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ARMINIANISMO E METODISMO Subsídios para o estudo da história das doutrinas cristãs José Gonçalves Salvador Junta Geral de Educação Cristã DA IGREJA METODISTA DO BRASIL SÃO PAULO

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  • 1. ARMINIANISMOEMETODISMOSubsdios para o estudo dahistria das doutrinas cristsJos Gonalves SalvadorJunta Geral de Educao CristDAIGREJA METODISTA DO BRASILSO PAULO

2. N D I C EPREFCIOINTRODUOCAPTULO I - Como se constri uma grande nao- A situao poltica- O fator poltico religiosoCAPTULO II - Tiago Armnio no cenrio de sua ptria- Os primeiros anos- O preparo escolar- Armnio no exerccio do pastorado- O mestre e o polemista- O fim da jornadaCAPTULO III - As doutrinas arminianas- A respeito de Deus- A predestinao- O homem no conceito de Armnio- O problema do pecado- O decreto eterno de Deus- A obra de Cristo- O lugar da graa na salvao do homem- A perseverana cristCAPTULO IV - Organizao e difuso do arminianismo- O arminianismo nos Pases-Baixos- Introduo e desenvolvimento na Inglaterra- O impacto sobre o calvinismo francs- O arminianismo na Alemanha e outros pases- A influncia do arminianismo na Filosofia, no Direito, na Poltica e nasMisses EvanglicasCAPTULO V - A gnese do arminianismo wesleyano- A situao da Igreja Anglicana- A influncia do casal Samuel e Susana Wesley- O valor da dedicao pessoal- A contribuio de Aldersgate- A controvrsia predestinista- O contato com as idias de Tiago ArmnioCAPTULO VI - Arminianismo e Metodismo- O esprito do metodismo- Distines doutrinrias:a) O pecado original 3. b) A predestinaoc) A certeza da salvaod) A justificaoe) A regeneraof) A santificaog) O conceito de DeusCONCLUSOBIBLIOGRAFIA 4. PREFCIOBispo Csar da Corso FilhoLi, com prazer, os originais deste livrinho. Por diversos motivos. Primeiro,porque escritos por um companheiro de ministrio, cujo curriculum vitae, vencidoat aqui, venho acompanhando desde o princpio. Depois, porque fruto de esforoscom que ele sempre vence nos empreendimentos que toma a peito, e da piedadesincera e profunda que, como apangio de seus dias, ele cultiva em termosestritamente evanglicos. Enfim, porque campo cultural de suma importncia parans, quando nos confrontamos com o dilema do sim ou no, em face do conviteque o Filho de Deus nos faz, tocante redeno - campo cultural que ele lavra commuita prudncia e circunspeco.Abrangem muitos mbitos que se prendem ao magno problema - e, na Terra,somos ou no livres para aceitar a chamada de Jesus Cristo para o Reino de Deus,ou se, na Terra, estamos ou no sujeitos a predeterminismo, com referncia salvao eterna.A base que se vale, em grande extenso, o autor, a pessoa de Armnio e acontrovrsia a que ela deu causa. Para isso, ele se foi Geografia, Histria, aosimperativos da lgica e aos lampejos das armas teradas nas arenas da Teologia.Contudo, seu trabalho muito sucinto para matria to extensa e muito simplespara tema to complicado.O autor foi, no meu entender, feliz em ressaltar que ns, metodistas,avanamos mais na doutrina do livre arbtrio, que o prprio pastor Neerlands. Defato precisamos distinguir Wesley de Armnio.No podemos jamais negar que Deus predestinou muitas coisas para certasesferas da vida humana, sobretudo no curso das coisas materiais. Assim, quem nocomer e beber, h de sucumbir, e quem, de grande altura, se lanar no espaodesarmado de praquedas, h de morrer ao tocar o solo. Isso, para no referir inalterabilidade dos grandes fenmenos fsicos das estaes, das luas, das chuvas,dos raios, em que quase no podemos interferir, seno para nosso resguardo deseus efeitos. Assim, deu Deus seu Filho Unignito, para que todo o que nele cr,no perea, mas tenha a vida eterna. At a vai a predestinao de Deus. Todavia,comer e beber, como lanar-nos, de grande altura, ao espao e, ainda, crer no FilhoUnignito, atitude que depende de ns. E aqui que est nosso livre arbtrio,nossa liberdade, seguidos de nossos deveres e conseqentes responsabilidades.Mas o que deduzimos da Bblia, da lgica e da experincia, de acordo com oque acabo de declarar, que, no campo propriamente moral e espiritual (religioso),somos soberanamente livres. Para isso a Providncia nos dotou de inteligncia,razo e conscincia, que nos conduzem ao senso de nossos deveres e conseqentesresponsabilidades, to vivo em todos ns. Sem dvida, s at onde chega nosso 5. entendimento e compreenso das coisas, e no do que no entendemos e nocompreendemos, podemos dar conta, mxime a uma justia perfeita.Fato que leva algumas pessoas a se embaralharem e se confundirem naconsiderao das determinaes divinas (melhor do que predestinao divina), no distinguirem, prescincia de predestinao. Na prescincia divina de futurasdeliberaes humanas existe, apenas, previso e no existe qualquer influnciasobre elas, ao passo que na predestinao divina haveria compulso sobre elas.Finalmente, certo que, pela inteligncia, razo e conscincia, sentimosnossos deveres e responsabilidade. Por tais caminhos Deus nos ajuda com maioriluminao de seu Esprito. Entretanto, no nos fora a qualquer deciso. Dadecorre que, passando dos limites da convico para o terreno do ser ou no ser,ns nos encontramos, por efeito de uma lei incoercvel, na dependncia de nsmesmos, isto , na necessidade de praticar nossas prprias volies. De mais amais, sabemos, de sobejo, que, se tal condio no fosse a do ser humano, nohaveria para ele nenhum sentido na dor da culpa, na alegria do bem que fez, como,de resto, nas declaraes da justia.Agradeo ao Rev. Jos Gonalves Salvador o privilgio de fazer este breveexrdio a seu trabalho. Com ele muito me congratulo vista da contribuio quetraz, com seu livrinho, literatura religiosa em portugus. 6. INTRODUOJos Gonalves SalvadorEste livrinho, antes de tudo, uma satisfao a pedidos que amigos medirigiram h tempos, solicitando para escrever alguma coisa a respeito das relaesentre a Igreja Metodista e o arminianismo. Em suas missivas lamentavam eleshaver em nosso meio desconhecimento quase total da histria e das doutrinas dosistema teolgico originado com Tiago Armnio, na Holanda, em fins do sculo XVIe, de igual forma, das afinidades do metodismo wesleyano com o mesmo, a pontode se atribuir a ambos afirmaes que no lhes so peculiares.Pus-me, ento, a observar. Conversei com dezenas de pessoas, arroladasnuma poro de denominaes evanglicas, e tambm li jornais e revistas. Emdeterminado artigo chegava-se a dizer que o metodismo no d importncia graade Deus, que o arminianismo episcopal, e sendo a Igreja Metodista episcopal earminiana, ipso fato, um sistema papal.Ora, tais declaraes no condizem com a verdade e s revelam lamentvelignorncia. A doutrina da graa fundamental em todo o metodismo. E quanto aopretendido episcopalismo, basta esclarecer que o metodismo ingls, fruto direto deJoo Wesley, no episcopal. Devo lembrar, ainda, que o arminianismo holandsadotou como forma de governo eclesistico o sistema presbiteriano.Minhas observaes acabaram por dar razo aos meus amigos missivistas,levando-me a escrever as notas que ides ler. Trata-se de trabalho simples, sempropsitos de erudio; coisa que nem de leve possuo. Quis torn-lo acessvel aomaior nmero de pessoas, para, assim, prestar melhor servio. Limitei-me a meiadzia de pginas sobre cada captulo, ou pouco mais, quando poderia escrevercentenas. Se me aprofundasse no estudo, faria obra volumosa, de maior custo e deinteresse, talvez, s para uma pequena elite. Em todo caso, as picadas ficamabertas.Fao, no primeiro captulo, uma breve anlise das condies geogrficas,econmicas, sociais, polticas e religiosas dos Pases-Baixos no incio dos temposmodernos, pois devemos conhecer o cenrio onde os fatos se processam e onde osatores desempenham seus papis. impossvel a Histria sem a Geografia. AHolanda, por exemplo, no se explica independentemente do Mar do Norte.Mesmo as idias sociais, polticas e religiosas tm notvel relao com o habitat, ouseja, o ambiente no seu mais amplo sentido. E isto tambm explica porque oarminianismo germinou onde o calvinismo j se havia radicado. A poca exigiamaior compreenso do homem. A Renascena, os seguidores de Duns Scotus,franciscanos em sua maioria, os arminianos e outros, todos pugnavam por suavalorizao. 7. No segundo captulo aparece o vulto inconfundvel de Armnio, que figuracentral no estudo em apreo, para, ento, no captulo seguinte, verificarmos quaisas causas de suas idias e quais as suas concepes doutrinrias.J o captulo IV um elo na cadeia da exposio estabelecendo uma ponteentre o arminianismo e o metodismo, e nele se dir da organizao e expanso doarminianismo. Convm observar, a, a influncia que aquele exerceu nopensamento da poca, primeiro na Europa e, depois, na Amrica do Norte.Os dois ltimos captulos so dedicados ao metodismo. Atravs delesprocurarei mostrar como o arminianismo wesleyano se originou e se desenvolveu,sem contacto direto com o arminianismo do telogo holands, e mais, que emmuitos pontos se diferencia do mesmo e se lhe avantaja. Certas doutrinas, de que oarminianismo nem sequer cogitou e, se o fez, deixou-as em plano secundrio,ocupam lugar saliente no metodismo.Os prezados leitores iriam admirar-se, com certeza, das referncias que, acada passo, surgiro ao calvinismo. Mas desde j os prevenimos. Seria difcilmostrar a gnese do arminianismo holands e a sua natureza sem recorrer aosistema que lhe deu causa. Enfatizava-se tanto a soberania absoluta e irrestrita deDeus, em completa negligncia do homem, que a reao teria de surgir. Como diriaHegel, a tese originou a anttese e, de ambas, resultou a sntese. No meu entender,o metodismo representa a sntese, porque soube valer-se das mais justas emelhores concepes, quer do calvinismo quer do arminianismo. Entretanto, no uma coisa e nem outra. O metodismo tem a sua prpria individualidade. Da mesmasorte, quaisquer referncias ao pelagianismo e ao catolicismo romano, visamesclarecer as questes em estudo. Ningum, por isso, julgue que pretendo fazerpolmica. Meu objetivo o de tornar melhor conhecido o arminianismo e revelar asafinidades e distines do metodismo com ele. Espero conseguir isto. 8. CAPTULO ICOMO SE CONSTRI UMA GRANDE NAO1. OS PASES-BAIXOS, CONDIES GEOGRFICAS.A Holanda e Blgica, mais conhecidas outrora por Pases-Baixos, ocupavamuma faixa de terras ao longo do Mar do Norte, na Europa Norte Ocidental. No lesteconfrontavam-se com diversos territrios germnicos e, no oeste, com a Picardia eCampanha francesas. No tinham, pois, fronteiras naturais, salvo as martimas,apesar de recortados por movimentados cursos de gua, como o Reno, o Escalda eoutros.O baixo nvel do seu litoral facilitava a invaso quase constante da partecontinental pelas guas do mar, ameaando lavouras e residncias. Em vista disso,fazia-se mister construir diques e abrir canais, opor-se ao elemento adverso etransformar a pouco frtil plancie em solo aproveitvel. E, assim, desenvolveu-seali, especialmente nas provncias do norte, as quais vieram a constituir a modernaHolanda, um povo laborioso e empreendedor, afeito aos perigos, dado ao comrcioe amante da liberdade.2. O INTERCMBIO COMERCIAL. falta de matrias primas e de vveres, tinha o holands que voltar-se para omar e para o comrcio. Dependendo de outras naes, precisava estreitar relaescom elas e fazer-se pacfico. A posio geogrfica do pas colocava-o, naturalmente,como intermedirio entre as regies setentrionais e as centrais e, at as do meio-dia,circunstncias a que se juntaram as do capitalismo estrangeiro, graas aoafluxo de judeus expulsos de Espanha e Portugal, por seus reis.As indstrias mais prosperaram ento. Mercadorias subiam e desciam seusrios, tornando-se alguns dos seus portos dos mais freqentados em toda a Europa:Anturpia e Amsterd. De l se recambiavam tecidos de diversos tipos, vidros,cristais, relgios, bacalhau e inclusive o lato e o cobre que Portugal traficava com oOriente. Para os Pases-Baixos remetiam os lusos o acar da Ilha da Madeira e doBrasil, vinho, azeite, sal, artigos da frica e especiarias do Levante.Com a derrota da Armada Invencvel, na qual os ibricos perderam omelhor de suas embarcaes, passou a Holanda a predominar nos mares junto coma Inglaterra. Duas de suas companhias de comrcio ganharam faina: a das ndiasOrientais e a das ndias Ocidentais. Terras do ndico e da frica caram sob seudomnio, no escapando sua cobia nem o rico nordeste brasileiro.3. A VIDA SOCIAL.Todos estes fatores repercutiram em sua vida social e cultural. A aristocraciaurbana e a rural viviam pouco distanciadas uma da outra. O nmero de cidades era 9. relativamente grande, embora de fraca densidade. Leiden e Amsterd, entre asmaiores, contavam apenas umas 20.000 almas. Todas tinham direito a umrepresentante no governo provincial, ou seja na Assemblia (Estados Provinciais).O negociante ainda no era muito rico, mas j usufrua posio de certo destaque.A ele, e sobretudo ao aristocrata, cabia a maior influncia do governo do pas.Os artesos estavam concentrados nas cidades, reunidos em corporaes(gilden), mais ou menos parecidas aos modernos sindicatos operrios. Gozavam derelativa situao econmica e de modo geral sabiam ler. O restante da populaoconstitua-se de lavradores e marinheiros. O proletariado era pouco numeroso.Talvez a Holanda fosse na poca o pas melhor equilibrado, socialmente. Ariqueza e a cultura estavam ao alcance de muitos. J na Idade Mdia os Irmos daVida Comum tinham estabelecido escolas para os filhos do povo. Holandesesforam Rembrandt, Roesbroec, Wessel, Groot, Erasmo agrcola, Grotius, Spinoza eTiago Armnio. Instruo, esprito mercantil, intercmbio comercial, haveriam decriar nos cidados o senso de liberdade e o amor democracia. E agora, sem medode errar, podemos acrescentar que ao fator religioso se deve o aprimoramentodesse esprito de independncia, de apego liberdade e de interesse pela doutrinada Reforma.4. A SITUAO POLTICA.Tendo pertencido Frana, como dote de Maria de Borgonha, em virtude deseu casamento com Maximiliano da ustria, vieram os Pases-Baixos a cair sob odomnio espanhol, porque Carlos V e seu filho Felipe II descendiam em linha diretados habsburgos austracos. Em suas mos estavam, tambm, a Alemanha, parte daAmrica, frica e regies da sia. O sol nunca se punha em to vastos domnios,como se veio a dizer.A poltica destes habsburgos jamais foi bem acolhida nos Pases-Baixos.Carlos V fez o mximo para centralizar o poder estatal, usurpando ao povo velhosprivilgios j consagrados, nascendo da amarga antipatia para com ele e seusrepresentantes.Um de seus erros mais graves foi o de querer extinguir pela fora a influnciadas idias protestantes, j em franco progresso no seio do povo. Por essa causa, em1523, dois frades agostinhos, respondem a inqurito em Bruxelas, sendo a seguirqueimados. So eles, Henrique Voes e Joo Esch, os dois primeiros mrtires daReforma. Centenas de outros vieram depois. No mesmo ano surge o NovoTestamento em holands, traduzido de Lutero. Os germes do misticismo de Kempise de Wessel, se despertam. Reacende-se na alma dessa gente amante da liberdade odesejo de conhecer a nova f. Querendo Filipe apag-la com mo de ferro, mais elase incendeia. Inquisio, execues, emprego de fora militar, tudo se torna emvo. O povo se une, os nobres se arregimentam, marinheiros e pescadores seconvertem em terror para as hostes espanholas. A causa adquire foros denacionalidade. Combate-se o inimigo em terra e no mar. Pela ptria e pela f 10. renuncia-se a tudo. Quando Leiden j no pode resistir ao stio, Guilherme deOrange manda arrombar os diques e inund-la. Mas a vitria cabe, por fim, aosnacionais. Em homenagem ao seu herosmo, a cidade foi premiada com umauniversidade (1575).Em 1579, afinal, as sete provncias do norte resolveram subscrever o tratadode Utrecht, em virtude do qual se constituam em nao independente, com o nomede Provncias Unidas. Em 1588 d-se a derrocada da Armada Invencvel. Em 1609,Espanha e Holanda assinam um armistcio. Estava ganha a independncia, e comela o protestantismo tambm recebia o seu reconhecimento.5. O FATOR POLTICO-RELIGIOSO.A causa da revolta fora poltica e religiosa. De um lado estavam os espanhise o romanismo, e do outro os sditos neerlandeses e a doutrina da Reforma. AIgreja Catlica mantinha-se unida ao Estado e o apoiava na luta contra a fprotestante. Aos poucos o elemento reformado assumiu as rdeas do movimento,de sorte que, ao fim da guerra, o domnio poltico tambm lhe pertencia. Oluteranismo cedera passo ao calvinismo. As igrejas foram transformadas emtemplos evanglicos, e os sacerdotes no convertidos nova doutrina deixaram opas, embora o tratado de Utrecht garantisse a qualquer pessoa o direito de livreconscincia. Contudo, o nmero de catlicos ainda era bem grande, havendo deigual forma muitos anabatistas, luteranos, judeus, e socinianos.Foi durante os anos da guerra que o protestantismo se organizou em Igreja.J por volta de 1561 surge uma Confisso de F, redigida pelo jovem pastor Guidode Brs, juntamente com trs outros ministros. Foi graas a ela que o calvinismoganhou ascendncia nos Pases-Baixos. Depois, em 1563, reunem-se pela primeiravez em snodo os delegados de vrias congregaes, estabelecendo o seu prpriosistema de governo, e por cujo modelo tomaram o da igreja de Genebra. Adotou-se,ento, o presbiterianismo, mas em cada uma das sete provncias a administraoeclesistica era quase autnoma, visto ser a Holanda mais uma confederao deEstados que uma nao. S poderia haver assemblia geral (snodo) quando todasas provncias dessem o seu assentimento.Em 1566 a Confisso Belga, de Guido de Brs foi adotada oficialmente pelosnodo de Anturpia. Quanto idia das relaes entre Estado e Igreja, vigorou a daautonomia desta, se bem que aliada ao Estado.A Igreja Holandesa pode orgulhar-se de suas lutas e vitrias, de seu passadode herosmo e martrio. Em suas fileiras militaram vultos do porte de Guilherme deOrange, estadista e patriota, Hugo Grotius, fundador do direito internacional,Guilherme de Brs e Simo Escpio, entre os grandes telogos da humanidade,convindo lembrar que tambm na Confisso Belga se inspiraram mais tarde osautores da Confisso de Westminster. 11. De Tiago Armnio recebemos uma interpretao mais harmoniosa do carterdivino e da personalidade do homem; por isso, tanto melhor admirado quanto maisdecorrer o tempo. 12. CAPTULO IITIAGO ARMNIO NO CENRIO DE SUA PTRIANo multivariado cenrio dos Pases-Baixos surgiu em fins do sculo XVI afigura de um personagem, que breve passaria Histria. Os pais deram-lhe o nomede Jakobs Hermanns, ou Hermansen, mas ele preferiu latiniz-lo para Arminius,como se costumava ento. Jakobs corresponde a Jac, Jaime ou Tiago.Outros j haviam tido idntico nome no passado, sagrando-se pelo menosdois deles como campees da liberdade. Um foi aquele chefe germnico que no ano9 A. D. venceu as legies do romano Varo. O segundo, modesto pastor de ovelhas,notabilizara-se nas campanhas da velha Lusitnia.Quanto ao terceiro, cabe-lhe glria ainda maior, embora jamais tenhalevantado uma espada ou lutado de armas na mo. Foi, porm, grande batalhador,militando no campo rduo das atividades espirituais. As revolues no se fazemsem idias, e Jakobs (Tiago Armnio), nosso biografado, foi homem de idias.Lutou por uma interpretao mais liberal da Teologia, exaltando a dignidadehumana, sem destronar a Deus da glria que Lhe devida, ateando as chamas deuma revoluo que mais e mais se vem alastrando mundo afora. Sim, porque suainfluncia se estendeu tambm a outros setores. Ela se projetou sobre a vidapoltica, econmica, social e filosfica. Dos Pases-Baixos saltou para as naesvizinhas, transps continentes, e agora percorre o universo. J caudal, e ninguma poder deter.1. OS PRIMEIROS ANOS DE SUA VIDA.Armnio sabia despertar simpatias, porque desde pequeno manifestou boasqualidades. Era humilde, inteligente, operoso, dedicado. E isso lhe valeu granjearamizades sinceras, e com as quais pde contar at ao fim de sua jornada terrena.Tendo nascido na pequena cidade de Oudewater, no sul da Holanda, aos 10 deoutubro de 1560, teve a infelicidade de perder o pai, o cuteleiro Hermann Jakobs,alguns anos depois. A me, Anglica, viu-se, ento, em srias dificuldades paramanter-se e aos trs filhos rfos.Tiago encontrou da a pouco valioso protetor na pessoa do ex-sacerdotecatlico romano Teodoro Emlio, alma bondosa convertida ao protestantismo.Percebendo no menino qualidades aproveitveis, encaminhou-o a Utrecht a fim deinstruir-se. Aos 15 anos, a morte fere-lhe de novo o corao, arrebatando-lhe oamigo. Mas o Pai celeste no o abandonou. O matemtico Rudolph Snelius, indo aOudewater, sua terra natal, achou ali o jovem Tiago Armnio e interessou-se porele, levando-o para Marburg, onde exercia o professorado.Pouco tempo depois, as tropas espanholas entraram em Oudewater,saqueando residncias e destruindo tudo sua passagem, de modo que, quando 13. Tiago quis rever os parentes, soube-os todos mortos. S lhe restava conformar-semais uma vez e prosseguir no caminho da vida.2. O PREPARO ESCOLAR.Aps os acontecimentos acima narrados, vamos encontrar Armnio namajestosa Roterd, no muito longe do mar. Aqui, faz valer de novo a chave mgicado seu bom carter, ampliando sua lista de amizades. Entre elas destacou-se depronto a de Pedro Bertius, snior, pastor da igreja local, que o tratou como se forada famlia e a de seu filho, o jovem Pedro. Mais tarde haveria este ltimo deescrever a biografia do amigo de tantos anos e cumprir a difcil tarefa de proferir aorao memorial.Bertius mandou seu filho Pedro e Tiago para estudar na Universidade deLeiden. Conquanto recm-criada, diversos mestres eminentes regiam suas ctedrascom brilhantismo, como o erudito Lambert Danaeus e o ilustre Joo Dousa. Em1578 o velho amigo de Armnio, Rudolph Snelius, juntou-se ao grupo desseseficientes professores.Foram seis anos teis os que Armnio passou em Leiden. Estudou Teologia,Filosofia, Hebraico, Literatura e outras disciplinas, sempre com assiduidade, gostoe aproveitamento. Seu exemplo tornou-se notrio. Ministros do Evangelho eautoridades civis se interessaram por ele. Novas portas se lhe abrem! Mandam-noento a Genebra, a Roma do protestantismo, para cursar a universidade. A Cmarado Comrcio assumia a responsabilidade pela manuteno do estudante, o qualentrava pela casa dos vinte e um anos por essa poca.Na cosmopolita Genebra o moo neerlands freqentou as prelees dosprofessores ao lado de colegas de vrias nacionalidades. Pontificava ali a figura deTeodoro Beza, sucessor de Calvino, ainda mais extremado do que ele nopredestinismo. No foi isto, porm, que o levou a incompatibilizar-se com um dosmestres, mas, sim, a importncia que se dava ao ensino aristotlico. Transferiu-se,em conseqncia, para Basila, sendo recebido ali com simpatia. Convidado aproferir algumas prelees, tomou a epstola aos Romanos como texto, e delas sedesincumbiu com agrado geral. Seu prestgio cresceu, a ponto de a prpriauniversidade querer diplom-lo com o ttulo de doutor em Teologia: honra querecusou, alegando ser ainda muito jovem. Logo depois regressou a Genebra, onde otrataram, agora, com mais ateno. Beza, respondendo a uma carta vinda deAmsterd, na qual se indagava de Armnio, deu o melhor testemunho quanto suapiedade e dons intelectuais.Ao fim destes trs anos de proveitosos estudos, resolveu descer Itlia e ir aPdua, onde o clebre Tiago Zabarela lecionava Filosofia. Visitou, tambm, outrascidades e esteve em Roma, que o impressionou com real desagrado. Mas, na ptriadistante, indivduos maldosos comearam a manchar-lhe a reputao, propalandoque confabulara com os jesutas e chegara a beijar os sapatos do Papa. Era oprincpio da luta que teria de enfrentar durante o resto da vida. Felizmente levara 14. consigo a Adriano Junius na viagem e, por isso, fcil lhe foi provar que nem sequervira o chefe da Igreja Catlica.3. ARMNIO NO EXERCCIO DO PASTORADO.No princpio de 1588 a Corte Eclesistica de Amsterd chamou-o a exames, afim de confiar-lhe encargos pastorais. Aprovado tanto em sua f como nasdoutrinas pela unanimidade dos julgadores, em fevereiro, Armnio entrou noexerccio do servio divino. Em agosto ofereceram-lhe o pastorado da importanteigreja de Amsterd. Grande honra, sem dvida, para um moo de vinte e oito anos,mas a responsabilidade no era menor, sendo uma das cidades mais movimentadasna poca por seu intercmbio comercial e pelo afluxo de estrangeiros.No comeo todos o olhavam com expectativa. Os mais velhos, geralmenteconservadores, receando as inovaes de um rapaz que andara por outras terras; osmais jovens, esperando algum que os compreendesse. Os dias se passaram e como tempo, Armnio se fez merecedor da estima e apreo do seu rebanho. Pregavacom sabedoria e poder. No deixava impune o mal, nem de confortar osangustiados. Houve quem se referisse a ele chamando-o de navalha para ferir oserros da poca e filete da verdade. O livro de Malaquias e a epstola aosRomanos serviram, ento, como base de suas exposies. Seguindo-se-lhes oEvangelho de Marcos, o livro de Jonas e a epstola aos Glatas. Em 1692 asprelees versaram sobre as cartas dirigidas s sete igrejas da sia.O rico negociante Kooruhert criticava, ento, o calvinismo extremado,dominante na Holanda. Quem, por conseguinte, melhor credenciado para defend-loque o ex-aluno de Teodoro Beza? Aceita a tarefa, que era rdua, desincumbiu-sedela a contento, porm os estudos que para isso fizera, levaram-no a descobrircertas implicaes srias na doutrina da predestinao. E o resultado nem opoderemos prever: querendo apagar uma brasa, ateou uma fogueira, nelacrestando as prprias mos.Em breve as discusses lhe tomaram tempo precioso, com prejuzos paraseus estudos, seu pastorado e sua famlia. Os adversrios no lhe davam descanso.Muitas vezes distorciam o sentido de suas palavras. Em 1591 tacharam-no depelagiano.Precisamos, no entanto, ser verdadeiros e dizer que, nessa poca, suas novasidias j no se coadunavam inteiramente com as da Igreja Reformada. Mesmoassim, continuava gozando da estima geral, tanto que, em 1594, as autoridades ochamaram para colaborar no plano de reforma das instituies educativas locais.Tiago Armnio casou-se, a 16 de setembro de 1590 com Elizabeth Real,senhora distinta, preparada e de boa posio social, pois seu irmo Lawrence erajuiz em Amsterd. Ela sabia compreend-lo e serviu-lhe de amparo nas horasamargas de sua vida, quer no meio de contendas e calnias, quer nos momentos deenfermidade. 15. Uma prova da dedicao de Tiago e sua famlia para com os paroquianos econcidados, temo-la durante os terrveis dias em que mortfera praga se alastrouna cidade. Orando a Deus, sentiram que lhes pedia ficarem ali, ao invs de seafastarem do perigo. Escrevendo, nesta ocasio, ao seu amigo J. Uyttenbogaert,pastor da igreja de Haia, disse: Assim eu tenho-me encomendado e a minha vida misericrdia divina, aguardando, diariamente, at que a requeira de mim... e istofao com a mente quieta, tranqila e imperturbvel.Em circunstncias to difceis, Tiago Armnio tornou-se um modelo deabnegao; onde houvesse uma ovelha para ser socorrida, l se encontraria ele.Caspar Brandt, seu bigrafo, conta, a propsito, o seguinte caso: achando-se opastor, certa vez, num distrito pobre, ouviu gemidos fracos, partidos do interior dehumilde moradia. Entrou e viu algumas pessoas que pareciam dominadas pelaenfermidade e pela sede. Depois de as socorrer, deixou recursos em dinheiro comos vizinhos para lhes manterem a assistncia. Dava assim provas de bomsamaritano.De outra feita, tratava-se de dois membros da Igreja: uma senhora e umvaro. Atacados pela terrvel peste, sentiam-se perturbados no esprito. Por qu?Indagou deles Armnio. Responderam-lhe que no tinham certeza da prpriasalvao. O pastor lhes falou, ento, do grande amor de Deus, que mandou SeuFilho ao mundo para salvar a todos os pecadores, ilustrando o ensino com asEscrituras. Credes isso? - pois essa a f pela qual somos justificados e achamospaz em Deus. Os dois enfermos encontraram o conforto que anelavam, vindo ohomem a falecer dias depois na maior tranqilidade.A pestilncia grassou por outras partes da Holanda, abrindo mais clarosonde a guerra j os deixara grandes. Leiden foi atingida. A universidade perdeualguns de seus mestres ilustres. E quem os substituiria? O nome de Armnio foilembrado para uma das vagas, efetivando-se, de fato, a escolha dele, aps terpercorrido os competentes trmites legais.4. ARMNIO: MESTRE E POLEMISTA.No era coisa fcil para Tiago Armnio deixar o seu rebanho. Amsterdqueria-lhe bem, estando ele j identificado com os habitantes. E, alm disso, nuncaaspirara a ser professor na Faculdade de Teologia. De outro lado, alguns colegas oconsideravam elemento perigoso formao das novas geraes de ministros.Franz Gomarus era o principal deles. Criticava-o e lanava suspeitas sobresuas crenas. Foi isso que levou Armnio a recusar o convite. As autoridadespblicas de Amsterd tambm no o queriam ceder, por julgarem sua presenanecessria cidade. Foi quando, para discutir o caso, reuniram-se em Haiadelegados de vrias igrejas. O Rev. Uyttenbogaert tomou a defesa de Tiago,passando, em conseqncia, a ser elemento suspeito para muitos. No contentes,estes apelaram para o chefe da Provncia, Joo Oldenbornveldt, para que, por 16. influncia dele, os Curadores da universidade no o investissem no cargo. OsCuradores, porm, confirmaram a deciso.Agiam mal, ento, os inimigos, envolvendo o Estado em problema alheio sua alada. Afinal, a igreja de Amsterd cedeu-o mediante acordo, nas seguintesbases: seria designado, primeiro, o seu substituto no pastorado; direito de retorno aArmnio, como proco da igreja, se o quisesse; atender ao pedido de Armnio paratratar pessoalmente com Gomarus do problema. Caso as suspeitas permanecessemdepois desta conferncia entre ambos, o pastor recusaria o ingresso na Faculdade.Armnio e Gomarus encontraram-se a 6 de maio de 1603, em Haia, napresena do Snodo, conforme vontade do primeiro. O telogo de Leiden comeoulogo atacando o pastor de Amsterd, por discordar de sua suposta opinio sobre ocaptulo VII de Romanos. Mas, depois de ouvir suas explicaes, inteirou-se de queeram aceitveis e no correspondiam ao que dele se propalava. Discutiram,tambm, outros pontos, replicando ele a todos com segurana. A reunio encerrou-sefraternalmente. Todavia ainda restava uma exigncia a ser transposta quanto investidura na ctedra. Armnio precisava submeter-se a exame de Teologiaperante uma comisso e defender tese de doutoramento. escusado dizer-se que sesaiu bem em tudo. A tese versou sobre a natureza de Deus, e os julgadores foramFranz Gomarus, Hugo Grotius, jurista e telogo, e Mrula, todos eles possuidoresde respeitvel cultura.Empossado em seu novo cargo, Armnio procurou desempenh-lo comeficincia e dignidade. Numa carta, datada de 22 de setembro de 1603, dizia t-loaceito, no para buscar honras ou riquezas e, sim, para servir o Evangelho deCristo. Professores e alunos o apreciavam. Com estes insistia a que buscassem averdadeira sabedoria nas Escrituras, exemplificando-o ele mesmo, diariamente.Escolheu o livro de Jonas para suas prelees. Mas no podia deixar de recorrer,tambm, ao Novo Testamento, para se fazer melhor compreendido. E isto foi obastante para despertar o cime de Gomarus, pois considerava tal coisa umaintromisso em seu campo de ensino. O choque seria inevitvel! Ambosrepresentaram tendncias diferentes. Gomarus era dos mais rigorosos calvinistas,enquanto Armnio adotava posio mais suave, sem, no entanto, cair nopelagianismo.Do terreno pessoal passaram ao teolgico; da Faculdade as discusses seespraiaram pelas igrejas e, em breve, por todas as partes, o problema dapredestinao tornou-se o prato do dia.Armnio no podia ser culpado pelas idias de outros, inclusive dos alunos,mas seus contendores no pensavam assim e lhe atribuam verdadeiros disparates.Que fazer, ento? Quando possvel, chamava-os para uma conferncia pessoal, demodo a discutirem francamente o assunto em foco. Se algum tivesse razes maisfortes e coerentes, aceit-las-ia porque seu desejo era descobrir a verdade. 17. Um desses detratores foi o clrigo Festes Hommius. Reuniram-se os dois,convertendo-se aquele ao ponto de vista de Armnio. Outras vezes teve que sair apblico para se defender, ou comparecer perante as autoridades, ou ainda,responder por escrito. Difamaram-no at no estrangeiro, especialmente naAlemanha, Frana, Inglaterra e Savia. Sem querer, despertavam interesse por suasopinies e o faziam conhecido.A situao agravou-se a tal ponto que as autoridades acharam por bemreunir em Haia os dois principais contendores, Tiago e Franz Gomarus, com apresena de oito ministros das Provncias Unidas, quatro do sul e quatro do norte.A paz civil estava ameaada e queriam saber o que havia contra Armnio. Era o queeste desejava: ser acusado face a face e no como se fazia.Gomarus compareceu e logo o atacou, afirmando que ensinava a justificaodo homem perante Deus de modo estranho. Mas ele respondeu que sua opinioconcernente ao assunto estava conforme a Igreja Reformada, pois cria que ajustificao era pela f, mediante a graa de Deus.Havia, de fato, diferena entre ambos, porque Gomarus dava toda a nfase graa de Deus, mas negava o valor da f como o elemento do lado humano. Armnioprocurava conciliar as duas coisas. Por fim o Conselho achou que a controvrsiano era de muita importncia. O essencial seria a tolerncia mtua, desde quehouvesse bom esprito nos dois. Gomarus, porm, carecia deste sentimento, motivopelo qual muitos diziam: prefervel comparecer perante o tribunal divino com af do pastor Armnio do que com a caridade do telogo Gomarus.A maior dificuldade estava justamente na doutrina da predestinao,ensinada por Gomarus e pelos calvinistas mais rigorosos. No conceito de Armnio,a predestinao ia de encontro natureza de Deus e a do homem, gerava odesespero, tirava o estmulo para uma vida de santidade e diminua a importnciado Evangelho. Contudo, de sua parte, a ningum imporia suas idias; haveria paz.Gomarus, ao contrrio, no perdia oportunidade para conden-lo, fosse nauniversidade, nos plpitos ou perante os chefes das Provncias.5. O FIM DA JORNADA.A sade de Armnio, abalada desde h muito, em meados de 1600 agravou-seainda mais. Os estudos, as discusses e os deveres universitrios exigiammaiores esforos do que ele realmente podia expender. Seus membros foramacometidos de langor, seu estmago mal tolerava os alimentos e ainda por cima,faziam-lhe padecer muito suas afeces hipocondracas.Viu-se obrigado, por isso, a retirar-se para a cidade natal e ali submeter-seaos cuidados de um mdico. Durante este lapso de tempo, os amigos traduziramsuas obras do latim para o vernculo e escreveram algumas outras. O fogo dacontrovrsia se alastrou mais intensamente, obrigando-o a comparecer de novo 18. perante as autoridades civis e a discutir, mais uma vez, com Gomarus, chefe dosreacionrios.As discusses foram verbais, mas cada um teria que apresentar, depois, porescrito, as suas razes, para ulterior deciso do Snodo a convocar-se para breve. Adoena progrediu sem que os clnicos a pudessem atalhar. Para seus inimigos istoconstitua prova evidente de castigo divino. Os amigos, no entanto, lamentavam ospadecimentos de Armnio, o qual sofria tudo piedosamente e orava sempre pelosseus e pela Igreja. Repetia com fervor Hb 13.20-21:Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a Jesus nossoSenhor, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliana, vosaperfeioe em todo o bem, para cumprirdes a sua vontade, operando em vso que agradvel diante dele, por Jesus Cristo, a quem seja a glria paratodo o sempre. Amm.O Rev. Bartolomeu Proevostius, seu discpulo e, mais tarde, pastor emAmsterd, dizia que o texto no mais lhe saa do pensamento.Assistiram-no, tambm, durante toda a enfermidade, Simo Episcpio,Uyttenbogaer, Adriano Borrius, bons amigos e testemunhas de sua fidelidade aJesus Cristo.O testamento que deixou um exemplo de f e uma prova da sinceridade deseus propsitos. Nele declarava confiar a alma s mos de Deus, a cuja presenairia sem temor, tendo a certeza de que O servira com simplicidade e lealmente,jamais se desviando de sua vocao. E acrescentava nada ter ensinado em sconscincia que fosse contrrio s Escrituras. Sempre buscara a expanso daverdade crist.Afinal, a 19 de outubro, Tiago Armnio descansou em paz. Morreu comojusto. Apenas com 49 anos. Sem dvida uma grande perda e quem mais a sentiuforam os seus ntimos. De seus sete filhos, restaram-lhe s dois, pois quase todos jo haviam precedido no caminho do cu. Lawrence tornou-se negociante emAmsterd e o outro, Daniel, ganhou reputao como mdico.Pedro Bertius, regente da Faculdade de Teologia, que presidiu solenidadedo memorial, disse de Armnio, no discurso: Viveu na Holanda um homem a quemos que no o conheciam no o podiam estimar suficientemente; aqueles que no oestimavam jamais o haviam conhecido suficientemente.Domingos Band, Hugo Grotius e Daniel Heiusius, dedicaram ao amigo emestre inesquecvel significativos poemas elegacos. 19. CAPTULO IIIAS DOUTRINAS ARMINIANASPor mais original que algum nos parea, descobrimos, ao analisarmos suasidias que elas refletem um conjunto de fatores e circunstncias. Nunca brotamsimplesmente da razo. Algo lhes estimulou o aparecimento. Isto para nada dizerdo muito que se recebe por herana, direta ou indiretamente. Foi assim com osgrandes pensadores, filsofos, moralistas, socilogos, polticos, etc. E TiagoArmnio se inclui nessa regra.As dificuldades gerais que os Pases-Baixos enfrentaram durante algumasdcadas do sculo XVI, calaram fundo em sua vida econmica, poltica, social,intelectual e religiosa. A guerra da independncia, contra o domnio espanhol,intolerante, fantico, produziu verdadeira transformao entre os neerlandeses. Deum lado desenvolveu-se o apego liberdade, tanto civil como religiosa e do outro,fomentou a atividade comercial e intelectual. Alis, segundo frisamosanteriormente, os germes de tudo isso j vinham de tempos passados.Era natural que, em terreno como esse, desabrochasse tambm o esprito detolerncia. E de fato, vem os estadistas do porte de Joo Oldenbornveldtadvogarem a absoluta liberdade de conscincia para todos, fossem protestantes,romanistas, ou socinianos. Hugo Grotius pensava de igual modo. Coube, porm aocidado Dirk Koornhert atear as chispas da controvrsia que durante anos agitariaa Igreja Reformada dos Pases-Baixos, influenciado, certamente, pela obraanticalvinista de Sebastio Castellio, publicada em 1578, a qual vinha exercendoconsidervel influncia a favor da liberdade de pensamento.Desde 1544 esse telogo vinha atacando implacavelmente as idias deCalvino, na Sua. No conceito de Koornhert, todas as formas de religio deviam sertoleradas, mas, ao externar seu ponto de vista, feriu uma das doutrinasfundamentais do calvinismo, nico sistema que o Estado favorecia.Logo a seguir, em 1602, dois ministros de Delft aderiram ao seu modo depensar, combatendo a doutrina da predestinao ensinada por Beza. Este mestreeminente, conforme dissemos, tinha ido mais longe do que o prprio Calvino, desorte a descontentar alguns de sua confisso. No se conformavam eles com queDeus decretasse, s por si mesmo, a queda do homem antes ainda de o havercriado. Isso fazia de Deus, como dizia Joo Kolman, um tirano e executor.Havia, pois, nos Pases-Baixos, uma corrente de moderados e tolerantes, aqual se filiavam negociantes, magistrados, telogos e ministros evanglicos. GasparKolhares, heri de Leiden, e Rudolph Snelius, patrono de Armnio, eram destes.Em meio da refrega, escreveu o telogo Guillaume, professor em Leiden, umtratado no qual afirmava que, em matria de religio, no deve haverconstrangimento. A est, por conseguinte, uma sntese do esprito da poca. 20. Ora, Tiago Armnio vivia nessa Holanda do sculo XVI, hospitaleira, liberal,de vistas largas, amante da liberdade, ciosa dos direitos de seus cidados, agitada,no entanto, pela fora das armas e pela ao das idias. Homem culto, sincero e deesprito elevado, no tardaria a esbarrar com o dogmatismo de sua Igreja.A teologia eclesistica tendia cada vez mais a sobrepor-se teologia bblica,em prejuzo da prpria Escritura. Discordar das doutrinas j estabelecidas,importava em ato de quase heresia.Duas delas constituam como que verdadeiros dogmas: a da eleioincondicional (ou, supralapsarianismo) e a da graa irresistvel. Sendo aquelaatacada pelos ministros de Delft, ningum estaria em melhores condies paradefend-la que o piedoso e culto Tiago Armnio. Este aceitou o convite, mas, medida que estudava e discutia o problema, tanto mais se encaminhava noutradireo. Em resultado de tudo, acabou por ser considerado o fundador da escolaanticalvinista na Teologia Reformada.1Do supralapsarianismo passou ao infralapsarianismo, que ainda calvinismo, porm mais suave. Teve, ento, que defender-se, escrevendo diversasobras, onde espelhava o seu pensamento, as quais chegaram s nossas mos comopreciosas relquias. Trs dentre elas se destacam, todas de 1608, e so: Carta aHipolytus a Collibus, Uma Declarao de Sentimentos e Apologia.Em 1629 um dos filhos publicou as suas obras completas, tendo JamesNichols traduzido-as do Latim para o Ingls, em 1853. Por elas podemos hojeavaliar as concepes religiosas de Armnio.Vejamos, ento, sem mais delongas, os respectivos pontos fundamentais.1. A RESPEITO DE DEUS.O calvinismo dava nfase doutrina da soberania de Deus, fazendo tudodepender de Sua excelsa vontade e de Sua onipotncia. Por Sua vontade criou todasas coisas para um fim determinado, realizando-as atravs de Seu poder absoluto.Age, por conseguinte, como Lhe apraz e s Ele conhece seus desgnios. Se a unspredestinou para a salvao e a outros negou tal privilgio, porque julgou ser istojusto.Armnio sustentava a soberania de Deus sem cair em rigorismo. Mas noconcordava com que Ele determinasse os atos dos seres livres, e nem ainda quefosse inacessvel capacidade humana, tanto que os criara Sua imagem e Se lhesrevelara de muitos modos, no passado e, afinal, completamente, na pessoa de SeuFilho Jesus Cristo. A revelao prova de Sua boa vontade para com os homens eda capacidade receptiva deles.1 Enciclopdia Britnica, vol II: pg. 386. 21. Uma coisa no pode ser boa porque Deus no quer que seja boa. impossvel ser assim, porque a justia de Deus no permite. A predestinao, emvista disso, no pode ser ato de Deus, nem se exalta ao Criador, rebaixando-Lhe aprpria criao.22. QUANTO PREDESTINAO.Como dissemos, foi o pomo da discrdia.Teodoro Beza, sucessor de Calvino, Gomarus e outros sustentavam ocalvinismo extremado. Para eles, Deus manifestara a Sua glria por um decretoeterno, segundo o qual tinha, em Sua misericrdia, escolhido determinado nmerode homens para a salvao, e deixado os restantes ao seu destino, que era acondenao. Segundo Albert Henry Newmam, no seu livro A Manual of ChurchHistory, Vol. II, pg. 339, so de Gomarus as seguintes expresses: Deusconsiderou o homem, no decreto da reprovao, no como cado, mas antes daqueda, e o prprio decreto da reprovao precedeu ao da criao.A estava a predestinao incondicional, estabelecida pela vontade esabedoria de Deus, antes, at, que os mundos e os seres fossem criados.Armnio viu as implicaes de tal doutrina. Ao invs de glorificar a Deus,rebaixava-o e empobrecia a obra redentora de Cristo. A Cruz perdia seu valortranscendental e o homem no podia responder, de si mesmo, ao apelo doSalvador: sim ou no. Pois, segundo essa doutrina, Deus j havia predestinado,por Sua vontade, os que iam salvar-se, e s estes, de fato, se salvariam. A queda e asalvao decorriam por igual do plano divino. Todos os homens cairiam em Ado.Mas aos escolhidos o Criador concederia os meios de salvao e nenhum deles seriacapaz de resistir Sua graa. Crer, perseverar na f e ser salvo seriam coisas paraeles inevitveis. Os demais ficariam margem desse privilgio. Deus se tornavaarbitrrio e injusto. A Deus, portanto, cabia a culpa pela introduo do pecado nomundo e, tambm, a responsabilidade pela queda do homem.Como conciliar tudo isso com a perfeio moral de Deus? Culpar ao homempor falta que lhe fora determinada, seria injustia, quando a justia um dosfundamentos da glria de Deus. Nem Ele pode, por ato arbitrrio de Sua vontade,salvar ao injusto, como no pode condenar ningum independentemente de sua f.Deus sempre coerente consigo mesmo.Armnio, por essa razo, voltou-se para o infralapsarianismo. Ou, melhor,aceitou a predestinao condicional. Deus s predestinou aps a queda, levando emconsiderao, por Sua prescincia, a atitude do homem em face da tentao. Logo,a predestinao era conseqncia do ato humano e, de modo algum, o resultado deum decreto preestabelecido por Deus. E, assim, a queda realava a importncia e aresponsabilidade da criatura sem deixar com o Criador toda a culpa.2 Newman, Albert Henry - A Manual of Church History, Vol II: pg. 339. 22. 3. O HOMEM NO CONCEITO DE TIAGO ARMNIO.O supralapsarianismo glorificava a Deus, anulando o homem: mas, quandoArmnio se deteve a examinar melhor o problema, concluiu, com a Escritura, que aexaltao do Criador exigia a liberdade do homem. De Suas divinas mos sara umser racional, feito, espiritualmente, Sua semelhana, e no um autmato. Dotara-ocom a capacidade de escolha e opo; f-lo responsvel pela conseqncia dessaescolha; deu-lhe disposies para conhecer a Deus e gozar a vida eterna. Bno oumaldio, e recompensa ou castigo so o fruto de suas decises. Por isso diz aEscritura: Aquele que quiser, aquele que crer, faze isto e vive, e s fiel e dar-te-ei a coroa da vida.Mas, admitida a predestinao absoluta, o livre-arbtrio torna-se impossvel,porque a vontade j se acha determinada em seu exerccio. Qualquer ordem dadaao homem, nestas condies, contra-senso.4. O PROBLEMA DO PECADO.Se o homem quisesse, poderia manter-se no estado em que Deus o criara,mesmo em face da tentao. Era livre e tinha capacidade para Lhe obedecer.Todavia, agiu noutra direo, escolhendo, conscientemente, o mal, com o que setornou pecador e, por isso, responsvel por sua falta. S assim, realmente, opecado possvel porque desobedincia voluntria. Da a posio, claramenteagostiniana, de Armnio, nesse sentido, quando fez suas as palavras do Bispo deHipona: Pecado de tal modo um mal voluntrio, que no pode ser de formaalguma pecado at que seja voluntrio.Se, porm, a queda estava predeterminada, e forosamente se cumpriria, opecado deixa de existir, pois no houve livre escolha. O homem agiu sob o impulsode uma fora irresistvel, que no caso era a vontade soberana de Deus. No pecara,de fato, por si mesmo. A culpa recaia sobre Deus.Armnio estava longe de concordar com estas concluses. Para ele o homemera responsvel tambm pela transgresso, e o pecado, um fato irrelutavelmentereal. Porque o homem era livre, pecara e, como pecador, merecia o castigo de suam escolha. Deus podia cham-lo a contas. Ningum Lhe pode imputar suasprprias faltas. Cada um senhor de seu destino. Aquele que se perde, perde-se porculpa sua.O arminianismo, enaltecendo o valor do homem sem diminuir o carter deDeus, deu, ento, obra divina um cunho tico de que se ressentia o calvinismo.5. O DECRETO ETERNO DE DEUS.Tiago Armnio, o ilustre telogo de Amsterd, tambm esposava a idia deum decreto divino, mas o concebia de maneira muito diversa dos calvinistas. Era 23. um decreto gracioso. Por ele Deus resolvera, desde a eternidade, enviar ao mundoSeu Filho na qualidade de Salvador. Todos quantos cressem nEle e aceitassem Suaobra redentora, seriam justificados e salvos, mas quantos permanecessemvoluntariamente em seus delitos e pecados, seriam condenados. Sua vontade, porconseguinte, era que todos cressem e fossem salvos. Por Sua culpa ningum seperderia. Era a promessa do Evangelho.Para Armnio, o homem salvava-se no porque tivesse sido eleito, e sim aocontrrio. Por aceitar a Cristo como Salvador que se tornava eleito. A eleiodecorre da identificao do pecador redimido com a obra do Filho eterno de Deus.Deus, em Sua misericrdia, j providenciou tudo que se fazia mister salvao dos pecadores. E mais: p-la ao alcance de quantos a quiserem. Resta,somente, a cada um, entrar na arca que Ele preparou. Se o homem quer, Deus osalva. Nem s o homem, e nem Deus s. So os dois cooperando para o mesmo fim.Todavia os arminianos, com exceo dos metodistas, parecem dar precedncia ao humana, com o que tendiam para o pelagianismo. O homem caminha paraDeus e Deus vem ao seu encontro.6. A OBRA DE CRISTO.Tiago Armnio insistia em que a vida eterna se oferecia a todos os homensmediante a obra expiatria de Jesus Cristo. Ou melhor: a salvao era universal,porque Seu sacrifcio fora de extensa amplitude. O Filho de Deus morrera por todosos homens. Seu sangue bastara suficientemente para redimir toda a humanidade.Nele havia suprimento para todos os pecadores. A mais abjeta criatura tinha a suasalvao garantida atravs do Verbo divino, desde que se voltasse para Ele e Oaceitasse de corao. Jesus jamais se recusaria a receber ao pecador arrependido.J, de igual modo, se no podia afirmar tal quanto doutrina calvinista. Porela, Cristo viera salvar aos que Deus de antemo escolhera para isso. Seu sanguebeneficiava a esses somente. Aos reprovados o sacrifcio no aproveitava. A obraexpiatria limitava-se, por conseguinte, a um grupo apenas: os predestinados (paraa salvao). Mas, segundo a posio arminiana, a possibilidade da salvao existepara todos e no depende de determinao (escolha) divina. A vontade humana fator sine qua non: Cristo redime aos que O aceitam como Salvador. Isto : salvaaos que queiram ser salvos.Armnio julgava a obra de Cristo, como admitida pelos calvinistas, um atohorrvel da parte de Deus. Sim, porque tendo decretado a salvao de alguns, estesde qualquer modo seriam salvos, sem haver necessidade do sacrifcio de Seuprprio Filho. Alm disso seria prova de maldade, porque, podendo salvar a todos,no o quis. Joo Wesley, o fundador do Metodismo, diria, sculos depois, que talatitude fazia a Deus pior que o diabo.7. O LUGAR DA GRAA DE DEUS NA SALVAO DO HOMEM. 24. Ainda que o arminianismo realce o valor humano, no devemos confundirseu ponto de vista com o do pelagianismo, pois ambos se distinguem no s quantoao conceito do homem, mas, tambm, quanto ao do pecado e da graa divina.Pelgio ensinava que o pecado de Ado somente afetara a este, nascendo-lheos filhos e, de igual modo, todos os demais descendentes, com idnticaspossibilidades s que ele tivera antes de cair. A sua falta consistia, apenas, em mauexemplo para as geraes seguintes. Ningum, portanto, nasce pecador, sendoverdico dizer-se que todos trazem consigo o dom da graa, ou seja: os meios inatospara atingir a salvao, caso se faa preciso. Aquele que cair, poder reerguer-sepor si mesmo. Deus j colocou disposio de cada um os recursos para tanto.Pelgio, porm, concebia esses meios como disposies individuais e influnciasexternas e no como auxlio pessoal de Deus, atravs do seu Esprito. Por exemplo:a leitura dos Evangelhos, a imitao do procedimento de Nosso Senhor, etc.Armnio aproximava-se mais de Agostinho e, em muitos pontos, eraagostiniano, de fato. No aceitava fosse o pecado de Ado s de conseqnciaindividual, pois afetara a natureza humana e envolvera toda a raa. Todos caramem Ado. Agora, s pela graa de Deus pode o homem regenerar-se e obter asalvao. Sem ela tudo impossvel ao pecador. Sem mim nada podeis, disserabem Jesus. Todavia, Armnio discordava tanto de Agostinho como de Calvino,quando negava ter o homem ficado reduzido pelo pecado inatividade. Houve algoque o homem no perdeu. Ainda lhe resta a capacidade de responder graa deDeus e aceit-la ou recus-la. Noutras palavras: ainda possui liberdade e volio e,assim, responsvel por suas decises. O homem ainda pode dizer sim ou noao seu Criador.Para Tiago Armnio a graa de Deus a ao operante do Esprito divinojunto ao homem. dom gratuito e, como tal, no depende de qualquer mrito dohomem. Deus a reparte a todos os Seus filhos. Admitia, contudo, que,excepcionalmente, algum poderia deixar de receb-la. Entretanto, nenhumapessoa forada a aceit-la. A graa celestial pode, sim, ser recusada pelo homem,segundo as seguintes passagens bblicas: E estais esquecidos da exortao que,como a filhos, discorre convosco: Filho meu, no menosprezes a correo que vemdo Senhor, nem desmaies quando por ele s reprovado (Hb 12.5), e em Mt 23.37as significativas expresses do lamento de Cristo sobre Jerusalm: Jerusalm,Jerusalm! que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! quantasvezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixodas asas, e vs no o quisestes! Em Lc 7.30, l-se: Mas os fariseus e os intrpretesda lei rejeitaram, quanto a si mesmos, o desgnio de Deus, no tendo sido batizadospor ele. No conceito de Armnio a graa pode tambm ser resistida, conforme adefesa de Estevo perante o Sindrio: Homens de dura cerviz e incircuncisos decorao e de ouvidos, vs sempre resistis ao Esprito Santo: assim como fizeramvossos pais, tambm vs o fazeis (At 7.51). Igualmente, a graa de Deus pode serrecebida em vo, nos dizeres de Paulo: E ns, na qualidade de cooperadores comele, tambm vos exortamos a que no recebais em vo a graa de Deus (2Co 6.1). 25. Se o pecador concorda em receber o auxlio divino, Deus o coloca em novacondio. Novas perspectivas se descortinaro sua frente. O caminho da glriaeterna se abrir perante seus olhos. Mas apenas o caminho. A glria s seencontra no trmino. Importa, pois, palmilh-lo at ao fim. O homem tem que semover e pisar, s vezes, cardos e pedregulhos ferinos. Sobrevir-lhe-o tristezas esedues. Porm, sempre que deseje prosseguir, sentir que no se encontrasozinho: Jesus, o Salvador compassivo, caminha a seu lado e lhe revigora as foras.Jesus nunca desampara aos que se acolherem Sua sombra amiga. Se quiseremvencer, jamais lhes faltar o auxlio de Deus, atravs do Seu Filho.E, deste modo, j entramos na doutrina da perseverana crist.8. A PERSEVERANA MISTA.Definamo-la, para melhor a compreendermos. Entende-se, por essadoutrina, que o crente em Jesus, uma vez regenerado, jamais cair da graa divina,vindo a perder-se de novo. A assistncia de Deus de tal modo eficiente que eleser mantido no caminho e salvo por fim. Nada o arrebatar de Suas mos.Conforme Jo 10.27-29; Rm 11.29; 2Tm 1.12; 2Tm 4.18 e outras passagens. Era oponto de vista dos supralapsarianos e o , ainda, sobretudo, das igrejas reformadasou calvinistas. interessante que Agostinho, sendo predestinista, esposou idia bemcontrria, admitindo que at o eleito podia cair e ser condenado. Os arminianos,luteranos, quaquers, metodistas e outros adotam mais ou menos esta ltimaposio. Todos concordam em que a perseverana no depende exclusivamente deDeus. O crente necessita fazer a sua parte, porque a divina o ser sempre. E a basese encontra em textos, como Mt 24.12-13: E por se multiplicar a iniqidade, oamor de muitos se esfriar. Aquele, porm, que perseverar at o fim, esse sersalvo. Em Cl 1.23 est dito: Se que permaneceis na f, alicerados e firmes, novos deixando afastar da esperana do evangelho que ouvistes, e que foi pregado atoda criatura debaixo do cu, e do qual eu, Paulo, me tornei ministro. Dandoconselhos a Timteo, Paulo diz: E tu, Timteo, guarda o que te foi confiado,evitando os falatrios inteis e profanos, e as contradies do saber, comofalsamente lhe chamam, pois alguns professando-o, se desviaram da f. (1Tm6.20-21). Outras passagens que se devem examinar, encontram-se em Rm 9.6;2Tm 2.17-18; 2Tm 4.10; 2Pe 2.1-2; Hb 2.1; Hb 3.14; Hb 6.4 a 6, e vs. 11; 1Jo 2.6, 9 e19; e Ap 3.1 a 3.Armnio parece ter sido mais consistente que os seus seguidores, visto queeles deram maior nfase vontade e aos esforos do homem, com o que tendiampara o pelagianismo. Foram, por conseguinte, ainda mais liberais do que o mestre.Tiago Armnio nunca sistematizou suas doutrinas. Exp-las segundo ascircunstncias e s com vistas a determinadas questes e pessoas. Jamais pensou,certamente, em escrever uma obra de Teologia Sistemtica, e doutrinas houve,conhecidas agora como arminianas, em que nem sequer pensara. Isso foi obra de 26. seus discpulos, alguns dos quais figuram entre os mais notveis pensadores dosPases-Baixos, podendo enquadrar-se ao lado dos maiores telogos da Igreja. difcil, mesmo, julgar a quem dar a primazia e crdito, se a SimoEpiscpio, autor da primeira confisso de f arminiana, constituda de vinte e cincocaptulos, e, ainda, uma Apologia e uma Institutiones Theologicae, ou se a Philipvan Limborch, professor no Ginsio arminiano de Amsterd e redator da maiscompleta exposio da doutrina de Armnio, em sua Theologia Christiana, ou,ainda, se a Stephen Curcellaeus ou a John Le Clerc.Foram esses os continuadores do inolvidvel mestre da Universidade deLeiden e iniciador de um dos movimentos que maior influncia tm exercido navida da humanidade: Tiago Armnio, Arminius, ou Hermanns. 27. CAPTULO IVORGANIZAO E DIFUSO DO ARMINIANISMOCom a morte de Armnio o movimento no cessou. As idias nem sempredesaparecem com os seus genitores. Muitas vezes depois que adquirem maiorfora, se encontram quem as incorpore prpria vida. Foi o que se passou naHolanda com o arminianismo.Amigos e discpulos levaram-no adiante. Homens, conforme j frisamos, daenvergadura de Oldenbornveldt, Hugo Grotios, Johan Uyttenbogaert, que era omais ntimo de Armnio, e Simo Episcpio, seu sucessor em Leiden. Muitaspessoas de projeo e mais de uma dezena de pastores se incluram, desde logo,entre os adeptos.Assim, a controvrsia prosseguiu, cada vez mais acesa, agitando os Pases-Baixos, envolvendo, tambm, a poltica, em razo das afinidades que havia doEstado com a Igreja Reformada e do prprio carter do movimento. Acontece queOldenbornveldt, alm de simptico ao arminianismo, defendia o regimerepublicano, enquanto que o prncipe Maurcio de Orange pugnava pelonacionalismo centralizador e era supralapsariano. O arminianismo advogava atolerncia e a liberdade religiosa, ao passo que o calvinismo tendia para odogmatismo e era pouco democrtico. Aquele procurava realar o valor do homem,ao passo que este exaltava a soberania de Deus. Como se poderiam, ento, nessascondies conciliar os dois pontos de vista?Iam as coisas em tal p, quando Oldenbornveldt, chefe da Provncia deHolanda, pediu aos seguidores de Armnio, isto em 1610, preparassem umadeclarao de sua f, a qual veio a ser conhecida como Representao, a fim deser apresentada ao Governo, para, desse modo, conseguir fossem tolerados, pelomenos. Da, tambm, a denominao que se lhes deu de Representantes.Redigiram, pois, o clebre documento, nele expondo os cinco pontosfundamentais, seguintes, por ns assim resumidos:1) Deus, por meio de um decreto eterno e imutvel, resolveu salvar, atravsde Jesus Cristo, a todos que O aceitassem como Salvador e Lhe fossem fiis at aofim, e condenar aos que vivessem alienados dEle, conforme Jo 3.16: Por que Deusamou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unignito, para que todo aqueleque nEle cr no perea, mas tenha a vida eterna.2) Jesus o Salvador do mundo, havendo efetuado um sacrifcio por todosos homens e em particular, pelo indivduo. A redeno universal. Mas s sesalvam os que se arrependerem e crerem nEle.3) Ningum pode, por si s, fazer qualquer bem ou atingir a salvao. 28. 4) O pecador necessita da graa de Deus, sem a qual nada lhe possvel;todavia, ela no irresistvel.5) Deus, por Sua graa, assiste ao crente e o ajuda a tudo vencer, caso desejeo auxlio divino e no permanea inativo.Os calvinistas retrucaram com uma Contra-Representao. A polmica seamargou. Os contendores perderam a serenidade. Os argumentos j no tinhameloqncia bastante. Irmos pela crena e pelo sangue se entregaram lutaarmada, legando-nos exemplo dos mais tristes.Afinal, Maurcio venceu, apoiado pelos calvinistas, mas, dialeticamente osarminianos permaneceram de p. Ningum os derribou, embora Oldenbornveldtfosse decapitado na priso e Grotius tivesse de exilar-se da ptria.J quase senhor da situao, d o prncipe de Orange, na qualidade deStadtholder dos Estados Gerais, inteira solidariedade ao Snodo que se acabava deconvocar, pretendendo, por esse meio, unificar, tambm, a administrao religiosa.A magna assemblia teve lugar na cidade de Dort durante sete meses (13novembro de 1618 a 9 de maio de 1619), e nela estiveram presentes 84 telogos e 18delegados seculares. Diversos governos civis, onde o protestantismo do tipoReformado fora admitido, mandaram representantes: a Inglaterra, o Palatinado,Hesse, Sua e Bremen. Deixaram de comparecer os da Frana e Brandenburgo. frente do partido arminiano achava-se Simo Episcpio, seu principal guiateolgico desde a morte de Armnio. Eram quatorze, com ele, mas nem todostinham direito a voto. Alis tomaram-se providncias para que os consideradosheterodoxos perdessem a habilitao para o conclave. O prprio Snodo sepredispusera a manter seus padres e a subjugar a heresia dos Representantes(arminianos). Pouco se poderia esperar em face disso. E, de fato, conquanto fossebelssima a exposio doutrinria de Episcpio, os adeptos do arminianismo foramtachados de hereges e confirmada a Contra-Representao, a Confisso Belga eo Catecismo de Heidelberg.Os ministros arminianos tiveram que optar entre o Ato de Cessao, que osobrigava a silenciar quanto s suas crenas, e o exlio. O interessante que sequeria extinguir a fogueira, espalhando-lhe as brasas, sem se perceber que elasiriam continuar a arder noutros lugares. Iam lev-las para o estrangeiro, ondetambm germinariam. Inclusive delegados das naes, presentes ao Snodo,acolheram com simpatia a bem fundamentada defesa das idias arminianas.Quando, mais tarde, aps a morte de Maurcio, ocorrida em 1625, osexilados regressaram ptria, o movimento j havia ganhado maior amplitude. Eas autoridades tratam, dai em diante, com mais clemncia aos adeptos doarminianismo, facultando-lhes o privilgio de edificarem igrejas para si e de teremas suas escolas particulares. 29. Amsterd e Roterd tornaram-se, ento, os seus centros principais. Naquelaestabeleceram um seminrio teolgico para o preparo de ministros, e em cujasctedras se assentaram os ilustres Episcpio, Limborch, Curcellaeus, Le Clerc,Cattenburg e outros.Organizando-se em comunidade eclesistica, os arminianos adotaram osistema presbiteriano como forma de governo. Consta, no entanto, que algunsministros se inclinavam, preferentemente, para o regime episcopal, conformeexistia na Igreja da Inglaterra (Anglicana).Episcpio redigiu uma Confisso de F, destinada a servir de padrodoutrinrio, mas nenhum pastor era obrigado a aceit-la ou a prestar-lhejuramento. A tolerncia do arminianismo via-se refletida aqui mais uma vez, eainda depois se afrouxou paulatinamente, com grandes prejuzos para o sistema.O progresso do arminianismo foi pequeno nos Pases-Baixos. que seurival, o calvinismo, j se havia radicado fortemente nas provncias do norte, quandoele despontou ali, estava melhor organizado e contava com o apio do Estado. Noo poderia desalojar, assim, to facilmente. Mas, tambm, este, foi impotente paraelimin-lo. Ainda hoje se mantm lado a lado, se bem que o nmero de suascongregaes e de seus pastores seja reduzido. A Igreja Reformada conserva apredominncia.Contudo, no estrangeiro, a influncia do arminianismo se acentua dia a dia enos mais variados setores. Em diversos pases, onde o calvinismo teve pocas deesplendor, perdeu muito de seu brilho com a introduo das idias arminianas,especialmente na Inglaterra, EUA e outras partes. Alm disso, obrigou, por mais deuma vez, certos telogos afeioados ao calvinismo a lhe suavizarem algumasarestas, tal como sucedeu com Amyraldus, na Frana; Richard Baxter, naInglaterra, e Natanael Taylor, nos Estados Unidos, chegando todos eles, comoveremos, a criarem novos sistemas teolgicos.O ARMINIANISMO NA INGLATERRANa Inglaterra o arminianismo se introduziu de maneira interessante. Entreos presentes ao Snodo de Dort, achava-se o clrigo John Hales, de Eton, professorde grego em Oxford, desde 1612. Contou ele mesmo que, ouvindo o arrazoado deSimo Episcpio sobre Jo 3.16, quando defendia naquele conclave a doutrina dosRepresentantes (arminianos), despediu-se de Calvino, ou seja, de sua doutrina,com um adeus. Regressando ptria, tornou-se l defensor ardoroso doarminianismo. Novos simpatizantes surgiram, no obstante anglicanos ecalvinistas lhes movessem oposio. corrente de tendncias arminianas, que sevinha desenvolvendo no pas, independentemente da continental, graas sobretudos idias do pregador Pedro Raro (1531-1599), de Cambridge , juntava-se, agora, ade John Hales. 30. A partir de meados do sculo XVII o impacto do arminianismo sobre ateologia da Igreja Anglicana fazia-se sentir, por isso, com maior realce.Tendo permanecido fiel teologia romanista at ascenso de Eduardo VI, aIgreja da Inglaterra abraou, a seguir, por algum tempo, o luteranismo, aderindo,afinal, ao calvinismo, para depois manter-se entre o protestantismo e o romanismo.Cannon diz bem do esprito anglicano, quando declara: O anglicanismo foi umteto que agasalhou muitas opinies.1 No se devia estranhar que o arminianismoachasse lugar ao lado das demais concepes e costumes adotados pela referidaIgreja; naturalmente custa de reaes e contratempos. Por exemplo, quando, em1595, Pedro Baro levantou a sua controvrsia, a oposio respondeu-lhe com osArtigos de Lambeth, fortemente calvinistas. J o mesmo no aconteceu noreinado de James I, ao tempo de William Laud, bispo de Londres e arcebispo deCanturia, a partir de 1633. Como lder dos anglicanos, moveu Laud tenazcampanha contra o calvinismo. Na discusso que, em 1622, sustentou contra ojesuta Fisher, revelou suas inclinaes para o arminianismo, dando f umainterpretao racional, de sorte a fazer do homem operante com Deus na obra desua salvao. Tanto quanto lhe permitiam as funes episcopais, obteve que o reiCarlos I pusesse frente das parquias clrigos de tendncias semelhantes s suas,mas to arbitrrios se tornaram os dois, por fim, e a tal ponto descontentaramprincipalmente os calvinistas, que estes, sob a direo de Oliver Cromwell,executaram a ambos e organizaram um governo republicano. da em diante que o arminianismo ganha terreno, absorvido, em parte,pelos anglo-catlicos e, em parte, pelos latitudinarianos, assim chamados osprimeiros por suas simpatias romanistas e os ltimos, pela importncia que davam razo nas discusses religiosas.Os dois grupos pertenciam Igreja Anglicana, um a High Church, o outro aLow Church, ou se quisermos: Alta e Baixa Igreja. Os latitudinarianos, emboraprotestantes mais ortodoxos, de modo algum, desejavam na Igreja, um calvinismorgido e por isto, vieram a ser cognominados de Arminianos de Cambridge. Aoprimeiro grupo pertenceram Hooker, Laud, Lancelot Andrews, e ao segundo, aoqual, at certo ponto se pode considerar arminiano, Lord Falkland, John Hales,Chilling Worth, Jeremias Taylor, Whichcote, Cudworth, Wilkins e outros, diversosdos quais filiados aos Platonistas de Cambridge. importante lembrar, ainda, a posio que nessa mesma poca tomou opuritano, dissidente, Richard Baxter (1615-1691), esforando-se por conciliar ocalvinismo e o arminianismo.O Bispo Burnet, em 1699, deu novo impulso s tendncias arminianas,quando publicou sua obra Exposio dos Trinta e Nove Artigos, dedicada ao reiGuilherme III. Nela, ao interpretar o Artigo XVII, que tratava da Predestinao,deu-lhe sentido arminiano e lhe atribuiu igual validez ao calvinista. Quer dizer que1 Cannon, W. Ragsdale - The Theology of John Wesley - Abingdon, Cokesbury Press - New York,Nashville - Pg. 32. 31. tanto importava um quanto o outro. Ambos podiam ser aceitos. Havia lugar naIgreja para as duas posies.J no sculo seguinte o reduto arminiano se apresenta na vanguarda. Oquadro tem, agora, novo aspecto: os Trinta e Nove Artigos so, ainda, calvinistas,mas o clero anglicano, de modo geral, arminiano em suas concepes. bomlembrarmos deste fato, visto que o futuro organizador do metodismo viveu nessesculo e fazia parte do ministrio da igreja oficial (Anglicana). Os wesleyanos noseriam, pois, os nicos a abraar o arminianismo. mesma linha de pensamento sefiliam os Batistas Gerais, da Inglaterra; os Quaquers; os Batistas Livres, dosEstados Unidos da Amrica; os Representantes, da Holanda; a Igreja PresbiterianaCumberland, dos EUA; e outros mais.O ARMINIANISMO NA FRANANa Frana tambm o arminianismo repercutiu muito cedo, como bemcomprova a posio tomada por alguns professores da Academia de Saumur, ondese ensinava, antes, a teologia de Calvino. A partir de 1633 contava essa faculdadeem seu rol, diversos mestres notveis, dentre os quais se destacavam LouisCapellus, Moyss Amyraldus e Josu Placaeus. No se conformando eles com ocalvinismo puro, adotaram ponto de vista medianeiro, entre a doutrina da IgrejaReformada e a dos arminianos, tornando-se conhecido por calvinismo universalistaou hipottico.Dois pontos eram fundamentais nesta nova concepo teolgica: o da aodo Esprito divino e o da Graa. Entendiam os seus autores que Deus no agiacoercitivamente sobre os sentimentos do homem, mas sim atuando,primeiramente, sobre o intelecto e, ento, atravs deste, sobre a alma. O intelecto,uma vez esclarecido, que levava a alma regenerao. Deus era a causa primriada salvao. O homem, porm, tinha a sua parte; merecia certa considerao. Osegundo ponto, referente Graa, teve em Amyraldus o mais ardoroso defensor.Ensinava esse mestre da Academia de Saumur a interessante concepo daexistncia da Graa universal hipottica, que ele expressava na seguinte linguagem:h em Deus o desejo (velleitas, affectus) que todos se arrependam e sejam salvos(arminianismo), mas por um motivo qualquer a Graa no cedida a todos(calvinismo). Para tanto Deus enviou Seu Filho ao mundo, mas as condiesexigidas so um bice a que todos participem da salvao.2H em Amyraldus um idealismo universalista ao lado de um particularismocalvinista acentuado. A salvao universal apenas hipoteticamente, ao passo queo nmero dos salvos limitado, porque nem todos recebem a Graa. Apesar disto oilustre professor de Saumur teve que defender sua doutrina, consideradainconsistente com os padres da magna assemblia de Dort, porquanto doissnodos nacionais assim o entendiam.2 Hagenbach, Dr. K. R. - A History of Christ. Doctrines - Vol III: pgs 108, 109. 32. Todavia um discpulo, Claude Pajon, professor em 1666 na mesma escola,no s continuou a sustentar as idias de Amyraldus, mas avanou ainda mais,ensinando que a operao do Esprito sobre o intelecto tambm se faz por meiosexternos, tais como os evangelhos, as circunstncias, etc.Na Inglaterra adotaram posio mais ou menos semelhante de Amyraldus,Wardlaw, John Brown e James Richards e nos EUA alguns telogos da NovaInglaterra, como Emmons, Taylor, Park e Beman.O ARMINIANISMO NA ALEMANHAE que diremos da Alemanha, bero do protestantismo e de tantospensadores eminentes? Se quisermos, podemos recuar aos tempos da Reforma.Comecemos pelo inolvidvel Philip Melanchton, amigo ntimo de Lutero e seucoadjutor na clebre Confisso de Augsburgo. Nenhum outro viveu to perto docorao do grande reformador e nem melhor lhe secundou os esforos naquelestempos da agitada carreira. Ho de ser colocados sempre na lista das grandesamizades.Melanchton, no obstante, era quatorze anos mais novo do que Lutero,provinha de famlia bem dotada e recebera educao mais aprimorada. Duaspessoas, portanto, de idades e psicologias diferentes. Mas os dois se completaram.A calma de Melanchton se contraps muitas vezes impetuosidade de MartinhoLutero, ao passo que o conservantismo do ex-monge de Wittenberg salvou ocompanheiro de descambar com o seu liberalismo para situaes perigosas, talcomo sucedeu em Augsburgo ao discutir com os telogos romanos, por ordem doimperador Carlos V, os termos da confisso doutrinria do protestantismo alemo.Ningum pode imaginar que rumo tomaria o movimento luterano sem oauxlio de Philip Melanchton.Lutero e Melanchton se davam muito bem. Note-se, porm, que suasteologias divergem em alguns pontos. Melanchton, por exemplo, em seu conceitosobre a Igreja enfatizava a importncia da razo, e por isso ela constituda dosque aceitam a verdadeira doutrina do cristianismo. Para Lutero a Igreja acomunho dos fiis. Melanchton pensava da Santa Ceia como smbolo do sacrifciode Cristo, recebendo-O apenas aqueles que tivessem f nEle. Lutero, no entanto,era realista, embora rejeitasse a transubstanciao. Outro ponto o que dizrespeito salvao do homem: Martinho Lutero colocava o homem na inteiradependncia de Deus, enquanto que o companheiro e amigo tambm exigia a co-participaoda vontade humana. No conceito de Melanchton trs elementosconcorriam para se efetivar a salvao: o Esprito Santo, a verdade bblica e avontade, sendo que o Esprito a causa eficiente, a Palavra o meio para alcan-la,mas, depois de tudo, sem o exerccio da vontade, o homem no a consegue. oque se chama de sinergismo. 33. Algumas das idias de Melanchton provocaram depois verdadeira agitaona Alemanha, dividindo a Igreja em duas alas: os conservadores e os filipistas ousinergistas. As controvrsias somente cessaram em 1580, com a Frmula deConcrdia, e uma delas foi, exatamente, sobre a predestinao. Afinal, a questoficou definida nesse documento, do seguinte modo: da vontade de Deus salvar atodos. A Sua Graa universal. Entretanto Ele salva apenas aos que aceitarem aCristo. Deus salva em considerao aos mritos de Cristo. O calvinismo, ento,mais uma vez, cedia caminho.Pouco depois a controvrsia volta a ativar-se com a chegada Alemanha dosuo Samuel Hubber. Obrigado a deixar a ptria por causa de seus conceitos anti-calvinistas,filiou-se Igreja Luterana, servindo como pastor em Tubinga e, aseguir, como professor da Universidade de Wittenberg. Logo se ps a ensinar adoutrina do absoluto universalismo: Deus desde a eternidade elegera todos oshomens para a salvao, mesmo sem levar em conta a f. Ora, isto, era demais,contrariando at o esprito da Frmula de Concrdia. Em conseqncia, doiscolegas saram a campo e lhe rebateram as idias.At no seio da Igreja Catlica Romana se discutia o momentoso problema dolivre arbtrio e da parte do homem na sua salvao. Dominicanos (tomistas) eFranciscanos (scotistas) nele se envolveram. Reacendem-no ao tempo da Reforma,Michael Bajus e seus colegas tambm scotistas, todos favorveis participao dohomem, ao passo que os oponentes se firmavam em Santo Agostinho. Quando osjesutas quiseram fazer o mesmo, Cornlio Jansen, bispo de Ypres, e mais algunscompanheiros da abadia de Port-Roial se levantaram em defesa da doutrina dasalvao exclusivamente pela graa, conforme a acreditavam esposada por aqueletelogo norte-africano (Agostinho). E o resultado veio de pronto: uma pertinazperseguio movida pelos influentes jesutas contra os jansenistas, a qual colimoucom a fundao, por estes, de nova instituio eclesistica, independente de Roma:a Velha Igreja Catlica, dos Pases-Baixos. Aps o Conclio do Vaticano (1870), umnovo ramo se destacou da Igreja Romana, por causa do dogma da infalibilidadepapal, unindo-se Velha Igreja Catlica.O ARMINIANISMO EM TEMPOS DE RENASCENAAgora, podem os leitores compreender melhor por que escrevemos algures arespeito de Armnio, dizendo que suas idias refletiam um complexo de fatos e decircunstncias. que havia por todas as partes o desejo de valorizar o homem.Agostinianismo e calvinismo j no se coadunavam com a poca. A Renascena, asdescobertas e a prpria Reforma tinham proporcionado novas luzes. Outroshorizontes se descortinavam aos homens. O arminianismo encontrava solopropcio!Mas, para no sermos parciais, queremos esclarecer, ainda, que oarminianismo foi alm dos Pases-Baixos e no se limitou, simplesmente, ao campoteolgico. Sua influncia calou na Filosofia, na Cincia do Direito, na Poltica e noterreno da prtica, prestando desse modo valiosssima contribuio humanidade. 34. Hastings adverte que nem sempre o fez diretamente, mas serviu-se de ummeio. Foi o caso, por exemplo, da Filosofia. O veculo que lhe levou o arminianismofoi o pensamento religioso. E explica-se: durante o sculo XVI a atividade teolgicapredominou sobre a Filosofia, dando-se o contrrio no sculo XVII, porm a baseestava no XVI. E o arminianismo contribuiu com a sua parte. Realando acapacidade do homem, podia mais facilmente aliar-se investigao, crtica e,enfim, ao avano cientfico. Por isso vemos a filosofia cartesiana ser perseguida naHolanda pelos calvinistas ortodoxos, ao passo que o arminianismo a favorecia.3Eis o que a respeito escreve Van Gelder: O calvinismo, que dominava asuniversidades neerlandesas, no tolerava as idias divergentes, nem filosficas,nem fsicas. Assim, ento, por seu esprito conservador, a religio oficial era causapara que muitos sbios se conservassem longe das universidades. A filosofiamoderna no era de todo tolerada pelos professores calvinistas: Descartes eSpinoza sofreram a experincia.4To rgida posio soava mal at no seio da Igreja Reformada, revoltando aindivduos bem formados, como o telogo Johannes Cocceius (1603-1669). Nacontrovrsia que este manteve com Voetius, o governo teve novamente que seenvolver. Cocceius foi, tambm, um dos autores da Teologia Federal, cujafinalidade era, outrossim, a de suavizar os rigores do calvinismo.O arminianismo possua tendncia para a moderao e a tolerncia,harmonizando-se facilmente com o esprito da poca. Encontramo-lo, por essemotivo, aceitando a contribuio humanstica da Renascena, favorecendo o uso darazo, sem descurar o valor da tica e da revelao divina. Pde assim, livrar-se decair tanto no racionalismo como no humanismo puro. Na Holanda soubecompreender Descartes. Na Inglaterra amparou os latitudinarianos em seus vosarrojados. Na Alemanha serviu de inspirao a Kant e a Schleiermacher, deixandomarcas indelveis em seus sistemas.Sabemos da importncia que Tiago Armnio dava capacidade e responsabilidade do homem. Pois bem: a nfase dada pelo grande filsofo deStutgart natureza moral do homem reflexo da influncia arminiana. E o mesmose pode afirmar quanto ao telogo Schleiermacher. Hastings, a quem recorremosmais uma vez, informa-nos que Schleiermacher, na sua doutrina da absolutadependncia de Deus, reflete Calvino, ao passo que, na importncia dada aosentimento religioso, segue Armnio.5No setor dos direitos do homem, o arminianismo foi alm do argumentoteolgico. Advogou a liberdade de conscincia, ensinando o respeito mtuo. Todosso iguais perante a lei e perante Deus. H direitos que ningum pode tirar ao serhumano. Da, verificarmos, dentro da prpria Holanda, os arminianos batendo-se3 Hastings - Encycl. Of Relig. And Ethics - Vol I: pg. 807.4 Van Gelder - Histoire des Pays-Bas - Pg. 78.5 Hastings - Op. Cit. - Pg. 807. 35. pelo regime republicano. ao grande jurista Hugo Grotius que se deve a fundaodo direito internacional. Recebendo dos antigos filsofos e juristas os conceitos dejus naturale e jus gentium, f-los passar pelo crivo do arminianismo e, assim, osincorporou poltica, como norma para as naes. H direitos naturais e os hconvencionais: estes so criados pelos homens, aqueles nascem com eles.O arminianismo chamou a ateno para a dignidade humana. Deu aohomem senso mais claro do seu prprio valor, realando seus deveres e suaspossibilidades. F-lo mais cnscio de sua co-participao na obra de Deus.Incentivou-o a melhor compreender o prximo e a interessar-se por seusproblemas. Porque, se o destino a ningum imposto, a situao de qualquer umpode ser modificada. Visto que, igualmente, Cristo deu Sua vida por todos, asalvao universal. Todas as raas necessitam do Evangelho. dever, portanto,dos cristos levarem as Boas Novas a todos os recantos da terra. Por isso afirmaHastings, com muito acerto, falando do arminianismo: Com o espritohumanitrio que evoca, deu impulso s Misses Estrangeiras. verdade que a Igreja dos Representantes (arminianos) quase nada fezneste sentido, mas quando o esprito missionrio se incorporou noutrasdenominaes, o trabalho evangelstico tomou incremento. Ao arminianismo aindafaltava alguma coisa. Como sistema de doutrina apresentava muitos aspectos bons.Mas no basta s a doutrina. O metodismo de Joo Wesley avantajou-se-lhe por lhedar a objetividade de que decarecia. Trazendo fogo no corao, tornou-se prtico,dinmico e ardoroso. So os fatos que o comprovam.O que devemos, ento a Tiago Armnio, impossvel calcular. H muitascoisas valiosas que escapam aos nmeros e elas so, geralmente, as maisimportantes. No seremos injustos, pois, se o colocarmos entre os maioresbenfeitores que a humanidade tem conhecido. Sua vida, exemplo e doutrinascontinuam a produzir frutos. Cont-los todos, no entanto, s ao Supremo Deuscompete. 36. CAPTULO VA GNESE DO ARMINIANISMO WESLEYANO1. A SITUAO NA IGREJA ANGLICANA.Ser-nos- fcil compreender a posio que o fundador do movimentometodista, Joo Wesley, tomou, com relao ao arminianismo, se nos lembramosque ele nasceu dentro da Igreja Anglicana, no comeo do sculo XVIII e pertenceu Igreja Anglicana at ao fim de sua vida (1703-1784).Naquela poca os Trinta e Nove Artigos de religio continuavam sendo opadro doutrinrio, calvinistas em sua natureza, porm a interpretao que delesse fazia, j era predominantemente arminiana. A transio que nesse sentido sevinha realizando datava de Richard Hooker (1586) e de Pedro Baro, mas ao tempoda ascenso do rei George I (1714-1727), estava quase concluda.Desde Hooker, portanto, os telogos tentavam conciliar a doutrina calvinistada graa com a das obras, esta segundo a Igreja Catlica, e a conseqncia resultavaem evidente aproximao do arminianismo. A melhor prova disso encontra-se, semdvida, na obra escrita pelo bispo George Bull: a Harmonia Apostlica. To bem sesara no empreendimento o preclaro (ilustre, brilhante) eclesistico que ela veio atornar-se clssica e a gozar de grande aceitao na Inglaterra. Muitos ministros atinham em suas bibliotecas, pautando pela referida obra as suas idias. A teologiade George Bull generalizou-se, pois, no seio da Igreja oficial e para termos umanoo da mesma, daremos, a seguir, breve apanhado: Jesus Cristo, por Sua obraexpiatria, o Salvador dos homens, mas cada qual tem a sua parte a fazer,procurando ativamente reformar a prpria vida. Se cada um agir desse modo,tornar-se- capaz de receber os mritos da expiao. F e obras so identificadasnuma s finalidade. A justificao pela f e pelas obras. So dois aspectos de umas realidade. Nem Paulo se ope a Tiago e nem Tiago a Paulo. No conceito do bispoBull, a f inclui todas as obras da piedade crist. A f no se limita s a aceitar comovlidos os ensinos do Evangelho: envolve, tambm, o desejo de ser bom e de fazer obem. Noutras palavras: a f passa a ser ato do prprio homem.1A justificao exige, igualmente, a co-participao do homem. Deusconsidera ao transgressor como justo, livre da pena, desde que este assim queira.Ou, melhor, Deus o perdoa, se ele tiver merecido a sentena de inocncia. O atodivino conseqente das disposies existentes no homem. Mas isso no seconfunde com o pelagianismo, porque, sem o auxlio de Deus, nada consegue opecador. Todos dependemos, antes de tudo, de Cristo. Somos justificados por Seusmritos, desde que satisfaamos as condies estabelecidas.A expiao de mbito universal e pode, potencialmente, salvar a todos oshomens, se as exigncias, para tanto, forem por eles cumpridas. A redeno, em1 Cannon, W. R. - The Theology of John Wesley - Pg. 41. 37. vista disso, condicional. No basta que Deus queira e possa salvar, preciso quetambm o pecador queira ser salvo.Note-se, entretanto, que Deus j ps disposio do homem os meios quelhe permitiro obrar dignamente, de modo a tornar-se aceitvel aos Seus divinosolhos, no conceito de George Bull. So os sacramentos. Por meio deles o Senhordistribui a cada um a graa que precisar para cumprir a Sua excelsa vontade. Obatismo purifica de todo o pecado e capacita a pessoa a dar os primeiros passos navida crist. Pela Santa Ceia, Deus a confirma e fortalece e a leva prtica do bem.Os meios so de Deus, mas a iniciativa em busc-los pertence ao homem. Agorasuas obras passam a ser boas e aceitveis perante Deus, que as toma emconsiderao aos mritos de Cristo. Assim o pecador recebe a justificao.Em um ponto o bispo Bull se mantinha fiel doutrina calvinista: quandosustentava a necessidade da graa divina para que se realizasse a salvao. Suainterpretao dos sacramentos, de outro lado, se confundia com a de Roma(catolicismo), pois lhes concedia virtudes. Mas, em linhas gerais, sua teologiacontinha muito de arminianismo. Por exemplo: a graa ao alcance de todos, aextenso da obra vicria de Cristo, a responsabilidade do homem por sua prpriasalvao. Alm de outros conceitos. Portanto, no demais lembrar que essateologia andava em voga nos dias em que Joo Wesley iniciou o seu ministrio.2. A INFLUNCIA DOS PAIS: SUSANA E SAMUEL WESLEY.Os pais de Joo Wesley foram os primeiros a lhe inculcarem as idias acimaexaradas (lavradas, registradas por escrito). Ambos, ainda jovens, deixaram aIgreja Dissidente, filiando-se, por convico, Igreja Anglicana, ajudando-osbastante, nesse particular, a Harmonia Apostlica, do bispo George Bull.Algum escreveu que Samuel e Susana discordavam um do outro em muitascoisas, mas raramente quanto s suas convices religiosas. Os escritos que nosdeixaram, comprovam-no sobejamente: sejam cartas, estudos ou publicaes. Osdois nutriam grande interesse por questes teolgicas. Susana, aos quarenta e umanos, escreveu uma exposio do Credo Apostlico. Samuel, aos vinte e nove,formava ao lado dos editores da Gazeta Ateniense, destinada a divulgarconhecimentos religiosos e filosficos. De sua lavra foram, ainda, uma obrazinhasobre o sacramento da Santa Ceia e uma exposio sobre o livro de J.Os Wesley, por suas idias, filiavam-se corrente arminiana, concordandoem diversos pontos com o bispo Bull. Juntamente com este, consideravam ser aexpiao imprescindvel salvao e de mbito universal, como, de igual forma,faziam depender do homem a sua apropriao. Os meios para a alcanar, so a f eas obras. A f, como assentimento, antes de tudo, ao que a Escritura registra arespeito de Cristo. A f, ento, crena e no um dom de Deus implantado nocorao do homem: atitude humana. Mas no s crena: , tambm, obedinciaaos preceitos divinos; vida prtica. A f tem como suporte as obras de obedincia.Uma se ampara na outra. A f conduz prtica, mas, por sua vez, a ao fortalece e 38. sustenta a f. Nenhuma subsiste sem a outra. Ambas se completam. So meiosconcomitantes da salvao. Esto ao alcance do homem e dependem mesmo dele.De sorte que, se o pecador satisfizer as condies, Deus o perdoa e o salva. necessrio crer e praticar o que se cr a fim de participar dos mritos de Cristo,conforme percebemos das seguintes expresses de Susana Wesley, em carta de 13de janeiro de 1710, dirigida sua filha Sukey: No aprendendo de cor estascoisas (isto , oraes, catecismos, credos, passagens da Escritura), nem dizendoalgumas oraes de manh e noite, que voc trar o cu para junto de si. Vocdeve entender o que diz e praticar o que sabe.2O casal Samuel e Susana Wesley entendia o batismo e a Santa Ceia de modomais ou menos semelhante ao do autor da Harmonia Apostlica e tambm lhesatribuam eficcia. O primeiro livra da culpa original e d acesso Igreja. A Ceiacompleta o batismo, dando foras ao seu participante para vencer o pecado eajudando-o a cumprir os deveres da vida crist.De tal tipo foi a religio que desde cedo ensinaram aos filhos. A disciplinaera rigorosa. Havia, no lar, regras para quase tudo. Mal comeassem eles a falar,decoravam o Pai-Nosso. As exigncias da Igreja, de igual forma, deviam serconhecidas e praticadas. Em sntese: o casal Wesley expressava de modo concretoaquilo em que cria: a justificao como resultado tambm do esforo individual.Quando Joo Wesley saiu do lar pela primeira vez, para ingressar na escolaem Londres, a Charterhouse, levava bem fundas as marcas da educao domstica.Por algum tempo deixou de ser to fervoroso, mas ainda lia as Escrituras, faziaoraes e comungava trs vezes ao ano. Nem em Oxford, na universidade, seafastou dos padres que cultivara em casa; nem ainda sob o sopro do racionalismoda poca. E, no entanto, sabemos quo curiosa era sua mente, desejando sempresaber a razo das coisas. Nunca, porm, abandonava um velho conceito, enquantono tivesse motivos seguros para deix-lo. Muitas das modificaes que depois nelese operaram, foram o resultado de conflitos religiosos e no filosficos, sobretudodesde Aldersgate.Um dos problemas que cedo comearam a preocup-lo, foi o dapredestinao. Era quase impossvel viver cercado de idias arminianas econformar-se com as do calvinismo. Nem precisava conhecer as de Tiago Armnio,pois nos antigos padres gregos, Irineu, Orgenes e outros, e na literatura inglesaacharia conceitos semelhantes aos do telogo de Leiden.Quem sabe teria lido algo de Hooker e Baro? As obras de William Laud, deRalph Cudworth, e ignoramos quantos mais, estavam ao seu redor, nas livrarias enas bibliotecas. Alm disso, muitos, dentro da Igreja, j haviam abraado oarminianismo. John J. Tigert, na introduo obra de Caspar Brandt, sobreArmnio, confirma o que por mais de uma vez temos dito: Quando Joo Wesleyestava em Oxford, na terceira dcada do sculo dezoito, e foi ordenado dicono e2 Cannon, W. R - Op. Cit. - Pg. 47. 39. presbtero na Igreja Anglicana, ainda que os Artigos permanecessem fiis aocalvinismo original e a liturgia tivesse elementos romanistas, o clero tinha-setornado, em geral, arminiano.3O certo que, por volta de 1725, quando se decidira pelo ministrioevanglico, dirigiu-se, em carta, sua me, para dela indagar sobre apredestinao. Prova de que o problema se agitava em seu esprito. Num trecho,diz: Se estivesse decretado infalivelmente desde a eternidade que certa parte dahumanidade se salvaria e ningum mais, e uma grande maioria nascesse para amorte eterna, sem mesmo a possibilidade de evit-la, estaria isto de acordo com ajustia divina, ou a misericrdia? Ser misericrdia prescrever a uma criatura amisria eterna? Que Deus fosse o autor do pecado e da injustia... umacontradio das idias mais claras que temos da natureza e perfeio divinas.4A resposta de Susana a Joo Wesley foi: Essa doutrina, como mantida peloscalvinistas rgidos, muito horripilante, e deve ser odiada, porque diretamenteacusa ao Deus Altssimo de ser o autor do pecado. E acrescenta: Penso que vocraciocina bem contra ela, porque inconsistente com a justia e a bondade de Deusdeixar algum sob a necessidade fsica ou moral de cometer pecado e ento puni-lapor ele. Ela assevera que Deus tem uma eleio, mas baseada na Suaprescincia, e de modo alguma derroga (abole, anula) a livre graa de Deus, nemprejudica a liberdade do homem.No conceito de Susana seria absurdo julgar que algum determine onascimento do sol s pelo simples fato de prever o seu reerguimento a cada manh.Assim com a presci