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Jurisprudência da Terceira Turma

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Jurisprudência da Terceira Turma

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JURISPRUDÉNCIA DA TERCEIRA TURMA

HABEAS CORPUS N. 20.369 - SP (Registro n. 2002.0003925-6)

Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

Impetrantes: Marisa Pisani Perez e outro

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: Sílvio Carvalho Diniz

229

EMENTA: Habeas corpus - Prisão civil - Alimentos - Acordo

homologado - Descumprimento - Execução de nota promissória con­tra a emitente - Genitora do devedor principal.

1. As Turmas que compõem a Segunda Seção já assentaram que a celebração de acordo nos autos de execução de alimentos, por si

só, não impede a efetivação da prisão civil do devedor se o mesmo não cumprir o avençado.

2. A execução da genitora do devedor principal, baseada em

nota promissória emitida por aquela como garantia do acordo cele­brado nos autos da execução dos alimentos, igualmente, não impe­

de a prisão civil do paciente, mesmo diante da nomeação de bens à penhora. Na hipótese presente, restou expresso no acordo que o seu descumprimento acarretaria a prisão civil e, por outro lado, na exe­

cução proposta, a posteriori, contra a genitora do devedor princi­pal não houve efetivo pagamento, prova de que já pagou, ou justifi­

cação da impossibilidade do paciente fazê-lo. Apenas, se aceita a no­meação à penhora, o juízo estará garantido para efeito de oposição de embargos. A prisão civil, assim, permanece legal.

3. Habeas corpus indeferido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Nancy

Andrighi, Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro votaram com o Sr. Mi­nistro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ari Pargendler.

Brasília-DF, 26 de março de 2002 (data do julgamento).

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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230 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Presidente.

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.

Publicado no DJ de 06.05.2002.

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Os advogados Marisa Pisani Perez e Sildeni Batista Marçal de Andrade Giostri impetram o pre­sente habeas corpus em favor de Sílvio Carvalho Diniz, buscando evitar a prisão civil do Paciente como devedor de alimentos. Alegam, para tanto, que:

"Foi proposta ação de execução de alimentos em face do Pacien­te, por sua ex-mulher, a fim de receber pensões alimentícias em atra­so, referentes aos meses de agosto de 1998 a outubro de 1999, inclu­sive. Foi avençado e homologado acordo entre as partes, no qual houve novação da dívida, por Margarida Oliveira Diniz (genitora do Pa­ciente), que emitiu duas notas promissórias no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) e R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a serem resgatadas em 10 de outubro de 2000 e 10 de dezembro de 2000, respectivamente. E, ainda, que a emissão das cártulas mencionadas não excluía a responsabilidade do Paciente no dever do cumprimento de sua obri­gação alimentar e que o não-pagamento do acordo avençado daria en­sejo à expedição imediata de novo mandado de prisão.

A Exeqüente requereu a expedição de mandado de prisão em face do Paciente, pelo não-cumprimento daquele acordo em 8 de março de 2001, o que foi deferido pela MMa. Juíza de Direito da P. Vara Cível de São Joaquim da Barra.

Não se conformando com a ordem de prisão, o Paciente interpôs agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sendo negado o provimento ao recurso. Publicado o acórdão, a Exeqüente requereu novamente a expedição de mandado de prisão, o que foi acolhido pelo MM. Juiz de Direito Substituto da Comarca de São Joaquim da Barra, em 28.12.200l.

Primeiramente, ocorre novação da dívida por terceira pessoa (Margarida Oliveira Diniz) através da emissão das notas promissó­rias, mudando, assim, a natureza jurídica da obrigação, que deixou de ser alimentar e passou a ser quirografária. O que, inclusive, já está sendo

RST}, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 231

objeto de execução por quantia certa contra devedor solvente (Processo n. 304/2001 - em trâmite perante o egrégio Juízo e Cartório do 12

Oficio Cível de São Joaquim da Barra-SP), cópia em anexo, inclusi­ve na referida execução, foi oferecido em caução um lote de esmeral­das. O que se denota é que está ocorrendo verdadeiro bis in idem, ou seja, duas execuções referentes à mesma dívida, ferindo flagrantemente o princípio da segurança jurídica e o princípio da ampla defesa e do contraditório, conforme se infere do artigo 52, incisos LV e LXXV, da Constituição Federal, haja vista, que com a homologação do acordo, a ação de execução de alimentos, perdeu o objeto.

Mesmo que, como entendeu o egrégio Tribunal de Justiça do Es­tado de São Paulo, ou seja, que o Paciente e sua genitora são devedo­res solidários, não justifica a cobrança do mesmo débito em duas ações, uma contra o Paciente, pelo rito do artigo 733 do Código de Processo Civil, e outra contra sua genitora, pelo rito do artigo 732 do mesmo instituto. A Exeqüente deveria optar em prosseguir numa ou noutra execução." (fls. 3/4).

A liminar foi indeferida pelo Sr. Ministro Nilson Naves, Vice-Presi­dente desta Corte, em despacho de 21.01.2002 (fls. 80/81).

Opina o Dr. Washington Bolívar Junior, ilustrado Subprocurador-Geral da República, pela concessão da ordem mediante a seguinte fundamentação, verbis:

"( ... )

É de se notar que a jurisprudência do egrégio STJ sinaliza con­tra a pretensão do Paciente, eis que assim já proferiu:

'Habeas corpus. Prisão civil. Alimentos.

Se o processo de execução de alimentos é suspenso por força de acordo entre as partes, o inadimplemento deste autoriza o res­tabelecimento da ordem de prisão anteriormente decretada, inde­pendentemente de nova citação do devedor; basta a intimação do respectivo procurador. Habeas corpus denegado.' (HC n. 16.602-SP, DJ de 03.09.2001, p. 219, Min. Ari Pargendler)."

Entretanto, este writ tem uma particularidade fundamental para o seu deslinde, qual seja, a de que, paralelamente à execução em que decretada a prisão do Paciente, corre uma outra execução referente ao

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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232 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

mesmo débito, contra a genitora do Paciente, conforme verificação às fls. 59/60. Execução esta que se encontra em fase adiantada, tendo, inclusive, sido efetuada a penhora de bens no valor de R$ 60.000,00.

Diante disso, entendo que razão assiste ao Paciente (fls. 3/4), ao argumentar que:

'Primeiramente, ocorreu novação da dívida por terceira pes­soa (Margarida Oliveira Diniz) através da emissão das notas pro­missórias, mudando, assim, a natureza jurídica da obrigação, que deixou de ser alimentar e passou a ser quirografária. O que, in­clusive, já está sendo objeto de execução por quantia certa con­tra devedor solvente (Processo n. 304/2001 - em trâmite peran­te o egrégio Juízo e Cartório do 152. Ofício de São Joaquim da Barra-SP), cópia em anexo, inclusive na referida execução, foi oferecido em caução um lote de esmeraldas. O que se denota é que está ocorrendo verdadeiro bis in idem, ou seja, duas exe­cuções referentes à mesma dívida, ( ... ) a ação de execução de ali­mentos, perdeu o objeto.'

Por outro lado, vale registrar que, posteriormente, em caso de novos inadimplementos, pode a Exeqüente renovar a propositura de execuções com base no art. 733 do CPC, consoante jurisprudência desse egrégio STJ, a saber:

'Penal. Processual. Alimentos pretéritos. Prisão civil. Inadmissibilidade. Habeas corpus. Recurso.

1. É ilegal a prisão por dívida alimentar em ação de exe­cução de alimentos pretéritos.

2. Recurso conhecido e provido, ressalvada a possibilidade de renovação da medida constritiva em caso de inadimplemento.' (RRC n. 7.734-SP, Min. Edson Vidigal, DJ de 14.09.1998, p. 91)." (fls. 87/88).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Os Impetrantes que­rem obstar a prisão civil do Paciente nos autos de execução de alimentos

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 233

alegando que houve acordo e que a credora já está executando a mãe do Paciente, que emitiu uma nota promissória para viabilizar o acordo, estan­do caracterizado um bis in idem.

A ordem não há que ser deferida.

Primeiramente, é tranqüila a jurisprudência das Turmas que compõem

a Segunda Seção no sentido de que o acordo celebrado não impede a custó­dia do Paciente se não cumprir a sua obrigação. No caso dos autos, deve

observar-se, consta como cláusula do acordo que "o não-pagamento do acordo nas datas avençadas dará ensejo à expedição imediata de novo man­

dado de prisão em desfavor do alimentante que expressamente renuncia ao direito de qualquer justificativa processual ante a total capacidade de paga­

mento, dentro dos limites da presente avença, tanto sua como de sua

genitora" (fi. 14). Sobre a questão, indico os seguintes precedentes:

"Habeas corpus. Prisão civil. Alimentos.

Se o processo de execução de alimentos é suspenso por força de

acordo entre as partes, o inadimplemento deste autoriza o restabele­

cimento da ordem de prisão anteriormente decretada, independente de

nova citação do devedor; basta a intimação do respectivo procurador.

Habeas corpus denegado." (RC n. 16.602-SP, Terceira Turma,

relator o Ministro Ari Pargendler, DI de 03.09.2001).

"Habeas corpus. Recurso ordinário. Prisão civil. Dívida de ali­

mentos. Descumprimento de acordo firmado entre alimentante e ali­

mentanda. Constrangimento ilegal. Inocorrência. Desprovimento. Denegação da ordem.

I - Se houve transação entre alimentante e alimentanda sobre ver­bas alimentares fixadas em sentença, resta descaracterizada a dívida

pretérita, tornando cabível a prisão.

11 - Se a prisão se fundou no descumprimento de parte desse

acordo firmado para pagamento da verba alimentar, ainda que referente

a período anterior, incorre ilegalidade.

111 - Inadequado é o habeas corpus para exame de matéria concernente a fatos e provas, v.g., quanto à impossibilidade de paga­

mento da pensão ou falta de condições financeiras." (RRC.n. 10.838-

RS, Quarta Turma, relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,

DI de 07.05.2001).

RST}, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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234 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Por outro lado, a execução proposta contra a genitora do Paciente, com

base na nota promissória objeto do acordo, não tem o condão de afastar a custódia civil, mesmo diante da efetivação da penhora de um lote de esme­

raldas, nomeado pela executada, avaliado, segundo laudo da empresa Brasilian Gems Avaliações, em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

O fato é que a credora dos alimentos, nos autos da execução que pro­pôs contra a mãe do devedor principal, não recebeu o que tem direito. A no­

meação à penhora de um lote de esmeraldas, se aceito em juízo, apenas ga­rantirá a execução, podendo a executada embargar. O débito alimentar per­

sistirá. Observe-se que na execução de alimentos, o Código de Processo Ci­

vil estabelece que o devedor será citado "para, em três dias, efetuar o pa­

gamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo" (art. 733, caput). Na execução proposta contra a emitente da nota promissória,

nenhuma das três hipóteses ocorreu, permanecendo como legal o decreto prisional baseado no § 1ll. do referido dispositivo.

Ante o exposto, indefiro a ordem.

RECURSO ESPECIAL N. 59.594 - MG (Registro n. 1995.0003554-5)

Relator: Ministro Antônio de Pádua Ribeiro

Recorrentes: Murilo Pereira Coelho e outros

Advogados: Carlos Augusto Sobral Rolemberg e outros

Recorrida: Marly Silva Junqueira Reis

Advogados: Sérgio Murilo Diniz Braga e outro

EMENTA: Direito Civil e Processual Civil - Partilha - Ação declaratória de nulidade - Usufruto vidual - Código Civil, art. 1.611,

§ I!!. - Legitimidade da usufrutuária - Exceção de incompetência -

Trânsito em julgado - Matéria de prova.

I - A usufrutuária não é considerada herdeira, contudo assiste­

-lhe o direito de promover a anulação de partilha amigável que lhe

traga prejuízos.

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 235

H - Julgada improcedente a exceção de incompetência, com trânsito em julgado, não pode a questão de competência ser objeto

de análise por esta Corte.

IH - A alegação de inexistência de má-fé ao afastar do acervo

hereditário as propriedades que, alegadamente, não faziam parte da

partilha, envolve reexame de provas, incabível na via processual elei­

ta (Súmula n. 7-STJ).

IV - A partilha amigável pode ser anulada. A partilha judicial

é que é rescindível. Assim, é perfeitamente cabível o pedido de anu­lação de partilha amigável que traga prejuízos à usufrutuária.

V - Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima

indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu­

nal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs.

Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho

votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Mi­

nistro Ari Pargendler.

Brasília-DF, 8 de maio de 2003 (data do julgamento).

Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Relator.

Publicado no DI de 09.06.2003.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Marly Silva Junqueira Reis

ajuizou ação declaratória de nulidade de escritura pública de partilha ami­

gável contra os ora recorrentes, ao fundamento de que, embora aceita nos

autos como beneficiária do usufruto vitalício de uma quarta parte dos bens

que ficaram pelo falecimento de Walter Junqueira Reis, com quem era ca­sada em segundas núpcias, não participou da mencionada divisão.

Contra a sentença que julgou procedente a ação, apelaram os vencidos,

mas o acórdão recorrido a confirmou, porque a Autora, titular de usufruto

vidual sobre 25% do patrimônio do de cujus, casada que era sob o regime

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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236 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

de separação de bens, não participou, de fato, do instrumento público de partilha amigável dos bens do falecido.

Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados.

Interpuseram, então, recurso especial pelas letras a e c do permissivo constitucional, no qual alegam negativa de vigência ao disposto nos arts. 1.063, 1.611, 1.773 e 1.805 do Código Civil, c.c. os arts. 1.069 e 1.031 do Código de Processo Civil, bem como aos arts. 113, 132, 467 e 468 do mes­mo estatuto processual. Argüem, ainda, divergência jurisprudencial.

Alegam que, na escritura pública de partilha anulada, se deliberou tam­bém sobre a divisão dos bens da primeira mulher de Walter Junqueira Reis, Maria Rita Coelho Junqueira, falecida, cujo inventário ainda se achava em andamento e que tinha como única herdeira a sua mãe, Doralice Pereira Coelho.

Afirmam que, diante dos autos relativos aos inventários de Maria Rita e Walter Junqueira, ao encerrar o primeiro, o Juiz de Direito da Comarca de São Gonçalo do Sapucaí-MG, já havia decidido sobre validade da cita­da escritura de partilha, e que essa decisão não foi modificada, tendo tran­sitado em julgado. Assim, entendem, a partilha não poderia sr anulada sem a demonstração de que houve vícios ou defeitos que maculassem sua va­lidade.

Argüem:

"A coação, o erro e o dolo, como ressabido, são vícios de con­sentimento e como tal devem ser provados. Ora in casu, não tinha a recorrida legitimidade para interferir na escritura de partilha, pois lhe falecia a condição de herdeira, requerida pela lei, para o seu fazimento. Mesmo que, se pudesse, por absurdo considerar sua aquiescência como necessária, os termos da partilha, não lhe trouxeram qualquer lesão. Se assim fosse, por conseqüência, não teria ela titularidade para uma ação anulatória, pois a lesão não é motivo competente para intentar a ação de anulação e sim rescisória." (fi. 670).

E ainda:

"Por disposição legal, claro é que somente aos herdeiros é reser­vado o fazimento da escritura pública de partilha. Não quis a lei in­cluir na categoria de herdeiro a usufrutuária, eis que a distinção, no plano dogmativo e jurídico é clara: usufruto é direito temporário, ao

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JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 237

máximo vitalício, e não tem caráter sucessório. Herdeiro é titular de direito real no plano sucessório, detentor do domínio dos bens inventariados." (fi. 671).

Insistem em que a usufrutuária não é herdeira, e que só os herdeiros podem fazer a partilha. Portanto, não tem a recorrida titularidade para par­ticipar da partilha, a não ser especificamente sobre os frutos que já lhe fo­ram reservados na referida escritura.

Entendem que a legislação invocada estabeleceu os parâmetros dos direitos da viuvez, "dimensionando-o não na categoria de herdeiro, mas, sim de usufrutuário vidual. É o chamado usufruto ex 1ege que decorre da cogência legal, mas que nem por isto se confunde com a qualidade de her­deiros" (fi. 669).

Sustentam:

"Ora, face a lei os titulares do direito de elaborar partilha ami­gável, por escritura pública, são os herdeiros, bastando para isto que sejam preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 1.773 de, além de herdeiros, serem maiores e capazes. Tanto mais é este direito reser­vado apenas aos herdeiros, ... " (fi. 669).

E, mais adiante:

"A coerência legal de se aprazar os direitos dos herdeiros não pode e não deve ser obstaculada por terceiros, e, a condição legal usu­frutuária não tem o condão de obstacular a partilha, como, data venia, de forma equivocada dispôs o v. acórdão."

Afirmam que a lei estabeleceu como pressupostos da partilha amigá­vel apenas que os herdeiros sejam maiores e capazes. Não sendo a Recor­rida herdeira, não tinha direito de investir contra a partilha da primeira mu­lher de Walter Junqueira.

Sustentam que não houve má-fé ao afastar do acervo hereditário as propriedades que, em acordos anteriores à partilha, daquele já não faziam parte. E que não há "qualquer prova que tenham os partilhantes 'mascara­do' ou 'esvaziado' o direito da Recorrida, ... " (fi. 676).

Insistem na falta de competência do Juízo que apreciou a exceção de incompetência, pois, afirmam, o prolator da sentença o fez na condição de

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238 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

colaborador, e que não era Juiz da Comarca, portanto, sem poderes para exercer sua jurisdição no local onde corria a ação.

Finalmente, alegam que a escritura de partilha e divisão no inventá­rio dos bens havidos por falecimento de Maria Rita, da qual não participou a ora recorrida, foi submetida à homologação e transitou em julgado. As­sim argúem, "pelo menos ao inventário de Maria Rita Coelho Junqueira é a escritura de partilha válida e operante por decisão soberana e imutável do MM. Juiz da Comarca de São Gonçalo do Sapucaí, segundo se depreende dos citados dispositivos. O inventário dos bens deixados por Maria Rita para sua mãe, Doralice Pereira Coelho, sua única e universal herdeira é pro­cesso autônomo de competência daquele Juízo e já chancelado com a for­ça de res judicata. O v. acórdão, concessa venia, não poderia desconhe­cer os limites da coisa julgada, atribuindo a presente ação força que não possui" (fls. 679/680).

Citam jurisprudência no sentido de que os herdeiros maiores e capa­zes podem partilhar o acervo segundo suas conveniências, não podendo o Juiz deixar de homologar a partilha feita por escritura pública.

Oferecidas as contra-razões, foi o recurso inadmitido, subindo a esta Corte por força de provimento a agravo de instrumento, proferido pelo meu antecessor, eminente Ministro Nilson Naves.

Nesta Instância, manifesta-se o Ministério Público Federal, em pare­cer da lavra do Dr. Roberto Casali, ilustre Subprocurador-Geral da Repú­blica, pelo não-conhecimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Antônio de Pádua.Ribeiro (Relator): Pelo que se veri­fica dos autos, Walter Junqueira Reis foi casado primeiramente com Maria Rita Coelho Junqueira. Falecendo esta em 1978 e deixando como única herdeira necessária sua mãe Doralice Pereira Coelho, foi aberta a respec­tiva sucessão e nomeado inventariante o viúvo-meeiro.

Walter casou-se em segundas núpcias com Marly Silva Junqueira Reis, pelo regime de separação de bens por contar o varão com mais de 60 anos de idade, antes de partilhados os bens do inventário de sua primeira mulher.

Também antes que o processo de inventário estivesse concluído, Walter veio a falecer, deixando dois herdeiros: o filho adotivo Murilo Pereira Coelho,

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 239

filho de Doralice Pereira Coelho, e sua irmã, Vera Maria Coelho Cisneros, casada com Francisco Cisneros Neto.

o de cujus não teve filhos também com a segunda mulher.

Promoveram os herdeiros dos dois inventários escritura de partilha de divisão de bens na Comarca de Três Pontas-MG. Feita a partilha e homo­logada, ajuizou a ora recorrida a ação declaratória de nulidade da referida partilha, que, julgada procedente em ambas as instâncias ordinárias, é agora

objeto deste recurso especial.

Analiso, preliminarmente, a alegação de ilegitimidade da Recorrida na condição de usufrutuária, que, segundo entendem os Recorrentes, não po­deria interferir na partilha por não ser ela herdeira.

A partir da Lei n. 4.121, de 27.8.1962, instituiu-se o usufruto legal em

favor do cônjuge sobrevivente.

Assim, pela morte de um dos cônjuges, se o regime não era o da co­munhão universal, o cônjuge supérstite terá direito, enquanto durar a viu­vez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver fi­

lhos deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos, embora sobrevi­vam ascendentes do de cujus. É o chamado usufruto vidual (Código Civil

anterior, art. 1.611, § p~, com a redação da citada Lei).

Renomados doutrinadores entendem que o usufrutuário não pode ser considerado herdeiro.

O mestre Orlando GOllles já afirmava:

"Realmente o usufruto de quota hereditária, ainda de natureza legal, configura-se como legado. Jamais atribui a seu titular a con­

dição de herdeiro. A razão é inteligível: a representação jurídica do falecido, que compete ao herdeiro, não pode ser exercida pelo titu­lar de um direito temporário, como é o usufrutuário ou, como diz Vitali, 'el concetto di usufrutto é incompatibile coll'atro di quota di

eredità, qual e la legittima, che conferisce la rappresentanza giuridica deI

defunto; non potendo aversi una rappresentanza temporanea'. Ademais, como esclarece Polacco, 'herdeiro é somente quem é chamado na totalidade do patrimônio ou em uma quota-parte dele, o que não é

o caso da pessoa chamada em um jus in re aliena que não é quota­-parte do patrimônio'." (in Questões de Direito Civil, Ed. Saraiva,

5Jl ed., p. 205).

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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240 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

E ainda:

"Afinando a maioria dos tratadistas na opinião de que a nature­za do direito hereditário do cônjuge impede considerá-lo herdeiro, predomina a doutrina que o tem como legatário ex lege." (in Suges­tões, Ed. Forense, lIa. ed., p. 64).

Contudo, ainda que não seja considerado herdeiro, tem o usufrutuá­rio direito de promover ação de anulação de ato que venha a lhe trazer pre­juízo.

Orlando Gomes salienta:

"Posto seja legatário ex lege, seu direito pode ser sacrificado pela prática de doações aos descendentes ou ascendentes, que o esvaziem. Não sendo herdeiro, está impossibilitado de pleitear a colação dos bens doados, mas lhe assiste direito a promover-lhes a anulação com fun­damento no princípio geral de direito que proíbe seu uso com o fim de prejudicar a outrem. A não se admitir esta possibilidade, a finali­dade da lei poderia ser contrariada por adiantamentos de legítima, fei­tos com o propósito de diminuir, ou mesmo eliminar, o direito de usu­fruto do cônjuge sobrevivente." (ob. cit., pp. 64/65).

José da Silva Pacheco esclarece:

"Não sendo o usufrutuário um herdeiro, impossibilitado está de pleitear a colação dos bens, mas assiste-lhe o direito de promover a anulação do ato." (in Inventários e Partilhas, 16a. ed., p. 217).

No caso dos autos entendeu o Juízo de 1ll. grau que a partilha dos bens prejudicou a autora ora recorrida, afirmando:

"Em face disso, nenhuma escritura pública, principalmente de par­tilha e divisão de bens, sem a participação do cônjuge supérstite, não é válida, mormente se contra este ato o cônjuge prejudicado se revela com relação ao percentual do usufruto que lhe cabe, e notadamente diante de uma escritura pública em que os Réus partiram e dividiram os bens beneficiando-se e prejudicando de modo ostensivo os direitos da Au­tora, colocando-a como usufrutuária de bens ao que parece menos ren­táveis e a retirando da própria casa em que morava ou mora." (fi. 507).

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 241

E mais adiante:

"E da referida escritura pública de partilha e divisão, vê-se cla­

ramente que as partes agiram com absoluta fraude, prejudicando os interesses da Autora, distribuindo os bens como bem quiseram, e, com isso, diminuindo a rentabilidade da parte do usufruto que lhe cabe." (fl. 508).

o usufruto é direito real temporário que permanece enquanto durar a viuvez, para beneficiar o cônjuge sobrevivente quando o regime não for o da comunhão universal de bens. Portanto, tem o cônjuge supérstite o direito de usufruir dos bens deixados pelo cônjuge falecido, sem que os herdeiros lhe dificultem esse direito.

Afasto, assim, a alegada ilegitimidade da Recorrida.

Afirmam os Recorridos que não houve má-fé ao afastar do acervo he­reditário as propriedades que não faziam parte da partilha. Essa matéria

envolve necessariamente o reexame de provas, incabível na via do recurso especial (Súmula n. 7 desta Corte). Cumpre-me apenas salientar que o Juízo a quo entendeu que a partilha e divisão constituíram um "verdadeiro en­

godo, como, aliás, se observa, até pelos indícios, com o simples fato de, tra­mitando o processo de inventário dos bens do de cujus na Comarca de São Gonçalo do Sapucaí, lavrar-se a escritura em outra comarca, longe das vis­tas da Autora, que deve ter sido surpreendida, quando o instrumento de par­tilha e divisão amigável deu entrada no processo de inventário" (fl. 509).

Alegam os Recorrentes falta de competência do Juízo que apreciou a exceção de incompetência.

Ocorre que a citada exceção foi julgada improcedente. Houve agravo de instrumento, não conhecido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mi­nas Gerais. Não interposto qualquer recurso (fl. 93 do processo anexo), o

acórdão transitou em julgado. Portanto, a questão da competência não pode mais ser objeto de análise por esta Corte.

Afirmam que a homologação da escritura de partilha e divisão no in­ventário de Maria Rita já havia transitado em julgado, portanto não pode­

ria ser anulada como fizeram a sentença e o acórdão recorrido.

Sucede que a anulação é perfeitamente possível, tratando-se de parti­

lha amigável, conforme dispõe o art. 1.029 do Código Civil. A partilha li­tigiosa é que é rescindível.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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242 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Esclarece, nesse particular, Orlando Gomes:

"A partilha amigável é anulável, a partilha litigiosa, rescindível.

É que a primeira, conquanto deva ser reduzida a termo nos au­tos ou homologada pelo Juiz, é em essência um contrato, estando ex­posta aos vícios psíquicos do consentimento. Assim como se pode anu­lar qualquer contrato se a vontade é viciada por erro, dolo, ou coação, também a partilha amigável é anulável se eivada de um desses vícios." (in Sucessões, lll!. ed., p. 296).

Da mesma forma, preleciona José da Silva Pacheco:

"O art. 1.805 do Código Civil determinava que 'a partilha, uma vez feita e julgada, só é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral, os atos jurídicos', fazendo referência ao art. 178, § 6ll., n. V, do Código Civil, segundo o qual prescrevia em um ano a ação de nu­lidade da partilha, contado o prazo da data em que a sentença passas­se em julgado.

O Código de Processo Civil, de 1973, porém, distinguindo a par­tilha amigável da partilha judicial, concebeu a primeira como anulá­vel e a segunda como rescindível." (in Inventários e Partilhas, 16l!. ed., pp. 611/612).

Já Sílvio de Salvo Venosa anota:

"A partilha gera efeitos entre os que participaram do processo. Não toca direitos de terceiros para quem é res inter alios acta. A par­tilha nem lhes aproveita, nem lhes prejudica, continuando eles com os direitos que possuem, com relação aos bens e aos herdeiros.

Note que a partilha amigável é homologada, enquanto que a par­tilha judicial é julgada." (in Direito Civil - Direito das Sucessões, Ed. Atlas).

O Juízo de 1ll. grau reconheceu. que a partilha feita sem a participação da autora não tem qualquer validade no processo de inventário. Afirmou o MM. Julgador:

"Sem a participação da Autora na escritura pública de partilha e divisão dos bens, de fls. 7 e seguintes, foi a Autora ludibriada, e essa

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 243

escritura não poderia ter força de validade no processo de inventário que tramitava, ou que ainda tramita, na Comarca de São Gonçalo do Sapucaí." (fi. 505).

E, mais adiante:

"O art. 134, §p., letra d, do Código Civil, dispõe que:

'A escritura pública, lavrada em notas do tabelião, é do­cumento dotado de fé pública, fazendo prova plena, e, além de outros requisitos previstos em lei especial, deve conter:

( ... )

d) manifestação da vontade das partes e dos intervenientes ... '

Induvidosamente, a Autora tinha que participar do instrumento público lavrado pelo tabelião Sebastião Lucas de Oliveira, e, não tendo participado, referida escritura é nula de pleno direito, não produzin­do qualquer efeito jurídico." (fi. 508).

Não procede, pois, a alegação de que a partilha amigável não pode­ria ser anulada.

Por outro lado, a jurisprudência citada no recurso especial não se pres­ta a confronto, por tratar de hipótese diversa da versada nestes autos.

Não havendo, portanto, qualquer ofensa aos dispositivos legais citados, e nem o alegado dissenso pretoriano, não conheço do recurso interposto.

RECURSO ESPECIAL N. 62.130 - SP (Registro n. 1995.0011825-4)

Relator: Ministro Antônio de Pádua Ribeiro

Recorrente: Amélia Basílio Gasperini Dantas

Advogados: J oyce Machado e Melo e outros

Recorrida: Chiaroni Riclair Indústria Metalúrgica Ltda (Massa Falida)

Advogado: Alfredo Luiz Kugelmas (Síndico)

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244 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Interessado: Pedro Luiz Pela

Advogada: Joyce Machado e Melo

EMENTA: Falência - Ação revocatória - Decadência - Prazo.

I - O prazo de decadência para ajuizar ação revocatória é de 1 ano, contado da data da publicação do aviso previsto no art. 114 do Decreto-Lei n. 7.661/1945. Contudo, o dies a quo não fica ao exclu­sivo critério do síndico da massa falida. Não justificada a demora, o prazo de decadência começa a contar a partir do momento em que essa publicação deveria ocorrer, de acordo com o cronograma falimentar legalmente previsto.

11 - Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe pro­vimento. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificada­mente, o Sr. Ministro Ari Pargendler.

Brasília-DF, 8 de maio de 2003 (data do julgamento).

Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Relator.

Publicado no DI de 09.06.2003.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Amélia Basílio Gasperini Dantas interpôs recurso especial pelas letras a e c do permissivo constitu­cional contra acórdão que manteve a procedência da ação revocatória ajui­zada pela massa falida Chiaroni Riclair Indústria Metalúrgica Ltda.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.

Alega a Recorrente infringência ao disposto nos arts. 56, §§ 1ll. e 3ll., e 114 do Decreto-Lei n. 7.661/1945, além de divergência jurisprudencial, por ter o acórdão recorrido considerado que a alienação do imóvel ocor­reu no período suspeito e por afastar a decadência sob alegação de que: "A

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JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 245

libito do síndico, a demanda será ajuizável tão logo assuma ele o encargo" (fl. 546).

Oferecidas as contra-razões (fls. 588/589), foi o recurso admitido (fls. 598/602).

Nesta Instância, manifestou-se a douta Subprocuradoria Geral da Re­pública pelo não-conhecimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (Relator): O acórdão afas­tou a alegação de decadência afirmando que o prazo só começa a contar a partir da data da publicação do aviso, referido no art. 114 e parágrafo do Decreto-Lei n. 7.661/1945, salientando (fl. 546):

"A libito do síndico, a demanda será ajuizável tão logo assuma ele o encargo, resolvendo-se o termo de ajuizamento um ano após a publicação do mencionado aviso."

No voto proferido nos embargos de declaração assim está assentado (fl. 559):

"Sustentam os Embargantes que não há nos autos notícia da pu­blicação do aviso a que se refere o artigo 114 da Lei de Falências. E não há mesmo, e, exatamente por não ignorar esse fato, o venerando acórdão embargado entendeu que, não publicado o aviso, não há falar em decurso do prazo ... "

Salientou a Recorrente, verbis (fls. 565 e 566):

"O v. acórdão pretende engajar a manutenção dos atos cartoriais e do Síndico da Falência, mesmo após haver decadência e preclusão, só após, e a seu 'libito' (palavras do v. acórdão), ajuizar reivindicação cujos efeitos jurídicos se pretende sejam eternizados o que não corres­pondem a necessidade da ordem jurídica."

"Do ponto de vista social e negociaI, a manutenção de um esta­do indefinido do processo falimentar, produz como notório, as mais

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246 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

maléficas e nocivas conseqüências relativamente à segurança dos cida­dãos em suas relações comerciais - o que, enfim, redunda na falta de segurança no Direito."

o art. 56 do Decreto-Lei n. 7.661/1945, assim estabelece:

"A ação revocatória correrá perante o Juiz da falência e terá curso ordinário.

§ 1 Q. A ação somente poderá ser proposta até um ano, a contar da data da publicação do aviso a que se refere o art. 114 e seu pará­grafo."

Por sua vez, o citado art. 114 do mesmo estatuto legal dispõe:

"Apresentado o relatório do síndico (art. 63, XIX), se o fali­do não pedir concordata, dentro do prazo a que se refere o art. 178, ou se a que tiver pedido lhe for negada, o síndico, nas quarenta e oito horas seguintes, comunicará aos interessados, por aviso publica­do no órgão oficial, que iniciará a realização do ativo e o pagamento do passivo."

Portanto, pelos dispositivos transcritos, a ação revocatória poderá ser proposta até um ano a contar da data em que o síndico publicar o aviso de que irá iniciar a realização do ativo e o pagamento do passivo.

Ocorre que, pelo que consta do acórdão, esse aviso sequer havia sido publicado até aquela data. A falência foi decretada em janeiro de 1983 e a ação revocatória foi proposta em agosto de 1987, portanto mais de quatro anos após.

O Decreto-Lei n. 7.661/1945, em seu art. 132, § 1Q, dispõe:

"Salvo caso de força maior, devidamente provado, o processo da falência deverá estar encerrado dois anos depois do dia da declaração."

Isso não está demonstrado nos autos.

Aceitar-se que a propositura da ação fique ao arbítrio do Síndico, como afirmou o acórdão recorrido, estar-se-ia reconhecendo a existência de condição potestativa e permitindo que o Síndico fosse o senhor da ação revocatória, podendo promovê-la quando bem quiser.

RST}, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 247

É conveniente citarmos a lição do Professor Arnoldo:

"o prazo de decadência da ação revocatória de um ano, a partir da publicação do aviso do art. 114 da lei falimentar, a que se refere o art. 56, § 1 Q, do mesmo diploma, deve ser calculado não a partir da

publicação efetiva, mas do momento em que essa publicação deveria ocorrer de acordo com o cronograma falimentar legalmente previsto. Se assim não se fizesse, a decadência não teria dies a quo, que fica­ria ao exclusivo critério do síndico da massa falida." (RT 469, p. 46).

"Efetivamente, a tese do STF referente ao início do prazo de prescrição do crime falimentar também deve ser aplicada à ação revocatória, a fim de não impor uma insegurança jurídica, que decor­reria da ausência de previsão do dies a quo, passando o mesmo a de­pender exclusivamente do síndico e tornando-se assim condição potestativa, que repugna à lei e à segurança das partes." (RT 469, p. 46).

Nelson Nery Júnior, em parecer publicado na Revista de Processo (ano XIII, abril/junho de 1988, n. 50, pp. 175/176), salienta:

"A decadência é um instituto que foi criado em benefício da se­gurança das relações jurídicas, de modo que atende à ordem pública. O que não se pode permitir é que o síndico seja o único senhor ple­nipotenciário da ação revocatória, podendo promovê-la quando bem quiser. E isto fatalmente ocorrerá se não for expedido o aviso do art. 114, referido pelo § 1 Q do art. 56, ambos da LF.

Não se pode conceber a condição potestativa de deixar-se ao

alvedrio do síndico o prazo, que é de ordem pública, para a propo­situra da ação revocatória. Não se compatibilizam prazo de ordem pública com condição potestativa!"

"É de aplicar-se, portanto, a todos os prazos extintivos na Lei de Falência, o art. 132, l Q do referido diploma legal: 'Salvo caso de for­ça maior, devidamente provado, o processo da falência deverá estar en­cerrado dois anos depois do dia da declaração'."

"Evidentemente, como já dissemos acima, não se pode deixar ao exclusivo arbítrio do síndico, o início do prazo para a propositura da

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248 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ação revocatória falimentar. Isto implicaria em reconhecer-se a exis­tência de uma condição potestativa, contrária à lei e que conspira con­tra a segurança das relações jurídicas."

Decidindo o acórdão atacado que a demanda será ajuizada" A libito do síndico" conferiu interpretação rigorosamente literal ao disposto nos arts. 114 e 56, § 1ll., da Lei de Falências, contrariando-os em sua finalidade.

Esta Corte, por esta egrégia Terceira Turma, já se pronunciou pela de­cadência quando o síndico não realiza a publicação do aviso. O acórdão se encontra assim ementado:

"Falência. Ação revocatória. Prazo. Termo inicial. Segundo os arts. 56, § 1ll. e 114 e seu parágrafo, é de um ano o prazo de decadên­cia, contado da data da publicação do aviso. Mas o termo inicial des­se prazo não fica ao exclusivo arbítrio do síndico.

Não lhe cabe proceder a seu talante. Vencidas as etapas que an­tecedem ao aviso, se o síndico, apesar de instado pelo Juiz, não reali­za a publicação, é de se ter por verificada a decadência, quando, como no caso presente, publicado o aviso vários anos após. Hipótese de ne­gligência e não obediência ao cronograma falimentar. Recurso conhe­cido e provido, para pronunciar-se a decadência." (REsp n. 10.316-PR, reI. Ministro Nilson Naves, in DJ de 12.12.1994).

No voto-vista proferido, o eminente Ministro Eduardo Ribeiro acom­panhou o relator, afirmando:

"Admitir-se tal procedimento significaria entender-se que ficaria ao inteiro arbítrio do síndico e, por conseguinte, da massa, a quem ele representa e é interessada na revocatória, estabelecer o momento ini­cial do prazo de caducidade. Ter-se-ia aí a estranha situação de o au­tor da ação determinar, como lhe aprouvesse, o termo para início do prazo de decadência.

Certo que, em tese, poderá o Juiz destituir o síndico que se mostre desidioso. Não menos exato, entretanto, que o participante de negócio, exposto a revocatória, é inteiramente estranho a tudo isso.

No excelente memorial apresentado fez-se notar que, a adotar-se a tese em exame, ter-se-ia que concluir que as obrigações do falido haveriam de reputar-se extintas, decorridos cinco anos do dia em que a falência deveria ter-se encerrada.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 249

Com a devida vênia as situações me parecem distintas. Ao falido é dado intervir no processo, seja facilitando seu andamento, seja ins­tando junto ao Juiz para que tome as necessárias providências, tendentes a que tenha curso regular, inclusive a destituição do síndico. Na mesma situação não se encontra o terceiro que possa eventualmente ser réu em pedido de revogação. Nem se pode comparar o reconhecimento da de­cadência com o de extinção de obrigações do falido, com processo falimentar em andamento.

Limito-me, como o disse, à hipótese que o caso em julgamento configura. Considero que, atingida a fase em que se há de fazer a pu­blicação do questionado aviso, decorrido o prazo estabelecido em lei para que essa se efetue, e não havendo razão de força maior que o obste, o prazo decadencial começa a fluir."

Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para decretar a decadência da ação revocatória, extinguindo, em conseqüência o proces­so, nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil. Condeno a autora a pagar as custas atualizadas monetariamente e honorários advoca­tícios que fixo em 10% sobre o valor dado à causa, corrigidos na forma do disposto na Súmula n. 14 desta Corte.

RECURSO ESPECIAL N. 127.725 - MG (Registro n. 1997.0025757-6)

Relator: Ministro Castro Filho

Recorrente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Recorrido: Martinho Gomes dos Santos

EMENTA: Processual Civil - Ação de alimentos - Ministério Público - Legitimidade para propô-la - Artigos 98, lI, e 201, lII, da Lei n. 8.069/90.

Tratando-se de menores sob a guarda e responsabilidade da genitora, falta legitimidade ao Ministério Público para propor ação de alimentos como substituto processual.

Recurso especial não conhecido, com ressalvas quanto à termi­nologia.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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250 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Presidiu o julga­mento o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Brasília-DF, 15 de maio de 2003 (data do julgamento).

Ministro Castro Filho, Relator.

Publicado no DJ de 16.06.2003.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Filho: Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra acórdão da Pri­meira Câmara Cível do Tribunal de Justiça daquele Estado, que negou pro­vimento a seu recurso, mantendo sentença que extinguira o processo sem julgamento do mérito, ex vi dos artigos 267, I, e 295, lI, do Código de Pro­cesso Civil.

O Colegiado entendeu que as relevantes funções atribuídas ao Parquet,

em defesa e proteção do menor, são supletivas, isto é, exercitáveis enquan­to perdurar a situação de desamparo prevista no artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Desta forma, o menor sob o poder dos pais é por estes representado ou assistido, em juízo ou fora dele, sendo a partici­pação do órgão do Ministério Público nos feitos de seu interesse exercida como custos legis, e não como substituto processual, representante ou as­sistente.

Irresignado, o órgão ministerial, com fundamento na alínea a do per­missivo constitucional, alega ter o acórdão recorrido negado vigência ao artigo 201, III, da Lei n. 8.069/1990.

Sustenta que, não reunindo a mãe dos menores condições financeiras de sustentá-los dignamente e se encontrando o pai omisso, configurada está a hipótese prevista no artigo 98, lI, do Estatuto da Criança e do Adolescen­te, segundo o qual a falta, omissão ou abuso dos pais implica na aplicação de medidas de proteção.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 251

Afirma a legitimidade do Ministério Público para ingressar, em nome próprio, com ação alimentar, qualquer que seja o juízo competente, desde que o faça em benefício da criança ou adolescente. Cita, em defesa de sua tese, a doutrina de Paulo Afonso Garrido de Paula.

O recurso foi admitido pelo primeiro vice-presidente do Tribunal a quo.

O Dr. Henrique Fagundes, ilustre Subprocurador-Geral da Repúbli­ca, opina pelo não-conhecimento do recurso especial (fls. 88/91).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Castro Filho (Relator): A legitimação do Ministério

Público para a propositura de ação de alimentos decorre do artigo 201, III,

do Estatuto da Criança e do Adolescente, nas condições estabelecidas pelo

artigo 98, lI, do mesmo Estatuto, ou seja, nas hipóteses em que houver falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis.

Assim, entende o Recorrente que detém legitimidade, como substitu­

to processual, para a presente demanda, mesmo estando os menores sob guarda e responsabilidade da genitora.

No entanto, outro tem sido o entendimento desta colenda Corte. Con­firam-se:

"Ação de alimentos. Legitimidade do Ministério Público para

intentá-la. Arts. 98, lI, e 201, III, do Estatuto da Criança e do Ado­lescente (Lei n. 8.069, de 13.07.1990).

Tratando-se de menor que se encontra sob a guarda e responsa­

bilidade da genitora, falta legitimidade ao Ministério Público para ajuizar a ação de alimentos como substituto processual.

Recurso especial não conhecido." (REsp n. 120.118-PR, Quarta

Turma, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, reI. p/ acórdão Min. Barros Monteiro, j. em 17.9.1998, DJ de 01.03.1999, p. 321).

"Processual Civil. Ministério Público. Legitimidade. Pátrio Po­

der. Jurisprudência do STl Súmula n. 83.

I - A jurisprudência do STJ acolhe entendimento no sentido de que não pode o Ministério Público, a título de substituto processual,

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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252 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

acionar a tutela jurisdicional para defender direito, representando me­nor que esteja sob pátrio poder. Inteligência dos arts. 98, 11, e 201, do 'Estatuto da Criança e do Adolescente' (ECA).

11 - Recurso não conhecido." (REsp n. 102.039-MG, Terceira Tur­ma, reI. Min. Waldemar Zveiter, j. em 21.11.1997, DJ de 30.3.1998, p.41).

No mesmo sentido: REsp n. 89.661-MG, Quarta Turma, reI. Ministro Carlos Monteiro, j. em 27.8.1996, DJ de 11.11.1996, p. 43.718, RSTJ 94/ 256, RT 738/259; Ag n. 432.136-PR, Quarta Turma, reI. Ministro Ruy Ro­sado de Aguiar, j. em 17.5.2002, DJ de 29.05.2002.

Inexistindo desrespeito ao dispositivo legal apontado como violado, não

conheço do presente recurso especial, com ressalvas quanto à terminologia.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 142.522 - DF (Registro n. 1997.0053683-1)

Relator: Ministro Castro Filho

Recorrente: Encol S/A Engenharia Comércio e Indústria

Advogados: Luiz Bernardo Rocha Gomide e outros

Recorrido: Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa

Advogados: Luiz Antônio Borges Guimarães e outros

EMENTA: Processual Civil - Execução de título extrajudicial -Penhor cedular - Penhora - Bem dado em garantia - Precedentes.

I - Quando já tiver encontrado motivos suficientes para fundar a decisão, o Magistrado não se encontra obrigado a responder todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder um a um a todos os seus argumentos, não havendo que se falar em violação ao inciso 11 do artigo 535 do Códi­go de Processo Civil.

11 - "Inadmissível o recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo." (Súmula n. 211-STJ).

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 253

IH - As garantias reais geram o que se pode denominar, em Di­reito Processual, de penhora natural. Assim, na ação de execução fundada em título extrajudicial garantido por penhor cedular, inexistindo acordo em sentido contrário, a penhora deve recair ne­cessariamente sobre o bem objeto da garantia, independentemente de nomeação. Por conseguinte, não há falar-se em aceitação tácita do credor ao oferecimento de outros bens à penhora pelo devedor, eis que tal nomeação é ineficaz.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro-Re­lator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ari Pargendler.

Brasília-DF, 22 de maio de 2003 (data do julgamento).

Ministro Castro Filho, Relator.

Publicado no DJ de 16.06.2003.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Filho: Encol S/A Engenharia, Comércio e In­dústria e outros interpõem recurso especial contra acórdão da Primeira Tur­ma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Relator-Desembargador José Hilário de Vasconcelos, que, nos autos da exe­cução de título extrajudicial proposta por Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa, determinou a penhora dos bens dados em penhor cedular.

Eis a ementa redigida para o aresto, verbis (fi. 145):

"Execução forçada. Título executivo extrajudicial. Penhor cedular. Constrição sobre o bem dado em garantia.

Não cabe indicação e nem constrição de outro bem quando se trate de execução forçada fundada em título executivo extrajudicial em que

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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254 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

há hipoteca cedular, pois o ato constritivo deve sempre recair, indepen­dentemente de nomeação, sobre a coisa dada em garantia (CPC, § 2ll., art. 655)."

Opostos embargos declaratórios pelos executados, foram rejeitados (fls. 163/166).

Sustentam, em síntese, os Recorrentes, violação aos artigos 183, 535, 620, 655, § 2ll., 656, parágrafo único, e 677 do Código de Processo Civil, bem como divergência jurisprudencial.

Defendem a possibilidade de a penhora recair sobre outros bens, mes­mo que não sejam aqueles designados na lei ou no contrato, uma vez con­vindo ao credor.

Dizem ter havido preclusão, pois a petição do Recorrido impugnando a nomeação de ações da Encol S/A, à penhora foi protocolizada intempes­tivamente, presumindo, por conseguinte, a aceitação tácita dessa indicação.

Afirmam que a penhora do bem dado em penhor cedular implicaria na penhora da própria empresa, situação mais onerosa ao devedor, existindo outros suficientes para garantir execução.

Com contra-razões, foi admitido o recurso especial (fl. 223).

Não obstante ter sido determinado o sobrestamento do recurso, com fulcro no § 3ll. do artigo 542 do Código de Processo Civil, e na Resolução n. 1/1999 desta Corte, verifica-se que a hipótese é de processo de execução, não enquadrada na norma legal.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Castro Filho (Relator): Cuidam os autos, na origem, de agravo de instrumento interposto por Encol S/A, nos autos da execução por título extrajudicial proposta por Banespa S/A, sob a alegação de que fo­ram oferecidas à penhora 39.836.000 (trinta e nove milhões, oitocentos e trinta e seis mil) ações da Agravante e, intimado o Exeqüente para se pro­nunciar sobre a nomeação, quedou-se silente. No entanto, posteriormente, requereu fosse modificada a decisão que determinou a lavratura do termo de penhora. O Juiz acolheu o argumento de inexistência de preclusão e re­vogou o decisum anterior, ordenando a expedição de carta precatória para São Paulo e Rio de Janeiro, com o escopo de penhorar e avaliar os bens lo­calizados naquelas cidades.

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 255

Assim decidiu o Tribunal a quo:

"Através do despacho de fi. 104 dos autos da execução forçada (fi. 78 destes autos de agravo de instrumento), o Juiz ofereceu oportuni­dade ao agravado de dizer sobre a indicação das ações à penhora.

Imediatamente, a Agravante juntou novos documentos e o agra­vado discordou da nomeação feita e o MM. Juiz-condutor do proces­so determinou a expedição de precatória para penhora e avaliação de outros bens, despacho este que foi objeto deste agravo.

Em suas informações prestadas, S. Ex. a disse que o fato que o le­vou à revogação do primeiro despacho determinativo da lavratura do termo de penhora foi ter percebido que quando o agravado foi intima­do para falar sobre a indicação, não tinham os Agravantes trazido aos autos todos os documentos necessários à perfeita indicação e inclusi­ve em duas petições posteriores pediram a juntada de documentos de fundamental importância para a aceitação ou não dos bens oferecidos.

Creio que o digno Magistrado agiu corretamente, pois a nomea­ção de bens estava incompleta, por falta de elementos capazes de pro­piciar à contra-parte examinar a respeito da conveniência ou não da penhora sobre aquelas ações.

Por outro lado, ao firmar o contrato de financiamento' que deu origem à execução forçada, os Agravantes deram como segurança para o seu integral cumprimento penhor cedular de 1ll. grau e sobre eles necessariamente deve recair a penhora, a não ser com concordância do credor de que recaia sobre outros bens. O § 2ll. do art. 655 do Códi­go de Processo Civil é claro em estabelecer que 'na execução de cré­dito pignoratício, anticrédito ou hipotecário, a penhora, independen­temente de nomeação, recairá sobre a coisa dada em garantia'. A esse respeito o agravado trouxe à baila acórdão do egrégio 1ll. Tribunal de Alçada Cível de São Paulo onde ficou consignado o seguinte:

'Penhora. Execução de cédula comercial com hipoteca cedular. Nomeação de bens não vinculados ao título. Concordân­cia do credor. Artigos 594, 655, § 2ll. e 656, caput, do CPC. Pre­tensão, todavia, à reconsideração do ato de aceitação. Acolhimen­to, visto não ter sido tomada por termo a respectiva penhora. Efetivação sobre o imóvel hipotecado. Recurso provido para esse fim.' (in Rev. de Jur. do TACSP, RT 124/51).

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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256 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Sobressai-se do voto do eminente Relator:

'A rigor, não cabe a indicação de outro bem à penhora ha­vendo hipoteca cedular, pois esta deve sempre recair, independen­temente de nomeação, sobre a coisa dada em garantia (art. 655, § 2ll., do CPC).

Todavia, a ineficácia da nomeação de bens estranhos à cé­dula, porque não vinculados a esta, só é validada convindo ao cre­dor. Além disso, este só poderá promover a execução sobre ou­tros bens depois de excutida a coisa que se achar em seu poder (art. 594 do CPC, c.c. o art. 656, caput, do CPC).

No caso, é certo, houve oferecimento de bens que contaram com a concordância do credor (fls. 36/38 e 41) mas, antes de ter sido tomado por termo a respectiva penhora, o Exeqüente ingres­sou nos autos com outra petição, onde reconsiderou o ato de aceitação, por evidente lapso, e reiterou que fosse penhorado o bem constante da cédula hipotecária mencionada na inicial (fls. 41v. e 48/49).'

No caso sub judice ocorreu fato processual similar, em que a lavratura do termo de penhora sobre as ações indicadas sequer chegou a se concretizar, diante de petição do credor refutando a nomeação fei­ta e indicando os bens constantes da garantia cedular.

Aquele mesmo egrégio Tribunal decidiu, no AI n. 335.139, jul­gado em 06.02.1985 (vide CPC Anotado, de Alexandre de Paula, voI. UI, p. 2.699), que 'nos termos do art. 655, § 2ll., do CPC, em se tratando de execução hipotecária, a nomeação de bens à penhora é in­teiramente despicienda, haja vista que a constrição judicial há de re­cair sobre a coisa dada em garantia. Portanto, é esta a penhora natu­ral, que obrigatoriamente deve ser feita, nas execuções dessa qualida­de. É claro que, se for o caso, a ampliação poderá vir a ser futuramente determinada, uma vez constatada a insuficiência de bens, ou a impos­sibilidade de execução específica'.

Sr. Presidente, quero esclarecer que os Agravantes adentraram com um arrazoado dirigido a este eminente Relator, onde alegam que o despacho que ordenou a intimação para dizer sobre o oferecimento

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 257

de bens a penhora foi publicado, e o Relator, ao indeferir a liminar,

fundamentou que não houvera sido. Quero deixar claro que diante das considerações tecidas nesta decisão deste agravo de instrumento, esta questão em nada influenciará no desate da lide, tendo em vista a obrigatoriedade da penhora sobre os bens dados em garantia cedular.

Por estas considerações, nego provimento ao agravo.

É como voto."

Da leitura supra, verifica-se a inexistência de qualquer omissão no aresto recorrido. Já decidiu esta Corte, inúmeras vezes, não constituir omis­são a ausência de menção, pelo Tribunal a quo, a todos os argumentos le­vantados pelas partes, se foi declinado fundamento suficiente ao deslinde da controvérsia.

Nesse sentido, confira-se a manifestação desta egrégia Corte a respeito

da oposição de embargos declaratórios e das circunstâncias que demonstram ou não a violação ao disposto nos incisos do artigo 535 do Código de Pro­cesso Civil:

"Processual Civil. Recurso especial. Agravo. Art. 557, § p., do CPC. Violação aos artigos 165, 458, inciso H; 460, parágrafo único, e 535, inciso H, todos do CPC. Fundamentação satisfatória e ausên­cia de omissão mesmo após a insurgência da parte na via declaratória. Inviabilidade de predispor os embargos de declaração ao rejulgamento

da lide. Questões remetidas à liquidação. Hipótese que não configura omissão visto que ainda será objeto de apreciação.

I - A nulidade do julgamento por omissão depende da necessidade do órgão jurisdicional manifestar-se sobre as questões que lhes são devolvidas.

H - É de se reconhecer ofensa ao art. 535, H, do CPC, quando, opostos os declaratórios, o Tribunal a quo recalcitra em omitir-se so­bre ponto a respeito do qual deveria pronunciar-se. Se inexiste esta obrigatoriedade, por já ter o órgão julgador satisfatoriamente exami­nado a irresignação do Embargante afasta-se a alegação de violação à

lei federal.

IH - Não há omissão quando as questões suscitadas serão obje­to de discussão na liqüidação, por arbitramento, mediante prova pe­ricial.

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258 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

IV - Inexiste violação aos artigos 165, 458, inciso II, 460, pará­grafo único, do CPC, se a apontada imprecisão do acórdão recorrido ou de sua fundamentação advém de omissão não configurada no acórdão recorrido." (grifou-se). (AgRg no REsp n. 259.141-SP, Tercei­ra Turma, rel. a Min. a Nancy Andrighi, j. em 06.03.2001, DI de 02.04.2001, p. 291);

"Embargos de declaração. Agravo regimental. Omissão e contra­dição, inexistentes.

1. O acórdão possui ampla e suficiente fundamentação, no sen­tido de que tanto a indenização por dano moral quanto o pagamento de pensão mensal em salários mínimos foram determinados ante a aná­lise do conjunto probatório contido nos autos, o que não se reexamina em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n. 7-STI, não ha­vendo configuração de quantia abusiva distante da realidade dos autos.

2. O Tribunal de origem afastou as impugnações ventiladas pela recorrente, não estando o julgador obrigado a responder a todos os argumentos suscitados pelas partes.

3. Omissão alguma há no acórdão, não se podendo falar em con­trariedade ao artigo 535 do Código de Processo Civil.

4. Embargos de declaração rejeitados." (grifou-se). (EDcl no AgRg no Ag n. 186.231-MG, Terceira Turma, reI. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 27.04.1999, DI de 31.05.1999, p. 145).

Os artigos 183, 620, 656, parágrafo único, e 677 do Código de Pro­cesso Civil não foram objeto de debate pelo acórdão hostilizado, não em razão de qualquer omissão, mas pelo fato de serem despiciendos ao deslinde da controvérsia. O julgado recorrido fundamentou-se no artigo 655, § 2.2., do Código Processual, afirmando a necessidade de a penhora recair sobre os bens vinculados à garantia da obrigação. Incide, à espécie, o enunciado n. 211 da Súmula desta Corte.

A decisão recorrida não violou qualquer dispositivo legal, ao contrá­rio, deu interpretação escorreita ao artigo 655, § 2.2., do Código de Processo Civil. Eventual substituição dos bens dados em garantia do contrato pode ser feita, com a concordância do credor e desde que sejam suficientes.

Na espécie, ao revés do afirmado pelos Recorrentes, salientou o tribu­nal de origem a pronta manifestação do banco, discordando da nomeação feita, não tendo sido lavrado o termo de penhora.

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 259

Por outro lado, no caso de execução garantida por penhor cedular, como a penhora deve recair, obrigatoriamente, sobre o bem constante do contrato, é ineficaz a nomeação feita pelo devedor, salvo situação excepcio­nal, inexistente neste processo. É que as garantias reais, como o penhor e a hipoteca, geram o que se poderia chamar, em Direito Processual, de pe­nhora natural.

Esse entendimento coincide com a orientação firmada por este Supe­rior Tribunal de Justiça em casos semelhantes, como demonstram os prece­dentes abaixo citados:

"Processual Civil. Recurso especial. Ação de execução. Cédula de crédito comercial. Hipoteca garantidora do título. Nomeação de outro bem à penhora. Ineficácia.

- Na ação de execução que se funda em título extrajudicial ga­rantido por hipoteca, a penhora há de recair necessariamente sobre o bem objeto da garantia, independentemente de nomeação. Não há que se falar em aceitação tácita do credor ao oferecimento e posterior pe­nhora de outro bem do devedor, posto que, nessa hipótese, a nomea­ção realizada por ele é ineficaz. Precedentes." (REsp n. 406.636-SP,

relatora Ministra Nancy Andrighi, Dl de 27.05.2002).

"Execução pignoratícia e hipotecária. Penhora. Art. 655, § 2'\ do CPC. Recurso conhecido e provido.

I - Na execução de crédito pignoratício, a penhora, independen­temente da nomeação, recairá sobre a coisa dada em garantia (art. 655, § 2Q

, do CPC). Não há falar, portanto, em intempestividade da mani­festação do credor quanto à nomeação efetuada pelo devedor, em de­sacordo com o supracitado preceito legal.

11 - Recurso conhecido e provido." (REsp n. 241.903-SP, relator Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 16.04.2001).

"Agravo regimental. Ausência de prequestionamento. Imóvel dado em garantia hipotecária. Substituição da penhora. Inadmissibilidade.

1. Ausência de prequestionamento em relação aos temas dos arts. 789 e 820 do Código Civil. Incidência das Súmulas n. 282 e 356 do STF.

2. Na execução de crédito hipotecário, a penhora recairá sobre o bem dado em garantia, independentemente de nomeação. Art. 655, § 2Q

,

do CPC.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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260 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Agravo desprovido." (AgRg no Ag n. 300.295-GO, relator Minis­tro Barros Monteiro, DJ de 25.03.2002).

° dissídio jurisprudencial, por sua vez, não restou demonstrado, nos moldes exigidos pelo Regimento Interno desta Corte. Ademais, não se vis­lumbra a identidade de bases fáticas, indispensáveis para a comprovação da divergência.

Forte em tais lineamentos, não conheço do recurso, pela letra c, e, res­salvado o ponto de vista pessoal, no que concerne à terminologia (não-co­nhecimento ao invés de não-provimento), dele também não conheço pela le­tra a do permissivo constitucional.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 212.252 - CE (Registro n. 1999.0038839-9)

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorrido:

Advogado:

Ministro Ari Pargendler

Sul América Companhia Nacional de Seguros

Fernando Neves da Silva e outros

Antônio César Nocrato

Eulídio de Sousa Júnior

EMENTA: Processo Civil - Execução - Honorários de advogado - Quando são arbitrados.

O Direito pretoriano consolidou a prática, adotada pelos juízes, de arbitrar provisoriamente o valor dos honorários de advogado para a hipótese de pronto pagamento. Hipótese, todavia, em que, mani­festado, pelo depósito da quantia controvertida, o intuito da oposi­ção de embargos do devedor, já não cabia a fixação provisória da ver­ba honorária, e muito menos dos honorários definitivos, que supõem a apreciação eqüitativa do juiz a respeito das circunstâncias aludi­das nas alíneas a, b e c do § 3.2. do Código de Processo Civil, possí­vel apenas na ocasião da sentença.

Recurso especial conhecido e provido.

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 261

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indi­cadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar provi­mento. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator. Presidiu o julgamen­to o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Ausente, ocasionalmen­te, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.

Brasília-DF, 20 de março de 2003 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Relator.

Publicado no DI de 4.8.2003.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: Sul América Companhia Nacional de Seguros interpôs agravo de instrumento (fls. 2/8) contra decisão que, nos autos de embargos do devedor, exigiu a complementação do depósito "com o montante das custas iniciais e honorários em 10% (dez por cento) sobre o principal" (fl. 50).

A egrégia Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará manteve a decisão, em acórdão da lavra do eminente Desembargador José Mauri Moura Rocha, assim ementado:

"Agravo de instrumento. Ação executiva. Pretensão da executada de que o juízo seja garantido exclusivamente pelo depósito do valor principal, dispensados os honorários advocatícios. Inadmissibilidade. A segurança do juízo, requisito para a interposição dos embargos do devedor (CPC, art. 737), exige que o patrimônio penhorado ou depo­sitado seja suficiente para suprir, além do débito principal, as custas processuais e honorários advocatícios, pois, sucumbindo o Embargante, terá que arcar com tais despesas. Insustentabilidade das razões levan­tadas. Recurso improvido." (fl. 103).

Daí o recurso especial interposto por Sul América Companhia Nacio­nal de Seguros, com base no artigo 105, inciso In, letras a e c, da Cons­tituição Federal, por violação ao artigo 20, § 4Jl., do Código de Processo Civil (fls. 107/115).

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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262 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): O Direito pretoriano conso­lidou a prática, adotada pelos juízes, de arbitrar provisoriamente o valor dos honorários de advogado para a hipótese de pronto pagamento na execução. O artigo 20, § 411., do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n. 8.952, de 1994, convalidou esse procedimento, acrescentando ao texto originário: "e nas execuções, embargadas ou não".

Na espécie, o MM. Juiz de Direito omitiu essa providência, não obstante a petição inicial da execução tenha embutido na quantia reclama­da, a título de honorários de advogado, o percentual de 20% sobre o valor do débito. Só depois do depósito do principal, levado a efeito para possi­bilitar o processamento dos embargos do devedor, o MM. Juiz de Direito exigiu a complementação do depósito "com o montante das custas iniciais e honorárias em 10% sobre o principal" (fi. 50).

A decisão foi atacada por meio de agravo de instrumento, a que o Tri­bunal a quo negou provimento. Sem razão. Manifestado o intuito da opo­sição de embargos do devedor, já não cabia a fixação provisória da verba honorária, e muito menos dos honorários definitivos, que supõem a apre­ciação eqüitativa do juiz a respeito das circunstâncias aludidas nas alíneas a, b e c do § 311. do Código de Processo Civil, possível apenas na ocasião da sentença.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de lhe dar provimento para tornar sem efeito a decisão do MM. Juiz de Direito que determinou a complementação do depósito como condição do processa­mento dos embargos do devedor (fi. 50).

RECURSO ESPECIAL N. 216.530 - PB (Registro n. 1999.0046229-7)

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorrida:

Advogado:

Ministro Castro Filho

Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Maria Fabianna Ribeiro do Valle Estima e outros

Usina Santa Maria S/A (massa falida)

Gilvan Siqueira de Sá

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 263

EMENTA: Ação de restituição de contribuições previdenciárias - Existência de contestação - Verba de sucumbência devida pela fa­lida.

Considerada objetivamente, a parte que sofreu derrota em juízo deve responder pelas verbas de sucumbência, mormente em se tra­tando de ação de restituição de contribuições previdenciárias con­testada pela massa falida, tendo em vista a insubsistência do artigo 77, § 72., da Lei de Falências frente ao princípio da sucumbência, con­sagrado no Código de Processo Civil vigente.

Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro-Re­lator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Brasília-DF, 15 de maio de 2003 (data do julgamento).

Ministro Castro Filho, Relator.

Publicado no DI de 16.06.2003.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Filho: Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra acórdão do Tribu­nal Regional Federal da 5â Região, que negou provimento à sua apelação, à consideração de que, na hipótese, "A sentença determinou a correta res­tituição das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e as recolhidas sobre a receita bruta da produção dos fornecedores não repassa­das pela falida ao INSS, com base no artigo 76 do Decreto-Lei n. 7.661/ 1945 (Lei de Falências).

Não há razão para a cobrança de honorários advocatícios, porque o § 2l! do art. 208 do referido diploma legal determina que a massa não pagará custas a advogados dos credores e do falido".

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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264 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Sustenta o Recorrente que o aludido artigo 208, § 2ll., da Lei de Fa­lências não tem aplicação à espécie, sendo devidos os honorários advoca­tícios em pedido de restituição.

Admitido o recurso, na origem, ascenderam os autos a esta Corte, vin­do-me conclusos.

É o breve relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Castro Filho (Relator): Originalmente, o INSS pro­pôs, com fundamento nos artigos 76 e seguintes do Decreto-Lei n. 7.661/ 1945, ação de restituição de crédito previdenciário que, embora desconta­do, não lhe foi repassado por ocasião da falência da Recorrida, totalizando, à época, a importância de 951.195,67 (novecentos e cinqüenta e um mil, cento e noventa e cinco reais e sessenta e sete centavos).

Citados os falidos, o síndico e os interessados, a ação foi contestada pela massa falida, aduzindo ser improcedente o pedido, vez que, se na hi­pótese houve apropriação indébita, esta teria se dado por parte dos sócios da empresa Agroenge Ltda, que, nos anos anteriores a 1993, administraram a Usina Santa Maria S/A, na qualidade de rendeiros, em parceria com os falidos.

O pedido foi julgado procedente, ao fundamento de que, "não se tra­tando as contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empre­gados de valores da massa falida e sim de retenção de valores de terceiros, indevidamente não repassadas pelo empregador, elas não estão sujeitas à classificação como créditos previstos no art. 102 da Lei de Falências e art. 186 do Código Tributário Nacional".

Não obstante, assinalou o MM. Juiz-sentenciante que sobre o valor em discussão não deveriam incidir honorários advocatícios, entendimento que veio a ser ratificado em sede de apelação pelo Tribunal Estadual, à consi­deração de que o § 2ll. do art. 208 da Lei de Falências determina que a mas­sa não pagará custas a advogados dos credores e do falido.

Sobre a matéria, entende este Superior Tribunal de Justiça que, con­siderada objetivamente, a parte que sofreu derrota em juízo deve responder pelas verbas de sucumbência, mormente em se tratando de ação de restitui­ção de contribuições previdenciárias contestada pela massa falida, tendo em vista a insubsistência do artigo 77, § 7ll., da Lei de Falências frente ao prin­cípio da sucumbência, consagrado no Código de Processo Civil vigente.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 265

Nesse sentido, colho pronunciamento desta egrégia Terceira Turma, no julgamento do REsp n. 36.058-MG, DI de 14.10.2002, de que fui relator, cuja ementa restou assim sintetizada:

"Ação de restituição de mercadorias. Inexistência de contestação. Verba de sucumbência devida pela concordatária.

Considerada objetivamente, a parte que sofreu derrota em juízo deve responder pelas verbas de sucumbência, mesmo em se tratando de ação de restituição de mercadorias não contestada pela concordatária, tendo em vista a insubsistência do artigo 77, § 7SJ., da Lei de Falências frente ao princípio da sucumbência, consagrado no Código de Processo Civil vigente.

Recurso provido."

Confiram-se, ainda, os seguintes precedentes:

"Falência. Pedido de restituição de mercadorias. Honorários de advogado.

A norma inserta no art. 77, § 7SJ., da Lei de Falências, que expres­samente determina o pagamento das despesas da reclamação pelo re­clamante, quando não contestada pelo reclamado, deixa de subsistir di­ante da nova sistemática instituída pelo Código de Processo Civil de 1973 (art. 20, caput) que lhe é posterior, incumbindo àquele que deu causa ao processo e sofreu derrota arcar com os encargos da sucum­bência, incluídos os honorários de advogado. Precedentes da Quarta Turma.

Recurso conhecido e provido." (REsp n. 160.054-SP, DI de 11.12.2000, reI. Min. Barros Monteiro);

"Processo Civil. Honorários de advogado. Pedido de restituição. São devidos os honorários de advogado no pedido de restituição; ex­ceção ao princípio de que todas as despesas que os credores fizerem para serem admitidos ao concurso na falência estão pré-excluídas de indenização (Decreto-Lei n. 7.66111945, art. 77, § 7SJ.). Recurso espe­cial conhecido e provido." (REsp n. 16.945-ES, DI de 29.05.2000, reI. Min. Ari Pargendler).

Feitas estas considerações, conheço do recurso especial e lhe dou provimento, para determinar à Recorrida pagar à Recorrente, a título de

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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266 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

honorários advocatícios, a importância de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), que fixo nos termos do artigo 20, § 4.Q, do Código de Processo Civil.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 238.174 - SP (Registro n. 1999.0102895-7)

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorrida:

Advogados:

Ministro Antônio de Pádua Ribeiro

Campari do Brasil Ltda

Marçal de Assis Brasil Neto e outros e Antônio Carlos Gonçalves

Distillerie Stock do Brasil Ltda

Luiz Gastão Pães de Barros Leães e outros

Sustentação oral: Antônio Carlos Gonçalves (pelo recorrente) e Luiz Gastão Pães de Barros Leães (pelos recorridos)

EMENTA: Direito Civil e Direito Processual Civil - Contrato -Cláusula compromissória - Lei n. 9.307/1996 - Irretroatividade.

I - A Lei n. 9.307/1996, sejam considerados os dispositivos de direito material, sejam os de Direito Processual, não pode retroagir para atingir os efeitos do negócio jurídico perfeito. Não se aplica, pois, aos contratos celebrados antes do prazo de seu art. 43.

II - Recurso especial conhecido, mas desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Minis­tro Castro Filho, por unanimidade, conhecer do recurso especial e, por maioria, vencido o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, negar-lhe provimento. Votou vencido o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator.

Brasília-DF, 6 de maio de 2003 (data do julgamento).

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 267

Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Relator.

Publicado no DJ de 16.06.2003.

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Trata-se de recurso especial fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, interposto por Campari do Brasil Ltda contra Distillerie Stock do Brasil Ltda.

Consta dos autos que a Recorrida ajuizou ação com o objetivo de ha­ver ressarcimento pelos danos decorrentes do fim de um longo relaciona­mento comercial mantido com a Recorrente.

Em contestação, a Recorrente argüiu duas preliminares, quais sejam, a existência de cláusula contratual de arbitragem e sua ilegitimidade pas­siva para a causa quanto aos contratos firmados até o ano de 1989. A pri­meira preliminar foi acolhida pela sentença.

Apelaram as partes, e a questão referente às duas preliminares referi­das foi o objeto de debate no acórdão recorrido. Foi provido apenas o re­

curso da recorrida "para cassar a sentença, devendo o processo retomar a sua seqüência natural" (fi. 456). A ementa do aresto foi lavrada nos seguintes termos:

"Cláusula arbitral assumida em contrato anterior ao advento da Lei n. 9.307/1996 continua correspondendo a simples promessa de cons­tituir o juízo arbitral, sem força de impedir que as partes pleiteiem seus direitos no Juízo Comum (art. 5'\ XXXV, da Constituição Federal).

Sentença restritiva de acesso à ordem jurídica e que configura ne­gativa de vigência ao princípio da inafastabilidade do controle juris­dicional e do próprio fundamento da arbitragem do comércio interna­cional.

Recurso da Autora provido para que a ação prossiga, improvido o da Ré." (fl. 445).

A Recorrente opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados pelo acórdão de fls. 475/478.

Daí a interposição do recurso especial, no qual se alega negativa de vigência do art. 9.Q. da Lei de Introdução ao Código Civil, dos arts. 1.Q. e 43

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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268 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

da Lei n. 9.307/1996, e dos arts. p. e 4.2 do Decreto n. 21.187/1932. Susten­ta-se, também, contrariedade ao art. 1.211 do Código de Processo Civil, bem como divergência jurisprudencial quanto à aplicação da Lei n. 9.307/ 1996 e do Decreto n. 21.187/1932.

Esclarece a Recorrente que os contratos firmados com a Recorrida "previam cláusula de arbitragem, através da constituição de um tribunal em Milão, Itália, para dirimir quaisquer controvérsias entre as partes" (fl. 518). Argumenta que, de acordo com o art. 9.2 da LICC, deverá ser aplicada a lei do país em que a obrigação for constituída. No caso, "deveria ser aplicada a lei italiana, conforme já exposto nos contratos" (fl. 523).

Foram oferecidas contra-razões às fls. 621/633.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (Relator): A Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, representa considerável avanço no cenário jurídi­co nacional, na medida em que possibilita afastar a ameaça da inviabilização do trabalho do Judiciário. No âmbito da Justiça, há, em todo o mundo, queixa generalizada quanto aos custos e à delonga na solução dos litígios pelo Poder Judiciário. Entre as soluções para tais problemas, têm sido apon­tados meios alternativos de resolução dos conflitos, dentre os quais desta­ca-se a arbitragem.

Em notícia histórica, vale lembrar que, antes mesmo de o Estado cha­mar para si o monopólio da imposição coativa do Direito, as partes elege­ram árbitros, pessoas integrantes do grupo social dotadas de sabedoria, ex­periência e conduta ilibada, o que inspirava a confiança dos contendores.

A Constituição de 1824, por sua vez, já consagrava meios conciliató­rios privados, e dispunha, no art. 160, que "nas causas cíveis e penais, ci­vilmente intentadas, poderão as partes nomear juízes árbitros, cujas sentenças serão executadas sem recursos, se assim o convencionarem ambas as partes". Todavia, com o advento do Código Civil, a matéria foi disciplinada de for­ma diversa, pois se dispôs que: "A sentença arbitral só se executará depois de homologada, salvo se for proferida por Juiz de 1ll. ou 2ll. instância, como árbitro nomeado pelas partes" (art. 1.045). O Código de Processo Civil de 1939 tornou obrigatória a homologação para a executoriedade da decisão. O Código Buzaid, em seu art. 1.098, dispôs que o Juiz a que couber ori­ginariamente o julgamento da causa é o competente para a homologação.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 269

Portanto, se as partes não quisessem acorrer diretamente ao Judiciá­rio, deveriam valer-se do juízo arbitral e, posteriormente, postular a homo­logação judicial, sob pena de tornar inócua a atividade dos árbitros. Mas se a função do juízo arbitral era justamente tornar a solução dos conflitos de

interesses mais rápida e menos custosa e, ainda, sigilosa, a necessidade da homologação judicial o esvaziava de utilidade prática.

Em face desse panorama é que a lei disciplinou o juízo arbitral, fun­dado em institutos jurídicos existentes há longos anos no nosso ordenamento jurídico, mas pouco utilizados: o compromisso e o juízo arbitral. A "Lei

Marco Maciel" soluciona o grande obstáculo que impede uma maior utili­

zação da arbitragem: o fato de não ter a cláusula arbitral força vinculante.

Por isso, é fundamental que se procure, com urgência, dar efetividade à nossa lei de arbitragem. A sua eficácia irá refletir no âmbito interno, pro­porcionando o descongestionamento do Judiciário e solução mais barata,

rápida e adequada aos conflitos de interesses. No âmbito externo, a forma­ção dos blocos econômicos e a expansão da economia global atestam que as fronteiras nacionais passaram a ser obstáculo ao desenvolvimento das empresas multinacionais, fenômeno que, bem ou mal, assume dimensão mais significativa com a liberação cada vez maior do comércio.

A arbitragem vem sendo adotada em vários países, assim na América

Latina, como também em países europeus, tais como a França, Itália, Bél­gica e Inglaterra. No Brasil, ela começa a dar, com otimismo, os seus pri­

meiros passos rumo à efetiva utilização do juízo arbitral, tanto é que cons­titui gáudio saber-se da instalação de Tribunais de Arbitragem nos Estados

de São Paulo e Rio de Janeiro e de Câmaras no Ceará, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Bahia, Minas Gerais e Distrito Federal, entre outras unida­des federativas.

É de todo pertinente citar a exigüidade de tempo na resolução de li­tígios através do juízo arbitral, consoante dados alvissareiros fornecidos pelo

Tribunal Arbitral de São Paulo, dando conta de que a duração dos proces­sos a ele submetidos tem-se fixado no prazo máximo de 55 dias, menos de dois meses, portanto.

o STF, no julgamento de agravo interposto na SE n. 5.206-Espanha, declarou, incidentalmente, por maioria, a constitucionalidade da Lei n.

9.307/1996, por considerar que a cláusula compromissória e a permissão dada ao Juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar

o compromisso não ofendem o art. 5~, XXXV, da Constituição Federal.

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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270 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Em parecer proferido naquela causa, o Procurador-Geral da Repúbli­ca, Geraldo Brindeiro, consignou o seguinte pensamento:

"O que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional estabelece é que: 'a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciá­rio lesão ou ameaça a Direito'. Não estabelece que as partes interes­sadas não excluirão da apreciação judicial suas questões ou conflitos. Não determina que os interessados deverão sempre levar ao Judiciá­rio suas demandas."

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery também se posicionam a favor da constitucionalidade da referida lei:

"A arbitragem não ofende os princlplos constitucionais da inafastabilidade do controle judicial, nem do juiz natural. A Lei de Arbitragem deixa a cargo das partes a escolha, isto é, se querem ver sua lide julgada por juiz estatal ou por juiz privado. Seria inconstitu­cional a Lei de Arbitragem se estipulasse arbitragem compulsória, ex­cluindo do exame, pelo Poder Judiciário, a ameaça ou lesão a direito. Não fere o juiz natural, pois as partes já estabeleceram, previamente, como será julgada eventual lide existente entre elas. O requisito da pré-constituição na forma da lei, caracterizador do princípio do juiz natural, está presente no juízo arbitral." (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil em Vigor, Editora RT, 3.a ed., 1997,p. 1295).

Diante disso, resta saber se o diploma legal citado tem ou não apli­cação no caso concreto. No acórdão recorrido são elencadas as seguintes razões para que sejam rejeitadas as preliminares suscitadas em contestação pela Recorrente:

- a cláusula arbitral, se assumida em contrato anterior à Lei n. 9.307/ 1996, corresponde a simples promessa de constituir o juízo arbitral, ou seja, obrigação de fazer, cujo descumprimento sujeita o inadimplente, quando muito, a arcar com perdas e danos. A cláusula, no plano nacional, é inútil, pois não tem força vinculante;

- a sentença que extingue o processo em virtude da constatação da existência de cláusula arbitral configura negativa de vigência do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, bem como do próprio funda­mento da arbitragem do comércio internacional;

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 271

- a ação foi proposta quando a Lei n. 9.307/1996 já estava em vigor,

mas o contrato que estabeleceu a cláusula arbitral é de 1971. Tanto para o CPC de 1939 quanto para o de 1973, a distinção entre cláusula arbitral e compromisso arbitral era de singular importância, "porque a redação do

contrato com regra de subsunção aos árbitros desacompanhada de compro­misso específico, representava simples pactum de compromittendo inca­paz de 'obstar à cognição dos juízes ordinários'" (fl. 451).

Após tecer considerações sobre a Lei n. 9.307/1996, "um marco his­tórico para o avanço sistemático da arbitragem no Brasil, considerada agora

uma aliada da função do Judiciário de pacificar conflitos" (fl. 449), o acórdão deixa claro que a questão em debate não se refere à soberania da cláusula, mas ao fato de ter esta sido pactuada antes da entrada em vigor

da lei de regência.

Quanto à segunda preliminar, a de ilegitimidade passiva para a cau­

sa, constam os seguintes fundamentos:

- não é possível constatar que a Davide Campari-Milano S.P.S e a Campari do Brasil S/A são pessoas distintas, pois esta última foi fundada com 99,99% do capital social da primeira;

- a Campari Brasil S/A é clone da matriz italiana, necessário para con­

quistar direitos na América. Posicionou-se em relação à Distillerie Stock -ora recorrida - ratificando o passado contratual da Davide Campari, sub-ro­gando-se em direitos e obrigações, inclusive no dever de responder por pre­

juízos causados ao longo dos anos.

Nesse contexto, não se afiguram procedentes os argumentos da Recor­

rente.

Em primeiro lugar, consigne-se deva prevalecer o aresto quanto à

questão da legitimidade, mesmo porque alterar o entendimento nele firma­do implica a necessidade de rever o contexto fático-probatório dos autos. A tanto não se presta o recurso especial, consoante enunciado n. 7 da

Súmula desta Corte.

No que se refere à cláusula arbitral, o óbice maior à sua prevalência no caso concreto - segundo o acórdão recorrido e tal como explicitado an­teriormente - é o fato de ter sido pactuada antes da entrada em vigor da Lei

n. 9.307/1996. Daí porque o Recorrente aduz violação ao art. 1.211 do Código de Processo Civil, segundo o qual "ao entrar em vigor - o CPC -suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes".

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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272 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Para a solução da controvérsia, portanto, é necessário saber se a lei de regência atinge os negócios jurídicos já firmados ou não.

Consta que as partes assinaram o contrato em 1971. Trata-se de ato jurídico perfeito, em que as partes pactuaram a cláusula arbitral, cujos ter­mos foram transcritos no aresto como a seguir:

"Para qualquer controvérsia que possa surgir entre as partes, será feito recurso a uma arbitragem de três juízes que decidirão ex bono et aequo. Em caso de controvérsia, cada parte nomeará um juiz, e os dois juízes, assim nomeados, designarão o terceiro juiz. Em caso de desacordo sobre a nomeação do terceiro juiz, este último será desig­nado pelo Presidente da Ordem dos Advogados de Milão." (fi. 457).

A cláusula, então, foi fumada antes da entrada em vigor da Lei n. 9.307/ 1996, cuja natureza processual é defendida pelo Recorrente. Pelo negócio jurídico em exame, as partes estipularam que qualquer controvérsia dele oriunda seria submetida a arbitragem. A diferença reside em que, com a entrada em vigor daquele diploma, o interessado passou a dispor do meca­nismo adequado para fazer valer a cláusula arbitral, que, considerada obri­gação de fazer, não ensejava execução específica. Por isso o acórdão con­signou que o descumprimento da avença "sujeita, quando muito, a perdas e danos" (fi. 449).

Impende considerar, tal como o fez o aresto, citando Galeno Lacerda, que "Lei processual nova não pode atingir situações processuais já consti­tuídas" (fi. 453). A Recorrente insiste em que "a cláusula arbitral pactua­da entre as partes já encontrava-se apta a produzir efeitos em conformida­de com as novas disposições previstas na Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996", e, tendo a ação sido proposta em 17 de dezembro de 1996, "como poder-se-ia clamar por direitos processuais adquiridos, quando nem sequer havia sido instaurado processo e/ou praticados quaisquer atos processuais?" (fi. 528).

Todavia, a despeito da inteligente argumentação da Recorrente em tor­no dos direitos processuais adquiridos, não se pode olvidar que as partes, ao contratarem, tinham em mente a incidência das regras então em vigor, não fazendo qualquer ressalva quanto à possibilidade de aplicação de lei nova. Portanto, ainda que se diga ter a lei de arbitragem natureza processual, não se trata apenas de estudar as normas que regem os processos pendentes, mas também de cuidar dos efeitos de negócio jurídico já firmado, o qual não

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 273

pode sofrer ingerência de lei posterior. Destarte, deve-se compatibilizar, para a solução do presente caso, o que dispõe o art. 1.211 do CPC, tido por violado, com a regra do art. 6Q. da Lei de Introdução ao Código Civil.

A respeito do tema da irretroatividade da lei, há precedentes na juris­prudência desta Corte, da qual são exemplos os seguintes julgados:

"Direito Civil. Contratos. Superveniência da lei.

A lei nova é inoponível aos contratos em curso, salvo se modifi­cando a conjuntura econômica afeta à base do negócio jurídico.

Recurso especial não conhecido." (REsp n. 53.345-CE, relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 23.10.1995).

"Caderneta de poupança. Correção monetária. Alteração de cri­tério em virtude da Lei n. 8.024/1990.

Na ação de cobrança para reaver a diferença de rendimentos, é parte legítima passiva ad causa:m a instituição financeira privada com a qual foi celebrado o contrato de depósito, porque lei nova não pode alterar negócio jurídico firmado sob o império de diploma legislativo anterior." (REsp n. 41. 760-SP, relator Ministro Torreão Braz, DJ de

09.05.1994).

"Celebrado o negócio jurídico sob a égide de uma lei, é essa apli­cável para reger a relação jurídica constituída, de duração determina­da e definida, em garantia do ato jurídico e em atenção à necessidade de segurança e certeza reclamadas pela vida em sociedade para o de­senvolvimento das relações civis e comerciais." (REsp n. 10.391-PR, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 20.09.1993).

"Lei nova não pode alterar negócio jurídico firmado sob o im­pério de diploma legislativo anterior." (RSTJ n. 71/293).

o STF também já se pronunciou sobre a matéria:

"A incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negociaI, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade in­justa de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula cons­titucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definiti­vamente consolidadas." (RE n. 193.792-RS, relator l\Ilinistro Celso de Mello, DJ de 10.12.1996).

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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274 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o caso concreto não assume peculiaridades que justifiquem tratamento diverso, devendo prevalecer a lei vigente quando da contratação. Não se trata de simples normas de procedimento, mas de regras que, se aplicadas, afe­tariam os efeitos da obrigação assumida no passado e, conseqüentemente, o direito material das partes.

Logo, se o contrato foi legitimamente firmado, os contratantes têm o direito de vê-lo cumprido de acordo com a lei vigente ao tempo de sua ce­lebração, a qual regulará seus efeitos.

Portanto, apesar do significativo avanço representado pela Lei n. 9.307/ 1996, a qual não ofende o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, deve ser respeitado o negócio jurídico perfeito.

Ante o exposto, não há que se falar em violação ao art. 1.211 do CPC, nem da Lei n. 9.307/1996.

E, salvo com o julgado de Minas Gerais (fls. 543/556), a divergência jurisprudencial também não restou caracterizada, à míngua de circunstân­cias que assemelhem os casos confrontados.

No paradigma do STJ (fls. 560/608), tratou-se de contrato internacio­nal e a aplicação do Protocolo de Genebra. No acórdão recorrido, enten­deu-se que o contrato não era internacional e, de qualquer forma, não se fizeram ponderações sobre o referido protocolo.

O julgado do Rio Grande do Sul (fls. 557/559) versou sobre arbitra­gem, mas não discutiu a questão sob o enfoque do direito intertemporal. No caso em análise, a Lei n. 9.307/1996 deixou de ser aplicada para que não se ofendesse o ato jurídico perfeito.

Com relação ao paradigma de Minas Gerais, tem-se que a tese ali de­fendida não pode ser acolhida. Registrou-se naquele julgado que, "em tema de juízo arbitral, matéria estritamente processual, é irrelevante que a arbi­tragem tenha sido convencionada antes da vigência da Lei n. 9.307/1996" (fl. 543). Porém, do que aqui já restou exposto, a lei nova não pode retroagir para atingir os efeitos do negócio jurídico perfeito. A lei processual tem, sim, aplicação imediata aos processos em curso ou aos que forem iniciados. Mas tal regra se refere ao procedimento, não à convenção das partes, sob pena de se ofender a autonomia de sua vontade.

O Decreto n. 21.187/1932 e o art. 9.\1. da Lei de Introdução ao Código Civil não foram prequestionados. A Recorrente pretende seja aplicada a lei italiana ao caso em exame, pois aquele determina a aplicação da lei do país em que a obrigação for constituída. Entretanto, o Tribunal a quo afastou a

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 275

possibilidade da arbitragem ao fundamento de que a lei de regência não vi­gia à época da contratação, sem levar em consideração o lugar em que fir­mado o contrato.

Portanto, é aplicável, no particular, a Súmula n. 211 desta Corte.

De qualquer modo, a argumentação da Recorrente não poderia ser aco­

lhida, pois o acórdão, mediante assertivas inafastáveis sem nova investiga­ção de elementos probatórios, estabeleceu que, de fato, a obrigação cons­tituiu-se no Brasil (o que, repita-se, não foi o fundamento de que se valeu

o Tribunal para julgar pela possibilidade de a Recorrida ajuizar a ação). Além disso, constatou-se que a Recorrente é de nacionalidade brasileira. Assim, não pode ela dizer que é empresa internacional.

A respeito, transcrevem-se as seguintes passagens do acórdão:

"O recurso da Campari é inconsistente, na medida em que pro­

cura fragmentar, no tempo, um relacionamento comercial ininterrupto e que somente modificou-se com o nascimento da Campari do Brasil, que substituiu a Davide Campari-Milano Campari S.P.S.

( ... )

A Campari do Brasil posicionou-se em relação à Distillerie Stock

ratificando o passado contratual da Davide Campari, o que representa

uma sub-rogação de direitos e obrigações, inclusive e eventualmente, no dever de responder pelos prejuízos decorrentes do abuso do poder contratual exercido ao longo dos anos.

( ... )

Além disso, a Ré é pessoa jurídica nacional." (fls. 448 e 458, grifei).

E, do que consta dos autos, a ratificação citada foi firrpada no Brasil.

Ainda que assim não fosse, registre-se que a Recorrente se contradiz ao pedir, com fundamento no art. 9.1l. da LICC, a aplicação da lei italiana - argumentando ser empresa italiana - e, ao mesmo tempo, a aplicação da

Lei n. 9.307/1996, diploma brasileiro.

Ademais, consta de uma das ratificações do contrato que eventuais con­trovérsias haveriam de ser dirimidas no Brasil. Não se pode, pois, afastar

a cláusula de eleição de foro ao argumento de que pactuado o compromisso

arbitral ou de que a lei italiana deveria ser aplicada ao caso. Sobre o pon­to, confira-se o seguinte trecho do aresto recorrido:

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276 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"Assim, a legitimidade ad causam da acionada era incontestá­vel, sendo a repercussão da mesma questão absolutamente atrelada ao mérito, inclusive se a Ré responderá por atos anteriores à sua consti­tuição, ou mesmo posteriores, mas praticados pela empresa italiana.

Ora, a cláusula compromissória constante no pacto de 1974 não foi ratificada, expressamente, pelas avenças posteriores dos digla­diantes. Além disso, a Ré é pessoa jurídica nacional e, embora perten­cente à subscritora do contrato de 10.04.1974, não o subscreveu.

O contrato de distribuição firmado entre a Stock do Brasil e a Campari do Brasil continha cláusula expressa, a respeito do tema (14.1, fi. 92):

'Fica eleito o foro da Comarca da capital do Estado de São Paulo, para dirimir toda e qualquer pendência oriunda deste con­trato, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que possa ser.'" (fi. 458).

Logo, verifica-se o acerto do acórdão recorrido em anular a sentença na qual o juiz de 1.Q. grau se declarava incompetente para conhecer da ação ajuizada pela Recorrida.

Posto isso, em conclusão, conheço do recurso especial, uma vez que ca­racterizado o dissídio de julgados antes referido, mas lhe nego provimento.

VOTO-VENCIDO

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: A Empresa-recorri­da ajuizou ação de indenização alegando ser empresa que se destaca no mercado internacional de produtores de bebidas, estando há mais de 60 anos no ramo, possuindo sede social e fábrica em São Paulo e escritório de re­presentação nos mais expressivos centros comerciais do território brasilei­ro; que quando constituída em 1934 tinha a denominação de Seagers do Brasil S/A, sendo então controlada pela Seagers (Overseas) Ltda, empresa britânica; que em 1966 a Distillerie Stock USA Ltda passou a fazer parte da sociedade, quando teve a razão social alterada para Seagers & Stock do Brasil S/A Importadora e Industrial de Bebidas; que em 1971 a Seagers re­tirou-se da sociedade, cedendo suas quotas para a Lynelko Holding S/A, que vinha a ser uma holding suíça; que, finalmente, em 1976 veio a ter sua ra­zão social alterada para Distillerie Stock do Brasil; que em 31.05.1990 a Lynelko Holding S/A cedeu e transferiu as quotas sociais da controlada para

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 277

a Lynco-Serviços Empresariais S/C Ltda, que atualmente tem a denomina­ção social de Lynco-Participações Ltda, sociedade civil de capital nacional; que até a data de hoje, como sócia majoritária, detém o controle a Supli­cante, conforme se verifica do contrato social consolidado em 21.11.1994; que em 1958, sob a denominação social da época, sob licença da proprie­tária da marca, Davide Campari-Milano S.P.A., lançou no mercado brasi­leiro o produto denominado "bitter Campari"; que em 16.04.1971 foi as­sinado em Lugano, na Suíça, o primeiro contrato de licença entre a Davide Campari-Milano S.P.A., como licenciadora, e a Seagers & Stock do Brasil S/A, como licenciada, para disciplinar o uso da marca "Campari" no Bra­sil; que por esse contrato a Seagers & Stock foi autorizada a produzir e comercializar o "bitter Campari", pagando royalties à licenciadora pelo uso da respectiva marca; que para a fabricação a Autora era obrigada a adqui­rir da Suplicada uma "mistura especial de ervas aromáticas" e outros ma­teriais, "faturados ao seu preço de tarifa", "sujeito às flutuações do merca­do, para entrega FOB-Gênova"; que o contrato estabelecia que as aludidas "misturas de ervas" constituíam segredo de fabricação, não podendo a sua composição ser revelada, devendo, ainda, a licenciada reservar uma quota mínima equivalente a 11 % do preço de vendas para a publicidade do pro­

duto no território brasileiro, ademais de ficar incumbida de ser a guardiã da marca no país, sem direito a qualquer remuneração, salvo o reembolso das despesas que fizesse no desempenho dessa obrigação; que nesse contrato o endereço da Seagers & Stock era na Rua Humberto I, um prédio aluga­do de aproximadamente 2.000m2 em terreno de 3.200m2

, e que, pelo con­trato, a Seagers & Stock não deveria medir esforços para ter equipamentos

e instalações adequados ao fabrico do produto; que, em 10.04.1974, a licen­ciadora Davide Campari-Milano S.P.A., à margem do contrato de 1971, fir­mou com a licenciada dois contratos, um no Brasil e outro em Lugano, na Suíça, o primeiro "continha quinze cláusulas elaboradas de acordo com as normas e disposições então vigentes no nosso país (que o Ato Normativo n. 15, de 11 de setembro de 1975, do INPI - Instituto Nacional de Proprie­dade Industrial, viria logo depois consolidar), tendo sido levado à averbação nesse instituto, sem encontrar nenhum óbice", sendo sucessivamente pror­rogado e objeto de dois aditamentos, também registrados; que o outro foi assinado em Lugano, entre a licenciadora e a Distillerie Stock S.P.A., deno­minado "contrato integrante de licença", "visto que consubstanciava uma complementacão às quinze cláusulas do contrato de licença assinado no Bra­sil, tanto assim que as suas cláusulas são enumeradas a partir da cláusula n. 16 em diante", não encaminhado ao INPI pela simples razão "de que os

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278 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

compromissos assumidos pela licenciada não seriam admitidos pelo INPI. Celebrado fora do território brasileiro, tinha, assim, por escopo impor as referidas obrigações à Suplicante, que delas não poderia se furtar, dados os vultosos investimentos que à essa época já fizera em sua fábrica para a pro­dução do 'bitter Campari' no Brasil"; que com tais contratos, a Suplicante tinha mais segurança para continuar a manter a fabricação do produto, ini­ciada em 1971, arcando com os elevados custos decorrentes da industria­lização e comercialização do produto, tendo investido na construção de no­vas instalações, com área de 10.000m2 em terreno de 18.000m2; que em fun­ção do trabalho desenvolvido, de 1976 a 1990, o Brasil figurou como o maior país de venda do "bitter Campari", refletindo-se no faturamento da Suplicante, de tal modo que o produto ganhou a posição de principal de sua linha de comercialização, "concorrendo com mais de 50% (cinqüenta por cento) do montante de suas vendas globais"; que em razão desse êxito a Davide Campari-Milano S.P.A. começou a dar maior atenção ao mercado brasileiro; que a partir daí "as relações entre licenciadora e licenciada co­meçam a se deteriorar"; que em 1980 foi realizada a la. Convenção Inter­nacional Campari, cabendo à Suplicante a organização do evento reunindo os fabricantes e distribuidores da Davide Campari em todo o mundo, com­parecendo o Vice-Presidente da Ré; que ficou decidido, então, que a Supli­cada passaria a participar diretamente do acompanhamento desse mercado, com a presença permanente de um preposto no Brasil; que alguns meses após a convenção, em 18.06.1982, foi constituída em São Paulo a Campari do Brasil Ltda, com a finalidade de representar os interesses da empresa italia­na no Brasil e promover a defesa e a afirmação dos produtos; que com a criação da nova empresa ocorreu uma profunda mudança no relacionamento entre a licenciadora e a licenciada; que o contrato brasileiro de licença foi prorrogado como já assinalado, tratando-se de simples formalidade, para disciplinar, apenas, o uso da marca, sendo que o "relacionamento industrial, comercial e administrativo era regulado pelo contrato firmado em Lugano, sem registro no Brasil"; que, ao contrário do contrato brasileiro, "cuja vi­gência era anual, esse contrato, concebido inicialmente para ser uma 'com­plementação' do outro, passou a ser por prazo de 5 (cinco) anos iniciais, com mais 5 (cinco) anos de prorrogação e previsão de renovação automática a cada biênio (doc. n. 5, cláusula 26), 'desde que as metas de venda fossem atingidas e todas as cláusulas do contrato satisfatoriamente cumpridas'''; que com a constituição da Campari do Brasil novo contrato foi assinado em Lugano, com data de 10.09.1984, revogando expressamente o contrato de 10.04.1974, "e a estipulação de cláusulas contundentes e mais restritivas do

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 279

que as do contrato anterior", assim as de n. 23, 24 e 29, verdadeiramente

potestativas, demonstrando "claramente a trama que a Campari começava a armar com o intuito de assenhorear-se de todos os conhecimentos sobre o mercado brasileiro, tanto na área de publicidade e promoção quanto na área

de produção e venda, com relação ao produto"; que três anos após a sua

constituição, a Campari do Brasil começou a construção de sua fábrica, que

ficaria pronta em 1988; que tal contrato revela a "intenção oculta e

desenganadamente dolosa da Campari: tão logo estivesse em plena capaci­dade de funcionamento no Brasil a sua planta industrial, simplesmente lan­

çaria às urtigas a Stock, que tanto fizera para difundir o nome do 'bitter

Campari' no país. Usando da força de seu poder econômico, simplesmente impôs se mantivesse no instrumento a disposição que ensejava à licenciadora

a faculdade de rescindir antecipada e unilateralmente a avença (doc. n. 6,

cláusula 29)"; com a finalização da fábrica da Campari, pronta para fabri­

car diretamente o produto, "sob licença da casa-mãe Davide Campari-Milano S.P.A., à Campari do Brasil pareceu não mais interessar a manutenção com a Stock de outro relacionamento, a não ser aquele que paulatinamente con­

duzisse à total absorção da organização comercial de venda da Suplicante.

Foi o que, sem o menor constrangimento, a Suplicada passou a fazer"; que

o primeiro passo foi a absorção dos serviços de publicidade, função que era

desempenhada pela Autora, na forma do contrato, com obrigatória destinação de pelo menos 11 % de seu faturamento para custeio do encar­go; que para esse fim foi assinado contrato específico em 05.07.1982, pas­

sando a Campari a fornecer à Stock "todas as informações e elementos pu­

blicitários utilizados pela empresa italiana em todas as praças do mundo,

pelo que a Stock deveria, na contratação das campanhas publicitárias, submetê-las à prévia aprovação da Campari (cláusula 3.!!., item 3.1). O pre­

ço do fornecimento, pela Campari, do material de publicidade, seria pago

pela Stock (cláusula 5.!!., item 5.1)"; que, em seguida, passou a assumir a pró­pria organização de vendas da Stock, substituindo em 1988 o fornecimen­to da "mistura de ervas" por um produto intermediário (xarope), que cha­ma de "semi-acabado", e, logo em 1989, comunica a Stock "que, a partir

de 1 Jl. de janeiro de 1990, passaria, ela própria, a fornecer o produto engarra­fado, ou seja, o produto acabado pronto para consumo, pelo que, a partir de

então, o papel da Stock deveria resumir-se ao papel de mero distribuidor do produto no país"; que, enfim, pronta para fornecer o produto acabado, "mas

não contando ainda com uma organização comercial hábil para proceder à

venda do 'bitter Campari' no país, não obstante vigorasse ainda o último

'contrato integrante de licença', que autorizava a Stock a fabricar o produto

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280 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

no Brasil, a Campari simplesmente obrigou a Stock a assinar em 5 de ju­lho de 1989 (pois, a essa altura, quando corria o risco de perder todo o seu investimento, como poderia a empresa brasileira se recusar a assinar o que quer que fosse?), obrigou a Stock, repetimos, a assinar um 'contrato pro­visório de distribuição do produto' (doc. n. 8), para vigorar até 31.12.1989, sob o pretexto de 'tutelar os interesses do produto"'; que tal contrato virou definitivo, na forma do contrato assinado em 30.06.1989, vigendo a partir de 01.01.1990, descobrindo os verdadeiros propósitos da Ré, "até então en­cobertos com atitudes cerimoniosas e gentis. Como é exemplo, aliás, a carta, em inglês, datada de 26.09.1989 (doc. n. 10), firmada pelo diretor da Di­visão Internacional da Davide Campari, pela qual essa empresa comunica à Stock a rescisão, por manifestação unilateral de vontade, do último 'con­trato integrante' entre eles celebrado - sem antes deixar de enaltecer a bem­-sucedida colaboração da empresa brasileira para a afirmação da marca Campari no território nacional"; que as obrigações do contrato de distri­buição conduziram a uma situação insustentável, com dispositivos infames, ensejando um processo de agressão e aviltamento, com cláusulas absurdas, alcançando o seu ponto culminante com a correspondência enviada pela Campari, em 08.07.1992, seis meses antes da vigência do último contrato, dando por encerrado o contrato de distribuição e impondo a cumprir uma cláusula de não-concorrência, pelo prazo de um ano após a rescisão da avença. Com base nesse cenário é que ingressou com o pedido de perdas e danos.

A sentença julgou extinto o processo considerando que o contrato pre­via uma cláusula de arbitragem (fl. 50). Para o Juiz, "o contrato tem força de lei entre as partes. No presente caso, temos que o contrato firmado não é de adesão, vale dizer, as partes tiveram e puderam usar de toda a sua au­tonomia negocial. Puderam estabelecer livremente as cláusulas contratuais. Assim, se escolheram as leis do Estado da Itália e, dentro desse país, Mi­lão, para ser aplicada no seu relacionamento comercial, e se escolheram a arbitragem para resolver os seus conflitos foi porque tinham em mente, pro­vavelmente: a) o fato de que as normas jurídicas italianas são mais estáveis que as brasileiras, o que é vital em qualquer relacionamento comercial, seja ele duradouro ou não; b) o fato de que a arbitragem internacional tem custos menores que o recurso ao Judiciário, seja ele o italiano ou o brasileiro; c) além disso, o árbitro é, em geral, pessoa que conhece bem o ambiente e as atividades das partes envolvidas, o que faz com que a tramitação seja mais rápida". Para a sentença, o "contrato tem força de lei entre as partes, de­vendo prevalecer. Entendo que, no presente caso, as partes sabiam de toda

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 281

a legislação pertinente e, mesmo assim, a Autora concordou com a coloca­ção de cláusula de eleição de foro e de arbitragem. Assim, não pode vir a Autora, citando outras fontes legislativas, clamar pela competên_cia da juris­dição nacional".

o Tribunal de Justiça de São Paulo, porém, proveu a apelação da Au­tora para que a ação siga o seu curso. Primeiro, negou provimento ao re­curso da Campari, "na medida em que procura fragmentar, no tempo, um relacionamento comercial ininterrupto e que somente modificou-se com o nascimento da Campari do Brasil, que substituiu a Davide Campari-Milano Campari S.P.S. Tal ocorreu porque a Davide Campari fundou a Campari do Brasil, com 99,99% de seu capital social (fi. 148)", daí que a Campari do Brasil é mesmo parte legítima. Segundo, acolheu a impugnação com rela­ção ao juízo arbitral. Para o eminente Desembargador Ênio Santarelli Zuliani, relator, a "Autora não está obrigada a pleitear seu direito em juízos arbitrais italianos, porque a cláusula que assumiu no contrato de 1971 é de obrigação de fazer (realizar um compromisso de submissão à arbitragem in­ternacional), cujo descumprimento sujeita, quando muito, a perdas e danos". Para o Tribunal de origem a Lei n. 9.307/1996 já estava em vigor quando ajuizada a ação, mas, o contrato que acolheu o juízo arbitral é de 1971, e tanto para o Código de 1939 como para o Código de 1973 "a distinção en­tre cláusula arbitral e compromisso de juízo arbitral era de singular impor­tância, porque a redação do contrato com regra de subsunção aos árbitros desacompanhada de compromisso específico, representava simples pactum de compromittendo incapaz de 'obstar à cognição dos juízes ordinários' (Barbosa Moreira, Juízo Arbitral. Cláusula Compromissória: Efeitos, in Temas de Direito Processual- Segunda Série, Ed. Saraiva, 1980, p. 210)". Para o acórdão recorrido, a "Autora prometeu assumir compromisso de as­sinar um documento pelo juízo arbitral com exclusividade. Não o fez e nun­ca deu mostras de aceitar essa fórmula alternativa de composição de litÍ­gios". Entendeu o acórdão recorrido que a sentença errou porque conside­rou a cláusula como de renúncia, faltando o compromisso solene indispen­sável para a realização da arbitragem. Finalmente, considerou que o pro­cesso cuida de indenização em decorrência da falta de renovação, sendo questão de "índole indenitária", "de direito puro, escapando dos fundamen­tos costumeiros da arbitragem", "matéria contenciosa própria da jurisdição oficial, de sorte que remeter os interessados ao juízo arbitral para resolver pedido indenizatório pós-resolução do contrato é, acima de tudo, negar vi­gência ao princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdi­cional (art. 5Q., XXXV, da Constituição Federal)".

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282 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro conheceu do especial, mas negou-lhe provimento. O ilustre Relator destacou que o Supremo Tri­bunal Federal declarou, incidentalmente, por maioria, a constitucionalidade da Lei n. 9.307/1996, "por considerar que a cláusula compromissória e a permissão dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o art. 511., XXXV, da Constituição Federal". Destacou, ainda, que, de fato, a arbitragem não ofende ao prin­cípio constitucional referido, todavia, no caso, a cláusula foi celebrada an­tes da Lei n. 9.307/1996, o que significa que ela é, apenas, "simples pro­messa de constituir o juízo arbitral, ou seja, obrigação de fazer, cujo descumprimento sujeita o inadimplente, quando muito, a arcar com perdas e danos", sendo inútil, portanto, no plano nacional, "pois não tem força vinculante" .

Pedi vista para refletir sobre a natureza da cláusula assumida no con­trato firmado pelas partes, antes da vigência da Lei n. 9.307/1996. Não me preocupou a circunstância da irretroatividade assinalada pelo eminente Relator, mas, sim, o alcance da cláusula sob o regime anterior, daí que, desde logo, afasto qualquer alegação de violação à Lei n. 9.307/1996 e ao art. 1.211 do Código de Processo Civil.

Na minha compreensão, com todo respeito ao entendimento firmado pelos votos que me antecederam, a cláusula arbitral está inserida em con­trato internacional, contrato de licença entre empresa estrangeira e empresa brasileira, celebrado em língua inglesa, nos autos com tradução feita por tra­dutor juramentado (fl. 50), sendo um contrato de licença, com o teor que se segue:

"19. Para qualquer disputa que possa surgir entre as partes, re­correr-se-á a uma junta de arbitragem de três membros, os quais de­cidirão ex bono et aequo. No caso de disputa, cada parte nomeará um árbitro e os dois árbitros, assim nomeados, nomearão o terceiro árbi­tro. Caso os dois árbitros não concordem sobre o terceiro árbitro, sua nomeação será deixada ao Presidente da Ordem dos Advogados (Con­selho da Ordem dos Advogados) de Milão.

A sede da arbitragem será em Milão."

Sendo um contrato internacional, com específica cláusula arbitral, não me parece razoável seja aplicada a distinção feita pelo acórdão recorrido en­tre cláusula arbitral e compromisso de juízo arbitral. A natureza internacio­nal do contrato impõe que a distinção fique superada, valendo o Protocolo

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 283

de Genebra de 1923, em que não existe a distinção de ordem prática entre os institutos da cláusula compromissória e do compromisso, como mostrou o voto do eminente Ministro Gueiros Leite, prevalecente em antigo prece­

dente desta Terceira Turma, nos autos, valendo reproduzir os trechos que se

seguem:

"Sendo esse contrato de índole internacional, a ele se aplicam, em

matéria de arbitragem, as regras do Protocolo de Genebra de 1923, do qual é signatário o Brasil, que o incorporou à sua ordem jurídica pelo Decreto n. 21.187, de 22 de março de 1932. No Protocolo está pre­visto que os Estados contratantes reconhecem a validade quando as partes estão submetidas a jurisdições diversas, de compromissos ou de cláusulas compromissórias, pelos quais as partes se obrigam, contra­tualmente, em matéria comercial ou em qualquer outra suscetível de ser resolvida mediante arbitragem, a submeter suas divergências ao juízo de árbitros, ainda que a arbitragem se verifique num país de ju­risdição diferente.

Assim, nas arbitragens internacionais e por força mesmo do Pro­tocolo de Genebra de 1923, não há distinção de ordem prática entre

os institutos da cláusula compromissória e do compromisso, aos quais são atribuídos os mesmos efeitos legais. Esta é a orientação que os Re­correntes sustentam (fi. 417), com apoio em alguns juristas estrangeiros

e nacionais. Chillón Medina e Merino Merchán, citados pelos Re­correntes, doutrinam que nos países que incorporaram ao seu Direito o conteúdo desses tratados internacionais, a diferença entre compro­misso e cláusula compromissória deixou de operar, a partir do momen­to em que se outorga validade e eficácia a ambos (Tratado de Arbitrage Privado Interno e Internacional, Civitas, Madrid, 1978, la ed., pp. 314 e 315, fi. 418).

Da mesma opinião comunga José Carlos de Magalhães. Ressal­ta ele que no Direito brasileiro, exatamente por força do Protocolo,

também se distinguem os contratos sobre arbitragem em internos e internacionais, submetendo-os a regimes jurídicos diversos. Nos con­

tratos internos, a cláusula arbitral constitui obrigação de fazer e não importa na instituição automática do juízo arbitral, que ficará na de­

pendência do compromisso, formalizado de acordo com os termos do art. 1.039 do CC, e do art. 1.074 do CPC. Nos contratos internacio­nais, submetidos ao Protocolo, a cláusula arbitral prescinde do ato sub­seqüente do compromisso e, por si só, é apta para instituir o juízo

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arbitral. Essa diversidade é acolhida internacionalmente, nos tribunais franceses e americanos, que têm considerado válidas cláusulas arbitrais em contratos internacionais (A Cláusula Arbitral nos Contratos Inter­nacionais, RF, 1982, vol. 277, pp. 372 e 373, fi. 419). O mesmo au­tor, secundado por Luis César Ramos Pereira (A Arbitragem Comer­cial nos Tratados Internacionais, RT n. 572/27-28, fi. 419), é de opi­nião que até mesmo nos contratos internacionais não sujeitos ao Pro­tocolo, há que se conferir validade plena à cláusula arbitral, pelo sim­ples fato de que deve prevalecer o princípio da boa-fé."

Veja-se, ainda, no ponto, o voto-vista do Sr. Ministro Nilson Naves:

"8. Sucede, no entanto, que o Protocolo é anterior ao Código de 1939. Por isso, em seu voto de Relator, o Sr. Ministro Cláudio San­tos apontou a prevalência da lei interna, que prevê o compromisso, e não a cláusula compromissória, mormente com o Código de 1973, arts. 1.072 a 1.074 e 1.100.

9. Dou razão ao Sr. Relator, no pormenor, vez que a nossa lei, ao dispor sobre o juízo arbitral, não dedicou sequer uma palavra à cláu­sula compromissória. De meu lado, reconheço o alto significado da cláusula, pois, ao fazê-la constar de um contrato, os contratantes têm a nítida intenção de levar o litígio, futuro obviamente, ao juízo arbitral, com antecipada renúncia ao juízo natural. Vontade livre, conforme o princípio da autonomia da vontade, adequada ao plano civilístico. Daí dispor o Protocolo, no n. 2, que o processo da arbitragem é regulado pela vontade das partes, e também 'pela lei do país em cujo território a arbitragem se efetuar'."

O Sr. Ministro Eduardo Ribeiro pronunciou voto entendendo preva­lecer, mesmo em se tratando de contrato internacional, a regra do Código de Processo Civil, desenvolvendo o raciocínio que se segue:

"Em nosso Direito, inexiste hierarquia entre o tratado e a lei or­dinária, sendo mesmo objeto de crítica norma do Código Tributário Nacional, dispondo em contrário. Divergindo a lei do tratado, aplica­se aquela que por último foi incorporada à ordem jurídica nacional. No caso, o Código de 1973. De outra parte, pelo próprio Protocolo de Genebra, conclui-se que o Tribunal Arbitral há de constituir-se com obediência às leis do país em que se instalar. Parece, pois, realmente

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 285

certo que a matéria relativa ao Juízo Arbitral, ainda se tratando daquele que se instalou em função de contrato internacional, há de reger-se pelas normas do Código de Processo Civil pertinentes."

De fato, não há falar em hierarquia entre tratado e lei ordinária, como bem anotado pelo Sr. Ministro Eduardo Ribeiro em seu voto. Mas, na mi­nha compreensão, não é disso que se trata. O contrato, como já anotei, sem dúvida, é um contrato internacional, não apenas pela sua natureza, isto é, contrato de licença firmado por empresa estrangeira, no estrangeiro sediada, e empresa brasileira, em língua estrangeira, estabelecendo juízo arbitral com sede em Milão, ou seja, com obediência à lei daquele país, não sendo mes­mo, no caso destes autos, de se aplicar o Código de Processo Civil de 1973.

Por outro lado, a meu sentir, não se pode, sob pena de respingar em violência ao próprio princípio da boa-fé, oferecer uma interpretação que não estava presente na vontade das partes, salvo se se pretende identificar uma verdadeira fraude contratual. O que está no contrato internacional firmado é que as disputas seriam resolvidas em juízo arbitral, sediado em Milão, e, portanto, sem que qualquer outro ato tivesse de ser praticado para que va­lesse a cláusula contratual, assumida pela livre vontade das partes. Interpre­tação de outro modo, com todo o maior respeito, destoa, malfere mesmo, a vontade das partes, livremente assumida.

Tenho como presente o dissídio.

Pedindo vênia aos eminentes Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Ari Pargendler, eu conheço do especial e lhe dou provimento para restabelecer a sentença.

VOTO-VISTA

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial inter­posto por Campari do Brasil Ltda, com fundamento no art. 105, IH, letras a e c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido em ação de conhe­cimento em que a ora recorrida pretende a indenização por danos emergen­tes e lucros cessantes.

O acórdão recorrido está assim ementado:

"Cláusula arbitral assumida em contrato anterior ao advento da Lei n. 9.307/1996 continua correspondendo a simples promessa de cons­tituir o juízo arbitral, sem força de impedir que as partes pleiteiem seus direitos no Juízo Comum (art. 5ll., XXXV, da Constituição Federal).

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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286 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Sentença restritiva do acesso à ordem jurídica e que configura negativa de vigência ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e do próprio fundamento da arbitragem do comércio in­ternacional.

Recurso da Autora provido para que a ação prossiga, improvido o da Ré."

Interpostos embargos de declaração, foram estes rejeitados nos seguin­tes termos:

"Embargos declaratórios interpostos com o propósito de suprir omissão do acórdão.

Fundamentação adequada aos limites da lide e que subsiste livre do vício apontado. Rejeição dos embargos."

Sustenta a Recorrente a contrariedade aos seguintes dispositivos fe­derais:

a) arts. 9.Q da LICC, e 1.Q da Lei n. 9.307/1996 - "o pedido de indeni­zação formulado pela Recorrida é ( ... ) um direito patrimonial disponível, podendo ser plenamente arbitrável, pois constitui matéria indubitavelmente relacionada e decorrente dos contratos de licença firmados entre a Recor­rida e a Davide Campari. ( ... ) Tratando-se de obrigação inserida em con­trato internacional, uma vez que as partes estão submetidas a jurisdições di­versas, a cláusula arbitral pactuada entre a Recorrente e a Davide Campari deveria ser regida pela lei italiana ( ... ). Segundo a lei italiana, a cláusula arbitral tem força vinculante para a instituição de um juízo arbitral, inde­pendentemente da celebração de um compromisso arbitral";

b) arts. 43 da Lei n. 9.307/1996, e 1.211 do CPC - "a nova lei de ar­bitragem é uma norma essencialmente processual e, por isso, tem vigência imediata. ( ... ) Não há que se falar em direitos processuais adquiridos, pois a ação de indenização proposta pela Recorrida somente foi ajuizada em 17

de dezembro de 1996";

c) arts. 1.Q e 4.Q, ambos do Decreto n. 21.187/1932 (Protocolo de Gene­

bra de 1923) - "nos contratos internacionais submetidos ao Protocolo de

Genebra de 1923, a cláusula arbitral prescinde de celebração de compro­misso arbitral, sendo, por si só, apta a instituir o juízo arbitral".

Alega, outrossim, a existência de divergência jurisprudencial.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 287

o eminente Ministro-Relator Antônio de Pádua Ribeiro conheceu do

recurso especial, uma vez que caracterizado o dissídio, mas lhe negou pro­

vimento, consignando que "a Lei n. 9.307/1996, sejam considerados os dis­

positivos de direito material, sejam os de Direito Processual, não pode

retroagir para atingir os efeitos do negócio jurídico perfeito. Não se apli­

ca, pois, aos contratos celebrados antes do prazo de seu art. 43".

O eminente Ministro Ari Pargendler acompanhou o eminente Minis­

tro-Relator.

O eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, após pedido de

vista, rogando vênia aos eminentes Ministros que o antecederam no julga­mento, deu provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença, es­

posando o seguinte entendimento:

"Na minha compreensão, com todo respeito ao entendimento fir­

mado pelos votos que me antecederam, a cláusula arbitral está inserida

em contrato internacional, contrato de licença entre empresa estran­geira e empresa brasileira, celebrado em língua inglesa, nos autos com

tradução feita por tradutor juramentado ( ... ).

Sendo um contrato internacional, com específica cláusula arbitral não me parece razoável seja aplicada a distinção feita pelo acórdão

recorrido entre cláusula arbitral e compromisso de juízo arbitral. A natureza internacional do contrato impõe que a distinção fique supe­

rada, valendo o Protocolo de Genebra de 1923, em que não existe a

distinção de ordem prática entre os institutos da cláusula compro­

missória e do compromisso ( ... )."

Repisados os fatos, decide-se.

I - Arts. 9.<2 da LICC; 1.<2 e 43 da Lei n. 9.307/1996; 1.211 do CPC; 112

e 4.<2, ambos do Decreto n. 21.187/1932 (Protocolo de Genebra de 1923).

A questão federal suscitada cinge a verificar se é devida a extinção da

presente ação de conhecimento por força da cláusula arbitral inserida no

contrato de licença celebrado, em 16.04.1971, entre a ora recorrida e a

Davide Campari-Milano S.P.A., e redigida nos seguintes termos:

"Para qualquer disputa que possa surgir entre as partes, recorrer­

-se-á a uma junta de arbitragem de três membros, os quais decidirão

ex bono e aequo. ( ... ) A sede da arbitragem será em Milão."

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288 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Cumpre destacar que as partes também celebraram um contrato de dis­tribuição que contém cláusula de eleição de foro assim redigida:

"Fica eleito o foro da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, para dirimir toda e qualquer pendência oriunda deste Contrato, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que possa ser."

Diante de tais cláusulas de foro de eleição conflitantes, insertas em contratos de espécies diversas (licenciamento e distribuição), cumpre à so­lução da controvérsia examinar em que contrato está fulcrado o pedido mediato.

Observa-se que a lide não está calcada no inadimplemento nem na existência, validade ou eficácia do aludido contrato de licença e tampouco do contrato de distribuição.

Em verdade, a pretensão é indenizatória (art. 159 do CC), que se re­vela pelo relato da Autora de várias frustrações por ela sofridas desde o con­trato de licenciamento - apontado como marco inicial dos seus prejuízos, e da sua inconformidade, aludida a ambos os contratos, com a sua transfor­mação em simples distribuidora do produto; a imposição contratual de for­

necimento à ora recorrente de informações atinentes à clientela, práticas comerciais e organização de distribuição e venda do produto; e a resilição unilateral do contrato de distribuição e o impedimento de produção e comercialização de produto idêntico ou similar no prazo de um ano após a extinção do contrato (cláusula de não-concorrência).

Com efeito, é o que se dessume das seguintes razões da petição inicial:

"Apta a fornecer, desde então, o produto acabado, mas não con­tando ainda com uma organização comercial hábil para proceder à ven­da do 'bitter Campari' no país, não obstante vigorasse ainda o último 'contrato integrante de licença', que autorizava a Stock a fabricar o produto no Brasil, a Campari simplesmente obrigou a Stock a assinar em 5 de julho de 1989 ( ... ) um contrato provisório de distribuição do

produto ( ... ).

Foi no contrato definitivo de distribuição, pactuado em 30.06.1989, com vigência a partir de p~ de janeiro de 1990 ( ... ) que se revelariam,

em toda a sua plenitude e sem rodeios, os verdadeiros propósitos da suplicada, até então encobertos com atitudes cerimoniosas e gentis.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 289

( ••• ) O referido contrato de distribuição ( ... ) consagrava duas van­tagens em benefício da Campari que, por si só, abalavam o princípio do equilíbrio contratual, que deve estar presente em todos os contra­tos bilaterais comutativos.

A primeira vantagem consistia na obrigação de a Stock promo­ver gratuitamente a transferência, em favor da Campari, dos métodos por ela utilizados na venda do 'bitter Campari', permitindo, assim, à Campari criar uma organização similar para a comercialização, distri­buição e venda da bebida, devendo a Stock fornecer, até mesmo, com­pletas informações cadastrais de todos os seus clientes. A segunda van­tagem residia na criação de uma verdadeira reserva de mercado em benefício da Campari, já que lhe assegurava o mercado de 'bitter' no país sob condições verdadeiramente monopolísticas, eliminando a con­corrência da Stock.

( ... ) Em 8 de julho de 1992, seis meses antes do término da vi­gência do contrato em tela, a Campari enviou correspondência à Stock, informando-a da intenção de não renovar o contrato de distribuição, notificando-a outrossim ( ... ) a cumprir o convencionado na cláusula de não-concorrência ( ... ) pelo prazo de 1 (um) ano após a rescisão da

avença.

( ... ) não é preciso grande esforço de imaginação para se prefi­gurar o que se passou, daí em diante, com a Stock. Privada, da noite para o dia, de um produto que, como já se disse, representava 63 % do seu faturamento e 44% de sua rentabilidade, e sendo-lhe negada a fa­bricação, por um ano, de qualquer outro produto, em cuja comerciali­zação se especializara, natural que a Stock tenha entrado em crise pro­funda. ( ... ) Com a rescisão do contrato de distribuição, em 1992, a Stock viu-se à frente com uma planta industrial em grande parte ocio­sa e extremamente dispendiosa." (fls. 15/25).

o pedido que decorreu da causa de pedir, no que interessa para a so­lução desta controvérsia, é formulado nos seguintes termos:

"a) ( ... )

b) seja a Ré condenada a pagar à Autora, a título de indenização,

os danos emergentes, decorrentes da seqüência de atos abusivos rea­lizados pela Campari contra Stock, a partir do momento em que de­cidiu dispensar os serviços desta, em 1982, culminando na rescisão

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290 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

abrupta do contrato de licença, em 1992, deixando-a com uma planta industrial ociosa, construída para servir à Campari, e a levando, a par­

tir de então, a recorrer a operações financeiras, de alto custo, para su­

prir a ruptura indevida de mais da metade de seu faturamento, e, en­

fim, todos os demais prejuízos que defluem dos atos lesivos descritos

(danos emergentes), a serem apurados no procedimento complemen­tar de liquidação de sentença por arbitramento, nos termos dos arts.

286, lI; 603 e 606, lI, do Código de Processo Civil;

c) seja a Ré condenada a pagar à Autora, a título de indenização,

os lucros cessantes, que razoavelmente deixou de ganhar, após a rup­

tura indevida do contrato de licença que mantinha com a Stock, a se­

rem apurados no procedimento complementar de liquidação de senten­

ça por arbitramento, nos termos dos arts. 286, lI; 603 e 606, lI, do Código de Processo Civil;

d) seja a Ré também condenada a pagar à Autora, sobre o valor

da condenação resultante dos itens anteriores, correção monetária, ju­

ros compensatórios na base de 1 % ao mês e moratórios à razão de 6%

ao ano, a contar de 31 de dezembro de 1992, quando se deu o rompi­

mento do contrato de licença, além das custas processuais e honorá­

rios advocatícios à razão de 20% sobre o valor da condenação."

Constata-se, destarte, que não se está a discutir na lide existência, va­

lidade, ou eficácia dos referidos contratos celebrados pelas partes, cumprindo destacar que, a par destes se encontrarem resilidos, a menção ao contrato

de licenciamento se prestou apenas para mostrar a origem das aludidas frus­

trações experimentadas pela Recorrida-autora.

Na verdade, pretende-se por meio da presente ação a indenização de

danos emergentes e lucros cessantes "decorrentes da seqüência de atos

abusivos realizados pela Campari contra Stock a partir do momento em que

decidiu dispensar os serviços desta em 1982". Registre-se que, a partir des­

sa data, as relações comerciais entre as partes permaneceram íntegras, con­

tinuando, porém, não mais no âmbito de fabricação do produto, mas ape­

nas de sua comercialização e distribuição.

Em suma, essa ação objetiva o ressarcimento de danos causados por

uma relação comercial mantida por um significativo lapso temporal, e que,

ao longo deste, deteriorou-se por diversas razões decorrentes muito mais da

forma de contratar - que em alguns momentos é taxada de "abusiva" - do

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 291

que de questionamento específico dos contratos, que, como dito, foram man­tidos e cumpridos.

Assim, não vislumbro razão legal para prevalecer o foro de eleição do primeiro contrato (licenciamento) se o litígio abrange todos os contratos mantidos e cumpridos pelas partes (distribuição e comercialização). O rele­vante, no caso, salvo melhor juízo, é observar onde ocorreram as alegadas conseqüências contratuais, salientando que há foros distintos eleitos pelos contratos de licenciamento, e contrato de distribuição e de comercialização. No entrechoque das duas cláusulas e não estando a se discutir especificamen­te um dos contratos, repito não há porque prevalecer o foro de um deles.

Ressalte-se, ademais, a seguinte manifestação do Tribunal a quo:

"Ora, a cláusula compromissória constante no pacto de 1974 não foi ratificada, expressamente, pelas avenças posteriores dos digla­diantes. Além disso, a Ré é pessoa jurídica nacional e, embora perten­cente à subscritora do contrato de 10.04.1974, não o subscreveu.

O contrato de distribuição firmado entre a Stock do Brasil e a Campari do Brasil continha cláusula expressa, a respeito do tema (14, fl. 92):

'Fica eleito o foro da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, para dirimir toda e qualquer pendência oriunda deste con­trato, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que possa ser.'"

Assim, observo a questão de forma mais simples do que os doutos e judiciosos votos que me antecederam e repiso que a alegação de dano não decorreu só do contrato de licenciamento, porque o pedido mediato abrange também o contrato de distribuição. Sob esse prisma, em que se verificam cláusulas do foro de eleição conflitantes, estou de pleno acordo com as con­clusões adotadas no proficiente voto do eminente Ministro-Relator Antônio de Pádua Ribeiro, ao consignar que "a Lei n. 9.307/1996, sejam conside­rados os dispositivos de direito material, sejam os de Direito Processual, não pode retroagir para atingir os efeitos do negócio jurídico perfeito. Não se aplica, pois, aos contratos celebrados antes do prazo de seu art. 43".

O eminente Ministro-Relator, acompanhado pelo eminente Ministro Ari Pargendler, conheceu do dissídio tão-somente com relação ao acórdão proferido pelo Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais (fls. 543/556), negando, contudo, provimento ao recurso.

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292 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o eminente Ministro-Carlos Alberto Menezes Direito, por sua vez,

conheceu e deu provimento ao recurso especial, destacando o precedente

deste colendo Tribunal (REsp n. 616-RJ, reI. p/ acórdão Ministro Gueiros

Leite, DJ de 13.08.1990), igualmente apontado como paradigma no recurso especial ora em julgamento.

Forte em tais razões, rogando vênia ao eminente Ministro Carlos

Alberto Menezes Direito, acompanho o eminente Ministro-Relator e o emi­

nente Ministro Ari Pargendler e conheço do recurso especial para lhe negar provimento.

É o voto.

VOTO-VISTA

A recorrida Distillerie Stock do Brasil Ltda propôs ação visando a

obter ressarcimento, segundo alega, por danos decorrentes de contratos fir­

mados, sem renovação. Na contestação, a ora recorrente Campari do Bra­

sil Ltda argüiu preliminares de existência de cláusula contratual de arbi­

tragem e ilegitimidade passiva quanto aos contratos firmados até 1989.

Acolhida a primeira preliminar, foi declarado extinto o processo, sem

julgamento do mérito. Apelaram as duas partes, sendo provido, tão-somen­

te, o recurso da ora recorrida, para cassar a sentença, a fim de que a ação

tenha curso, estando o acórdão sintetizado na seguinte ementa:

"Cláusula arbitral assumida em contrato anterior ao advento da

Lei n. 9.307/1996 continua correspondendo a simples promessa de

constituir o juízo arbitral, sem força de impedir que as partes pleitei­

em seus direitos no Juízo Comum (art. 5Q, XXXV, da Constituição Fe­

deral).

Sentença restritiva do acesso à ordem jurídica e que configura

negativa de vigência ao princípio da inafastabilidade do controle

jurisdicional e do próprio fundamento da arbitragem do comércio in­

ternacional.

Recurso da Autora provido para que a ação prossiga, improvido

o da Ré." (fi. 445).

o relator, Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, votou pelo improvi­

mento do recurso especial, acompanhado pelo Ministro Ary Pargendler. Em

voto divergente, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito posicionou-se

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 293

pelo provimento do recurso, para a manutenção da sentença, com o entendi­mento de que, "Sendo um contrato internacional, com específica cláusula arbitral não me parece razoável seja aplicada a distinção feita pelo acórdão recorrido entre cláusula arbitral e compromisso de juízo arbitral".

Por sua vez, a Ministra Nancy Andrighi acompanha o relator, pelo improvimento, consignando conterem os instrumentos "cláusulas de foro de eleição conflitantes, insertas em contratos de espécies diversas (licencia­mento e distribuição)", e que, nessa ordem, "cumpre à solução da contro­vérsia examinar em que contrato está fulcrado o pedido mediato", concluin­do não vislumbrar "razão legal para prevalecer o foro de eleição do primei­ro contrato (licenciamento) se o litígio abrange todos os contratos manti­dos e cumpridos pelas partes (distribuição e comercialização)".

Pedi vista, para melhor apreciação quanto à extinção do processo em face à cláusula contratual de previsão de junta de arbitragem, firmada an­teriormente à vigência da Lei n. 9.307/1996.

Em síntese, é o relatório.

VOTO

Com a devida vênia do ilustre Ministro Carlos Alberto Menezes Di­reito, posiciono-me pelo improvimento do especial.

Pela análise dos autos, depreende-se que a Recorrida propôs ação de indenização por perdas e danos, amparada em contratos firmados, invocando prática de "atos abusivos realizados pela Campari contra a Stock, a partir do momento em que decidiu dispensar os serviços desta, em 1982, culmi­nando na rescisão abrupta do contrato de licença, em 1992" (fls. 32/33).

Por sentença foi acolhida uma das preliminares argüidas pela Ré, fun­damentando que, pela cláusula 19 do instrumento firmado em 1971, "even­tual disputa entre as partes seria resolvida por arbitragem", com aplicação das "leis do Estado da Itália", e que, assim, a "arbitragem deve ter prefe­rência sobre o encaminhamento das disputas ao Judiciário", aduzindo não poder "vir a Autora, citando outras fontes legislativas, clamar pela compe­tência da jurisdição nacional". Finalizou dizendo que, "com a entrada em vigor da Lei n. 9.307/1996, a arbitragem passou a ter status superior den­tro do nosso sistema", enfatizando: "É o caso de lembrar o teor do artigo 7Q da mencionada lei, que estabelece a respeito de eventual resistência de parte que firmou compromisso arbitral e se recusa a dar cumprimento a ele". Por fim, declarou extinto o processo, sem julgamento do mérito (fl. 384).

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294 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTlÇA

Em apelação de ambas as partes, foi rejeitada a invocação da Ré, no sentido de sua ilegitimidade passiva com relação ao período de 1971 a 1989, e improvido o seu apelo. Provido o recurso da Autora, sob o entendimento de que esta "não está obrigada a pleitear seu direito em juízos arbitrais ita­lianos, porque a cláusula que assumiu no contrato de 1971 é de obriga­ção de fazer (realizar um compromisso de submissão à arbitragem inter­nacional), cujo descumprimento sujeita, quando muito, a perdas e danos" (fl. 449).

Justifica-se no voto-condutor do acórdão que a nova norma "não di­ferencia mais cláusula arbitral de compromisso pelo juízo arbitral", e que a sua efetividade "é uma técnica para o futuro e não para disciplinar a si­tuação processual da Autora", enfatizando:

"A ação deu entrada no Fórum da Capital quando já em vigor a Lei n. 9.307/1996, mas essa circunstância não legaliza sua influên­cia para a definição da matéria relacionada com o interesse de agir da Autora.

Primeiro porque o contrato que estabeleceu a cláusula arbitral é de 1971 (fl. 53). Tanto para o Código de 1939, como para o de 1973, a distinção entre a cláusula arbitral e compromisso de juízo arbitral era de singular importância, porque a redação do contrato em regra de subsunção aos árbitros desacompanhada de compromisso específico, representava simples pactum de compromittendo incapaz de obs­tar à cognição dos juízes ordinários. ( ... ).

A Autora prometeu assumir compromisso de assinar um do­cumento pelo juízo arbitral com exclusividade. Não o fez e nunca deu mostras de aceitar essa fórmula alternativa de composição de lití­

gios. ( ... )

As partes firmaram uma 'cláusula arbitral' e não o compromisso e isso desestrutura a tese de soberania da vontade declarada. Vejamos a doutrina de Hamilton de Moraes e Barros (Comentários ao Có­digo de Processo Civil, ed. Forense, IX/383): 'A cláusula compro­missória cria apenas uma obrigação de fazer. Como essas obrigações não admitem a coercitiva exigência de cumprimento, dada a regra nemo potest precise cogi ad factum e não tem ela execução com­pulsória, daí se infere que não leva necessariamente à celebração do compromisso e a sua não-realização acarreta a responsabilidade civil daquele que a descumpra'. ( ... ).

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 295

A sentença considerou a cláusula como de renúncia da jurisdição

estatal. Errou porque faltou o compromisso solene, instrumento indis­pensável para a realização da arbitragem no Brasil. ( ... ).

Remeter os interessados ao juízo arbitral para resolver pedido

indenizatório pós-resolução do contrato, é, acima de tudo, negar vigên­

cia ao princípio constitucional da inafastabilidade do controle juris­

dicional (art. 5Q, XXXV, da Constituição Federal)." (fis. 450/453).

Entendo merecer manutenção o fundamento exposto, haja vista que, como também ressaltado, na questão em julgamento o contrato foi extinto por falta de renovação, remanescendo a irresignação da Autora com o fim,

segundo alega, imprevisto e ensejador de indenização. Destarte, de fato, a questão decorrente é de direito puro, não estando em pauta avaliação de

infração contratual, e sim a análise sobre comportamento ilícito, como tema

de responsabilidade civil e que demanda interpretação de elemento subje­tivo (culpa ou dolo), matéria própria de jurisdição oficial.

De outra parte, vale ressaltar, acentuou-se ainda, em declaração de

voto-vencedor:

"Ora, a cláusula compromissória constante no pacto de 1974 não

foi ratificada, expressamente, pelas avenças posteriores dos digla­diantes. Além disso, a Ré é pessoa jurídica nacional e, embora perten­

cente à subscritora do contrato de 10.04.1974, não o subscreveu.

O contrato de distribuição firmado entre a Stock do Brasil e a

Campari do Brasil continha cláusula expressa, a respeito do tema (14.1, fi. 92):

'Fica eleito o foro da Comarca da Capital do Estado de São

Paulo, para dirimir toda e qualquer pendência oriunda deste con­trato, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que

possa ser.'" (fi. 458).

É oportuno rememorar o que, no ponto, consignou a Ministra Nancy

Andrighi em seu voto:

"A questão federal suscitada cinge a verificar se é devida a

extinção da presente ação de conhecimento por força da cláusula arbi­tral inserida no contrato de licença celebrado, em 16.04.1971, entre

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296 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

a ora recorrida e a Davide Campari-Milano S.P.A, e redigida nos se­guintes termos:

'Para qualquer disputa que possa surgir entre as partes, re­correr-se-á a uma junta de arbitragem de três membros, os quais decidirão ex bono e aequo ( ... ) A sede da arbitragem será em Milão.'

Cumpre destacar que as partes também celebraram um contrato de distribuição que contém cláusula de eleição de foro assim redigida:

'Fica eleito o foro da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, para dirimir toda e qualquer pendência oriunda deste Con­trato, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que possa ser.'

Diante de tais cláusulas de foro de eleição conflitantes, insertas em contratos de espécies diversas (licenciamento e distribuição), cum­pre à solução da controvérsia examinar em que contrato está fulcrado o pedido mediato.

Observa-se que a lide não está calcada no inadimplemento nem na existência, validade ou eficácia do aludido contrato de licença e tampouco do contrato de distribuição.

Em verdade, a pretensão é indenizatória (art. 159 do CC), que se revela pelo relato da Autora de várias frustrações por ela sofridas desde o contrato de licenciamento - apontado como marco inicial dos seus prejuízos, e da sua inconformidade, aludida a ambos os contratos, com a sua transformação em simples distribuidora do produto; ( ... )

Em suma, essa ação objetiva o ressarcimento de danos causados por uma relação comercial mantida por um significativo lapso tempo­ral, e que, ao longo deste, deteriorou-se por diversas razões decorren­tes muito mais da forma de contratar - que em alguns momentos é ta­xada de 'abusiva' - do que de questionamento específico dos contra­

tos, que, como dito, foram mantidos e cumpridos.

Assim, não vislumbro razão legal para prevalecer o foro de elei­ção do primeiro contrato (licenciamento) se o litígio abrange todos os contratos mantidos e cumpridos pelas partes (distribuição e comer­cialização). O relevante, no caso, salvo melhor juízo, é observar onde

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 297

ocorreram as alegadas conseqüências contratuais, salientando que há foros distintos eleitos pelos contratos de licenciamento, e contrato de distribuição e de comercialização. No entrechoque das duas cláusulas e não estando a se discutir especificamente um dos contratos, repito não há porque prevalecer o foro de um deles."

Por conseguinte, também por esse fundamento merece prevalecer a conclusão do acórdão, porquanto não há como se exigir busquem as partes o juízo arbitral, em razão de estipulação no início da relação negociaI, se, posteriormente, fixou-se, sem ressalva, foro no Brasil.

Por tais razões, repito, com a devida vênia do ilustre prolator do voto divergente, acompanho o relator, pelo improvimento do recurso especial.

RECURSO ESPECIAL N. 253.068 - SP (Registro n. 2000.0028576-5)

Relator: Ministro Ari Pargendler

Recorrente: Ford do Brasil Ltda

Advogado: Aldir Passarinho

Recorrida: Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda

Advogado: Isaac Motel Zveiter

EMENTA: Civil - Lucros cessantes - Empresa que não chegou a iniciar suas atividades.

Não há como aferir a potencialidade de lucro de uma empresa sem que tenha um período anterior de atividade a servir como parâmetro, posto que a experiência revela que, mesmo explorando o mesmo ramo de negócio, algumas empresas têm lucro e outras não; aí conta, entre outros fatores, o dinamismo do empresário e a organização da empresa, que precisam ser postos à prova.

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros, por unanimidade, conhecer do recurso

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298 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

especial e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificada­mente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Sustentaram oralmente o Dr. Aldir Passarinho, pelo recorrente, e o Dr. Luís Jorge Fontoura, pelo recorrido.

Brasília-DF, 17 de dezembro de 2002 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Relator.

Publicado no DI de 04.08.2003.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: Bem-sucedida em ação de imissão de posse travada entre as mesmas partes, Frota Guanabara de Transportes Li­geiros Ltda ajuizou ação ordinária contra Ford do Brasil Ltda, para vê-la condenada a reparar os prejuízos resultantes do inadimplemento de contrato de compra e venda (fls. 2 e 2a, p. vol.) - seguida de reconvenção (fls. 47/ 50, p·vol.).

Anulada a sentença que declarara a prescrição da ação e que julgara procedente a reconvenção, o MM. Juiz de Direito julgou a ação improce­dente e procedente a reconvenção (fls. 392/395, 2.Q. vol.).

O Tribunal a quo, relator o eminente Juiz Ariovaldo Santini Teodoro, deu provimento a apelação nos termos do acórdão assim ementado:

"Responsabilidade civil. Compra e venda mercantil. Inadimple­mento contratual. Indenização. Lucros cessantes. O comprador não é obrigado a receber coisa diferente da adquirida. Mas, se materialmente impossível tornou-se a entrega, cabe-lhe haver do vendedor, além do valor do bem, também indenização pelos prejuízos sofridos. Lucros cessantes não comportam presunção absoluta e admitem ilações ou presunções, pois que tratamos de fatos não sensíveis, mas prováveis. Ação procedente, com apuração dos lucros cessantes em liquidação de sentença. Apelo parcialmente provido para esse fim, mantida a proce­dência da reconvenção e a condenação da Apelante no pagamento do único bem que recebeu, dentre todos os que adquirira e não lhe foram entregues." (fl. 480, 3.Q. vol.).

Daí o presente recurso especial, interposto pela Ford do Brasil Ltda, com base no artigo 105, inciso UI, letras a e c, da Constituição Federal,

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 299

por violação aos artigos 467, 468, 470, 471, 473 e 474 do Código de Pro­

cesso Civil, bem assim dos artigos 1.056, 1.059 e 1.092 do Código Civil (fis. 500/519).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): Os autos dão conta de que, em 30 de março de 1967, Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda adquiriu de Willys Overland do Brasil S/A - Indústria e Comércio cinqüenta veículos, modelo Aero-Wi1lys, com cláusula de reserva de domínio.

Salvo um, que teria sido indevidamente apropriado pelo representan­te legal de Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda (item 7, fi. 48, p. vol.), os demais veículos não foram entregues, ao fundamento de que o negócio estava sujeito à condição não implementada pela adquirente: a

apresentação de seguro de quebra de crédito.

A 8 de agosto de 1967, por meio de notificação judicial, Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda constituiu em mora Willys Overland do Brasil S/A - Indústria e Comércio (fi. 260v., 2Jl. voI.) e, sub­seqüentemente, ajuizou-lhe ação de imissão de posse, julgada procedente por

sentença da lavra do então MM. Juiz de Direito Dr. J. A. Penalva Santos, que assim historiou os fatos:

"A Autora remeteu a Ré a carta de fi. 12, propondo o negócio de compra dos carros referidos na inicial; em resposta, a Ré enviou-lhe a carta de fi. 13 (respectivamente de 15.03.1967 e 17.03.1967).

Em 23, 27, 28 e 30 de março do mesmo ano, as partes assinaram

os contratos de compra com reserva de domínio desses carros, os quais foram remetidos para o Rio e conduzidos por motoristas da Autora, e para lá foram expedidas licenças especiais pela Diretoria de Serviço de Trânsito da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (fi. 173).

Os veículos chegaram ao Rio, para se submeterem a uma revisão final. Entretanto, após a sua realização, a Ré recusou-se a entregá-los,

exceto um deles.

A Autora notificou a Ré para fazer a entrega dos carros restan­tes, sob as penas mencionadas na notificação (fis. 7/9).

A Ré invoca como argumento para a recusa da entrega dos veí­culos o fato de os contratos de fis. 29 e segs. estarem condicionados ao seguro de quebra de garantia, nos termos da carta de fi. 12, o qual

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300 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

não se consumou por entenderem a seguradora e o Instituto de Res­seguros do Brasil não ter a Autora capacidade econômica e os seus re­presentantes, especialmente o seu Presidente, idoneidade financeira para arcar com um seguro de tal monta.

Isso foi deixado claro nas petições da Ré e nas perguntas que seu honrado patrono fez às testemunhas que depuseram em audiência.

A Autora, ao revés, vai em busca da tese contrária, no sentido de demonstrar que a carta perdeu qualquer sentido, pois dela, as partes houveram por bem celebrar uma venda clausulada com reserva de do­mínio incondicionada, vale dizer, sem a condição aludida nas duas missivas de fls. 12 e 13.

Essas são, em linhas gerais, as idéias sobre os fatos alinhados nos autos, e as posições tomadas pelas partes" (fl. 8, 1ll. vol.).

A final, a demanda foi julgada procedente, em parte, destacando-se na sentença os seguintes trechos:

"O problema que se levanta é esse: pode considerar-se como obri­gatórios os contratos de venda com reserva de domínio a menção ao seguro de crédito constante da carta de fl. 12?

Parece que não!

Simplesmente por se tratar de tratativa escrita, quando muito pontuação preparatória, não reproduzida nos contratos que capeiam a inicial.

Se uma das partes pode arrepender-se da proposta, a fortiori, se ambas ao celebrarem numerosos contratos escritos, omitem no seu con­texto a exigência que a Ré pretende seja traduzida em condicio sine qua non da realização da venda com reserva de domínio - o seguro.

As cartas de fls. 12/13 não são um pré-contrato, por isso não se incorporam ao cerne do negócio jurídico em causa; nem que o fossem, pois é de todos sabido que a matéria da escritura definitiva não se com­pleta com a da promessa de compra e venda, por isso aquilo que foi expungido naquela, posto que conste nesta, é como se fosse inexis­tente." (fls. 7/8, lll. vol.)

As perdas e danos não foram, todavia, objeto de exame, porque alheias ao âmbito da ação de imissão de posse:

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 301

"Apenas não se podem conceder as perdas e danos nesta ação, por se tratar de feito de cognição incompleta, pois se restringe ao exame da formalidade do título, ao contrário do que ocorre com a ação de reintegração de posse, em cujo bojo o legislador inseriu expressamente

aquela condenação, no art. 374, CPC, posto que o não tivesse feito com a de imissão de posse." (fl. 5, p. voI.).

Os autos não contêm cópias do acórdão proferido no julgamento da apelação, deles constando tão-somente a cópia do acórdão proferido em 22 de setembro de 1981, nos embargos de declaração, nestes esclarecido que:

" ... a Exeqüente deverá pagar o preço previsto nos contratos ori­ginários, com a devida correção monetária e receber 49 carros Corcel, modelo Standard. É claro que se preferir poderá, em vez de receber os automóveis pelo preço corrigido, receber em dinheiro a diferença a mais entre esse preço corrigido e o valor dos mencionados carros no­vos." (fl. 85, p. voI.)

Tendo optado pela alternativa, isto é, a de receber em dinheiro a alu­dida diferença, Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda propôs contra

Ford do Brasil Ltda, sucessora de Wil1ys Overland do Brasil S/A - Indús­tria e Comércio, "ação de indenização", pedindo basicamente lucros cessan­tes (fls. 2/3, p~ voI.).

Ford do Brasil Ltda, paralelamente à contestação, opôs reconvenção para haver o preço do único veículo entregue (fls. 47/50, 1Q vol.).

Anulada a sentença que reconhecera a prescrição da ação e julgara pro­

cedente a reconvenção, o MM. Juiz de Direito prolatou despacho saneador, assim delimitando o âmbito da lide:

"Resta, portanto, afastada a prescrição vintenária, examinar o

mérito da ação e da reconvenção. Para que não se alegue cerceamen­to de defesa, permite-se dilação probatória.

Controvérsia: de quem a culpa na não-finalização do contrato de venda e compra dos veículos?" (fl. 358, 2Q vol.).

A sentença, a final, julgou a ação improcedente, e procedente a recon­venção (fls. 392/395, 2Q vol.), imputando a culpa à Frota Guanabara de Transportes Ligeiros Ltda, nestes termos:

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302 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

" ... a Ré foi obrigada a entregar os veículos desde que a Autora depositasse os respectivos valores antes da pretendida imissão de posse. Regra do art. 1.092 do Código Civil, segundo a qual um dos contra­tantes, antes de cumprir sua obrigação, não pode exigir o implemento da do outro, a exceptio non adimpleti contractus.

Cumprindo os já citados dispositivos, a Ré depositou em Juízo, a favor da Autora, a quantia de Cz$ 3.212.594,02, como se vê da guia de depósito judicial reproduzida à fi. 84.

Não há falar em indenização por perdas e danos devida pela Ré­-autora, que resolveu buscar a via judicial para esse desiderato pratica­mente vinte anos depois do negócio inconcluso por culpa dela própria.

Perdas e danos não se presumem. Decorrem, necessariamente, de ato ilícito praticado por alguém em prejuízo de outrem. A reparação de dano pressupõe ato culposo ou doloso que viole direito ou cause prejuízo. É a dicção do art. 159 do Código Civil.

Esse o entendimento que se formula e conduz ao ponto a ser di­rimido. A Ré, que decidiu não entregar os veículos por falta de garantia dos pagamentos a que se obrigara a Autora, ela (Ré) não há que ser obrigada no plano da responsabilidade civil, que sua conduta não traz em si a pecha do dolo ou da culpa." (fi. 394, 2Q. vol.).

o Tribunal a quo abandonou o viés adotado na sentença, ao fundamento de que a discussão não poderia retroceder, reativando questões já decididas:

"O pedido inicial é de indenização por lucros cessantes e, bem provado nos autos que, concluído o contrato de compra e venda mer­cantil, recusou a vendedora, ora apelada, cumpri-lo (tanto que conde­nada a fazê-lo mediante sentença em ação de imissão de posse em que

desconsiderada a alegação de justo motivo à desoneração da obrigação da

entrega da coisa vendida), é agora descabido nos autos o retrocesso da discussão sobre temas já definitivamente julgados." (fi. 481, 3Q. vol., o grifo não é do texto original).

O presente recurso especial, interposto pela Ford do Brasil Ltda, ataca o julgado tanto pela letra a quanto pela letra c (fis. 500/519).

Pela letra a, as respectivas razões sustentam, fundamentalmente, que Ford do Brasil Ltda não cumpriu sua obrigação porque Frota Guanabara de Veículos Ligeiros Ltda deixou de adimplir a dela (CC, arts. 1.056 e

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 303

1.092), bem assim que os lucros cessantes não podem ir além do que o cre­dor "efetivamente perdeu, ou que razoavelmente deixou de lucrar"; pela le­

tra c, enfatizam que os lucros cessantes não podem ser presumidos.

A invocação dos artigos 1.056 e 1.092 do Código Civil está fora de

contexto. A controvérsia a respeito de quem inadimpliu o contrato firma­

do entre as partes foi decidida na ação de imissão de posse. A explicitação, embutida no acórdão que então julgou os embargos de declaração, de que o preço dos veículos deveria ser pago, nada mais fez do que reiterar os ter­mos do ajuste. Nem teria sentido que a adquirente fosse imitida na respec­tiva posse sem que pagasse o preço convencionado, agora com correção mo­

netária. Obrigação, todavia, que estava subordinada à opção de, "em vez de receber os automóveis pelo preço corrigido, receber em dinheiro a diferença a mais entre esse preço corrigido e o valor dos mencionados carros novos" (fi. 85, lll.vol.).

Deixando de receber os veículos, Frota Guanabara de Transportes Li­

geiros Ltda estava, evidentemente, desobrigada de pagar-lhes o preço, sem nenhuma margem para a aplicação dos artigos 1.056 e 1.092 do Código

Civil.

Corolário disso é o de que o Tribunal a quo também não afrontou os

artigos 468, 470, 471, 473 e 474 do Código de Processo Civil. Na ação de

imissão de posse, Ford do Brasil Ltda foi condenada a entregar os veículos, mediante o pagamento do preço, ou a receber a diferença entre esse preço, corrigido, "e o valor dos mencionados carros novos" (fi. 85, 111. voI.).

A escolha, posta à discrição do credor, de uma das alternativas fixa­das no acórdão resultou do reconhecimento de que o devedor inadimplira

o contrato. Ao invés de contrariar a coisa julgada, o acórdão recorrido ex­traiu-lhe as conseqüências próprias, de resto já anunciadas na sentença

prolatada na ação de imissão de posse, in verbis:

"Apenas não se podem conceder as perdas e danos nesta ação, por se tratar de feito de cognição incompleta, pois se restringe ao exame da formalidade do título, ao contrário do que ocorre com a ação de

reintegração de posse, em cujo bojo o legislador inseriu expressamente

aquela condenação, no art. 374, CPC, posto que o não tivesse feito com a de imissão de posse." (fi. 5, 111. voI.).

O recurso especial deve ser provido por outro fundamento, o de que, na espécie, os lucros cessantes não podiam ser presumidos. Ninguém pode

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304 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

prever se um empreendimento no âmbito da indústria, comércio ou servi­ços será lucrativo. Até mesmo a atividade bancária que, em alguns estabe­lecimentos, gera lucros fantásticos, em outros, leva ao prejuízo e à quebra. O lucro pode, sim, ser visualizado sempre que autorizado por fatos ante­cedentes, nunca por suposições. Aqui, no entanto, o acórdão reconheceu os lucros cessantes, pela só consideração de que "os veículos serviriam clara­mente ao cumprimento de finalidades empresariais, por certo frustradas" (fi.

482). " ... parece razoável concluir" - continua - "que a apelante lucraria com a aquisição dos veículos, já que destinada ao cumprimento das próprias finalidades societárias. A falta de prova recomendava, ousa-se obtemperar, considerar, com efeito, verificados os lucros cessantes, restando apenas apu­rar o quantum em execução, limitado o período da apuração entre as da­tas da retenção dos veículos e a do levantamento da diferença do preço pela Apelante" (fi. 483). Como aferir a capacidade de lucro de uma empresa sem que esteja em funcionamento, se a experiência revela, como já acentuado, que, mesmo explorando o mesmo ramo de negócio, algumas empresas têm lucro e outras não? Aí conta, no mínimo, o dinamismo do empresário e a organização da empresa, elementos que, dentre outros, não podem ser exa­minados, simplesmente porque deixaram de ser postos à prova.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial, por infra­ção ao artigo 1.059 do Código Civil, e de lhe dar provimento para julgar improcedente a ação, condenando Frota Guanabara de Transportes Ligei­ros Ltda a pagar as custas e os honorários de advogado na base de 10% so­bre o valor da causa.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Sr. Presidente, não tenho a menor dúvida em acompanhar o eminente Ministro Relator que trouxe um belíssimo voto para esta Corte.

Em reiteradas oportunidades, manifestei o meu entendimento de que não é possível presumir lucro cessante; é absolutamente impossível, do ponto de vista jurídico, conferir indenizações por lucros cessantes com base em mera presunção. E o eminente Ministro-Relator teve a cautela de, no seu voto, pôr um argumento que, a meu juízo, é absolutamente incontroverso: não é possível, em se tratando de uma empresa, presumir que esta vá ter lucros, porque, em um mesmo ramo de atividade, uma empresa pode ter lucros e outra prejuízos. Daí a absoluta impossibilidade de se deferir inde­nização com base em mera presunção. A indenização só pode ser deferida

RST}, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 305

se houver comprovação evidente de que houve prejuízo e, com base no lu­cro cessante, como anotou o eminente Ministro-Relator, se existem, efeti­vamente, condições próprias para tanto. Se essas condições não existem, não posso, apenas por dedução, impor a indenização por lucros cessantes.

Por essas razões, Sr. Presidente, cumprimentando o eminente Minis­tro-Relator, que nos trouxe um voto substancioso, e os eminentes Advoga­dos, conheço do recurso especial e lhe dou provimento para julgar impro­cedente a ação.

ESCLARECIMENTOS

o Sr. Ministro Castro Filho: Sr. Presidente, num primeiro momento, pareceu-me que seria caso realmente de se converter em diligência, ou en­tão simplesmente cassar a decisão para produção da prova pericial.

Havia, sem dúvida, uma expectativa de lucro que se frustrou. De qual­quer sorte o ilustre Ministro-Relator, no seu brilhante voto, como disse o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, esclareceu bem: parece que houve uma menção ou um requerimento nesse sentido que depois não foi levado avante, de realização de prova pericial. De forma que, para se pre­sumir, ainda mais em condições que tais, quando a empresa sequer chegou a entrar em funcionamento, não haveria como juridicamente fazer uma fi­xação.

Preocupa-me, Sr. Presidente e Ministro-Relator, a questão dos hono­rários em 10% (dez por cento), quando estamos julgando improcedente ago­ra o pedido. Falou-se da tribuna na enormidade de mais de duzentos mi­lhões de honorários advocatícios.

VOTO

o Sr. Ministro Castro Filho: Com essas explicações, estou plenamente de acordo com o voto e acompanho o Sr. Ministro-Relator, conhecendo do recurso especial e lhe dando provimento para julgar improcedente a ação.

VOTO

o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (Presidente): Srs. Ministros, não obstante a brilhante sustentação do ilustre Advogado da Recorrida, es­tou de acordo com o voto brilhante do Sr. Ministro-Relator que elucidou, com muita clareza, a impossibilidade de conceder lucro cessante por mera

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306 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

presunção. Tanto mais, no caso concreto, em que, tendo a parte a oportu­nidade de produzir prova a respeito da existência desses lucros cessantes, omitiu-se em apresentá-las.

Conheço do recurso especial e lhe dou provimento para julgar impro­cedente a ação.

Relator:

RECURSO ESPECIAL N. 286.176 - SP (Registro n. 2000.0114538-0)

Recorrente:

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

Banco Bradesco SI A

Advogados: Matilde Duarte Gonçalves, Ézio Pedro Fulan e Cristiane Aparecida Souza Maffus Mina e outros

Recorridos: José Augusto de Oliveira e outro

Advogados: Ademar Gomes e outros

EMENTA: Ação de indenização - Caixa 24 horas - Ilegitimida­de de parte.

1. O banco é parte legítima para responder pelo pedido de in­denização decorrente de ato ilícito praticado em uma de suas de­pendências. Se é procedente, ou não, o pedido, vai depender de exa­me das circunstâncias concretas dos autos. A questão do alcance da

responsabilidade do banco pela segurança de seus clientes na uni­dade denominada Caixa 24 Horas não se resolve, portanto, na preli­minar de ilegitimidade passiva, mas, sim, no mérito.

2. Não viola o art. 535 do Código de Processo Civil o acórdão

que decide a questão por inteiro, sendo desnecessário que o Tribu­nal desafie todos os dispositivos legais e constitucionais desejados pelo recorrente.

3. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima in­dicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 307

de Justiça, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, por unanimi­dade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro-Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (art. 162, § 2.Q., RISTJ).

Brasília-DF, 18 de outubro de 2001 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente.

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.

Publicado no DI de 06.05.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Banco Bradesco S/A interpõe recurso especial, com fundamento na alínea a do permissivo cons­titucional, contra acórdão da Sétima Câmara do 1.Q. Tribunal de Alçada Ci­vil do Estado de São Paulo, assim ementado:

"Responsabilidade civil. Indenização. Banco. Caixa eletrônico externo. Cliente assassinado no interior do caixa eletrônico, quando efetuava saque de numerário. Responsabilidade do banco pelo risco do serviço disponibilizado ao cliente. Teoria do risco profissional. Caso em que a responsabilização se apura pelo fato do produto. Doutrina. Sentença terminativa afastada, para o exame do mérito da pretensão resistida. Apelo, a tanto, provido." (fl. 115).

Os embargos de declaração (fls. 122 a 127), foram rejeitados (fls. 128 a 132).

Sustenta o Recorrente, em preliminar, violação ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, pois o acórdão proferido nos embargos de declaração deixou de manifestar-se a respeito das matérias tratadas naque­le recurso, não sanando as omissões existentes.

Argúi ofensa aos artigos 3.Q. e 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, alegando carência da ação, na medida em que é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, sendo certo que a garantia da segurança pública é dever do Estado, não do particular, concluindo que "no contrato de depósito bancário realizado entre o Recorrente e o de cujus, não se obri­gou aquele a assegurar a incolumidade física de seus clientes e usuários, mas

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apenas a responder pelos valores a ele confiados para a guarda e movimenta­ção, nos termos do artigo 1.266 do Código Civil, sendo sua atividade mera­mente bancária" (fl. 149).

Interposto recurso extraordinário (fls. 134 a 143), não foi admitido (fls. 187/188), não constando nos autos recurso contra tal decisão.

Contra-arrazoado (fls. 166 a 174), o recurso especial (fls. 146 a 161), não foi admitido (fls. 184 a 186), tendo seguimento por força de agravo provido (fl. 210).

É O relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Os Recorridos ajui­zaram ação de indenização alegando que seu filho faleceu em decorrência de tiro quando estava no interior do caixa eletrônico 24 horas do Banco-réu. A sentença julgou extinto o processo ao fundamento de que a violência nas grandes cidades é fato previsível, mas, os bancos não têm possibilidade de manter a segurança nos caixas eletrônicos. O 1 >lo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, porém, reformou-a para determinar o prosseguimento do fei­to. Para o acórdão recorrido trata-se de responsabilidade sob a égide do Código de Defesa do Consumidor e da teoria do risco profissional. No acórdão dos declaratórios, o Tribunal de origem, reproduzindo lições de Carlos Alberto Bittar, afirma que os bancos devem exercer vigilância so­bre as unidades de seu complexo, considerando que os caixas eletrônicos são "uma larga manus dos serviços bancários disponibilizados ao cliente".

O especial começa por indicar que houve violação ao art. 535, lI, do Código de Processo Civil porque não enfrentou o acórdão recorrido o argu­mento de que o contrato entre o banco e o cliente não estabelece a preser­vação da incolumidade física, mas, apenas, pela guarda dos valores deposi­tados, e, também, que foi omitido o art. 144 da Constituição Federal no sentido de que a segurança pública é dever do Estado. Não creio que tenha havido a alegada violação. O acórdão recorrido entendeu, diferentemente da sentença, que o banco devia exercer vigilância sobre as unidades de seu complexo, e afirmou, também, que a essencialidade dos seus serviços "justi­fica-se entendê-los (prestados que são à coletividade de seus usuários) com sua responsabilidade assemelhada à do Estado, pela segurança que lhes deve preservar". O que se verifica é que o Tribunal de origem cuidou de ampa­rar o seu raciocínio com fundamentação própria, seja no que concerne ao

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 309

papel dos bancos para preservar as suas unidades seja no que concerne à

natureza dos serviços que presta. Tratou, portanto, do tema objeto do re­curso, não estando obrigado a mencionar este ou aquele dispositivo de lei ou da Constituição.

Em seguida, aponta como violados os artigos 3.Q. e 267 do Código de Processo Civil. Afirma o Recorrente que "não pode ser réu na ação, uma vez que não está obrigado, quer pela lei, quer pelo contrato, a prestar seguran­ça aos seus clientes, sendo sua atividade meramente bancária, pela qual se obriga, tão-somente a responder pelos valores que lhe são confiados para guarda e movimentação", sendo que é do Estado o dever de zelar pela segu­rança pública, pela vida e integridade física do cidadão, nos termos do art. 144 da Constituição Federal.

Na minha avaliação está correta a decisão do Tribunal de origem. A sentença confundiu a ilegitimidade de parte com a improcedência ou proce­dência da ação, no campo do direito material e não do Direito Processual. Se o local em que ocorreu a lesão pertence ao banco, não é possível afas­tar-se a legitimidade deste para responder pela indenização, sabido que a jurisprudência tem admitido largamente que o banco é obrigado a tomar cautelas para assegurar a incolumidade dos cidadãos, tendo a Lei n. 7.102/

1983 estabelecido as medidas de segurança que devem ser obedecidas, ainda mais tratando-se de fato previsível (REsp n. 89.784-R], relator o Sr. Mi­nistroWaldemar Zveiter, D] de 18.12.1998; REsp n. 149.838-SP, relator o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, D] de 15.06.1998). O banco é, portanto, parte legítima para responder pelo pedido de indenização decorrente de ato ilícito praticado em uma de suas dependências. Se é procedente, ou não, o pedido, vai depender de exame das circunstâncias concretas dos autos. A questão do alcance da responsabilidade do banco pela segurança de seus clientes na unidade denominada Caixa 24 Horas não se resolve na prelimi­nar de ilegitimidade passiva, mas, sim, no mérito. Os autores não estão atin­gidos pelos artigos 3.Q. e 267, VI, do Código de Processo Civil.

Eu não conheço do especial.

VOTO-VISTA

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial inter­posto pelo Banco Bradesco S/A com arrimo no art. 105, inciso UI, alínea a, da CF contra acórdão da Sétima Câmara do 1.Q. Tribunal de Alçada Ci­vil do Estado de São Paulo que, julgando ação de indenização proposta por

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pais de vitimado morto no interior do caixa eletrônico 24 Horas do Ban­co-réu, proferiu juízo substitutivo de sentença terminativa para determinar o processamento do feito, com a presença da entidade bancária no pólo passivo da lide, responsável pelo risco do serviço disponibilizado ao cliente.

O acórdão está assim ementado:

"Responsabilidade civil. Indenização. Banco. Caixa eletrônico ex­terno. Cliente assassinado no interior do caixa eletrônico, quando efe­tuava saque de numerário. Responsabilidade do banco pelo risco do serviço disponibilizado ao cliente. Teoria do risco profissional. Caso em que a responsabilização se apura pelo fato do produto. Doutrina. Sentença terminativa afastada, para o exame do mérito da pretensão re­sistida. Apelo, a tanto, provido."

Opostos embargos de declaração foram estes rejeitados.

O recurso especial tem como objeto a violação aos seguintes disposi­tivos legais:

"a) 535, lI, do CPC - pois o Tribunal nos embargos de declara­ção opostos não se pronunciou sobre o fato da responsabilidade pela segurança pública ser incumbência do Estado nem sobre a restrição do contrato bancário ser dirigido unicamente à salvaguarda dos valores depositados; nada esclareceu sobre a causa excludente de responsabi­lidade do fornecedor contida no art. 14, § 3Q., do CDC nem sobre o enquadramento do Embargante ao art. 3Q. da Lei n. 8.078/1990;

b) 3Q. e 267, inciso VI, do CPC - porque é a instituição financeira

parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação indenitária, tanto porque a garantia da segurança pública é dever do Estado, como por­que o contrato de depósito bancário realizado entre o Recorrente e o de cujus, não obriga a instituição financeira a assegurar a incolumidade física de seus clientes e usuários, mas apenas a responder pelos valo­res a ele confiados para a guarda e movimentação, nos termos do ar­tigo 1.266 do Código Civil, sendo sua atividade meramente bancária."

O eminente relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito sobre o tema assim se manifestou:

"Na minha avaliação está correta a decisão do Tribunal de ori­

gem. A sentença confundiu a ilegitimidade de parte com a procedência

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 311

ou improcedência da ação, no campo do direito material e não do Di­

reito Processual. Se o local em que ocorreu a lesão pertence ao ban­co, não é possível afastar-se a legitimidade deste para responder pela

indenização, sabido que a jurisprudência tem admitido largamente que

o banco é obrigado a tomar cautelas para assegurar a incolumidade dos

cidadãos, tendo a Lei n. 7.102/1983 estabelecido as medidas de segu­rança que devem ser obedecidas, ainda mais tratando-se de fato pre­

visível (REsp n. 89.784-RJ, relator o Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 18.12.1998; REsp n. 149.838-SP, relator o Ministro Eduardo Ri­

beiro, DJ de 15.06.1998). O banco é, portanto, parte ilegítima para

responder pelo pedido de indenização decorrente de ato ilícito prati­cado em uma de suas dependências. Se é procedente, ou não, o pedi­do, vai depender de exame das circunstâncias concretas dos autos. A questão do alcance da responsabilidade do banco pela segurança de

seus clientes na unidade denominada Caixa 24 Horas não se resolve

na preliminar de ilegitimidade passiva, mas sim, no mérito. O titular do direito, no caso, os autos, não estão atingidos pelos arts. 3Q e 267,

VI, do Código de Processo Civil."

Relatado o processo, decide-se.

I) Da violação ao art. 535, lI, do CPC

Quanto à apontada violação ao art. 535, II, do CPC depreende-se dos

autos que os pontos tidos por omissos nos embargos de declaração foram

objeto de análise pelo Tribunal a quo, o qual, explicitou entendimento di­

verso à tese suscitada na apelação dispondo que:

" ... em qualquer relacionamento contratual, o Banco deve pautar

a sua ação por um respeito irrestrito aos interesses dos clientes, agindo

conforme às ordens recebidas do comitente e em consonância com os

poderes em cada situação; deve exercer vigilância permanente sobre as

unidades de seu complexo, bem como sobre os bens e valores de seus

clientes, cuja segurança deve preservar".

Portanto, o que se deve entender é que, dada a essencialidade dos

serviços dos bancos, inclusive por seus caixas eletrônicos - uma larga manus dos serviços bancários disponibilizados ao cliente - justifica­

-se entendê-los (prestados que são à coletividade de seus usuários)

com sua responsabilidade assemelhada à do Estado, pela segurança que

lhes deve preservar.

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312 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

( ... )

Óbvio que, instalando o caixa eletrônico em ponto que entendeu do interesse do cliente com vistas aos serviços por ele disponibili­zados, o Banco é de ser tido como o responsável por esse modus

faciendi, não só em conta o local da localização do caixa, senão tam­bém o fato (uma decorrência de onde instalado) de que esses serviços se prestaram sem um mínimo de segurança."

Outrossim, não era obrigatória a análise da causa de exclusão da res­ponsabilidade da instituição financeira invocada pelo Recorrente, porquanto a matéria haverá de ser examinada juntamente com o mérito do pedido em 111. grau de jurisdição.

Tendo os temas suscitados pelo Recorrente em embargos de declara­ção sido objeto de satisfatório exame pelo Tribunal a quo não há qualquer violação ao art. 535, II, do CPC.

lI) Da legitimidade da instituição bancária para figurar no pólo passi­vo da ação indenitária

O dano apontado como causa de pedir da ação - morte do filho dos autores no interior do recinto do Caixa Eletrônico 24 Horas do Banco Bradesco - está conseqüencialmente ligado ao fato de o de cujus procu­rar os serviços disponibilizados pelo Banco para maior comodidade do cli­ente e maior lucratividade da entidade.

Sendo o caixa eletrônico uma extensão complementar dos serviços bancários é iniludível que há pertinência subjetiva da lide na pessoa da ins­tituição bancária, não excludente nem eximente da responsabilidade do Es­tado, conforme seja a apuração do caso em concreto.

Há que se lembrar que o serviço é considerado defeituoso se não apre­senta segurança desejável, considerando-se, nesta avaliação, entre outras cir­cunstâncias, o "modo de seu fornecimento", "o resultado e os riscos que ra­zoavelmente dele se esperam" e "a época em que foi fornecido" (artigo 14, § lll., do CDC).

A prestação de serviços deve sempre recorrer à melhor técnica dispo­nível para a segurança. Neste aspecto, nos termos da Lei n. 7.102/1983, é importante a observação do local do delito e a constatação das condições em que se encontrava predisposta a cabine do caixa eletrônico, a fechadu­ra de entrada, a vigilância ostensiva, os alarmes, enfim, os artefatos para

retardarem a ação dos criminosos, etc.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 313

Neste sentido, observe-se o abalizado escólio trazido à lume por Arruda Alvim, Teresa Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins, in Código do Consumidor Comentado, pp. 77/78:

"Parra Lucan expressa entendimento no sentido de que a prote­ção à saúde e segurança dos consumidores representa inequívoca mani­festação do próprio direito à vida, internacionalmente reconhecido pe­los textos constitucionais modernos. A inclusão da proteção da saúde e segurança dos consumidores neste contexto levaria ao dever do Estado em estabelecer adequada regulamentação da responsabilidade civil dos fabricantes pelos danos causados por seus produtos aos consumidores.

Pode-se, ainda, considerar que os riscos à saúde ou segurança dos consumidores, de que trata o caput do art. 8Q

, têm também conteúdo patrimonial abrangendo o patrimônio dos consumidores além de sua integridade física e psíquica. Para Parra Lucan, conforme já visto nos comentários ao art. 6Q

: 'En este sentido, el concepto de seguridade sería

más amplio que el de salud o el de seguridade física, y equivaldría a una

garantia global de adequación de los productos a las legítimas expectati­

vas de los consumidores'.

Não é lícito ao fornecedor introduzir no mercado de consumo qualquer produto ou serviço que possa apresentar indevido grau de periculosidade, ou seja, somente se tolera que produtos ou serviços apresentem risco potencial à saúde e à segurança do consumidor na medida que estes decorram de sua normal fruição e estejam dentro do que seja previsível, de acordo com as condições próprias de uso e fi­nalidade do produto ou serviço.

Para os produtos ou serviços cujo alto risco seja inerente à sua natureza ou fruição, está o fornecedor obrigado a informar adequada­mente acerca destas circunstâncias (ver arts. 9Q e 31), configurando-se crime a omissão de informações desta natureza.

O caput deste artigo está concretamente relacionado à discipli­na da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço (arts. 12 e seguintes), que trata exatamente dos danos causados aos consumido­res em virtude de defeito do produto ou serviço, isto é, os 'acidentes de consumo'. Qualquer dano à saúde ou à segurança dos consumido­res, que escape ao âmbito de normalidade da natureza ou fruição do produto, configurará, em regra, o fato do produto, ensejando sua de­vida e completa reparação."

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314 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Entretanto, são excludentes da culpa do fornecedor de serviços da res­ponsabilidade de indenizar os danos sofridos pelo consumidor, a ausência de defeito ou de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Assim, conquanto a responsabilidade sem culpa da instituição finan­ceira deva ser analisada à luz do CDC, segundo a exata extensão do con­ceito de fato do serviço, dos critérios da previsibilidade, da assunção dos riscos e da melhor distribuição do seu efeito a quem melhor tenha condi­ções de suportá-lo, abrindo-se espaço para a produção e prova liberatória de acordo com as eximentes de responsabilidade, todos estes temas dizem respeito ao mérito do pedido e não se confundem com as condições da ação.

O Banco é, portanto, parte legítima para responder pelo pedido de in­denização decorrente de ato ilícito praticado no interior do caixa eletrônico.

Forte nestas razões, acompanho o voto do eminente relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito e não conheço do recurso especial.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 330.681 - MG (Registro n. 2001.0079159-5)

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorrido:

Advogados:

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

Companhia Vale do Rio Doce

Tiago Pimentel Souza e outros

Nélson Ferreira Campos

Luiz Carlos de Oliveira e outro

EMENTA: Indenização - Atropelamento em linha férrea - Culpa da companhia ferroviária - Não-existência de omissão no que concerne às preliminares argüidas na contestação - Artigos 515, §§ 12

e 22 , e 516 não prequestionados. Configuração da culpa: Súmula n. 7 e precedentes da Corte - Obrigação de guarda dos pais: tema não prequestionado - Artigos 42 e 52 da Lei de Introdução ao Código Ci­vil não prequestionados - Inclusão do valor relativo aos danos mo­rais no cálculo dos honorários - Dissídio sem espaço: Súmula n. 83.

1. Quanto aos artigos 515, §§ 12 e 2!/., e 516, o Tribunal entendeu inexistente a omissão, com o que, para que pudesse a Corte examinar

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 315

o tema teria o especial de chegar amparado no art. 535 do Código

de Processo Civil. A questão da legitimidade foi afastada, embora implicitamente, pela sentença, tanto que reconheceu não-ser culpa­da a Ré.

2. O Tribunal local examinou a prova dos autos e concluiu pela culpa da companhia ferroviária, não discrepando de inúmeras deci­sões desta Corte, a saber: REsp n. 278.885-SP, relator o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 11.06.2001: "Prevalece, no Superior Tribunal de Justiça, a orientação jurisprudencial no sentido de que é civilmente responsável a concessionária do transporte ferroviário

pelo falecimento de pedestre vítima de atropelamento por trem em via férrea, porquanto incumbe à empresa que explora tal atividade cercar e fiscalizar, eficazmente, a linha, de modo a impedir a sua

invasão por terceiros, notadamente em locais urbanos e populosos";

no mesmo sentido: REsp n. 25.068-RJ, relator o Sr. Ministro Nilson Naves, DJ de 07.12.1992. Presente a Súmula n. 7 da Corte.

3. Quanto aos artigos 231, IV, e 384, lI, do Código Civil, o tema não foi efetivamente prequestionado, fincado o acórdão recorrido na culpa exclusiva da companhia ferroviária, que não cuidou de adotar

as providências devidas ao seu alcance para evitar acidentes.

4. Os artigos 4.2. e 5.2. da Lei de Introdução ao Código Civil não

foram prequestionados, não desafiando o acórdão recorrido a ques­tão do tempo decorrido entre o acidente e o pedido para minorar a

dor em decorrência do falecimento do filho menor. De resto, diga-se a bem da verdade que o argumento, no caso, é risível. A perda de um filho é uma dor permanente, que o tempo não apaga jamais.

5. "Reconhecida a culpa, em decorrência de responsabilidade contratual, a verba honorária corresponde a percentual sobre o va­

lor das prestações vencidas, acrescido do valor de doze vincendas, mais a importância referente ao dano moral." (REsp n. 146.398-RJ, relator o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 10.05.1999).

6. Já decidiu a Corte que "sendo a vítima menor, de família de baixa renda, deve ser admitida a indenização por dano material. A

realidade brasileira inclui nesses casos a contribuição dos filhos para

a manutenção do lar. E o Juiz não pode julgar se não tiver em conso­

nância com a realidade social do seu tempo" (REsp n. 172.335-SP, da minha relatoria, DJ de 18.10.1999).

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7. O dissídio não prospera porque o acórdão recorrido não dis­crepou da jurisprudência da Corte, sendo certo que o limite do pensionamento até a idade em que a vítima completaria 30 anos de idade é até menor do que a Corte tem admitido.

8. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça; por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro-Relator.

Brasília-DF, 2 de abril de 2002 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente.

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.

Publicado no DJ de 06.05.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Companhia Vale do Rio Doce interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão da Sétima Câmara Cível do Tri­bunal de Alçada de Minas Gerais, assim ementado:

"Indenização. Atropelamento de criança em via férrea. Passagem clandestina de pedestres, de largo uso pelos moradores vizinhos. Au­sência de sinalização, aviso ou cancela para proteger a passagem. Culpa da empresa ferroviária.

É obrigação da companhia ferroviária construir cercas, cancelas ou colocar guarda permanente para, se não evitar, pelo menos dimi­nuir o risco de acidentes. Se ela, negligentemente, se omite no cumpri­mento desse dever e uma criança é atropelada por composição férrea, quando utilizava-se de passagem clandestina de largo uso pelos mora­

dores vizinhos não devidamente protegida, fica caracterizada a culpa da empresa ferroviária, ensejando o dever de indenizar." (fi. 230).

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 317

Opostos embargos de declaração (fls. 236 a 258), foram rejeitados (fls. 260 a 263).

Sustenta a Recorrente ofensa aos artigos 20, § 5.0.; 515, §§ 1.0. e 2.0., e

516 do Código de Processo Civil; 159,231, inciso IV, e 384, inciso II, do Código Civil; 4.0. e 5.0. da Lei de Introdução ao Código Civil, pois não te­

riam sido apreciadas as questões prejudiciais levantadas e apreciáveis de ofício, relativas à legitimidade de parte e à citação do Município de Açucena, nos termos do artigo 47 do Código de Processo Civil.

Além disso, o falecimento de filho menor, vítima de acidente, que se­quer exercia atividade remunerada, não poderia gerar para os pais indeni­zação por danos materiais, a ser paga através de pensão mensal.

Argúi, igualmente, que, caso devida a pensão, "não poderia ter sido fixada até a data em que a vítima viesse a completar 30 (trinta) anos de ida­de, mas sim até a idade limite de 25 anos, quando, presumivelmente, a ví­tima não mais contribuiria para o sustento da família" (fl. 289).

Afirma que não restou caracterizada sua negligência quanto ao acidente que vitimou o filho do Recorrido e que ficou demonstrado ter cumprido as regras de segurança, construindo cercas em ambos os lados da via férrea, com arame farpado.

Alega que "a imprudência e negligência dos pais do menor no evento danoso é fato inescondível, uma vez que os mesmos jamais poderiam per­mitir que uma criança, de apenas 3 (três) anos de idade, ficasse perambu­lando, sem a companhia de um adulto, pela linha férrea, em local sabida­mente perigoso" (fl. 275).

Argumenta, ainda, que "o valor arbitrado a título de danos morais (150 SM) atenta contra os princípios gerais de direito que deveriam nortear hi­póteses semelhantes" (fls. 280/281).

Conclui que, em ações de indenização, o percentual dos honorários advocatícios deve incidir, apenas, sobre a soma das parcelas vencidas acres­cida de 12 das vincendas, sendo indevida a inclusão do montante relativo a danos morais.

Para caracterizar a divergência jurisprudencial, colaciona julgados, tam­bém, desta Corte.

Sem contra-razões (fl. 315), o recurso especial (fls. 266 a 294) foi admitido (fls. 316/317).

É o relatório.

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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318 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: O Recorrido ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais alegando que seu filho menor faleceu atropelado por locomotiva de propriedade da Ré. A senten­ça julgou improcedente o pedido porque considerou que a Ré não deu causa

ao acidente. O Tribunal de Alçada de Minas Gerais proveu a apelação por­que considerou ser obrigação da companhia ferroviária "construir cercas, cancelas ou colocar guarda permanente para, se não evitar, pelo menos dimi­nuir o risco de acidentes" e, ainda, porque se a companhia, "negligentemen­te, se omite no cumprimento desse dever fica caracterizada a culpa que enseja o dever de indenizar". O Tribunal local condenou a Ré a pagar ao Apelante "o equivalente a 2/3 do salário mínimo, por mês, a partir da data em que o menor completaria 14 anos de idade e que estaria autorizado a trabalhar até que completasse 30 anos de idade, visto ser esse o limite esta­belecido na petição inicial, incidindo-se a correção monetária a partir da data em que se tornaram devidas, mais juros de 0,5%a.m. a partir da cita­ção. Pagará, ainda, a Apelada, a título de dano moral, de uma só vez, o va­lor correspondente a 150 salários mínimos, mais custas, despesas processuais e honorários advocatícios de 15%, calculados sobre o total das prestações vencidas, mais 12 vincendas e mais o valor do dano moral". Os embargos de declaração foram rejeitados.

Primeiro, o especial enxerga violação aos artigos 515, §§ 111 e 211, e 516,

do Código de Processo Civil porque o acórdão dos declaratórios afastou as alegações de ilegitimidade ativa e passiva considerando que os temas não

foram examinados em grau de recurso, não integrando sequer a "contrarie­dade formulada pela Embargante às fls. 214/223. Daí a inexistência da apon­tada omissão". A tese esposada pela Recorrente é interessante, mas, a meu sentir, não há condições para enfrentá-la porque ausente o prequestio­namento. A sentença anunciou que as "prejudiciais suscitadas na resposta da requerida, envolvem o mérito e com este serão decididas". Mas, acabou por desafiar o mérito com o julgamento de improcedência, sem mencionar a legitimidade ativa ou passiva, expressamente, mas, implicitamente, afastan­

do, tanto que reconheceu que a Ré não tinha culpa; quanto ao litisconsórcio, igualmente, foi desconsiderado pela sentença porque admitiu ela que a Ré

"sempre agiu de forma a evitar acidentes. De fato, por tratar-se de local

habitado, a requerida, cumprindo as regras de segurança, construiu cercas de ambos os lados com arame farpado para impedir o acesso de pessoas e

animais", e, ainda, que "não se pode culpar a empresa requerida quando a

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 319

mesma age com observância aos princípios legais de segurança, estando, também comprovada a imprudência da vítima". O Tribunal, como visto, en­tendeu que não houve omissão porque a matéria não foi tratada nas contra­-razões de apelação. Trata-se, portanto, de omissão não reconhecida, com o que a via adequada para o desafio do tema era a do art. 535 do Código de Processo Civil, não a dos artigos 515, §§ 1Q e 2Q

, e 516, do Código de Pro­cesso Civil. Por outro lado, anote-se que, na minha compreensão, se houve o rechaço da tese da ilegitimidade ativa e passiva e do litisconsórcio, ain­da que julgado improcedente o pedido, a Empresa-ré teria interesse em re­correr, exatamente, para ver acolhida a tese que sufragou na sua contesta­ção. Se aceitou a decisão da sentença sobre a legitimidade ativa e passiva não haveria razão alguma para que o Tribunal dela cuidasse, não tendo a parte interessada em ver acolhida a pretensão assim formulada apresenta­do a devida impugnação. Por isso mesmo, afastou o acórdão recorrido a omissão. Para que esta Corte pudesse desafiar o tema teria de ter o Tribu­nal local entendido presente a omissão e cuidado dos artigos 515, §§ P e 2Q

, e 516, do Código de Processo Civil, o que não ocorreu. Finalmente, tra­tando-se de condições da ação, como reconhece o próprio especial, cabível seria até mesmo o exame de ofício, a teor do art. 267, § 3Q

, do Código de Processo Civil e a tanto não se abalou o acórdão recorrido porque, certa­mente, não entendeu faltar nenhuma condição da ação.

Segundo, a violação ao art. 159 do Código Civil, evidentemente, não há. O Tribunal local examinou a prova dos autos e concluiu pela culpa da companhia ferroviária, não discrepando de inúmeras decisões desta Corte, a saber: REsp n. 278.885-SP, relator o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 11.06.2001: "Prevalece, no Superior Tribunal de Justiça, a orienta­ção jurisprudencial no sentido de que é civilmente responsável a concessio­nária do transporte ferroviário pelo falecimento de pedestre vítima de atro­pelamento por trem em via férrea, porquanto incumbe à empresa que ex­plora tal atividade cercar e fiscalizar, eficazmente, a linha, de modo a im­pedir a sua invasão por terceiros, notadamente em locais urbanos e popu­losos"; no mesmo sentido: REsp n. 25.068-RJ, relator o Sr. Ministro Nilson Naves, DJ de 07.12.1992.

Terceiro, quanto aos artigos 231, IV, e 384, II, do Código Civil, o tema não foi efetivamente prequestionado, fincado o acórdão recorrido na culpa exclusiva da companhia ferroviária que não cuidou de adotar as providên­cias devidas ao seu alcance para evitar acidentes.

Quarto, quanto ao valor dos danos morais, com apontada ofensa aos artigos 4 Q e 5Q da Lei de Introdução ao Código Civil, tais dispositivos de

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320 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

lei federal não foram prequestionados, não desafiando o acórdão recorrido a questão do tempo decorrido entre o acidente e o pedido para minorar a dor em decorrência do falecimento do filho menor. De resto, diga-se a bem da verdade que o argumento, no caso, é risível. A perda de um filho é uma dor permanente, que o tempo não apaga jamais.

Quinto, quanto ao art. 20, § 511., do Código de Processo Civil, não pro­cede a impugnação. O que a Companhia-recorrente pretende é retirar do valor dos honorários a parte da condenação relativa aos danos morais. Ora, tal não é possível. Se houve a condenação a tal título, não pode deixar de ser incluída na condenação. Tem sido esta a orientação da Corte: REsp n. 254.922-RJ, relator o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 11.09.2000: "Na base de cálculo, porém, incluem-se os valores correspondentes aos da­nos emergentes (despesas funerárias) e aos danos morais"; no mesmo sen­tido: REsp n. 146.398-RJ, relator o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 10.05.1999: "Reconhecida a culpa, em decorrência de responsabilidade contratual, a verba honorária corresponde a percentual sobre o valor das prestações vencidas, acrescido do valor de doze vincendas, mais a importân­cia referente ao dano moral".

No que tange ao dissídio sobre o cabimento da indenização por dano material para vítima menor, a orientação agasalhada da Corte é no sentido de que em "lares de famílias de condição econômica precária, os filhos menores constituem fonte de renda, motivo pelo qual admite-se a indeni­zação de dano material" (REsp n. 113.989-SP, relator para acórdão o Sr. Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 02.04.2001; no mesmo sentido: REsp n. 278.885-SP, relator o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 11.06.2001: "Devido o ressarcimento a título de danos morais, pela dor sofrida com a perda do ente querido por seus pais, bem assim a indeniza­ção por danos materiais, no pressuposto de que, em se tratando de família humilde, a filha extinta iria colaborar com a manutenção do lar onde resi­dia com sua família"; REsp n. 172.335-SP, da minha relato ria, DJ de 18.10.1999: "Reconhecendo embora a oscilação da jurisprudência, sendo a vítima menor, de família de baixa renda, deve ser admitida a indenização por dano material. A realidade brasileira inclui nesses casos a contribuição dos filhos para a manutenção do lar. E o Juiz não pode julgar se não tiver em consonância com a realidade social do seu tempo". O acórdão recorri­do está, portanto, de acordo com a jurisprudência desta Corte, aplicando-se a Súmula n. 83.

Quanto ao dissídio sobre a culpa dos pais, não tem espaço porque o tema não foi desafiado no acórdão recorrido.

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JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 321

Quanto ao dissídio sobre a idade de 30 anos como termo final do pensionamento, a jurisprudência admite, até mesmo, a longevidade maior, embora com redução do percentual (REsp n. 278.885-SP, relator o Sr. Mi­nistro Aldir Passarinho Junior, DJ de 11.06.2001; REsp n. 220.234-SP, relator o Sr. Ministro Barros Monteiro, DJ de 03.04.2000). Diante da ju­risprudência da Corte, não enxergo a possibilidade de êxito do paradigma.

Finalmente, quanto ao dissídio sobre a obrigação da companhia de cercar as linhas, como já visto, está em sentido oposto ao que assentou esta Corte. Aplica-se aqui, ainda uma vez, a Súmula n. 83.

Com tais razões, eu não conheço do especial.

RECURSO ESPECIAL N. 341.451 - MA (Registro n. 2001.0099914-0)

Relator: Ministro Ari Pargendler

Recorrente: Varig S/A - Viação Aérea Riograndense

Advogados: Pedro Augusto de Freitas Gordilho e outros

Recorrido: Rosilan Mota Garrido

Advogados: Sidney Filho Nunes Rocha e outros

EMENTA: Processo Civil - Procuração - Poderes especiais.

A exigência de que os poderes especiais sejam expressamente referidos na procuração pode se justificar quando passada por pes­soa física, presumivelmente desatenta às conseqüências da remis­são a uma norma legal; tratando-se de empresa de grande porte, cujos administradores são sabidamente assessorados por advogados, é bastante a procuração que confere os poderes "excetuados no ar­tigo 38 do Código de Processo Civil".

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima in­dicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal

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322 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar provi­mento. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi

e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmen­te, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Presidiu o julgamento o Sr.

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Brasília-DF, 15 de maio de 2003 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Relator.

Publicado no DJ de 04.08.2003.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: Rosilan Mota Garrido propôs ação or­

dinária contra Varig S/A - Viação Aérea Riograndense (fls. 2/7).

O MM. Juiz de Direito Dr. Raimundo Nonato de Souza julgou o pe­dido procedente para condenar a Ré ao pagamento de uma indenização no

valor de "100 vezes do valor do título protestado" (fl. 84).

Sobreveio apelação interposta por Varig S/A - Viação Aérea Riogran­

dense (fls. 89/91), e recurso adesivo interposto por Rosilan Mota Garrido (fls. 98/105).

Mas a Varig S/A - Viação Aérea Riograndense atravessou petição nos autos requerendo a desistência do recurso de apelação (fl. 122), pedido que

veio a ser homologado pelo MM. Juiz de Direito Dr. Raimundo Nonato de Souza (fl. 123).

Seguiu-se nova apelação, desta feita interposta por Rosilan Mota Gar­rido (fls. 124/129), à qual a egrégia Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, Relator o eminente Desembargador Augusto

Galba Falcão Maranhão, deu provimento nos termos do acórdão assim ementado:

"Apelação principal e apelação adesiva: desistência da apelação

principal. Homologação desta. Nova apelação; provimento - os pode­

res especiais do art. 38 do CPC, para serem exercitados pelo advoga­do devem constar expressamente da procuração ad judicia. Ausência do poder de desistir. Pedido de desistência inválida. Apelação princi­

pal: condenação em valor ínfimo. Decisão acerca de dano moral que

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JURlSPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 323

acaba por se tornar inócua. Provimento às apelações da Autora-apelada (Rosilan Mota Garrido). Negativa de provimento à apelação principal (Varig S/A)." (fi. 151).

Opostos embargos de declaração (fis. 156/159), foram rejeitados (fis. 164/166).

Daí o presente recurso especial, interposto pela Varig S/A - Viação Aérea Riograndense, com base no artigo 105, inciso lU, letras a e c, da Constituição Federal, alegando a violação aos artigos 38 e 535 do Código de Processo Civil (fis. 169/183).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): A matéria controvertida nos autos diz com a necessidade de que constem expressamente do instrumen­to de mandato os poderes especiais de que trata o artigo 38 do Código de Processo Civil com esta peculiaridade, a de que a procuração foi outorga­da por uma empresa de grande porte.

O Tribunal a quo julgou a questão à base dos seguintes fundamentos:

" ... os poderes especiais de que trata o art. 38 do CPC, para se­rem exercitados pelo advogado, devem constar expressamente da pro­curação ad judicia. Vale dizer, deve haver enumeração taxativa e trans­crição integral das expressões lingüísticas que lhes indica a existên­cia, o significado e o alcance.

No caso dos autos, a procuração de fi. 117, donde resultou o substabelecimento de fi. 116 habilitando novo advogado nos autos, carece de inscrição taxativa da outorga do poder de desistir. Então, é inválido o pedido de desistência de fi. 122, formulado pelo causídico substabelecido." (fi. 152).

Na procuração de fi. 117, o que se verifica é que foram conferidos aos advogados da Varig S/A - Viação Aérea Riograndense "os poderes ad judicia et extra, inclusive os excetuados no art. 38 do CPC, salvo para re­ceber citação inicial" (fi. 117).

Ou seja, o Tribunal a quo entendeu que não bastava a referência, no instrumento do mandato, ao artigo 38 do Código de Processo Civil para que se considerasse válida a desistência do recurso de apelação.

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324 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Mas, salvo melhor juízo, o acórdão está a merecer reforma; ele pode­ria ser mantido se a procuração tivesse sido passada por pessoa física de­satenta às conseqüências da remissão ao artigo 38 do Código de Processo Civil.

Tratando-se de empresa de grande porte, não se justifica a desconside­ração dos poderes especiais que a mandante evidentemente quis outorgar aos seus mandatários somente pelo fato de não constarem literalmente da pro­curação. A referência expressa aos poderes "excetuados no artigo 38 do Código de Processo Civil" (fl. 117) já é suficiente.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de lhe dar provimento para, reformando o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, ne­gar provimento à apelação de fls. 124/129.

Relatora:

Recorrente:

Advogados:

Recorrido:

Advogados:

RECURSO ESPECIAL No 362.820 - SP (Registro n. 2001.0145126-4)

Ministra N ancy Andrighi

Banco Bradesco SI A

Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim e outros

Brasil Rio Promoções e Empreendimentos Ltda

José Marques de Aguiar e outro

Sustentação oral: Rodrigo Fleury (recorrente)

EMENTA: Processual Civil - Recurso especial - Ação de con­signação em pagamento - Omissão e julgamento extra petita -Inexistência - Segundos embargos de declaração - Omissão do jul­gado anterior - Enunciado n. 317 -S TF.

- Tendo sido devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o aresto recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em vio­lação aos arts. 458, inc. lI, e 535, inc. lI, do CPC.

- Como o pedido deve ser entendido conforme o conjunto consubstanciador da causa, a que se amolda o julgado, quando este

guardar correlação com a causa de pedir e o pedido, não é de se reconhecer a ocorrência de julgamento extra petita.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 325

- São inadmissíveis os elllbargos declaratórios, quando não pedi­da a declaração do julgado anterior, elll que se verificou a olllissão.

- Recurso especial a que não se conhece.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­

tos e das notas taquigráficas constantes dos autos, retificando a decisão pro­

ferida na sessão do dia 22.10.2002, por maioria, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Carlos

Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Relatora. Votou ven­

cido o Sr. Ministro Ari Pargendler.

Brasília-DF, 19 de novembro de 2002 (data do julgamento)

Ministra Nancy Andrighi, Relatora.

Publicado no DJ de 10.03.2003.

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial interposto pelo Banco Bradesco S/A com

fundamento no artigo 105, inciso lU, alínea a, da Constituição Federal.

A ora recorrida propôs ação de consignação em pagamento com o fito

de ver declarada a extinção de obrigação decorrente de empréstimo bancá­

rio. Houve consignação do valor tido por devido.

Fundou o seu pedido no fato de ter sido estipulado no contrato que o

valor mutuado seria pago em 24 parcelas, e que nelas incidiriam juros de

1,8% ao mês e correção monetária pela Taxa Referencial (TR). Ficou con­vencionado, ainda, um período de carência de 90 dias entre a celebração do

contrato e o pagamento da primeira parcela.

Entretanto, quando do vencimento da primeira prestação, descobriu o

ora recorrido que o valor devido era em muito superior ao pactuado, pois o Recorrente fez incidir os encargos pactuados sobre o valor principal du­

rante o período tido como de carência.

Requereu, dessa forma, que viesse o Recorrente a juízo a fim de rece­

ber o valor consignado, bem como as demais parcelas vincendas.

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326 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o pedido foi julgado improcedente pelo MM. Juiz a quo, ao funda­mento de que o autor, ora recorrido, não logrou provar o seu direito (pro­

va da suficiência do depósito).

Em sede de apelação, a r. decisão foi reformada, in totum, pelo egré­

gio Tribunal a quo, ao fundamento de que, nos termos do contrato pactua­

do, não incidem encargos (correção monetária e juros) durante o prazo de

carência. Eis a ementa:

"Ação de consignação em pagamento. Contrato bancário. Cláu­

sula de carência para pagamento de ll1. parcela de renegociação de dí­

vida. Descabimento de incidência de correção monetária e encargos no

período de carência. Prova pericial até mesmo desnecessária por ser a

matéria relativa a exegese contratual. Sentença que julga improcedente

a ação é de ser reformada. Recurso provido."

o ora recorrente interpôs embargos de declaração, ao fundamento de

que o v. acórdão restou omisso quanto à questão da justeza da recusa e quan­

to à questão da suficiência do depósito (fls. 311/313).

Os embargos foram rejeitados pelo egrégio Tribunal a quo (fls. 316/

317), ao fundamento de que ficou expresso no v. acórdão embargado ser a

recusa injusta e o valor depositado suficiente (fl. 317).

Novos embargos declaratórios foram interpostos pelo ora recorrente,

ao fundamento de que o v. acórdão embargado proferiu julgamento extra

petita, em afronta aos arts. 128 e 460 do CPC, uma vez que a questão da

incidência de encargos durante o período de carência nunca foi aventada

pelo ora recorrido; este limitou a se insurgir contra a taxa de juros remu­

neratórios pactuada e contra a prática de anatocismo.

Argumentou ainda o Embargante que o v. acórdão foi omisso ao não

apreciar questão suscitada em sede de contra-razões ao recurso de apelação,

segundo a qual os encargos não incidem apenas sobre a primeira parcela,

mas sobre o total da dívida reconhecida (fls. 319/325).

Os embargos foram rejeitados pelo egrégio Tribunal a quo ao funda­

mento de que a decisão ateve-se aos limites da lide, cujas controvérsias fo­

ram fixadas no r. despacho saneador de fl. 128, bem como ao fundamento

de que o v. acórdão embargado foi expresso ao determinar que os encargos

incidem sobre total da dívida, mas apenas após o vencimento da primeira

parcela (fls. 345/347).

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 327

Alega o Recorrente, em suas razões de recurso especial, que o v. acórdão recorrido:

J - ao decidir que sobre o período de carência não incidem encargos contratuais (juros e correção monetária), proferiu julgamento extra petita, em afronta aos arts. 128 e 460 do CPC, uma vez que o recorrido limitou-se a impugnar a taxa de juros remuneratórios e a prática de anatocismo;

IJ - ao rejeitar os segundos embargos de declaração interpostos (fls. 319/325), restou omisso, em afronta aos arts. 458, inc. II, e 535, inc. II, do CPC, ao não apreciar a questão, suscitada em contra-razões de apelação, segundo a qual os encargos não incidem apenas sobre a primeira parcela, mas sobre o total da dívida reconhecida, e

IJJ - (caso se entenda que a questão relativa ao julgamento extra petita não restou prequestionada) ao não se pronunciar sobre a existência de jul­gamento extra petita e sobre a incidência, in casu, dos arts. 128 e 460 do CPC, afrontou os arts. 458, inc. II, e 535, inc. II, do CPC.

Houve contra-razões (fls. 375/378).

A Presidência do egrégio Tribunal a quo in admitiu o recurso espe­cial. Interposto agravo de instrumento, foi este provido, determinando-se a subida dos autos para melhor exame (fl. 461).

É o relatório.

VOTO

J - Do julgamento extra petita (violação aos arts. 128 e 460 do CPC)

Afirma o Recorrente que o v. acórdão recorrido, ao decidir que sobre o período de carência não incidem encargos contratuais (juros e correção monetária), proferiu julgamento extra petita, em afronta aos arts. 128 e 460 do CPC.

Entretanto, dos termos da petição inicial da ação consignatória, que está longe de servir como exemplo de primor técnico, depreende-se que o recorrido insurgiu-se contra o valor cobrado na primeira parcela, isto é, contra os encargos incidentes sobre referida parcela (fls. 3/4), in verbis:

"A Supte. querendo pagar a primeira parcela vencida no último dia 11 p.p. do mês em curso, vem tentando junto a agência saber se o valor a ser pago, tendo sido informado pelos dois funcionários que lá foram conversar com a gerente D. Júlia Maria Gimenez, que o valor

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328 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

apresentado a ser pago era de R$ 112.639,17, ou seja, mais de 150% do valor estipulado no contrato, como se vê pela xerox em anexo doc. v."

Do afirmado pode-se depreender que a questão relativa aos encargos

incidentes durante o período de carência restou impugnada pelo Recorrido.

Acresça-se que, ao contrário do sustentado no recurso especial, a ques­tão da incidência de juros durante o período de carência contratual já fora sus­citada antes do julgamento do recurso de apelação, pelo próprio Recorrente, em suas contra-razões ao recurso de apelação, como consta às fls. 289/290, item 4, in verbis:

"4. Neste sentido, o parecer do assistente técnico do Apelado, às fls. 194/198 dos autos, esclarece que a primeira parcela vencida em 11.12.1995, incidia sobre a mesma, os juros do saldo devedor, corri­

gido de 90 dias, que se refere justamente ao período de carência contra­

tado, perfazendo o total de RI 112.619,42, motivo pelo qual, os funda­mentos em que se baseia a Apelante são destituídos de amparo legal."

Assim, se o ora recorrente suscitou, em contra-razões de apelação, a sua interpretação quanto à questão dos encargos incidentes durante o perío­do de carência, resta evidente que tal questão foi impugnada pelo autor, desde a propositura da ação.

Em conclusão, a questão dos encargos incidentes durante o período de

carência insere-se nos limites em que a lide foi proposta.

Por sua vez, o v. aresto, em exegese de cláusula contratual, limitou-se a reconhecer que no período de carência não seriam devidos quaisquer en­

cargos (fls. 307/308), in verbis:

"A questão nuclear a ser examinada no presente feito centra-se

na exegese da cláusula que estipulou a forma de pagamento do termo de renegociação de operações de débito, dispondo ser mensal, com carência de 90 dias (ut campo n. 15, fl. 20). ( ... )

Ao contestar o feito o banco-apelado sustenta a tese de que a ca­rência de 90 dias significa apenas a postergação do pagamento da I II

parcela, porém sem a exclusão da correção monetária e outros encar­gos que devem ser computados desde o termo inicial da renegociação.

Mas, na realidade, o que deve ser entendido como período de ca­

rência? ( ... )

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JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 329

Na linguagem jurídica, emprega-se a expressão para designar o tempo durante o qual os beneficiários de certa sociedade de prestação de serviços ainda não fazem jus ao benefício por esta propiciada, em virtude de não terem pago o número de contribuições mensais exigidas por estatuto para tal fim.

Se assim se deve entender por período de carência, não há razão

plausível para que se exija a incidência da correção monetária e outros encargos anteriormente ao vencimento da 1.1!. parcela, a qual só, então, é

que sofreria a incidência mencionada. Se assim não se entender, não há porque dispor ter sido concedida uma carência para o início dos pagamen­

tos parcelados. ( ... ).

A ação consignatória, assim, tem alcance declaratório e, como tal, deveria ter sido enfrentada a questão basilar, que é a da interpretação da cláusula que dispôs gozar a Apelante de período de carência para iniciar o pagamento de sua renegociação de dívida."

Entendeu o egrégio Tribunal a quo caracterizada a injusta recusa do Recorrente em receber o montante devido, nos termos do art. 973, inc. I, do CC e julgou procedente o pedido consignatório, ao fundamento de que o valor depositado seria suficiente para extinguir a obrigação.

Nesses termos, o v. acórdão recorrido guardou perfeita correlação com a causa de pedir e o pedido, inexistindo, na espécie, julgamento extra petita.

II - Da existência de omissão no v. acórdão recorrido (ausência de decisão quanto à questão do limite de incidência dos encargos - montante ou primeira parcela) (violação aos arts. 458, inc. lI, e 535, inc. n, do CPC)

Apontou o ora recorrente, nos segundos embargos de declaração inter­postos (fls. 319/325), que o v. acórdão proferido em sede de apelação restou omisso quanto à questão do valor sobre o qual incidiriam os encargos (se sobre o montante ou apenas sobre a primeira parcela).

Esta omissão, entretanto, não foi suscitada pelo ora recorrente quan­do da interposição do primeiro recurso de embargos de declaração (fls. 311/313).

Como os segundos embargos declaratórios têm por escopo aclarar o

v. acórdão proferido nos primeiros embargos, e não o v. acórdão proferido em sede de apelação, é de se concluir que está preclusa a matéria relativa à omissão quanto aos encargos incidentes durante a carência.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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330 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nesta linha de entendimento, cite-se, na Jurisprudência, o enunciado n. 317 da Súmula do colendo STF; o EDcl nos EDcl no AgRg no Ag n. 114.259-MA, reI. Min. Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, unânime, DJ de 30.11.1998 e o EDcl nos EDcl no REsp n. 207.315-MG, reI. Min. Fran­cisco Peçanha Martins, Segunda Turma, unânime, DJ de 03.09.2001, respec­tivamente assim ementados:

"São improcedentes os embargos declaratórios, quando não pe­dida a declaração do julgado anterior, em que se verificou a omissão."

"Segundos embargos de declaração.

Preclusão, uma vez que a apontada omissão se refere ao acórdão que julgou o agravo regimental, e não os primeiros embargos de de­claração."

"Não tendo sido suscitada a alegada obscuridade quando da opo­sição dos primeiros aclaratórios, não cabe a sua apreciação neste mo­mento processual, tendo em vista a ocorrência da preclusão."

Inexiste, assim, afronta aos arts. 458, inc. II, e 535, inc. II, do CPC.

III - Da existência de omissão no v. acórdão recorrido por ausência de menção quanto à incidência, in casu, dos arts. 128 e 460 do CPC (vio­lação aos arts. 458, inc. II, e 535, inc. II, do CPC).

Está prejudicada a análise do recurso especial com fundamento de ofensa aos arts. 458, inc. II, e 535, inc. II, do CPC, por ausência de pro­núncia acerca da questão relativa ao julgamento extra petita (CPC, arts. 128 e 460), uma vez que a matéria foi devidamente prequestionada (con­forme item I do voto, acima mencionado).

Forte em tais razões, não conheço do recurso especial.

É o voto.

VOTO-VISTA

o Sr. Ministro Castro Filho: Sr. Presidente, trata-se de recurso espe­cial interposto pelo Banco Bradesco, com fundamento no art. 105, III, alí­nea a, da Constituição da República, em ação de consignação em pagamento, com o fito de ver declarada a extinção de obrigação decorrente de emprés­timo bancário. O valor mutuado seria pago em vinte quatro parcelas, nas quais incidiriam juros de 1,8% ao mês e correção monetária pela taxa

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 331

referencial, estabelecendo-se um período de carência de noventa dias entre

a celebração do contrato e o pagamento da primeira parcela. Quando do vencimento da primeira parcela, descobriu o Recorrido que o valor devido era em muito superior ao pactuado, pois o Recorrente estava fazendo incidir os encargos pactuados sobre valor principal do período tido como de ca­

rência. Este é o ponto controvertido.

O pedido foi julgado improcedente pelo Juiz e, em sede de apelação, a decisão foi reformada in totum pelo Tribunal, em acórdão assim ementado: (lê)

"Ação de consignação e pagamento ...

... é de ser reformada. Recurso provido."

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Castro Filho: No que concerne ao julgamento extra petita, a ilustre Ministra-Relatora fundamentou: (lê)

"Afirma o Recorrente que o venerando acórdão recorrido, ao de­

cidir sobre o período de carência não incidem encargos contratuais,

juros e correção monetária, proferiu julgamento extra petita, em afronta aos arts. 128 e 460 do CPC."

Outro ponto também atacado pelo Recorrente é com referência à exis­tência de omissão no acórdão recorrido. Apontou o Recorrente, nos segun­dos embargos de declaração, omissão quanto à questão do valor sobre o qual incidiriam os encargos: se sobre o montante ou apenas sobre a primeira

parcela. A ilustre Ministra-Relatora responde negativamente, assim como o fizera com a primeira questão, dizendo que esta omissão, entretanto, não foi

suscitada pelo ora recorrente, quando da oposição do primeiro recurso de embargos de declaração.

A terceira questão suscitada é sobre a existência de omissão do vene­

rando acórdão recorrido por ausência de menção quanto à incidência, in casu, dos arts. 128 e 460 do CPC, violação aos arts. 458, inciso II, e 535, inciso II, do CPC.

Diz a ilustre Relatora que está prejudicada a análise do recurso espe­cial, com fundamento em ofensa a esses artigos, por ausência de pronúncia

acerca da questão relativa ao julgamento extra petita (CPC, art. 128 e

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332 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

460), uma vez que a matéria foi devidamente prequestionada conforme item I do voto acima mencionado.

Forte nas suas razões, S. Ex." não conheceu do recurso especial.

Estou convencido do acerto, Sr. Presidente, daí por que acompanho a ilustre Ministra-Relatora.

VOTO-VISTA-VENCIDO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: Reporto-me ao voto-vista que proferi no Ag n. 323.228 (adaptando, todavia, a numeração das folhas ali citadas para a destes autos), in verbis:

"Brasil Rio Promoções e Empreendimentos Ltda propôs ação de consignação e pagamento contra o Banco Bradesco S/A, pedindo a ci­tação deste para que viesse receber em Juízo a primeira prestação, das vinte e quatro contratadas, no valor de R$ 50.197,25 (cinqüenta mil, cento e noventa e sete reais e vinte cinco centavos)." (fls. 2/4).

"A petição inicial deu conta de que a recusa de receber resulta­va do fato de que o credor exigia o montante de R$ 112.639,17 (cento e doze mil, seiscentos e trinta e nove reais e dezessete centavos), sem esclarecer qual o motivo da diferença.

Deferida a prova pericial, o respectivo laudo apurou que o valor oferecido era menor do que o contratado (fls. 193/207), e, em função disso, o MM. Juiz de Direito Dr. Fábio Henrique Podestá julgou im­procedente o pedido, destacando-se na sentença os seguintes trechos:

'Visando apurar a correção do valor depositado inicialmente, bem como aqueles efetuados posteriormente no decorrer do pro­cesso (até outubro de 1996), concluiu o Sr. Perito que pelos cál­culos realizados não houve suficiência dos referidos depósitos (fl. 179).

É útil observar que a Autora ofereceu manifestação favorá­vel sobre o laudo pericial, deixando de tecer eventuais conside­rações (fl. 219), talvez necessárias diante da conclusão exposta.

Seguiram-se sucessivos depósitos e em instrução nenhuma prova foi produzida.

Com efeito, visando liberar-se da obrigação por meio de pa­gamento judicial, a autora deveria não só demonstrar a suficiência

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JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 333

dos depósitos (por meio de parecer técnico divergente), como também provar de maneira inequívoca a recusa do Réu (cf. art. 974 c.c. art. 972, inc. I, do CC).' (fl. 266).

o Tribunal a quo, relator o eminente Juiz Massami Uyeda, re­formou a sentença, valendo transcrever os seguintes trechos da moti­vação:

'A questão nuclear a ser examinada no presente feito centra­-se na exegese da cláusula que estipulou a forma de pagamento do termo de renegociação de operações de débito, dispondo ser men­sal, com carência de 90 dias (ut campo n. 15, fl. 20).' (fl. 317).

'Mas, na realidade, o que deve ser entendido como período de carência?

Na Enciclopédia Saraiva do Direito, voI. 58, p. 142, a Co­missão de Redação de tão prestigiada publicação, assim con­ceitua:

'Período de carência - Esta expressão conota a idéia de lapso de tempo em que se verifica a não-existência de alguma coisa.'

Na linguagem jurídica, emprega-se a expressão para desig­nar o tempo durante o qual os beneficiários de certa sociedade de prestação de serviços ainda não fazem jus ao benefício por esta propiciada, em virtude de não terem pago o número de contribui­ções mensais exigidas por estatuto para tal fim.'

Se assim se deve entender por período de carência, não há razão plausível para que se exija a incidência da correção monetária e ou­tros encargos anteriormente ao vencimento da lll. parcela, a qual só, então, é que sofreria a incidência mencionada. Se assim não se enten­der, não há porque dispor ter sido concedida uma carência para o iní­cio dos pagamentos parcelados.

A redação do instrumento de renegociação, como anotou o sr. perito, coadjuvado pela assistência técnica do Apelado, não é explícita ou clara o suficiente para fácil entendimento (ut fl. 180) e, sendo as­sim, considerando-se tratar-se de contrato de adesão, suas disposições

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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334 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

hão de ser interpretadas em favor da Apelante, mesmo porque, como dispõe o art. 85 do Código Civil, nas declarações de vontade se aten­derá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem (fls. 307/ 308).

Banco Bradesco S/A opôs embargos de declaração, forte em que o acórdão 'foi omisso quando deixou de se manifestar, expressamen­te, se a recusa foi justa ou não, e se o depósito foi ou não suficiente, posto que estes foram os fundamentos da defesa apresentada pelo Embargante, a teor da disposição contida no artigo 886, II e IV, do Código de Processo Civil' (fl. 312).

Os embargos de declaração foram acolhidos ao fundamento de que 'o valor da parcela consignada é suficiente, já que compatível com o valor da prestação, vencida, após o prazo de carência' (fl. 317).

Os embargos de declaração foram renovados, desta feita ao argu­mento de que o Tribunal a quo 'acabou por julgar a ação fora dos li­mites em que foi proposta' (fl. 320), violando os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil (fls. 319/323) - rejeitados por terem propó­sitos infringentes (fls. 345/347).

Daí o recurso especial, interposto pelo Banco Bradesco S/A, com base no artigo 105, inciso I, letra a, da Constituição Federal, por vio­lação aos artigos 128, 458, lI; 460 e 535, lI, do Código de Processo Civil (fls. 350/368) - não admitido, decisão que foi atacada por agravo de instrumento (fls. 380/381).

A eminente Relatora, Ministra Nancy Andrighi, negou provimento ao agravo de instrumento, monocraticamente (fls. 430/432).

Seguiu-se agravo regimental (fls. 434/448, autos do agravo de instrumento em apenso).

Após o voto de S. Ex.", negando-lhe provimento, pedi vista dos autos, e estou divergindo da respectiva conclusão.

A questão que o Tribunal a quo identificou como 'nuclear' (fl. 317), vale dizer, a de saber se os juros e a correção monetária incidem, ou não, no período de carência, não foi articulada pela autora em qual­quer de suas manifestações no processo, salvo nas contra-razões do re­curso especial, nesse passo seguindo o acórdão que lhe fora favorável (petição inicial, fls. 2/4); réplica, fls. 1001102; quesitos, fl. 134; memorial, fls. 288/290 (autos do agravo de instrumento; apelação, fls. 273/275).

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 335

Na réplica, explicara assim a causa do pedido:

'O Reqdo. se leu não entendeu o objetivo da presente con­

signação em pagamento. A Reqte. não se nega pagar o que deve

e o que contratou, mas se insurge contra os cálculos de juros co­

brados.

A Constituição Federal, em seu art. 192, § 3.Q., diz que os

juros a serem cobrados devem ser de 12 % ao ano e proíbe que se

aplique juros capitalizados (juros sobre juros), cobrados pelo

Reqdo., embutidos em seus cálculos, razão da presente consigna­ção.' (fi. 101).

E, na apelação, foi extremamente confusa, reportando-se ao lau­

do pericial que lhe contrariava os interesses:

'A Apelante concordou com o perito, porque tratando-se de

um cálculo feito por um expert no assunto não poderia duvidar do

mesmo, entendendo serem corretos os cálculos elaborados pelo

mesmo.

O MM. Juiz ao sentenciar contrariou a opinião de um expert

para aquele fim, conhecedor profundo da matéria, que entende a

Apelante não poderia ser contrariado, razão da presente apelação,

por entender a Apelante que o MM. Juiz deveria acompanhar o

resultado da perícia e não contrariá-la, pois assim tendo feito,

acabou por decidir por si mesmo, sem ser expert no assunto.

Pelo acima exposto, entende a Apelante que o MM. Juiz de­

veria acompanhar o laudo apresentado pelo Perito nomeado para

prolatar a r. sentença, por se tratar de um técnico formado para

isso, pedindo pelas razões acima, reforma da r. sentença prolatada

e aceito os cálculos indicados pelo perito nomeado.' (fi. 275).

Em resumo, o Tribunal a quo decidiu, sem qualquer prova que

conforte essa conclusão, que o motivo da diferença entre o valor exi­gido pelo credor e aquele oferecido pela devedora está na incidência

dos juros e da correção monetária durante o período de carência - de­

lirando da causa petendi, com manifesta ofensa aos artigos 128 e 460

do Código de Processo Civil."

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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336 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de lhe dar provimento para que, anulado o acórdão, outro seja proferido nos limites da

lide.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: A Recorrida ajuizou ação de consignação alegando que funcionário do Banco-réu vinha falsifi­cando assinaturas de seu sócio e diretor em transações irregulares como transferência de valores e emissão de cheques, sem que os gerentes cuidas­sem de conferir a validade das assinaturas; que foi informada pelo banco que devia R$ 750.000,00 como resultado dos atos do funcionário; que pediu empréstimo para "fazer frente a péssima situação financeira criada por tais operações"; que o Réu concordou e emprestou o dinheiro para pagamento em 24 parcelas mensais de R$ 46.250,00, mais TR e juros de 1,80%, vencida a primeira em 11.12.1995; que antes de vencer a primeira parce­la, ingressou em Juízo com ação de exibição de documentos referentes a todas as operações realizadas naquela agência; que não tem conseguido obter o valor certo, sendo informado por dois funcionários que seria de R$ 112.639,17, ou seja, mais de 150% do valor avençado.

A sentença julgou improcedente o pedido, porque não demonstrada a suficiência dos depósitos nem a recusa do Réu, com base no laudo perici­al, que recebeu a concordância da própria autora.

O lll. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo proveu a apelação enten­dendo descabida a cobrança de correção monetária e encargos no período de carência. Deduziu o acórdão recorrido, no ponto, as razões que se se­guem:

"Mas, na realidade, o que deve ser entendido como período de carência?

Na Enciclopédia Saraiva do Direito, voI. 58, p. 142, a Comissão de Redação de tão prestigiada publicação, assim conceitua:

'Período de carência - Esta expressão conota a idéia de lapso de tempo em que se verifica a não-existência de alguma coisa.

Na linguagem jurídica, emprega-se a expressão para desig­nar o tempo durante o qual os beneficiários de certa sociedade de prestação de serviços ainda não fazem jus ao benefício por esta

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 337

propiciada, em virtude de não terem pago o número de contribui­ções mensais exigidas por estatuto para tal fim.'

Se assim se deve entender por período de carência, não há razão plausível para que se exija a incidência da correção monetária e ou­tros encargos anteriormente ao vencimento da l.il. parcela, a qual só, então, é que sofreria a incidência mencionada. Se assim não se enten­

der, não há porque dispor ter sido concedida uma carência para o iní­cio dos pagamentos parcelados.

A redação do instrumento de renegociação, como anotou o Sr. perito, coadjuvado pela assistência técnica do Apelado, não é explíci­ta ou clara o suficiente para fácil entendimento (ut fl. 180) e, sendo

assim, considerando tratar-se de contrato de adesão, suas disposições hão de ser interpretadas em favor da Apelante, mesmo porque, como dispõe o art. 85 do Código Civil, nas declarações de vontade se aten­derá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem.

Como se reservou à perícia a interpretação do contrato, bem de ver, data venia, que as considerações finais expendidas pelo Sr. pe­rito judicial não extra vazavam sua tarefa, certo que a consignatória foi

proposta com o escopo de não ficar a Apelante em mora, diante de

exigência do Apelado-credor de pretender receber parcela não condi­zente com o comando.

A ação consignatória, assim, tem alcance declaratório e, como tal, deveria ter sido enfrentada a questão basilar, que é a da interpretação da cláusula que dispôs gozar a Apelante de período de carência para

iniciar o pagamento de sua renegociação de dívida.

Assim sendo, ao recurso da Apelante dá-se provimento para, em conseqüência, reformar a r. sentença recorrida, com julgamento de procedência da ação, registrando-se que os depósitos judiciais efetua­dos pela Apelante correspondem a pagamentos realizados, com a

extinção das obrigações correspondentes, revertendo-se a condenação sucumbencial."

Os primeiros embargos de declaração do Réu foram acolhidos para esclarecer que a perícia contábil não é necessária e que a carência conce­

dida, pela interpretação do contrato, é favorável ao pedido da Autora.

Os segundos embargos de declaração foram rejeitados, afirmando o Tribunal local que a alegação de julgamento extra petita "é buscar

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338 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

reaviventar discussão não atreita ao campo declaratório dos embargos, mes­

mo porque a lobrigada nulidade inocorre quando se lê do v. acórdão de fi. 307 que as lindes de controvérsias foram fixadas na r. decisão saneadora de

fi. 128, tendo o R. Juízo de Direito a quo relegado à perícia a tarefa exegética de analisar-se o contrato, determinando-se a apuração do valor

oferecido para fins de depósito inicial em cotejo com o débito confessado".

O voto da eminente Relatora, Ministra Nancy Andrighi, não conhece do especial. Primeiro, considerou que a questão dos encargos incidentes durante o período de carência está nos limites da lide; segundo, não houve

omissão quanto ao valor sobre o qual incidiriam os encargos, consideran­

do a Relatora que a questão foi suscitada, apenas, nos segundos embargos; terceiro, está prejudicada a questão da omissão por ausência de menção quanto à incidência dos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil,

porque está a matéria prequestionada.

Divergiu o Sr. Ministro Ari Pargendler. Entendeu que a questão não foi decidida nos limites da lide, reproduzindo o voto que proferiu na oca­sião em que a Turma decidiu determinar, em agravo regimental, a subida do recurso especial.

Vou pedir vênia ao eminente Ministro Ari Pargendler para acompanhar o voto da eminente Ministra Nancy Andrighi.

Na inicial, a Autora explicou que obteve o empréstimo com um perío­do de carência de 90 dias e que quando tentou pagar a primeira parcela obteve a informação de que o valor estaria acrescido de cerca de 150%. Na contestação, expressamente, o Banco-réu cuidou de explicitar que o termo de renegociação da dívida prevê a forma de pagamento mensal com carên­cia, com o que, "no vencimento da primeira prestação (11.12.1995 - cam­

po 19), no período haveria de ser aplicado para correção e atualização da

mesma, aquilo pactuado no contrato (campo 11 - TR + 1,80%), mais a inci­dência dos juros verificados no período compreendido da celebração do instru­

mento até o vencimento da prestação, ou seja, o período de 'carência' (90 dias).

(para as demais parcelas, idêntico procedimento)". Explicou, ainda, que o erro

da Autora foi exatamente o de não considerar o período de carência. Ora,

a questão do valor da consignação, tal e qual, argüido pelo próprio réu foi

a aplicação da correção monetária e dos encargos no período de carência.

Se se estava cuidando do valor do depósito, a inicial fez a impugnação plena do valor cobrado, tanto que pediu a consignação da parcela na importân­

cia originariamente contratada, sem qualquer encargo. E o Réu entendeu que

o valor não era correto porque caberia a incidência da correção monetária

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 339

e dos encargos no período de carência. Assim deveria o Juiz decidir nesse campo, ou seja, se o valor era insuficiente, porque correta a interpretação oferecida pelo banco, ou se suficiente, porque correta a do autor, no senti­do de ver pago o valor tal e qual pactuado. Como afirmou a ilustre Relatora, "a questão dos encargos incidentes durante o período de carência insere-se nos limites em que a lide foi proposta".

Quanto ao mais, nada acrescento aos fundamentos do voto da eminente Relatora.

Eu não conheço do especial.

VOTO

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Acompanho o voto da Sra. Ministra-Relatora e não conheço do recurso.

RECURSO ESPECIAL N. 431.440 - SP (Registro n. 2002.0048939-6)

Relatora:

Recorrente:

Advogados:

Recorridos:

Advogado:

Ministra N ancy Andrighi

Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa

Alde da Costa Santos Júnior e outros

Gilberto Alves Capistrano e outros

João Marcos Prado Garcia

Sustentação oral: Maria Zuleika de Oliveira Rocha (pelo recorrente) e João Marcos Prado Garcia (pelo recorrido)

EMENTA: Processual Civil - Civil - Recursos especiais - Fun­damentação - Embargos de declaração - Omissão - Inexistência -Dissídio jurisprudencial - Comprovação - Contrato de financiamento para a construção de imóvel (prédio com unidades autônomas) -Recursos oriundos do SFH - Outorga, pela construtora, de hipoteca sobre o imóvel ao agente financiador - Posterior celebração de com­promisso de compra e venda com terceiros adquirentes - Cancela­mento da hipoteca.

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340 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

- É inadmissível o recurso especial na parte em que deixa de apontar ofensa à lei ou dissídio jurisprudencial e no ponto em que não fundamenta suas alegações.

- Inexiste omissão a ser suprida por meio de embargos de de­claração quando toda a controvérsia posta a desate foi fundamenta­damente apreciada no julgado embargado.

- O dissídio jurisprudencial que enseja recurso especial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre os acórdãos tidos como divergentes.

- A hipoteca instituída pela Construtora ao agente financiador, em garantia de empréstimo regido pelo Sistema Financeiro da Habi­tação, que recai sobre unidade de apartamentos, é ineficaz perante os promissários-compradores, a partir de quando celebrada a pro­messa de compra e venda.

- Nesse caso, deve ser cancelada a hipoteca existente sobre as unidades de apartamentos alienadas a terceiros adquirentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por maioria, não conhe­cer do primeiro recurso especial e conhecer em parte do segundo recurso especial, mas negar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Castro Filho e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Relatora.Votou ven­cido o Sr. Ministro Ari Pargendler. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Minis­tro Antônio de Pádua Ribeiro.

Brasília-DF, 7 de novembro de 2002 (data do julgamento)

Ministra Nancy Andrighi, Relatora.

Publicado no DI de 17.02.2003.

RELATÓRIO

Cuida-se de dois recursos especiais interpostos por Banco do Estado de São Paulo SI A - Banespa, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdãos do 1 ~ Tribunal de Alçada Civil do Estado de

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 341

São Paulo, proferidos, respectivamente, em apelação e em embargos infrin­gentes.

Gilberto Alves Capistrano e outros, ora recorridos, opuseram embar­gos de terceiro em execução hipotecária promovida pelo Banco, ora recor­rente, contra Construtora Briquet S/A, na qual foram penhoradas unidades condominiais, requerendo o cancelamento das hipotecas que recaíam sobre tais bens.

Alegava-se que aquela Construtora realizara contrato de financiamento com o Banespa, vinculado ao SFH (Lei n. 4.380/1964, fi. 306), para a cons­trução de um prédio de apartamentos, dando em garantia hipotecária "de 1 Q

grau" o terreno sobre o qual seria construído o prédio denominado Edifí­cio Arthur Labes, registrado em cartório em 16.12.1991. Posteriormente, a Construtora celebrou novo contrato, registrado em 14.10.1994, denomina­do "Aditivo", prorrogando o prazo do financiamento e constituindo hipo­teca "de 2Q grau" , desta feita, sobre as unidades de apartamentos do edi­fício (fis. 327/328), algumas das quais já haviam sido alienadas, por pro­messa de compra e venda, aos ora recorridos. Alegou-se, ainda, que, no com­promisso de compra e venda das unidades, a Construtora Briquet S/A se obrigara a transferir a propriedade dos bens, livres de quaisquer ônus.

Todavia, como a promitente-vendedora, Construtora Briquet S/A dei­xara de pagar as prestações do financiamento feito com o Banespa, deu cau­sa à execução e à penhora dos mencionados bens.

Rejeitados os embargos, apelaram os autores, ora recorridos, tendo sido provido o apelo, por maioria, em acórdão assim ementado:

"Execução hipotecária. Existência de compromissos de compra e venda celebrados com a Construtora. Inadimplemento da mesma pe­rante ao credor hipotecário, sem comunicação aos compromissários compradores. Terceiros de boa-fé cujos interesses devem prevalecer sobre aqueles do credor hipotecário. Recurso provido, por maioria, para julgar procedentes embargos de terceiro, para o efeito de tornar insubsistente as penhoras, vencido o relator sorteado que não cance­lava a hipoteca, mas protegia a posse dos Embargantes." (fi. 692).

Interpuseram embargos de declaração, que restaram rejeitados e, em seguida, embargos infringentes, somente com relação à questão do cance­lamento da hipoteca ou sua subsistência. Os embargos infringentes foram rejeitados, ao fundamento de que, in verbis:

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342 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"Com efeito, 'se o direito decorrente da hipoteca defendida pelo embargado não pode ser exercido, não lhe serve à satisfação do cré­dito, há que se entender tenha havido o seu perecimento. Nesse senti­do os artigos 77 e 78 do Código Civil. É que perece o direito pere­cendo seu objeto (artigo 77). E a perda do objeto do direito ocorre quando o mesmo perde suas qualidades essenciais e seu valor econô­mico (artigo 78). Ora, no caso a garantia hipotecária, não mais poden­do ser utilizada para satisfazer o crédito do banco exeqüente, perdeu suas características essenciais, e, bem assim, seu valor econômico. Não se justifica, então, reconhecer que ela permanece mantida, pois já pe­receu, juntamente com o perecimento do objeto que o direito prote­gia'." (fls. 757/758).

Novos embargos de declaração foram interpostos e mais uma vez res­taram rejeitados.

No primeiro recurso especial, interposto contra o acórdão proferido em apelação, alega-se:

I - ofensa ao art. 535 do CPC, porque não foi suprida a omissão apon­tada em embargos de declaração;

II - infringência aos arts. 655, § 2.2., do CPC, uma vez que não pode­ria ter sido afastada a penhora do bem oferecido em garantia hipotecária;

III - violação aos arts. 3.2. da LICC; 1.2., 2, 16, 17, 18, 167, I, e 172 da Lei de Registros Públicos;

IV - dissídio jurisprudencial sobre a eficácia da hipoteca;

V - que não pode arcar com os ônus da sucumbência.

No segundo recurso especial, interposto contra o acórdão proferido em embargos infringentes, alega-se:

I - negativa de vigência ao art. 535 do CPC, porque o tribunal omi­tiu-se em se pronunciar sobre vários artigos de lei, mencionados nos em­bargos de declaração;

II - afronta aos arts. 128 e 460, 267, VI, e 295, III, do CPC, pois foi cancelada a hipoteca constituída por outra pessoa, em sede de embargos de terceiro;

III - ofensa ao art. 849 do CC;

IV - violação ao art. 6.2., § 1.2., da LICC, ao se contrariar o contrato,

ato jurídico perfeito;

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 343

v - infringência aos arts. 3ll. da LICC, e 809 e 811 do CC;

VI - afronta aos arts. 77 e 78 do CC, porque não era o caso de se can­celar a hipoteca existente sobre os imóveis;

VII - dissídio jurisprudencial sobre a subsistência da hipoteca cons­tituída pela incorporadora em favor do Banco;

VIII - que não pode arcar com os ônus da sucumbência, pois não deu causa à penhora dos bens.

Em contra-razões os ora recorridos sustentam a inadmissibilidade do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

I - Do primeiro recurso especial, interposto contra o acórdão proferido em

apelação

A) Da fundamentação do recurso especial

A questão sobre os ônus da sucumbência e o princípio da causalidade não foi baseada em ofensa à lei federal ou em dissídio jurisprudencial.

Tampouco cuidou o Recorrente de apontar as razões pelas quais en­tende malferidos os arts. 3ll. da LICC; 1ll., 2, 16, 17, 18, 167, I, e 172 da Lei de Registros Públicos, o que atrai a incidência da Súmula n. 284-STF.

Aplica-se, pois, a Súmula n. 284-STF.

B) Da ofensa ao art. 535 do CPC

Os embargos de declaração interpostos contra o aresto de apelação lastreavam-se na necessidade de pronunciamento sobre os arts. 655, § 2ll., e 755 do CPC. Todavia, não foram explicados os motivos pelos quais deve­ria ser feito o exame específico desses dispositivos, restando desfundamen­tados os embargos declaratórios.

Por esse motivo, o Tribunal a quo acertou ao rejeitar aquele recurso, sem qualquer ofensa ao art. 535 do CPC.

C) Da violação ao art. 655, § 2ll., do CPC, e do dissídio jurisprudencial

A ofensa ao art. 655, § 2ll., do CPC, e o dissídio jurisprudencial, que está devidamente comprovado, dizem respeito à possibilidade de se negar eficácia ao direito real de hipoteca, afastando-se a penhora sobre o bem hi­potecado.

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344 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A respeito do tema, a jurisprudência deste colendo STJ distingue a hipótese em que a hipoteca foi outorgada (pela empresa construtora ao agente financeiro) em data posterior à celebração do compromisso de com­pra e venda (com o adquirente da unidade habitacional) daquela em que o gravame foi celebrado e levado a registro antes do pacto de compromisso de compra e venda.

É pacífico, neste Tribunal, o entendimento que declara a nulidade da hipoteca outorgada (pela construtora à instituição financeira) após a cele­bração da promessa de compra e venda com o promissário-comprador.

Cite-se, a respeito: Recurso Especial n. 78.459-RJ, reI. Min. Ruy Rosado

de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 20.05.1996; Recurso Especial n. 146.659-MG, reI. Min. César Asfor Rocha, Quarta Turma, DJ de 05.06.2000; Recurso

Especial n. 287.774-DF, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 02.04.2001; Recurso Especial n. 296.453-RS, reI. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ de 03.09.2001; Recurso Especial n. 329.968-DF, reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ de 04.02.2002, e Recurso ESpecial n. 334.829-DF, rel. a Min! Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 04.02.2002.

Esse entendimento está calcado na compreensão de que a hipoteca só poderá ser ofertada por aquele que possui o direito de alienar o bem (CC, art. 756). Celebrado o compromisso de compra e venda entre a construto­ra e o adquirente, não mais possui aquela o poder de dispor do imóvel; em conseqüência, não mais poderá gravá-lo com hipoteca.

Os precedentes acima citados consideram, ademais, que fere a boa-fé

objetiva da relação contratual a atitude da construtora que primeiro celebra o compromisso de compra e venda de imóvel com o promissário-comprador, e depois onera-o com hipoteca em favor de terceiro (agente financeiro).

Por fim, ressalta em seu voto (Recurso Especial n. 296.453-RS) o Mi­nistro Carlos Alberto Menezes Direito ser nula, por abusiva (CDC, art. 51, inc. VIII), a cláusula-mandato inserida no instrumento de compromisso de compra e venda, segundo a qual o promissário-comprador autoriza a cons­trutora (promitente-vendedor) a instituir, em favor de terceiro (agente fi­nanceiro), hipoteca sobre o imóvel.

Entretanto, se a hipoteca foi constituída (e levada a registro) em data

anterior ao pacto de compromisso de compra e venda firmado entre a em­presa construtora e o adquirente, os precedentes jurisprudenciais fazem uma

segunda diferenciação.

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JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA TURMA 345

Caso a linha de crédito outorgada à sociedade construtora seja prove­niente de recursos próprios do agente financeiro, é valida e eficaz a hipote­

ca registrada anteriormente à celebração do compromisso de compra e ven­

da, desde que, no ato de contratação, o promissário-comprador tenha sido

cientificado a respeito. Cite-se, nesta linha: AgRg no Ag n. 161.052-SP, reI.

Min. Waldemar Zveiter, Terceira Turma, DJ de 07.12.1998.

Todavia, se os recursos ofertados pelo agente financeiro à sociedade construtora foram captados junto ao SFH, a hipoteca não tem eficácia pe­rante o adquirente da unidade habitacional.

Neste sentido: Recurso Especial n. 171.421-SP, reI. Min. Ruy Rosado

de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 29.03.1999; Recurso Especial n. 187.940-

SP, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 21.06.1999; Re­

curso Especial n. 205.607-SP, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Tur­

ma, DJ de 01.07.1999, e Recurso Especial n. 239.557-SC, reI. Min. Ruy Ro­

sado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 07.08.2000.

A convicção exposta nesses precedentes ressalta o fato de que à hipó­

tese aplica-se o regime especial instituído pelas Leis n. 4.380/1964 e 4.864/

1965. Este regime limita as modalidades de garantia de que poderá se va­

ler o banco-mutuante, na hipótese de inadimplência da construtora-mutuária.

Dispõe o art. 22 da Lei n. 4.864/1965 que os créditos outorgados pelo agente financeiro somente poderão ser garantidos por caução, cessão parcial

ou cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado.

Nesses termos, se o adquirente ainda não quitou o seu imóvel, pode­rá o agente financeiro, por meio de cessão fiduciária, sub-rogar-se no direito

de receber os créditos devidos à construtora-mutuária.

Por sua vez, o § 2ll. do art. 23 desse diploma legal assevera que se a

importância recebida em cessão fiduciária não for suficiente ao pagamen­

to do crédito, ficará a construtora-mutuária pessoalmente responsável pela quitação do saldo remanescente.

No caso sub examen, o financiamento celebrado entre a Construto­

ra e o Banco Banespa está vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, nos termos das Leis n. 4.380/1964 e 4.864/1965, como consta às fls. 306/

328 dos autos.

Dessa forma, o acórdão recorrido decidiu em consonância com a juris­

prudência dominante do STJ ao afirmar que a hipoteca firmada em favor

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346 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

do Banespa, ora recorrente, é ineficaz perante os promissários-comprado­res, ora recorridos, e ao anular a penhora que recaiu sobre os bens hipote­cados.

Por esse motivo, é de se aplicar a Súmula n. 83-STl

II - Do segundo recurso especial, interposto contra acórdão dos embargos infringentes

A) Violação ao art. 535 do CPC

O Recorrente interpôs embargos de declaração contra o aresto que jul­gou os embargos infringentes, apontando omissão ao não serem apreciados alguns artigos de lei.

Entretanto, com exceção da ausência de pronunciamento sobre os arts. 128 e 460 do CPC, o então embargante não fundamentou as alegadas omis­sões, e, por esse motivo, era mesmo de se rejeitar os embargos.

Com respeito à aplicação dos arts. 128 e 460 do CPC, que relaciona­va-se à modificação da causa de pedir, tem-se que não poderia ser alvo de apreciação nos embargos infringentes, pois já restara decidida, por unani­midade, no acórdão proferido em apelação, havendo preclusão.

Assim, incólume restou o art. 535 do CPC.

B) Da fundamentação suficiente

O Recorrente deixou de fundamentar as razões da alegada infringência aos arts. 128 e 460, 267, VI, e 295, IIl, 809 e 811 do CPC; 849 do CC; 3ll., 6ll., § 1ll., da LICC.

Obsta, assim, a pretensão, a Súmula n. 284-STF.

Além disso, como já exposto, a oportunidade de aventar a questão re­lativa à modificação da causa de pedir - em ofensa aos arts. 128 e 460 do CPC - já está preclusa.

C) Dos ônus da sucumbência

O Recorrente não baseou a sua irresignação com relação à condena­ção nos ônus da sucumbência em ofensa à lei federal ou em dissídio jurisprudencial, pois apenas colacionou dois julgados em amparo a sua tese.

De qualquer forma, ainda que se entenda amparada a pretensão em divergência pretoriana, tem-se que não restou comprovado o dissídio da for­ma como exigem os arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, § 2ll., do

RIST}, pois não ficou demonstrada a similitude fática entre os casos con­

frontados.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 347

D) Da infringência aos arts. 77 e 78 do CC e do dissídio juris­

prudencial

A questão federal relacionada à ofensa aos arts. 77 e 78 do CC está

prequestionada e o dissídio jurisprudencial restou comprovado.

O Recorrente alega que a hipoteca não poderia ter sido cancelada pois,

ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, não perdeu o seu objeto.

O Tribunal a quo analisou a questão determinando o cancelamento da

hipoteca, porque, "se o direito decorrente da hipoteca defendida pelo

Embargado não pode ser exercido, não lhe serve à satisfação do crédito, há

que se entender tenha havido o seu perecimento. Nesse sentido os artigos

77 e 78 do Código Civil. É que perece o direito perecendo seu objeto (arti­

go 77)". (fi. 757).

Entretanto, conforme anteriormente exposto, é pacífico o entendimento

de que, em casos como os que ora se examina, a hipoteca é ineficaz perante

os terceiros, promissários-compradores, uma vez que se deve aplicar o re­

gime especial instituído pelas Leis n. 4.380/1964 e 4.864/1965.

Nas palavras do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar (REsp n.

187.940), "A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o

imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da

devedora; havendo transferência, por escritura de compra e venda ou de pro­

messa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário

passa a incidir sobre 'os direitos decorrentes dos contratos de alienação das

unidades habitacionais integrantes do projeto financiado' (art. 22 da Lei

n. 4.864/1965), ( ... )".

Logo, transferidos os apartamentos mediante promessa de compra e

venda, a hipoteca que existia sobre essas unidades não tem mais eficácia

perante os promissários-compradores, e, por isso, deve ser cancelada, pois,

como bem determinou a Corte de origem, "não mais podendo ser utiliza­

da para satisfazer o crédito do Banco-exeqüente, perdeu suas característi­

cas essenciais e, bem assim, seu valor econômico".

Dessa forma, não houve qualquer ofensa aos arts. 77 e 78 do Código

Civil.

Forte em tais razões, não conheço do primeiro recurso especial, e nego

provimento ao segundo recurso especial, na parte em que conhecido.

É o voto.

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348 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Castro Filho: Em ação de execução hipotecária pro­posta pelo Banco do Estado de São Paulo S/A contra Construtora Briquet Ltda e outro, Gilberto Alves Capistrano e outros opuseram embargos de terceiro, em face de a penhora haver recaído sobre imóveis em relação aos quais firmaram compromisso de compra e venda com a empresa executa­da, objetivando a desconstituição da hipoteca, esta decorrente de contrato de financiamento celebrado em 1991 entre a Exeqüente e a Executada (fi. 306) e aditado em 1994 (fi. 325).

Julgado improcedente o pedido (fi. 622), apelaram os Embargantes, sendo o recurso provido, por maioria, em acórdão assim ementado:

"Execução hipotecária. Existência de compromissos de compra e venda celebrados com a Construtora. Inadimplemento da mesma pe­rante ao credor hipotecário, sem comunicação aos compromissários compradores. Terceiros de boa-fé cujos interesses devem prevalecer sobre aqueles do credor hipotecário. Recurso provido, por maioria, para julgar procedentes embargos de terceiro, para o efeito de tornar insubsistentes as penhoras, vencido o relator sorteado que não cance­lava a hipoteca, mas protegia a posse dos Embargantes." (fi. 692).

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fi. 720).

A esse julgado, o Banco-exeqüente interpôs recurso especial (fi. 776).

Objetivando a prevalência do voto minoritário, também opôs embar-gos infringentes, de igual modo rejeitados, em acórdão assim sumariado:

"Execução hipotecária. Sistema Financeiro da Habitação. Hipó­tese em que o registro da hipoteca em favor do agente financiador da construtora não pode atingir terceiro adquirente. Perecimento do di­reito real, justificando-se o seu cancelamento. Embargos de terceiro procedentes. Sucumbência mantida. Embargos infringentes rejeitados." (fi. 757).

Opostos embargos de declaração, também foram rejeitados (fi. 768), advindo o segundo recurso especial pelo banco (fi. 824).

Agora em julgamento, a ilustre ministra-relatora não conheceu do pri­meiro recurso, aplicando-se as Súmulas n. 284-STF e 83-STJ, e negou

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 349

provimento ao segundo, na parte em que conhecido, concluindo que, sendo captados junto ao Sistema Financeiro da Habitação os recursos ofertados pelo agente financeiro à construtora, a hipoteca não tem eficácia perante o adquirente da unidade habitacional, uma vez que se deve aplicar o regime

especial instituído pelas Leis n. 4.380/1964 e 4.864/1965.

Em síntese, é o relatório.

VOTO

Pedi vista dos autos, para melhor análise, em razão de haver hipoteca anterior aos compromissos de compra e venda firmados entre os recorridos e a construtora.

Verifico, porém, que os rigores do instituto da hipoteca sofreram abran­damentos pela legislação específica relativa ao Sistema Financeiro da Ha­bitação.

Tratando-se, como é o caso, de edificação com financiamento por re­curso advindo daquele sistema, prevalecem as regras a este concernentes, ditadas pelas Leis n. 4.380/1964 (que instituiu o sistema financeiro para aquisição da casa própria) e 4.864/1965 (que criou medidas de estímulo à indústria de construção civil). Nesta última, em seu artigo 22, é prevista forma de garantia a ser oferecida pela empresa financiada, dispondo que os créditos abertos pelas Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário, "poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado". Em seqüên­cia, prevê a hipótese de inadimplemento da empresa e o conseqüente uso da garantia pelo credor, preceituando nos §§ 111 e 211 e artigo 23:

"§ 1 Sl.. Nas aberturas de crédito garantidas pela caução referida neste artigo, vencido o contrato por inadimplemento da empresa finan­ciada, o credor terá o direito de, independentemente de qualquer pro­cedimento judicial e com preferência sobre todos os demais credores da empresa financiada, haver os créditos caucionados diretamente dos adquirentes das unidades habitacionais, até a final liquidação do cré­dito garantido.

§ 2Sl.. Na cessão parcial referida neste artigo, o credor é titular dos direitos cedidos na percentagem prevista no contrato, podendo, me­diante comunicações ao adquirente da unidade habitacional, exigir,

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350 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

diretamente, o pagamento em cada prestação da sua percentagem nos direitos cedidos.

Art. 23. Na cessão fiduciária em garantia referida no art. 22, o credor é titular fiduciário dos direitos cedidos até a liquidação da dí­vida garantida, continuando o devedor a exercer os direitos em nome do credor, segundo as condições do contrato e com as responsabilida­des de depositário.

§ l.\l. No caso de inadimplemento da obrigação garantida, o cre­dor fiduciário poderá, mediante comunicação aos adquirentes das uni­dades habitacionais, passar a exercer diretamente todos os direitos de­correntes dos créditos cedidos, aplicando as importâncias recebidas no pagamento do seu crédito e nas despesas decorrentes da cobrança, e entregando ao devedor o saldo porventura apurado.

§ 2.\l. Se a importância recebida na realização dos direitos cedi­dos não bastar para pagar o crédito do credor fiduciário, bem como as despesas referidas no parágrafo anterior, o devedor continuará pessoal­mente obrigado a pagar o saldo remanescente."

A propósito, no caso em exame, o contrato para abertura de crédito fir­mado em 27.11.1991 entre o Banco-recorrente e a construtora (fi. 306) dis­põe sobre a hipoteca do terreno, inclusive futuras acessões e benfeitorias (cláusula 18 11-), porém também prevê a cessão fiduciária, estabelecendo em sua cláusula 22il. que: "O devedor, em garantia complementar do emprésti­mo ora concedido, dá, desde já, ao Banespa, em cessão fiduciária, todos os direitos creditórios decorrentes da alienação ou promessa de alienação do empreendimento ou de cada uma de suas unidades".

Situações semelhantes já foram decididas por esta Corte, a exemplo do REsp n. 239.557, tendo como relator o ilustre Ministro Ruy Rosado de Aguiar, onde concluiu-se por ementa:

"Promessa de compra e venda. Embargos de terceiros. Hipoteca. SFH.

A garantia hipotecária do financiamento concedido pelo SFH para a construção de imóveis não atinge o terceiro adquirente da uni­dade." (DJU de 07.08.2000).

Em seu voto, fazendo menção à legislação antes citada, consignou o relator, entre outras considerações:

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 351

"A construtora recebera financiamento do Banco Meridional pelo

Sistema Financeiro da Habitação para erguer o prédio, instituindo hi­

poteca sobre o terreno e o que viria a ser construído, cujas unidades

seriam comercializadas. ( ... ).

A causa deve ser examinada e julgada nas circunstâncias do ne­

gócio realizado, tratando-se de aquisição de casa própria com finan­

ciamento concedido por instituição financeira à construtora ou incor­

poradora do prédio, com ou sem financiamento por agente financeiro aos adquirentes finais. ( ... ).

Faço esse registro inicial porque é preciso definir que o finan­

ciamento concedido à empresa construtora tinha o fim único de per­

mitir a construção de um prédio destinado a venda. Os terceiros adqui­

rentes fariam o pagamento das suas prestações com recursos próprios

diretamente à construtora, ou obteriam um financiamento pessoal junto

à mesma ou a outra instituição financeira, hipótese em que tocaria a

esta saldar o débito do promissário-comprador perante a construtora,

ficando o imóvel hipotecado em favor da instituição que financiou o

promissário-comprador, adquirente final (mutuário). Nessa situação,

cabe ao financiador do prédio construído para ser alienado cobrar da

construtora, sobre os bens dela, sua devedora, ou sobre os créditos dela

em relação aos terceiros adquirentes. ( ... ).

A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imó­

vel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade

da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e

venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de

crédito imobiliário passa a incidir sobre 'os direitos decorrentes dos

contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do pro­

jeto financiado' (art. 22 da Lei n. 4.864/1965), sendo ineficaz em re­

lação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela cons­

trutora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim

foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para

respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa-fé, que cumpriu

com todos os seus compromissos e não pode perder o bem que

lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo finan­

ciado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito

perante a sua devedora, deixando de usar dos instrumentos próprios e

adequados previstos na legislação específica desse negócio.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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352 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edifi­cações financiadas por agentes imobiliários integrantes do sistema finan­ceiro da habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadim­plência da construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que não está permitida pelo sistema."

N a mesma linha de entendimento, REsps n. 171.421 (DJU de 29.03.1999, reI. p/ ac. Min. Ruy Rosado de Aguiar), 314.553 (DJU de 04.02.2002, reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira), 401.252 (DJU de 05.08.2002, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar), 263.261 (DJU de 20.05.2002, reI. Min. Cesar Asfor Rocha) e 187.940 (DJU de 21.06.1999, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar), este último assim ementado:

"Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução. Hi­poteca em favor do financiador da construtora. Terceiro promissário­-comprador.

Embargos de terceiro.

- Procedem os embargos de terceiros opostos pelos promissários--compradores de unidade residencial de edifício financiado, contra a penhora efetivada no processo de execução hipotecária promovida pela instituição de crédito imobiliário que financiou a construtora.

- O direito de crédito de quem financiou a construção das uni­dades destinadas à venda pode ser exercido amplamente contra a de­vedora, mas contra os terceiros adquirentes fica limitado a receber deles o pagamento das suas prestações, pois os adquirentes da casa pró­pria não assumem a responsabilidade de pagar duas dívidas, a própria, pelo valor real do imóvel, e a da construtora do prédio.

Recurso conhecido e provido."

Por conseguinte, em face também a estes fundamentos, acompanho a ilustre relatora, em seu bem elaborado voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Ari Pargendler: Salvo melhor juízo, a hipoteca registrada prevalece sobre as promessas de compra e venda contratadas posteriormente.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 353

Tal como disse o MM. Juiz de Direito, Dr. Leonel Carlos da Costa, "Havendo hipoteca convencional em garantia de legítimo e válido mútuo, não

cabe o seu cancelamento por promitentes-compradores posteriores" (fl. 623).

Voto, por isso, no sentido de conhecer dos recursos especiais, dando­

-lhes provimento.

RECURSO ESPECIAL N. 456.413 - PR (Registro n. 2002.0095799-5)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Recorrentes: João Luiz Barbosa Silva e outros

Advogados: Ivo Gomes e outro

Recorrida: Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil

Advogados: Magda Montenegro e Isabella Rodrigues de Oliveira e outros

EMENTA: Civil - Recurso especial - Plano de previdência com­

plementar - Contribuições pessoais vertidas - Retenção pela enti­

dade de previdência privada - Impossibilidade.

- Ainda que o estatuto assim não preveja, tem o beneficiário

de plano de previdência privada o direito à restituição da totalida­

de das contribuições pessoais vertidas, sob pena de enriquecimento

ilícito da entidade de previdência privada. Precedente da Terceira

Turma.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­

tos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Castro Filho,

Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Minis­

tra-Relatora. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes

Direito. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.

Brasília-DF, 6 de fevereiro de 2003 (data do julgamento).

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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354 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ministra Nancy Andrighi, Relatora.

Publicado no DJ de 10.03.2003.

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial, interposto por João Luiz Barbosa Silva e outros, contra acórdão exarado pelo egrégio Tribunal de Justiça do Paraná.

Os Recorrentes propuseram ação de conhecimento sob o rito ordiná­rio em face da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, ora recorrida, com o objetivo de receber valores vertidos a plano de previ­dência complementar.

Sustentaram que, no momento de assinatura de contrato de trabalho com o Banco do Brasil S/A, filiaram-se ao plano de complementação de rendas e aposentadorias controlado pela Recorrida.

Firmaram contrato de adesão pelo qual se estabeleceu que contribui­riam com um terço do valor da contribuição, enquanto o seu empregador se responsabilizou pelo pagamento dos dois terços restantes.

No momento de resilição do contrato de trabalho, e conseqüente des­ligamento do plano, foi-lhes restituído apenas o montante referente às con­tribuições pessoais vertidas, no percentual de 98% do total.

Asseveraram que esse valor não restou devidamente corrigido e atua­lizado, pois não foram considerados os expurgos inflacionários, o que oca­sionou-lhes prejuízos. Alegaram, ainda, que não lhes foi restituída a quan­tia atinente às contribuições patronais e que também devem ser restituídas as contribuições vertidas desde a data de sua admissão até fevereiro de 1980.

Pugnaram, pois, pela devolução desses valores, atualizados monetaria­mente, e também do valor referente às diferenças de correção monetária incidente sobre as contribuições que adimpliram, incluindo-se os expurgos inflacionários.

O douto Juízo a quo julgou procedente o pedido para condenar a Re­corrida a restituir aos Recorrentes 98% das contribuições pessoais vertidas no período entre a data de admissão dos Recorrentes até fevereiro de 1980, atualizadas monetariamente pelo IPC; as diferenças entre os índices de cor­reção monetária aplicados pela Recorrida para atualização das contribuições pessoais e o IPC, a partir das datas dos recibos de restituição, e o pagamento de juros de mora de 0,5% ao mês, desde a citação.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 355

Inconformada, a Recorrida apelou ao egrégio Tribunal a quo. O v. acórdão restou assim ementado:

"Previdência privada. Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ). Pedido de restituição das contribuições, em ra­zão do desligamento dos funcionários. Período anterior a março de 1980. Inadmissibilidade. Aplicação do estatuto então vigente, que a vedava (art. 52). Correção monetária. Necessidade de adoção de índices que revelam a realidade da desvalorização da moeda. Apelação parcialmente provida.

1) Se o estatuto vigente à época estabelecia que o associado de­mitido do emprego, mesmo a pedido, seria excluído da Caixa, sem di­reito a qualquer benefício ou indenização (art. 52), e se a disposição não conflita com a lei que autorizou o seu funcionamento, não pode a Previ ser compelida a devolver as contribuições vertidas em perío­do anterior ao novo estatuto que, então, sim, passou a facultar a res­tituição de parte delas ao participante do plano que se desliga ante­cipadamente (Lei n. 46.435/1977, art. 42, inc. V).

2) Consoante já decidiu o colendo ST], o associado da Previ, que se retira da entidade previdenciária porque demitido do Banco do Bra­sil, 'tem direito de receber a restituição das contribuições vertidas em seu favor, devidamente corrigida por índices que revelam a realidade da desvalorização da moeda'." (REsp n. 254.006, Quarta Turma, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 03.08.2000).

Irresignados, os Recorrentes interpõem recurso especial, com fulcro no art. 105, inc. III, alíneas a e c, da Constituição Federal, sob a alegação de ofensa ao art. 31, § 22 , do Decreto n. 81.240/1978, e à Lei n. 6.435/1977, e de dissídio jurisprudencial.

Sustentam que, de acordo com esses diplomas legais, têm direito à res­tituição das contribuições pessoais vertidas desde a data de admissão até fevereiro de 1980. Utilizam-se do Recurso Especial n. 261.793 para eviden­ciar o dissenso pretoriano.

É o relatório.

VOTO

A questão posta a desate pelos Recorrentes consiste em aferir se têm direito à restituição das contribuições pessoais vertidas ao plano de previ­dência privada desde a data de sua admissão até fevereiro de 1980.

RST], Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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356 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o egrégio Tribunal a quo assim se manifestou sobre a questão:

"Ocorre que, como entidade fechada de previdência privada, pode

ter regimes distintos, com características próprias, que se encontram

definidos no art. 28 do Decreto n. 81.240/1978, quais sejam: a) de re­

partição simples; b) de repartição de capitais de cobertura; c) de ca­

pitalização.

Antes do advento do seu atual estatuto, submetia-se ela ao regi­

me da repartição do capital de cobertura, vindo a adotar o de capita­

lização somente a partir de 04.03.1980, quando entrou em vigor o

novo estatuto.

O primitivo estatuto - vigente à época em que dois dos autores

aderiram ao plano de benefícios (Helena Kiyoni Nozaki Yano, em

02.01.1978, eYoiti SérgioYano, em 04.07.1977), e elaborado em con­sonância com a legislação pertinente então em vigor - estabelecia, no

art. 5Q, que 'o associado que for demitido do emprego, mesmo a pe­

dido, será excluído da Caixa, sem direito a qualquer benefício ou in­denização' (fi. 236 - original sem negrito).

Havia, portanto, vedação expressa da devolução das contribuições,

não ferindo o dispositivo nenhuma norma legal, dado que a possibi­

lidade de restituição das contribuições, nos casos de desligamento, so­

mente passou a ser admitida com o advento da Lei n. 6.435/1977, no art. 42, inc. V, e do Decreto n. 81.240/1978, que a regulamentou.

Além de a devolução ter sido permitida, a partir de então, como

mera faculdade, a ser disciplinada nos respectivos estatutos, não se

pode negar que a nova normatização não previu a sua retroatividade,

devendo prevalecer, portanto, o regramento anterior.

Daí por que, à falta de amparo legal, não têm aqueles dois au­

tores direito à restituição das contribuições anteriores a 04.03.1980,

nem mesmo sob a argumentação de que estaria havendo enriquecimento

ilícito por parte da Previ. Inexiste tal possibilidade, uma vez que ela oferecia benefícios em contraprestação aos seus associados." (fi. 569).

Nesse particular, não se pode considerar como mera faculdade da Re­

corrida a devolução das contribuições previdenciárias adimplidas pelos Re­

correntes desde a data que foram admitidos pelo Banco do Brasil até feve­

reiro de 1980.

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 357

Tem o beneficiário do plano de previdência privada o direito à resti­tuição da totalidade das contribuições pessoais vertidas, pois foram calcula­das com base no benefício supostamente contratado. A sua retenção pela entidade de previdência privada, sob o argumento de que o estatuto não pre­via a devolução até fevereiro de 1980, caracteriza enriquecimento ilícito e deve ser coibida.

No Recurso Especial n. 261.793, DJ de 30.04.2001, o eminente Mi­nistro Carlos Alberto Menezes Direito assim consignou:

"A questão mais importante para o julgamento, portanto, é saber se válida a cláusula estatutária primitiva que previa não ter direito ao beneficio ou indenização o associado demitido da empresa, presente que o acórdão recorrido entendeu incidir o Código de Defesa do Con­sumidor.

Está provado nos autos, segundo as instâncias ordinárias, que o autor efetuou as contribuições desde a data em que foi admitido, o que torna, portanto, inviável reexaminar tal aspecto; segundo, está confi­nado o acórdão recorrido no fato de ser abusiva a cláusula contratual que previa a retenção das importâncias pagas de 1977 a 1980, interes­

sando, no caso, as contribuições do Réu de 1979 até 1980.

A questão do Código de Defesa do Consumidor tem pertinência. De fato, a jurisprudência da Corte é tranqüila sobre a não-incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos que lhe são ante­riores.

Ocorre que, a meu sentir, não é a vigência do Código de Defesa do Consumidor que impõe a restituição dos valores reclamados nes­tes autos, isto é, aqueles referentes ao período de 1979 a 1980. O plano é para complementar a aposentadoria; o beneficiário realiza os paga­mentos para merecer ao final do tempo próprio a complementação contratada; se ele sai porque demitido pela empresa patrocinadora, a retenção equivale ao enriquecimento ilícito, porque o pagamento feito considerava o beneficio contratado para aquele beneficiário, com o que a restituição não dependia da abusividade pelo ângulo do Código de Defesa do Consumidor, mas, sim, da impossibilidade de reter a admi­nistradora do plano valor que pertence ao próprio titular do beneficio, feita a dedução da taxa relativa à reserva técnica, a tanto equivale a re­tenção reconhecida na sentença da taxa de 2%. Na verdade, a previ­dência privada complementar tem o mesmo sentido de uma poupança

RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.

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358 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

feita pelo interessado, administrada por terceiro para garantir uma aposentadoria mais confortável.

Por outro lado, a questão técnica do tipo de plano financeiro, se o que condiciona a forma de custeio é o da repartição do capital de cobertura ou de capitalização, a tanto não interessando ao titular do benefício, mas, cabendo a escolha do regime ao responsável pela ad­ministração do plano de previdência privada. O que não é possível é admitir que uma pessoa contrate um plano de previdência complemen­tar, seja demitido da empresa e não tenha direito ao recebimento do que pagou para esse fim."

Assim sendo, na medida em que o egrégio Tribunal a quo trilhou ori­entação diversa da preconizada pela jurisprudência assente neste Tribunal, o v. acórdão recorrido merece reforma.

Forte em tais razões, conheço do presente recurso especial pelas alíneas a e c do permissivo constitucional e dou-lhe provimento para condenar a Recorrida à restituição das contribuições pessoais vertidas pelos Recorrentes desde que foram admitidos pelo Banco do Brasil SI A até fevereiro de 1980, devidamente atualizadas pelo IPC, ou outro índice que reflita a efetiva des­valorização sofrida pela moeda.

Condeno a Recorrida ao pagamento das custas processuais e honorá­rios advocatícios, que fixo em 15 % do valor da condenação.

É como voto.

RST}, Brasília, a. 15, (170): 227-358, outubro 2003.