josé saramago - depoimento sobre gagueira

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“Chegou a hora da minha confissão” Saramago foi obrigado pelos colegas a aderir à Mocidade Portuguesa, mas escapou por um triz de usar a farda salazarista Literatura Entrevista: Antonio Gonçalves Filho O escritor José Saramago con- ta, em seu ensaio autobiográfi- co As Pequenas Memórias, a ori- gem de seu sobrenome. Acopla- do ao “lacônico” José de Sousa que seu pai pretendia que fosse, Saramago foi batizado por um funcionário bêbado do Registro Civil de Golegã, e agradeceu a vida toda a ele por não ter carre- gado, como os outros habitan- tes de sua aldeia, Azinhaga, um sobrenome “obsceno” como Pi- chatada, Curroto ou Caralha- na. O pai, subchefe da Polícia de Segurança Pública, jamais ad- mitiu chamá-lo de Saramago. Em contrapartida, o mundo in- teiro repete o nome do Nobel de Literatura, que afirma, nesta entrevista ao Estado, jamais pretender escrever algo pes- soal sobre sua vida adulta, por considerar “ridícula” a idéia. Em As Pequenas Memórias o se- nhor diz que, assim como Leandro, o senhor teve os seus toques de dis- lexia. O que parecia ser algo inco- mum entre os escritores, hoje pare- ce muito freqüente, considerando o númerodeautoresqueconfessater algumas dificuldades com algumas palavras.Comoosenhoranalisaes- se fenômeno e qual a importância que ele teve em sua formação? Os meus problemas não foram os de uma simples e passageira dislexia. O meu problema foi, e continua a ser, o tartamudeio, a gagueira. Aqueles que gozam da sorte de uma palavra solta, de uma frase fluida, não podem imaginar o sofrimento dos ou- tros, esses que no mesmo ins- tante em que abrem a boca para falar já sabem que irão ser obje- to da estranheza ou, pior ainda, do riso do interlocutor. Com a passagem do tempo acabei por criar, sem ajuda, pequenos tru- ques de elocução, usar os blo- queios leves como pausas pro- positadas, perceber com anteci- pação a sílaba onde irei ter difi- culdades e mudar a construção da frase, etc. Curiosamente, se tiver de falar para cinco mil pes- soas estarei mais à vontade do que a falar com uma só. Salvo em situações de extremo cansa- ço nervoso, hoje sou capaz de controlar adequadamente o meu débito verbal. A gagueira, no meu caso, passou a ser uma pálida sombra do que foi na in- fância e na adolescência. Apren- di à minha própria custa. O senhor relata no livro alguns episódios de sua vida como ado- lescente, incluindo nele as brin- cadeiras com Domitília. Que im- portância tem e o que significa o sexo para Saramago? O sexo é. Especular sobre a im- portância e o significado dele não levará a outra conclusão: o sexo é, e não só é, como tem as suas razões. Não discutamos com o sexo, ele acabará sempre por ganhar a partida. Às vezes, para justificar as nossas tenta- ções, dizemos que a carne é fra- ca. E não se repara que se a car- ne cede é porque o espírito já havia cedido antes... De modo geral, os escritores pre- ferem falar de sua iniciação literá- ria ou da vida adulta quando es- crevem a autobiografia. Por que o senhor decidiu se fixar na infân- cia e adolescência? Nunca escreveria uma autobio- grafia da pessoa adulta que sou. Creio que me sentiria ridículo e desistiria logo à segunda página. A mim interessava-me a criança que fui, o adolescente que come- çava a ser, isto é, a pessoa em construção. Interessavam-me a ingenuidade perante o mundo, a desprevenção, a ausência de idéias feitas. E nada distoé possí- vel encontrar no adulto. Já que falamos de autobiografias, outro Nobel, Günter Grass, acaba de lançar a dele. Tinha dúvidas que numa autobiografia o senhor reve- lasse ter pertencido à juventude sa- lazarista, algo improvável conside- rando suas posições ideológicas. Emalgummomentoosenhorsentiu simpatia pelo ditador? Chegou a hora de fazer a minha confissão. Eu pertenci à juventu- de salazarista, que se chamava Mocidade Portuguesa. Perten- cíamos todos: alunos da instru- çãoprimária,do ensino secundá- rio, do ensino superior, todos sem exceção. Era, por assim di- zer, automático. Digo no livro co- moconseguiescaparausarofar- damentoecreioqueessafoiami- nhaprimeira vitória contrao fas- cismo. Mais não podia fazer. E para a revolução ainda era cedo. O cinema começa a se interessar por seus livros. Como o senhor ima- gina um filme a partir de Ensaio so- bre a Cegueira? O livro suscita facilmente ima- gens no espírito do leitor, e isso seria, ao mesmo tempo, um ca- minho e um perigo: o de fazer do filme uma mera ilustração do ro- mance. Mas, conhecendo, o tra- balho de Fernando Meirelles co- mo conheço, estou tranqüilo quanto a este particular, O que peço ao filme é que consiga dizer com mais força o que eu tentei dizer no livro: que há demasiado absurdo no modo como a huma- nidade está vivendo (e sofrendo, e morrendo) para continuar- mos a suportá-lo. Mudar a vida? Sim, com a condição de que seja- mos capazes de mudar de vida... Algumas das pessoas que o senhor conheceuquandojovem,comoosa- pateiro Francisco Carreira, viraram personagens em seus livros. Qual o personagem que ainda não ocupou lugar em sua literatura? Não vejo ninguém a quem pu- desse utilizar nesse sentido, sal- vo talvez, para não sair das Pe- quenas Memórias, o barqueiro Gabriel, mas teria de inventar tudo, inventar-lhe uma vida que não acertaria em nada ou quase nada com o que terá sido a vida desse homem. Quanto a proje- tos, rodam-me na cabeça um ou dois, mas nada que valha a pena falar neste momento. Omundoqueosenhorconheceuem sua infância desapareceu ou está em ruínas. Como o senhor viu a en- trada de Portugal na comunidade européia e o desaparecimento de culturas regionais em sua terra? Não desapareceram de todo, masaquilo em que se vão trans- formando deve-se menos à in- fluência da União Européia do que ao rolo compressor que é a globalização, da qual me atre- vo a dizer que é, com todas as letras, um totalitarismo. O senhor sempre esteve ao lado de intelectuais brasileiros enga- jados em lutas políticas. Como viu a vitória de Lula e o que espe- ra desse segundo mandato? Não preciso dizer que Lula era o meu candidato, mas também não preciso dizer que espero (que exijo...) muito mais dele no novo mandato que agora vai começar. Não discuto o seu di- reito de afastar-se de Hugo Chá- vez e de Evo Morales, mas per- mito-me recomendar-lhe que não vá para a cama todos os dias com o Fundo Monetário In- ternacional... E que não se es- queça dos problemas sociais do Brasil. Lula já deve ter percebi- do que o poder não só intoxica, como cega. Abra os olhos, presi- dente. Sobretudo não permita que fechem seus olhos. Era pre- ciso tê-los fechados, para não ver o que se passava no PT. SARAMAGO - “Não usar o fardamento foi minha primeira vitória contra o fascismo; mais não podia fazer” WASHINGTON ALVES/REUTERS %HermesFileInfo:D-2:20061104: D2 CADERNO 2 SÁBADO, 4 DE NOVEMBRO DE 2006 O ESTADO DE S.PAULO

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Page 1: José Saramago - Depoimento sobre gagueira

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CAPÍTULO 33

NacasadeMadameBrigitte

“Chegouahoradaminha confissão”Saramago foi obrigadopelos colegasa aderir àMocidadePortuguesa,masescapouporumtriz deusar a farda salazarista

LiteraturaEntrevista:

estadao.com.brReleiaeste e todos oscapítulosanteriores do folhetim no sitehttp://www.estadao.com.br

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Antonio Gonçalves Filho

O escritor José Saramago con-ta, em seu ensaio autobiográfi-coAsPequenasMemórias, a ori-gemdeseusobrenome.Acopla-do ao “lacônico” José de Sousaqueseupaipretendiaquefosse,Saramago foi batizado por umfuncionáriobêbadodoRegistroCivil de Golegã, e agradeceu avidatodaaelepornãotercarre-gado, como os outros habitan-tes de sua aldeia, Azinhaga, umsobrenome “obsceno” comoPi-chatada, Curroto ou Caralha-na.Opai, subchefedaPolíciadeSegurança Pública, jamais ad-mitiu chamá-lo de Saramago.Em contrapartida, o mundo in-teirorepeteonomedoNobeldeLiteratura, que afirma, nestaentrevista ao Estado, jamaispretender escrever algo pes-soal sobre sua vida adulta, porconsiderar “ridícula” a idéia.

Em As Pequenas Memórias o se-nhordiz que, assimcomoLeandro,osenhorteveosseustoquesdedis-lexia. O que parecia ser algo inco-mumentreosescritores,hojepare-cemuitofreqüente,considerandoonúmerodeautoresqueconfessateralgumasdificuldadescomalgumaspalavras.Comoosenhoranalisaes-se fenômeno e qual a importânciaqueeleteveemsuaformação?Os meus problemas não foramos de uma simples e passageiradislexia. O meu problema foi, econtinuaaser, o tartamudeio, agagueira. Aqueles que gozamda sorte de uma palavra solta,de uma frase fluida, não podemimaginar o sofrimento dos ou-tros, esses que no mesmo ins-tanteemqueabremabocaparafalar já sabemque irãoserobje-to da estranheza ou, pior ainda,do riso do interlocutor. Com apassagem do tempo acabei porcriar, semajuda, pequenos tru-ques de elocução, usar os blo-

queios leves como pausas pro-positadas,percebercomanteci-pação a sílaba onde irei ter difi-culdades emudar a construçãoda frase, etc. Curiosamente, setiverdefalarparacincomilpes-soas estarei mais à vontade doque a falar com uma só. Salvoemsituaçõesdeextremocansa-ço nervoso, hoje sou capaz decontrolar adequadamente omeu débito verbal. A gagueira,no meu caso, passou a ser umapálida sombra do que foi na in-fânciaenaadolescência.Apren-di àminha própria custa.

O senhor relata no livro algunsepisódios de sua vida como ado-lescente, incluindo nele as brin-cadeiras com Domitília. Que im-portância tem e o que significa osexopara Saramago?O sexo é. Especular sobre a im-

portância e o significado delenão levará a outra conclusão: osexo é, e não só é, como tem assuas razões. Não discutamoscomosexo, ele acabará semprepor ganhar a partida. Às vezes,para justificar as nossas tenta-ções, dizemosque acarne é fra-ca.Enãose reparaqueseacar-ne cede é porque o espírito jáhavia cedido antes...

Demodogeral,osescritorespre-feremfalardesuainiciaçãoliterá-ria ou da vida adulta quando es-crevem a autobiografia. Por queosenhordecidiusefixarnainfân-cia e adolescência?Nunca escreveria uma autobio-grafia da pessoa adulta que sou.Creio que me sentiria ridículo edesistirialogoàsegundapágina.Amiminteressava-meacriançaquefui, oadolescentequecome-

çava a ser, isto é, a pessoa emconstrução. Interessavam-me aingenuidadeperanteomundo,adesprevenção, a ausência deidéiasfeitas.Enadadistoépossí-vel encontrarno adulto.

Já que falamos de autobiografias,outro Nobel, Günter Grass, acabade lançaradele.Tinhadúvidasquenumaautobiografia o senhor reve-lasseterpertencidoàjuventudesa-lazarista, algo improvável conside-rando suas posições ideológicas.Emalgummomentoosenhorsentiusimpatiapeloditador?Chegou a hora de fazer aminhaconfissão.Eupertenciàjuventu-de salazarista, que se chamavaMocidade Portuguesa. Perten-cíamos todos: alunos da instru-çãoprimária,doensinosecundá-rio, do ensino superior, todossem exceção. Era, por assim di-

zer,automático.Digonolivroco-moconseguiescaparausarofar-damentoecreioqueessafoiami-nhaprimeiravitóriacontraofas-cismo. Mais não podia fazer. Eparaarevoluçãoaindaeracedo.

O cinema começa a se interessarporseuslivros.Comoosenhorima-ginaumfilmeapartirdeEnsaioso-breaCegueira?O livro suscita facilmente ima-gens no espírito do leitor, e issoseria, ao mesmo tempo, um ca-minhoeumperigo:ode fazerdofilmeumamerailustraçãodoro-mance.Mas, conhecendo, o tra-balhodeFernandoMeirellesco-mo conheço, estou tranqüiloquanto a este particular, O quepeçoaofilmeéqueconsigadizercom mais força o que eu tenteidizernolivro:quehádemasiadoabsurdonomodocomoahuma-nidadeestávivendo(esofrendo,e morrendo) para continuar-mosasuportá-lo.Mudaravida?Sim,comacondiçãodequeseja-moscapazesdemudardevida...

Algumasdaspessoasqueosenhorconheceuquandojovem,comoosa-pateiroFranciscoCarreira,virarampersonagensemseus livros.Qualopersonagemqueaindanãoocupou

lugaremsualiteratura?Não vejo ninguém a quem pu-desseutilizarnessesentido,sal-vo talvez, para não sair das Pe-quenas Memórias, o barqueiroGabriel, mas teria de inventartudo, inventar-lheumavidaquenãoacertariaemnadaouquasenada com o que terá sido a vidadesse homem. Quanto a proje-tos, rodam-menacabeçaumoudois,masnadaquevalhaapenafalar nestemomento.

Omundoqueosenhorconheceuemsua infância desapareceu ou estáemruínas.Comoosenhorviuaen-trada de Portugal na comunidadeeuropéia e o desaparecimento deculturasregionaisemsuaterra?Não desapareceram de todo,masaquiloemquesevãotrans-formando deve-se menos à in-fluência da União Européia doque ao rolo compressor que é aglobalização, da qual me atre-vo a dizer que é, com todas asletras, um totalitarismo.

O senhor sempre esteve ao ladode intelectuais brasileiros enga-jados em lutas políticas. Comoviua vitóriade Lulae oque espe-ra desse segundomandato?Não preciso dizer que Lula eraomeu candidato,mas tambémnão preciso dizer que espero(que exijo...) muito mais deleno novomandatoqueagoravaicomeçar. Não discuto o seu di-reitodeafastar-sedeHugoChá-vez e de EvoMorales, mas per-mito-me recomendar-lhe quenão vá para a cama todos osdiascomoFundoMonetárioIn-ternacional... E que não se es-queçadosproblemassociaisdoBrasil. Lula jádeve terpercebi-do que o poder não só intoxica,comocega.Abraosolhos,presi-dente. Sobretudo não permitaquefechemseusolhos.Erapre-ciso tê-los fechados, para nãover o que se passava no PT.●

SARAMAGO- “Nãousaro fardamento foiminhaprimeiravitória contrao fascismo;maisnãopodia fazer”

–Segundo oChampagneWine Infor-mation Bu-

reau, em uma garrafa dechampanhaexistem,emmé-dia, 49 milhões de borbu-lhas. Calculadas cientifica-mente!!! Repito: 49 milhõesde bolhinhas!– Mas Virgílio, você sabe

queeunãogostodechampa-nhe... E pára de falar cham-panha. Pra mim isso é fres-cura! Champanhe!Virgílio mostrava uma

das cinco garrafas france-sas.– Não existe luxúria sem

champanhe. Vai por mim.Dante, Virgílio e Tobias

estavamsozinhosnumasun-tuosa sala de um sítio próxi-mo a Taubaté. Além dachampanhe, duas garrafas

deuísque 18anos, cervejasbel-gas dentro de um imenso bal-de.Uvasde todasascores, cas-tanhas, salgados e um belo pa-vão assado em cima damesa.– Que galinhona!!!– Isso é pavão, Tobias.– Escuta, seu Virgilho, não

tem caipirinha não?Entranasala achiquérrima

proxeneta Madame Brigitte,francesa falsificadíssima. Ovestido colado ao corpo, roxo,osseiossaltados,orostoexces-sivamentemaquiado, um saltomuito alto,muita jóia pelo cor-po. Cabelos vermelhos, unhasverdes.Eumsorrisonadaama-relo. Já foi interessante aquelamulher. Mas faz muitos anos.– Bem-vindos, senhores.Virgílio faz as apresenta-

ções. Dante olha no seu reló-gio. Nenhuma luz acesa. Esta-ráBeatriz ligadaàsua luxúria?

– Bebamos, senhores.– Madama, tem caipirinha

não?– Temos tudo, senhor To-

bias.

Madame Brigitte ba-te palma e entraum mordomo chi-nês.

– Ling Shing Ping, caipiri-nha para o cavalheiro.– Vodca Absolut?– 51 memo!!! É hoje...–Tobias,contenhaseushor-

mônios.Virgílio deu umapiscada de

raspão para o chinês.Madame serve o champa-

nhe.–Ochampanhaéaúnicabe-

bida quedeixaumamulher bo-nita após bebê-la, já dizia Ma-dame De Pompadour.–Masafinal, é a champanhe

ou o champanhe?– A champanha, mon

amour! Bebamos.Entra Ling Shing Ping com

a caipirinha.Parasurpresageral,Tobias

diz:– Merci...Brindam.Virgíliotomaapa-

lavra.– Madame Brigitte, e as ga-

rotas?MadameBrigitte dá três pí-

lulasalaranjadasparaos rapa-zes.– Trinta e seis horas de pai-

xão avassaladora.Tomam,comgolesdecham-

panhe e caipirinha.–Achoquevocênãoprecisa-

va, Tobias...– Nunca se sabe, seu Virgi-

lho. Nunca se sabe.Madamesai evolta comcin-

co garotas. Todas lindas, jo-vensediscretamentevestidas.Moçasquesepoderiaapresen-

tar para a própriamãe e dizerque era sua noiva. Dante logopensou nos pais daquelas ga-rotas. Mas reagiu. Ele não es-tava ali para pensar em famí-lia. Ele estava ali para pecar.Mas, até agora seu relógionão avisava nada.– Roberta, Renata, Eduar-

da, Brigitinha – não, não é mi-nha filha – e Elisângela.Elas cumprimentam com a

cabeça e sorrisos. Madameapertaumbotão,as luzesdimi-nuemsensivelmenteeEllaFit-zgerald canta.Dante puxa Virgílio para

um canto.– E agora, a gente faz o quê?Tobias no meio da sala, foi

mais prático:– Todomundo pelado!!!Madame olha para Virgílio

com uma péssima cara. Virgí-lio pega Tobias pelo braço.– Tá doido? Fica na sua.– A minha é aquela moreni-

nha ali, a Elisângela.– Ou você se comporta ou

vai ficar lá fora.– Mas seu Virgilho, a gente

veio aqui pra quê? Lá emJaça-nã a gente já tinha resorvido aparada há muito tempo. Semnenhum pobrema. Oceis sãocheio de frescura.– Coloca a camiseta de no-

vo.A luz do Céu se acende no

relógio do Dante.– Precisamos fazer alguma

coisa, Virgílio. Olha a luzinha.VirgíliovaiatéMadameBri-

gitte.– Madame, e agora, qual é o

procedimento numa situaçãocomo essa?–Primeirovamos jantar,an-

tesqueesfrie.Vocêsestãocompressa? Temos 36 horas. Foi ocombinado.

– É, vamos comer então.As cincomeninas saeme lo-

go depois cada uma volta comum prato com diversas comi-das. Servem torradinhas comcaviar. Colocamnabocade ca-da um. Tobias quase cuspiu,mas segurou.Agora Ling Shing Ping ser-

ve uísque. Tobias pegou a suadose de uísque e jogou dentroda caipirinha. Foi a primeiravez na noite que Virgílio se ar-rependeria de ter trazido o se-gurança.

Na casa de Gildão, umbarracão de zinco secomparado com amansão da Madame

Brigitte, Gemma estava preo-cupada. Passaram o dia tododormindopor lásemforçaspa-ra subir a serra.–Gildão, pra falaraverdade

eu continuo crescendo. Vocêcresceu até quanto?–Ume noventa e nove. Fica

tranqüila,donaGemma.OSan-toDaime não falha.Mas eu en-tendo você. Como eu fazia: to-do dia com a fita métrica namão, crescendo semparar,mepreparandoparamorrer.Osfi-lhos vieram de longe, manda-ram fazer um caixão especial,comecei a pensar em Deuscom todas as minhas forças.Até que o milagre aconteceu.O alívio... Deus existe!– Tenho certeza, Gildão.–Que tal se a gente tomasse

mais um pouquinho agora?–Mãe!!! Já disse...– Tudo bem, foi apenas uma

sugestão. Mas nem uma goti-nha?...– Está na hora de ir embora.

Dormir o dia todome fezmuitobem.– Eu espero vocês na próxi-

ma semana.

Gemma e dona Zizé en-tram em casa. Duas damanhã.Dona Zizé se serve de co-

nhaque. Gemma acende seucharuto.– Sabe, mãe, a senhora

nãovai acreditar,masacasasemoDante–apesardetudo– ficameio vazia.–Recaída, não. Tudo,me-

nos recaída. Seja forte, mi-nha filha!– Tou acostumada com o

barulho dele teclando ali noescritório. Saudades dos ta-pas que eu dava nele...– Ih, isso não vai acabar

bem!– Foram mais de 20 anos

juntos,mãe. E ele não vai es-tar aqui na hora da minhamorte...–Viraessabocapralá,me-

nina! Fuma, vai, fuma!!!

Depois do jantarMa-dame Brigitte su-miu. Tobias foi ex-pulso da sala de-

pois do chupão que deu nopescoço da Elisângela. Estálá fora, na varanda e na ga-roa. Virgílio devia estar lános fundos conversandocomo chinês.Dante e as cinco meni-

nas. Ao piano, Oscar Peter-son.Danteestavacompleta-mente sem jeito apesar dachampanhe, do uísque edascervejasbelgasqueago-ra bebia. Suava frio.– Meninas, vocês vão me

desculpar, mas eu não sei oque fazer... ●

WASHINGTON ALVES/REUTERS

† Continua na terça-feira

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D2 CADERNO 2 SÁBADO, 4 DE NOVEMBRO DE 2006O ESTADO DE S.PAULO

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