock a rescisão, por manifestação unilateral de vontade, do último 'contrato integrante' entre eles celebrado - sem antes deixar de enaltecer a bem-sucedida colaboração da empresa brasileira para a afirmação da marca Campari no território nacional"; que as obrigações do contrato de distribuição conduziram a uma situação insustentável, com dispositivos infames, ensejando um processo de agressão e aviltamento, com cláusulas absurdas, alcançando o seu ponto culminante com a correspondência enviada pela Campari, em 08.07.1992, seis meses antes da vigência do último contrato, dando por encerrado o contrato de distribuição e impondo a cumprir uma cláusula de não-concorrência, pelo prazo de um ano após a rescisão da avença. Com base nesse cenário é que ingressou com o pedido de perdas e danos.
A sentença julgou extinto o processo considerando que o contrato previa uma cláusula de arbitragem (fl. 50). Para o Juiz, "o contrato tem força de lei entre as partes. No presente caso, temos que o contrato firmado não é de adesão, vale dizer, as partes tiveram e puderam usar de toda a sua autonomia negocial. Puderam estabelecer livremente as cláusulas contratuais. Assim, se escolheram as leis do Estado da Itália e, dentro desse país, Milão, para ser aplicada no seu relacionamento comercial, e se escolheram a arbitragem para resolver os seus conflitos foi porque tinham em mente, provavelmente: a) o fato de que as normas jurídicas italianas são mais estáveis que as brasileiras, o que é vital em qualquer relacionamento comercial, seja ele duradouro ou não; b) o fato de que a arbitragem internacional tem custos menores que o recurso ao Judiciário, seja ele o italiano ou o brasileiro; c) além disso, o árbitro é, em geral, pessoa que conhece bem o ambiente e as atividades das partes envolvidas, o que faz com que a tramitação seja mais rápida". Para a sentença, o "contrato tem força de lei entre as partes, devendo prevalecer. Entendo que, no presente caso, as partes sabiam de toda
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a legislação pertinente e, mesmo assim, a Autora concordou com a colocação de cláusula de eleição de foro e de arbitragem. Assim, não pode vir a Autora, citando outras fontes legislativas, clamar pela competên_cia da jurisdição nacional".
o Tribunal de Justiça de São Paulo, porém, proveu a apelação da Autora para que a ação siga o seu curso. Primeiro, negou provimento ao recurso da Campari, "na medida em que procura fragmentar, no tempo, um relacionamento comercial ininterrupto e que somente modificou-se com o nascimento da Campari do Brasil, que substituiu a Davide Campari-Milano Campari S.P.S. Tal ocorreu porque a Davide Campari fundou a Campari do Brasil, com 99,99% de seu capital social (fi. 148)", daí que a Campari do Brasil é mesmo parte legítima. Segundo, acolheu a impugnação com relação ao juízo arbitral. Para o eminente Desembargador Ênio Santarelli Zuliani, relator, a "Autora não está obrigada a pleitear seu direito em juízos arbitrais italianos, porque a cláusula que assumiu no contrato de 1971 é de obrigação de fazer (realizar um compromisso de submissão à arbitragem internacional), cujo descumprimento sujeita, quando muito, a perdas e danos". Para o Tribunal de origem a Lei n. 9.307/1996 já estava em vigor quando ajuizada a ação, mas, o contrato que acolheu o juízo arbitral é de 1971, e tanto para o Código de 1939 como para o Código de 1973 "a distinção entre cláusula arbitral e compromisso de juízo arbitral era de singular importância, porque a redação do contrato com regra de subsunção aos árbitros desacompanhada de compromisso específico, representava simples pactum de compromittendo incapaz de 'obstar à cognição dos juízes ordinários' (Barbosa Moreira, Juízo Arbitral. Cláusula Compromissória: Efeitos, in Temas de Direito Processual- Segunda Série, Ed. Saraiva, 1980, p. 210)". Para o acórdão recorrido, a "Autora prometeu assumir compromisso de assinar um documento pelo juízo arbitral com exclusividade. Não o fez e nunca deu mostras de aceitar essa fórmula alternativa de composição de litÍgios". Entendeu o acórdão recorrido que a sentença errou porque considerou a cláusula como de renúncia, faltando o compromisso solene indispensável para a realização da arbitragem. Finalmente, considerou que o processo cuida de indenização em decorrência da falta de renovação, sendo questão de "índole indenitária", "de direito puro, escapando dos fundamentos costumeiros da arbitragem", "matéria contenciosa própria da jurisdição oficial, de sorte que remeter os interessados ao juízo arbitral para resolver pedido indenizatório pós-resolução do contrato é, acima de tudo, negar vigência ao princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5Q., XXXV, da Constituição Federal)".
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o eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro conheceu do especial, mas negou-lhe provimento. O ilustre Relator destacou que o Supremo Tribunal Federal declarou, incidentalmente, por maioria, a constitucionalidade da Lei n. 9.307/1996, "por considerar que a cláusula compromissória e a permissão dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o art. 511., XXXV, da Constituição Federal". Destacou, ainda, que, de fato, a arbitragem não ofende ao princípio constitucional referido, todavia, no caso, a cláusula foi celebrada antes da Lei n. 9.307/1996, o que significa que ela é, apenas, "simples promessa de constituir o juízo arbitral, ou seja, obrigação de fazer, cujo descumprimento sujeita o inadimplente, quando muito, a arcar com perdas e danos", sendo inútil, portanto, no plano nacional, "pois não tem força vinculante" .
Pedi vista para refletir sobre a natureza da cláusula assumida no contrato firmado pelas partes, antes da vigência da Lei n. 9.307/1996. Não me preocupou a circunstância da irretroatividade assinalada pelo eminente Relator, mas, sim, o alcance da cláusula sob o regime anterior, daí que, desde logo, afasto qualquer alegação de violação à Lei n. 9.307/1996 e ao art. 1.211 do Código de Processo Civil.
Na minha compreensão, com todo respeito ao entendimento firmado pelos votos que me antecederam, a cláusula arbitral está inserida em contrato internacional, contrato de licença entre empresa estrangeira e empresa brasileira, celebrado em língua inglesa, nos autos com tradução feita por tradutor juramentado (fl. 50), sendo um contrato de licença, com o teor que se segue:
"19. Para qualquer disputa que possa surgir entre as partes, recorrer-se-á a uma junta de arbitragem de três membros, os quais decidirão ex bono et aequo. No caso de disputa, cada parte nomeará um árbitro e os dois árbitros, assim nomeados, nomearão o terceiro árbitro. Caso os dois árbitros não concordem sobre o terceiro árbitro, sua nomeação será deixada ao Presidente da Ordem dos Advogados (Conselho da Ordem dos Advogados) de Milão.
A sede da arbitragem será em Milão."
Sendo um contrato internacional, com específica cláusula arbitral, não me parece razoável seja aplicada a distinção feita pelo acórdão recorrido entre cláusula arbitral e compromisso de juízo arbitral. A natureza internacional do contrato impõe que a distinção fique superada, valendo o Protocolo
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de Genebra de 1923, em que não existe a distinção de ordem prática entre os institutos da cláusula compromissória e do compromisso, como mostrou o voto do eminente Ministro Gueiros Leite, prevalecente em antigo prece
dente desta Terceira Turma, nos autos, valendo reproduzir os trechos que se
seguem:
"Sendo esse contrato de índole internacional, a ele se aplicam, em
matéria de arbitragem, as regras do Protocolo de Genebra de 1923, do qual é signatário o Brasil, que o incorporou à sua ordem jurídica pelo Decreto n. 21.187, de 22 de março de 1932. No Protocolo está previsto que os Estados contratantes reconhecem a validade quando as partes estão submetidas a jurisdições diversas, de compromissos ou de cláusulas compromissórias, pelos quais as partes se obrigam, contratualmente, em matéria comercial ou em qualquer outra suscetível de ser resolvida mediante arbitragem, a submeter suas divergências ao juízo de árbitros, ainda que a arbitragem se verifique num país de jurisdição diferente.
Assim, nas arbitragens internacionais e por força mesmo do Protocolo de Genebra de 1923, não há distinção de ordem prática entre
os institutos da cláusula compromissória e do compromisso, aos quais são atribuídos os mesmos efeitos legais. Esta é a orientação que os Recorrentes sustentam (fi. 417), com apoio em alguns juristas estrangeiros
e nacionais. Chillón Medina e Merino Merchán, citados pelos Recorrentes, doutrinam que nos países que incorporaram ao seu Direito o conteúdo desses tratados internacionais, a diferença entre compromisso e cláusula compromissória deixou de operar, a partir do momento em que se outorga validade e eficácia a ambos (Tratado de Arbitrage Privado Interno e Internacional, Civitas, Madrid, 1978, la ed., pp. 314 e 315, fi. 418).
Da mesma opinião comunga José Carlos de Magalhães. Ressalta ele que no Direito brasileiro, exatamente por força do Protocolo,
também se distinguem os contratos sobre arbitragem em internos e internacionais, submetendo-os a regimes jurídicos diversos. Nos con
tratos internos, a cláusula arbitral constitui obrigação de fazer e não importa na instituição automática do juízo arbitral, que ficará na de
pendência do compromisso, formalizado de acordo com os termos do art. 1.039 do CC, e do art. 1.074 do CPC. Nos contratos internacionais, submetidos ao Protocolo, a cláusula arbitral prescinde do ato subseqüente do compromisso e, por si só, é apta para instituir o juízo
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arbitral. Essa diversidade é acolhida internacionalmente, nos tribunais franceses e americanos, que têm considerado válidas cláusulas arbitrais em contratos internacionais (A Cláusula Arbitral nos Contratos Internacionais, RF, 1982, vol. 277, pp. 372 e 373, fi. 419). O mesmo autor, secundado por Luis César Ramos Pereira (A Arbitragem Comercial nos Tratados Internacionais, RT n. 572/27-28, fi. 419), é de opinião que até mesmo nos contratos internacionais não sujeitos ao Protocolo, há que se conferir validade plena à cláusula arbitral, pelo simples fato de que deve prevalecer o princípio da boa-fé."
Veja-se, ainda, no ponto, o voto-vista do Sr. Ministro Nilson Naves:
"8. Sucede, no entanto, que o Protocolo é anterior ao Código de 1939. Por isso, em seu voto de Relator, o Sr. Ministro Cláudio Santos apontou a prevalência da lei interna, que prevê o compromisso, e não a cláusula compromissória, mormente com o Código de 1973, arts. 1.072 a 1.074 e 1.100.
9. Dou razão ao Sr. Relator, no pormenor, vez que a nossa lei, ao dispor sobre o juízo arbitral, não dedicou sequer uma palavra à cláusula compromissória. De meu lado, reconheço o alto significado da cláusula, pois, ao fazê-la constar de um contrato, os contratantes têm a nítida intenção de levar o litígio, futuro obviamente, ao juízo arbitral, com antecipada renúncia ao juízo natural. Vontade livre, conforme o princípio da autonomia da vontade, adequada ao plano civilístico. Daí dispor o Protocolo, no n. 2, que o processo da arbitragem é regulado pela vontade das partes, e também 'pela lei do país em cujo território a arbitragem se efetuar'."
O Sr. Ministro Eduardo Ribeiro pronunciou voto entendendo prevalecer, mesmo em se tratando de contrato internacional, a regra do Código de Processo Civil, desenvolvendo o raciocínio que se segue:
"Em nosso Direito, inexiste hierarquia entre o tratado e a lei ordinária, sendo mesmo objeto de crítica norma do Código Tributário Nacional, dispondo em contrário. Divergindo a lei do tratado, aplicase aquela que por último foi incorporada à ordem jurídica nacional. No caso, o Código de 1973. De outra parte, pelo próprio Protocolo de Genebra, conclui-se que o Tribunal Arbitral há de constituir-se com obediência às leis do país em que se instalar. Parece, pois, realmente
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 285
certo que a matéria relativa ao Juízo Arbitral, ainda se tratando daquele que se instalou em função de contrato internacional, há de reger-se pelas normas do Código de Processo Civil pertinentes."
De fato, não há falar em hierarquia entre tratado e lei ordinária, como bem anotado pelo Sr. Ministro Eduardo Ribeiro em seu voto. Mas, na minha compreensão, não é disso que se trata. O contrato, como já anotei, sem dúvida, é um contrato internacional, não apenas pela sua natureza, isto é, contrato de licença firmado por empresa estrangeira, no estrangeiro sediada, e empresa brasileira, em língua estrangeira, estabelecendo juízo arbitral com sede em Milão, ou seja, com obediência à lei daquele país, não sendo mesmo, no caso destes autos, de se aplicar o Código de Processo Civil de 1973.
Por outro lado, a meu sentir, não se pode, sob pena de respingar em violência ao próprio princípio da boa-fé, oferecer uma interpretação que não estava presente na vontade das partes, salvo se se pretende identificar uma verdadeira fraude contratual. O que está no contrato internacional firmado é que as disputas seriam resolvidas em juízo arbitral, sediado em Milão, e, portanto, sem que qualquer outro ato tivesse de ser praticado para que valesse a cláusula contratual, assumida pela livre vontade das partes. Interpretação de outro modo, com todo o maior respeito, destoa, malfere mesmo, a vontade das partes, livremente assumida.
Tenho como presente o dissídio.
Pedindo vênia aos eminentes Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Ari Pargendler, eu conheço do especial e lhe dou provimento para restabelecer a sentença.
VOTO-VISTA
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto por Campari do Brasil Ltda, com fundamento no art. 105, IH, letras a e c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido em ação de conhecimento em que a ora recorrida pretende a indenização por danos emergentes e lucros cessantes.
O acórdão recorrido está assim ementado:
"Cláusula arbitral assumida em contrato anterior ao advento da Lei n. 9.307/1996 continua correspondendo a simples promessa de constituir o juízo arbitral, sem força de impedir que as partes pleiteiem seus direitos no Juízo Comum (art. 5ll., XXXV, da Constituição Federal).
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Sentença restritiva do acesso à ordem jurídica e que configura negativa de vigência ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e do próprio fundamento da arbitragem do comércio internacional.
Recurso da Autora provido para que a ação prossiga, improvido o da Ré."
Interpostos embargos de declaração, foram estes rejeitados nos seguintes termos:
"Embargos declaratórios interpostos com o propósito de suprir omissão do acórdão.
Fundamentação adequada aos limites da lide e que subsiste livre do vício apontado. Rejeição dos embargos."
Sustenta a Recorrente a contrariedade aos seguintes dispositivos federais:
a) arts. 9.Q da LICC, e 1.Q da Lei n. 9.307/1996 - "o pedido de indenização formulado pela Recorrida é ( ... ) um direito patrimonial disponível, podendo ser plenamente arbitrável, pois constitui matéria indubitavelmente relacionada e decorrente dos contratos de licença firmados entre a Recorrida e a Davide Campari. ( ... ) Tratando-se de obrigação inserida em contrato internacional, uma vez que as partes estão submetidas a jurisdições diversas, a cláusula arbitral pactuada entre a Recorrente e a Davide Campari deveria ser regida pela lei italiana ( ... ). Segundo a lei italiana, a cláusula arbitral tem força vinculante para a instituição de um juízo arbitral, independentemente da celebração de um compromisso arbitral";
b) arts. 43 da Lei n. 9.307/1996, e 1.211 do CPC - "a nova lei de arbitragem é uma norma essencialmente processual e, por isso, tem vigência imediata. ( ... ) Não há que se falar em direitos processuais adquiridos, pois a ação de indenização proposta pela Recorrida somente foi ajuizada em 17
de dezembro de 1996";
c) arts. 1.Q e 4.Q, ambos do Decreto n. 21.187/1932 (Protocolo de Gene
bra de 1923) - "nos contratos internacionais submetidos ao Protocolo de
Genebra de 1923, a cláusula arbitral prescinde de celebração de compromisso arbitral, sendo, por si só, apta a instituir o juízo arbitral".
Alega, outrossim, a existência de divergência jurisprudencial.
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 287
o eminente Ministro-Relator Antônio de Pádua Ribeiro conheceu do
recurso especial, uma vez que caracterizado o dissídio, mas lhe negou pro
vimento, consignando que "a Lei n. 9.307/1996, sejam considerados os dis
positivos de direito material, sejam os de Direito Processual, não pode
retroagir para atingir os efeitos do negócio jurídico perfeito. Não se apli
ca, pois, aos contratos celebrados antes do prazo de seu art. 43".
O eminente Ministro Ari Pargendler acompanhou o eminente Minis
tro-Relator.
O eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, após pedido de
vista, rogando vênia aos eminentes Ministros que o antecederam no julgamento, deu provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença, es
posando o seguinte entendimento:
"Na minha compreensão, com todo respeito ao entendimento fir
mado pelos votos que me antecederam, a cláusula arbitral está inserida
em contrato internacional, contrato de licença entre empresa estrangeira e empresa brasileira, celebrado em língua inglesa, nos autos com
tradução feita por tradutor juramentado ( ... ).
Sendo um contrato internacional, com específica cláusula arbitral não me parece razoável seja aplicada a distinção feita pelo acórdão
recorrido entre cláusula arbitral e compromisso de juízo arbitral. A natureza internacional do contrato impõe que a distinção fique supe
rada, valendo o Protocolo de Genebra de 1923, em que não existe a
distinção de ordem prática entre os institutos da cláusula compro
missória e do compromisso ( ... )."
Repisados os fatos, decide-se.
I - Arts. 9.<2 da LICC; 1.<2 e 43 da Lei n. 9.307/1996; 1.211 do CPC; 112
e 4.<2, ambos do Decreto n. 21.187/1932 (Protocolo de Genebra de 1923).
A questão federal suscitada cinge a verificar se é devida a extinção da
presente ação de conhecimento por força da cláusula arbitral inserida no
contrato de licença celebrado, em 16.04.1971, entre a ora recorrida e a
Davide Campari-Milano S.P.A., e redigida nos seguintes termos:
"Para qualquer disputa que possa surgir entre as partes, recorrer
-se-á a uma junta de arbitragem de três membros, os quais decidirão
ex bono e aequo. ( ... ) A sede da arbitragem será em Milão."
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
288 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Cumpre destacar que as partes também celebraram um contrato de distribuição que contém cláusula de eleição de foro assim redigida:
"Fica eleito o foro da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, para dirimir toda e qualquer pendência oriunda deste Contrato, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que possa ser."
Diante de tais cláusulas de foro de eleição conflitantes, insertas em contratos de espécies diversas (licenciamento e distribuição), cumpre à solução da controvérsia examinar em que contrato está fulcrado o pedido mediato.
Observa-se que a lide não está calcada no inadimplemento nem na existência, validade ou eficácia do aludido contrato de licença e tampouco do contrato de distribuição.
Em verdade, a pretensão é indenizatória (art. 159 do CC), que se revela pelo relato da Autora de várias frustrações por ela sofridas desde o contrato de licenciamento - apontado como marco inicial dos seus prejuízos, e da sua inconformidade, aludida a ambos os contratos, com a sua transformação em simples distribuidora do produto; a imposição contratual de for
necimento à ora recorrente de informações atinentes à clientela, práticas comerciais e organização de distribuição e venda do produto; e a resilição unilateral do contrato de distribuição e o impedimento de produção e comercialização de produto idêntico ou similar no prazo de um ano após a extinção do contrato (cláusula de não-concorrência).
Com efeito, é o que se dessume das seguintes razões da petição inicial:
"Apta a fornecer, desde então, o produto acabado, mas não contando ainda com uma organização comercial hábil para proceder à venda do 'bitter Campari' no país, não obstante vigorasse ainda o último 'contrato integrante de licença', que autorizava a Stock a fabricar o produto no Brasil, a Campari simplesmente obrigou a Stock a assinar em 5 de julho de 1989 ( ... ) um contrato provisório de distribuição do
produto ( ... ).
Foi no contrato definitivo de distribuição, pactuado em 30.06.1989, com vigência a partir de p~ de janeiro de 1990 ( ... ) que se revelariam,
em toda a sua plenitude e sem rodeios, os verdadeiros propósitos da suplicada, até então encobertos com atitudes cerimoniosas e gentis.
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 289
( ••• ) O referido contrato de distribuição ( ... ) consagrava duas vantagens em benefício da Campari que, por si só, abalavam o princípio do equilíbrio contratual, que deve estar presente em todos os contratos bilaterais comutativos.
A primeira vantagem consistia na obrigação de a Stock promover gratuitamente a transferência, em favor da Campari, dos métodos por ela utilizados na venda do 'bitter Campari', permitindo, assim, à Campari criar uma organização similar para a comercialização, distribuição e venda da bebida, devendo a Stock fornecer, até mesmo, completas informações cadastrais de todos os seus clientes. A segunda vantagem residia na criação de uma verdadeira reserva de mercado em benefício da Campari, já que lhe assegurava o mercado de 'bitter' no país sob condições verdadeiramente monopolísticas, eliminando a concorrência da Stock.
( ... ) Em 8 de julho de 1992, seis meses antes do término da vigência do contrato em tela, a Campari enviou correspondência à Stock, informando-a da intenção de não renovar o contrato de distribuição, notificando-a outrossim ( ... ) a cumprir o convencionado na cláusula de não-concorrência ( ... ) pelo prazo de 1 (um) ano após a rescisão da
avença.
( ... ) não é preciso grande esforço de imaginação para se prefigurar o que se passou, daí em diante, com a Stock. Privada, da noite para o dia, de um produto que, como já se disse, representava 63 % do seu faturamento e 44% de sua rentabilidade, e sendo-lhe negada a fabricação, por um ano, de qualquer outro produto, em cuja comercialização se especializara, natural que a Stock tenha entrado em crise profunda. ( ... ) Com a rescisão do contrato de distribuição, em 1992, a Stock viu-se à frente com uma planta industrial em grande parte ociosa e extremamente dispendiosa." (fls. 15/25).
o pedido que decorreu da causa de pedir, no que interessa para a solução desta controvérsia, é formulado nos seguintes termos:
"a) ( ... )
b) seja a Ré condenada a pagar à Autora, a título de indenização,
os danos emergentes, decorrentes da seqüência de atos abusivos realizados pela Campari contra Stock, a partir do momento em que decidiu dispensar os serviços desta, em 1982, culminando na rescisão
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290 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
abrupta do contrato de licença, em 1992, deixando-a com uma planta industrial ociosa, construída para servir à Campari, e a levando, a par
tir de então, a recorrer a operações financeiras, de alto custo, para su
prir a ruptura indevida de mais da metade de seu faturamento, e, en
fim, todos os demais prejuízos que defluem dos atos lesivos descritos
(danos emergentes), a serem apurados no procedimento complementar de liquidação de sentença por arbitramento, nos termos dos arts.
286, lI; 603 e 606, lI, do Código de Processo Civil;
c) seja a Ré condenada a pagar à Autora, a título de indenização,
os lucros cessantes, que razoavelmente deixou de ganhar, após a rup
tura indevida do contrato de licença que mantinha com a Stock, a se
rem apurados no procedimento complementar de liquidação de senten
ça por arbitramento, nos termos dos arts. 286, lI; 603 e 606, lI, do Código de Processo Civil;
d) seja a Ré também condenada a pagar à Autora, sobre o valor
da condenação resultante dos itens anteriores, correção monetária, ju
ros compensatórios na base de 1 % ao mês e moratórios à razão de 6%
ao ano, a contar de 31 de dezembro de 1992, quando se deu o rompi
mento do contrato de licença, além das custas processuais e honorá
rios advocatícios à razão de 20% sobre o valor da condenação."
Constata-se, destarte, que não se está a discutir na lide existência, va
lidade, ou eficácia dos referidos contratos celebrados pelas partes, cumprindo destacar que, a par destes se encontrarem resilidos, a menção ao contrato
de licenciamento se prestou apenas para mostrar a origem das aludidas frus
trações experimentadas pela Recorrida-autora.
Na verdade, pretende-se por meio da presente ação a indenização de
danos emergentes e lucros cessantes "decorrentes da seqüência de atos
abusivos realizados pela Campari contra Stock a partir do momento em que
decidiu dispensar os serviços desta em 1982". Registre-se que, a partir des
sa data, as relações comerciais entre as partes permaneceram íntegras, con
tinuando, porém, não mais no âmbito de fabricação do produto, mas ape
nas de sua comercialização e distribuição.
Em suma, essa ação objetiva o ressarcimento de danos causados por
uma relação comercial mantida por um significativo lapso temporal, e que,
ao longo deste, deteriorou-se por diversas razões decorrentes muito mais da
forma de contratar - que em alguns momentos é taxada de "abusiva" - do
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 291
que de questionamento específico dos contratos, que, como dito, foram mantidos e cumpridos.
Assim, não vislumbro razão legal para prevalecer o foro de eleição do primeiro contrato (licenciamento) se o litígio abrange todos os contratos mantidos e cumpridos pelas partes (distribuição e comercialização). O relevante, no caso, salvo melhor juízo, é observar onde ocorreram as alegadas conseqüências contratuais, salientando que há foros distintos eleitos pelos contratos de licenciamento, e contrato de distribuição e de comercialização. No entrechoque das duas cláusulas e não estando a se discutir especificamente um dos contratos, repito não há porque prevalecer o foro de um deles.
Ressalte-se, ademais, a seguinte manifestação do Tribunal a quo:
"Ora, a cláusula compromissória constante no pacto de 1974 não foi ratificada, expressamente, pelas avenças posteriores dos digladiantes. Além disso, a Ré é pessoa jurídica nacional e, embora pertencente à subscritora do contrato de 10.04.1974, não o subscreveu.
O contrato de distribuição firmado entre a Stock do Brasil e a Campari do Brasil continha cláusula expressa, a respeito do tema (14, fl. 92):
'Fica eleito o foro da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, para dirimir toda e qualquer pendência oriunda deste contrato, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que possa ser.'"
Assim, observo a questão de forma mais simples do que os doutos e judiciosos votos que me antecederam e repiso que a alegação de dano não decorreu só do contrato de licenciamento, porque o pedido mediato abrange também o contrato de distribuição. Sob esse prisma, em que se verificam cláusulas do foro de eleição conflitantes, estou de pleno acordo com as conclusões adotadas no proficiente voto do eminente Ministro-Relator Antônio de Pádua Ribeiro, ao consignar que "a Lei n. 9.307/1996, sejam considerados os dispositivos de direito material, sejam os de Direito Processual, não pode retroagir para atingir os efeitos do negócio jurídico perfeito. Não se aplica, pois, aos contratos celebrados antes do prazo de seu art. 43".
O eminente Ministro-Relator, acompanhado pelo eminente Ministro Ari Pargendler, conheceu do dissídio tão-somente com relação ao acórdão proferido pelo Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais (fls. 543/556), negando, contudo, provimento ao recurso.
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292 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o eminente Ministro-Carlos Alberto Menezes Direito, por sua vez,
conheceu e deu provimento ao recurso especial, destacando o precedente
deste colendo Tribunal (REsp n. 616-RJ, reI. p/ acórdão Ministro Gueiros
Leite, DJ de 13.08.1990), igualmente apontado como paradigma no recurso especial ora em julgamento.
Forte em tais razões, rogando vênia ao eminente Ministro Carlos
Alberto Menezes Direito, acompanho o eminente Ministro-Relator e o emi
nente Ministro Ari Pargendler e conheço do recurso especial para lhe negar provimento.
É o voto.
VOTO-VISTA
A recorrida Distillerie Stock do Brasil Ltda propôs ação visando a
obter ressarcimento, segundo alega, por danos decorrentes de contratos fir
mados, sem renovação. Na contestação, a ora recorrente Campari do Bra
sil Ltda argüiu preliminares de existência de cláusula contratual de arbi
tragem e ilegitimidade passiva quanto aos contratos firmados até 1989.
Acolhida a primeira preliminar, foi declarado extinto o processo, sem
julgamento do mérito. Apelaram as duas partes, sendo provido, tão-somen
te, o recurso da ora recorrida, para cassar a sentença, a fim de que a ação
tenha curso, estando o acórdão sintetizado na seguinte ementa:
"Cláusula arbitral assumida em contrato anterior ao advento da
Lei n. 9.307/1996 continua correspondendo a simples promessa de
constituir o juízo arbitral, sem força de impedir que as partes pleitei
em seus direitos no Juízo Comum (art. 5Q, XXXV, da Constituição Fe
deral).
Sentença restritiva do acesso à ordem jurídica e que configura
negativa de vigência ao princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional e do próprio fundamento da arbitragem do comércio in
ternacional.
Recurso da Autora provido para que a ação prossiga, improvido
o da Ré." (fi. 445).
o relator, Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, votou pelo improvi
mento do recurso especial, acompanhado pelo Ministro Ary Pargendler. Em
voto divergente, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito posicionou-se
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 293
pelo provimento do recurso, para a manutenção da sentença, com o entendimento de que, "Sendo um contrato internacional, com específica cláusula arbitral não me parece razoável seja aplicada a distinção feita pelo acórdão recorrido entre cláusula arbitral e compromisso de juízo arbitral".
Por sua vez, a Ministra Nancy Andrighi acompanha o relator, pelo improvimento, consignando conterem os instrumentos "cláusulas de foro de eleição conflitantes, insertas em contratos de espécies diversas (licenciamento e distribuição)", e que, nessa ordem, "cumpre à solução da controvérsia examinar em que contrato está fulcrado o pedido mediato", concluindo não vislumbrar "razão legal para prevalecer o foro de eleição do primeiro contrato (licenciamento) se o litígio abrange todos os contratos mantidos e cumpridos pelas partes (distribuição e comercialização)".
Pedi vista, para melhor apreciação quanto à extinção do processo em face à cláusula contratual de previsão de junta de arbitragem, firmada anteriormente à vigência da Lei n. 9.307/1996.
Em síntese, é o relatório.
VOTO
Com a devida vênia do ilustre Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, posiciono-me pelo improvimento do especial.
Pela análise dos autos, depreende-se que a Recorrida propôs ação de indenização por perdas e danos, amparada em contratos firmados, invocando prática de "atos abusivos realizados pela Campari contra a Stock, a partir do momento em que decidiu dispensar os serviços desta, em 1982, culminando na rescisão abrupta do contrato de licença, em 1992" (fls. 32/33).
Por sentença foi acolhida uma das preliminares argüidas pela Ré, fundamentando que, pela cláusula 19 do instrumento firmado em 1971, "eventual disputa entre as partes seria resolvida por arbitragem", com aplicação das "leis do Estado da Itália", e que, assim, a "arbitragem deve ter preferência sobre o encaminhamento das disputas ao Judiciário", aduzindo não poder "vir a Autora, citando outras fontes legislativas, clamar pela competência da jurisdição nacional". Finalizou dizendo que, "com a entrada em vigor da Lei n. 9.307/1996, a arbitragem passou a ter status superior dentro do nosso sistema", enfatizando: "É o caso de lembrar o teor do artigo 7Q da mencionada lei, que estabelece a respeito de eventual resistência de parte que firmou compromisso arbitral e se recusa a dar cumprimento a ele". Por fim, declarou extinto o processo, sem julgamento do mérito (fl. 384).
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294 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTlÇA
Em apelação de ambas as partes, foi rejeitada a invocação da Ré, no sentido de sua ilegitimidade passiva com relação ao período de 1971 a 1989, e improvido o seu apelo. Provido o recurso da Autora, sob o entendimento de que esta "não está obrigada a pleitear seu direito em juízos arbitrais italianos, porque a cláusula que assumiu no contrato de 1971 é de obrigação de fazer (realizar um compromisso de submissão à arbitragem internacional), cujo descumprimento sujeita, quando muito, a perdas e danos" (fl. 449).
Justifica-se no voto-condutor do acórdão que a nova norma "não diferencia mais cláusula arbitral de compromisso pelo juízo arbitral", e que a sua efetividade "é uma técnica para o futuro e não para disciplinar a situação processual da Autora", enfatizando:
"A ação deu entrada no Fórum da Capital quando já em vigor a Lei n. 9.307/1996, mas essa circunstância não legaliza sua influência para a definição da matéria relacionada com o interesse de agir da Autora.
Primeiro porque o contrato que estabeleceu a cláusula arbitral é de 1971 (fl. 53). Tanto para o Código de 1939, como para o de 1973, a distinção entre a cláusula arbitral e compromisso de juízo arbitral era de singular importância, porque a redação do contrato em regra de subsunção aos árbitros desacompanhada de compromisso específico, representava simples pactum de compromittendo incapaz de obstar à cognição dos juízes ordinários. ( ... ).
A Autora prometeu assumir compromisso de assinar um documento pelo juízo arbitral com exclusividade. Não o fez e nunca deu mostras de aceitar essa fórmula alternativa de composição de lití
gios. ( ... )
As partes firmaram uma 'cláusula arbitral' e não o compromisso e isso desestrutura a tese de soberania da vontade declarada. Vejamos a doutrina de Hamilton de Moraes e Barros (Comentários ao Código de Processo Civil, ed. Forense, IX/383): 'A cláusula compromissória cria apenas uma obrigação de fazer. Como essas obrigações não admitem a coercitiva exigência de cumprimento, dada a regra nemo potest precise cogi ad factum e não tem ela execução compulsória, daí se infere que não leva necessariamente à celebração do compromisso e a sua não-realização acarreta a responsabilidade civil daquele que a descumpra'. ( ... ).
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 295
A sentença considerou a cláusula como de renúncia da jurisdição
estatal. Errou porque faltou o compromisso solene, instrumento indispensável para a realização da arbitragem no Brasil. ( ... ).
Remeter os interessados ao juízo arbitral para resolver pedido
indenizatório pós-resolução do contrato, é, acima de tudo, negar vigên
cia ao princípio constitucional da inafastabilidade do controle juris
dicional (art. 5Q, XXXV, da Constituição Federal)." (fis. 450/453).
Entendo merecer manutenção o fundamento exposto, haja vista que, como também ressaltado, na questão em julgamento o contrato foi extinto por falta de renovação, remanescendo a irresignação da Autora com o fim,
segundo alega, imprevisto e ensejador de indenização. Destarte, de fato, a questão decorrente é de direito puro, não estando em pauta avaliação de
infração contratual, e sim a análise sobre comportamento ilícito, como tema
de responsabilidade civil e que demanda interpretação de elemento subjetivo (culpa ou dolo), matéria própria de jurisdição oficial.
De outra parte, vale ressaltar, acentuou-se ainda, em declaração de
voto-vencedor:
"Ora, a cláusula compromissória constante no pacto de 1974 não
foi ratificada, expressamente, pelas avenças posteriores dos digladiantes. Além disso, a Ré é pessoa jurídica nacional e, embora perten
cente à subscritora do contrato de 10.04.1974, não o subscreveu.
O contrato de distribuição firmado entre a Stock do Brasil e a
Campari do Brasil continha cláusula expressa, a respeito do tema (14.1, fi. 92):
'Fica eleito o foro da Comarca da Capital do Estado de São
Paulo, para dirimir toda e qualquer pendência oriunda deste contrato, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que
possa ser.'" (fi. 458).
É oportuno rememorar o que, no ponto, consignou a Ministra Nancy
Andrighi em seu voto:
"A questão federal suscitada cinge a verificar se é devida a
extinção da presente ação de conhecimento por força da cláusula arbitral inserida no contrato de licença celebrado, em 16.04.1971, entre
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296 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a ora recorrida e a Davide Campari-Milano S.P.A, e redigida nos seguintes termos:
'Para qualquer disputa que possa surgir entre as partes, recorrer-se-á a uma junta de arbitragem de três membros, os quais decidirão ex bono e aequo ( ... ) A sede da arbitragem será em Milão.'
Cumpre destacar que as partes também celebraram um contrato de distribuição que contém cláusula de eleição de foro assim redigida:
'Fica eleito o foro da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, para dirimir toda e qualquer pendência oriunda deste Contrato, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que possa ser.'
Diante de tais cláusulas de foro de eleição conflitantes, insertas em contratos de espécies diversas (licenciamento e distribuição), cumpre à solução da controvérsia examinar em que contrato está fulcrado o pedido mediato.
Observa-se que a lide não está calcada no inadimplemento nem na existência, validade ou eficácia do aludido contrato de licença e tampouco do contrato de distribuição.
Em verdade, a pretensão é indenizatória (art. 159 do CC), que se revela pelo relato da Autora de várias frustrações por ela sofridas desde o contrato de licenciamento - apontado como marco inicial dos seus prejuízos, e da sua inconformidade, aludida a ambos os contratos, com a sua transformação em simples distribuidora do produto; ( ... )
Em suma, essa ação objetiva o ressarcimento de danos causados por uma relação comercial mantida por um significativo lapso temporal, e que, ao longo deste, deteriorou-se por diversas razões decorrentes muito mais da forma de contratar - que em alguns momentos é taxada de 'abusiva' - do que de questionamento específico dos contra
tos, que, como dito, foram mantidos e cumpridos.
Assim, não vislumbro razão legal para prevalecer o foro de eleição do primeiro contrato (licenciamento) se o litígio abrange todos os contratos mantidos e cumpridos pelas partes (distribuição e comercialização). O relevante, no caso, salvo melhor juízo, é observar onde
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 297
ocorreram as alegadas conseqüências contratuais, salientando que há foros distintos eleitos pelos contratos de licenciamento, e contrato de distribuição e de comercialização. No entrechoque das duas cláusulas e não estando a se discutir especificamente um dos contratos, repito não há porque prevalecer o foro de um deles."
Por conseguinte, também por esse fundamento merece prevalecer a conclusão do acórdão, porquanto não há como se exigir busquem as partes o juízo arbitral, em razão de estipulação no início da relação negociaI, se, posteriormente, fixou-se, sem ressalva, foro no Brasil.
Por tais razões, repito, com a devida vênia do ilustre prolator do voto divergente, acompanho o relator, pelo improvimento do recurso especial.
RECURSO ESPECIAL N. 253.068 - SP (Registro n. 2000.0028576-5)
Relator: Ministro Ari Pargendler
Recorrente: Ford do Brasil Ltda
Advogado: Aldir Passarinho
Recorrida: Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda
Advogado: Isaac Motel Zveiter
EMENTA: Civil - Lucros cessantes - Empresa que não chegou a iniciar suas atividades.
Não há como aferir a potencialidade de lucro de uma empresa sem que tenha um período anterior de atividade a servir como parâmetro, posto que a experiência revela que, mesmo explorando o mesmo ramo de negócio, algumas empresas têm lucro e outras não; aí conta, entre outros fatores, o dinamismo do empresário e a organização da empresa, que precisam ser postos à prova.
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros, por unanimidade, conhecer do recurso
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especial e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Sustentaram oralmente o Dr. Aldir Passarinho, pelo recorrente, e o Dr. Luís Jorge Fontoura, pelo recorrido.
Brasília-DF, 17 de dezembro de 2002 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Relator.
Publicado no DI de 04.08.2003.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: Bem-sucedida em ação de imissão de posse travada entre as mesmas partes, Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda ajuizou ação ordinária contra Ford do Brasil Ltda, para vê-la condenada a reparar os prejuízos resultantes do inadimplemento de contrato de compra e venda (fls. 2 e 2a, p. vol.) - seguida de reconvenção (fls. 47/ 50, p·vol.).
Anulada a sentença que declarara a prescrição da ação e que julgara procedente a reconvenção, o MM. Juiz de Direito julgou a ação improcedente e procedente a reconvenção (fls. 392/395, 2.Q. vol.).
O Tribunal a quo, relator o eminente Juiz Ariovaldo Santini Teodoro, deu provimento a apelação nos termos do acórdão assim ementado:
"Responsabilidade civil. Compra e venda mercantil. Inadimplemento contratual. Indenização. Lucros cessantes. O comprador não é obrigado a receber coisa diferente da adquirida. Mas, se materialmente impossível tornou-se a entrega, cabe-lhe haver do vendedor, além do valor do bem, também indenização pelos prejuízos sofridos. Lucros cessantes não comportam presunção absoluta e admitem ilações ou presunções, pois que tratamos de fatos não sensíveis, mas prováveis. Ação procedente, com apuração dos lucros cessantes em liquidação de sentença. Apelo parcialmente provido para esse fim, mantida a procedência da reconvenção e a condenação da Apelante no pagamento do único bem que recebeu, dentre todos os que adquirira e não lhe foram entregues." (fl. 480, 3.Q. vol.).
Daí o presente recurso especial, interposto pela Ford do Brasil Ltda, com base no artigo 105, inciso UI, letras a e c, da Constituição Federal,
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 299
por violação aos artigos 467, 468, 470, 471, 473 e 474 do Código de Pro
cesso Civil, bem assim dos artigos 1.056, 1.059 e 1.092 do Código Civil (fis. 500/519).
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): Os autos dão conta de que, em 30 de março de 1967, Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda adquiriu de Willys Overland do Brasil S/A - Indústria e Comércio cinqüenta veículos, modelo Aero-Wi1lys, com cláusula de reserva de domínio.
Salvo um, que teria sido indevidamente apropriado pelo representante legal de Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda (item 7, fi. 48, p. vol.), os demais veículos não foram entregues, ao fundamento de que o negócio estava sujeito à condição não implementada pela adquirente: a
apresentação de seguro de quebra de crédito.
A 8 de agosto de 1967, por meio de notificação judicial, Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda constituiu em mora Willys Overland do Brasil S/A - Indústria e Comércio (fi. 260v., 2Jl. voI.) e, subseqüentemente, ajuizou-lhe ação de imissão de posse, julgada procedente por
sentença da lavra do então MM. Juiz de Direito Dr. J. A. Penalva Santos, que assim historiou os fatos:
"A Autora remeteu a Ré a carta de fi. 12, propondo o negócio de compra dos carros referidos na inicial; em resposta, a Ré enviou-lhe a carta de fi. 13 (respectivamente de 15.03.1967 e 17.03.1967).
Em 23, 27, 28 e 30 de março do mesmo ano, as partes assinaram
os contratos de compra com reserva de domínio desses carros, os quais foram remetidos para o Rio e conduzidos por motoristas da Autora, e para lá foram expedidas licenças especiais pela Diretoria de Serviço de Trânsito da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (fi. 173).
Os veículos chegaram ao Rio, para se submeterem a uma revisão final. Entretanto, após a sua realização, a Ré recusou-se a entregá-los,
exceto um deles.
A Autora notificou a Ré para fazer a entrega dos carros restantes, sob as penas mencionadas na notificação (fis. 7/9).
A Ré invoca como argumento para a recusa da entrega dos veículos o fato de os contratos de fis. 29 e segs. estarem condicionados ao seguro de quebra de garantia, nos termos da carta de fi. 12, o qual
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300 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
não se consumou por entenderem a seguradora e o Instituto de Resseguros do Brasil não ter a Autora capacidade econômica e os seus representantes, especialmente o seu Presidente, idoneidade financeira para arcar com um seguro de tal monta.
Isso foi deixado claro nas petições da Ré e nas perguntas que seu honrado patrono fez às testemunhas que depuseram em audiência.
A Autora, ao revés, vai em busca da tese contrária, no sentido de demonstrar que a carta perdeu qualquer sentido, pois dela, as partes houveram por bem celebrar uma venda clausulada com reserva de domínio incondicionada, vale dizer, sem a condição aludida nas duas missivas de fls. 12 e 13.
Essas são, em linhas gerais, as idéias sobre os fatos alinhados nos autos, e as posições tomadas pelas partes" (fl. 8, 1ll. vol.).
A final, a demanda foi julgada procedente, em parte, destacando-se na sentença os seguintes trechos:
"O problema que se levanta é esse: pode considerar-se como obrigatórios os contratos de venda com reserva de domínio a menção ao seguro de crédito constante da carta de fl. 12?
Parece que não!
Simplesmente por se tratar de tratativa escrita, quando muito pontuação preparatória, não reproduzida nos contratos que capeiam a inicial.
Se uma das partes pode arrepender-se da proposta, a fortiori, se ambas ao celebrarem numerosos contratos escritos, omitem no seu contexto a exigência que a Ré pretende seja traduzida em condicio sine qua non da realização da venda com reserva de domínio - o seguro.
As cartas de fls. 12/13 não são um pré-contrato, por isso não se incorporam ao cerne do negócio jurídico em causa; nem que o fossem, pois é de todos sabido que a matéria da escritura definitiva não se completa com a da promessa de compra e venda, por isso aquilo que foi expungido naquela, posto que conste nesta, é como se fosse inexistente." (fls. 7/8, lll. vol.)
As perdas e danos não foram, todavia, objeto de exame, porque alheias ao âmbito da ação de imissão de posse:
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 301
"Apenas não se podem conceder as perdas e danos nesta ação, por se tratar de feito de cognição incompleta, pois se restringe ao exame da formalidade do título, ao contrário do que ocorre com a ação de reintegração de posse, em cujo bojo o legislador inseriu expressamente
aquela condenação, no art. 374, CPC, posto que o não tivesse feito com a de imissão de posse." (fl. 5, p. voI.).
Os autos não contêm cópias do acórdão proferido no julgamento da apelação, deles constando tão-somente a cópia do acórdão proferido em 22 de setembro de 1981, nos embargos de declaração, nestes esclarecido que:
" ... a Exeqüente deverá pagar o preço previsto nos contratos originários, com a devida correção monetária e receber 49 carros Corcel, modelo Standard. É claro que se preferir poderá, em vez de receber os automóveis pelo preço corrigido, receber em dinheiro a diferença a mais entre esse preço corrigido e o valor dos mencionados carros novos." (fl. 85, p. voI.)
Tendo optado pela alternativa, isto é, a de receber em dinheiro a aludida diferença, Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda propôs contra
Ford do Brasil Ltda, sucessora de Wil1ys Overland do Brasil S/A - Indústria e Comércio, "ação de indenização", pedindo basicamente lucros cessantes (fls. 2/3, p~ voI.).
Ford do Brasil Ltda, paralelamente à contestação, opôs reconvenção para haver o preço do único veículo entregue (fls. 47/50, 1Q vol.).
Anulada a sentença que reconhecera a prescrição da ação e julgara pro
cedente a reconvenção, o MM. Juiz de Direito prolatou despacho saneador, assim delimitando o âmbito da lide:
"Resta, portanto, afastada a prescrição vintenária, examinar o
mérito da ação e da reconvenção. Para que não se alegue cerceamento de defesa, permite-se dilação probatória.
Controvérsia: de quem a culpa na não-finalização do contrato de venda e compra dos veículos?" (fl. 358, 2Q vol.).
A sentença, a final, julgou a ação improcedente, e procedente a reconvenção (fls. 392/395, 2Q vol.), imputando a culpa à Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda, nestes termos:
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302 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
" ... a Ré foi obrigada a entregar os veículos desde que a Autora depositasse os respectivos valores antes da pretendida imissão de posse. Regra do art. 1.092 do Código Civil, segundo a qual um dos contratantes, antes de cumprir sua obrigação, não pode exigir o implemento da do outro, a exceptio non adimpleti contractus.
Cumprindo os já citados dispositivos, a Ré depositou em Juízo, a favor da Autora, a quantia de Cz$ 3.212.594,02, como se vê da guia de depósito judicial reproduzida à fi. 84.
Não há falar em indenização por perdas e danos devida pela Ré-autora, que resolveu buscar a via judicial para esse desiderato praticamente vinte anos depois do negócio inconcluso por culpa dela própria.
Perdas e danos não se presumem. Decorrem, necessariamente, de ato ilícito praticado por alguém em prejuízo de outrem. A reparação de dano pressupõe ato culposo ou doloso que viole direito ou cause prejuízo. É a dicção do art. 159 do Código Civil.
Esse o entendimento que se formula e conduz ao ponto a ser dirimido. A Ré, que decidiu não entregar os veículos por falta de garantia dos pagamentos a que se obrigara a Autora, ela (Ré) não há que ser obrigada no plano da responsabilidade civil, que sua conduta não traz em si a pecha do dolo ou da culpa." (fi. 394, 2Q. vol.).
o Tribunal a quo abandonou o viés adotado na sentença, ao fundamento de que a discussão não poderia retroceder, reativando questões já decididas:
"O pedido inicial é de indenização por lucros cessantes e, bem provado nos autos que, concluído o contrato de compra e venda mercantil, recusou a vendedora, ora apelada, cumpri-lo (tanto que condenada a fazê-lo mediante sentença em ação de imissão de posse em que
desconsiderada a alegação de justo motivo à desoneração da obrigação da
entrega da coisa vendida), é agora descabido nos autos o retrocesso da discussão sobre temas já definitivamente julgados." (fi. 481, 3Q. vol., o grifo não é do texto original).
O presente recurso especial, interposto pela Ford do Brasil Ltda, ataca o julgado tanto pela letra a quanto pela letra c (fis. 500/519).
Pela letra a, as respectivas razões sustentam, fundamentalmente, que Ford do Brasil Ltda não cumpriu sua obrigação porque Frota Guanabara de Veículos Ligeiros Ltda deixou de adimplir a dela (CC, arts. 1.056 e
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 303
1.092), bem assim que os lucros cessantes não podem ir além do que o credor "efetivamente perdeu, ou que razoavelmente deixou de lucrar"; pela le
tra c, enfatizam que os lucros cessantes não podem ser presumidos.
A invocação dos artigos 1.056 e 1.092 do Código Civil está fora de
contexto. A controvérsia a respeito de quem inadimpliu o contrato firma
do entre as partes foi decidida na ação de imissão de posse. A explicitação, embutida no acórdão que então julgou os embargos de declaração, de que o preço dos veículos deveria ser pago, nada mais fez do que reiterar os termos do ajuste. Nem teria sentido que a adquirente fosse imitida na respectiva posse sem que pagasse o preço convencionado, agora com correção mo
netária. Obrigação, todavia, que estava subordinada à opção de, "em vez de receber os automóveis pelo preço corrigido, receber em dinheiro a diferença a mais entre esse preço corrigido e o valor dos mencionados carros novos" (fi. 85, lll.vol.).
Deixando de receber os veículos, Frota Guanabara de Transportes Li
geiros Ltda estava, evidentemente, desobrigada de pagar-lhes o preço, sem nenhuma margem para a aplicação dos artigos 1.056 e 1.092 do Código
Civil.
Corolário disso é o de que o Tribunal a quo também não afrontou os
artigos 468, 470, 471, 473 e 474 do Código de Processo Civil. Na ação de
imissão de posse, Ford do Brasil Ltda foi condenada a entregar os veículos, mediante o pagamento do preço, ou a receber a diferença entre esse preço, corrigido, "e o valor dos mencionados carros novos" (fi. 85, 111. voI.).
A escolha, posta à discrição do credor, de uma das alternativas fixadas no acórdão resultou do reconhecimento de que o devedor inadimplira
o contrato. Ao invés de contrariar a coisa julgada, o acórdão recorrido extraiu-lhe as conseqüências próprias, de resto já anunciadas na sentença
prolatada na ação de imissão de posse, in verbis:
"Apenas não se podem conceder as perdas e danos nesta ação, por se tratar de feito de cognição incompleta, pois se restringe ao exame da formalidade do título, ao contrário do que ocorre com a ação de
reintegração de posse, em cujo bojo o legislador inseriu expressamente
aquela condenação, no art. 374, CPC, posto que o não tivesse feito com a de imissão de posse." (fi. 5, 111. voI.).
O recurso especial deve ser provido por outro fundamento, o de que, na espécie, os lucros cessantes não podiam ser presumidos. Ninguém pode
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
304 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
prever se um empreendimento no âmbito da indústria, comércio ou serviços será lucrativo. Até mesmo a atividade bancária que, em alguns estabelecimentos, gera lucros fantásticos, em outros, leva ao prejuízo e à quebra. O lucro pode, sim, ser visualizado sempre que autorizado por fatos antecedentes, nunca por suposições. Aqui, no entanto, o acórdão reconheceu os lucros cessantes, pela só consideração de que "os veículos serviriam claramente ao cumprimento de finalidades empresariais, por certo frustradas" (fi.
482). " ... parece razoável concluir" - continua - "que a apelante lucraria com a aquisição dos veículos, já que destinada ao cumprimento das próprias finalidades societárias. A falta de prova recomendava, ousa-se obtemperar, considerar, com efeito, verificados os lucros cessantes, restando apenas apurar o quantum em execução, limitado o período da apuração entre as datas da retenção dos veículos e a do levantamento da diferença do preço pela Apelante" (fi. 483). Como aferir a capacidade de lucro de uma empresa sem que esteja em funcionamento, se a experiência revela, como já acentuado, que, mesmo explorando o mesmo ramo de negócio, algumas empresas têm lucro e outras não? Aí conta, no mínimo, o dinamismo do empresário e a organização da empresa, elementos que, dentre outros, não podem ser examinados, simplesmente porque deixaram de ser postos à prova.
Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial, por infração ao artigo 1.059 do Código Civil, e de lhe dar provimento para julgar improcedente a ação, condenando Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda a pagar as custas e os honorários de advogado na base de 10% sobre o valor da causa.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Sr. Presidente, não tenho a menor dúvida em acompanhar o eminente Ministro Relator que trouxe um belíssimo voto para esta Corte.
Em reiteradas oportunidades, manifestei o meu entendimento de que não é possível presumir lucro cessante; é absolutamente impossível, do ponto de vista jurídico, conferir indenizações por lucros cessantes com base em mera presunção. E o eminente Ministro-Relator teve a cautela de, no seu voto, pôr um argumento que, a meu juízo, é absolutamente incontroverso: não é possível, em se tratando de uma empresa, presumir que esta vá ter lucros, porque, em um mesmo ramo de atividade, uma empresa pode ter lucros e outra prejuízos. Daí a absoluta impossibilidade de se deferir indenização com base em mera presunção. A indenização só pode ser deferida
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se houver comprovação evidente de que houve prejuízo e, com base no lucro cessante, como anotou o eminente Ministro-Relator, se existem, efetivamente, condições próprias para tanto. Se essas condições não existem, não posso, apenas por dedução, impor a indenização por lucros cessantes.
Por essas razões, Sr. Presidente, cumprimentando o eminente Ministro-Relator, que nos trouxe um voto substancioso, e os eminentes Advogados, conheço do recurso especial e lhe dou provimento para julgar improcedente a ação.
ESCLARECIMENTOS
o Sr. Ministro Castro Filho: Sr. Presidente, num primeiro momento, pareceu-me que seria caso realmente de se converter em diligência, ou então simplesmente cassar a decisão para produção da prova pericial.
Havia, sem dúvida, uma expectativa de lucro que se frustrou. De qualquer sorte o ilustre Ministro-Relator, no seu brilhante voto, como disse o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, esclareceu bem: parece que houve uma menção ou um requerimento nesse sentido que depois não foi levado avante, de realização de prova pericial. De forma que, para se presumir, ainda mais em condições que tais, quando a empresa sequer chegou a entrar em funcionamento, não haveria como juridicamente fazer uma fixação.
Preocupa-me, Sr. Presidente e Ministro-Relator, a questão dos honorários em 10% (dez por cento), quando estamos julgando improcedente agora o pedido. Falou-se da tribuna na enormidade de mais de duzentos milhões de honorários advocatícios.
VOTO
o Sr. Ministro Castro Filho: Com essas explicações, estou plenamente de acordo com o voto e acompanho o Sr. Ministro-Relator, conhecendo do recurso especial e lhe dando provimento para julgar improcedente a ação.
VOTO
o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (Presidente): Srs. Ministros, não obstante a brilhante sustentação do ilustre Advogado da Recorrida, estou de acordo com o voto brilhante do Sr. Ministro-Relator que elucidou, com muita clareza, a impossibilidade de conceder lucro cessante por mera
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presunção. Tanto mais, no caso concreto, em que, tendo a parte a oportunidade de produzir prova a respeito da existência desses lucros cessantes, omitiu-se em apresentá-las.
Conheço do recurso especial e lhe dou provimento para julgar improcedente a ação.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N. 286.176 - SP (Registro n. 2000.0114538-0)
Recorrente:
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito
Banco Bradesco SI A
Advogados: Matilde Duarte Gonçalves, Ézio Pedro Fulan e Cristiane Aparecida Souza Maffus Mina e outros
Recorridos: José Augusto de Oliveira e outro
Advogados: Ademar Gomes e outros
EMENTA: Ação de indenização - Caixa 24 horas - Ilegitimidade de parte.
1. O banco é parte legítima para responder pelo pedido de indenização decorrente de ato ilícito praticado em uma de suas dependências. Se é procedente, ou não, o pedido, vai depender de exame das circunstâncias concretas dos autos. A questão do alcance da
responsabilidade do banco pela segurança de seus clientes na unidade denominada Caixa 24 Horas não se resolve, portanto, na preliminar de ilegitimidade passiva, mas, sim, no mérito.
2. Não viola o art. 535 do Código de Processo Civil o acórdão
que decide a questão por inteiro, sendo desnecessário que o Tribunal desafie todos os dispositivos legais e constitucionais desejados pelo recorrente.
3. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal
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de Justiça, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro-Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (art. 162, § 2.Q., RISTJ).
Brasília-DF, 18 de outubro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente.
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.
Publicado no DI de 06.05.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Banco Bradesco S/A interpõe recurso especial, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão da Sétima Câmara do 1.Q. Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, assim ementado:
"Responsabilidade civil. Indenização. Banco. Caixa eletrônico externo. Cliente assassinado no interior do caixa eletrônico, quando efetuava saque de numerário. Responsabilidade do banco pelo risco do serviço disponibilizado ao cliente. Teoria do risco profissional. Caso em que a responsabilização se apura pelo fato do produto. Doutrina. Sentença terminativa afastada, para o exame do mérito da pretensão resistida. Apelo, a tanto, provido." (fl. 115).
Os embargos de declaração (fls. 122 a 127), foram rejeitados (fls. 128 a 132).
Sustenta o Recorrente, em preliminar, violação ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, pois o acórdão proferido nos embargos de declaração deixou de manifestar-se a respeito das matérias tratadas naquele recurso, não sanando as omissões existentes.
Argúi ofensa aos artigos 3.Q. e 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, alegando carência da ação, na medida em que é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, sendo certo que a garantia da segurança pública é dever do Estado, não do particular, concluindo que "no contrato de depósito bancário realizado entre o Recorrente e o de cujus, não se obrigou aquele a assegurar a incolumidade física de seus clientes e usuários, mas
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apenas a responder pelos valores a ele confiados para a guarda e movimentação, nos termos do artigo 1.266 do Código Civil, sendo sua atividade meramente bancária" (fl. 149).
Interposto recurso extraordinário (fls. 134 a 143), não foi admitido (fls. 187/188), não constando nos autos recurso contra tal decisão.
Contra-arrazoado (fls. 166 a 174), o recurso especial (fls. 146 a 161), não foi admitido (fls. 184 a 186), tendo seguimento por força de agravo provido (fl. 210).
É O relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Os Recorridos ajuizaram ação de indenização alegando que seu filho faleceu em decorrência de tiro quando estava no interior do caixa eletrônico 24 horas do Banco-réu. A sentença julgou extinto o processo ao fundamento de que a violência nas grandes cidades é fato previsível, mas, os bancos não têm possibilidade de manter a segurança nos caixas eletrônicos. O 1 >lo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, porém, reformou-a para determinar o prosseguimento do feito. Para o acórdão recorrido trata-se de responsabilidade sob a égide do Código de Defesa do Consumidor e da teoria do risco profissional. No acórdão dos declaratórios, o Tribunal de origem, reproduzindo lições de Carlos Alberto Bittar, afirma que os bancos devem exercer vigilância sobre as unidades de seu complexo, considerando que os caixas eletrônicos são "uma larga manus dos serviços bancários disponibilizados ao cliente".
O especial começa por indicar que houve violação ao art. 535, lI, do Código de Processo Civil porque não enfrentou o acórdão recorrido o argumento de que o contrato entre o banco e o cliente não estabelece a preservação da incolumidade física, mas, apenas, pela guarda dos valores depositados, e, também, que foi omitido o art. 144 da Constituição Federal no sentido de que a segurança pública é dever do Estado. Não creio que tenha havido a alegada violação. O acórdão recorrido entendeu, diferentemente da sentença, que o banco devia exercer vigilância sobre as unidades de seu complexo, e afirmou, também, que a essencialidade dos seus serviços "justifica-se entendê-los (prestados que são à coletividade de seus usuários) com sua responsabilidade assemelhada à do Estado, pela segurança que lhes deve preservar". O que se verifica é que o Tribunal de origem cuidou de amparar o seu raciocínio com fundamentação própria, seja no que concerne ao
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 309
papel dos bancos para preservar as suas unidades seja no que concerne à
natureza dos serviços que presta. Tratou, portanto, do tema objeto do recurso, não estando obrigado a mencionar este ou aquele dispositivo de lei ou da Constituição.
Em seguida, aponta como violados os artigos 3.Q. e 267 do Código de Processo Civil. Afirma o Recorrente que "não pode ser réu na ação, uma vez que não está obrigado, quer pela lei, quer pelo contrato, a prestar segurança aos seus clientes, sendo sua atividade meramente bancária, pela qual se obriga, tão-somente a responder pelos valores que lhe são confiados para guarda e movimentação", sendo que é do Estado o dever de zelar pela segurança pública, pela vida e integridade física do cidadão, nos termos do art. 144 da Constituição Federal.
Na minha avaliação está correta a decisão do Tribunal de origem. A sentença confundiu a ilegitimidade de parte com a improcedência ou procedência da ação, no campo do direito material e não do Direito Processual. Se o local em que ocorreu a lesão pertence ao banco, não é possível afastar-se a legitimidade deste para responder pela indenização, sabido que a jurisprudência tem admitido largamente que o banco é obrigado a tomar cautelas para assegurar a incolumidade dos cidadãos, tendo a Lei n. 7.102/
1983 estabelecido as medidas de segurança que devem ser obedecidas, ainda mais tratando-se de fato previsível (REsp n. 89.784-R], relator o Sr. MinistroWaldemar Zveiter, D] de 18.12.1998; REsp n. 149.838-SP, relator o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, D] de 15.06.1998). O banco é, portanto, parte legítima para responder pelo pedido de indenização decorrente de ato ilícito praticado em uma de suas dependências. Se é procedente, ou não, o pedido, vai depender de exame das circunstâncias concretas dos autos. A questão do alcance da responsabilidade do banco pela segurança de seus clientes na unidade denominada Caixa 24 Horas não se resolve na preliminar de ilegitimidade passiva, mas, sim, no mérito. Os autores não estão atingidos pelos artigos 3.Q. e 267, VI, do Código de Processo Civil.
Eu não conheço do especial.
VOTO-VISTA
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto pelo Banco Bradesco S/A com arrimo no art. 105, inciso UI, alínea a, da CF contra acórdão da Sétima Câmara do 1.Q. Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo que, julgando ação de indenização proposta por
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pais de vitimado morto no interior do caixa eletrônico 24 Horas do Banco-réu, proferiu juízo substitutivo de sentença terminativa para determinar o processamento do feito, com a presença da entidade bancária no pólo passivo da lide, responsável pelo risco do serviço disponibilizado ao cliente.
O acórdão está assim ementado:
"Responsabilidade civil. Indenização. Banco. Caixa eletrônico externo. Cliente assassinado no interior do caixa eletrônico, quando efetuava saque de numerário. Responsabilidade do banco pelo risco do serviço disponibilizado ao cliente. Teoria do risco profissional. Caso em que a responsabilização se apura pelo fato do produto. Doutrina. Sentença terminativa afastada, para o exame do mérito da pretensão resistida. Apelo, a tanto, provido."
Opostos embargos de declaração foram estes rejeitados.
O recurso especial tem como objeto a violação aos seguintes dispositivos legais:
"a) 535, lI, do CPC - pois o Tribunal nos embargos de declaração opostos não se pronunciou sobre o fato da responsabilidade pela segurança pública ser incumbência do Estado nem sobre a restrição do contrato bancário ser dirigido unicamente à salvaguarda dos valores depositados; nada esclareceu sobre a causa excludente de responsabilidade do fornecedor contida no art. 14, § 3Q., do CDC nem sobre o enquadramento do Embargante ao art. 3Q. da Lei n. 8.078/1990;
b) 3Q. e 267, inciso VI, do CPC - porque é a instituição financeira
parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação indenitária, tanto porque a garantia da segurança pública é dever do Estado, como porque o contrato de depósito bancário realizado entre o Recorrente e o de cujus, não obriga a instituição financeira a assegurar a incolumidade física de seus clientes e usuários, mas apenas a responder pelos valores a ele confiados para a guarda e movimentação, nos termos do artigo 1.266 do Código Civil, sendo sua atividade meramente bancária."
O eminente relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito sobre o tema assim se manifestou:
"Na minha avaliação está correta a decisão do Tribunal de ori
gem. A sentença confundiu a ilegitimidade de parte com a procedência
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ou improcedência da ação, no campo do direito material e não do Di
reito Processual. Se o local em que ocorreu a lesão pertence ao banco, não é possível afastar-se a legitimidade deste para responder pela
indenização, sabido que a jurisprudência tem admitido largamente que
o banco é obrigado a tomar cautelas para assegurar a incolumidade dos
cidadãos, tendo a Lei n. 7.102/1983 estabelecido as medidas de segurança que devem ser obedecidas, ainda mais tratando-se de fato pre
visível (REsp n. 89.784-RJ, relator o Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 18.12.1998; REsp n. 149.838-SP, relator o Ministro Eduardo Ri
beiro, DJ de 15.06.1998). O banco é, portanto, parte ilegítima para
responder pelo pedido de indenização decorrente de ato ilícito praticado em uma de suas dependências. Se é procedente, ou não, o pedido, vai depender de exame das circunstâncias concretas dos autos. A questão do alcance da responsabilidade do banco pela segurança de
seus clientes na unidade denominada Caixa 24 Horas não se resolve
na preliminar de ilegitimidade passiva, mas sim, no mérito. O titular do direito, no caso, os autos, não estão atingidos pelos arts. 3Q e 267,
VI, do Código de Processo Civil."
Relatado o processo, decide-se.
I) Da violação ao art. 535, lI, do CPC
Quanto à apontada violação ao art. 535, II, do CPC depreende-se dos
autos que os pontos tidos por omissos nos embargos de declaração foram
objeto de análise pelo Tribunal a quo, o qual, explicitou entendimento di
verso à tese suscitada na apelação dispondo que:
" ... em qualquer relacionamento contratual, o Banco deve pautar
a sua ação por um respeito irrestrito aos interesses dos clientes, agindo
conforme às ordens recebidas do comitente e em consonância com os
poderes em cada situação; deve exercer vigilância permanente sobre as
unidades de seu complexo, bem como sobre os bens e valores de seus
clientes, cuja segurança deve preservar".
Portanto, o que se deve entender é que, dada a essencialidade dos
serviços dos bancos, inclusive por seus caixas eletrônicos - uma larga manus dos serviços bancários disponibilizados ao cliente - justifica
-se entendê-los (prestados que são à coletividade de seus usuários)
com sua responsabilidade assemelhada à do Estado, pela segurança que
lhes deve preservar.
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312 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
( ... )
Óbvio que, instalando o caixa eletrônico em ponto que entendeu do interesse do cliente com vistas aos serviços por ele disponibilizados, o Banco é de ser tido como o responsável por esse modus
faciendi, não só em conta o local da localização do caixa, senão também o fato (uma decorrência de onde instalado) de que esses serviços se prestaram sem um mínimo de segurança."
Outrossim, não era obrigatória a análise da causa de exclusão da responsabilidade da instituição financeira invocada pelo Recorrente, porquanto a matéria haverá de ser examinada juntamente com o mérito do pedido em 111. grau de jurisdição.
Tendo os temas suscitados pelo Recorrente em embargos de declaração sido objeto de satisfatório exame pelo Tribunal a quo não há qualquer violação ao art. 535, II, do CPC.
lI) Da legitimidade da instituição bancária para figurar no pólo passivo da ação indenitária
O dano apontado como causa de pedir da ação - morte do filho dos autores no interior do recinto do Caixa Eletrônico 24 Horas do Banco Bradesco - está conseqüencialmente ligado ao fato de o de cujus procurar os serviços disponibilizados pelo Banco para maior comodidade do cliente e maior lucratividade da entidade.
Sendo o caixa eletrônico uma extensão complementar dos serviços bancários é iniludível que há pertinência subjetiva da lide na pessoa da instituição bancária, não excludente nem eximente da responsabilidade do Estado, conforme seja a apuração do caso em concreto.
Há que se lembrar que o serviço é considerado defeituoso se não apresenta segurança desejável, considerando-se, nesta avaliação, entre outras circunstâncias, o "modo de seu fornecimento", "o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam" e "a época em que foi fornecido" (artigo 14, § lll., do CDC).
A prestação de serviços deve sempre recorrer à melhor técnica disponível para a segurança. Neste aspecto, nos termos da Lei n. 7.102/1983, é importante a observação do local do delito e a constatação das condições em que se encontrava predisposta a cabine do caixa eletrônico, a fechadura de entrada, a vigilância ostensiva, os alarmes, enfim, os artefatos para
retardarem a ação dos criminosos, etc.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 313
Neste sentido, observe-se o abalizado escólio trazido à lume por Arruda Alvim, Teresa Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins, in Código do Consumidor Comentado, pp. 77/78:
"Parra Lucan expressa entendimento no sentido de que a proteção à saúde e segurança dos consumidores representa inequívoca manifestação do próprio direito à vida, internacionalmente reconhecido pelos textos constitucionais modernos. A inclusão da proteção da saúde e segurança dos consumidores neste contexto levaria ao dever do Estado em estabelecer adequada regulamentação da responsabilidade civil dos fabricantes pelos danos causados por seus produtos aos consumidores.
Pode-se, ainda, considerar que os riscos à saúde ou segurança dos consumidores, de que trata o caput do art. 8Q
, têm também conteúdo patrimonial abrangendo o patrimônio dos consumidores além de sua integridade física e psíquica. Para Parra Lucan, conforme já visto nos comentários ao art. 6Q
: 'En este sentido, el concepto de seguridade sería
más amplio que el de salud o el de seguridade física, y equivaldría a una
garantia global de adequación de los productos a las legítimas expectati
vas de los consumidores'.
Não é lícito ao fornecedor introduzir no mercado de consumo qualquer produto ou serviço que possa apresentar indevido grau de periculosidade, ou seja, somente se tolera que produtos ou serviços apresentem risco potencial à saúde e à segurança do consumidor na medida que estes decorram de sua normal fruição e estejam dentro do que seja previsível, de acordo com as condições próprias de uso e finalidade do produto ou serviço.
Para os produtos ou serviços cujo alto risco seja inerente à sua natureza ou fruição, está o fornecedor obrigado a informar adequadamente acerca destas circunstâncias (ver arts. 9Q e 31), configurando-se crime a omissão de informações desta natureza.
O caput deste artigo está concretamente relacionado à disciplina da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço (arts. 12 e seguintes), que trata exatamente dos danos causados aos consumidores em virtude de defeito do produto ou serviço, isto é, os 'acidentes de consumo'. Qualquer dano à saúde ou à segurança dos consumidores, que escape ao âmbito de normalidade da natureza ou fruição do produto, configurará, em regra, o fato do produto, ensejando sua devida e completa reparação."
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
314 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Entretanto, são excludentes da culpa do fornecedor de serviços da responsabilidade de indenizar os danos sofridos pelo consumidor, a ausência de defeito ou de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Assim, conquanto a responsabilidade sem culpa da instituição financeira deva ser analisada à luz do CDC, segundo a exata extensão do conceito de fato do serviço, dos critérios da previsibilidade, da assunção dos riscos e da melhor distribuição do seu efeito a quem melhor tenha condições de suportá-lo, abrindo-se espaço para a produção e prova liberatória de acordo com as eximentes de responsabilidade, todos estes temas dizem respeito ao mérito do pedido e não se confundem com as condições da ação.
O Banco é, portanto, parte legítima para responder pelo pedido de indenização decorrente de ato ilícito praticado no interior do caixa eletrônico.
Forte nestas razões, acompanho o voto do eminente relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito e não conheço do recurso especial.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 330.681 - MG (Registro n. 2001.0079159-5)
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrido:
Advogados:
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito
Companhia Vale do Rio Doce
Tiago Pimentel Souza e outros
Nélson Ferreira Campos
Luiz Carlos de Oliveira e outro
EMENTA: Indenização - Atropelamento em linha férrea - Culpa da companhia ferroviária - Não-existência de omissão no que concerne às preliminares argüidas na contestação - Artigos 515, §§ 12
e 22 , e 516 não prequestionados. Configuração da culpa: Súmula n. 7 e precedentes da Corte - Obrigação de guarda dos pais: tema não prequestionado - Artigos 42 e 52 da Lei de Introdução ao Código Civil não prequestionados - Inclusão do valor relativo aos danos morais no cálculo dos honorários - Dissídio sem espaço: Súmula n. 83.
1. Quanto aos artigos 515, §§ 12 e 2!/., e 516, o Tribunal entendeu inexistente a omissão, com o que, para que pudesse a Corte examinar
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 315
o tema teria o especial de chegar amparado no art. 535 do Código
de Processo Civil. A questão da legitimidade foi afastada, embora implicitamente, pela sentença, tanto que reconheceu não-ser culpada a Ré.
2. O Tribunal local examinou a prova dos autos e concluiu pela culpa da companhia ferroviária, não discrepando de inúmeras decisões desta Corte, a saber: REsp n. 278.885-SP, relator o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 11.06.2001: "Prevalece, no Superior Tribunal de Justiça, a orientação jurisprudencial no sentido de que é civilmente responsável a concessionária do transporte ferroviário
pelo falecimento de pedestre vítima de atropelamento por trem em via férrea, porquanto incumbe à empresa que explora tal atividade cercar e fiscalizar, eficazmente, a linha, de modo a impedir a sua
invasão por terceiros, notadamente em locais urbanos e populosos";
no mesmo sentido: REsp n. 25.068-RJ, relator o Sr. Ministro Nilson Naves, DJ de 07.12.1992. Presente a Súmula n. 7 da Corte.
3. Quanto aos artigos 231, IV, e 384, lI, do Código Civil, o tema não foi efetivamente prequestionado, fincado o acórdão recorrido na culpa exclusiva da companhia ferroviária, que não cuidou de adotar
as providências devidas ao seu alcance para evitar acidentes.
4. Os artigos 4.2. e 5.2. da Lei de Introdução ao Código Civil não
foram prequestionados, não desafiando o acórdão recorrido a questão do tempo decorrido entre o acidente e o pedido para minorar a
dor em decorrência do falecimento do filho menor. De resto, diga-se a bem da verdade que o argumento, no caso, é risível. A perda de um filho é uma dor permanente, que o tempo não apaga jamais.
5. "Reconhecida a culpa, em decorrência de responsabilidade contratual, a verba honorária corresponde a percentual sobre o va
lor das prestações vencidas, acrescido do valor de doze vincendas, mais a importância referente ao dano moral." (REsp n. 146.398-RJ, relator o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 10.05.1999).
6. Já decidiu a Corte que "sendo a vítima menor, de família de baixa renda, deve ser admitida a indenização por dano material. A
realidade brasileira inclui nesses casos a contribuição dos filhos para
a manutenção do lar. E o Juiz não pode julgar se não tiver em conso
nância com a realidade social do seu tempo" (REsp n. 172.335-SP, da minha relatoria, DJ de 18.10.1999).
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316 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
7. O dissídio não prospera porque o acórdão recorrido não discrepou da jurisprudência da Corte, sendo certo que o limite do pensionamento até a idade em que a vítima completaria 30 anos de idade é até menor do que a Corte tem admitido.
8. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça; por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília-DF, 2 de abril de 2002 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente.
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.
Publicado no DJ de 06.05.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Companhia Vale do Rio Doce interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, assim ementado:
"Indenização. Atropelamento de criança em via férrea. Passagem clandestina de pedestres, de largo uso pelos moradores vizinhos. Ausência de sinalização, aviso ou cancela para proteger a passagem. Culpa da empresa ferroviária.
É obrigação da companhia ferroviária construir cercas, cancelas ou colocar guarda permanente para, se não evitar, pelo menos diminuir o risco de acidentes. Se ela, negligentemente, se omite no cumprimento desse dever e uma criança é atropelada por composição férrea, quando utilizava-se de passagem clandestina de largo uso pelos mora
dores vizinhos não devidamente protegida, fica caracterizada a culpa da empresa ferroviária, ensejando o dever de indenizar." (fi. 230).
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 317
Opostos embargos de declaração (fls. 236 a 258), foram rejeitados (fls. 260 a 263).
Sustenta a Recorrente ofensa aos artigos 20, § 5.0.; 515, §§ 1.0. e 2.0., e
516 do Código de Processo Civil; 159,231, inciso IV, e 384, inciso II, do Código Civil; 4.0. e 5.0. da Lei de Introdução ao Código Civil, pois não te
riam sido apreciadas as questões prejudiciais levantadas e apreciáveis de ofício, relativas à legitimidade de parte e à citação do Município de Açucena, nos termos do artigo 47 do Código de Processo Civil.
Além disso, o falecimento de filho menor, vítima de acidente, que sequer exercia atividade remunerada, não poderia gerar para os pais indenização por danos materiais, a ser paga através de pensão mensal.
Argúi, igualmente, que, caso devida a pensão, "não poderia ter sido fixada até a data em que a vítima viesse a completar 30 (trinta) anos de idade, mas sim até a idade limite de 25 anos, quando, presumivelmente, a vítima não mais contribuiria para o sustento da família" (fl. 289).
Afirma que não restou caracterizada sua negligência quanto ao acidente que vitimou o filho do Recorrido e que ficou demonstrado ter cumprido as regras de segurança, construindo cercas em ambos os lados da via férrea, com arame farpado.
Alega que "a imprudência e negligência dos pais do menor no evento danoso é fato inescondível, uma vez que os mesmos jamais poderiam permitir que uma criança, de apenas 3 (três) anos de idade, ficasse perambulando, sem a companhia de um adulto, pela linha férrea, em local sabidamente perigoso" (fl. 275).
Argumenta, ainda, que "o valor arbitrado a título de danos morais (150 SM) atenta contra os princípios gerais de direito que deveriam nortear hipóteses semelhantes" (fls. 280/281).
Conclui que, em ações de indenização, o percentual dos honorários advocatícios deve incidir, apenas, sobre a soma das parcelas vencidas acrescida de 12 das vincendas, sendo indevida a inclusão do montante relativo a danos morais.
Para caracterizar a divergência jurisprudencial, colaciona julgados, também, desta Corte.
Sem contra-razões (fl. 315), o recurso especial (fls. 266 a 294) foi admitido (fls. 316/317).
É o relatório.
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
318 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: O Recorrido ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais alegando que seu filho menor faleceu atropelado por locomotiva de propriedade da Ré. A sentença julgou improcedente o pedido porque considerou que a Ré não deu causa
ao acidente. O Tribunal de Alçada de Minas Gerais proveu a apelação porque considerou ser obrigação da companhia ferroviária "construir cercas, cancelas ou colocar guarda permanente para, se não evitar, pelo menos diminuir o risco de acidentes" e, ainda, porque se a companhia, "negligentemente, se omite no cumprimento desse dever fica caracterizada a culpa que enseja o dever de indenizar". O Tribunal local condenou a Ré a pagar ao Apelante "o equivalente a 2/3 do salário mínimo, por mês, a partir da data em que o menor completaria 14 anos de idade e que estaria autorizado a trabalhar até que completasse 30 anos de idade, visto ser esse o limite estabelecido na petição inicial, incidindo-se a correção monetária a partir da data em que se tornaram devidas, mais juros de 0,5%a.m. a partir da citação. Pagará, ainda, a Apelada, a título de dano moral, de uma só vez, o valor correspondente a 150 salários mínimos, mais custas, despesas processuais e honorários advocatícios de 15%, calculados sobre o total das prestações vencidas, mais 12 vincendas e mais o valor do dano moral". Os embargos de declaração foram rejeitados.
Primeiro, o especial enxerga violação aos artigos 515, §§ 111 e 211, e 516,
do Código de Processo Civil porque o acórdão dos declaratórios afastou as alegações de ilegitimidade ativa e passiva considerando que os temas não
foram examinados em grau de recurso, não integrando sequer a "contrariedade formulada pela Embargante às fls. 214/223. Daí a inexistência da apontada omissão". A tese esposada pela Recorrente é interessante, mas, a meu sentir, não há condições para enfrentá-la porque ausente o prequestionamento. A sentença anunciou que as "prejudiciais suscitadas na resposta da requerida, envolvem o mérito e com este serão decididas". Mas, acabou por desafiar o mérito com o julgamento de improcedência, sem mencionar a legitimidade ativa ou passiva, expressamente, mas, implicitamente, afastan
do, tanto que reconheceu que a Ré não tinha culpa; quanto ao litisconsórcio, igualmente, foi desconsiderado pela sentença porque admitiu ela que a Ré
"sempre agiu de forma a evitar acidentes. De fato, por tratar-se de local
habitado, a requerida, cumprindo as regras de segurança, construiu cercas de ambos os lados com arame farpado para impedir o acesso de pessoas e
animais", e, ainda, que "não se pode culpar a empresa requerida quando a
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 319
mesma age com observância aos princípios legais de segurança, estando, também comprovada a imprudência da vítima". O Tribunal, como visto, entendeu que não houve omissão porque a matéria não foi tratada nas contra-razões de apelação. Trata-se, portanto, de omissão não reconhecida, com o que a via adequada para o desafio do tema era a do art. 535 do Código de Processo Civil, não a dos artigos 515, §§ 1Q e 2Q
, e 516, do Código de Processo Civil. Por outro lado, anote-se que, na minha compreensão, se houve o rechaço da tese da ilegitimidade ativa e passiva e do litisconsórcio, ainda que julgado improcedente o pedido, a Empresa-ré teria interesse em recorrer, exatamente, para ver acolhida a tese que sufragou na sua contestação. Se aceitou a decisão da sentença sobre a legitimidade ativa e passiva não haveria razão alguma para que o Tribunal dela cuidasse, não tendo a parte interessada em ver acolhida a pretensão assim formulada apresentado a devida impugnação. Por isso mesmo, afastou o acórdão recorrido a omissão. Para que esta Corte pudesse desafiar o tema teria de ter o Tribunal local entendido presente a omissão e cuidado dos artigos 515, §§ P e 2Q
, e 516, do Código de Processo Civil, o que não ocorreu. Finalmente, tratando-se de condições da ação, como reconhece o próprio especial, cabível seria até mesmo o exame de ofício, a teor do art. 267, § 3Q
, do Código de Processo Civil e a tanto não se abalou o acórdão recorrido porque, certamente, não entendeu faltar nenhuma condição da ação.
Segundo, a violação ao art. 159 do Código Civil, evidentemente, não há. O Tribunal local examinou a prova dos autos e concluiu pela culpa da companhia ferroviária, não discrepando de inúmeras decisões desta Corte, a saber: REsp n. 278.885-SP, relator o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 11.06.2001: "Prevalece, no Superior Tribunal de Justiça, a orientação jurisprudencial no sentido de que é civilmente responsável a concessionária do transporte ferroviário pelo falecimento de pedestre vítima de atropelamento por trem em via férrea, porquanto incumbe à empresa que explora tal atividade cercar e fiscalizar, eficazmente, a linha, de modo a impedir a sua invasão por terceiros, notadamente em locais urbanos e populosos"; no mesmo sentido: REsp n. 25.068-RJ, relator o Sr. Ministro Nilson Naves, DJ de 07.12.1992.
Terceiro, quanto aos artigos 231, IV, e 384, II, do Código Civil, o tema não foi efetivamente prequestionado, fincado o acórdão recorrido na culpa exclusiva da companhia ferroviária que não cuidou de adotar as providências devidas ao seu alcance para evitar acidentes.
Quarto, quanto ao valor dos danos morais, com apontada ofensa aos artigos 4 Q e 5Q da Lei de Introdução ao Código Civil, tais dispositivos de
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320 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
lei federal não foram prequestionados, não desafiando o acórdão recorrido a questão do tempo decorrido entre o acidente e o pedido para minorar a dor em decorrência do falecimento do filho menor. De resto, diga-se a bem da verdade que o argumento, no caso, é risível. A perda de um filho é uma dor permanente, que o tempo não apaga jamais.
Quinto, quanto ao art. 20, § 511., do Código de Processo Civil, não procede a impugnação. O que a Companhia-recorrente pretende é retirar do valor dos honorários a parte da condenação relativa aos danos morais. Ora, tal não é possível. Se houve a condenação a tal título, não pode deixar de ser incluída na condenação. Tem sido esta a orientação da Corte: REsp n. 254.922-RJ, relator o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 11.09.2000: "Na base de cálculo, porém, incluem-se os valores correspondentes aos danos emergentes (despesas funerárias) e aos danos morais"; no mesmo sentido: REsp n. 146.398-RJ, relator o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 10.05.1999: "Reconhecida a culpa, em decorrência de responsabilidade contratual, a verba honorária corresponde a percentual sobre o valor das prestações vencidas, acrescido do valor de doze vincendas, mais a importância referente ao dano moral".
No que tange ao dissídio sobre o cabimento da indenização por dano material para vítima menor, a orientação agasalhada da Corte é no sentido de que em "lares de famílias de condição econômica precária, os filhos menores constituem fonte de renda, motivo pelo qual admite-se a indenização de dano material" (REsp n. 113.989-SP, relator para acórdão o Sr. Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 02.04.2001; no mesmo sentido: REsp n. 278.885-SP, relator o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 11.06.2001: "Devido o ressarcimento a título de danos morais, pela dor sofrida com a perda do ente querido por seus pais, bem assim a indenização por danos materiais, no pressuposto de que, em se tratando de família humilde, a filha extinta iria colaborar com a manutenção do lar onde residia com sua família"; REsp n. 172.335-SP, da minha relato ria, DJ de 18.10.1999: "Reconhecendo embora a oscilação da jurisprudência, sendo a vítima menor, de família de baixa renda, deve ser admitida a indenização por dano material. A realidade brasileira inclui nesses casos a contribuição dos filhos para a manutenção do lar. E o Juiz não pode julgar se não tiver em consonância com a realidade social do seu tempo". O acórdão recorrido está, portanto, de acordo com a jurisprudência desta Corte, aplicando-se a Súmula n. 83.
Quanto ao dissídio sobre a culpa dos pais, não tem espaço porque o tema não foi desafiado no acórdão recorrido.
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JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 321
Quanto ao dissídio sobre a idade de 30 anos como termo final do pensionamento, a jurisprudência admite, até mesmo, a longevidade maior, embora com redução do percentual (REsp n. 278.885-SP, relator o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 11.06.2001; REsp n. 220.234-SP, relator o Sr. Ministro Barros Monteiro, DJ de 03.04.2000). Diante da jurisprudência da Corte, não enxergo a possibilidade de êxito do paradigma.
Finalmente, quanto ao dissídio sobre a obrigação da companhia de cercar as linhas, como já visto, está em sentido oposto ao que assentou esta Corte. Aplica-se aqui, ainda uma vez, a Súmula n. 83.
Com tais razões, eu não conheço do especial.
RECURSO ESPECIAL N. 341.451 - MA (Registro n. 2001.0099914-0)
Relator: Ministro Ari Pargendler
Recorrente: Varig S/A - Viação Aérea Riograndense
Advogados: Pedro Augusto de Freitas Gordilho e outros
Recorrido: Rosilan Mota Garrido
Advogados: Sidney Filho Nunes Rocha e outros
EMENTA: Processo Civil - Procuração - Poderes especiais.
A exigência de que os poderes especiais sejam expressamente referidos na procuração pode se justificar quando passada por pessoa física, presumivelmente desatenta às conseqüências da remissão a uma norma legal; tratando-se de empresa de grande porte, cujos administradores são sabidamente assessorados por advogados, é bastante a procuração que confere os poderes "excetuados no artigo 38 do Código de Processo Civil".
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal
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322 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar provimento. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi
e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Presidiu o julgamento o Sr.
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
Brasília-DF, 15 de maio de 2003 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Relator.
Publicado no DJ de 04.08.2003.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: Rosilan Mota Garrido propôs ação or
dinária contra Varig S/A - Viação Aérea Riograndense (fls. 2/7).
O MM. Juiz de Direito Dr. Raimundo Nonato de Souza julgou o pedido procedente para condenar a Ré ao pagamento de uma indenização no
valor de "100 vezes do valor do título protestado" (fl. 84).
Sobreveio apelação interposta por Varig S/A - Viação Aérea Riogran
dense (fls. 89/91), e recurso adesivo interposto por Rosilan Mota Garrido (fls. 98/105).
Mas a Varig S/A - Viação Aérea Riograndense atravessou petição nos autos requerendo a desistência do recurso de apelação (fl. 122), pedido que
veio a ser homologado pelo MM. Juiz de Direito Dr. Raimundo Nonato de Souza (fl. 123).
Seguiu-se nova apelação, desta feita interposta por Rosilan Mota Garrido (fls. 124/129), à qual a egrégia Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, Relator o eminente Desembargador Augusto
Galba Falcão Maranhão, deu provimento nos termos do acórdão assim ementado:
"Apelação principal e apelação adesiva: desistência da apelação
principal. Homologação desta. Nova apelação; provimento - os pode
res especiais do art. 38 do CPC, para serem exercitados pelo advogado devem constar expressamente da procuração ad judicia. Ausência do poder de desistir. Pedido de desistência inválida. Apelação princi
pal: condenação em valor ínfimo. Decisão acerca de dano moral que
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JURlSPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 323
acaba por se tornar inócua. Provimento às apelações da Autora-apelada (Rosilan Mota Garrido). Negativa de provimento à apelação principal (Varig S/A)." (fi. 151).
Opostos embargos de declaração (fis. 156/159), foram rejeitados (fis. 164/166).
Daí o presente recurso especial, interposto pela Varig S/A - Viação Aérea Riograndense, com base no artigo 105, inciso lU, letras a e c, da Constituição Federal, alegando a violação aos artigos 38 e 535 do Código de Processo Civil (fis. 169/183).
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): A matéria controvertida nos autos diz com a necessidade de que constem expressamente do instrumento de mandato os poderes especiais de que trata o artigo 38 do Código de Processo Civil com esta peculiaridade, a de que a procuração foi outorgada por uma empresa de grande porte.
O Tribunal a quo julgou a questão à base dos seguintes fundamentos:
" ... os poderes especiais de que trata o art. 38 do CPC, para serem exercitados pelo advogado, devem constar expressamente da procuração ad judicia. Vale dizer, deve haver enumeração taxativa e transcrição integral das expressões lingüísticas que lhes indica a existência, o significado e o alcance.
No caso dos autos, a procuração de fi. 117, donde resultou o substabelecimento de fi. 116 habilitando novo advogado nos autos, carece de inscrição taxativa da outorga do poder de desistir. Então, é inválido o pedido de desistência de fi. 122, formulado pelo causídico substabelecido." (fi. 152).
Na procuração de fi. 117, o que se verifica é que foram conferidos aos advogados da Varig S/A - Viação Aérea Riograndense "os poderes ad judicia et extra, inclusive os excetuados no art. 38 do CPC, salvo para receber citação inicial" (fi. 117).
Ou seja, o Tribunal a quo entendeu que não bastava a referência, no instrumento do mandato, ao artigo 38 do Código de Processo Civil para que se considerasse válida a desistência do recurso de apelação.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
324 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Mas, salvo melhor juízo, o acórdão está a merecer reforma; ele poderia ser mantido se a procuração tivesse sido passada por pessoa física desatenta às conseqüências da remissão ao artigo 38 do Código de Processo Civil.
Tratando-se de empresa de grande porte, não se justifica a desconsideração dos poderes especiais que a mandante evidentemente quis outorgar aos seus mandatários somente pelo fato de não constarem literalmente da procuração. A referência expressa aos poderes "excetuados no artigo 38 do Código de Processo Civil" (fl. 117) já é suficiente.
Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de lhe dar provimento para, reformando o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, negar provimento à apelação de fls. 124/129.
Relatora:
Recorrente:
Advogados:
Recorrido:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL No 362.820 - SP (Registro n. 2001.0145126-4)
Ministra N ancy Andrighi
Banco Bradesco SI A
Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim e outros
Brasil Rio Promoções e Empreendimentos Ltda
José Marques de Aguiar e outro
Sustentação oral: Rodrigo Fleury (recorrente)
EMENTA: Processual Civil - Recurso especial - Ação de consignação em pagamento - Omissão e julgamento extra petita -Inexistência - Segundos embargos de declaração - Omissão do julgado anterior - Enunciado n. 317 -S TF.
- Tendo sido devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o aresto recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação aos arts. 458, inc. lI, e 535, inc. lI, do CPC.
- Como o pedido deve ser entendido conforme o conjunto consubstanciador da causa, a que se amolda o julgado, quando este
guardar correlação com a causa de pedir e o pedido, não é de se reconhecer a ocorrência de julgamento extra petita.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 325
- São inadmissíveis os elllbargos declaratórios, quando não pedida a declaração do julgado anterior, elll que se verificou a olllissão.
- Recurso especial a que não se conhece.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas constantes dos autos, retificando a decisão pro
ferida na sessão do dia 22.10.2002, por maioria, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Carlos
Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Relatora. Votou ven
cido o Sr. Ministro Ari Pargendler.
Brasília-DF, 19 de novembro de 2002 (data do julgamento)
Ministra Nancy Andrighi, Relatora.
Publicado no DJ de 10.03.2003.
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto pelo Banco Bradesco S/A com
fundamento no artigo 105, inciso lU, alínea a, da Constituição Federal.
A ora recorrida propôs ação de consignação em pagamento com o fito
de ver declarada a extinção de obrigação decorrente de empréstimo bancá
rio. Houve consignação do valor tido por devido.
Fundou o seu pedido no fato de ter sido estipulado no contrato que o
valor mutuado seria pago em 24 parcelas, e que nelas incidiriam juros de
1,8% ao mês e correção monetária pela Taxa Referencial (TR). Ficou convencionado, ainda, um período de carência de 90 dias entre a celebração do
contrato e o pagamento da primeira parcela.
Entretanto, quando do vencimento da primeira prestação, descobriu o
ora recorrido que o valor devido era em muito superior ao pactuado, pois o Recorrente fez incidir os encargos pactuados sobre o valor principal du
rante o período tido como de carência.
Requereu, dessa forma, que viesse o Recorrente a juízo a fim de rece
ber o valor consignado, bem como as demais parcelas vincendas.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
326 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o pedido foi julgado improcedente pelo MM. Juiz a quo, ao fundamento de que o autor, ora recorrido, não logrou provar o seu direito (pro
va da suficiência do depósito).
Em sede de apelação, a r. decisão foi reformada, in totum, pelo egré
gio Tribunal a quo, ao fundamento de que, nos termos do contrato pactua
do, não incidem encargos (correção monetária e juros) durante o prazo de
carência. Eis a ementa:
"Ação de consignação em pagamento. Contrato bancário. Cláu
sula de carência para pagamento de ll1. parcela de renegociação de dí
vida. Descabimento de incidência de correção monetária e encargos no
período de carência. Prova pericial até mesmo desnecessária por ser a
matéria relativa a exegese contratual. Sentença que julga improcedente
a ação é de ser reformada. Recurso provido."
o ora recorrente interpôs embargos de declaração, ao fundamento de
que o v. acórdão restou omisso quanto à questão da justeza da recusa e quan
to à questão da suficiência do depósito (fls. 311/313).
Os embargos foram rejeitados pelo egrégio Tribunal a quo (fls. 316/
317), ao fundamento de que ficou expresso no v. acórdão embargado ser a
recusa injusta e o valor depositado suficiente (fl. 317).
Novos embargos declaratórios foram interpostos pelo ora recorrente,
ao fundamento de que o v. acórdão embargado proferiu julgamento extra
petita, em afronta aos arts. 128 e 460 do CPC, uma vez que a questão da
incidência de encargos durante o período de carência nunca foi aventada
pelo ora recorrido; este limitou a se insurgir contra a taxa de juros remu
neratórios pactuada e contra a prática de anatocismo.
Argumentou ainda o Embargante que o v. acórdão foi omisso ao não
apreciar questão suscitada em sede de contra-razões ao recurso de apelação,
segundo a qual os encargos não incidem apenas sobre a primeira parcela,
mas sobre o total da dívida reconhecida (fls. 319/325).
Os embargos foram rejeitados pelo egrégio Tribunal a quo ao funda
mento de que a decisão ateve-se aos limites da lide, cujas controvérsias fo
ram fixadas no r. despacho saneador de fl. 128, bem como ao fundamento
de que o v. acórdão embargado foi expresso ao determinar que os encargos
incidem sobre total da dívida, mas apenas após o vencimento da primeira
parcela (fls. 345/347).
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 327
Alega o Recorrente, em suas razões de recurso especial, que o v. acórdão recorrido:
J - ao decidir que sobre o período de carência não incidem encargos contratuais (juros e correção monetária), proferiu julgamento extra petita, em afronta aos arts. 128 e 460 do CPC, uma vez que o recorrido limitou-se a impugnar a taxa de juros remuneratórios e a prática de anatocismo;
IJ - ao rejeitar os segundos embargos de declaração interpostos (fls. 319/325), restou omisso, em afronta aos arts. 458, inc. II, e 535, inc. II, do CPC, ao não apreciar a questão, suscitada em contra-razões de apelação, segundo a qual os encargos não incidem apenas sobre a primeira parcela, mas sobre o total da dívida reconhecida, e
IJJ - (caso se entenda que a questão relativa ao julgamento extra petita não restou prequestionada) ao não se pronunciar sobre a existência de julgamento extra petita e sobre a incidência, in casu, dos arts. 128 e 460 do CPC, afrontou os arts. 458, inc. II, e 535, inc. II, do CPC.
Houve contra-razões (fls. 375/378).
A Presidência do egrégio Tribunal a quo in admitiu o recurso especial. Interposto agravo de instrumento, foi este provido, determinando-se a subida dos autos para melhor exame (fl. 461).
É o relatório.
VOTO
J - Do julgamento extra petita (violação aos arts. 128 e 460 do CPC)
Afirma o Recorrente que o v. acórdão recorrido, ao decidir que sobre o período de carência não incidem encargos contratuais (juros e correção monetária), proferiu julgamento extra petita, em afronta aos arts. 128 e 460 do CPC.
Entretanto, dos termos da petição inicial da ação consignatória, que está longe de servir como exemplo de primor técnico, depreende-se que o recorrido insurgiu-se contra o valor cobrado na primeira parcela, isto é, contra os encargos incidentes sobre referida parcela (fls. 3/4), in verbis:
"A Supte. querendo pagar a primeira parcela vencida no último dia 11 p.p. do mês em curso, vem tentando junto a agência saber se o valor a ser pago, tendo sido informado pelos dois funcionários que lá foram conversar com a gerente D. Júlia Maria Gimenez, que o valor
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
328 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
apresentado a ser pago era de R$ 112.639,17, ou seja, mais de 150% do valor estipulado no contrato, como se vê pela xerox em anexo doc. v."
Do afirmado pode-se depreender que a questão relativa aos encargos
incidentes durante o período de carência restou impugnada pelo Recorrido.
Acresça-se que, ao contrário do sustentado no recurso especial, a questão da incidência de juros durante o período de carência contratual já fora suscitada antes do julgamento do recurso de apelação, pelo próprio Recorrente, em suas contra-razões ao recurso de apelação, como consta às fls. 289/290, item 4, in verbis:
"4. Neste sentido, o parecer do assistente técnico do Apelado, às fls. 194/198 dos autos, esclarece que a primeira parcela vencida em 11.12.1995, incidia sobre a mesma, os juros do saldo devedor, corri
gido de 90 dias, que se refere justamente ao período de carência contra
tado, perfazendo o total de RI 112.619,42, motivo pelo qual, os fundamentos em que se baseia a Apelante são destituídos de amparo legal."
Assim, se o ora recorrente suscitou, em contra-razões de apelação, a sua interpretação quanto à questão dos encargos incidentes durante o período de carência, resta evidente que tal questão foi impugnada pelo autor, desde a propositura da ação.
Em conclusão, a questão dos encargos incidentes durante o período de
carência insere-se nos limites em que a lide foi proposta.
Por sua vez, o v. aresto, em exegese de cláusula contratual, limitou-se a reconhecer que no período de carência não seriam devidos quaisquer en
cargos (fls. 307/308), in verbis:
"A questão nuclear a ser examinada no presente feito centra-se
na exegese da cláusula que estipulou a forma de pagamento do termo de renegociação de operações de débito, dispondo ser mensal, com carência de 90 dias (ut campo n. 15, fl. 20). ( ... )
Ao contestar o feito o banco-apelado sustenta a tese de que a carência de 90 dias significa apenas a postergação do pagamento da I II
parcela, porém sem a exclusão da correção monetária e outros encargos que devem ser computados desde o termo inicial da renegociação.
Mas, na realidade, o que deve ser entendido como período de ca
rência? ( ... )
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 329
Na linguagem jurídica, emprega-se a expressão para designar o tempo durante o qual os beneficiários de certa sociedade de prestação de serviços ainda não fazem jus ao benefício por esta propiciada, em virtude de não terem pago o número de contribuições mensais exigidas por estatuto para tal fim.
Se assim se deve entender por período de carência, não há razão
plausível para que se exija a incidência da correção monetária e outros encargos anteriormente ao vencimento da 1.1!. parcela, a qual só, então, é
que sofreria a incidência mencionada. Se assim não se entender, não há porque dispor ter sido concedida uma carência para o início dos pagamen
tos parcelados. ( ... ).
A ação consignatória, assim, tem alcance declaratório e, como tal, deveria ter sido enfrentada a questão basilar, que é a da interpretação da cláusula que dispôs gozar a Apelante de período de carência para iniciar o pagamento de sua renegociação de dívida."
Entendeu o egrégio Tribunal a quo caracterizada a injusta recusa do Recorrente em receber o montante devido, nos termos do art. 973, inc. I, do CC e julgou procedente o pedido consignatório, ao fundamento de que o valor depositado seria suficiente para extinguir a obrigação.
Nesses termos, o v. acórdão recorrido guardou perfeita correlação com a causa de pedir e o pedido, inexistindo, na espécie, julgamento extra petita.
II - Da existência de omissão no v. acórdão recorrido (ausência de decisão quanto à questão do limite de incidência dos encargos - montante ou primeira parcela) (violação aos arts. 458, inc. lI, e 535, inc. n, do CPC)
Apontou o ora recorrente, nos segundos embargos de declaração interpostos (fls. 319/325), que o v. acórdão proferido em sede de apelação restou omisso quanto à questão do valor sobre o qual incidiriam os encargos (se sobre o montante ou apenas sobre a primeira parcela).
Esta omissão, entretanto, não foi suscitada pelo ora recorrente quando da interposição do primeiro recurso de embargos de declaração (fls. 311/313).
Como os segundos embargos declaratórios têm por escopo aclarar o
v. acórdão proferido nos primeiros embargos, e não o v. acórdão proferido em sede de apelação, é de se concluir que está preclusa a matéria relativa à omissão quanto aos encargos incidentes durante a carência.
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330 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nesta linha de entendimento, cite-se, na Jurisprudência, o enunciado n. 317 da Súmula do colendo STF; o EDcl nos EDcl no AgRg no Ag n. 114.259-MA, reI. Min. Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, unânime, DJ de 30.11.1998 e o EDcl nos EDcl no REsp n. 207.315-MG, reI. Min. Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, unânime, DJ de 03.09.2001, respectivamente assim ementados:
"São improcedentes os embargos declaratórios, quando não pedida a declaração do julgado anterior, em que se verificou a omissão."
"Segundos embargos de declaração.
Preclusão, uma vez que a apontada omissão se refere ao acórdão que julgou o agravo regimental, e não os primeiros embargos de declaração."
"Não tendo sido suscitada a alegada obscuridade quando da oposição dos primeiros aclaratórios, não cabe a sua apreciação neste momento processual, tendo em vista a ocorrência da preclusão."
Inexiste, assim, afronta aos arts. 458, inc. II, e 535, inc. II, do CPC.
III - Da existência de omissão no v. acórdão recorrido por ausência de menção quanto à incidência, in casu, dos arts. 128 e 460 do CPC (violação aos arts. 458, inc. II, e 535, inc. II, do CPC).
Está prejudicada a análise do recurso especial com fundamento de ofensa aos arts. 458, inc. II, e 535, inc. II, do CPC, por ausência de pronúncia acerca da questão relativa ao julgamento extra petita (CPC, arts. 128 e 460), uma vez que a matéria foi devidamente prequestionada (conforme item I do voto, acima mencionado).
Forte em tais razões, não conheço do recurso especial.
É o voto.
VOTO-VISTA
o Sr. Ministro Castro Filho: Sr. Presidente, trata-se de recurso especial interposto pelo Banco Bradesco, com fundamento no art. 105, III, alínea a, da Constituição da República, em ação de consignação em pagamento, com o fito de ver declarada a extinção de obrigação decorrente de empréstimo bancário. O valor mutuado seria pago em vinte quatro parcelas, nas quais incidiriam juros de 1,8% ao mês e correção monetária pela taxa
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 331
referencial, estabelecendo-se um período de carência de noventa dias entre
a celebração do contrato e o pagamento da primeira parcela. Quando do vencimento da primeira parcela, descobriu o Recorrido que o valor devido era em muito superior ao pactuado, pois o Recorrente estava fazendo incidir os encargos pactuados sobre valor principal do período tido como de ca
rência. Este é o ponto controvertido.
O pedido foi julgado improcedente pelo Juiz e, em sede de apelação, a decisão foi reformada in totum pelo Tribunal, em acórdão assim ementado: (lê)
"Ação de consignação e pagamento ...
... é de ser reformada. Recurso provido."
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Castro Filho: No que concerne ao julgamento extra petita, a ilustre Ministra-Relatora fundamentou: (lê)
"Afirma o Recorrente que o venerando acórdão recorrido, ao de
cidir sobre o período de carência não incidem encargos contratuais,
juros e correção monetária, proferiu julgamento extra petita, em afronta aos arts. 128 e 460 do CPC."
Outro ponto também atacado pelo Recorrente é com referência à existência de omissão no acórdão recorrido. Apontou o Recorrente, nos segundos embargos de declaração, omissão quanto à questão do valor sobre o qual incidiriam os encargos: se sobre o montante ou apenas sobre a primeira
parcela. A ilustre Ministra-Relatora responde negativamente, assim como o fizera com a primeira questão, dizendo que esta omissão, entretanto, não foi
suscitada pelo ora recorrente, quando da oposição do primeiro recurso de embargos de declaração.
A terceira questão suscitada é sobre a existência de omissão do vene
rando acórdão recorrido por ausência de menção quanto à incidência, in casu, dos arts. 128 e 460 do CPC, violação aos arts. 458, inciso II, e 535, inciso II, do CPC.
Diz a ilustre Relatora que está prejudicada a análise do recurso especial, com fundamento em ofensa a esses artigos, por ausência de pronúncia
acerca da questão relativa ao julgamento extra petita (CPC, art. 128 e
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332 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
460), uma vez que a matéria foi devidamente prequestionada conforme item I do voto acima mencionado.
Forte nas suas razões, S. Ex." não conheceu do recurso especial.
Estou convencido do acerto, Sr. Presidente, daí por que acompanho a ilustre Ministra-Relatora.
VOTO-VISTA-VENCIDO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: Reporto-me ao voto-vista que proferi no Ag n. 323.228 (adaptando, todavia, a numeração das folhas ali citadas para a destes autos), in verbis:
"Brasil Rio Promoções e Empreendimentos Ltda propôs ação de consignação e pagamento contra o Banco Bradesco S/A, pedindo a citação deste para que viesse receber em Juízo a primeira prestação, das vinte e quatro contratadas, no valor de R$ 50.197,25 (cinqüenta mil, cento e noventa e sete reais e vinte cinco centavos)." (fls. 2/4).
"A petição inicial deu conta de que a recusa de receber resultava do fato de que o credor exigia o montante de R$ 112.639,17 (cento e doze mil, seiscentos e trinta e nove reais e dezessete centavos), sem esclarecer qual o motivo da diferença.
Deferida a prova pericial, o respectivo laudo apurou que o valor oferecido era menor do que o contratado (fls. 193/207), e, em função disso, o MM. Juiz de Direito Dr. Fábio Henrique Podestá julgou improcedente o pedido, destacando-se na sentença os seguintes trechos:
'Visando apurar a correção do valor depositado inicialmente, bem como aqueles efetuados posteriormente no decorrer do processo (até outubro de 1996), concluiu o Sr. Perito que pelos cálculos realizados não houve suficiência dos referidos depósitos (fl. 179).
É útil observar que a Autora ofereceu manifestação favorável sobre o laudo pericial, deixando de tecer eventuais considerações (fl. 219), talvez necessárias diante da conclusão exposta.
Seguiram-se sucessivos depósitos e em instrução nenhuma prova foi produzida.
Com efeito, visando liberar-se da obrigação por meio de pagamento judicial, a autora deveria não só demonstrar a suficiência
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JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 333
dos depósitos (por meio de parecer técnico divergente), como também provar de maneira inequívoca a recusa do Réu (cf. art. 974 c.c. art. 972, inc. I, do CC).' (fl. 266).
o Tribunal a quo, relator o eminente Juiz Massami Uyeda, reformou a sentença, valendo transcrever os seguintes trechos da motivação:
'A questão nuclear a ser examinada no presente feito centra-se na exegese da cláusula que estipulou a forma de pagamento do termo de renegociação de operações de débito, dispondo ser mensal, com carência de 90 dias (ut campo n. 15, fl. 20).' (fl. 317).
'Mas, na realidade, o que deve ser entendido como período de carência?
Na Enciclopédia Saraiva do Direito, voI. 58, p. 142, a Comissão de Redação de tão prestigiada publicação, assim conceitua:
'Período de carência - Esta expressão conota a idéia de lapso de tempo em que se verifica a não-existência de alguma coisa.'
Na linguagem jurídica, emprega-se a expressão para designar o tempo durante o qual os beneficiários de certa sociedade de prestação de serviços ainda não fazem jus ao benefício por esta propiciada, em virtude de não terem pago o número de contribuições mensais exigidas por estatuto para tal fim.'
Se assim se deve entender por período de carência, não há razão plausível para que se exija a incidência da correção monetária e outros encargos anteriormente ao vencimento da lll. parcela, a qual só, então, é que sofreria a incidência mencionada. Se assim não se entender, não há porque dispor ter sido concedida uma carência para o início dos pagamentos parcelados.
A redação do instrumento de renegociação, como anotou o sr. perito, coadjuvado pela assistência técnica do Apelado, não é explícita ou clara o suficiente para fácil entendimento (ut fl. 180) e, sendo assim, considerando-se tratar-se de contrato de adesão, suas disposições
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hão de ser interpretadas em favor da Apelante, mesmo porque, como dispõe o art. 85 do Código Civil, nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem (fls. 307/ 308).
Banco Bradesco S/A opôs embargos de declaração, forte em que o acórdão 'foi omisso quando deixou de se manifestar, expressamente, se a recusa foi justa ou não, e se o depósito foi ou não suficiente, posto que estes foram os fundamentos da defesa apresentada pelo Embargante, a teor da disposição contida no artigo 886, II e IV, do Código de Processo Civil' (fl. 312).
Os embargos de declaração foram acolhidos ao fundamento de que 'o valor da parcela consignada é suficiente, já que compatível com o valor da prestação, vencida, após o prazo de carência' (fl. 317).
Os embargos de declaração foram renovados, desta feita ao argumento de que o Tribunal a quo 'acabou por julgar a ação fora dos limites em que foi proposta' (fl. 320), violando os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil (fls. 319/323) - rejeitados por terem propósitos infringentes (fls. 345/347).
Daí o recurso especial, interposto pelo Banco Bradesco S/A, com base no artigo 105, inciso I, letra a, da Constituição Federal, por violação aos artigos 128, 458, lI; 460 e 535, lI, do Código de Processo Civil (fls. 350/368) - não admitido, decisão que foi atacada por agravo de instrumento (fls. 380/381).
A eminente Relatora, Ministra Nancy Andrighi, negou provimento ao agravo de instrumento, monocraticamente (fls. 430/432).
Seguiu-se agravo regimental (fls. 434/448, autos do agravo de instrumento em apenso).
Após o voto de S. Ex.", negando-lhe provimento, pedi vista dos autos, e estou divergindo da respectiva conclusão.
A questão que o Tribunal a quo identificou como 'nuclear' (fl. 317), vale dizer, a de saber se os juros e a correção monetária incidem, ou não, no período de carência, não foi articulada pela autora em qualquer de suas manifestações no processo, salvo nas contra-razões do recurso especial, nesse passo seguindo o acórdão que lhe fora favorável (petição inicial, fls. 2/4); réplica, fls. 1001102; quesitos, fl. 134; memorial, fls. 288/290 (autos do agravo de instrumento; apelação, fls. 273/275).
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 335
Na réplica, explicara assim a causa do pedido:
'O Reqdo. se leu não entendeu o objetivo da presente con
signação em pagamento. A Reqte. não se nega pagar o que deve
e o que contratou, mas se insurge contra os cálculos de juros co
brados.
A Constituição Federal, em seu art. 192, § 3.Q., diz que os
juros a serem cobrados devem ser de 12 % ao ano e proíbe que se
aplique juros capitalizados (juros sobre juros), cobrados pelo
Reqdo., embutidos em seus cálculos, razão da presente consignação.' (fi. 101).
E, na apelação, foi extremamente confusa, reportando-se ao lau
do pericial que lhe contrariava os interesses:
'A Apelante concordou com o perito, porque tratando-se de
um cálculo feito por um expert no assunto não poderia duvidar do
mesmo, entendendo serem corretos os cálculos elaborados pelo
mesmo.
O MM. Juiz ao sentenciar contrariou a opinião de um expert
para aquele fim, conhecedor profundo da matéria, que entende a
Apelante não poderia ser contrariado, razão da presente apelação,
por entender a Apelante que o MM. Juiz deveria acompanhar o
resultado da perícia e não contrariá-la, pois assim tendo feito,
acabou por decidir por si mesmo, sem ser expert no assunto.
Pelo acima exposto, entende a Apelante que o MM. Juiz de
veria acompanhar o laudo apresentado pelo Perito nomeado para
prolatar a r. sentença, por se tratar de um técnico formado para
isso, pedindo pelas razões acima, reforma da r. sentença prolatada
e aceito os cálculos indicados pelo perito nomeado.' (fi. 275).
Em resumo, o Tribunal a quo decidiu, sem qualquer prova que
conforte essa conclusão, que o motivo da diferença entre o valor exigido pelo credor e aquele oferecido pela devedora está na incidência
dos juros e da correção monetária durante o período de carência - de
lirando da causa petendi, com manifesta ofensa aos artigos 128 e 460
do Código de Processo Civil."
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336 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de lhe dar provimento para que, anulado o acórdão, outro seja proferido nos limites da
lide.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: A Recorrida ajuizou ação de consignação alegando que funcionário do Banco-réu vinha falsificando assinaturas de seu sócio e diretor em transações irregulares como transferência de valores e emissão de cheques, sem que os gerentes cuidassem de conferir a validade das assinaturas; que foi informada pelo banco que devia R$ 750.000,00 como resultado dos atos do funcionário; que pediu empréstimo para "fazer frente a péssima situação financeira criada por tais operações"; que o Réu concordou e emprestou o dinheiro para pagamento em 24 parcelas mensais de R$ 46.250,00, mais TR e juros de 1,80%, vencida a primeira em 11.12.1995; que antes de vencer a primeira parcela, ingressou em Juízo com ação de exibição de documentos referentes a todas as operações realizadas naquela agência; que não tem conseguido obter o valor certo, sendo informado por dois funcionários que seria de R$ 112.639,17, ou seja, mais de 150% do valor avençado.
A sentença julgou improcedente o pedido, porque não demonstrada a suficiência dos depósitos nem a recusa do Réu, com base no laudo pericial, que recebeu a concordância da própria autora.
O lll. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo proveu a apelação entendendo descabida a cobrança de correção monetária e encargos no período de carência. Deduziu o acórdão recorrido, no ponto, as razões que se seguem:
"Mas, na realidade, o que deve ser entendido como período de carência?
Na Enciclopédia Saraiva do Direito, voI. 58, p. 142, a Comissão de Redação de tão prestigiada publicação, assim conceitua:
'Período de carência - Esta expressão conota a idéia de lapso de tempo em que se verifica a não-existência de alguma coisa.
Na linguagem jurídica, emprega-se a expressão para designar o tempo durante o qual os beneficiários de certa sociedade de prestação de serviços ainda não fazem jus ao benefício por esta
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 337
propiciada, em virtude de não terem pago o número de contribuições mensais exigidas por estatuto para tal fim.'
Se assim se deve entender por período de carência, não há razão plausível para que se exija a incidência da correção monetária e outros encargos anteriormente ao vencimento da l.il. parcela, a qual só, então, é que sofreria a incidência mencionada. Se assim não se enten
der, não há porque dispor ter sido concedida uma carência para o início dos pagamentos parcelados.
A redação do instrumento de renegociação, como anotou o Sr. perito, coadjuvado pela assistência técnica do Apelado, não é explícita ou clara o suficiente para fácil entendimento (ut fl. 180) e, sendo
assim, considerando tratar-se de contrato de adesão, suas disposições hão de ser interpretadas em favor da Apelante, mesmo porque, como dispõe o art. 85 do Código Civil, nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem.
Como se reservou à perícia a interpretação do contrato, bem de ver, data venia, que as considerações finais expendidas pelo Sr. perito judicial não extra vazavam sua tarefa, certo que a consignatória foi
proposta com o escopo de não ficar a Apelante em mora, diante de
exigência do Apelado-credor de pretender receber parcela não condizente com o comando.
A ação consignatória, assim, tem alcance declaratório e, como tal, deveria ter sido enfrentada a questão basilar, que é a da interpretação da cláusula que dispôs gozar a Apelante de período de carência para
iniciar o pagamento de sua renegociação de dívida.
Assim sendo, ao recurso da Apelante dá-se provimento para, em conseqüência, reformar a r. sentença recorrida, com julgamento de procedência da ação, registrando-se que os depósitos judiciais efetuados pela Apelante correspondem a pagamentos realizados, com a
extinção das obrigações correspondentes, revertendo-se a condenação sucumbencial."
Os primeiros embargos de declaração do Réu foram acolhidos para esclarecer que a perícia contábil não é necessária e que a carência conce
dida, pela interpretação do contrato, é favorável ao pedido da Autora.
Os segundos embargos de declaração foram rejeitados, afirmando o Tribunal local que a alegação de julgamento extra petita "é buscar
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338 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
reaviventar discussão não atreita ao campo declaratório dos embargos, mes
mo porque a lobrigada nulidade inocorre quando se lê do v. acórdão de fi. 307 que as lindes de controvérsias foram fixadas na r. decisão saneadora de
fi. 128, tendo o R. Juízo de Direito a quo relegado à perícia a tarefa exegética de analisar-se o contrato, determinando-se a apuração do valor
oferecido para fins de depósito inicial em cotejo com o débito confessado".
O voto da eminente Relatora, Ministra Nancy Andrighi, não conhece do especial. Primeiro, considerou que a questão dos encargos incidentes durante o período de carência está nos limites da lide; segundo, não houve
omissão quanto ao valor sobre o qual incidiriam os encargos, consideran
do a Relatora que a questão foi suscitada, apenas, nos segundos embargos; terceiro, está prejudicada a questão da omissão por ausência de menção quanto à incidência dos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil,
porque está a matéria prequestionada.
Divergiu o Sr. Ministro Ari Pargendler. Entendeu que a questão não foi decidida nos limites da lide, reproduzindo o voto que proferiu na ocasião em que a Turma decidiu determinar, em agravo regimental, a subida do recurso especial.
Vou pedir vênia ao eminente Ministro Ari Pargendler para acompanhar o voto da eminente Ministra Nancy Andrighi.
Na inicial, a Autora explicou que obteve o empréstimo com um período de carência de 90 dias e que quando tentou pagar a primeira parcela obteve a informação de que o valor estaria acrescido de cerca de 150%. Na contestação, expressamente, o Banco-réu cuidou de explicitar que o termo de renegociação da dívida prevê a forma de pagamento mensal com carência, com o que, "no vencimento da primeira prestação (11.12.1995 - cam
po 19), no período haveria de ser aplicado para correção e atualização da
mesma, aquilo pactuado no contrato (campo 11 - TR + 1,80%), mais a incidência dos juros verificados no período compreendido da celebração do instru
mento até o vencimento da prestação, ou seja, o período de 'carência' (90 dias).
(para as demais parcelas, idêntico procedimento)". Explicou, ainda, que o erro
da Autora foi exatamente o de não considerar o período de carência. Ora,
a questão do valor da consignação, tal e qual, argüido pelo próprio réu foi
a aplicação da correção monetária e dos encargos no período de carência.
Se se estava cuidando do valor do depósito, a inicial fez a impugnação plena do valor cobrado, tanto que pediu a consignação da parcela na importân
cia originariamente contratada, sem qualquer encargo. E o Réu entendeu que
o valor não era correto porque caberia a incidência da correção monetária
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 339
e dos encargos no período de carência. Assim deveria o Juiz decidir nesse campo, ou seja, se o valor era insuficiente, porque correta a interpretação oferecida pelo banco, ou se suficiente, porque correta a do autor, no sentido de ver pago o valor tal e qual pactuado. Como afirmou a ilustre Relatora, "a questão dos encargos incidentes durante o período de carência insere-se nos limites em que a lide foi proposta".
Quanto ao mais, nada acrescento aos fundamentos do voto da eminente Relatora.
Eu não conheço do especial.
VOTO
O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Acompanho o voto da Sra. Ministra-Relatora e não conheço do recurso.
RECURSO ESPECIAL N. 431.440 - SP (Registro n. 2002.0048939-6)
Relatora:
Recorrente:
Advogados:
Recorridos:
Advogado:
Ministra N ancy Andrighi
Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa
Alde da Costa Santos Júnior e outros
Gilberto Alves Capistrano e outros
João Marcos Prado Garcia
Sustentação oral: Maria Zuleika de Oliveira Rocha (pelo recorrente) e João Marcos Prado Garcia (pelo recorrido)
EMENTA: Processual Civil - Civil - Recursos especiais - Fundamentação - Embargos de declaração - Omissão - Inexistência -Dissídio jurisprudencial - Comprovação - Contrato de financiamento para a construção de imóvel (prédio com unidades autônomas) -Recursos oriundos do SFH - Outorga, pela construtora, de hipoteca sobre o imóvel ao agente financiador - Posterior celebração de compromisso de compra e venda com terceiros adquirentes - Cancelamento da hipoteca.
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340 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- É inadmissível o recurso especial na parte em que deixa de apontar ofensa à lei ou dissídio jurisprudencial e no ponto em que não fundamenta suas alegações.
- Inexiste omissão a ser suprida por meio de embargos de declaração quando toda a controvérsia posta a desate foi fundamentadamente apreciada no julgado embargado.
- O dissídio jurisprudencial que enseja recurso especial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre os acórdãos tidos como divergentes.
- A hipoteca instituída pela Construtora ao agente financiador, em garantia de empréstimo regido pelo Sistema Financeiro da Habitação, que recai sobre unidade de apartamentos, é ineficaz perante os promissários-compradores, a partir de quando celebrada a promessa de compra e venda.
- Nesse caso, deve ser cancelada a hipoteca existente sobre as unidades de apartamentos alienadas a terceiros adquirentes.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por maioria, não conhecer do primeiro recurso especial e conhecer em parte do segundo recurso especial, mas negar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Castro Filho e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Relatora.Votou vencido o Sr. Ministro Ari Pargendler. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Brasília-DF, 7 de novembro de 2002 (data do julgamento)
Ministra Nancy Andrighi, Relatora.
Publicado no DI de 17.02.2003.
RELATÓRIO
Cuida-se de dois recursos especiais interpostos por Banco do Estado de São Paulo SI A - Banespa, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdãos do 1 ~ Tribunal de Alçada Civil do Estado de
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 341
São Paulo, proferidos, respectivamente, em apelação e em embargos infringentes.
Gilberto Alves Capistrano e outros, ora recorridos, opuseram embargos de terceiro em execução hipotecária promovida pelo Banco, ora recorrente, contra Construtora Briquet S/A, na qual foram penhoradas unidades condominiais, requerendo o cancelamento das hipotecas que recaíam sobre tais bens.
Alegava-se que aquela Construtora realizara contrato de financiamento com o Banespa, vinculado ao SFH (Lei n. 4.380/1964, fi. 306), para a construção de um prédio de apartamentos, dando em garantia hipotecária "de 1 Q
grau" o terreno sobre o qual seria construído o prédio denominado Edifício Arthur Labes, registrado em cartório em 16.12.1991. Posteriormente, a Construtora celebrou novo contrato, registrado em 14.10.1994, denominado "Aditivo", prorrogando o prazo do financiamento e constituindo hipoteca "de 2Q grau" , desta feita, sobre as unidades de apartamentos do edifício (fis. 327/328), algumas das quais já haviam sido alienadas, por promessa de compra e venda, aos ora recorridos. Alegou-se, ainda, que, no compromisso de compra e venda das unidades, a Construtora Briquet S/A se obrigara a transferir a propriedade dos bens, livres de quaisquer ônus.
Todavia, como a promitente-vendedora, Construtora Briquet S/A deixara de pagar as prestações do financiamento feito com o Banespa, deu causa à execução e à penhora dos mencionados bens.
Rejeitados os embargos, apelaram os autores, ora recorridos, tendo sido provido o apelo, por maioria, em acórdão assim ementado:
"Execução hipotecária. Existência de compromissos de compra e venda celebrados com a Construtora. Inadimplemento da mesma perante ao credor hipotecário, sem comunicação aos compromissários compradores. Terceiros de boa-fé cujos interesses devem prevalecer sobre aqueles do credor hipotecário. Recurso provido, por maioria, para julgar procedentes embargos de terceiro, para o efeito de tornar insubsistente as penhoras, vencido o relator sorteado que não cancelava a hipoteca, mas protegia a posse dos Embargantes." (fi. 692).
Interpuseram embargos de declaração, que restaram rejeitados e, em seguida, embargos infringentes, somente com relação à questão do cancelamento da hipoteca ou sua subsistência. Os embargos infringentes foram rejeitados, ao fundamento de que, in verbis:
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342 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Com efeito, 'se o direito decorrente da hipoteca defendida pelo embargado não pode ser exercido, não lhe serve à satisfação do crédito, há que se entender tenha havido o seu perecimento. Nesse sentido os artigos 77 e 78 do Código Civil. É que perece o direito perecendo seu objeto (artigo 77). E a perda do objeto do direito ocorre quando o mesmo perde suas qualidades essenciais e seu valor econômico (artigo 78). Ora, no caso a garantia hipotecária, não mais podendo ser utilizada para satisfazer o crédito do banco exeqüente, perdeu suas características essenciais, e, bem assim, seu valor econômico. Não se justifica, então, reconhecer que ela permanece mantida, pois já pereceu, juntamente com o perecimento do objeto que o direito protegia'." (fls. 757/758).
Novos embargos de declaração foram interpostos e mais uma vez restaram rejeitados.
No primeiro recurso especial, interposto contra o acórdão proferido em apelação, alega-se:
I - ofensa ao art. 535 do CPC, porque não foi suprida a omissão apontada em embargos de declaração;
II - infringência aos arts. 655, § 2.2., do CPC, uma vez que não poderia ter sido afastada a penhora do bem oferecido em garantia hipotecária;
III - violação aos arts. 3.2. da LICC; 1.2., 2, 16, 17, 18, 167, I, e 172 da Lei de Registros Públicos;
IV - dissídio jurisprudencial sobre a eficácia da hipoteca;
V - que não pode arcar com os ônus da sucumbência.
No segundo recurso especial, interposto contra o acórdão proferido em embargos infringentes, alega-se:
I - negativa de vigência ao art. 535 do CPC, porque o tribunal omitiu-se em se pronunciar sobre vários artigos de lei, mencionados nos embargos de declaração;
II - afronta aos arts. 128 e 460, 267, VI, e 295, III, do CPC, pois foi cancelada a hipoteca constituída por outra pessoa, em sede de embargos de terceiro;
III - ofensa ao art. 849 do CC;
IV - violação ao art. 6.2., § 1.2., da LICC, ao se contrariar o contrato,
ato jurídico perfeito;
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 343
v - infringência aos arts. 3ll. da LICC, e 809 e 811 do CC;
VI - afronta aos arts. 77 e 78 do CC, porque não era o caso de se cancelar a hipoteca existente sobre os imóveis;
VII - dissídio jurisprudencial sobre a subsistência da hipoteca constituída pela incorporadora em favor do Banco;
VIII - que não pode arcar com os ônus da sucumbência, pois não deu causa à penhora dos bens.
Em contra-razões os ora recorridos sustentam a inadmissibilidade do recurso especial.
É o relatório.
VOTO
I - Do primeiro recurso especial, interposto contra o acórdão proferido em
apelação
A) Da fundamentação do recurso especial
A questão sobre os ônus da sucumbência e o princípio da causalidade não foi baseada em ofensa à lei federal ou em dissídio jurisprudencial.
Tampouco cuidou o Recorrente de apontar as razões pelas quais entende malferidos os arts. 3ll. da LICC; 1ll., 2, 16, 17, 18, 167, I, e 172 da Lei de Registros Públicos, o que atrai a incidência da Súmula n. 284-STF.
Aplica-se, pois, a Súmula n. 284-STF.
B) Da ofensa ao art. 535 do CPC
Os embargos de declaração interpostos contra o aresto de apelação lastreavam-se na necessidade de pronunciamento sobre os arts. 655, § 2ll., e 755 do CPC. Todavia, não foram explicados os motivos pelos quais deveria ser feito o exame específico desses dispositivos, restando desfundamentados os embargos declaratórios.
Por esse motivo, o Tribunal a quo acertou ao rejeitar aquele recurso, sem qualquer ofensa ao art. 535 do CPC.
C) Da violação ao art. 655, § 2ll., do CPC, e do dissídio jurisprudencial
A ofensa ao art. 655, § 2ll., do CPC, e o dissídio jurisprudencial, que está devidamente comprovado, dizem respeito à possibilidade de se negar eficácia ao direito real de hipoteca, afastando-se a penhora sobre o bem hipotecado.
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
344 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A respeito do tema, a jurisprudência deste colendo STJ distingue a hipótese em que a hipoteca foi outorgada (pela empresa construtora ao agente financeiro) em data posterior à celebração do compromisso de compra e venda (com o adquirente da unidade habitacional) daquela em que o gravame foi celebrado e levado a registro antes do pacto de compromisso de compra e venda.
É pacífico, neste Tribunal, o entendimento que declara a nulidade da hipoteca outorgada (pela construtora à instituição financeira) após a celebração da promessa de compra e venda com o promissário-comprador.
Cite-se, a respeito: Recurso Especial n. 78.459-RJ, reI. Min. Ruy Rosado
de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 20.05.1996; Recurso Especial n. 146.659-MG, reI. Min. César Asfor Rocha, Quarta Turma, DJ de 05.06.2000; Recurso
Especial n. 287.774-DF, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 02.04.2001; Recurso Especial n. 296.453-RS, reI. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ de 03.09.2001; Recurso Especial n. 329.968-DF, reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ de 04.02.2002, e Recurso ESpecial n. 334.829-DF, rel. a Min! Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 04.02.2002.
Esse entendimento está calcado na compreensão de que a hipoteca só poderá ser ofertada por aquele que possui o direito de alienar o bem (CC, art. 756). Celebrado o compromisso de compra e venda entre a construtora e o adquirente, não mais possui aquela o poder de dispor do imóvel; em conseqüência, não mais poderá gravá-lo com hipoteca.
Os precedentes acima citados consideram, ademais, que fere a boa-fé
objetiva da relação contratual a atitude da construtora que primeiro celebra o compromisso de compra e venda de imóvel com o promissário-comprador, e depois onera-o com hipoteca em favor de terceiro (agente financeiro).
Por fim, ressalta em seu voto (Recurso Especial n. 296.453-RS) o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito ser nula, por abusiva (CDC, art. 51, inc. VIII), a cláusula-mandato inserida no instrumento de compromisso de compra e venda, segundo a qual o promissário-comprador autoriza a construtora (promitente-vendedor) a instituir, em favor de terceiro (agente financeiro), hipoteca sobre o imóvel.
Entretanto, se a hipoteca foi constituída (e levada a registro) em data
anterior ao pacto de compromisso de compra e venda firmado entre a empresa construtora e o adquirente, os precedentes jurisprudenciais fazem uma
segunda diferenciação.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 345
Caso a linha de crédito outorgada à sociedade construtora seja proveniente de recursos próprios do agente financeiro, é valida e eficaz a hipote
ca registrada anteriormente à celebração do compromisso de compra e ven
da, desde que, no ato de contratação, o promissário-comprador tenha sido
cientificado a respeito. Cite-se, nesta linha: AgRg no Ag n. 161.052-SP, reI.
Min. Waldemar Zveiter, Terceira Turma, DJ de 07.12.1998.
Todavia, se os recursos ofertados pelo agente financeiro à sociedade construtora foram captados junto ao SFH, a hipoteca não tem eficácia perante o adquirente da unidade habitacional.
Neste sentido: Recurso Especial n. 171.421-SP, reI. Min. Ruy Rosado
de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 29.03.1999; Recurso Especial n. 187.940-
SP, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 21.06.1999; Re
curso Especial n. 205.607-SP, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Tur
ma, DJ de 01.07.1999, e Recurso Especial n. 239.557-SC, reI. Min. Ruy Ro
sado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 07.08.2000.
A convicção exposta nesses precedentes ressalta o fato de que à hipó
tese aplica-se o regime especial instituído pelas Leis n. 4.380/1964 e 4.864/
1965. Este regime limita as modalidades de garantia de que poderá se va
ler o banco-mutuante, na hipótese de inadimplência da construtora-mutuária.
Dispõe o art. 22 da Lei n. 4.864/1965 que os créditos outorgados pelo agente financeiro somente poderão ser garantidos por caução, cessão parcial
ou cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado.
Nesses termos, se o adquirente ainda não quitou o seu imóvel, poderá o agente financeiro, por meio de cessão fiduciária, sub-rogar-se no direito
de receber os créditos devidos à construtora-mutuária.
Por sua vez, o § 2ll. do art. 23 desse diploma legal assevera que se a
importância recebida em cessão fiduciária não for suficiente ao pagamen
to do crédito, ficará a construtora-mutuária pessoalmente responsável pela quitação do saldo remanescente.
No caso sub examen, o financiamento celebrado entre a Construto
ra e o Banco Banespa está vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, nos termos das Leis n. 4.380/1964 e 4.864/1965, como consta às fls. 306/
328 dos autos.
Dessa forma, o acórdão recorrido decidiu em consonância com a juris
prudência dominante do STJ ao afirmar que a hipoteca firmada em favor
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
346 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
do Banespa, ora recorrente, é ineficaz perante os promissários-compradores, ora recorridos, e ao anular a penhora que recaiu sobre os bens hipotecados.
Por esse motivo, é de se aplicar a Súmula n. 83-STl
II - Do segundo recurso especial, interposto contra acórdão dos embargos infringentes
A) Violação ao art. 535 do CPC
O Recorrente interpôs embargos de declaração contra o aresto que julgou os embargos infringentes, apontando omissão ao não serem apreciados alguns artigos de lei.
Entretanto, com exceção da ausência de pronunciamento sobre os arts. 128 e 460 do CPC, o então embargante não fundamentou as alegadas omissões, e, por esse motivo, era mesmo de se rejeitar os embargos.
Com respeito à aplicação dos arts. 128 e 460 do CPC, que relacionava-se à modificação da causa de pedir, tem-se que não poderia ser alvo de apreciação nos embargos infringentes, pois já restara decidida, por unanimidade, no acórdão proferido em apelação, havendo preclusão.
Assim, incólume restou o art. 535 do CPC.
B) Da fundamentação suficiente
O Recorrente deixou de fundamentar as razões da alegada infringência aos arts. 128 e 460, 267, VI, e 295, IIl, 809 e 811 do CPC; 849 do CC; 3ll., 6ll., § 1ll., da LICC.
Obsta, assim, a pretensão, a Súmula n. 284-STF.
Além disso, como já exposto, a oportunidade de aventar a questão relativa à modificação da causa de pedir - em ofensa aos arts. 128 e 460 do CPC - já está preclusa.
C) Dos ônus da sucumbência
O Recorrente não baseou a sua irresignação com relação à condenação nos ônus da sucumbência em ofensa à lei federal ou em dissídio jurisprudencial, pois apenas colacionou dois julgados em amparo a sua tese.
De qualquer forma, ainda que se entenda amparada a pretensão em divergência pretoriana, tem-se que não restou comprovado o dissídio da forma como exigem os arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, § 2ll., do
RIST}, pois não ficou demonstrada a similitude fática entre os casos con
frontados.
RST}, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 347
D) Da infringência aos arts. 77 e 78 do CC e do dissídio juris
prudencial
A questão federal relacionada à ofensa aos arts. 77 e 78 do CC está
prequestionada e o dissídio jurisprudencial restou comprovado.
O Recorrente alega que a hipoteca não poderia ter sido cancelada pois,
ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, não perdeu o seu objeto.
O Tribunal a quo analisou a questão determinando o cancelamento da
hipoteca, porque, "se o direito decorrente da hipoteca defendida pelo
Embargado não pode ser exercido, não lhe serve à satisfação do crédito, há
que se entender tenha havido o seu perecimento. Nesse sentido os artigos
77 e 78 do Código Civil. É que perece o direito perecendo seu objeto (arti
go 77)". (fi. 757).
Entretanto, conforme anteriormente exposto, é pacífico o entendimento
de que, em casos como os que ora se examina, a hipoteca é ineficaz perante
os terceiros, promissários-compradores, uma vez que se deve aplicar o re
gime especial instituído pelas Leis n. 4.380/1964 e 4.864/1965.
Nas palavras do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar (REsp n.
187.940), "A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o
imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da
devedora; havendo transferência, por escritura de compra e venda ou de pro
messa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário
passa a incidir sobre 'os direitos decorrentes dos contratos de alienação das
unidades habitacionais integrantes do projeto financiado' (art. 22 da Lei
n. 4.864/1965), ( ... )".
Logo, transferidos os apartamentos mediante promessa de compra e
venda, a hipoteca que existia sobre essas unidades não tem mais eficácia
perante os promissários-compradores, e, por isso, deve ser cancelada, pois,
como bem determinou a Corte de origem, "não mais podendo ser utiliza
da para satisfazer o crédito do Banco-exeqüente, perdeu suas característi
cas essenciais e, bem assim, seu valor econômico".
Dessa forma, não houve qualquer ofensa aos arts. 77 e 78 do Código
Civil.
Forte em tais razões, não conheço do primeiro recurso especial, e nego
provimento ao segundo recurso especial, na parte em que conhecido.
É o voto.
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
348 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Castro Filho: Em ação de execução hipotecária proposta pelo Banco do Estado de São Paulo S/A contra Construtora Briquet Ltda e outro, Gilberto Alves Capistrano e outros opuseram embargos de terceiro, em face de a penhora haver recaído sobre imóveis em relação aos quais firmaram compromisso de compra e venda com a empresa executada, objetivando a desconstituição da hipoteca, esta decorrente de contrato de financiamento celebrado em 1991 entre a Exeqüente e a Executada (fi. 306) e aditado em 1994 (fi. 325).
Julgado improcedente o pedido (fi. 622), apelaram os Embargantes, sendo o recurso provido, por maioria, em acórdão assim ementado:
"Execução hipotecária. Existência de compromissos de compra e venda celebrados com a Construtora. Inadimplemento da mesma perante ao credor hipotecário, sem comunicação aos compromissários compradores. Terceiros de boa-fé cujos interesses devem prevalecer sobre aqueles do credor hipotecário. Recurso provido, por maioria, para julgar procedentes embargos de terceiro, para o efeito de tornar insubsistentes as penhoras, vencido o relator sorteado que não cancelava a hipoteca, mas protegia a posse dos Embargantes." (fi. 692).
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fi. 720).
A esse julgado, o Banco-exeqüente interpôs recurso especial (fi. 776).
Objetivando a prevalência do voto minoritário, também opôs embar-gos infringentes, de igual modo rejeitados, em acórdão assim sumariado:
"Execução hipotecária. Sistema Financeiro da Habitação. Hipótese em que o registro da hipoteca em favor do agente financiador da construtora não pode atingir terceiro adquirente. Perecimento do direito real, justificando-se o seu cancelamento. Embargos de terceiro procedentes. Sucumbência mantida. Embargos infringentes rejeitados." (fi. 757).
Opostos embargos de declaração, também foram rejeitados (fi. 768), advindo o segundo recurso especial pelo banco (fi. 824).
Agora em julgamento, a ilustre ministra-relatora não conheceu do primeiro recurso, aplicando-se as Súmulas n. 284-STF e 83-STJ, e negou
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 349
provimento ao segundo, na parte em que conhecido, concluindo que, sendo captados junto ao Sistema Financeiro da Habitação os recursos ofertados pelo agente financeiro à construtora, a hipoteca não tem eficácia perante o adquirente da unidade habitacional, uma vez que se deve aplicar o regime
especial instituído pelas Leis n. 4.380/1964 e 4.864/1965.
Em síntese, é o relatório.
VOTO
Pedi vista dos autos, para melhor análise, em razão de haver hipoteca anterior aos compromissos de compra e venda firmados entre os recorridos e a construtora.
Verifico, porém, que os rigores do instituto da hipoteca sofreram abrandamentos pela legislação específica relativa ao Sistema Financeiro da Habitação.
Tratando-se, como é o caso, de edificação com financiamento por recurso advindo daquele sistema, prevalecem as regras a este concernentes, ditadas pelas Leis n. 4.380/1964 (que instituiu o sistema financeiro para aquisição da casa própria) e 4.864/1965 (que criou medidas de estímulo à indústria de construção civil). Nesta última, em seu artigo 22, é prevista forma de garantia a ser oferecida pela empresa financiada, dispondo que os créditos abertos pelas Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário, "poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado". Em seqüência, prevê a hipótese de inadimplemento da empresa e o conseqüente uso da garantia pelo credor, preceituando nos §§ 111 e 211 e artigo 23:
"§ 1 Sl.. Nas aberturas de crédito garantidas pela caução referida neste artigo, vencido o contrato por inadimplemento da empresa financiada, o credor terá o direito de, independentemente de qualquer procedimento judicial e com preferência sobre todos os demais credores da empresa financiada, haver os créditos caucionados diretamente dos adquirentes das unidades habitacionais, até a final liquidação do crédito garantido.
§ 2Sl.. Na cessão parcial referida neste artigo, o credor é titular dos direitos cedidos na percentagem prevista no contrato, podendo, mediante comunicações ao adquirente da unidade habitacional, exigir,
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
350 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
diretamente, o pagamento em cada prestação da sua percentagem nos direitos cedidos.
Art. 23. Na cessão fiduciária em garantia referida no art. 22, o credor é titular fiduciário dos direitos cedidos até a liquidação da dívida garantida, continuando o devedor a exercer os direitos em nome do credor, segundo as condições do contrato e com as responsabilidades de depositário.
§ l.\l. No caso de inadimplemento da obrigação garantida, o credor fiduciário poderá, mediante comunicação aos adquirentes das unidades habitacionais, passar a exercer diretamente todos os direitos decorrentes dos créditos cedidos, aplicando as importâncias recebidas no pagamento do seu crédito e nas despesas decorrentes da cobrança, e entregando ao devedor o saldo porventura apurado.
§ 2.\l. Se a importância recebida na realização dos direitos cedidos não bastar para pagar o crédito do credor fiduciário, bem como as despesas referidas no parágrafo anterior, o devedor continuará pessoalmente obrigado a pagar o saldo remanescente."
A propósito, no caso em exame, o contrato para abertura de crédito firmado em 27.11.1991 entre o Banco-recorrente e a construtora (fi. 306) dispõe sobre a hipoteca do terreno, inclusive futuras acessões e benfeitorias (cláusula 18 11-), porém também prevê a cessão fiduciária, estabelecendo em sua cláusula 22il. que: "O devedor, em garantia complementar do empréstimo ora concedido, dá, desde já, ao Banespa, em cessão fiduciária, todos os direitos creditórios decorrentes da alienação ou promessa de alienação do empreendimento ou de cada uma de suas unidades".
Situações semelhantes já foram decididas por esta Corte, a exemplo do REsp n. 239.557, tendo como relator o ilustre Ministro Ruy Rosado de Aguiar, onde concluiu-se por ementa:
"Promessa de compra e venda. Embargos de terceiros. Hipoteca. SFH.
A garantia hipotecária do financiamento concedido pelo SFH para a construção de imóveis não atinge o terceiro adquirente da unidade." (DJU de 07.08.2000).
Em seu voto, fazendo menção à legislação antes citada, consignou o relator, entre outras considerações:
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 351
"A construtora recebera financiamento do Banco Meridional pelo
Sistema Financeiro da Habitação para erguer o prédio, instituindo hi
poteca sobre o terreno e o que viria a ser construído, cujas unidades
seriam comercializadas. ( ... ).
A causa deve ser examinada e julgada nas circunstâncias do ne
gócio realizado, tratando-se de aquisição de casa própria com finan
ciamento concedido por instituição financeira à construtora ou incor
poradora do prédio, com ou sem financiamento por agente financeiro aos adquirentes finais. ( ... ).
Faço esse registro inicial porque é preciso definir que o finan
ciamento concedido à empresa construtora tinha o fim único de per
mitir a construção de um prédio destinado a venda. Os terceiros adqui
rentes fariam o pagamento das suas prestações com recursos próprios
diretamente à construtora, ou obteriam um financiamento pessoal junto
à mesma ou a outra instituição financeira, hipótese em que tocaria a
esta saldar o débito do promissário-comprador perante a construtora,
ficando o imóvel hipotecado em favor da instituição que financiou o
promissário-comprador, adquirente final (mutuário). Nessa situação,
cabe ao financiador do prédio construído para ser alienado cobrar da
construtora, sobre os bens dela, sua devedora, ou sobre os créditos dela
em relação aos terceiros adquirentes. ( ... ).
A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imó
vel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade
da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e
venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de
crédito imobiliário passa a incidir sobre 'os direitos decorrentes dos
contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do pro
jeto financiado' (art. 22 da Lei n. 4.864/1965), sendo ineficaz em re
lação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela cons
trutora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim
foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para
respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa-fé, que cumpriu
com todos os seus compromissos e não pode perder o bem que
lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo finan
ciado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito
perante a sua devedora, deixando de usar dos instrumentos próprios e
adequados previstos na legislação específica desse negócio.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
352 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do sistema financeiro da habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que não está permitida pelo sistema."
N a mesma linha de entendimento, REsps n. 171.421 (DJU de 29.03.1999, reI. p/ ac. Min. Ruy Rosado de Aguiar), 314.553 (DJU de 04.02.2002, reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira), 401.252 (DJU de 05.08.2002, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar), 263.261 (DJU de 20.05.2002, reI. Min. Cesar Asfor Rocha) e 187.940 (DJU de 21.06.1999, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar), este último assim ementado:
"Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução. Hipoteca em favor do financiador da construtora. Terceiro promissário-comprador.
Embargos de terceiro.
- Procedem os embargos de terceiros opostos pelos promissários--compradores de unidade residencial de edifício financiado, contra a penhora efetivada no processo de execução hipotecária promovida pela instituição de crédito imobiliário que financiou a construtora.
- O direito de crédito de quem financiou a construção das unidades destinadas à venda pode ser exercido amplamente contra a devedora, mas contra os terceiros adquirentes fica limitado a receber deles o pagamento das suas prestações, pois os adquirentes da casa própria não assumem a responsabilidade de pagar duas dívidas, a própria, pelo valor real do imóvel, e a da construtora do prédio.
Recurso conhecido e provido."
Por conseguinte, em face também a estes fundamentos, acompanho a ilustre relatora, em seu bem elaborado voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Ari Pargendler: Salvo melhor juízo, a hipoteca registrada prevalece sobre as promessas de compra e venda contratadas posteriormente.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 353
Tal como disse o MM. Juiz de Direito, Dr. Leonel Carlos da Costa, "Havendo hipoteca convencional em garantia de legítimo e válido mútuo, não
cabe o seu cancelamento por promitentes-compradores posteriores" (fl. 623).
Voto, por isso, no sentido de conhecer dos recursos especiais, dando
-lhes provimento.
RECURSO ESPECIAL N. 456.413 - PR (Registro n. 2002.0095799-5)
Relatora: Ministra Nancy Andrighi
Recorrentes: João Luiz Barbosa Silva e outros
Advogados: Ivo Gomes e outro
Recorrida: Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil
Advogados: Magda Montenegro e Isabella Rodrigues de Oliveira e outros
EMENTA: Civil - Recurso especial - Plano de previdência com
plementar - Contribuições pessoais vertidas - Retenção pela enti
dade de previdência privada - Impossibilidade.
- Ainda que o estatuto assim não preveja, tem o beneficiário
de plano de previdência privada o direito à restituição da totalida
de das contribuições pessoais vertidas, sob pena de enriquecimento
ilícito da entidade de previdência privada. Precedente da Terceira
Turma.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Castro Filho,
Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Minis
tra-Relatora. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes
Direito. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Brasília-DF, 6 de fevereiro de 2003 (data do julgamento).
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
354 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ministra Nancy Andrighi, Relatora.
Publicado no DJ de 10.03.2003.
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial, interposto por João Luiz Barbosa Silva e outros, contra acórdão exarado pelo egrégio Tribunal de Justiça do Paraná.
Os Recorrentes propuseram ação de conhecimento sob o rito ordinário em face da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, ora recorrida, com o objetivo de receber valores vertidos a plano de previdência complementar.
Sustentaram que, no momento de assinatura de contrato de trabalho com o Banco do Brasil S/A, filiaram-se ao plano de complementação de rendas e aposentadorias controlado pela Recorrida.
Firmaram contrato de adesão pelo qual se estabeleceu que contribuiriam com um terço do valor da contribuição, enquanto o seu empregador se responsabilizou pelo pagamento dos dois terços restantes.
No momento de resilição do contrato de trabalho, e conseqüente desligamento do plano, foi-lhes restituído apenas o montante referente às contribuições pessoais vertidas, no percentual de 98% do total.
Asseveraram que esse valor não restou devidamente corrigido e atualizado, pois não foram considerados os expurgos inflacionários, o que ocasionou-lhes prejuízos. Alegaram, ainda, que não lhes foi restituída a quantia atinente às contribuições patronais e que também devem ser restituídas as contribuições vertidas desde a data de sua admissão até fevereiro de 1980.
Pugnaram, pois, pela devolução desses valores, atualizados monetariamente, e também do valor referente às diferenças de correção monetária incidente sobre as contribuições que adimpliram, incluindo-se os expurgos inflacionários.
O douto Juízo a quo julgou procedente o pedido para condenar a Recorrida a restituir aos Recorrentes 98% das contribuições pessoais vertidas no período entre a data de admissão dos Recorrentes até fevereiro de 1980, atualizadas monetariamente pelo IPC; as diferenças entre os índices de correção monetária aplicados pela Recorrida para atualização das contribuições pessoais e o IPC, a partir das datas dos recibos de restituição, e o pagamento de juros de mora de 0,5% ao mês, desde a citação.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 355
Inconformada, a Recorrida apelou ao egrégio Tribunal a quo. O v. acórdão restou assim ementado:
"Previdência privada. Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ). Pedido de restituição das contribuições, em razão do desligamento dos funcionários. Período anterior a março de 1980. Inadmissibilidade. Aplicação do estatuto então vigente, que a vedava (art. 52). Correção monetária. Necessidade de adoção de índices que revelam a realidade da desvalorização da moeda. Apelação parcialmente provida.
1) Se o estatuto vigente à época estabelecia que o associado demitido do emprego, mesmo a pedido, seria excluído da Caixa, sem direito a qualquer benefício ou indenização (art. 52), e se a disposição não conflita com a lei que autorizou o seu funcionamento, não pode a Previ ser compelida a devolver as contribuições vertidas em período anterior ao novo estatuto que, então, sim, passou a facultar a restituição de parte delas ao participante do plano que se desliga antecipadamente (Lei n. 46.435/1977, art. 42, inc. V).
2) Consoante já decidiu o colendo ST], o associado da Previ, que se retira da entidade previdenciária porque demitido do Banco do Brasil, 'tem direito de receber a restituição das contribuições vertidas em seu favor, devidamente corrigida por índices que revelam a realidade da desvalorização da moeda'." (REsp n. 254.006, Quarta Turma, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 03.08.2000).
Irresignados, os Recorrentes interpõem recurso especial, com fulcro no art. 105, inc. III, alíneas a e c, da Constituição Federal, sob a alegação de ofensa ao art. 31, § 22 , do Decreto n. 81.240/1978, e à Lei n. 6.435/1977, e de dissídio jurisprudencial.
Sustentam que, de acordo com esses diplomas legais, têm direito à restituição das contribuições pessoais vertidas desde a data de admissão até fevereiro de 1980. Utilizam-se do Recurso Especial n. 261.793 para evidenciar o dissenso pretoriano.
É o relatório.
VOTO
A questão posta a desate pelos Recorrentes consiste em aferir se têm direito à restituição das contribuições pessoais vertidas ao plano de previdência privada desde a data de sua admissão até fevereiro de 1980.
RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
356 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o egrégio Tribunal a quo assim se manifestou sobre a questão:
"Ocorre que, como entidade fechada de previdência privada, pode
ter regimes distintos, com características próprias, que se encontram
definidos no art. 28 do Decreto n. 81.240/1978, quais sejam: a) de re
partição simples; b) de repartição de capitais de cobertura; c) de ca
pitalização.
Antes do advento do seu atual estatuto, submetia-se ela ao regi
me da repartição do capital de cobertura, vindo a adotar o de capita
lização somente a partir de 04.03.1980, quando entrou em vigor o
novo estatuto.
O primitivo estatuto - vigente à época em que dois dos autores
aderiram ao plano de benefícios (Helena Kiyoni Nozaki Yano, em
02.01.1978, eYoiti SérgioYano, em 04.07.1977), e elaborado em consonância com a legislação pertinente então em vigor - estabelecia, no
art. 5Q, que 'o associado que for demitido do emprego, mesmo a pe
dido, será excluído da Caixa, sem direito a qualquer benefício ou indenização' (fi. 236 - original sem negrito).
Havia, portanto, vedação expressa da devolução das contribuições,
não ferindo o dispositivo nenhuma norma legal, dado que a possibi
lidade de restituição das contribuições, nos casos de desligamento, so
mente passou a ser admitida com o advento da Lei n. 6.435/1977, no art. 42, inc. V, e do Decreto n. 81.240/1978, que a regulamentou.
Além de a devolução ter sido permitida, a partir de então, como
mera faculdade, a ser disciplinada nos respectivos estatutos, não se
pode negar que a nova normatização não previu a sua retroatividade,
devendo prevalecer, portanto, o regramento anterior.
Daí por que, à falta de amparo legal, não têm aqueles dois au
tores direito à restituição das contribuições anteriores a 04.03.1980,
nem mesmo sob a argumentação de que estaria havendo enriquecimento
ilícito por parte da Previ. Inexiste tal possibilidade, uma vez que ela oferecia benefícios em contraprestação aos seus associados." (fi. 569).
Nesse particular, não se pode considerar como mera faculdade da Re
corrida a devolução das contribuições previdenciárias adimplidas pelos Re
correntes desde a data que foram admitidos pelo Banco do Brasil até feve
reiro de 1980.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 357
Tem o beneficiário do plano de previdência privada o direito à restituição da totalidade das contribuições pessoais vertidas, pois foram calculadas com base no benefício supostamente contratado. A sua retenção pela entidade de previdência privada, sob o argumento de que o estatuto não previa a devolução até fevereiro de 1980, caracteriza enriquecimento ilícito e deve ser coibida.
No Recurso Especial n. 261.793, DJ de 30.04.2001, o eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito assim consignou:
"A questão mais importante para o julgamento, portanto, é saber se válida a cláusula estatutária primitiva que previa não ter direito ao beneficio ou indenização o associado demitido da empresa, presente que o acórdão recorrido entendeu incidir o Código de Defesa do Consumidor.
Está provado nos autos, segundo as instâncias ordinárias, que o autor efetuou as contribuições desde a data em que foi admitido, o que torna, portanto, inviável reexaminar tal aspecto; segundo, está confinado o acórdão recorrido no fato de ser abusiva a cláusula contratual que previa a retenção das importâncias pagas de 1977 a 1980, interes
sando, no caso, as contribuições do Réu de 1979 até 1980.
A questão do Código de Defesa do Consumidor tem pertinência. De fato, a jurisprudência da Corte é tranqüila sobre a não-incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos que lhe são anteriores.
Ocorre que, a meu sentir, não é a vigência do Código de Defesa do Consumidor que impõe a restituição dos valores reclamados nestes autos, isto é, aqueles referentes ao período de 1979 a 1980. O plano é para complementar a aposentadoria; o beneficiário realiza os pagamentos para merecer ao final do tempo próprio a complementação contratada; se ele sai porque demitido pela empresa patrocinadora, a retenção equivale ao enriquecimento ilícito, porque o pagamento feito considerava o beneficio contratado para aquele beneficiário, com o que a restituição não dependia da abusividade pelo ângulo do Código de Defesa do Consumidor, mas, sim, da impossibilidade de reter a administradora do plano valor que pertence ao próprio titular do beneficio, feita a dedução da taxa relativa à reserva técnica, a tanto equivale a retenção reconhecida na sentença da taxa de 2%. Na verdade, a previdência privada complementar tem o mesmo sentido de uma poupança
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.
358 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
feita pelo interessado, administrada por terceiro para garantir uma aposentadoria mais confortável.
Por outro lado, a questão técnica do tipo de plano financeiro, se o que condiciona a forma de custeio é o da repartição do capital de cobertura ou de capitalização, a tanto não interessando ao titular do benefício, mas, cabendo a escolha do regime ao responsável pela administração do plano de previdência privada. O que não é possível é admitir que uma pessoa contrate um plano de previdência complementar, seja demitido da empresa e não tenha direito ao recebimento do que pagou para esse fim."
Assim sendo, na medida em que o egrégio Tribunal a quo trilhou orientação diversa da preconizada pela jurisprudência assente neste Tribunal, o v. acórdão recorrido merece reforma.
Forte em tais razões, conheço do presente recurso especial pelas alíneas a e c do permissivo constitucional e dou-lhe provimento para condenar a Recorrida à restituição das contribuições pessoais vertidas pelos Recorrentes desde que foram admitidos pelo Banco do Brasil SI A até fevereiro de 1980, devidamente atualizadas pelo IPC, ou outro índice que reflita a efetiva desvalorização sofrida pela moeda.
Condeno a Recorrida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15 % do valor da condenação.
É como voto.
RST}, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.