jurisprudência da corte especial - stj · ir.: milton pires conea, concedeu medida liminar contra...

50
Jurisprudência da Corte Especial

Upload: others

Post on 24-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

Jurisprudência da Corte Especial

Page 2: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR
Page 3: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO PENAL N. 229 - SP (2003/0000954-9)

Relator: Ministro Edson Vidigal

Agravante: José Roberto Vieira de Almeida

Advogados: José Roberto Vieira de Almeida (em causa própria) e outros

Agravado: Pedro Luiz Ricardo Gagliardi

EMENTA

Penal. Crime contra a honra. Difamação e injúria. Processo de impeachment contra membros do Superior Tribunal Maçônico em as­sembléia deliberativa da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo. Ausência de justa causa.

1. Ante a ausência de demonstração de ofensa efetivamente dirigida ao Querelante pelo Querelado, o Grão-Mestre da GLESp, constando dos autos apenas o desenrolar de um procedimento interno para que os associados pudessem discutir e votar quanto à atuação de membros no exercício de funções internas da entidade particular, impõe-se o reconhecimento da ausência de justa causa para a persecução criminal.

2. Agravo Regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça por unanimida­de, negar provimento ao Agravo Regimental nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Banos Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Banos, Cesar Asfor Rocha, Ali Pargendler; Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Jorge Scartezzini, Eliana Ca1-non, Francisco Falcão e Franciulli Netto votaram com o Sr. Ministro-Relator. Au­sente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, José Delgado, Fernando Gonçalves e Nilson Naves (Presidente).

Brasília (DF), l!l de outubro de 2003 (data do julgamento).

Ministro Nilson Naves, Presidente

Ministro Edson Vidigal, Relator

Publicado no DJ de 28.10.2003

Page 4: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Edson Vidigal (Vice-Presidente): Senhor Presidente, o Querelan­

te interpõe Agravo Regimental contra decisão de fls. 287/288, de seguinte teor:

"O Querelante, José Roberto Vieira de Almeida, em face da sua condi­

ção de Ministro do Superior Tribunal Maçônico, alega ter sido caluniado e

difamado pelo Querelado, Pedro Luiz Ricardo Gagliardi, Grão-Mestre -

representante legal da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo -

GLESP.

Conta que, ao se eleger Grão-Mestre, Pedro Luiz Ricardo Gagliardi teria

instaurado procedimento interno contra o ex-Grão-Mestre, Salim Zugaib,

para a apuração de divergências na sua prestação de contas.

Impetrado Mandado de Segurança para o Superior Tribunal Maçônico,

do qual é Ministro o Querelante, reclamando que o procedimento estaria in­

fringindo diversas normas maçônicas, inclusive o direito ao contraditório, foi julgado procedente o pedido para assegurar o exercício da ampla defesa a

Salim Zugaib.

Afirma o Querelante que, mediante documentos apócrifos, o atual

Grão-Mestre da GLESP teria lhe tachado de "omisso e prevaricador", coa­

gindo seus subordinados nas Lojas Maçônicas a subscreverem uma propos­

ta de "impedimento" para todos os membros do Superior Tribunal Maçôni­

co, ante a acusação de suposta parcialidade ao tratar de causas relativas

ao ex-Grão-Mestre.

Em Assembléia realizada em 21.09.2002, o Querelante, juntamente com

outros cinco Ministros, três suplentes, o Grande Orador Adjunto e os 1.0 e 2.0

Grandes Vigilantes foram declarados impedidos de exercitarem seus cargos

junto ao Superior Tribunal Maçônico.

Essa decisão foi publicada no Boletim Informativo da GLESP em

30.09.2002.

Daí o ajuizamento desta Queixa-crime.

Sustenta o Querelante que o atual Grão-Mestre, ao lhe tachar de "omisso

e prevaricador", bem como por ter mantido a discussão sobre ele na Assem­

bléia, não obstante terem sido excluídos do processo de impedimento outros

Ministros do Superior Tribunal Maçônico, teria cometido os crimes de calú­

nia, difamação e injúria.

Page 5: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Mediante o parecer de fls. 274 a 277, manifesta-se a ilustre Subpro­curadora-Geral da República, Ela Wiecko V. de Castilho pela rejeição liminar da Queixa.

Decido.

Segundo o Querelante, o crime de calúnia (imputar falsamente fato defi­nido como crime) estaria configurado por ter-lhe sido imputado o crime de prevaricação (CP, art. 319):

M. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção de três meses a um ano e multa.'

O dispositivo encontra-se inserido na Parte Especial, Título XI: "Dos Cri­mes contra a Administração Pública, Capítulo I: "Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral".

Trata-se de crime praticado por funcionário público contra a Adminis­tração Pública.

Neste caso, as supostas ofensas teriam sido dirigidas ao Querelante em razão da função de Ministro do Superior Tribunal Maçônico da GLESp' associ­ação de direito privado.

Logo, mostra-se totalmente impossível eventual prática do crime de pre­varicação e, conseqüentemente, o de calúnia.

Por outro lado, cumpre observar que os supostos documentos apócrifos, tachando os membros do Superior Tribunal Maçônico de terem sido omissos e praticado prevaricação, não foram juntados aos autos.

Ademais, não há como se constatar aqui a intenção de difamar ou calu­niar, já que se tratavam de peças com o único objetivo de obter adesão dos representantes maçônicos tão-somente para colocar em pauta uma questão, a fim de que todos os membros da associação pudessem analisar e decidir em Assembléia.

Conforme destacou a ilustre Subprocuradora-Geral da República (fl. 276):

"( ... ) importante consignar que não se defende aqui o entendimento de que os procedimentos existentes no âmbito da Maçonaria não podem ser questionados perante a Justiça, eis que atos de qualquer entidade civil ou pública podem ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário (art. 5°, xxxv, da CF), mas, sim, o de que os fatos narrados na denúncia, bem como os documentos colacionados, não traduzem a existência de

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 1

17

Page 6: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERlOR TRlBUNAL DE JUSTIÇA

crime, mas o desenrolar de um procedimento próprio à Maçonaria e suas leis e que foi referendado por órgão soberano previsto na Constitui­ção da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo (fls. 49/80)."

Assim, por não verificar a existência de qualquer crime a ser apurado, acatando a manifestação da ilustre Subprocuradora-Geral da República Ela Wiecko V de Castilho, rejeito a Queixa liminarmente, determinando o arqui­vamento dos autos (Lei n. 8.038/1990, art. 3D

, I e RISTJ, art. 34, XVII)."

Reclamando a ocorrência de injúria e difamação, o Querelante, em Agravo Regimental, ressalta que os documentos apócrifos, tachando os Ministros do Tribu­nal de Justiça Maçônico de omissos e prevaricadores e pedindo pela discussão do tema em Assembléia, supostamente encaminhados pelo Querelado às lojas maçôni­cas para que os associados subscrevessem a proposta, estariam na posse do Quere­lado, razão pela qual não foram juntados aos autos, mas sim requisitados na peti­ção inicial.

Destaca que a Assembléia que deliberou pelo seu afastamento do exercício da função de Ministro do Superior Tribunal Maçônico, realizada em 21 de setembro de 2002, foi totalmente irregular, em clara ofensa às normas maçônicas, já que não há previsão interna de impeachment e a competência para o julgamento dos membros do Superior Tribunal Maçônico é exclusiva do próprio tribunal. Aponta, inclusive, que já houve sentença da 26a Vara Cível da Comarca de São Paulo declarando a nulidade dessa decisão da Assembléia.

Por fim, volta a sustentar que o Querelado, o Grão-Mestre Pedro Luiz Ricardo Gagliardi, ao retirar da votação da Assembléia Deliberativa o nome de seis outros Ministros efetivos e três suplentes do Superior Tribunal Maçônico, dando-lhes "ates­tado de idoneidade", quis demonstrar que os Ministros, cujos nomes continuaram em pauta para votação, não possuíam probidade, confiabilidade e honorabilidade, configurando, por isso, o crime de injúria.

Relatei.

VOTO

o Sr. Ministro Edson Vidigal (Vice-Presidente): Senhor Presidente, reclama o Querelante, José Roberto Vieira de Almeida, Juiz de Direito Aposentado e ex-Minis­tro do Superior Tribunal Maçônico, ter sido vítima dos crimes de difamação e in­júria.

Isso porque:

Page 7: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

1) O Grão-Mestre da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo - GLESp, o Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Pedro Luiz Ricardo Glagliardi, teria determinado o encaminhamento de documento apócrifo a todas as lojas maçônicas, tachando os Ministros do Superior Tribunal Maçônico de omissos e prevaricadores, objetivando a subscrição do quórum mínimo de membros para que fosse viabilizada a discussão sobre o afastamento dos Ministros em Assembléia Deliberativa.

2) Após a decisão afastando o Querelante do exercício do cargo de Ministro do Superior Tribunal Maçônico, tomada na Assembléia Deliberativa de 21 de se­tembro de 2002, em suposta contrariedade às normas maçônicas, face à inexistência de previsão de impeachment nas leis internas e em razão da competên­cia para julgar os Ministros do Superior Tribunal Maçônico ser exclusiva do tribu­nal, o Querelado teria feito constar essa deliberação em Boletim Informativo, noti­ciando o fato para todos os maçons filiados (17.000).

3) Antes de começar a votação na Assembléia, o Querelado teria alterado a proposta de impeachment por conta própria, retirando o nome de seis outros Minis­tros efetivos e três suplentes do Superior Tribunal Maçônico, dando a eles "atestado de idoneidade". Com essa atitude, entende o Querelante que o Grão-Mestre quis demonstrar que os Ministros, cujos nomes continuaram em pauta para votação, não possuíam probidade, confiabilidade e honorabilídade, configurando, assim, o cri­me de injúria.

Dos autos, não consta documento apócrifo destinado às lojas maçônicas.

Verifica-se às fls. 158/166 possível cópia, sem autenticação, de requerimento destinado expressamente ao Querelado, o Grão-Mestre, especificando como reme­tente loja maçônica sem identificação de nome ou número e pugnando pela inclu­são na pauta da Assembléia Geral Deliberativa de 21 de setembro de 2002 da votação para o afastamento dos membros do Superior Tribunal Maçônico, do Gran­de Orador Adjunto, do 1.0 Grande Vigilante e do 2.0 Grande Vigilante.

Nesse requerimento, constam alegações de que os Ministros do Superior Tribu­nal Maçônico teriam exercido suas funções com parcialidade nas causas maçônicas relativas a inegularidades na prestação de contas do Grão-Mestre antecessor Salim Zugaib.

Por oportuno, destaco o seguinte trecho (fls. 158/159):

"Considerando que o Presidente do egrégio Superior Tribunal Maçônico Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 8: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Mestre, determinando a retirada do item 2.1.2 da Assembléia Legislativa, rela­tivo à apreciação e votação pela Assembléia do relatório e parecer da Douta Comissão de Economia e Finanças, em favor do Past Grão-Mestre Salim Zugaib.

Considerando, não ter havido motivo de ordem jurídica para concessão da Liminar, o que atentou contra a soberania do povo maçônico e contra o artigo 50, Inciso V, da Constituição Maçônica da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo;

Considerando que o mesmo, reconhecendo a sua parcialidade, requereu ao plenário do Superior Tribunal, a nulidade de todas as suas decisões;

Considerando a convocação extraordinália, com prazo inferior a 24 ho­ras, dos Ministros daquela Corte em flagrante desrespeito ao Regimento Inter­no daquele sodalício, que prevê prazo mínimo de cinco dias para sua convo­cação;

Considerando que após várias decisões do Presidente Milton Pires Correa, o mesmo reconhece sua própria suspeição para presidir processos, onde em qualquer dos pólos, figure o PGM Salim Zugaib, passando nesses casos a presidência ao vice-presidente do Superior Tribunal Maçônico;

Considerando que, após várias tentativas de entrega dos Autos da Denún­cia ao Grande Orador, face ao PGM Salim Zugaib; pelo Secretário-geral, re­cusou-se a recebê-los, desde o dia 18 de junho de 2002;

Considerando que até a presente data, o Ir.: Presidente do Superior Tribu­nal Maçônico é advogado do PGM Salim Zugaib perante a justiça profana;

Considerando que o mesmo deveria, desde o início, se declarar suspeito, portanto impedido de julgar, ou de participar na qualidade de Presidente da mais alta corte maçônica, nos processos onde figure, como uma das partes, o PGM Salim Zugaib;

Considerando que o Ir.: Milton Pires Correa, como Grande Orador na administração do PGM Salim Zugaib, não se opôs de ofício, contra o ato de n. 339-1988/2001 de 25 dejunho de 2001, que promulgou os Códigos Penal e de Processo Penal, sem a prévia aprovação da Assembléia Legislativa, nos termos do artigo 50, Inciso II de nossa Constituição;

Considerando que o mesmo, no exercício da presidência do Superior Tribunal Maçônico, vem se utilizando dessa legislação espúria;

Considerando que em 17 de junho de 2002, foi ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade face ao Ato 339-1998/2001, e por desídia e prevarica­ção do Rr.: Presidente Milton Pires Correa, até a presente data não foi dado o encaminhamento de praxe;

Page 9: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Considerando que todos os atos praticados pelo Presidente do Superior Tribunal Maçônico, estão eivados de vício e má-fé, na defesa extrema do PGM Salim Zugaib;

Considerando que todos os Processos Maçônicos ajuizados pelo PGM Salim Zugaib, são encaminhados e despachados diretamente pelo Presi­dente do Superior Tribunal Maçônico, sem prévio ou posterior protocolo da Secretaria Geral da GLESp, infringindo diretamente o artigo 27 de nossa Constituição;

Considerando que a distribuição dos processos no Superior Tribunal Ma­çônico, se dá pelo Critélio da "ordem alfabética dos Ministros", suprimindo-se o instituto processual do sorteio, da imprevisibilidade da distribuição, preve­nindo e prevendo o Ministro-Relator e a câmara julgadora;

Considerando que o PGM Salim Zugaib, é o único que conhece a seqüên­cia da distribuição, despachando diretamente os processos com os Ministros "sorteados", como na última distribuição encaminhada e despachada direta­mente ao Ministro RaifKurban, atentando ao princípio do 'juiz natural", um dos pilares do due process of law;

Considerando que nunca divulgou-se pauta das sessões do Superior Tri­bunal Maçônico, sendo esse um imperativo constitucional, para dar conheci­mento ao Povo Maçônico do andamento dos feitos processuais;

Considerando que o pleno do Superior Tribunal Maçônico, não tomou nenhuma atitude contra os atos arbitrários praticados por seu Presidente, numa atitude de total omissão e prevaricação;

Requer

Se digne Vossa Serenidade incluir no edital de convocação o

Impeachment

De todos os componentes do E. Superior Tribunal Maçônico, a ser votado na próxima Assembléia Geral Deliberativa, a realizar-se no dia 21 de setem­bro de 2002, às 15 horas no Templo Nobre do Palácio Maçônico da GLESp, sito à Rua São Joaquim 138 - Liberdade."

Diz o Querelante, neste Agravo Regimental, que os documentos assinados pe­las Lojas Simbólicas e que se encontram em mãos do Querelado, na qualidade de Grão-Mestre da GLESp, foram devídamente requisitados na petição inicial.

A meu ver, ajuntada nos autos de tais documentos em nada poderia contribuir para a acusação.

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 10: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

22

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Como essas propostas foram efetivamente assinadas por representantes de lo­jas maçônicas e tão-somente destinadas ao Grão-Mestre, não vejo como o Querela­do possa ser responsabilizado pelas palavras nelas contidas.

Por certo que qualquer responsabilidade só poderia ser reclamada daqueles que, efetivamente, assinaram os referidos documentos.

Em segundo ponto, reclama o Querelante o fato do Grão-Mestre ter noticiado a decisão de impedimento deliberada na Assembléia de 21 de setembro de 2002, mediante Boletim Informativo, para todos os membros da entidade, composta por 17.000 maçons.

A conduta apontada, a meu ver, encontra-se inserida dentro das diligências de rotina da função do Querelado na GLESP.

Nada mais natural que o Representante maior de uma entidade particular comunique aos seus associados sobre decisão tomada em Assembléia Deliberativa.

Se os procedimentos tomados para a realização dessa assembléia foram con­trários às normas da entidade ou não, trata-se de outro tema jurídico que, inclusive, já está sendo devidamente examinado pelo órgão judicial competente.

Assim, considerando que a conduta de informar aos associados sobre as deli­berações tomadas em assembléia encontra-se inserida nos deveres normais da fun­ção que ocupa o Querelado, de representante maior da entidade particular em tela, não vejo como se concluir pela ocorrência de difamação.

Por fim, afirma que o Querelado, o Grão-Mestre Pedro Luiz Ricardo Gagliardi, ao retirar da votação da Assembléia Deliberativa o nome de seis outros Ministros efetivos e três suplentes do Superior Tribunal Maçônico, dando-lhes "atestado de idoneidade", quis demonstrar que os Ministros, cujos nomes continuaram em pauta para votação, não possuíam probidade, confiabilidade e honorabilidade, configu­rando, por isso, o crime de injúria.

Também não vejo como se concluir de tal ato a intenção, mediante interpreta­ção contrária, de injuriar o Querelante e os demais envolvidos.

Temos aqui a realização de uma assembléia deliberativa, provocada por um quorum mínimo de associados, para discutir a atuação de membros no exercício de função interna da entidade particular.

Não estamos verificando se os procedimentos foram regulares ou não, segun­do as normas internas, mas tão-somente a constatação de eventual prática de crime contra a honra.

Dos autos, não há como se verificar qualquer ofensa efetivamente dirigida pelo Querelado contra o Querelante, mas tão-somente o desenrolar de um procedi­mento interno para que os associados pudessem discutir e votar quanto à atuação de membros no exercício de funções internas da entidade particular.

Page 11: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Pelo que, coadunando do mesmo entendimento esposado pela ilustre Subprocuradora-Geral da República, Ela Wiecko V. de Castilho (fls. 274/277), consig­no pela inexistência de justa causa a autorizar a instauração de persecução criminal.

A propósito, destaco o seguinte julgado, do qual fui Relator:

"Penal. Crimes contra a honra. Associados de clube que representam con­tra Diretor classificado em sentença judicial como estelionatário. Ação Penal contra os associados. Animus narrandi. Falta de justa causa. Trancamento.

1. Reclamar em favor da probidade administrativa tanto na gestão publica quanto na gestão de entidades associativas privadas é exercicio de cidadania.

2. No caso concreto, a simples indicação de que um Diretor, alvo da manifestação dos associados, figurou em processo judicial de forma desabonadora, configuraria, quando muito, excesso de zelo, compreensível em meio às paixões naturais nas agremiações desportivas, sem potencialidade lesiva suficiente à configuração de algum crime contra a honra.

3. Ação Penal trancada por falta de justa causa." (HC n. 16.216/SP' DJ de 24.06.2002). Assim, mantendo a decisão que rejeitou liminarmente a Queixa, nego provi­

mento ao Agravo Regimental.

É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO N. 1.693 - PE (2002/0047498-1)

Relator: Ministro Nilson Naves Agravante: Baptista da Silva Participações e Projetos S/A Advogado: João Armando Costa Menezes e outros Agravado: Banco Central do Brasil Procuradores: Francisco José de Siqueira e outros, Paulo Alberto Leite Cerqueira Requerido: Desembargador Relator do Agravo de Instrumento n. 757.695 do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco

EMENTA

Pedido de suspensão (deferimento). Agravo regimental (cabimen­to). Legitimidade ativa da União e do Banco Central. Competência da Presidência do Supelior Tribunal (precedente). Lesão à economia públi­ca (art. 4.Q da Lei n. 8.437/1992).

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 12: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1 - Possuem legitimidade para propor o presente pedido de suspen­são o Banco Central, visto que a ação ajuizada pela agravante visa a analisar os negócios e atos praticados pelos gestores da instituição finan­ceira em liquidação, e a União, pois arcaria com os ônus que adviriam da decisão suspensa.

2 - A Corte Especial vem entendendo que, mesmo havendo a interposição de agravo, instaura-se a competência deste Superior Tribu­nal para apreciar a drástica medida quando a decisão a ser suspensa promana de membro de Tribunal Regional Federal ou de Justiça (AgRg na SS n. 927, DJ de 20.05.2002).

3 - Na espécie, a decisão suspensa tinha potencial para causar lesão à economia pública, visto que poderia causar maiores prejuízos ao Banco Cen­tral e, conseqüentemente, à União do que aqueles efetivamente realizados.

4 - Agravo improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Ruy Rosado de Aguiar, Ari pargendler, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Jorge Scartezzini, Eliana Calmon e Franciulli Netto votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, José Delgado, Gilson Dipp e Francisco Falcão.

Brasília, 16 de junho de 2003 (data do julgamento).

Ministro Edson Vidigal, Presidente

Ministro Nilson Naves, Relator

Publicado no DJ de 22.09.2003

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Nilson Naves: Cuida-se de agravo regimental interposto contra decisão proferida por esta Presidência deferindo pedido de suspensão de liminar concedida nos autos do Agravo de Instrumento n. 006.0075769-5, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.

Page 13: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Eis o teor da decisão impugnada (fis. 141 a 143):

"O Banco Central do Brasil requer, com fundamento no art. 40 da Lei n. 8.437/1992 c.c. o art. 271 do RISTJ, a suspensão da liminar concedida pelo Desembargador Antônio Camarotti nos autos do Agravo de Instrumento n. 006.0075769-5, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.

Baptista da Silva Participações e Projetos SI A ajuizou ação cautelar de exibição com pedido liminar objetivando 'a sustação do leilão designado para o próximo dia 31, do corrente mês, atinente às ações titularizadas pelo Banco Banorte SI A - Em Liquidação Extrajudicial na empresa Tecnologia Bancária

SI A, e, bem assim, além dessas ações, decretar a indisponibilidade (impossi­bilidade de alienação) de todo e qualquer bem (móvel e imóvel), direitos e ações do Banco Banorte SI A - Em Liquidação Extrajudicial, até que se con­clua a presente ação de exibição' (fi. 42).

A liminar foi inicialmente deferida pelo Juízo de 10 grau; entretanto, em despacho posterior, este entendeu pela incompetência da Justiça Estadual e, conseqüentemente, declarou nulo aquele ato decisório.

Inconformada, Baptista da Silva Participações e Projetos SI A interpôs agravo de instrumento, tendo o efeito suspensivo pleiteado sido deferido.

Aduz o requerente que:

- 'a decisão proferida pela Justiça Estadual de Pernambuco, cuja execução se pretende suspender, determinou a paralisação total de ato administrativo, imposto por esta Autarquia Federal, qual seja o procedi­mento liquidatório instaurado no Banco Banorte SI p{ (fi. 6), o que impli­cará prejuízo aos credores da liquidanda;

- a decisão impugnada causa grave lesão à ordem pública, visto que o Desembargador do Tribunal de Justiça pernambucano, ao deter­minar que o liquidante - autarquia federal - não poderá 'proceder à realização de ativo, sequer a liberação de hipotecas de mutuários da casa própria que concluíram o financiamento imobiliário' (fi. 8), exce­deu os limites da sua competência, porquanto competente seria a Justiça Federal, como aliás, já havia afirmado o Juízo de 10 grau;

- há lesão à economia pública porque 1) 'a demora na conclu­são do procedimento de liquidação - que terá de aguardar a conclu­são da ação cautelar de exibição, se não for suspensa a liminar -, demandará a utilização dos créditos em espécie, oriundos de saldos de aplicações financeiras e de contas correntes, só com a manutenção do

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 1

25

Page 14: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

regime (pagamento de honorários do liquidante e dos advogados con­tratados para a defesa da massa etc.), e não como pagamento dos credores'; 2) por não haver muito dinheiro em caixa, 'o Banco Central do Brasil ver-se-á na necessidade de fornecer recursos para a continua­ção do regime, ao menos até que seja declarada a falência da institui­ção'; 3) em virtude da correção monetária, 'o débito com o Banco Central do Brasil que era de R$ 552.925.967,72 em 31.1.2002 (docu­mento 13), alçou a quantia de R$ 555.859.590,24 em 30.4.2002 (docu­mento 14)'; 4) 'a proibição para alienar o passivo da liquidanda com­prometerá o fim visado com a liquidação extrajudicial que é a realiza­ção do ativo para pagamento do passivo, com a conseqüente extinção da pessoa jurídica' (fi. 10).

Relatei. Decido.

O pedido de suspensão de liminar, por ser medida excepcional, será deferido quando a decisão impugnada causar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Não obstante os atos administrativos serem passíveis de controle pelo Judiciário, verifico que a decisão do Desembargador Antônio Camarotti, ao emprestar efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto, restabele­cendo a decisão primitiva do Juízo de lU grau - havia decretado a indisponibilidade de todo e qualquer bem, direitos e ações do Banco Banorte SI A - causa lesão à ordem e à economia públicas.

A lesão à economia pública decorre da possibilidade de dispêndio de novos recursos por parte do Banco Central do Brasil para cumprir despesas correntes da liquidação - só a essa autarquia federal são devidos R$ 555.859.590,24 - incidindo, dessa forma, o periculum in mora inverso porquanto, justamente em virtude da ausência de numerário para a quitação global de sua dívida, já foi requerida a falência do Banco Banorte SI A, confor­me noticiado nos autos.

De outra sorte, o fato de o liquidante estar impedido de realizar quais­quer atos que permitam a apuração de ativos para a composição de passivos causa gravame à ordem pública, nela compreendida a administrativa, sendo certo que é do interesse público o deslinde do procedimento liquidatório da instituição, pois ficará garantido o direito dos credores - pelo menos em parte­e a credibilidade do sistema financeiro como um todo.

Ademais, merece destaque a intervenção do Banco Central na causa, que transferiria, em tese, a competência para a Justiça Federal- questão não deci-

Page 15: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

dida pelas instâncias ordinárias - porquanto se trata de medida atacando ato de liquidante da instituição financeira - representante daquela autarquia federal.

Isso posto, defiro o pedido, para determinar a suspensão da decisão pro­ferida nos autos do Agravo de Instrumento n. 006.0075769-5, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco."

Aduz a agravante que:

- a União e o Banco Central não teriam legitimidade para ajuizar o pedido de suspensão, visto que a ação cautelar não foi movida contra o Poder Público, mas sim contra o Banorte S/A - em liquidação extrajudicial;

- a competência para apreciar o pedido de suspensão seria do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco;

- não cabe a interposição do pedido excepcional sem a paralela interposição do recurso cabível da decisão concessiva da medida liminar. No caso em exame, não houve interposição, em prazo legal, de nenhum recurso no Superior Tribunal de Justiça;

- o Banco Central incorre em litígio de má-fé, pois teria omitido "a existên­cia de reconhecido e vultoso crédito do Banorte, referente aos valores recolhidos a maior pelo banco pernambucano, atinentes aos custos financeiros pagos a maior, sobre as chamadas 'deficiências no recolhimento de cruzados novos', quando da implementação do 'Plano Collor'" (fi. 161);

- "sem indicar a origem do alegado débito de R$ 555.859.590,24 e sem demons­trar a adequada elaboração dos dantescos cálculos que resultariam em tal assustador montante, o Banco Central ousou tentar provar a alegada dívida com o que chamou de 'documento 14'" (fi. 163), que é imprestável como prova do suposto débito;

- as graves irregularidades apontadas na ação cautelar impõem a indispo­nibilidade dos bens, direitos e ações do Banco Banorte S/A, ao menos até que se conclua a ação de exibição proposta pela agravante, ao bem da ordem econômica e mesmo do interesse público;

- "sem dúvida, não tivesse havido a transferência da melhor parte do patrimônio do Banorte - sob intervenção - ao Banco Bandeirantes (em negócio eivado de simulação), agravada pelo fato de que os ativos foram transferidos em valores inferiores aos de mercado, além dos substanciosos passivos deixados ao Banorte, não lhe teria sido decretada, enfim, a liquidação extrajudicial" (fls. 174/175).

É o relatório.

Não reconsiderei.

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 16: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

o Sr. Ministro Nilson Naves: Preliminarmente, não procede a alegada ilegiti­midade da União e do Banco Central para ajuizar o pedido de suspensão, visto que a ação proposta pela agravante visa a analisar os negócios e atos praticados pelos gestores da instituição financeira em liquidação, o que justificaria a presença do Banco Central na referida ação.

A propósito, transcrevo ementa do acórdão proferido pela Quarta Turma deste Superior Tribunal quando do julgamento do REsp n. 177.529:

"Processual civil. Banco. Liquidação extrajudicial. Interventor nomeado pelo Banco Central. Ação cautelar de exibição de documentos movida por entidade de previdência complementar. Legitimidade passiva do Bacen.

L A nomeação de interventor e liquidante para a prática de atos destina­dos à apuração do ativo e pagamento do passivo da instituição bancária em regime de liquidação não atrai, necessariamente, a legitimidade passiva do Banco Central do Brasil, o que somente acontece se a licitude dos mesmos, quando praticados no exercício de função delegada, é objeto de questiona­mento judicial.

11. Caso em que a medida cautelar de exibição de documentos intentada pela Fundação de Previdência Complementar dos ex-servidores do banco sob intervenção é preparatória de demanda em que se pretende exigir o cumpri­mento de obrigações alusivas ao plano de custeio e benefício alegadamente descumpridas em face das negociações realizadas pelo interventor nomeado para a transferência de parte do ativo da sociedade liquidanda para outra entidade, a justificar a presença do Banco Central no pólo passivo da lide.

IH. Recurso especial não conhecido."

De outra sorte, o art. 4JJ da Lei n. 8.437/1992 dispõe que qualquer pessoa jurídica de direito público com interesse na causa tem legitimidade para propor suspensão de liminar, permitindo, na espécie, a atuação da União, visto que arcaria com os ônus que adviriam da decisão proferida pelo Tribunal pernambucano.

Ademais, não procede a afirmação de ser esta Presidência incompetente para apreciar o pedido, porquanto se cuida de decisão proferida por membro de tribu­nal, e esta Corte Especial vem entendendo - AgRg na SS n. 927 - que, em tal hipótese, a despeito da interposição de agravo, instaura-se a competência deste Superior Tribunal para apreciar a medida excepcional.

Quanto ao mérito, também não merece prosperar o pleito da agravante, pois os fundamentos expendidos não servem para infirmar a decisão impugnada.

Page 17: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Com efeito, vislumbrei, na espécie, a ocorrência de risco de lesão à economia pública, pois a decisão que restou suspensa teria potencial suficiente para causar maiores prejuízos ao Banco Central e, conseqüentemente, à União do que aqueles já efetivamente realizados, pois, não podendo dispor dos ativos e contando com pou­cos recursos em caixa, o banco terá de fazer novos aportes para fazer frente aos dispêndios correntes da liquidação.

Por outro lado, cumpre ressaltar, como anotado em minha decisão, que a intervenção do Banco Central na causa não foi apreciada pela Justiça Federal que, em tese, passaria a ser competente para processar e julgar a demanda.

Por fim, os demais argumentos da agravante hão de ser debatidos e resolvidos nas vias ordinárias.

Isso posto, nego provimento ao agravo.

AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO N. 2.112 - RS (2002/0145997-1)

Relator: Ministro Nilson Naves

Agravante: César Antônio Przygodzinski e outros

Advogado: Cláudio Leite Pimentel

Agravados: União e Petróleo Brasileiro S/A - Petrobras

Advogados: Leonardo Viveiros de Castro e outros

Requerido: Tribunal Regional Federal da 4a Região

EMENTA

Suspensão de liminar (deferimento). Agravo regimental (cabimen­to). Descumprimento de decisão judicial (incompetência). Ocorrência de lesão à economia e à ordem públicas (art. 4° da Lei n. 8.437/1992). Aprovação do contrato pelo Tribunal de Contas da União e pelos órgãos reguladores (ANP e CADE).

1 - Falece competência ao Superior Tribunal, sob pena de supressão de instância, para examinar se o contrato de permuta de ativos, na for­ma como foi celebrado, teria descumprido a decisão proferida Juízo de primeiro grau.

2 - A decisão impugnada causa lesão à ordem e à economia públicas, visto que impede o prosseguimento de de grande

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 1

29

Page 18: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

vulto - com maciços investimentos já realizados por ambas as par­tes, principalmente na modernização da Refinaria Alberto Pasqualini -, que tem por objetivo a auto-suficiência brasileira na produção e refino de petróleo.

3 - O Tribunal de Contas da União, a Agência Nacional do Petróleo e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica emitiram pareceres favoráveis à transferência de ativos entre a empresa nacional e à alienígena.

4 - Agravo improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unani­midade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Minis­tro-Relator. Os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Cesar Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Delgado, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçal­ves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Jorge Scartezzini, Eliana Calmon, Francisco Falcão e Franciulli Netto votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.

Brasília (DF), 3 de setembro de 2003 (data do julgamento).

Ministro Edson Vidigal, Presidente

Ministro Nilson Naves, Relator

Publicado no DJ de 13.10.2003

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Nilson Naves: Cuida-se de agravo regimental interposto por César Antônio Przygodzinski e outros contra a decisão na qual deferi o pedido ajuizado pela União para suspender a decisão proferida pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região nos autos do Agravo de Instrumento n. 2001.04.01.068249-5/RS.

Eis o teor da decisão impugnada (fls. 1830 - 1837):

"A União requer, com fundamento nos arts. 4° da Lei n. 8.437/1992, 1° da Lei n. 9.494/1997 e 25 da Lei n. 8.038/1990, a suspensão da decisão proferida

Page 19: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região nos autos do Agravo de Instrumento n. 2001.04.01.068249-5/RS, assim ementada (fls. 21-22):

'Agravo de instrumento, indeferimento da tutela antecipatória requerida em ação popular que questiona a lisura do negócio jurídico a ser realizado entre empresa brasileira e empresa estrangeira. Possível lesividade ao erário público. Presença dos requisitos legais. Perda do objeto afastada. Sem condenação em litigância de má-fé visto que indemonstrada a alegada deslealdade processual.

A realização, pela parte interessada, de avaliação unilateral dos ati­vos financeiros a serem permutados entre as empresas envolvidas no negó­cio, a evidente desvalorização dos bens da negociante estrangeira, a celeridade imprimida à tramitação do procedimento administrativo e a vul­tosa quantia da operação denotam a presença de risco de dano. A verossimi­lhança das alegações encontra-se na nebulosidade de termos e atos do pro­cedimento, levando ao justo receio de irreversibilidade da transação, se con­cretizada antes da adequada análise a ser realizada após a produção de todas as provas necessárias à correta instrução do feito. Antecipação de tutela a ser deferida, vista a presença dos requisitos legais à concessão.

Apesar das informações trazidas aos autos acerca da efetivação da nego­ciação objeto deste recurso, inclusive com aprovação pela ANP e pelo CADE, não há que se concluir pelo exaurimento do presente agravo de instrumento, visto que no próprio documento que apresentado como prova da conclusão do acordo de permuta, foi aposto carimbo informando da confidencialidade do ato. Assim reforçada a falta de transparência dada à operação, reforçado está o objeto do recurso em apreço. Afastada a perda de objeto.

Aos litigantes é lícito apresentar postulações no decorrer da instru­ção do feito (assim como na tramitação do recurso), atendendo às nor­mas processuais de prazo e formalidade, sendo possível, inclusive, re­querer a extinção da demanda judicial pela implementação de avença entre as partes. A negativa unânime do pedido, por si só, já conÍigura ônus a ser suportado pelo requerente, não estando, no entanto, demons­trado o dolo necessário à aplicação da multa pecuniária prevista no art. 17 do cpc. Indemonstração da ocorrência de litigância de má-fé.'

Alegam os autores da ação popular que o contrato de permuta de ativos celebrado entre a Petrobras SI A e a Repsol- YPF SI A lesiona o País, porquanto o patrimônio da empresa brasileira possui valor imensurável, enquanto o da estrangeira é de valor desconhecido.

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 20: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Aduz a requerente que:

- 'em seu planejamento estratégico para o período de 2001/2010, a Petrobras estabeleceu corno um de seus objetivos precípuos 'investir no refino diretamente, ou mediante parcerias, e na capacidade de logística, para aumentar o processamento de óleo nacional como alternativa à exportação" (fi. 7);

- ' ... os procedimentos tendentes a estabelecer urna parceria entre a Petrobras e a Repsol-YPF SI A, sociedade constituída de acordo com as leis da Espanha, representam o cumplimento, pela Petrobras, dos objeti­vos estabelecidos em seu planejamento estratégico' (id.);

- 'no momento da celebração, houve equivalência de valores entre

os ativos permutados, sustentada por exaustivo trabalho de identificação, conferência e avaliação de tais ativos' (fi. 9);

- 'o contrato de permuta realizado entre a Petrobras e a empresa Repsol é de enorme importância para a economia brasileira e para o fortalecimento do bloco econômico do qual o Brasil faz parte' (fi. 10);

- 'a decisão final proferida nos autos do Agravo de Instrumento

poderá ocasionar grave lesão à economia nacional, uma vez que inviabilizará os futuros atos de um negócio válido já realizado, envolven­do altos valores e compromissos de vulto' (fi. 12);

- a manutenção da decisão pode causar também 'perda dos recur­sos trazidos para o Brasil pela Repsol, para viabilizar os investimentos necessários na Refap e em Albacora Leste' (fi. 15);

- há 'ameaça ao atingimento das metas de produção de petróleo e de produtividade em refino' (fi. 15);

- 'a anulação de um ato jurídico, peifeito e acabado, trará inegáveis prejuízos para a Petrobras e para a economia brasileira, com evidente

repercussão negativa no cenário internacional, criando um clima de des­confiança, fazendo com que o país perca credibilidade e os investidores estrangeiros procurem outras alternativas de investimentos' (fi. 19).

Instada a se manifestar, a Petrobras requereu sua admissão no feito e aduziu que:

- ' ... a decisão do Tlibunal Regional Federal da 4a Região, con­quanto não se ampare em lei (não aponta qualquer dispositivo legal viola­do), está causando prejuízos vultosos para as partes e, sendo urna delas a Requerente, maior empresa brasileira, sociedade de economia mista, con-

Page 21: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

trolada pela União Federal, a repercussão na economia pública é latente, além do que há o risco de uma divulgação equivocada da decisão, o que trará prejuízos à imagem da Petrobras e do Brasil, como bem demonstra-do pela União Federal, em seu pedido de suspensão' 364);

- ' ... não se pode perder de vista que a Petrobras já investiu, ao longo do ano de 2002, na modernização e operacionalização dos ativos recebidos da Repsol-YPF, localizados na Argentina. Tais investimentos, no caso da permuta ser obstada neste momento, poderão não oferecer qual­quer retomo à Petrobras e aos seus acionistas, dentre os quais a União Federal, permanecendo sem movimentação na Argentina até que seja pro-ferida uma decisão definitiva quanto ao mérito da operação' 365);

- ' ... estima-se que apenas na exploração do Campo de Albacora Leste, a Repsol-YPF aporte nos próximos anos 10% (dez por cento) dos investimentos necessários ao seu desenvolvimento, na ordem de US$ 1,6 bilhões (Repsol-YPF - US$ 160.000.000,00 - cento e sessenta milhões de dólares). Somente no ano de 2002, a Repsol-YPF já investiu em Albacora Leste aproximadamente R$ 88.000.000,00 (oitenta e oito milhões de re­ais). No tocante à Refap S/A, este percentual eleva-se a 30% (trinta por cento) dos investimentos necessálios (investimento da ordem de US$ 650.000.000,00 - seiscentos e cinqüenta milhões de dólares)' (fl. 368);

- ' ... a Petrobras e a Repsol-YPF tomaram-se sócias na Refinaria Alberto pasqualini - Refap S.A, a qual receberá investimentos na ordem de US$ 650.000.000,00 (seiscentos e cinqüenta milhões de dólares norte­americanos), sendo que mais de 26% dos investimentos já foram realiza­dos e todos os equipamentos se encontram comprados, isso tudo antes da decisão proferida pelo TRF da 4a Região', de tal forma que 'a paralisa­ção de um projeto dessa magnitude - além dos demais bens que estão recebendo investimentos grandiosos em virtude da permuta de ativos -representa, por si só, um desnecessário risco à maior empresa e maior exportadora brasileira, bem assim um impacto negativo na economia pública, pois, como bem demonstrado pela União Federal, a decisão do TRF da 4a Região se não for suspensa a tempo, ocasionará uma lesão à imagem do Brasil' (fls. 369-370);

- ' ... o TCU avaliou - em decisão que pode e deve servir de paradigma para o julgamento da Ação Popular e, com mais razão ainda, para o julgamento do presente Pedido de Suspensão - com profundida­de a permuta celebrada e concluiu que todos os aspectos pertinentes à legalidade e à economicidade foram observados pela Petrobras e, mais

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 1

33

Page 22: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ainda, que o interesse público foi preservado, pois foram observadas as

cautelas recomendadas' (fl. 371).

Os autores da ação popular, em petição de fls. 319-345, requerem a não­suspensão da tutela antecipada concedida pelo Tribunal de origem asseverando que 'as repercussões do negócio suspenso, na economia pública, não se espelham nem se fazem presentes de forma alguma' e aduzindo, para tanto, que 'embora notíciajá divulgada ao mercado desde o dia seguinte ao julgamento do agravo de instrumento, isto em 05 de setembro deste ano, nenhuma repercussão maior hou­ve no mercado financeiro em vista do sobrestamento do negócio objeto da deman­da popular' e, ainda, que 'o própio fato de a União Federal demorar mais de sessenta dias após ter sido proferida a decisão para o ingresso deste pedido, bem demonstra a ausência de reflexos na economia pública imediatos e, muito menos, desastrosos a justificar a concessão da medida postulada' (fl. 336).

Em petição de fls. 1056-1063, a Petrobras Distribuidora S/A também pleiteia seu ingresso no feito e aduz que 'cumpre aqui reiterar que a antecipa­ção de tutela, deferida ao arrepio da lei federal (art. 273 do CPC), implicou frustração de um negócio já concluído, com manifestos e imensos prejuízos às empresas dele participantes e às perspectivas da Petrobras e da Distribuidora­BR, no âmbito do Mercosul' (fl. 1.061).

Ouvido, o Ministério Público Federal opinou pelo deferimento do pedido de suspensão.

Relatei. Decido.

A extrema medida só tem espaço quando demonstrada, cabalmente, le­são ao menos a um dos valores tutelados, a saber: ordem, saúde, segurança e economia públicas (art. 4il da Lei n. 4.348/1964).

Preliminarmente, defiro os pedidos da Petrobras e da Petrobras Distribui­dora S/A para ingressarem no feito, pois, cuidando-se de sociedades de econo­mia mista, teriam legitLmidade para ajuizar, por si sós, o pedido de suspensão.

A propósito, transcrevo trecho extraído da decisão proferida nos autos do Agravo Regimental na Petição n. 1.621- PE, in vel"bis:

fugumenta-se, ademais, com o fato de que a União não teria, por direito próprio, legitimação para formular pedido de suspensão de liminar, uma vez que a parte por ela assistida (Chesf) tem naturezajurí­dica de sociedade de economia mista (pessoa jurídica de direito privado) e, por essa razão, não estaria autorizada a formular diretamente aquela pretensão. Assim sendo, não poderia a assistente exibir legitimação mais abrangente que a assistida'.

Page 23: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Exatamente quanto ao tema, a ego Segunda Turma desta Corte, ao julgar o Recurso Especial n. 50.284-5/SP' anotou na ementa do respectivo acórdão:

'Processual Civil - Recurso especial - Anulação de procedimento licitatório - Segurança concedida a pessoa jUlidica de direito privado -Suspensão - Sociedades de economia mista da administração indireta (Telebrás e Telesp) - Pessoas jurídicas de direito público - Legitimidade ativaad causam-Lein. 4.348, de 26.06.1964 e DL 200, de 25.11.1967.

- As empresas públicas equiparam-se às entidades de direito públi­co, quanto à legitimidade para requerer suspensão de segurança, bastan­do estar investidas na defesa do interesse público decorrente da delegação.

- A Telebrás e a Telesp, sociedade de economia mista da Adminis­tração indireta, destinadas à exploração de atividade econômica de inte­resse público e executoras da política nacional de telecomunicações, estão legitimadas para propor ação visando ao resguardo do interesse público, em face da concessão de medida liminar em mandado de segurall.ça.

- Recurso conhecido e provido.'

No douto e bem fundamentado voto condutor do V. acórdão, o eminente Ministro Peçanha Martins, após referir vários julgados quanto ao recoru'1eci­mento às empresas públicas da legitimação para requererem suspensão de segurança, delineou com precisão os traços de semelhança daquelas com as sociedades de economia mista para essa finalidade, nos seguintes termos:

'A diferença fundamental entre empresa pública e a sociedade de economia mista reside na formação do capital.

Na empresa pública o capital é exclusivo da União; na sociedade de economia mista, a constituição obedece a forma das sociedades anô­nimas, cujas ações, com direito a voto, pertencerão, em maioria à União ou a entidade de Administração Indireta.

A finalidade, porém, das empresas públicas e sociedades de econo­mia mista é a exploração de atividade econômica de interesse público, vale dizer, que proporcione a prestação de serviços ou a satisfação de interesses da coletividade, como o são, indiscutivelmente, os chamados serviços de comunicação, dentre os quais o de telefonia fixa e por celular.

Ora, se é assim, se ambas as formas societárias se dedicam e reali­zam a Administração Indireta dos negócios do Estado, não cabe distin­guir dentre elas quanto a legitimidade para propor medida de resguardo do interesse público face à concessão de medida liminar em mandado de

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 24: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

segurança' (Recurso Especial n. 50.284-5/SP' publicado no DJ de 12 de junho de 2000).

No mérito, também merece prosperar o pleito da requerente.

Na espécie, o núcleo da questão jurídica diz com o contrato de permuta de ativos celebrado entre as empresas Petrobras e Repsol-YPF, que, segundo os autores da ação popular, causaria lesão à empresa naci­onal, pois os ativos desta valeriam muito mais do que os oferecidos pela alienígena.

No acordo, em troca da Refinaria de Baia Blanca e de 99,6% da Rede EG3 localizadas na Argentina, a empresa brasileira daria, em contrapartida, 30% da Refinaria Alberto Pasqualini, localizada no Paraná, 340 postos BR localizados na região centro-sul do País e 10% do Campo Albacora Leste, localizado na Bacia de Campos, avaliados em US$ 500.000.000,00 pelos contratantes e em US$ 3.000.000.000,00 pe­los autores da ação popular.

Em verdade, defrontamo-nos na hipótese com métodos distintos de avaliação de ativos, não cabendo a esta Presidência determinar qual seria o correto e o mais apropriado para a celebração do contrato de permuta, objeto do caso em tela; apenas vale ressaltar que, segundo os documentos acostados aos autos, há previsão contratual para eventuais correções dos seus valores.

Ademais, afigura-se-me que, sem pretender adentrar o cerne da questão, a desvalorização imediata dos ativos dados pela empresa Repsol em razão da grave crise enfrentada pela Argentina não seria cau­sa suficiente para o desfazimento do acordo, ainda mais que a nossa situação econômica, com o passar dos tempos, também se deteriorou, o que ocasionou, por conseqüência, desvalorização dos ativos brasileiros. É importante anotar que, nos dias atuais, o peso argentino possui valor superior ao real frente ao dólar americano.

Cuida-se, assim, de discussão acerca de tema complexo que envol­ve a auto-suficiência brasileira na produção e refino de petróleo, bem como a participação de empresa brasileira em economia de outro país, Argentina, que vem a ser o segundo maior importador de produtos brasi­leiros, apenas perdendo para o mercado dos Estados Unidos, o que deter­mina a sua grande importância estratégica.

In casu, caberia ao Judiciário verificar a legalidade dos atos pra­ticados. Ir além significaria ingerência nas atividades dos entes estatais.

Page 25: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Aliás, o Juízo da Vara Federal de Canoas, nesse sentido, pronunciou-se (fi. l17):

'é defeso a este Juízo ingressar na esfera de análise do mérito da atividade administrativa, muito menos quanto aos aspectos políticos e estratégicos que envolvem a questão do petróleo brasileiro. Deve o juiz se restringir ao aspecto da legalidade, onde os mínimos pressupostos para a realização de permuta por sociedade de economia mista foram obser­vados nesse caso. Não cabe ao magistrado substituir a atividade política dos detentores dos demais poderes, mesmo que eles omitam ou cumpram suas obrigações de forma contrária ao interesse comum da população.'

Com efeito, a decisão impugnada causa grave lesão à economia e à ordem públicas, visto que impede a efetivação de contrato celebrado entre a Petrobras e a Repsol-YPF, empresa de capital espanhol, que teria como objetivo o estabeleci­mento de parcerias nas áreas de extração e refino de petróleo, bem como na distribuição de combustíveis, o que traria, em princípio, benefícios para o interes­se nacional, porquanto se incentivaria a concorrência interna, além do que esta­lia inserindo empresa nacional no segundo maior mercado da América do Sul.

Em reforço ao acima referido, há que ser destacada, consoante noticiado nos autos, a parceria existente entre as empresas contratantes no processo de modernização da Refinaria Alberto Pasqualini e na exploração do poço Albacora Leste, que injeta, na economia nacional, recursos não-especulativos provenientes do exterior, ajudando nosso balanço de pagamentos.

Investimentos esses que, aliás, já estavam sendo realizados e restaram paralisados com a decisão do Tribunal de origem, causando, assim, lesão à economia pública.

Por outro lado, há de ser ressaltado que o referido acordo já foi alvo de apreciação e aprovação pelos órgãos reguladores - CADE e ANP - e pelo Tribunal de Contas da União, que, em sua análise trazida aos autos pela Petrobras, assim se pronunciou (fls. 372-373):

'A equipe de auditoria entende que, uma vez que foram seguidos todos os procedimentos previstos na legislação para a transferência de titularidade requerida, referente à constituição da subsidiária Refap SI A, e que houve a aprovação formal da ANP para todo o processo, nada resta que possa macular a transferência efetuada.'

Ademais, aduziu que:

' ... no que tange à adequabilidade da escolha do Método do Fluxo de Caixa Descontado para a avaliação dos ativos envolvidos na presente per-

RSTJ, a. 16, (173): 13·62, janeiro 2004 1

37

Page 26: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

muta, cumpre ressaltar que ele tem sido largamente utilizado em situa­ções assemelhadas e nas privatizações de empresas estatais, em nosso País e no exterior, por utilizar uma avaliação prévia das perspectivas futuras das empresas. Invariavelmente, quando se faz um estudo de viabilidade econômica, emprega-se esse método. No caso em questão, não há como divergir sobre a propriedade do seu emprego, bem mais vantajoso para a Petrobras do que a avaliação pura e simples do patrimônio líquido das empresas, principalmente quanto à valoração da Refap S//\ (fi. 373).

E, ainda, que:

'a criação do Escalador servirá para dirimir eventuais discrepân­cias entre os valores projetados e valores efetivamente praticados nas margens bruta de refino de petróleo, devendo tal mecanismo ser utili­zado, por acordo das partes, para mensurar a evolução dos valores econômicos da brasileira Refap SI A e da Argentina Eg3 SI A aumentan­do a segurança de que ninguém será prejudicado caso não se concreti­zem as premissas inicialmente adotadas na transação de troca de ati­vos' (fl. 374).

o representante do Ministério Público, por sua vez, asseverou que 'não será despiciendo atentar-se para o dano, esse, sim, quiçá, in-eparáve1, que o empeço da concretização da avença esboçada pelas partes, mercê do provi­mento judicial atacado, poderá significar para as companhias contratantes brasileiras, quando não, mesmo, para o Brasil' (fl. 1.806).

Isso posto, presentes os pressupostos autOlizadores, defiro o pedido para suspender a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal nos autos do Agravo de Instrumento n. 2001.04.01.068249-5/RS."

Aduzem os requerentes, em síntese, que:

- "este pedido de suspensão de segurança está prejudicado, já que a mera suspensão da decisão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região não afastará a decisão da lavra da Dra. Narendra Borges Morales, que determinou o sobrestamento da troca de ativos por ter sido feita contrariamente a decisão do Juiz Guilherme Pinho Machado, con­forme já consignado e demonstrado nestes autos" (fls. 1.854/1.855);

- "a questão tem conteúdo econômico, e não repercute senão na esfera econômica das partes envolvidas na demanda popular proposta" (fl.1.857);

- há "possibilidade de lesão à ordem pública pelo deferimento do pedido de suspensão e não pelo seu indeferimento" (fi. 1.857);

Page 27: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

- "a União Federal, titular do direito público subjetivo a amparar esta excepcional tutela jurisdicional, levou mais de dois meses a encami­nhar o pedido em tela. E, mais, quando o fez, procedeu de forma incom­pleta, frágil, verdadeiramente inepta" (fi. 1.858);

- "até a emenda do pleito de suspensão passaram-se mais de cinco meses do deferimento da medida antecipatória pelo TRF da 4a Região, o que por si só demonstra tanto a inexistência de urgência quanto a ausên­cia do risco de lesão à economia pública" (fls. 1.858/1.859).

Em aditamento às suas razões, vêm os agravantes, através da petição de fis. 1871/1872, asseverar, acostando para tanto matéria jornalística, que "no último trimestre, anteriormente mesmo à decisão concessiva deste pedido formulado pela União Federal, a Companhia Petrolífera Brasileira registrou o maior lucro de sua

história, com o que resta cabalmente demonstrado que a concessão da liminar pela

Corte de origem não abalou e nem mesmo consistiu objetivamente em risco de grave

lesão à economia ou ordem públicas".

Não reconsiderei.

É o relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Nilson Naves: O núcleo da questão refere-se à lesividade que estaria suportando a empresa nacional no contrato de permuta de ativos celebrado entre a Petrobras e a empresa Repsol-YPF S/A, de capital espanhol, que incluiria participação em refinarias, em postos de combustíveis e no poço petrolífero de Albacora Leste, localizado na Bacia de Campos.

Preliminarmente, a afirmação de que o pedido de suspensão encontra-se pre­judicado não merece prosperar.

Com efeito, o pleito da União visava à suspensão da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região que, ao deferir a tutela antecipada pleitea­da pelos autores da ação popular, impediu por qualquer meio, a troca de ativos entre as empresas celebrantes do supramencionado contrato, cabendo, dessa for­ma, a esta Presidência tão-somente apreciar o conteúdo daquele decisum para verificar a ocorrência ou não dos pressupostos autorizadores da drástica medida.

Assim sendo, falece competência ao Superior Tribunal, neste momento, sob pena de supressão de instância, para apreciar se o referido contrato teria descumprido a decisão proferida pelo Juízo da Vara Federal de Canoas - RS, por­quanto a matéria, pelo que se constata nos autos, não foi passível de exame pela

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 28: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Corte de origem, assim como não o foi a decisão superveniente proferida nos autos da ação popular que deu azo ao pedido de suspensão.

Em verdade, no que cabia a esta Presidência examinar, vislumbrei, na espé­cie, a ocorrência de lesão à economia e à ordem públicas, visto que a decisão suspensa estava impedindo a continuação de negócio de grande vulto celebrado por uma das maiores empresas nacionais, a Pet:robras, em área de grande interes­se estratégico para o País, pois cuida da auto-suficiência brasileira na produção e refino de petróleo.

Em minha decisão, anotei a apreciação e a aprovação do referido acordo pelos órgão reguladores - CADE e ANP - e pelo Tribunal de Contas da União, ressaltando que a Corte de contas entendeu que "foram seguidos todos os procedi­mentos previstos na legislação para a transferência de titularidade requerida" e que "houve aprovação formal da ANP para todo o processo", nada restando "que possa macular a transferência efetuada".

Além disso, ressaltei que os investimentos externos referentes ao processo de modernização da Refinaria Alberto Pasqualini e na exploração do poço Albacora Leste já estavam sendo realizados, sendo que sua paralisação causaria lesão aos cofres públicos.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo.

ElVIBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP N. 182.223 - SP (1999/0110360-6)

Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira Relator para o acórdão: Ministro Humberto Gomes de Barros Embargante: Iracema Sanguim Advogado: Renato de Queiroz Embargado: Benedito Guimarães da Silva Advogados: Nelson Santos Peixoto e outro, Inemar Baptista Penna Marinho

EMENTA

Processual- Execução - Impenhorabilidade - Imóvel- Resi­dência - Devedor solteiro e solitário - Lei n. 8.009/1990.

- A interpretação teleológica do art. 1°, da Lei n. 8.009/1990, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo

Page 29: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos senti­mentos: a solidão.

- É impenhorável, por efeito do preceito contido no art. 1 D. da Lei n. 8.009/1990, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça na confor­midade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer dos embargos de divergência e, por maioria, os rejeitar, vencidos os Srs. Ministros Relator, Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Milton Luiz Pereira e Antônio de Pádua Ribeiro. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, José Delgado, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Felix Fischer, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Edson Vidigal e Garcia Vieira votaram com o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Paulo Costa Leite (Presiden­te), Fontes de Alencar, Vicente Leal e Ari pargendler.

Brasília (DF), 06 de fevereiro de 2002 (data do julgamento).

Ministro Nilson Naves, Presidente

Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator

Publicado no DJ de 07.04.2003

EXPOSIÇÃO

O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: Trata-se de embargos de diver­gência contra acórdão da Sexta Turma, Relator o Ministro Vicente Cernicchiaro, que proveu o recurso especial do embargado para impedir a penhora de seu único imóvel, ao fundamento de que a Lei n. 8.009/1990 abrange, como bem de família, a residência do devedor solteiro.

Trazendo a confronto o REsp n. 67.112/RJ (DJ 23-10-1995), Relator o Minis­tro Barros Monteiro, sustenta a embargante que a pessoa solteira não caracteriza uma "família", já que esta pressupõe "associação", aduzindo que a extensão do benefício da impenhorabilidade, neste caso, estaria a favorecer os maus pagadores.

Admitidos os embargos, disse o embargado, na impugnação, viver "marital­mente com uma Senhora, residindo no local, não ocorrendo, assim, a figura do proprietário solitário" (fi. 243).

É o relatório.

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 30: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO-VENCIDO

o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Relator) : 1. Esta a ementa do acórdão embargado:

"REsp - Civil- Imóvel- Impenhorabilidade

A Lei n. 8.009/1990, art. 1'\ precisa ser interpretada consoante o sentido social do texto. Estabelece limitação à regra draconiana de o patrimônio do devedor responder por suas obrigações patrimoniais. O in­centivo à casa própria busca proteger as pessoas, garantido-lhes o lugar para morar. Família, no contexto, significa instituição social de pessoas que se agrupam, normalmente por laços de casamento, união estável, ou descendência. Não se olvidem ainda os ascendentes. Seja o parentesco ci­vil, ou natural. Compreende ainda a família substitutiva. Nessa linha, con­servada a teleologia da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamen­to. Também o celibatário é digno dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias, e como, normalmente acontece, passam a residir em outras casas. Data venia, a Lei n. 8.009/1990 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário - à pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade, data venia, põe sobre a mesa a exata extensão da lei. Caso contrário, sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer a insuficiente interpretação literal".

No paradigma, de seu turno, ementou a Quarta Turma:

"Impenhorabilidade. Lei n. 8.009, de 29.3.1990. Executado solteiro, que mora sozinho.

A Lei n. 8.009/1990 destina-se a proteger, não o devedor, mas a sua família. Assim, a impenhorabilidade nela prevista abrange o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, não alcançando o devedor soltei­ro, que reside solitário.

Recurso especial não conhecido".

Ajurisprudência das Turmas desta Corte considera impenhorável o imóvel:

a) da viúva, resida ela com os filhos ou não (REsps ns. 276.004/SP' DJ 7.5.2001, e 253.854/SP' DJ 6.11.2000, Relator o Ministro Menezes Direito);

b) do ex-cônjuge separado judicialmente (REsps ns. 218.377/ES, DJ 11.9.2000, e 205.170/SP, DJ 7.2.2000, Relatores os Ministros Barros Monteiro e Gilson Dipp);

Page 31: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURlSPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

c) de irmãos solteiros que vivam juntos (REsps ns. 159.851/Sp' DJ 22.6.1998, e 57.606/MG, DJ 15.5.1995, Relatores os Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Fontes de Alencar).

Quanto à residência do devedor solteiro, que mora sozifl-.ho, esta Corte vem admitindo a penhora, como se extrai, na Quarta Turma, dos REsps ns. 169.239/SP (DJ 19.3.2001), 174.345/SP (DJ 31.5.1999) e 67.112/RJ 23.10.1995), da relatoria do Ministro Barros Monteiro, e, na Terceira Turma, do REsp n. 212.600/SP (DJ 18.9.2000), Relator o Ministro Waldemar Zveiter.

Em sentido oposto, o acórdão escoteiro, do qual ora se embarga, REsp n. 182.223/SP (DJ 10.5.1999), da Sexta Turma.

2. O cerne da controvérsia reside na interpretação do art. lU, ... ""'u ....... da Lei n. 8.009/1990, que dispõe:

"Art. lU O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei".

Não se discute que a edição dessa lei teve por objetivo a proteção da "entidade familiar", expressão cunhada na Constituição de 1988 (art. 226) para estender a proteção do Estado à união entre homem e mulher ou à comunidade formada por um dos pais e seus descendentes. Os limites dessa proteção têm merecido apurada reflexão tanto na jurisprudência quanto em doutrina consoante tive ensejo de anotar:

"Ramo algum do Direito apresenta tantas mutações, como atesteJ1l as modificações introduzidas pelo texto constitucional de 1988, que consagrou a igualdade jurídica dos cônjuges e dos filhos como princípios fundamentais.

Não bastassem as alterações impostas pela sociedade e pela sensibilida­de coletiva, a exemplo do que se dá com a multiplicação das uniões extramatrimoniais, outras circunstâncias, decorrentes das conquistas da ciên­cia e do avanço da tecnologia, especialmente no campo da apuração da pater­nidade real e da inseminação artificial, têm contribuído de forma significati­va para a mudança do perfil da família e, via de conseqüência, do Direito de Farm1ia" (Direitos de família e do menor, 3a ed., Del Rey, 1993, p. 7).

A par das muitas controvérsias acerca das inovações constitucionais no tema e também das novidades tecnológicas da Medicina, permanece a família como nú­cleo essencial da sociedade, que sobreleva sua importância, notadamente nas sea­ras moral e psíquica, a exigir do Direito amplo e franco debate a respeito do grau de intervenção estatal nas relações familiares.

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 32: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Como realçam Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, no prefácio de seus recentes estudos sobre o tema:

"A partir da segunda metade do século XX, está-se vivendo um importan­te processo de transformação, determinado - entre outros fatores - e pela

quebra da ideologia patliarcal, impulsionada pela revolução feminista. À

evolução do conhecimento científico, somaram-se o fenômeno da

globalização, o declínio do patriarcalismo e a redivisão sexual do trabalho, a

ensejar uma profunda mudança na própria família.

A travessia para o novo milênio transporta valores totalmente diferentes,

mas traz como valor maior uma conquista: a família não é mais essencial­

mente um núcleo econômico e de reprodução, onde sempre esteve instalada a

suposta superioridade masculina. Passou a ser - muito mais que isso - o

espaço para o desenvolvimento do companheirismo, do amor e, acima de

tudo, o núcleo formador da pessoa e elemento fundante do próprio sujeito.

Não é fácil absorver tantas transformações, pois toda a travessia é sem­

pre acompanhada de turbulência, o que gera a tendência de ver esta revolução

da família como seu fim. Para o Direito, as dificuldades são ainda maiores,

visto ser um desafio a disciplina jurídica das relações de afeto e das seqüelas

patrimoniais daí decorrentes, de tal modo que assegure e viabilize a organiza­

ção social. É nesse imperativo categórico que está o "convite a pensar" as

novas representações sociais da família para compreendê-la neste novo

século"(Direito de família e o novo Código Civil, Del Rey; 2001, p. VIII).

Assim é que, independentemente do aspecto analisado, família é conceito de

relação, que envolve laços psicológicos, de afeto e intimidade entre seus membros,

a distingui-la das pessoas jurídicas e também dos indivíduos dela integrantes. A

dizer com Antunes Varela:

"o direito da família distingue-se ainda dos outros sectores do direito

civil [ ... ] pela relevância especial que dentro dele assumem os interesses da

família, como núcleo social distinto de cada uma das pessoas que individual­

mente o integram" (Direito da Família, Lisboa: Livraria Petrony; 1987, n. 9.

IH, p. 57).

E também Carlos Alberto Bittar:

"Sensível evolução tem experimentado a família nas últimas décadas,

em função do progresso econômico, tecnológico e social, que lhe confere atu­

almente feição eminentemente nuclear, personalizada e paritária quanto a

direitos de seus componentes, sob a égide do casal, que, mediante consenso, a

Page 33: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

comanda, em regime de respeito mútuo" (O direito de família e a Constituição de 1988, Saraiva, 1989, n. 14, p. 34).

Com a mesma idéia de conceito relacional, Teresa Celina i\rruda Alvim Wambier:

''A 'cara' da família moderna mudou. O seu principal papel, ao que nos parece, é o de suporte emocional do indivíduo. A família de hoje, que não mais se consubstancia num grão de areia, praticamente carente de identidade própria, que vai juntar-se ao grupo familiar mais extenso (tios, avós, primos, etc), foi substituída por um grupo menor, em que há flexibilidade e eventual intercambialidade de papéis e, indubitavelmente, mais intensidade no que diz respeito a laços afetivos" (Um novo conceito de faffilua - reflexos doutrinários e análise da jurisprudência, in Direitos de família e do menor, op. cit., p. 83).

A reforçar a concepção de família como relações entre indivíduos, assinala o citado Rodrigo da Cunha Pereira, em outra sede:

''A Constituição de 1988 reconheceu como formas de famílias, não somente aquelas constituídas pelo casamento, mas também pela união es­tável e a comunidade formada pelos pais e seus descendentes. Apesar dis­so, e apesar dessas novas leis, alguns julgadores e juristas têm resistido em conceber a família de forma plural, apoiados em concepções do século passado.

Levi Strauss e Lacanjá mostraram ao mundo, há muitas décadas, que o cerne da família e o laço principal de sua formação estão em uma estruturação psíquica entre os sujeitos envolvidos, onde cada um exerce uma função e tem lugares definidos. O Direito já deveria ter entendido isto.

Parece-me que a resistência em rever conceitos tão estabilizados no Di­reito, e tidos como verdade absoluta, tem impedido o avanço da ciênciajurí­dica. Embora essas leis, do ponto de vista técnico, tenham imperfeições e contradições, é preciso ver que os ataques e o debate instalado a seu respeito transcendem a mera questão técnico-jurídica. Ela incomoda porque significa rever valores morais, paradigmas, e interfere em setores importantes da vida do cidadão: o econômico e o sexual" (Direito de família contemporâneo, Del Rey; 1997, n. 4, p. 521).

Nesse contexto, é de excluir-se da abrangência da "família" ou da "entidade familiar" o devedor, individualmente considerado, que, residindo, sozinho, no úni­co imóvel de sua propriedade, não goza da proteção própria conferida ao bem "de família". A respeito, expressou o Ministro Waldemar Zveiter, ao relatar o REsp n. 212.600/SP, já referido:

RSTJ, a. 16, (173): 13·62, janeiro 2004

Page 34: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"Ê certo que a mencionada lei destina-se a proteger a família ou a entidade familiar. Assim, em princípio, não alcançaria o devedor solteiro. Há casos, porém em que a pessoa que tem o estado de solteira pode viver em concubinato ou residir com parentes, enfim, pode formar uma entidade fa­miliar".

Na medida em que se exclui da proteção da Lei n. 8.009/1990 o devedor que reside sozinho, o vínculo familiar há de ser preservado, vale dizer, merecem a proteção os irmãos solteiros que juntos convivem há tempos, a mãe ou o pai, soltei­ro ou viúvo, que mora com os filhos, os filhos, que moram com os pais, enfim, os laços afetivos que unem os familiares devem ter livre da penhora o único bem onde residam.

Afora o objetivo de proteção da família e a exclusão do devedor que mora sozinho, certo é que a variedade das situações não permite excluir, por exemplo, casos de desamparo a pessoas em condições individuais especialíssimas, o que já levou esta Corte, em alguns precedentes, a deixar impenhorável o único bem de pessoa viúva e idosa. Com efeito, entre os devedores solitários, distinguem-se mani­festamente o jovem apto à atividade produtiva e o idoso que esteja apenas a colher os frutos de sua juventude, não mais obrigado ao trabalho. Essas peculiaridades, avaliáveis na esfera de cada espécie, não podem, contudo, ensejar a generalização de proteger-se o bem do devedor que reside sozinho. Com esse espírito, acompanhei o Ministro-Relator, Barros Monteiro, no julgamento do REsp n. 169.239/SP (DJ 19.3.2001). Textualmente:

"Recordo-me que, quando esta Turma enfrentou a questão da incidência ou não da Lei n. 8.009/1990, em relação à pessoa do viúvo, aderi de imediato à tese da possibilidade.

Quer-me parecer que a situação, no caso concreto, é bem diversa.

Ê certo que, tanto naquele caso, como na espécie, estamos em face de uma pessoa individualmente considerada, e não do conjunto familiar. A dis­tinção, todavia, é que naquele caso se tratava de viúvo, idoso em circunstânci­as especiais; ali, se excluíssemos a incidência da Lei n. 8.009, tornaríamos extremamente difícil a sua vida. Não vejo presentes tais circunstâncias no caso concreto.

A lei foi explícita ao favorecer o conjunto familiar. Certo é que a jurispru­dência pode mitigar essa rigidez, mas, para fazê-lo, deve levar em considera­ção circunstâncias especiais de cada caso, em atenção ao objetivo buscado pelo legislador, para, inclusive, não estimularmos os maus pagadores.

Pelo exposto, peço vênia para acompanhar o Sr. Ministro-Relator".

Page 35: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Ao julgar o REsp n. 67.1l2/RJ CDJ 23.10.1995), da mesma relatoria, que serviu de base para esse outro mais recente, assinalei:

"Rogo vênia ao Sr. Ministro Fontes de Alencar para acompanhar os Srs. Ministros Relator e Ruy Rosado de Aguiar, ao entendimento de que o benefício instituído pela Lei n. 8.009 tem por objetivo a proteção da família ou da entidade familiar, nos termos que, inclusive, constam do do art. 1!l da referida lei.

Tenho, por outro lado, que, na interpretação dessa lei, de caráter excep­cional, deve o julgador atentar para circunstâncias que eventualmente possam dar ao instituto jurídico uma exegese mais consentânea com as finalidades do Direito, a exemplo do que já ocorreu nesta Turma, em caso anterior.

Em síntese, não conheço do recurso, acompanhando o Sr. Ministro­Relator".

3. Na espécie, a penhora ocorreu nos autos da ação de despejo movida pela ora embargante, que, acolhida, ensejou a execução do débito pendente relativo ao imóvel alugado. Para garantir essa dívida, penhorou-se o imóvel registrado em nome do ora recorrido-devedor.

Este, por sua vez, ao impugnar estes embargos, alegou viver maritalmente com uma mulher, conforme alegara em outra oportunidade. Sobre o tema, contu­do, o Tribunal estadual considerou frágeis as provas coligidas para esse fim, como se vê deste trecho do voto do Juiz-Relator:

"Foi vã a tentativa de provar a existência de entidade familiar. Os ele­mentos trazidos pelo embargante são débeis demais para demonstração de convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição de fann1ia. São essas características que, exigidas por lei (art. P da Lei n. 9.278/1996), não foram provadas" (fi. 153).

A verificação dessa circunstância de fato demandaria o reexame das provas dos autos, sabidamente vedado nesta instância especial, a teor do verbete sumular n.7/STJ.

4. Em conclusão, sem haver particularidades a merecerem o amparo do Direi­to, conheço dos embargos de divergência e a eles dou provimento para restabelecer o acórdão do Tribunal de segundo grau.

VOTO-VENCIDO (EM PARTE)

O Sr. Ministro Barros Monteiro: Sr. Presidente, o acórdão colacionado como paradigma é de minha relato ria. Reconheço que a matéria é complexa e muito controvertida. O Sr. Ministro-Relator, inclusive, lembrou a hipótese de pessoa viúva

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 I

Page 36: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

que reside solitária, e, se não me engano, a 4a Turma já teve oportunidade de conceder-lhe a benesse prevista na Lei n. 8.009.

Em princípio, dado que sou o Relator do Acórdão recorrido, mantenho a posição, entendendo que a Lei n. 8.009 foi promulgada para proteger não o devedor, mas a sua família, o que de flui claramente do disposto no art. 1 Jl da referida Lei.

Acompanho, pois, quanto à conclusão e aos fundamentos, o voto do Sr. Minis­tro-Relator, conhecendo dos embargos e os recebendo.

VOTO

o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins: Sr. Presidente, acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator, sobretudo pelo fato de ter o acórdão do Tribunal afastado qual­quer possibilidade de existência da família.

Conheço dos embargos de divergência e dou-lhes provimento.

VOTO-VENCEDOR

o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: O acórdão recorrido declarou impenhorável, por efeito da Lei n. 8.009/1990, o imóvel onde reside, sozinho, o executado (ora embargado). Já o acórdão paradigma afirma que o conceito de família, não é a pessoa que mora sozinha. Para este último aresto, família é um tipo de associação de pessoas. Não se concebe, assim, família de um só indivíduo. Na origem de tal divergência está o art. 1 Jl da Lei n. 8.009/1990, a dizer que:

"O imóvel residencial do próprio casal ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei."

O acórdão embargado está resumido nestas palavras:

"Resp - Civil- lmóvel- Impenhorabilidade.

A Lei n. 8.009/1990, do art. 1 Jl precisa ser interpretada consoante o senti­do social do texto. Estabelece limitação à regra draconiana de o patrimônio do devedor responder por suas obrigações patrimoniais. O incentivo à casa própria busca proteger as pessoas, garantido-lhes o lugar para morar. Família, no con­texto, significa instituição social de pessoas que se agrupam, normalmente por

de casamento, união estável, ou descendência. Não se olvidem ainda os

Page 37: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

ascendentes. Seja o parentesco civil, ou natural. Compreende ainda a família substitutiva. Nessa linha, conservada a teleologia da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento. Também o celibatário é digno dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias, e como, normalmente acontece, passam a residir em outras casas. Data venia, a Lei n. 8.009/1990 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário - à pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade, data venia, põe sobre a mesa a exata extensão da lei. Caso contrário, sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer a insufici­ente interpretação literal."

Esse dispositivo formou-se na linha de interpretação ampliativa que o Superior Tribunal de Justiça desenvolve sobre o art. In acima transcrito. Como registra o eminente Ministro-Relator, nossa jurisprudência declara sob o abrigo da impenhorabilidade, a residência:

a) da viúva, sem filhos (REsp n. 276.004/Menezes Direito);

b) de pessoa separada judicialmente (REsp n. 218.377 /Barros Monteiro);

c) irmãos solteiros (REsp n. 57.606/ Alencar).

Esses três exemplos, lembrados pelo Ministro-Relator, indicam a percepção de que o legislador, ao utilizar a expressão "entidade familiar" não se referiu à família coletiva, mas àqueles entes que a integram (irmãos solteiros) ou dela são remanes­centes (viúva ou divorciado).

De fato, não teria sentido livrar de penhora a residência do casal e submeter a essa constrição a casa, onde um dos integrantes do casal continua a morar, após o falecimento de seu cônjuge.

A interpretação teleológica do art. In revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia.

Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão.

Ao conduzir a formação do acórdão embargado, o Ministro Vicente Cemicchiaro enxergou, com nitidez, o bem jurídico para cuja proteção foi concebi­do o art. In da Lei n. 8.009/1990. A decisão construída a partir de tal percepção merece nossa homenagem e confirmação.

Peço vênia ao eminente Relator, para rejeitar os embargos.

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 38: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

50

REVISTA DO SUPERlOR TRlBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Sr. Presidente, peço vênia ao Sr. Ministro­Relator e a todos os eminentes Ministros que o acompanharam para divergir de S. Exas. por vários fundamentos. O principal fundamento, como exposto pelo Sr. Mi­nistro Humberto Gomes de Barros, é que a finalidade da lei é, fundamentalmente, garantir a moradia a um cidadão.

São muitas as situações que a vida oferece, a negar o que é sustentado pela corrente oposta. Por exemplo, o chefe da família tem um determinado imóvel e reside com sua mulher e três filhos. Admitamos, por hipótese, que sua mulher seja proprietária de dez apartamentos, porque recebeu do seu pai, bem como seus filhos sejam proprietários de dez apartamentos recebidos do avô. Se o objetivo fosse ga­rantir a moradia só das outras pessoas que não do devedor, então o único imóvel do devedor poderia ser penhorado e alienado, pois os demais membros de sua família teriam a garantia da habitação por serem proprietários de outros bens.

APARTE

O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Relator): Ressalvo que esse não foi o meu voto. Não defendi o gregarismo.

A lei, em princípio, defende o núcleo familiar. Trouxe vários precedentes, inclusive da Corte EspeciaL A lei deve ser interpretada cum grano salis, teleologicamente, dentro da "lógica do razoável". Há situações e situações. O Judi­ciário tem que analisar cada uma.

O caso concreto não se aplica às mencionadas excepcionalidades. Trata-se de um devedor solteiro que simplesmente não pagou a dívida e que, executado, quer liberar-se do ônus da penhora. O caso, na realidade, é um estímulo aos maus pagadores.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Há inúmeras situações que fogem ao que foi posto.

O Sr. Ministro-Relator disse, fundamentalmente, que a regra é de que o deve­dor residente sozinho não tem direito aos benefícios da Lei n. 8.009. As situações a que terá direito são tantas que melhor, talvez, seja afirmar a tese contrária. Por exemplo, se o devedor tomou um empréstimo quando era solteiro e depois se casou, sendo proposta uma execução é feita a penhora; haveria fortes argumentos para se dizer que estaria sob o benefício dessa lei, porque, no momento da penhora, ele era

Page 39: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

casado, não morava sozinho; mas há argumentos para se dizer que ele não seria beneficiado da lei, porque, no momento em que contraiu a dívida, era solteiro, e o credor só lhe teria concedido o crédito, por saber que essa dívida seria garantida pela sua casa.

São tantas as hipóteses a nos levar à particularidade do caso, que, como disse o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, talvez seja melhor estabelecermos a tese de que, na verdade, o que a Lei procura proteger é a moradia do devedor, tendo ou não fa.mília, morando ou não sozinho. Não se pode dizer que o credor seria preju­dicado com isso pois, no momento em que oferecer o crédito, já saberá o que o garantirá.

Há muitas outras situações. O que é entidade familiar? Se uma pessoa que mora só traz para morar consigo o filho de um vizinho de longas datas, ele não está morando sozinho. Há ou não uma formação de um núcleo familiar?

A diretriz que não traz prejuízo a ninguém nem nega os fundamentos que estão postos na Lei é de assegurar a moradia ao devedor.

APARTE

O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: Se V. Exa. me permite, abriria chance a fraudes. O solteiro apresentou sua casa, inserindo-a no seu cadastro finan­ceiro: recebe o empréstimo e, para não pagar, simplesmente faz um casamento de conveniência. Aí, sim, haveria fraude.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Parece-me ser mais saudável assegurar ao devedor o direito à moradia, interpretando a expressão "unidade familiar" como nela estando subsumida a situação em que ele more sozinho.

S. Exa. indagou: e na hipótese de um velho viúvo?

Se for umjovem viúvo, ele terá direito à moradia? Se for um velho celibatário, que, por uma opção, quis morar sempre sozinho?

Com respeito aos bons fundamentos que foram trazidos por S. Exa. e pelos demais Srs. Ministros que o acompanharam, talvez seja melhor termos por entidade familiar, para esse efeito, o devedor, assegurando-lhe o direito à moradia, morando ou não sozinho, seja qual for seu estado civil.

Renovando meus respeitos, peço vênia para acompanhar o voto do eminente Ministro Humberto Gomes de Ban:os, conhecendo dos embargos, mas os rejeitando.

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 1

51

Page 40: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO-MÉRITO

o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: Sr. Presidente, na Quarta Turma, a primeira questão que surgiu com relação à extensão da imunidade da Lei n. 8.009 à residência da pessoa que morava só, foi da minha relatoria, num processo que envolvia um viúvo. Ali sustentei que a Lei protegia a família, aqueles que não eram os autores da dívida. Depois, vários precedentes vieram, em que a Turma terminou admitindo a possibilidade de excluir da penhora o imóvel da ex-esposa que recebia o bem, de um viúvo, do cidadão que era separado e morava sem os filhos e sem a guarda destes, mas alegava que, eventualmente, os recebia em período de férias, etc.

As situações excepcionais que nos forçaram a admitir a imunidade também para os casos de pessoas que viviam sozinhas eram tantas que, afinal, o melhor, parece-me, é adotarmos a proposta do eminente Ministro Humberto Gomes de Bar­ros, no sentido de dizer que a Lei quer proteger, realmente, a residência da pessoa, seja ela viúva, solteira, separada, casada, ou vivendo em comunhão com outros.

Daí por que peço vênia ao eminente Ministro Sálvio de Figueiredo, reconhe­cendo a procedência de sua tão bem exposta fundamentação, e acompanho o voto do eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, conhecendo dos embargos, mas rejeitando-os.

VOTO

o Sr. Ministro José Delgado: Sr. Presidente, peço vênia ao eminente Ministro­Relator para acompanhar a divergência. Penso que seja a interpretação que mais se aproxima da filosofia adotada pela lei, porque foge a qualquer interpretação de proteção a valores econômicos e vincula-se à proteção a valores de constituição familiar.

Conheço dos embargos, mas os rejeito.

VOTO

o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca: Sr. Presidente, acompanho a diver­gência, pedindo vênia ao Sr. Ministro-Relator.

Conheço dos embargos, mas os rejeito.

VOTO

o Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Sr. Presidente, pedindo vênia ao Sr. Minis­tro-Relator, acompanho a divergência. Conheço dos embargos, mas os rejeito.

Page 41: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

VOTO

o Sr. Ministro Felix Fischer: Sr. Presidente, com a devida vênia, acompanho a divergência. Conheço dos embargos, mas os rejeito.

VOTO

A Sra. Ministra Eliana Calmon: Sr. Presidente, acompanho a divergência. Co­nheço dos embargos, mas os rejeito.

VOTO

o Sr. Ministro Francisco Falcão: Sr. Presidente, peço vênia ao nobre Ministro­Relator para acompanhar a divergência, conhecendo dos embargos, mas os rejei­tando.

APARTE

o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, V.

Exa. me permite um aparte?

A respeito das considerações feitas por último por V. Exa., a se persistir no enfoque tal como agora se põe, com todo respeito, evidentemente, estamos nos esquecendo de que outros interesses também devem ser sufragados e analisados; quando do contrato de compra e venda, seja para móveis ou imóveis, leva-se em conta, também, não só o direito, no aspecto privado - a familiae, no Direito Romano, sempre foi muito bem protegida até por razões puramente religiosas, porque na familiae se fazia o chamado culto aos manes, ou seja, aos antepassa­dos e, por isso mesmo, havia uma proteção específica para que a família nunca se desassociasse daquela herança, daquele legado, que era a lembrança à memória, deixado pelos familiares falecidos.

Essa faIlll1ia de então já não é a faIlllua, porque esse aspecto está vencido pelo tempo e pela história. Hoje, sem dúvida nenhuma, a família inter-relaciona-se social­mente, uma vez que está subjugada também por interesses econômicos, interesses financeiros e por aspectos culturais; por exemplo, os aspectos tribais de alguns países da África cultivam o sentido familiar, em que, em determinada circunstân­cia, aquele que é o chefe, o pajé, exerce uma autoridade tão grande que os seus bens são sempre próprios e só ele pode desapropriar, em nome do interesse dele, que teria a visão do interesse maior daquela família, ou daquelas famílias reunidas.

No momento em que se privilegia a tônica do Direito Privado, um relaciona­mento familiar mais isolado, quer dizer, uma só pessoa, foge totalmente do concei-

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 42: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

54\

REVISTA DO SUPERlOR TRlBUNAL DE JUSTIÇA

to de família, não só do conceito histórico como dos conceitos social e religioso, em que família não é um. E neste particular - com as vênias que sempre são devidas ao Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, porque temos essa liberdade e confiança recíprocas para discordarmos - entendo que o indivíduo, evidentemen­te, não é um ser, um átomo perdido nas forças cósmicas, porque veio de uma família; não é um clone que teria sido gerado em laboratório (e quem sabe tenha­mos que nos defrontar adiante com o bem do clone, se ele deverá ser ou não penho­rado, que família deveria ser resguardada, que interesses estariam na sua pessoa, resplandecendo para merecer uma outorga de assistência judicial). Portanto, Sr. Ministro, associo-me às preocupações de V. Exa., porque, a dar-se uma tônica sempre genérica desse benefício, seja a quem for, em nome da família, estaremos distorcendo o próprio conceito de família.

A inspiração da lei, trazida à colação, na verdade teve um espírito rigorosa­mente econômico, mas isso é censurável, porque o Sr. Ministro José Delgado trou­xe-nos, com o primor dos seus conhecimentos sempre baseados em princípios cons­titucionais, que a compreensão majoritária deve mesmo vitoriar-se porque desenfoca o econômico e passa para o familiar; contudo, quando aquela relação jurídica inicial foi travada, também teve outros interesses considerados, os econô­micos, que levaram à inspiração da lei, em que havia uma concentração de poder econômico, os chamados contratos com as cláusulas leoninas - e aí quis se prote­ger, portanto, a família, de bens indispensáveis, e já há notícias bem recentes na jurisprudência de um caso concreto, em que se tornaram impenhoráveis seis apare­lhos de televisão, quando sabemos que na origem da jurisprudência tratava-se de um aparelho de televisão em que se deu nascença àquele precedente. Entretanto, com o alargamento, houve, de parte do Judiciário, essa manifestação tão abrangente, que acaba prejudicando as relações econômicas que, também, são vi­tais para a sociedade. Não estou defendendo o interesse econômico, mas rememorando a inspiração da lei.

À vista disso, parece-me que os casos excepcionais, tal como colocou o Sr. Ministro-Relator, devem ser considerados mesmo excepcionalmente, quer dizer, caso por caso, não inverter - quer dizer, todos são impenhoráveis e, excepcional­mente, que se demonstre que são -, porque estaremos transmudando o inter-rela­cionamento entre os direitos individuais, familiares, sociais, econômicos os finan­ceiros e assim sucessivamente.

Quero apenas deixar a minha associação expressa e verbal a V. Exa. a respei­to dessas preocupações últimas, as quais V. Exa. sobre elas dissertava quando tomei a liberdade de interrompê-lo. Obrigado.

Page 43: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

APARTE

o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Relator): A lei, em princípio, defende o núcleo familiar, seja ele qual for, não o gregarismo. Trouxe vários prece­dentes, inclusive da Corte Especial. Essa lei tem que ser interpretada cum grano salis, teleologicamente, com lógica do razoável, no sentido de que há situações e situações, e o Judiciário tem que analisar cada uma.

O caso concreto não se aplica a essas excepcionalidades, pois se trata de um devedor solteiro, que simplesmente não paga a dívida e que, depois de executado, quer se liberar do ônus da penhora. Falei, inclusive, que o caso é um estímulo aos maus pagadores.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: Sr. Presidente, fui o primeiro voto divergente e por isso me sinto na obrigação de fazer só uma observação. O Sr. Ministro Sálvio Figueiredo nos acusa de estarmos fazendo jurisprudência comjusti­ça alternativa. Descobri algo interessante: justiça alternativa é aquela que discorda do nosso entendimento. Na verdade, é alternativo a pessoa solteira ter direito à impenhorabilidade, mas não é alternativo a viúva ter o mesmo direito. Realmente não alcanço qual é a divergência. A teor dessa proposição, diríamos que ao onanista não se concede a impenhorabilidade, mas ao casal homossexual, ao sodomita se concede. Então, na verdade, é preciso que assumamos, como órgão máximo da interpretação da lei no Brasil, esse risco. O Tribunal ampliou muito o texto da lei que já foi aplicado em termos também extremamente amplos e em um dispositivo que protege um bem jurídico, que é o direito a moradia. Não me assusta a questão de lesar-se o banco credor. Em verdade, quando alguém tem só uma casa residencial, por maior que seja - um palacete ou uma tapera - esta é automatica­mente retirada do cadastro. Por exemplo, eu tenho uma boa casa residencial, mas se tenho somente ela, meu cadastro é zero no banco. Há esse prejuízo, mas, na verdade, em benefício, não do meu crédito, e, sim, do meu direito à moradia. Se quero ter crédito, vendo esta casa, e compro uma menor; quem a aceitar - sendo eu solteiro, e sendo esta minha residência, integrando o cadastro - terá sido desa­tento, e, por isso, será punido.

Era só esta a observação. Peço desculpas a V. Exa. por me haver estendido.

VOTO-VENCIDO (Em parte)

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Sr. Presidente, o tema é complexo e os debates são sempre importantes quando se aborda matéria de tanta relevância.

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 44: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira chamou a atenção para aspectos básicos, também, que penso devam ser considerados. E penso que, em concreto, o Sr. Minis­tro Sálvio de Figueiredo bem observou que se deve aplicar o sentido exato da lei, que fala em "entidade familiar". Para não chegarmos a absurdos, devemos dar uma interpretação extensiva à lei, mas sem perder de vista o instituto constitui uma exceção à regra da penhorabilidade. Não devemos ampliar seu sentido, isso só deve ser feito por obra do legislador. Se assim não procedermos, deixaremos nossa qua­lidade, data venia, de intérpretes da lei, para atuarmos como legisladores.

O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo mostrou, em seu brilhantíssimo voto, que está sensível a certos casos, como, por exemplo, o da viúva, cuja farmila era constituída pelo marido e vários filhos e, depois, já idosa, veio a perder o marido e a não contar mais com os filhos. Dizer, portanto, que a casa em que sempre essa família morou durante muitos anos não é bem de família se choca com os princípios jurídicos.

VOTO-VENCIDO (Em Parte)

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Mas, no caso, trata-se de um jovem, que está construindo a sua vida, tem um apartamento e o troca por outro. Se disser­mos que esse bem é impenhorável, geraremos uma situação de desproteger em demasia o direito de crédito. Penso que isso não é conveniente para a sociedade e, possivelmente, nem para o próprio jovem. Este passa a ter seus negócios cerceados, e a vida comercial cada vez mais difícil, e, é claro, terá também dificuldades em termos de emprego e relacionamento econômico.

Assim, entendo que a solução dada pelo Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo é adequada porque procura interpretar a lei, permitindo que, em concreto, excepcionem-se estes casos, cuja aplicação literal possa gerar uma violação ao sentido jurídico que deve prevalecer quando o juiz aplica a lei.

Com estas breves considerações, peço vênia aos Colegas para acompanhar o eminente Ministro-Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Garcia Vieira: Sr. Presidente, peço vênia ao Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo para discordar de S. Exa. Não estamos aplicando direito alternativo, mas dando interpretação à lei, e cabe ao STJ dar a última palavra em matéria legal. Então, creio que não é porque a pessoa está sozinha que passa a não ter direito à proteção do Estado; ao contrário, precisa de mais proteção, porque está sozinha. Se tem mulher e filhos, tem mais possibilidade de receber amparo. A pessoa sozinha, se perder a residência, não tem onde morar.

Page 45: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

Voto com a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros no sentido de conhecer dos embargos e rejeitá-los.

HABEAS CORPUS N. 15.429 - RJ

Relator: Ministro Francisco Peçanha Martins

Impetrante: Ministério Público Federal

Impetrado: Desembargador-Relator da Representação n. 105 do Tribunal Regional Federal da 2a Região

Paciente: Daniel Sarmento

EMENTA

Processual penal- Habeas corpus - Crime contra a honra -Representação arquivada em face da prescrição - Reconhecimento da inexistência de crime - Ausência de interesse do MPF - Constrangi­mento ilegal- Inocorrência - Precedentes.

- Carece o Ministério Público Federal de legítimo interesse em impetrar habeas corpus com a finalidade de reconhecimento da au­sência de crime cometido pelo paciente, em reclamação arquivada em razão da extinção da punibilidade pela prescrição.

- O habeas corpus não se presta à correção de irregularidades cometidas em processo penal, quando estas não ferem a liberdade de locomoção do paciente.

- Não há constrangimento ilegal em decisão que declara extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, por isso que dela não resulta o reconhecimento da reincidência ou mesmo de maus antece­dentes.

- Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Espe­cial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Votaram com o Relator os Ministros Humberto Gomes de Barros, Ruy Rosado de Aguiar, José Delgado, José

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 1

57

Page 46: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Felix Fischer, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Jorge Scartezzini, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Franciulli Netto, Antônio de Pádua Ribeiro, Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Edson Vidigal. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros César Asfor Rocha e Ari Pargendler. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília (DF), 07 de maio de 2003 (data do julgamento).

Ministro Nilson Naves, Presidente

Ministro Francisco Peçanha Martins, Relator

Publicado no Dj de 04.08.2003

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Francisco peçanha Martins: Cuidam os autos de habeas corpus impetrado pelo Ministério Público Federal, em favor de Daniel Sarmento, Procurador da República em exercício no Estado do Rio de Janeiro, objetivando desconstituir ato ilegal e abusivo praticado pelo Desembargador Federal Dr. Ricardo Regueira, do TRF da 2a Região, que, deixando de observar a regra contida no art. 18 da LC n. 75/1993, declarou a prescrição da pretensão punitiva, determi­nando o arquivamento da representação.

Resumidamente, sustenta o impetrante que o paciente, no exercício de suas atribuições, e em razão de fatos apurados em Inquérito Civil Público, propôs ação civil pública contra o Dr. José Maria de Mello Porto, então Presidente do TRT da 1 a Região, objetivando fosse o réu "proibido de fazer propaganda pessoal e políti­ca, através de outdoors, santinhos, canetas, camisetas, comícios e outros meios, 'tendo em vista a franca incompatibilidade de tal propaganda com a sua posição de magistrado.' Ao mesmo tempo, solicitou que o réu fosse condenado às penas cominadas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992 - Lei de Improbidade Administrati­va." Incomormado com a propositura da ação, José Maria de Mello Porto ajuizou a ação ordinária de indenização contra o ora paciente, indeferida pelo então juiz Ricardo Regueira, e, simultaneamente, representação para o STJ, redistribuída ao TRF da 23 Região, em razão de decisão por mim exarada, alegando ter sido atingido em sua honra objetiva.

Afirma o impetrante que, após 2 anos sem ter sido dado conhecimento ao paciente sobre o teor da reclamação, a autoridade coatora, contrariando o pedido de arquivamento requerido pelo Ministério Público Federal, reconheceu a existência, em tese, do crime de difamação, declarando, contudo, a extinção da punibilidade, em face da prescrição, por isso que decorridos três anos do fato apontado na re-

Page 47: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

presentação. Sustenta que era dever da autoridade coatora remeter os autos ao Procurador-Chefe do Ministério Público Federal, nos termos do artigo 18 da LC n. 75. Alega, ainda, ter a autoridade impetrada incorrido em equívoco, por isso que,

em se tratando de crime de difamação, a prescrição da pretensão punitiva só se dá em 4 anos, conforme disposto no inciso V, do art. 109 do CP.

Afirma, assim, que houve abuso de poder e constrangimento ilegal por parte da autoridade coatora, que se acentuaram ainda mais quando da publicação da "senten­ça" no DJ, onde, normalmente, publicam-se somente resumos dos julgados.

Por fim, alega a nulidade do ato, afirmando ter sido prolatado por juiz impedi­

do ou suspeito, tendo em vista que o Desembargador Regueira já havia funcionado como juiz de 1 a instância, pronunciando-se, de fato e de direito, sobre a questão.

Requer, assim, a concessão da ordem, trancando-se o "feito aberto pelo juiz Ricardo Regueira, reconhecendo que a decisão nele prolatada é nula de pleno direi­to, e determinando, de imediato, a remessa da representação ao Senhor Procura­dor-Geral da República, para os fins do parágrafo único, art. 18, da Lei Comple­mentarn.75/1993".

Requisitei as informações à autoridade coatora, que afirmou não ter havido a usurpação de competência alegada, tendo em vista que o parecer primário do Mi­nistério Público Federal nos autos da representação era pela remessa dos autos para

apuração de infração administrativa e, que só posteriormente, houve nova manifes­tação pela inexistência do delito. Aduz que o art. 28 do CPP lhe conferia duas opções: aceitar o arquivamento ou recusá-lo com a remessa dos autos ao Procura­dor-Geral da República.

Afirma que deixou de remeter os autos ao Procurador-Geral por ter verificado a prescrição da pretensão punitiva que, a seu ver, era de dois anos, já que se tratava de acusado primário e de bons antecedentes, o que impossibilitaria a aplicação de pena superior ao mínimo legal cominado.

Ao final, informa que contra a referida decisão houve a interposição de agra­vo regimental pelo Ministério Público Federal, ainda no aguardo de julgamento.

Solicitei a ouvida do Ministério Público Federal, que pelo não-co-nhecimento da ordem, ao argumento de que o único direito protegido pelo habeas corpus é a liberdade de locomoção, que não restou violada pela decisão

impugnada.

Retornaram-me conclusos os autos.

É o relatório.

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 48: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

60

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins (Relator): Em síntese, pretende o ora impetrante desconstituir decisão de Desembargador do TRF da 2a Região, prolatada em sede de representação interposta contra o ora paciente, ao argumento de que atingiu a honra objetiva do paciente, ao declarar a existência de crime sem o due process of law.

Constato, preliminarmente, a ausência de legítimo interesse em agir do ora impetrante, por isso que visa, através deste HC, ao reconhecimento da ausência de crime em reclamação já arquivada em razão da extinção da punibilidade pela prescrição.

O HC é remédio jurídico destinado a tutelar a liberdade de ir e vir do paciente, de constrangimento, atual ou iminente, resultante de ilegalidade ou abuso de poder.

Assim, inobstante verificar o equívoco cometido pelo decisum ao decretar a prescrição, entendo não ser o HC o meio adequado à correção de irregularidades no processo penal, quando estas não ferem a liberdade de locomoção do paciente.

No caso, com o arquivamento da reclamação, cessou o risco de coação sobre a liberdade física do paciente, o que afasta a admissibilidade do writ.

Nesse sentido:

"Habeas corpus. Julgamento afetado ao plenário para uniformização jurisprudencial das turmas: preliminar de conhecimento de Habeas corpus, na hipótese em que o paciente sofreu, exclusivamente, pena de patrimonial, de multa, sem implicação na sua liberdade de locomoção pela conversão desta em pena de detenção (CP' art. 51).

1. Considerações sobre a 'doutrina brasileira do habeas corpus'. Pre­

cedentes.

2. O habeas corpus é remédio excepcional para a salvaguarda da liberdade de ir e vir da pessoa, quando esta constitua objeto de constrangi­mento resultante de ilegalidade ou abuso de poder; não é meio para se fazer correição e varredura de possíveis irregularidades ocorridas no processo penal.

3. Não cabe habeas corpus quando a decisão condenatória questiona­

da aplica, exclusivamente, pena de multa. Ressalva, entretanto, da hipótese em que há ameaça concreta, atual ou iminente, à liberdade de locomoção de paciente insolvente, pela conversão, no processo de execução, da pena de multa em pena de detenção (CP, art. 51, caput), ocasião em que surge constrição ilegal à sua liberdade de locomoção. Precedentes.

Page 49: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

4. A coação decorrente da conversão da pena de multa em pena de deten­ção é legal quando o paciente é solvente; ao contrário, é ilegal, quando insol­vente, e, apenas nesta hipótese, cabe impetração do writ.

5. Habeas corpus não conhecido, por maioria de sete votos contra quatro." (HC n. 73.340-9/SP' ReI. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 4.5.2001.

Vale referir, ainda, que na decisão que declara extinta a punibilidade pela prescrição não há qualquer constrangimento ilegal, por isso que "a prescrição da pretensão punitiva não implica responsabilidade do acusado, não desabona seus

antecedentes, nem induz futura reincidência. Assim, a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva do Estado não deixa seqüelas jurídicas na vida do acusado." (HC n. 72.944-8/MG, ReI. Min. Francisco Rezek, DJ 11.4.1997)

Ante o exposto, denego a ordem.

RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004

Page 50: Jurisprudência da Corte Especial - STJ · Ir.: Milton Pires Conea, concedeu Medida Liminar contra o Sereníssimo Grão-RSTJ, a. 16, (173): 13-62, janeiro 2004 . REVISTA DO SUPERIOR