josé afrânio moreira duarte - dentre outras coisas

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~47 5 MAIO 1997 ,@ ta ' Estréiamais do que promissora José Mrânio Moreira Duarte Johnny Batista Guimarães. Dentre outras coisas. BeloHorizonte, 1996. Mineiro de Sete Lagoas, com andanÇ$ paulistanas, agora radicado em Belo Hori- zonte, onde CUISal)jreito na Universidade Federal de Minas Gerais, tendo apenas 23 anos, JobnnyBatista Guimarães estreou em livro, no final de 1996, publicando a cole- tânea de poemas Dentre outras coisas. O poema inicial começa assim: ''Aperto-Ihe a mão/ / Daqui em dian~/ Fscon4e-se mi- nha poesia,! Ruela esquecida de um bair- ro distante". Na realidade, não é o que se nota pois a poesia de JBG jxxIe até mesmo ser des- pojada e ter a simplicidade de uma ruazi- nha esquecida de bairro distante, mas tra- ta-se de uma simplicidade elaborada, pr0- curada, conseguida com talento e classe, mediante um plano cuidadoso e previa- mente traçado. A espontaneidade ineren- te em todo o livro é proposital, resulta de caminhos procurados e paJmilhados, A leitura atenta de Dentre outras coisas, 1ivrooriginal a começar pelo títu- lo, demonstra que o poeta quis e conse- guiu atingir o que se convencionou cha- mar de sincretismo poético. Através das páginas ouvem-sevozes de linhas tradicio- nais do verso,embora João Cabra!de Melo Neto, quase sempre inovador, seja a influ- ência maior, bem assim como ecos de ru- mos mais modernos, com visíveismarcas do concretismoe do neo-concretismo, che- gando, às vezes, até as ousadias do poema processo. Dentre ou1ras coisas éum 1ivroque parece ter sido elaborado nas minúcias, ~ como na planta de um arquiteto, mas, ape- I '. sar disto,ou talvezpor istomesmo,ele é tecnicamente perfeito, de linguagem apu- rada, mas sempre espontâneo e de assimi- laçãofiícil,simultaneamente erudito e sim- ples. Sendo o m\Uldo tão vasto, seria prati- camente impossívelaoautorfocalizartudo o que está nele. Daí ser muito sugestivo o título da obra. O poeta fala sobre temas variados e dá sua visão do universo, de- monstrando tanto em termos de vivência humana quanto literária. impressionante amadurecimento, raro na sua extremaju- ventude. São abordados desde aspectos urbanos de Belo Horizonte até às profundezas da alma, o que é feito com sentimento, sem contudo chegar a um li- rismo exacerbado. Muito pelo contrário,o lirismo se infiltra de modo sutil, como se estivesse virado pelo avesso e quase não pudesse ser visto. Devez em quando, -!ohnnyBatistaGui- marães se permite fazerenfoques levemen- te irônicos, com bastante senso de humor: "Seique Deus é aiativo/ Masjá começo a ver/ Caras repetidas", "Maria, lavadeira . evangélicalá de casa,!Foi demitidapor deixar uma trouxa de roupa alcançar os céus". Com uma visão do m\Uldo muito sua, Jobnny Batista Guimarães enfoca temasjá batidos dando-Ihes um aspecto de novida- de, como em "Os pombos": ''Nesta noite de outros/ Com luar distante! E compa- nhia ausentei Nestenão fazer incômodo/ Passo a escrever sobre os pombos! Já ob- servaramcomosãodes~dos ospom- bos das grandes cidades?/ Será esse des- confiar fruto do passado?/ Será esse viver arredio medo do que os espera?/ Será?/ Será por medo?" Há trechos em prosa nos quais a essên- cia poética se faz presente. Eles revelam que o jovem poeta pode ser, quando qui- ser; tiunbém um bom prosador. Dentre outras coisas apresentaum homogêneo conj\Ulto de poemas escritos com tamanha maturidade e segurançaqu~ em nada denotam o estreante. Transcre- vo, como exemplo da muito boa poesia de JohnnyBatista Guimarães, o que se intitula "Tempo de lua": "O relógio que não é tem. po/ Passa!Tãorápidoquenãovejo~- to marca/ O relógio/ Quanto tempo?/ / Lua minguante! E já é Lua cheia! O nada! O costume! Já é Lua nova! / ALual Que não é tempo/ Passa tão rápido/ Que não vejo a Lual Já é dia! E aLua? / / Deusa distante/ Deus é distante/ / Essa Lua eremera! Sem idade! Como passa?/ / É a Lual É o tem- po! Que não é relógio! Não sei quanto tem- po/ / É a Lua! Eremera como o tempo". Sintetizando, muito além que uma sim- ples estréia a mais, Dentre outras coi- sas, de JohnnyBatista Guimarães, é ame- quívoca afumação de um vero talento.

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Page 1: José Afrânio Moreira Duarte - Dentre Outras Coisas

~47 5MAIO1997

,@

ta '

Estréiamais do que promissoraJosé Mrânio Moreira Duarte

Johnny Batista Guimarães. Dentreoutras coisas. BeloHorizonte, 1996.

Mineiro de Sete Lagoas, com andanÇ$paulistanas, agora radicado em Belo Hori-zonte, onde CUISal)jreito na UniversidadeFederal de Minas Gerais, tendo apenas 23anos, JobnnyBatista Guimarães estreou emlivro, no final de 1996, publicando a cole-tânea de poemas Dentre outras coisas.O poema inicial começa assim: ''Aperto-Ihea mão/ / Daqui em dian~/ Fscon4e-se mi-nha poesia,! Ruela esquecida de um bair-ro distante".

Na realidade, não é o que se nota poisa poesia de JBG jxxIe até mesmo ser des-pojada e ter a simplicidade de uma ruazi-nha esquecida de bairro distante, mas tra-ta-se de uma simplicidade elaborada, pr0-curada, conseguida com talento e classe,mediante um plano cuidadoso e previa-mente traçado. A espontaneidade ineren-te em todo o livro é proposital, resulta decaminhos procurados e paJmilhados,

A leitura atenta de Dentre outrascoisas, 1ivrooriginal a começar pelo títu-lo, demonstra que o poeta quis e conse-guiu atingir o que se convencionou cha-mar de sincretismo poético. Através daspáginasouvem-sevozes de linhas tradicio-nais doverso,embora João Cabra!de MeloNeto, quase sempre inovador, seja a influ-ência maior, bem assim como ecos de ru-mos mais modernos, com visíveismarcasdo concretismoe do neo-concretismo, che-gando, às vezes, até as ousadias do poemaprocesso.

Dentre ou1ras coisas éum 1ivroqueparece ter sido elaborado nas minúcias,

~ comona planta de um arquiteto, mas, ape-

I

'. sardisto,ou talvezpor istomesmo,eleétecnicamente perfeito, de linguagem apu-rada, mas sempre espontâneo e de assimi-laçãofiícil,simultaneamente erudito e sim-ples.

Sendo o m\Uldotão vasto, seria prati-camente impossívelaoautorfocalizartudoo que está nele. Daí ser muito sugestivo otítulo da obra. O poeta fala sobre temasvariados e dá sua visão do universo, de-monstrando tanto em termos de vivênciahumana quanto literária. impressionante

amadurecimento, raro na sua extremaju-ventude. São abordados desde aspectosurbanos de Belo Horizonte até àsprofundezas da alma, o que é feito comsentimento, sem contudo chegar a um li-rismo exacerbado. Muito pelo contrário,olirismo se infiltra de modo sutil, como seestivesse virado pelo avesso e quase nãopudesse ser visto.

Devez em quando, -!ohnnyBatistaGui-marães se permite fazerenfoques levemen-te irônicos, com bastante senso de humor:"Seique Deus é aiativo/ Masjá começoaver/ Caras repetidas", "Maria, lavadeira

. evangélicalá de casa,! Foi demitidapordeixar uma trouxa de roupa alcançar oscéus".

Com uma visão do m\Uldomuito sua,Jobnny BatistaGuimarães enfoca temasjábatidos dando-Ihes um aspecto de novida-de, como em "Os pombos": ''Nesta noitede outros/ Com luar distante! E compa-nhia ausentei Nestenão fazer incômodo/Passo a escrever sobre os pombos! Já ob-servaramcomosãodes~dos ospom-bos das grandes cidades?/ Será esse des-confiar fruto do passado?/ Será esse viverarredio medo do que os espera?/ Será?/Será por medo?"

Há trechos em prosa nos quais a essên-cia poética se faz presente. Eles revelamque o jovem poeta pode ser, quando qui-ser; tiunbém um bom prosador.

Dentre outras coisas apresentaumhomogêneo conj\Ultode poemas escritoscomtamanha maturidade e segurançaqu~em nada denotam o estreante. Transcre-vo, como exemplo da muito boa poesia deJohnnyBatista Guimarães,oque se intitula"Tempo de lua": "Orelógio que não é tem.po/ Passa!Tãorápidoquenãovejo~-to marca/ O relógio/ Quanto tempo?/ / Luaminguante! E já é Lua cheia! O nada! Ocostume! Já é Lua nova! / ALual Que nãoé tempo/ Passa tão rápido/ Que não vejo aLual Já é dia! E aLua? / / Deusa distante/Deus é distante/ / Essa Lua eremera! Sem

idade! Como passa?/ / É a Lual É o tem-po! Que não é relógio! Não sei quanto tem-po/ / É a Lua! Eremera como o tempo".

Sintetizando, muito além que uma sim-ples estréia a mais, Dentre outras coi-sas, de JohnnyBatista Guimarães, é ame-quívoca afumação de um vero talento.