jurisdição constitucional, 5ª edição · streck, lenio luiz jurisdição constitucional / lenio...

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    Impresso no Brasil Printed in Brazil

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    Esta obra passou a ser publicada pela Editora Forense a partir da 5 edio.

    Capa: Ricardo Lima

    Produo digital: Ozone

    Fechamento desta edio: 05.02.2018

    CIP BRASIL. CATALOGAO NA PUBLICAO.SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

    S895j

    Streck, Lenio LuizJurisdio constitucional / Lenio Luiz Streck. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

    Inclui bibliografiaISBN 978-85-309-7948-5

    1. Direito constitucional - Brasil. 2. Direitos fundamentais. I. Ttulo.

    18-47394 CDU: 342(81)

    mailto:[email protected]://www.grupogen.com.br

  • AGRADECIMENTOS

    Especial agradecimento ao Prof. Dr. Jorge Miranda, pela acolhida em alm-mar, por suaamizade, pela colaborao e pelo incansvel apoio na pesquisa.

    Minha gratido tambm pela fidalguia dos professores e funcionrios da Universidade deLisboa; dos juzes e funcionrios do Tribunal Constitucional de Portugal; dos funcionrios e dadireo do Instituto Max Planck, de Munique.

    Meu reconhecimento Unisinos pelo apoio do PPGD Programa de Ps-Graduao emDireito.

    Aos alunos do Mestrado e Doutorado em Direito da Unisinos e aos membros do DASEIN Ncleo de Estudos Hermenuticos (Clarissa Tassinari, Daniel Ortiz Matos, Danilo Pereira Lima,Eduardo Jos da Fonseca Costa, Frederico Pessoa da Silva, Gilberto Morbach, Giovanna Thas Diasda Silva, Guilherme Augusto de Vargas Soares, Igor Raatz, Jlio Csar Maggio Strmer, Jlio Rossi,Matheus Monteiro, Rafael Fonseca Ferreira, Rafael Giorgio Dalla Barba, Tatiane Alves Macedo,Thiago Fontanive, William Galle Dietrich e Ziel Ferreira Lopes), pelos profcuos debates; e ao IHJ Instituto de Hermenutica Jurdica. Agradecimento especial a Daniel Picolo Catteli e GustavoAugusto Freitas de Lima, pelo inestimvel auxlio na pesquisa.

  • 1.11.2

    1.2.1

    1.2.21.2.2.11.2.2.21.2.2.3

    1.2.31.2.3.11.2.3.21.2.3.3

    1.2.41.2.4.1

    1.2.51.2.6

    1.31.3.11.3.2

    1.3.2.11.3.31.3.4

    1.41.4.11.4.2

    1.5

    SUMRIO

    Captulo 1 AS MATRIZES DO CONSTITUCIONALISMO E AS FORMAS DE CONTROLEDE CONSTITUCIONALIDADE

    O movimento constitucionalizadorO modelo ingls

    A supremacia do common law e a ausncia de Constituio escrita A tradio quese mantmA administrao da justia inglesa. A organizao judiciria

    Tribunais Superiores: The Senior Courts of England and WalesA Cmara dos Lordes e o fim da jurisdio-legislativaComisso judiciria do Conselho Privado

    Jurisdies inferioresCounty courtsMagistratesContencioso quase judicirio

    A doutrina dos precedentes obrigatriosSignificado e alcance da regra

    A experincia do constitucionalismo inglsO modelo ingls e o modelo continental de controle de constitucionalidade:diferenas ou similitudes? Uma reflexo necessria

    O modelo (judicial) norte-americanoO triunfo do common law em solo norte-americanoA estrutura do direito dos Estados Unidos da Amrica

    A organizao judiciria norte-americanaA jurisprudncia americana. Alcance da regra do precedenteOs Estados Unidos e o modelo da Constituio rgida O nascedouro do controlejurisdicional de constitucionalidade

    O modelo francsA Revoluo e o triunfo da soberania popularA vontade geral rousseauniana e sua influncia no constitucionalismo francs

    A histria da jurisdio constitucional e os novos aportes classificatrios

  • 1.6

    1.7

    1.7.11.7.21.7.31.7.41.7.51.7.6

    1.81.8.1

    1.8.21.8.31.8.41.8.51.8.61.8.71.8.81.8.9

    1.9

    2.12.22.3

    2.42.52.62.7

    A construo de mecanismos e instrumentos aptos a controlar a constitucionalidade das leis O percurso de um longo caminhoO controle de constitucionalidade nos pases europeus que adotaram a frmula dos tribunaisad hoc

    AlemanhaustriaEspanhaGrciaItliaPortugal

    A Amrica Latina e a jurisdio constitucionalAmrica Latina: explorao, libertao e democracia. possvel uma teoria geral doconstitucionalismo latino-americano?Argentina: exclusividade do controle judicial repressivoA Bolvia e sua (ainda) recente ConstituioPeru: da ditadura ao Tribunal ConstitucionalUruguai e seu controle concentrado concretoA Venezuela e sua Corte Suprema de JustiaO Mxico e sua resistente Constituio SocialChile: jurisdio constitucional ps-PinochetColmbia: supremacia constitucional e controle misto

    As razes da criao dos tribunais ad hoc para a apreciao da constitucionalidade das leis:lies para a discusso da jurisdio constitucional no Brasil

    Captulo 2 O DIREITO NO BRASIL: DO IMPRIO AO PROCESSO CONSTITUINTE DE1986-1988

    A Constituio do Imprio e a ausncia de controle jurisdicional de constitucionalidadeA Proclamao da Repblica e a convocao da Assembleia ConstituinteA implantao do controle difuso de constitucionalidade Uma tradio que atravessar ossculosA participao do Senado no controle difuso de constitucionalidade na Constituio de 1934O retrocesso da Carta de 1937O controle de constitucionalidade na Constituio de 1946O golpe militar e a Constituio de 1967-1969. O longo perodo de arbtrio. A implantao

  • 2.8

    3.13.2

    3.2.13.2.2

    3.2.3

    3.2.4

    3.2.5

    3.2.6

    3.2.7

    3.2.8

    3.3

    3.4

    3.4.1

    3.4.2

    3.4.2.1

    do controle concentrado em 1965O processo constituinte de 1986-1988

    Captulo 3 O MODELO DE JUSTIA CONSTITUCIONAL NO BRASIL PS-1988

    Primeira parte O controle difuso de constitucionalidadeA manuteno da forma mista de controle de constitucionalidadeO controle difuso e os problemas decorrentes da no suscitao do incidente deinconstitucionalidade (quando fora das hipteses de dispensa)

    O controle difuso e a Smula Vinculante 10 do STFO problema (dos limites) da dispensa da suscitao do incidente deinconstitucionalidade (art. 949, pargrafo nico, do CPC/2015)Da (in)dispensabilidade da resoluo do Senado Federal. Eficcia declaratria ouconstitutiva?A inconstitucionalidade de ato normativo anterior Constituio: o problema dainconstitucionalidade superveniente e do direito intertemporalSobre os mecanismos de desconstituio de sentenas inconstitucionais: arts. 525, 12, e 535, inciso III, 5o, do CPC/2015.O controle difuso, as aes constitucionais e a possibilidade do controle difuso(incidental) em sede de ao civil pblicaO dever de todos os tribunais e juzes de exercer o controle difuso deconstitucionalidadeA (impossibilidade de) declarao de constitucionalidade em sede de incidente deinconstitucionalidade

    O recurso extraordinrio como forma (preponderante) incidenter tantum de acesso jurisdio constitucional do Supremo Tribunal Federal. A criao do instituto darepercusso geralA interpretao conforme a Constituio, a nulidade parcial sem reduo de texto: aspossibilidades de aplicao em sede de controle difuso pelos demais Tribunais daRepblica

    A interpretao conforme a Constituio e a inconstitucionalidade parcial semreduo de texto A desnecessidade da suscitao do incidente deinconstitucionalidadeOs recursos das decises que aplicam a interpretao conforme a Constituio e anulidade parcial sem reduo de texto no controle difuso

    Consideraes gerais

  • 3.4.2.2

    3.4.2.33.4.2.4

    3.4.3

    3.5

    3.5.1

    3.5.1.13.5.1.2

    3.6

    3.73.7.13.7.2

    3.7.33.7.43.7.5

    3.7.63.7.7

    4.1

    4.24.2.14.2.2

    Os recursos de decises que aplicam a interpretao conforme aConstituioOs recursos de decises que aplicam a nulidade parcial sem reduo de textoOs recursos das decises que rejeitam a interpretao conforme ou a nulidadeparcial sem reduo de texto

    A aplicao da interpretao conforme a Constituio e a nulidade parcial semreduo de texto pelos tribunais lato sensu

    Controle difuso e a questo prejudicial como condio de possibilidade A questo dosprincpios constitucionais

    Ainda o problema representado pelo uso irracional da ponderao A fragilizaodo direito pelo uso do princpio da proporcionalidade

    O problema da distino estrutural entre regra e princpioAdvertncia necessria sobre a ponderao e sobre o modo voluntarista deaplicao da proporcionalidade

    O Supremo Tribunal Federal como instncia originria e o controle incidenter tantum Aimportncia dos writs constitucionaisAs smulas vinculantes em terrae brasilis

    Os requisitos para a aprovao da smula vinculante, seu objeto e suas finalidadesA exigncia de controvrsia atual, grave insegurana jurdica e possibilidade derelevante multiplicao de processos sobre questo idnticaDo que trata uma smula (vinculante)?Uma advertncia que se impe: smulas no so enunciados assertricosA publicao da smula e a vinculao de todos os rgos da administrao direta eindiretaSmula vinculante e reclamao constitucionalA (im)possibilidade de declarar a inconstitucionalidade de uma smula

    Captulo 4 O MODELO DE JURISDIO CONSTITUCIONAL NO BRASIL

    Segunda Parte O Controle Concentrado de ConstitucionalidadeConsideraes (iniciais) acerca da Lei 9.868/1999: simples regra de direito processual? Avitria do pragmati(ci)smo e a fragilizao da doutrinaA ao direta de inconstitucionalidade

    A legitimidade na ao direta de inconstitucionalidadeDo cabimento de cautelar, seus efeitos e peculiaridades

  • 4.2.3

    4.2.4

    4.2.4.14.2.4.24.2.4.3

    4.2.4.4

    4.2.4.54.2.4.6

    4.2.4.74.2.5

    4.2.5.14.2.5.2

    4.2.5.3

    4.2.5.4

    4.2.5.54.2.5.6

    4.2.5.74.2.5.84.2.5.9

    4.2.5.10

    A inadmissibilidade da interveno de terceiros e a admisso de amicus curiae naao direta de inconstitucionalidadeO objeto da ao direta de inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade reflexa, asleis de efeitos concretos, a exigncia de prognose, os atos (tidos como) internacorporis e as medidas provisrias

    Os limites da impugnao do ato e a inconstitucionalidade por arrastamentoAs leis de efeitos concretosA (falta de) prognose como parmetro para a arguio deinconstitucionalidade de uma leiAtos interna corporis e a discusso acerca de sua sindicabilidade perante aConstituioAs medidas provisrias: a regulamentao tardiaAs medidas provisrias e os Estados-membros: a deciso do STF na ADIn425/TOA inconstitucionalidade reflexa

    O efeito vinculante nas aes diretas de inconstitucionalidade e nas aesdeclaratrias de constitucionalidade

    Consideraes preliminaresEficcia (ou efeito) erga omnes na declarao de inconstitucionalidadeproferida em ao declaratria de constitucionalidade ou em ao direta deinconstitucionalidadeA eficcia (ou efeito) erga omnes da declarao de nulidade e os atossingulares praticados com base no ato normativo declarado inconstitucionalA eficcia (ou efeito) erga omnes da declarao de inconstitucionalidade e asupervenincia de lei de teor idnticoConceito de efeito vinculanteOs limites objetivos do efeito vinculante A fora (efeito--eficcia)vinculante dos motivos determinantes no mbito do Supremo TribunalFederalLimites subjetivos do efeito vinculanteEfeito vinculante da cautelar em ao declaratria de constitucionalidadeEfeito vinculante da deciso concessiva de cautelar em ao direta deinconstitucionalidadeEfeito vinculante de deciso que indefere cautelar em ao direta de

  • 4.2.5.11

    4.34.4

    4.4.1

    4.4.1.1

    4.4.1.2

    4.4.1.2.14.4.1.2.2

    4.4.1.2.3

    4.4.1.3

    4.4.1.4

    4.4.1.54.4.1.6

    4.4.1.74.4.1.8

    inconstitucionalidadeEfeito vinculante de deciso proferida em ao direta deinconstitucionalidade

    O carter ambivalente do controle abstrato introduzido pela Lei 9.868/1999.O efeito vinculante na interpretao conforme a Constituio e na inconstitucionalidade(nulidade) parcial sem reduo de texto: um necessrio questionamento teortico

    A interpretao conforme a Constituio. A estrutura aberta dos textos e aspossibilidades hermenuticas (sentenas interpretativas, construtivas, manipulativas,aditivas e redutivas)

    A interpretao conforme a Constituio e a nulidade parcial sem reduo detexto (e as sentenas interpretativas) luz do paradigma hermenutico, oude como impossvel falar em interpretao literal, em vontade da leie no esprito do legisladorO limite da tenso legislao-jurisdio. As decises redefinitrias em geral:as sentenas aditivas, apelativas, manipulativas, modificativas, redutivas econstrutivas. As smulas e os verbetes-com-fora-de-lei

    A produo de sentido e a criao jurisprudencial do direitoA diversidade de decises e as mltiplas possibilidadeshermenuticasA interpretao conforme a Constituio (VerfassungskonformeAuslegung) e a nulidade parcial sem reduo de texto(Teilnichtigerklrung ohne Normtextreduzierung)

    A interpretao conforme a Constituio e a inconstitucionalidade parcialsem reduo de texto como decises interpretativasA interpretao conforme a Constituio e o efeito vinculante como umproblema a desafiar os juristas: compatvel com o Estado Democrtico deDireito essa vinculao (sem uma adequada teoria da deciso)?De como no pacfica a tese da vinculatividadeDa similitude existente entre a deciso que rejeita a inconstitucionalidadeatravs da interpretao conforme, a deciso que rejeita a ao direta deinconstitucionalidade e a deciso que declara a constitucionalidade em sedede ADCO efeito vinculante em sede de nulidade parcial sem reduo de textoA nulidade parcial sem reduo de texto e os vrios sentidos (normas) de umtexto Revisitando a Smula 400 do STF

  • 4.54.5.14.5.24.5.3

    4.64.74.8

    4.8.14.8.2

    4.94.9.14.9.24.9.3

    4.9.3.1

    4.9.4

    4.9.54.9.5.1

    4.9.5.2

    4.9.5.3

    4.9.6

    4.9.74.10

    4.10.14.10.2

    Modulao de efeitosA origem do fenmeno e sua recepo em terrae brasilisQuestes relevantes acerca da modulaoModulao de efeitos no controle difuso e no controle concentrado

    A inconstitucionalidade supervenienteReforma constitucional e controle de constitucionalidadeO controle de constitucionalidade, os tratados internacionais e as leis estrangeiras

    O problema da recepo dos tratados internacionaisO controle de constitucionalidade de leis estrangeiras

    A ao direta de inconstitucionalidade nos Estados-membrosLei estadual incompatvel com a Constituio do EstadoLei municipal incompatvel com a Constituio EstadualLei municipal incompatvel com preceitos da Constituio Federal

    A incidncia da arguio de descumprimento de preceito fundamental nacolmatao da lacuna

    Lei municipal incompatvel com matria de repetio obrigatria pelas ConstituiesEstaduais: a vinculao dos princpios da Constituio FederalConsequncias das decises prolatadas pelos Tribunais Estaduais

    Deciso de procedncia ou de improcedncia da ao direta deinconstitucionalidade de lei municipal ou estadualDeciso de improcedncia da ao direta de inconstitucionalidade de leimunicipal ou estadual, sem a interposio de recurso extraordinrio aoSupremo Tribunal FederalDeciso de procedncia da ao direta de inconstitucionalidade de leimunicipal ou estadual, sem a interposio de recurso extraordinrio aoSupremo Tribunal Federal

    A opo que pode ser feita entre a competncia do Supremo Tribunal e o Tribunal doEstado-membro A hiptese de tramitao de aes paralelasO problema da delimitao dos limites das competncias

    A tese do Estado de coisas inconstitucional na ADPF 347O que isto o Estado de coisas inconstitucional (no Brasil)?Estado de coisas inconstitucional e ativismo judicial uma relao necessria

    Captulo 5 AO DECLARATRIA DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC), AO DE

  • 5.15.1.15.1.2

    5.1.2.15.1.2.25.1.2.3

    5.1.2.45.1.2.5

    5.1.3

    5.25.2.1

    5.35.3.1

    5.3.25.3.3

    5.3.3.1

    5.3.3.2

    5.3.3.3

    5.3.3.4

    INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSO (ADO) E ARGUIO DEDESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF): AS INOVAES NOSISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE CONCENTRADOBRASILEIRO PS-1988

    A ao declaratria de constitucionalidade (ADC)Breve histrico do surgimento da ao declaratria de constitucionalidadeA Lei 9.868/1999 e a ao declaratria de constitucionalidade

    A legitimaoOs requisitos para a propositura: a arguio de relevnciaA manifestao de outros rgos ou entidades interessadas na matria objetode ao declaratria de constitucionalidadeDa medida cautelar em ao declaratria de constitucionalidadeDa deciso de mrito na ao declaratria de constitucionalidade: oproblema do efeito vinculante decorrente da ambivalncia constante noart. 24 da Lei 9.868/1999

    Sntese da problemtica gerada pelo efeito vinculante constante na ADC, na decisoque rejeita a ADI, na interpretao conforme e na nulidade parcial sem reduo detexto. A eficcia erga omnes e a coisa julgada (formal e material)

    A ao de inconstitucionalidade por omisso (ADO)Omisses totais e parciais. A colmatao da omisso atravs da interpretaoconforme a Constituio

    A arguio de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)A arguio de descumprimento de preceito fundamental (ADPF): o longo perodo semregulamentaoA arguio de descumprimento fundamental e o direito estrangeiroOs avanos e os recuos da Lei 9.882/1999

    Da (in)constitucionalidade do pargrafo nico do art. 1o da Lei 9.882/1999 Aplicao da verfassungskonforme AuslegungA exigncia do esgotamento de todos os meios para o saneamento do atolesivo: outra necessria correo atravs de interpretao conforme aConstituioArguio de descumprimento de preceito fundamental: forma de controledifuso e concentradoA medida cautelar em sede de arguio de descumprimento de preceito

  • 5.3.3.55.3.3.65.3.3.75.3.3.8

    fundamental: o efeito avocatrio a impossibilidade de avocao spontesua do STF e a inconstitucionalidade de eventual lei que autorize asuspenso e remessa de processos ao STF pelos demais tribunaisA (in)constitucionalidade do art. 10, caput e 3o, da Lei 9.882/1999De como o efeito avocatrio no encontrou guarida na Constituio de 1988Os efeitos da arguio de descumprimento de preceito fundamentalO objeto da ADPF: o descumprimento de preceitos fundamentais

    BIBLIOGRAFIA

  • 1.1

    Captulo 1AS MATRIZES DO CONSTITUCIONALISMO E AS FORMAS

    DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

    O MOVIMENTO CONSTITUCIONALIZADORO Estado Moderno, fruto do rompimento com a fragmentao prpria da forma estatal medieval,

    nasce sem Constituio (entendida stricto sensu). A primeira verso do Estado Moderno , pois,absolutista. Mas exatamente o absolutismo que, dialeticamente, vai engendrar as condies para osurgimento de formas de controle do poder, atravs da exigncia de mecanismos para conter o poderdo prncipe. Assim ocorre com a Inglaterra no decorrer do sculo XVII, com a Frana revolucionriaem fins do sculo XVIII e com a Declarao de Independncia das colnias americanas, que culminacom a Constituio de 1787.

    H, desse modo, um movimento constitucionalizador (Canotilho) que gerar aquilo quecontemporaneamente ficou conhecido como a Constituio de um pas. Esse movimento se deu emdiferentes formas nos diversos Estados em que se forjou. Pelas especificidades de cadaengendramento histrico, pode-se falar em diferentes constitucionalismos, que vo gerar, mais tarde,derivaes em diferentes Estados-Nacionais. O constitucionalismo, pelas suas caractersticascontratualistas, vai se firmar como uma teoria que tem a Constituio como lei fundamental apta alimitar o poder, porm, mais do que isso, limitar o poder em benefcio de direitos, os quais,conforme a evoluo histrica, vo se construindo no engate das lutas polticas (direitos de primeira,segunda, terceira e quarta dimenses, que demonstram as diversas fases pelas quais passou o Estadode Direito a partir da revoluo francesa at os dias atuais). O constitucionalismo , assim, ummovimento que objetiva colocar limites no poltico. E essa limitao assume diferentes matizes,chegando ao seu pice no segundo ps-guerra, a partir da noo de Constituio dirigente ecompromissria e da noo de Estado Democrtico de Direito.

    Como o leitor poder perceber no seguimento, desses movimentos constitucionais (emespecial, o constitucionalismo ingls, o americano e o francs) que nasce o Constitucionalismo,1 quese tornou crucial para a garantia dos direitos fundamentais dos indivduos, bem como para traar osmarcos da atividade estatal, no s pela limitao de seus poderes como tambm pela diviso desuas funes. Observar-se-, inclusive, na esteira de Cappelletti, que, dialtica e paradoxalmente, asupremacia do parlamento na Inglaterra que ir favorecer, mais tarde, o nascimento da denominadasupremacia dos juzes nos Estados Unidos; ao mesmo tempo, so as teses da supremacia davontade popular que daro suporte criao de tribunais ad hoc, retirando do Poder Judicirio aatribuio de controlar a constitucionalidade das leis.

  • 1.2

    1.2.1

    Nesse sentido, importante registrar que o movimento de expanso do Poder Judicirio oujudicialization, nos termos de C. Neal Tate vincula-se diretamente com outro movimento: o novoconstitucionalismo. O mesmo autor assevera as condies que facilitaram essa expanso, que sepoderia resumir nos seguintes aspectos: a) a ruptura da ideia (simples) de democracia comovontade da maioria (democracy as majority rule and popular responsibility), ampliando o papeldo Judicirio como um poder contramajoritrio; b) a separao dos poderes, que, mesmo no sendouma causa da judicializao da poltica, facilitou-a; c) a (falta de) implementao de polticaspblicas; d) o interesse de certos grupos em utilizar as Cortes muitas vezes para expandir o rol dedireitos e incluir interesses que no estavam vinculados diretamente Constituio; e) o controlede constitucionalidade (constitutional review) tem ampla ligao entre o sistema poltico nacional ea judicializao, j que, muitas vezes, acabou sendo utilizado pela oposio parlamentar para barraras iniciativas do governo; f) a inefetividade das instituies majoritrias (majoritarianinstitutions), no somente do Legislativo, mas tambm do Executivo, que no conduz de formasatisfatria a Administrao, principalmente no que tange a implementao de polticas pblicas; g)por fim, a delegao de poderes pelas prprias instituies majoritrias para no gerarcontrovrsias polticas para o congressista (ou administrador): por exemplo, em vez de definir leique probe (ou permita) o aborto, o legislador coloca nas mos do juiz essa deciso, no entrando emconflito, nem polmica, com os seus eleitores e, principalmente, com seus opositores.2

    O MODELO INGLS

    A supremacia do common law e a ausncia de Constituio escrita Atradio que se mantm

    No novidade afirmar que o direito ingls tem sido historicamente o resultado da atividadedos tribunais reais de justia desde o incio do segundo milnio, quando os normandos invadem aInglaterra. O direito ingls no um direito de universidades um direito de processualistas e deprticos. Isso significa dizer, correndo o risco da simplificao, que o grande jurista na Inglaterra ojuiz, sado da fileira dos prticos, e no o professor da universidade, isso porque, outrora, somenteuma minoria de juristas estudou nas universidades nenhum dos grandes juzes do sculo XIXpossua ttulo universitrio. O essencial foi, at o sculo XIX, na Inglaterra, encontrar uma forma deao que permitisse convocar os tribunais reais e evitar as ciladas que se apresentavam numprocesso muito formalista. Se se chegar ao termo do processo, pode-se depositar confiana no jripara reconhecer a justia da causa. Mas a dificuldade chegar at o fim do processo, e para isso necessrio concentrar a ateno nos obstculos de todos os gneros que podem se encontrar nele.3

    A histria do direito ingls pode ser resumida em quatro principais perodos. O primeiro oque precede a conquista normanda de 1066. O segundo, que se estende daquela data at o advento dadinastia Tudor (1485), que corresponde formao do common law, durante o qual surge um novo

  • sistema jurdico sobre os costumes locais anteriores; as condies da common law tm exercido umainfluncia que ainda subsiste sobre esse sistema. A aplicao se dava em circuitos peridicos doscondados e posteriormente em Londres, nas Cortes Reais. Por motivo de coerncia, os juzesdepositavam muita confiana nos julgamentos anteriores de casos semelhantes, o que deu origem doutrina do precedente judicial. Por volta do sculo XIII, comearam a circular as decises dosmagistrados, reduzidas a termo. Criaram-se anurios que foram os precursores dos law reports. Osistema do common law, desse modo, desenvolveu-se na estrita dependncia de processosformalistas e, a partir de um determinado momento, passa a encontrar dificuldades para desenvolver-se e atender s necessidades da poca.4

    O terceiro perodo vai de 1485 a 1832, que corresponde poca de maior florescimento docommon law. Nesse perodo surge a equity, caracterizada por ser um recurso autoridade real dianteda injustia flagrante de alguns casos concretos. Encaminhavam-se peties ao rei ou ao seuconselho, que eram despachadas pelo Chanceler (Kepper of the Kings Conscience), encarregado deorientar e guiar o rei em sua deciso. Aos poucos, o Chanceler vai se constituindo em juiz autnomo.Em determinadas matrias, o tribunal do Chanceler foi capaz de criar direitos no conhecidos nocommon law (caso de fideicomisso e do direito de propriedade, mesmo que limitado, para mulherescasadas). Em outros casos, ofereceu alternativa eficiente para prover um remdio ou algum direitoque se perdera. Ajudou a forar a revelao de fatos e documentos. Assegurou ao querelante, casovencedor, os benefcios do litgio, bem como a proteo de terceiros diante de eventuais danosdecorrentes da lide. As regras da equity foram se tornando sistemticas, sem, contudo, secontraporem ao common law, havendo, pelo contrrio, uma complementao entre ambas. Entra-se,ento, no quarto perodo com a primeira Lei de Organizao Judiciria (Judicature Act), que, no anode 1873, fundiu as jurisdies de common law e de equity, porm manteve a distino dos remdiosbaseados no common law e daqueles tratados na equity. A partir dos Judicature Acts, uma nicacorte passou a aplicar as diferentes regras para o caso. necessrio frisar, ainda, que outracontribuio importante dos Judicature Acts para o direito ingls foi a edio de um cdigoprocedimental: Rules of the Supreme Court, denominado The White Book, emendado de tempos emtempos. J o Apellate Act de 1876 estabeleceu regras para a reviso das decises por uma cortesuperior.5

    As reformas processuais de 1873-1875 implicaram uma nova organizao judicial centralizada,uma vez que desapareceu a distncia entre tribunais de common law e tribunais de equity. A partir deento, todas as jurisdies inglesas resultaram competentes para aplicar tanto um como outro sistema.Assim, os juzes de equity inspiraram-se nas solues dadas por seus antecessores, e essa evoluoinstitucional levou o parlamento a assumir a funo inovadora que teve a seu cargo nas centriasprecedentes o chanceler.6

    As profundas transformaes sociais que ocorreram durante os sculos XIX e XX

  • 1.2.2

    1.2.2.1

    proporcionaram uma criao legislativa ignorada nas pocas anteriores. O triunfo das ideiasdemocrticas, com a consequente necessidade de reformas jurdicas, e o racionalismo transformador,ao qual no foi alheia a influncia de pensadores como Bentham e os filsofos utilitaristas, foramtraduzidas em um incremento considervel da criatividade legislativa. Por meio dele, tornou-sevivel programar rpidas modificaes da realidade social, cujo acelerado ritmo resultava difcil deconceber dentro das pautas jurdicas tradicionais.7

    Nos dias atuais, lembra Laclau, a proliferao de leis e regulamentaes administrativas temlevado a que o statute law v se constituindo em um novo sistema complementar do common law. Asnovas jurisdies administrativas se encontram sob controle do Poder Judicirio. Porm, essecontrole, em muitos casos, exerce-se de forma restringida, toda vez que a reviso no chega aoexame da matria de fundo, seno que se reduz aos procedimentos administrativos. O papel relevanteque a lei tem assumido em vrios campos da vida social, tais como a seguridade social, o direito dotrabalho e, em geral, o direito econmico, se apresenta como um novo desafio para os juristas, queresistem a se desprender da concepo jurisprudencial tradicional, o que explica, em grande medida,a crise pela qual passa a cincia jurdica britnica.8

    A administrao da justia inglesa. A organizao judiciriaA organizao judiciria inglesa foi durante muito tempo extremamente complexa e ainda hoje

    bastante desconcertante para os juristas de outros pases, apesar das reformas que durante umacentena de anos a simplificaram e, em certa medida, a racionalizaram.9

    De pronto, com David10 e Jauffret-Spinosi,11 deve-se esclarecer que na Inglaterra feita umadistino bsica, desconhecida no Continente, entre o que se pode chamar a alta justia (hautejustice), administrada pelos tribunais superiores, e a baixa justia (basse justice), administradanuma srie de jurisdies inferiores ou por organismos quase-judicirios. A ateno dos juristasvai se concentrar especialmente sobre a atividade dos tribunais superiores, pelo fato de estes no selimitarem a resolver processos. Das decises de tais cortes que surgem os precedentes, que devemser seguidos no futuro, pelo estudo dos quais se poder conhecer qual o direito na Inglaterra.

    Tribunais Superiores: The Senior Courts of England and WalesO Constitutional Reform Act de 2005 modificou a sistemtica dos tribunais superiores.

    Chamada The Senior Courts of England and Wales , esta cadeia de tribunais composta por trsorganizaes: a High Court of Justice, a Crown Court e a Court of Appea1.12 A High Court ofJustice formada por trs sees: seo do Queens Bench Division, seo da Chancery Division eseo da Family Division. Esta Corte integrada por um mximo de setenta puisne judges, que sojuzes assessores, eleitos entre os barristers com o requisito mnimo de dez anos de exerccioprofissional. A estes se acrescenta o Lord Chief Justice, que preside a seo do Queens Bench , o

  • 1.2.2.2

    Vice-Chancellor, que preside a seo da Chancelaria (Equidade), e o President, que preside seoda Famlia. A repartio das questes entre as diferentes sees tem apenas um carter deconvenincia de servio, sendo cada uma delas destinada a estatuir sobre qualquer causa que seja daalada da High Court of Justice. A formao na seo do Queens Bench, de uma Admiralty Court ede uma Commercial Court, ou, na Chancelaria, a criao de uma Companies Court e de umaBankruptcy Court significa apenas que, no seio dessas sees, podem existir juzes especializados ecertas regras especiais de processo para o exame de diferentes tipos de assuntos.

    A Crown Court uma organizao relativamente nova no direito ingls, instituda pelo CourtsAct de 1971, com a atribuio de julgar causas criminais.

    A Court of Appeal constitui, no interior da agora intitulada The Senior Courts of England andWales, um segundo grau de jurisdio. composta por trinta e sete Lords Justices, presididos peloMaster of the Rolls. As questes so a submetidas, em princpio, a um colgio de trs juzes. Orecurso rejeitado se no houver uma maioria para modificar a deciso contra a qual foi interposta.Um dos colgios do tribunal, a Criminal Division do Court of Appeal, ocupa-se especialmente dasquestes criminais. As causas so geralmente julgadas por um Lord Justice e por dois juzes daQueens Bench Division . Ao contrrio do que acontece nas sees que julgam matria civil, no costume que os juzes colocados em minoria levem a matria ao conhecimento da Criminal Division.

    A Cmara dos Lordes e o fim da jurisdio-legislativaAt o dia 1o de outubro de 2009, a competncia para julgamento dos recursos oferecidos contra

    as decises tomadas pela Court of Appeal pertencia ao Comit de Apelao da Cmara dos Lordes(Appellate Committee of The House of Lords). Ou seja, at esta data, no existia a Suprema Corte doReino Unido (criada em 2005, instalada em 2009), o que tornava a Cmara dos Lordes ltimainstncia recursal em matria penal da Inglaterra, do Pas de Gales e da Irlanda do Norte. Em matriacvel, alm dessas partes do Reino Unido, a Cmara tambm exercia a jurisdio em ltimo grausobre a Esccia.13 Quando este papel era exercido pelo Comit de Apelao, o uso deste recursoera excepcional: a Cmara dos Lordes proferia de 80 a 90 decises por ano. Entre os Lordes, osnicos habilitados a julgar eram o Lord Chancelier (que preside a Cmara), os Lordes (Lords ofAppeal in Ordinary), em nmero de onze, conforme a lei, que foram especialmente elevados dignidade de pares (no hereditrios) com esta inteno, e os Lordes que ocuparam anteriormentecertas funes judicirias enumeradas por uma lei. As questes eram normalmente examinadas porcinco e, no mnimo, por trs Lordes. Cada Lorde exprimia separadamente a sua opinio, chamadaspeech, e o recurso seria rejeitado se no formasse uma maioria para admiti-lo. O direito inglsignora a prtica francesa da cassao com reenvio. A Cmara dos Lordes estatui, quanto ao fundo,sobre o recurso para que foi consultada.14

    Foram cerca de 600 anos de histria exercendo jurisdio, como corte de apelao final, em

  • 1.2.2.3

    paralelo com o ofcio da legislatura, na House of Lords. Conta-se que, com o bombardeio da Houseof Commons durante a segunda guerra mundial, os Law Lords tiveram de atender em salas afastadasdo parliament, por conta do barulho das reformas. A experincia revelou-se evoluo, cujo processos veio aos ltimos termos com a Constitutional Reform Act de 2005.15

    Como mencionado acima, o papel de corte de apelao agora pertence United KingdomSupreme Court UKSC, composta por 12 Justices, que, apesar de lords pertencentes House ofLords, esto legalmente impedidos de l atuar.

    A Suprema Corte do Reino Unido pode ser acessada pelos Poderes Judicirios da Inglaterra, doPas de Gales, da Esccia e da Irlanda do Norte. Questes de grande relevncia, larga repercusso,de todo o Reino Unido podem ser trazidas Corte, em sede de jurisdio civil. Quanto s questescriminais, apenas as oriundas da Inglaterra, do Pas de Gales e da Irlanda do Norte. A UKSC tambmjulga as chamadas devolution issues, ou seja, questes em que as autoridades executivas e/oulegislativas da Esccia, Pas de Gales e Irlanda do Norte agiram, ou pretenderam agir, usurpandocompetncia da Suprema Corte (isso inclui aes e atos praticados em desconformidade com osdireitos e deveres previstos na European Convention on Human Rights e na European Communitylaw), ou ainda em dissonncia com os deveres impostos a tais autoridades.

    Por fim, ela fica localizada no Middlesex Guildhall, no lado oeste da Parliament Square. Essalocalizao, apartada da House of Lords, segundo seu website, altamente simblica acerca daseparao dos poderes no Reino Unido, equilibrando a jurisdio e a legislatura, uma em cada pontada Praa do Parlamento, sendo os outros dois lados ocupados pelo Poder Executivo (the Treasurybuilding) e pela Igreja (Westminster Abbey).16

    Destaque-se que h muito tempo a Cmara dos Lordes vem passando por crises. Em 2012, oprimeiro-ministro David Cameron havia apresentado um projeto de reforma. Este projetotransformou-se em lei em transformou-se em 14 de maio de 2014, chamado House of Lords ReformAct 2014. Como menciona Otavio Luiz Rodrigues Junior, esta lei [...] introduziu medidas inditas noregime parlamentar britnico, no que se refere ao modo como so tratados os pares do reino queintegram a cmara alta, podendo ser referidas: permitir a aposentadoria ou a renncia de um lord;consequncias para o no comparecimento dos lords s sesses parlamentares; possibilidade decondenao do lord por serious offence. Tudo isso aponta para a crise do modelo parlamentar noReino Unido, o que se agravou durante a administrao do primeiro-ministro Tony Blair. Como sepode perceber, h uma inclinao para reformar esta instituio, assunto que tem figurado em plenodebate no Parlamento.17

    Comisso judiciria do Conselho PrivadoNessa qualidade, a Comisso formada pelos juzes da Cmara dos Lordes tem a

    incumbncia de julgar os recursos interpostos contra as decises dos supremos tribunais dos

  • 1.2.3

    1.2.3.1

    territrios britnicos de alm-mar ou dos Estados da Commonwealth que at agora no aboliramesse tipo de recurso (Austrlia, para determinados assuntos, Nova Zelndia, Gmbia etc.). Asdecises da Comisso tm, quando se referem a questes de common law, uma autoridadepraticamente idntica aos acrdos da Cmara dos Lordes.18

    Com o Constitutional Reform Act de 2005, o Judicial Committee of the Privy Council mantevesua competncia, cedendo para a Suprema Corte apenas as devolution issues, tratadas acima.

    Jurisdies inferiores

    County courts

    Conhecidos como tribunais de condado ou tribunais distritais, os county courts foram criadosem 1846, atravs dos County Courts Acts, de modo que os distritos por eles servidos tenhamabrangncia sobre toda a Inglaterra. Haver sempre um tribunal distrital dentro de uma distnciarazovel. Contemporaneamente, registre-se a preocupao com o acesso do cidado jurisdio,ilustrada na definio da misso da agncia executiva do Ministrio da Justia Her Majestys CourtsService (HMCS) criada em 2005: All citizens according to their differing needs are entitled toaccess to justice, whether as victims of crime, defendants accused of crimes, consumers in debt,children in need of care, or business people in commercial disputes. Our aim is to ensure that accessis provided as quickly as possible and at the lowest cost consistent with open justice and that citizenshave greater confidence in, and respect for, the system of justice19.

    At 2008, havia 216 country courts, que recebem a maior parte dos processos cveis. Destes, aprincipal causa o no pagamento de dvida. Figuram tambm demandas sobre: danos pessoais; nocumprimento de contrato relativo a bens ou propriedade; questes de famlia, como divrcio eadoo; recuperao de imveis. Roland Sroussi descreve que as country courts no podem atuarem demandas que excedam certas somas exemplificando, nos casos de responsabilidade civil, omontante no deve ultrapassar 5.000 libras esterlinas.20 Como h um grande nmero de processos,foram criadas faixas de valores para a organizao do sistema de justia. Ou seja, controvrsias queenvolvam questes abaixo de 5.000 libras esterlinas esto na faixa denominada Small Claims Tracke so resolvidas por meio das country courts (por isso, elas so conhecidos como Tribunais dePequenas Causas, apesar de no serem verdadeiramente tribunais). As reclamaes entre 5.000 e25.000 libras esterlinas esto na faixa denominada Fast Track, e aquelas com valores acima de25.000, Multi Track.21

    Essa competncia fixada pelo High Court of Justice, que, embora tenha competnciailimitada, se recusa, em princpio, a apreciar questes inferiores Small Claims Track. Os recursos,quando autorizados, vo diretamente para a Court of Appeal.22

    Decises que dizem respeito ao pagamento de dbitos so quase todas gravadas no registro dasdecises da country court. A informao usada por bancos, sociedades de construo e empresas

  • 1.2.3.2

    1.2.3.3

    1.2.4

    de crdito para verificar a credibilidade de um indivduo e pode, portanto, afetar a situaofinanceira do devedor.

    Magistrates

    As infraes penais menores so julgadas por simples cidados (no juristas ou lay), chamadosde magistrates, aos quais foi conferido o ttulo de justice of peace. Exercem suas funes com oauxlio de um secretrio jurista (clerk), de forma gratuita (exercem o cargo a dois nos vilarejos).Tambm tm competncia para apreciar infraes maiores, na fase preliminar, quando decidem seexistem ou no indcios suficientes para levar o acusado a ser julgado perante a Crown Court.23 Osjuzes que julgam os casos penais mais importantes ou infraes maiores (indictable offences) soremunerados pela coroa, denominados Stipendiary Magistrates, e atuam nas grandes aglomeraesurbanas. Sero eles que decidiro se haver o comparecimento do acusado perante a Crown Court.24

    Contencioso quase judicirioNo mbito de abrangncia da matria administrativa, assim como determinadas peculiaridades

    surgidas diante de certas leis, h alguns rgos especiais criados para a resoluo dos litgios a elespertinentes. So os denominados Boards ou Commissions ou, ainda, Tribunals, conforme a rea deatuao. Assim, existem para dirimir conflitos na rea econmica, em matria fiscal, social e emmatria de inquilinato.

    Vale referir que existe um Council on Tribunals que desde 1958 fiscaliza o funcionamentodesses organismos, que chegam a mais de 2.000. Esses tribunais s vezes esto ligados administrao, mas tambm podem ser independentes, como o caso dos que cuidam das questestrabalhistas e de inquilinato.25

    A doutrina dos precedentes obrigatriosA doutrina dos precedentes obrigatrios (doctrine of binding precedent), tambm chamada

    stare decisis, case law, est estreitamente ligada ao sistema denominado de Law Reports.26 Depronto, deve ser dito (e repetido) que uma das caractersticas histricas mais marcantes da leiinglesa ser produto do trabalho dos juzes (judge made law). Ou seja, a maior parte da commonlaw no produto do Parlamento, mas sim do trabalho de sculos dos juzes aplicando regrasconsuetudinrias estabelecidas, aplicando regras a casos novos, medida que foram surgindo. Oprincpio que respalda a doutrina dos precedentes consiste em que, em cada caso, o juiz deve aplicaro princpio legal existente, isto , deve seguir o exemplo ou precedente das decises anteriores(stare decisis).27

    O exposto representa bem o aspecto histrico da formao da lei inglesa. Porm, na atualidade,devido maior sistematizao e clarificao das fontes do direito a maior parte do direito atual

  • encontra-se nos law reports e nas leis originrias do Parlamento , j no se pode seguir afirmando,sem reserva, que o juiz faz o direito, uma vez que sua funo a de decidir os casos conforme asregras legais existentes. Pound, citado por Cueto Rua, j discutia, no incio do sculo, o problemaderivado da presena de dois tipos de normas jurdicas as legisladas e as jurisprudenciais ,ambas aplicveis na mesma jurisdio pelos mesmos juzes: Pueden concebirse cuatro maneras enque los Tribunales encaren la innovacin legislativa en un sistema como el nuestro. 1. Ellos podrianrecibirla plenamente en el seno del derecho (jurisprudencial) como suministrando no slo una normapara ser aplicada sino como un principio en base al cual razonar, y considerarla, por ser la msreciente y directa expresin de la voluntad general, de autoridad superior a las normas creadas porlos jueces [...]. 2. Ellos podrian recibirla plenamente en el seno del derecho (jurisprudencial),utilizndola como punto de referencia para el razonamiento analgico, como cualquiera otra normajurdica, considerndola, sin embargo, como de autoridad igual o coordinada en este particular conlas normas jurisprudenciales (judge made law) aplicables en el mismo tema general. 3. Ellos podrianrehusarse a recibirla plenamente en el seno del derecho y darle solo efecto directo, negndose autilizarla como base para el razonamiento analgico, pero dndole, ello no obstante, unainterpretacin amplia para cubir toda la materia que se queria cubrir. 4. Ellos podrn no solo negarsea utilizarla como base para el razonamiento analgico y aplicarla slo de manera directa, sino,adems, darle una interpretacin estricta e estrecha, aplicndola rigidamente a eses casos que ellacubre de manera expresa. La cuarta hiptesis representa la actidud ortodoxa del common law hacalas innovaciones legislativas. Sin embargo, la tercera hiptesis probablernente representa con mayorprecisin la actitud haca la cual, estamos marchando. La segunda y la primera, sin duda, le parecenabsurdas al abogado del comnon law. El difcilmente puede pensar que una norma de origenlegislatvo pueda ser considerada como una parte permanente del cuerpo normativo general. Pero sesugiere que el corso del desarrollo jurdico en el que hemos entrado debe llevarnos a adoptar elmtodo de la segunda hiptesis y, eventualmente, el mtodo de la primera hiptesis. Convm frisarque isso foi escrito por Roscoe Pound h mais de oitenta anos. Hoje, h suficientes indcios, segundoassevera Cueto Rua, de que os tribunais ingleses e americanos tenham se acercado dessa posio,operando em termos muito prximos segunda hiptese de Pound, com sinais cada vez mais visveisde se aproximarem da hiptese primeira.

    relevante frisar, em sntese, que o juiz no se remete s decises precedentes como simplesorientao ou guia, mas sim que est obrigado a aplicar as regras legais contidas em tais decises. importante ressaltar, nesse sentido, lembra Jauregui, que os precedentes se aplicam somente aospontos ou questes de direito, ainda que em alguns casos a questo de direito esteja diretamenteinter-relacionada com os fatos. Por outro lado, o princpio legal no qual se baseia um precedentedeve ser essencial para a deciso a tomar. Essa parte substancial do princpio legal chamada deratio decidendi do caso. A ideia principal que a aplicao da lei a determinado conjunto de fatossempre baseada em um princpio legal que d suporte deciso. Esse princpio constitui o

  • 1.2.4.1

    elemento vinculante. Isso no significa necessariamente que a ratio pode ser encontrada sempre noque est estabelecido na regra que aparece na sentena da Corte que se aplica ao caso particular,uma vez que tambm um princpio estabelecido que os casos so unicamente vinculantes emrelao a outros casos quando estes so precisamente similares (precisely similar) .28 O mesmoautor alerta, ainda, para o fato de que no o mesmo dizer similar e precisamente similar, jque, neste ltimo caso, se estreita a possibilidade interpretativa do julgador. Isso bastante comumna lei inglesa, que, com frequncia, utiliza palavras e expresses como beyond reasonable doubt,fairness, equity, que tm um contedo semntico muito amplo e que, porm, ao mesmo tempo,limitam o arbtrio do intrprete. J David e Jauffret-Spinosi29 chamam ateno para o fato de que lejuge dans larrt ne prcise pas quelle est la ratio decidendi, celle-ci sera dtermine ultrieurementpar un autre juge, examinant si cet arrt est ou non un prcdent applicable au litige dont il est saisi.Os juzes, em suas sentenas, fazem, por vezes, observaes sobre a lei que, em realidade, soalheias ao caso. Tais observaes, ditas de passagem (obiter dicta), no so vinculantes comoprecedente.

    Considerando que a doutrina dos precedentes tem fora obrigatria dentro da estrutura dodireito ingls, como pode a lei se desenvolver se os casos sempre devem ser julgados tendo por baseos princpios perenes? pergunta Jauregui.30 Ele mesmo responde, ao dizer que, na prtica, existemvrios caminhos para que a doutrina no perca flexibilidade. Primeiro, as cortes superiores tmpoder para rechaar decises das cortes inferiores, e, em certos casos, podem tambm passar porcima (override) de suas prprias decises anteriores. Ademais, qualquer regra legal pode sermudada pela legislao (statute). Em consequncia, ressalta, toda regra legal est sujeita amudana, seja pelos juzes, seja pelo Parlamento.

    Significado e alcance da regraDemonstra David31 que se analisa a regra do precedente,32 teoricamente, em trs proposies

    muito simples: 1o As decises tomadas pela Cmara dos Lordes constituem precedentesobrigatrios, cuja doutrina deve ser seguida por todas as jurisdies, salvo excepcionalmente por elaprpria; 2o As decises tomadas pela Court of Appeal constituem precedentes obrigatrios paratodas as jurisdies inferiores hierarquicamente a este tribunal e, salvo em matria criminal, para aprpria Court of Appeal; 3o As decises tomadas pela High Court of Justice impem-se sjurisdies inferiores e, sem serem rigorosamente obrigatrias, tm um grande valor de persuaso eso geralmente seguidas pelas diferentes divises da prpria High Court of Justice e pela CrownCourt.

    Desse modo, o tratadista francs explica que as proposies assim enunciadas simplificammuito o problema. Uma certa tendncia parece manifestar-se hoje, sem que os princpios sejampostos em causa, para aumentar o nmero de excees que eles comportam ou para tornar maisrigorosas as condies em que so aplicados. At 1966 foi admitido que a Cmara dos Lordes

  • 1.2.5

    estivesse estritamente vinculada aos seus precedentes; uma declarao solene, feita pelo LordeChanceler em 1966, deu a conhecer que, no futuro, a Cmara dos Lordes poderia afastar-se dessaregra, se razes prementes parecessem exigi-lo no interesse da justia. (...) conveniente sublinharque os nicos precedentes obrigatrios so constitudos pelas decises emanadas dos tribunaissuperiores, isto , da Supreme Court of Judicature e da Cmara dos Lordes. As decises emanadasde outros tribunais ou organismos quase judicirios podem ter um valor de persuaso; noconstituem nunca precedentes obrigatrios. Sobre esse assunto, Lloyd chama a ateno para o fatode que muito pode depender da atitude do tribunal da instncia superior em face da deciso anterior.O tribunal subsequente pode adotar um ponto de vista favorvel ao princpio consubstanciado numcaso anterior e estar disposto a aplic-lo amplamente em quaisquer situaes anlogas. Foi isso oque aconteceu depois que a deciso majoritria da Cmara dos Lordes, no caso Donoghue v.Stevenson (1932) A.C. 562, estabeleceu a obrigao de um fabricante de ter razovel cuidado emassegurar que seus produtos no se encontravam em condies suscetveis de acarretar danos aosconsumidores potenciais. Esse caso envolveu to claramente uma regra judiciosa que ela foi tratadacomo possuidora da mais vasta aplicao. Portanto, foi rapidamente consagrada como expresso daessncia do critrio legal de negligncia, ao impor uma obrigao geral de cuidado sempre que sepossa prever razoavelmente, pela conduta de qualquer pessoa, a possibilidade de causar danosfsicos a outrem. Por outro lado, se o resultado de uma deciso vinculatria for mais tarde visto demodo desfavorvel, os tribunais subsequentes podem empenhar-se em limit-lo rigorosamente aosseus prprios fatos e, assim, mediante algumas distines sutis (que o leigo e, na verdade, muitosadvogados encaram como bizantinismo), dar ao caso anterior um campo muito limitado deoperao ou tir-lo virtualmente de circulao. Desse modo, lembra o autor, como exemplo, duasincurses macias foram feitas em duas doutrinas estabelecidas, mas impopulares, do antigo direitoconsuetudinrio, ou seja, as regras segundo as quais numa ao por negligncia, qualquer grau denegligncia do prprio acusado que contribusse para o acidente invalidaria a totalidade de suasalegaes, e que um patro no responsvel pelos danos causados a seu empregado por neglignciade um colega deste ltimo. No obstante, essas duas doutrinas ainda mantiveram um papel ingrato,embora declinante, por muitas dcadas, at que o Parlamento finalmente aboliu ambas h poucosanos.33

    A experincia do constitucionalismo inglsObserve-se, de qualquer modo, que a experincia do constitucionalismo ingls difere

    substancialmente das experincias norte-americana e francesa. Com efeito, muito embora at hojeno haja uma Constituio formalizada (escrita), com previso de hierarquia de leis e controle deconstitucionalidade, a ideia de superioridade normativa no de todo estranha tradio inglesa,tendo tido uma importncia mpar para as colnias americanas. A obra de David T. Ball, Thehistorical origins of judicial review: the duty to resist tyranny , faz uma detalhada anlise da

  • histria inglesa, referente ao perodo de 1536-1803. O autor menciona que, tradicionalmente, se estacostumado a contar a histria das origens do judicial review a partir de 1803, com a deciso docaso Marbury vs. Madison, o que, para ele, constitui uma lacuna no desenvolvimento da ideia decontrole de constitucionalidade (a missing explanation of the origins of the judicial review). Dessemodo, sua proposta demonstrar como o processo histrico de nascimento do judicial review (queteve seu pice na deciso de Marshall) est vinculado limitao do poder ao dever de resistir tirania , relacionando tudo isso fundamentalmente com as disputas religiosas existentes no territrioingls antes mesmo de 1803. Nas palavras de Ball: The thesis of this book is that the origins of theconstitutional power of judicial review lie in the historical development and application of the dutyto resist tyranny [...] The lack of scholarly attention to the possibility that the origins of judicialreview may lie in the early Reformations duty to resist tyranny may best be explained as aconsequence of a pronounced trend in historical scholarship toward defining the scope of historicalinquiry so clearly that pertinent material lying outside these self-imposed limits tends to beignored.34

    Desse modo, possvel afirmar que a ideia de um direito fundamental, superior ao direitoordinrio (de origem parlamentar), desenvolveu-se no incio do sculo XVII. Na verdade, a vitriado constitucionalismo na Inglaterra se explica a partir da aliana orgnica feita entre os juristas e osparlamentares.35

    H que se recordar, aqui, as origens do problema, que remonta virada do sculo XVI. Comefeito, o processo de estabilizao da igreja anglicana (nacional) na Inglaterra exigiu todo um sculo;somente quando esse processo se tornou concluso e o rei-papa Jaime I pretendeu exercer umaautoridade totalitria que nasce o constitucionalismo moderno.36 Com efeito, o constitucionalismoimpe-se como um contraponto ao absolutismo, que por sua vez se instaura com os Estadoscentralizados (Sucia e Inglaterra figuram entre os primeiros pases que passaram pelo processo deunificao nacional, e, com isso, conseguiram emancipar-se do sistema medieval). Contra aspretenses absolutistas dos Stuarts, Sir Edward Coke invocava um direito superior prerrogativargia e ao direito estatutrio: era o direito proveniente da common law, de cuja interpretao osjuzes eram donos e senhores.37

    Figura exponencial no nascimento do constitucionalismo ingls, Sir Edward Coke (1552-1634)foi presidente da Common Pleas (Tribunal de Peties Comuns) desde 1603 at 1613, e presidente,at 1616, do Kings Bench . Edward Coke era um grande terico que se contrapunha a Jean Bodin eThomas Hobbes, que, alis, dedicou-lhe a obra A dialogue between a philosopher and a student ofthe common laws of England (1666, publicada em 1781). Como bem assinala Matteucci, em certosaspectos Coke pertence ao passado, uma vez que foi o grande inventor do mito da Magna Carta; emoutros aspectos foi o precursor de uma soluo alternativa para a construo jurdica do Estado, aoprincpio da soberania que levar a uma cada vez mais estreita identificao do direito com a fora,do ius com o iussum. necessrio identificar os momentos importantes de seu pensamento, a partir

  • dos inmeros Reports por ele redigidos, que no deixaram de fascinar at mesmo o seu adversrioFrancis Bacon. O pensamento de Coke encontrou logo uma expresso orgnica nos quatro volumesdos Institutes of the Laws of England (1628, 1642, 1644, 1644), considerados uma das maisimportantes obras de jurisprudncia inglesa.38

    Com Carl Friedrich, vale registrar, ainda, que, em face da supremacia parlamentria que acaboupor ser dominante na Inglaterra, os historiadores tm menosprezado as posies de Edward Coke. certo que Cromwell estava profundamente convencido da necessidade de alguma norma fundamentalque limitasse o poder do parlamento. Inclusive Bacon, adversrio de Coke, que defendia a posiodo monarca, admitia que o direito ingls estava baseado no direito natural. Porm, depois daevoluo da responsabilidade do gabinete no sculo XVIII, essa noo veio a ser uma frmula vazia,como j o era na poca do absolutismo dos Tudor, primeira ocasio em que a supremacia do direitoveio a significar a supremacia do parlamento. O fato de que os juristas ingleses no colocassemnunca nenhum obstculo considervel no caminho desse desenvolvimento teve consequncias muitoimportantes para a Constituio inglesa e o direito ingls. O fato, porm, de o sistema haverfuncionado bem durante um largo perodo no prova que seja fundamentalmente slido. Tampouco certo que seu xito haja sido to contnuo como s vezes se supe. Sem embargo, havia na Inglaterrauma grande acumulao de direito criado pelos juzes, e foi contra esse poder dos juzes queBentham centrou suas crticas em favor da legislao aprovada pelo parlamento.39

    Enquanto para Bacon ento Lorde Chanceler os juzes deviam ser lees abaixo do trono, epor isso no podiam obstaculizar nenhuma funo do rei, para Coke os juzes eram lees que deviamcustodiar, frente ao rei, os direitos dos cidados. Com efeito, para defender os direitos dos ingleses,sistematicamente, Coke negou o direito da prerrogativa real, interpretando sempre de um modorestritivo os poderes da prerrogativa rgia. Isso aparece em vrios arestos que trazem a marca deCoke, que vo desde os direitos de aduana, subsdios e impostos, at as sentenas proferidas contraas decises da Alta Comisso, consideradas arbitrrias e sem fundamento. Alm disso, insurgia-secontra o costume do rei de ouvir o voto dos juzes separadamente, extra iudicium, limitando, ainda, opoder do Tribunal da Chancelaria, que julgava com base na equity.40

    As teses e decises de Coke no visavam apenas a uma batalha poltica tratava-se,fundamentalmente, de uma proposta constitucional, profundamente inovadora , no momento em quea iurisdictio estava em plena crise e estourava o conflito entre a prerrogativa real e a iurisdictio.Trs sentenas se tornaram famosas, que bem caracterizam o pensamento inovador e corajoso deEdward Coke: as sentenas sobre os writs of prohibition, as Proclamations (ordenanasadministrativas) e a sentena do processo Bonham.41

    Segundo o pensamento medieval, somente ao rei, como vigrio de Deus na Terra, podia dizer ajustia, sendo que, para facilitar-lhe o trabalho, era concedida ao rei a possibilidade de delegar essafuno aos juzes. Pois bem. Na sentena sobre os writs of prohibition, datada de 13 de novembro de

  • 1608, Coke teve um violento enfrentamento com o rei Jaime I. Explicando: o arcebispo deCanterbury, irritado pela invaso que os tribunais de common law faziam na jurisdio eclesistica(Alta Comisso) atravs dos writs of prohibition, afirmou que o rei, enquanto juiz supremo, segundoa palavra de Deus, podia avocar dos juzes as causas que entendesse conveniente. Coke contraps ocommon law esta tradio, sustentando que, pelo common law, o rei no podia julgar nenhumacausa, sendo que todos os casos deviam ser decididos pelos tribunais de justia, em conformidadecom a lei e os costumes da Inglaterra, existindo um Estatuto vigente desde Henrique IV, pelo qual setransferia o poder judicial do rei a diversos tribunais. O rei se ofendeu ao ouvir que estavasubmetido lei, afirmando que era uma traio sustentar essa tese. Mais do que isso, disse que orei quem protege o direito, e no o direito que protege o rei; o rei faz os juzes e os bispos. Coke,entretanto, permaneceu irredutvel e no abriu mo do poder judicial baseado no common law. J nocaso das Proclamations, que eram ordenaes de carter administrativo, de origem real, pelas quaiso rei regulava determinadas questes, houve um novo conflito entre a prerrogativa real e a jurisdiod o common law. Observe-se que algumas ordenaes chegaram a estabelecer que determinadasaes eram consideradas criminosas, sendo que os autores eram julgados pela Chambre of Stars, revelia dos tribunais. Coke afirmou, ento, que o rei no podia violar uma lei, mediante a expediode ordenaes, isso porque as ordenaes no se encontravam entre as fontes do direito ingls. Maisainda, sustentou que somente o Parlamento pode fazer leis (statutes).42

    Mas a sentena do caso Bonham que, certamente, a mais famosa e a mais discutida, uma vezque a ela se pode creditar a moderna instituio do controle de constitucionalidade das leis por partedo Poder Judicirio. Afirmou Coke que o common law regula e controla os atos do Parlamento e svezes os julga em todo nulos e sem eficcia, uma vez que, se um ato do parlamento contrrio aodireito e razo comum, o common law o controla e o declarar nulo. Ou seja, ficou estabelecidoque existe um direito superior lei do parlamento: um estatuto legal tem uma validade formal quandoderiva do Parlamento, uma validade substancial quando racional; o controle do seu contedocorresponde aos juzes do common law.43

    Desse modo, o projeto constitucional de Edward Coke, naquela poca de crise, resultasuficientemente claro: de um lado estabelece a autonomia do Poder Judicirio frente ao PoderExecutivo (prerrogativa real); de outro, no momento em que o parlamento se convertia em um rgolegislativo, transfere a funo judicial, que era prpria do Poder Legislativo como AltoTribunal, aos tribunais de common law, considerados por Coke como os lees que deveriammanter sob a imprio da lei tanto o rei como o Parlamento. Coke no podia intervir no problema darelao entre o Poder Executivo e o Parlamento porque, de direito, todos reconheciam a prerrogativareal no pertinente poltica exterior e manuteno da paz no reino; porm, de fato, poucosconfiavam nos Stuart, e todos queriam controlar politicamente a prerrogativa real. Era um problemapoltico, mas tambm um problema constitucional. Entretanto, os tempos no estavam maduros paraafrontar o rei, porque, amide, os contendores tinham ambos razo, com base nos precedentes. Era

  • necessria, ento, uma soluo poltica, e esta foi a guerra civil.44

    Em sntese, mais do que opor a common law ao poder rgio, Coke defendia a prevalncia dacommon law sobre o parlamento, ao referir que aparece em nossos livros que em muitos casos acommon law controla atos do parlamento e que s vezes os relega absoluta nulidade; porquequando um ato do parlamento se ope ao direito comum e razo, ou repugna ou de impossvelaplicao, a common law controla esse ato e se impe sobre ele, anulando-o.45

    A doutrina de Coke predominou at a Revoluo Gloriosa de 1688, tendo grande influncia nosEstados Unidos, atravs do judicial review e da supremacia do Poder Judicirio. A partir de 1688,vinga na Inglaterra a supremacia do Parlamento. Na atualidade, possvel dizer que, strictosensu, comparando com os diversos sistemas de controle estabelecidos nos diversos pases domundo, no h controle de constitucionalidade na Inglaterra. Como j dito, no common law inglstoda regra legal est sujeita a mudana, seja pelos juzes, seja pelo Parlamento, mas, em ultima ratio,o que vai valer a palavra do Parlamento. assim que funciona o controle de constitucionalidadedo direito ingls.

    A Constituio inglesa descansa, pois, a partir de 1688, sobre a soberania (ilimitada) doParlamento, a ponto de, no sculo XIX, Blackstone46 afirmar acerca do poder do Parlamento ingls:Sua autoridade soberana sem freio; pode fazer, confirmar, estender, restringir, ab-rogar, revogar,renovar, e interpretar as leis, sobre as matrias de toda denominao, eclesisticas ou temporais,civis, militares, martimas ou criminais. ao parlamento que a constituio desses reinos confioueste poder desptico e absoluto, que em todo governo deve residir em alguma parte. Todos os males,as desgraas, os remdios a trazer, as determinaes fora do curso ordinrio das leis, tudo atingidopor este tribunal extraordinrio. Pode regular ou mudar a sucesso ao trono, como fez sob osreinados de Henrique VIII e Guilherme III; pode alterar a religio nacional estabelecida, como fez emdiversas circunstncias sob o reinados de Henrique VIII e seus trs filhos; pode mudar e criar denovo a constituio de um reino e do prprio parlamento, como fez pelo Ato de Unio da Inglaterra eEsccia, e por diversos estatutos para as eleies trienais e setenais. Em uma palavra, pode fazertudo o que no naturalmente impossvel. Por isso, no se teve escrpulo em chamar o seu poder,por uma figura muito audaz: O todo poderoso parlamento... Pois, sabe-se, Lord Burleigh disseque a runa da Inglaterra no podia jamais ser operada seno pelo parlamento; e, como observa SirMarthieu Hales, formando este corpo a corte mais elevada, sobre a qual nenhuma outra do reinopodia ter jurisdio, se, por qualquer causa, viesse a adotar maus princpios, o povo ingls estariaabsolutamente sem recurso. E, assim, Montesquieu previa, e eu creio ser previso muito arriscada,que, do mesmo modo, como perderam Roma, Esparta e Cartago a sua liberdade e pereceram, aConstituio inglesa perecer com o tempo; e isto, quando o poder legislativo se tornar maiscorrompido que o poder executivo... Podemos, pois, afirmar que, enquanto durar a Constituioinglesa, o poder do parlamento ser absoluto e sem freio.

  • Do ponto de vista formal, a histria constitucional da Inglaterra data da Revoluo Gloriosa de1688. Essa Constituio foi aprovada por um poder constituinte autntico. Mas desde aquela poca,relata Friedrich, a Constituio inglesa havia sofrido uma srie de mudanas profundas sem que hajamediado uma deciso explcita de nada. Os ingleses qualificam encantados este processo deresolver questes segundo se vo apresentando (muddling through). Em realidade, isso parte deseu astuto realismo poltico. Essas convenes constitucionais pois tal o nome que recebem naInglaterra desenvolvem-se base de precedentes. Assim, por exemplo, a forma de dirigir ogoverno de Walpole criou uma srie de precedentes que se converteram em base e reforma dogoverno parlamentar. As anlises magistrais de autores como Bagehot e Jennings se produzemdepois. A troca se produz sem que nada mais que os homens que esto no secreto compreendem oque est ocorrendo. O desenrolar constitucional ingls est em qualquer caso menos sujeito a formas,pelo motivo de que o poder de reforma corresponde maioria parlamentar. Sem embargo, essacaracterstica tem o complemento da conveno que exige a convocao de novas eleies no casode a oposio decidir atribuir muita importncia ao problema, pois subsiste de todos os modos oeixo de que as trocas fundamentais tm sido graduais. Tudo isso tem confirmado nossa afirmaoanterior: de que muitas vezes se produzem revolues sem que entre no jogo nenhum grupoconstituinte. O poder aparentemente ilimitado do parlamento, ou da oligarquia de que era portador,foi limitado sem nenhuma ao explcita por obra da evoluo dos grandes partidos. Esse artifcioconstitucional, que hoje se reconhece geralmente que foi de fundamental importncia durante o sculoXIX, no se baseia em nenhuma deciso explcita. Alguns podero consider-la como uma limitaobastante dbil. Por tal debilidade, se que existe, a Constituio inglesa, como processo poltico,est mais que compensada com o forte tradicionalismo na Inglaterra.47

    Pelas peculiaridades com que engendrado o constitucionalismo ingls a partir da Gloriosa, eleno reconhece ideia alguma como a das leis fundamentais; os estatutos, que regulam a sucesso dotrono, podem ser reformados do mesmo modo como os que regulam a venda de licores exticos. Nose pode abarcar de um s golpe o sistema de limitaes do poder do governo e, por conseguinte, doEstado. Algumas vezes, como no Habeas Corpus Act, se encarnam em um estatuto; outras vezes,como no caso Entick v. Cawington, se encontram em uma deciso judicial.48

    Releva anotar que essa perspectiva de supremacia parlamentria tem origem, alm dos debatesocorridos aps as crises das primeiras dcadas dos anos seiscentos, nas teses contratualistas deLocke. A partir da metfora do contrato social, somente possvel sair do estado de natureza atravsde um pacto: no um pacto qualquer, seno somente aquele que tem, como finalidade, um acordorecproco, para estabelecer uma nica comunidade e formar um nico corpo poltico, no qual estejamgarantidos os direitos naturais do indivduo. Por isso, o homem renuncia, via contrato, liberdadee s igualdades naturais, cedendo ao governo poltico o prprio poder de defender a propriedade(vida, liberdade, bens), uma vez que fica institudo um poder poltico destinado a governar conformeleis fixas e preestabelecidas, um juiz imparcial sobre a Terra. Uma vez estabelecida a sociedade

  • 1.2.6

    a)b)

    c)

    d)

    poltica, mediante o consenso de todos os indivduos, entra em vigor a regra da maioria, que tem odireito de deliberar e decidir por todo o corpo poltico. Existem, entretanto, dois pontos sobre anatureza deste contrato que tm uma enorme relevncia constitucional. Repetidamente Locke afirmaque o Poder Legislativo, apesar de ser o poder supremo da sociedade poltica, est semprelimitado, no somente pelos direitos naturais e pela finalidade para a qual tenha sido institudo (acerteza da lei), seno tambm est limitado por aquela primeira e fundamental lei positiva que oinstitui, isto , pelo contrato social, que aparece assim como um autntico e prprio poderconstituinte, superior ao Poder Legislativo. Com isso, Locke estabeleceu a base terica para umadistino entre normas constitucionais e normas legislativas derivadas.49

    O modelo ingls e o modelo continental de controle de constitucionalidade:diferenas ou similitudes? Uma reflexo necessria

    Classicamente, so as seguintes diferenas que tm sido contrapostas aos modelos britnico econtinental:

    a condio de no escrita da Constituio britnica;conforme o princpio exsurgente da doutrina do stare decisis, o direito britnico um direitojurisprudencial cuja fonte principal seria o precedente judicial; j no direito constitucionalcontinental, seria o direito codificado;nos pases continentais, a jurisdio constitucional est concentrada em um TribunalConstitucional especializado;50 na Gr-Bretanha, ao contrrio, a jurisdio constitucional eminentemente difusa e competente aos rgos judiciais ordinrios;os Tribunais Constitucionais europeus exercem o controle das leis parlamentrias, cujadeclarao de inconstitucionalidade produz efeitos erga omnes e ex nunc; na Gr-Bretanha,ao contrrio, vige o princpio da supremacia do parlamento, cujas normas no poderiam serdeclaradas inconstitucionais (portanto, nulas).51

    Tais diferenas, entretanto, no so to ntidas assim, na viso de Lafuente Balle. Com efeito,para ele, em primeiro lugar, que a Constituio britnica no esteja codificada em um nico corpolegal no obsta a que uma grande parte de seu contedo esteja, de fato, escrito. As leisparlamentrias (statutes, v.g., o Crown Proceedings Act ou o Local Government Act) ou osinstrumentos legais (statutory instruments) de contedo constitucional esto escritos e formam parteda Constituio. Em qualquer caso, este velho tpico est a ponto de ser derrubado. Em 1998, entrouem vigor a Lei dos Direitos Humanos (Human Rights Act 1998), em que est codificada toda a partedogmtica da Constituio. Seu prembulo manifesta que a lei promulgada para conferir eficciaaos direitos e liberdades garantidos na Conveno Europeia dos Direitos Humanos. Assim, todos osdireitos que se reconhecem em qualquer Constituio continental (tutela jurisdicional, expresso etc.)

  • aparecem igualmente regulados nessa lei de 1998. Alm da enumerao dos direitos e liberdades, aLei dos Direitos Humanos regula dois novos procedimentos. O primeiro a declarao deincompatibilidade (declaration of incompatibility). Sobre a base de que os juzes e tribunais estoobrigados a interpretar a legislao nacional de maneira que se tornem compatveis o Convnio e ajurisprudncia do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (arts. 2(1) (a) 3 (1), a House of Lordspode declarar que uma lei parlamentria ou uma norma de desenvolvimento incompatvel com aConveno Europeia e o Human Rights Act (arts. 4(1), 4(2), 4(3), 4(4). Desse modo, conforme oprincpio do stare decisis, cada rgo judicial est limitado pelos precedentes de seus tribunaissuperiores, numa estrita ordem hierrquica, onde no vrtice est a House of Lords, cujas decisesvinculam todas as instncias judicirias. Sendo assim, qualquer juiz ou tribunal britnico estvinculado a uma declarao de incompatibilidade ditada pela House of Lords. 52 A consequnciaser que uma lei declarada incompatvel, ainda no sendo nula, deixar de ser aplicada pelostribunais. Do ponto de vista prtico, d no mesmo que uma lei seja nula ou que, sendo vlida, noseja aplicada.53

    O outro procedimento regulado pelo Human Rights Act o judicial remedy. Conforme a suaregulamentao, qualquer pessoa que acredite possuir um interesse suficiente ou ser vtima de um atocontrrio aos direitos da Conveno e da Lei pode intentar um procedimento judicial frente ao poderpblico includa a judicatura que o tenha ditado. O Tribunal aplicar o remdio que considereapropriado para resolver a controvrsia In relation to any act (or proposed act) of a publicauthority which the courts finds is (or would be) unlawful, it may Grant such relief or remedy, ormake such order, whithin its powers as it considers just and appropriate . Parecem, pois, inegveisas similitudes entre a declaration of incompatibility e os procedimentos continentais para o controleda constitucionalidade das leis. Do mesmo modo, parece indiscutvel que o procedimento do judicialremedy apresenta importantes coincidncias com os recursos de amparo alemo e espanhol.54

    J com relao suposta diferena entre o carter jurisprudencial do direito constitucionalbritnico e o carter codificado das Constituies continentais, Balle refere que o princpio doprecedente est to arraigado nos tribunais constitucionais continentais como no stare decisis naCorte Suprema britnica. Tambm os tribunais constitucionais continentais adequam sua atividadesaos seus prprios precedentes. Por derradeiro, com relao ao controle de constitucionalidade dasleis nos dois modelos e a polmica acerca do princpio da supremacia do parlamento no direitobritnico, o autor coloca em dvida a tese dominante na doutrina constitucional. Nesse sentido,lembra a lio de A. W. Bradley ( The sovereignity of parliament in perpetuity?), para quem oEuropean Communities Act quebrou o princpio da supremacia do parlamento, defendendo, por isso,a necessidade de uma nova Carta de Direitos que reconhecesse aquele fato. Os tribunais dizemaplicar o princpio da supremacia do parlamento e afirmam sua incompetncia para revisar as leisparlamentarias. No obstante a isso, reclamam sua faculdade interpretativa para decidir os direitos eos deveres que a legislao impe. Os arts. 2(1), 2(4) e 3 do European Communities Act 1972

  • 1.3

    1.3.1

    estabelecem a direta aplicabilidade das normas comunitrias e o carter vinculante das decises daCorte Europeia de Justia. Nesse contexto, Balle considera que os desenvolvimentos dos sistemasconstitucionais continental e britnico esto convergindo. verdade que os tribunaisconstitucionais continentais esto autorizados a declarar nula aquela lei que contradiga aConstituio nacional. Entretanto, uma faculdade em desuso, uma vez que os TribunaisConstitucionais buscam socorro no princpio da conservao das leis, ou no princpio dainterpretao das leis em conformidade com a Constituio para evitar a sua anulao. Ou seja, osTribunais, fazendo uso de processos interpretativos, ditam sentenas criativas e, em lugar de anularas leis inconstitucionais, interpretam-nas at criar uma nova norma e incorpor-la ao ordenamentojurdico nacional. Pois bem, arremeta Balle: exatamente isso que faz a House of Lords. Acata oprincpio da supremacia parlamentria e reconhece que no pode anular a legislao do Parlamento.Assim, a House of Lords interpreta as normas do mesmo modo que os Tribunais continentais. Comoqualquer tribunal, dita sentenas corretivas, aditivas, manipulativas, redutivas ou diretivas. Noanula leis parlamentrias, porm dita os mesmos tipos de sentenas criativas que os TribunaisConstitucionais continentais. A tcnica para isso a mesma: a interpretao.55

    A tese de Balle no deve ser descartada. A partir de uma perspectiva hermenutica, pareceevidente que a ideia dominante da supremacia do parlamento no modelo ingls merece serquestionada. cedio que os Tribunais continentais trabalham com a ideia de precedentesjurisprudenciais, que se aproximam em muito da doutrina do stare decisis, em face da vinculao,no formal, mas pragmtica, aos seus prprios julgamentos (precedentes). Alm disso, quando ostribunais ingleses, em especial a Cmara dos Lordes, anula decises que contrariam textosconstitucionais (afinal, no h dvida que os ingleses possuem uma Constituio), embora noretirem a eficcia formal do texto, na prtica, a partir da vinculao pela doutrina do stare decisis,ocorre uma nova norma que obedecida pelo restante do sistema. Por outro lado, cada aplicaobaseada em interpretao conforme a Constituio no deixa de ser uma deciso absolutamentesimilar ao que ocorre no sistema continental. Agregue-se a isso o novo paradigma representado pelaadeso da Inglaterra aos tratados e convenes da Unio Europeia, como bem frisado pelo autorespanhol. Nesse ponto, possvel encaminhar a discusso rumo a uma nova perspectiva, longe datradicional dicotomia ausncia de controle constitucional, representada pela tese da supremaciaparlamentria, versus controle stricto sensu realizado pelos tribunais constitucionais de ndolecontinental.

    O MODELO (JUDICIAL) NORTE-AMERICANO

    O triunfo do common law em solo norte-americanoA ttulo introdutrio, necessrio apontar, com Jorge Miranda, a importncia da experincia

    americana: foi o primeiro grande Estado de tipo europeu formado fora da Europa; primeira

  • revoluo vitoriosa que se revela tambm anticolonial, mas que encerra contradies de carterracial (algumas ainda hoje por resolver); primeira e mais duradoura Constituio escrita em sentidomoderno; Constituio de base legal moderada pela jurisprudncia, em conexo com o controle deconstitucionalidade; primeiro Estado federal (forma de Estado mais evoluda que a unio real);primeiro Estado a decretar a separao das confisses religiosas; primeira repblica alicerada noprincpio democrtico; primeiro sistema de governo presidencial por aplicao direta da doutrina daseparao de poderes. Assim, a noo de Constituio e do seu valor superior a todos os demais atosda Federao e dos Estados federados e, em especial, a autoridade reconhecida aos tribunais na suainterpretao e na sua concretizao so notas to profundas do sistema e to especficas que, com omesmo sentido ou com a mesma intensidade, no poderiam passar para qualquer outra parte.Transplantveis, embora ainda com refraes, viriam a ser a fiscalizao judicial daconstitucionalidade (o caso do Brasil e da maioria dos pases latino-americanos bemcaracterstico, assim como a adoo do sistema de controle difuso por alguns pases europeus), ofederalismo e o presidencialismo. Dessa forma, pode-se falar em sistemas de matriz norte-americanacom relao aos pases que recepcionaram, pelo menos, estes trs elementos.56

    Em linhas gerais, o direito norte-americano pode ser dividido em trs perodos ou fases: de1800 at a Guerra Civil; desta at a I Grande Guerra; e da at os nossos dias. Assim, quandoirrompeu a revoluo das colnias, o direito ingls era o nico que os americanos conheciam. Dasurgiu a primeira questo: deveria o direito ingls continuar a ser aplicado? A Constituioamericana procurou resolver o problema, ao atribuir ao Congresso e ao sistema judicirio federal aresponsabilidade de determinar a maioria das questes da lei substantiva. Uma parte seria reservadaaos tribunais (e legislativos) estaduais, mas somente no que se referia a questes locais. Mas o tipode direito a ser aplicado deveria ser resolvido pela Suprema Corte. De qualquer sorte, a nao,devido ao trauma revolucionrio e ao dio contra os ingleses, no aceitava a ideia da absoro dodireito consuetudinrio ingls. Entre os anos de 1776 e 1820, formou-se uma jurisprudnciatipicamente americana, surgindo, tambm, a corrente de pensamento que no atribua grande valor aoprecedente, aconselhando, inclusive, com entusiasmo, aos juzes, a criao de leis, quanto maismelhor.57

    Esse mesmo perodo registra ainda dois acontecimentos relevantes. O primeiro diz respeito ano formao de um sistema legal americano, devido principalmente extraordinria transformaodos Estados Unidos com o florescimento da Revoluo Industrial. O segundo acontecimento dizrespeito a no uniformizao das leis, em virtude do dogma que vedava ao Governo Federal e aostribunais federais o poder de garantir a aplicao das leis em todo o territrio americano, uma vezque tanto os poderes da Unio como os dos Estados eram rigidamente limitados.58

    Embora rejeitada a ideia de federalizao global da lei substantiva, o Supremo Tribunal, comsuas soberanas decises, tentou sempre criar um direito uniforme para todo o territrio,

  • principalmente atravs do mtodo de dar uma interpretao extensiva e ampla aos poderesconferidos pela Constituio ao governo federal e aos tribunais federais.59

    A segunda fase do direito norte-americano pode ser denominada de era do estilo formal. Soba inspirao de que um governo no pode ser de homens, mas sim de leis,60 os juristas americanoscomearam a formular teorias sobre amplas reas do direito consuetudinrio, com o objetivo dereduzir todo o acervo a uma unidade controlada, como, por exemplo, em matria de contratos, umateoria geral dos contratos. Ao mesmo tempo, os juristas, tendo frente o pai da metodologia nodireito americano, Langdell, procuravam encontrar uma sada para o elevado nmero de casos eprecedentes, j ento decididos e formulados pelos tribunais federais e estaduais. ChristopherColombus Langdell revolucionou os estudos do direito nos Estados Unidos, a partir de 1870,introduzindo o mtodo dos casos prticos com que os estudantes liam e debatiam processos jjulgados pelos tribunais de apelao. Implantou tambm o mtodo socrtico de ensino, medianteperguntas e respostas. De certa maneira, Langdell tambm criou a figura do catedrtico de direito.Antes dele, os professores de direito tinham sido juzes e advogados. O ensino para esses era umaatividade secundria. Langdell terminou com essa prtica, contratando James Ames, recm-sado dafaculdade de direito. Ames no tinha qualquer experincia profissional como advogado. Langdellincentivou-o a ser professor. Considerava irrelevante a tese de que, para ser professor, tinha de ser,primeiro, advogado ou juiz. Os mtodos de Langdell eram revolucionrios, recebendo forteoposio, inclusive em Harvard. Pouco a pouco, porm, o mtodo foi triunfando. Na segundadcada do sculo XX, o mtodo de Harvard de estudo da jurisprudncia era quase universal. Aindahoje o mtodo criado por Landgell segue sendo o mais utilizado.61 Nessa segunda fase, surge o juizHolmes,62 que deu ao direito americano seu verdadeiro contedo, a partir do movimento que ficouconhecido como realismo jurdico. Para ele, o primeiro requisito de uma lei correta o decorresponder aos sentimentos reais e s exigncias da comunidade, quer estejam certas ou erradas.63

    Os tribunais, a seu turno, continuavam a criar jurisprudncia, cada vez mais torrencial, quandoento, numa tentativa de minimizar o problema da imensido de casos julgados, surgiu o NationalReport System, o qual, terminados quinze anos, reunia to grande nmero de casos que tornavaimpossvel a pesquisa.64

    Em face dessa problemtica, ressurge o interesse pela codificao, cujo projeto, porm, foiabandonado. Engendram-se, assim, as condies para a terceira fase, denominada de era do grandeestilo. Com efeito, o fracasso do movimento pela codificao pode ser debitado ao fato de que osprincpios gerais do direito so sempre os mesmos, e os acidentais mudam em funo de fatores deordem econmica, social, poltica etc. Portanto, no havia benefcio em codificar as decisesjudiciais, chamadas precedentes, uma vez que, constatando os tribunais a necessidade dareformulao da lei, ela seria feita pelo prprio Poder Judicirio. Dessa tendncia foi exemplomaior, nessa poca, o juiz Cardozo, sucessor de Holmes, para o qual o passado domina o presente esomente em raros casos o processo judicial possibilita um ato criativo por parte do juiz.65 Essa fase

  • 1.3.2

    do direito americano marcada pelo rompimento com a doutrina de Langdell e pela adoo dadoutrina de Llewellyn, de se estudar todos os casos anlogos.66

    Como diz Gilmore, o campo escolhido por Llewellyn j estava codificado. Por esse motivo,seus artigos consistiam basicamente em ataques Lei de Vendas Uniforme, com propostas para quefosse substituda por um estatuto que refletisse (ao contrrio do que ocorria com a Lei de Vendas) asprticas reais dos comerciantes do sculo XX. Raramente um reformador tem a oportunidade deexecutar as reformas que defende. Mas Llewellyn foi o principal elaborador do que foi inicialmenteconhecido como a Lei de Vendas Uniforme Revisada e que mais tarde se tornou o Cdigo ComercialUniforme (que atualmente est em vigor em todas as jurisdies dos EUA, exceo da Louisiana).O resultado dos esforos de Llewellyn e muitos outros, ao longo de quase vinte anos, o melhorexemplo das confuses e contradies do direito americano durante o prolongado perodo daelaborao do Cdigo.67

    Muito embora essas sstoles e distoles que marcaram a histria norte-americana, o sistema dacommon law triunfou. A lngua inglesa e o povoamento originariamente ingls dos Estados Unidos,alm de obras de juristas magistrais, entre os quais Kent, Blackstone e Story, contriburam de formadecisiva para que os Estados Unidos da Amrica adotassem essa modalidade de sistema jurdico.No mais se discute, pois, o triunfo do common law. Num grande nmero de Estados, as leisestabeleceram que o common law, tal como se apresentava nessa ou naquela data, era o direito emvigor no Estado. Em outros Estados, no se julgou til fazer uma proclamao desse teor. Contudo, oconflito que, como se viu, atravessou dcadas e dcadas no foi estril, uma vez que deu ao commonlaw americano caractersticas prprias e particulares em confronto com o common law ingls. Odireito americano evoluiu sob a influncia de fatores prprios, e profundamente diferente do tipoingls. Os prprios conceitos tornaram-se diferentes, e os dois direitos j no se identificam pela suaestrutura. No se deve, contudo, exagerar nas diferenas. Apesar delas, existe um fundo comum aosdois direitos que muito importante: o bastante para que os americanos se considerem membros dafamlia do common law.68

    A estrutura do direito dos Estados Unidos da AmricaO direito, tanto para o jurista ingls como para o americano, desenvolve-se sob a forma

    jurisprudencial. Os juristas desses pases tm as regras de direito produzidas pelo legislador(statutes) como algo anormal no sistema. De qualquer maneira, tais regras (statutes) so sempremais bem assimiladas depois de devidamente interpretadas pelos tribunais, mormente se se tratardo direito norte-americano. Quando no existe precedente, diz-se que there is no law on the point,mesmo que exista uma lei que preveja a situao sob anlise.69

    Os tribunais, conforme Friedman,70 em muitos aspectos, so a parte mais familiar do sistemajurdico vigente nos Estados Unidos. Quando se pensa em direito, vem mente a imagem dos

  • tribunais. No captulo que trata do Federal Judicial Power, Laurence Tribe afirma que ascaractersticas do Poder Judicirio nos Estados Unidos envolvem trs questes: a) o papel dasCortes federais de interpretar e cumprir a Constituio como lei (considerado seu maisimportante/marcante poder); b) a restrio da atuao da Corte ao que dispe o Article III, isto , aexigncia de que as Cortes federais exeram seu poder somente diante de casos oucontrovrsias; e, por fim, c) o fato de que o Poder Judicirio federal deve descrever as restriesque so impostas em face da existncia de Estados (questo que envolve o federalismo e aorganizao judiciria). Para o autor norte-americano, um nmero de caractersticas constitucionaisdo Poder Judicial dos Estados Unidos envolve trs questes distintas, que, por sua vez, iro ocupareste captulo. Primeiro, deve-se abordar o aspecto mais notvel do poder dos tribunais federais, oseu poder de interpretar e fazer cumprir a Constituio como lei. Segundo, como parte do PoderJudicirio federal, deve descrever a limitao principal que o art. III impe ao Judicirio federal: aexigncia de que os tribunais federais exeram o seu poder apenas para resolver casos oucontrovrsias. A Suprema Corte tem desenvolvido um corpo de doutrina elaborado sobrepossibilidade de ser julgado em um esforo para dar sentido exigncia de caso ou controvrsia. Adoutrina incorpora dois elementos constitucionais e inconstitucionais; uma tarefa principal da anliseconstitucional fornecer alguma explicao para esse