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19 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001 Tratamento de esgotos U ma parcela significativa das águas, depois de utilizadas para o abastecimento público e nos processos produtivos, retorna suja os cursos d’água, em muitos casos levan- do ao comprometimento de sua quali- dade para os diversos usos, inclusive para a agricultura. Dependendo do grau de poluição, essa água residual pode ser imprópria para a vida, cau- sando, por exemplo, a mortandade de peixes. Também pode haver liberação de compostos voláteis, que provocam mau odor e sabor acentuado, e po- derão trazer problemas em uma nova operação de purificação e tratamento dessa água. Segundo dados do BNDES (1998), 65% das internações hospitalares de crianças menores de 10 anos estão associadas à falta de saneamento básico. Nos países em desenvolvimento, onde se enquadra o Brasil, estima-se que 80% das doenças e mais de um terço das mortes estão associadas à utilização e consumo de águas contaminadas (Galal-Gorchev, 1996). A hepatite infecciosa, o cólera, a disenteria e a febre tifóide são exem- plos de doenças de veiculação hídrica, ou seja, um problema de saúde pú- blica. Quando ocorre o lançamento de um determinado efluente em um corpo José Roberto Guimarães e Edson Aparecido Abdul Nour Neste artigo é descrita a situação atual de tratamento de águas residuárias no Brasil, bem como os principais processos de tratamento. São discutidos os processos físico-químicos e biológicos, e apresentam-se as principais reações de transformação da matéria orgânica. Também são descritas as mais importantes variáveis de interesse sanitário e ambiental, bem como a legislação federal para classificação das águas. esgoto, água residuária, processos físico-químicos, processos biológicos, parâmetros ambientais d’água, seja ele pontual ou difuso, ime- diatamente as características químicas, físicas e biológicas desse local co- meçam a ser alteradas. Por exemplo, pode ocorrer um aumento muito gran- de da carga orgânica, refletindo-se no aumento da DBO (demanda bioquí- mica de oxigênio), da DQO (demanda química de oxigênio), do COT (carbono orgânico total) e, conseqüente- mente, uma de- pleção da con- centração de oxi- gênio dissolvido, fruto, principal- mente, do me- tabolismo de mi- croorganismos aeróbios. Parte da matéria orgâ- nica presente no efluente se dilui, sedimenta, sofre estabilização química e bioquímica. Esse fenômeno é conhecido como autodepuração. Comumente, utiliza-se apenas o pa- râmetro oxigênio dissolvido para avaliar esse processo, ou seja, quando a concentração de oxigênio retorna ao valor original (antes do lançamento), assume-se que houve uma autodepu- ração. No entanto essa definição é questionável, pois não leva em consi- deração outras variáveis ambientais, como por exemplo a presença de sais e de metais, alteração da diversidade e população biológica e do nível trófico etc. Antes de atingirem os corpos aquá- ticos as águas residuais podem e devem sofrer algum tipo de purificação. Os processos de tratamento de águas residuais são divididos em dois grandes grupos, os biológicos e os físico-quími- cos. A utilização de um ou de outro, ou mesmo a com- binação entre ambos, de- pende das características do efluente a ser tratado, da área disponível para monta- gem do sistema de trata- mento e do nível de depu- ração que se deseja atingir. A maioria dos proces- sos de tratamento de efluentes aquo- sos, principalmente os biológicos, são baseados em processos de ocorrência natural. O objetivo principal de qual- quer uma das muitas opções de siste- mas de tratamento é o de simular os fenômenos naturais em condições controladas e otimizadas, de modo Segundo dados do BNDES (1998), 65% das internações hospitalares de crianças menores de 10 anos estão associadas à falta de saneamento básico. Nos países em desenvolvi- mento, onde se enquadra o Brasil, estima-se que 80% das doenças e mais de um terço das mortes estão associadas à utilização e consumo de águas contaminadas

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Page 1: José Roberto Guimarães e Edson Aparecido Abdul Nour · José Roberto Guimarães e Edson Aparecido Abdul Nour Neste artigo é descrita a situação atual de tratamento de águas

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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001Tratamento de esgotos

Uma parcela significativa daságuas, depois de utilizadas parao abastecimento público e nos

processos produtivos, retorna suja oscursos d’água, em muitos casos levan-do ao comprometimento de sua quali-dade para os diversos usos, inclusivepara a agricultura. Dependendo dograu de poluição, essa água residualpode ser imprópria para a vida, cau-sando, por exemplo, a mortandade depeixes. Também pode haver liberaçãode compostos voláteis, que provocammau odor e sabor acentuado, e po-derão trazer problemas em uma novaoperação de purificação e tratamentodessa água. Segundo dados doBNDES (1998), 65% das internaçõeshospitalares de crianças menores de10 anos estão associadas à falta desaneamento básico. Nos países emdesenvolvimento, onde se enquadra oBrasil, estima-se que 80% das doençase mais de um terço das mortes estãoassociadas à utilização e consumo deáguas contaminadas (Galal-Gorchev,1996). A hepatite infecciosa, o cólera,a disenteria e a febre tifóide são exem-plos de doenças de veiculação hídrica,ou seja, um problema de saúde pú-blica.

Quando ocorre o lançamento deum determinado efluente em um corpo

José Roberto Guimarães e Edson Aparecido Abdul Nour

Neste artigo é descrita a situação atual de tratamento de águas residuárias no Brasil, bem como os principaisprocessos de tratamento. São discutidos os processos físico-químicos e biológicos, e apresentam-se asprincipais reações de transformação da matéria orgânica. Também são descritas as mais importantes variáveisde interesse sanitário e ambiental, bem como a legislação federal para classificação das águas.

esgoto, água residuária, processos físico-químicos, processos biológicos, parâmetros ambientais

d’água, seja ele pontual ou difuso, ime-diatamente as características químicas,físicas e biológicas desse local co-meçam a ser alteradas. Por exemplo,pode ocorrer um aumento muito gran-de da carga orgânica, refletindo-se noaumento da DBO (demanda bioquí-mica de oxigênio), da DQO (demandaquímica de oxigênio), do COT (carbonoorgânico total) e,conseqüente-mente, uma de-pleção da con-centração de oxi-gênio dissolvido,fruto, principal-mente, do me-tabolismo de mi-croorganismosaeróbios. Parteda matéria orgâ-nica presente noefluente se dilui,sedimenta, sofrees tab i l i za çã oquímica e bioquímica. Esse fenômenoé conhecido como autodepuração.Comumente, utiliza-se apenas o pa-râmetro oxigênio dissolvido para avaliaresse processo, ou seja, quando aconcentração de oxigênio retorna aovalor original (antes do lançamento),assume-se que houve uma autodepu-

ração. No entanto essa definição équestionável, pois não leva em consi-deração outras variáveis ambientais,como por exemplo a presença de saise de metais, alteração da diversidadee população biológica e do nível tróficoetc.

Antes de atingirem os corpos aquá-ticos as águas residuais podem e

devem sofrer algum tipo depurificação. Os processosde tratamento de águasresiduais são divididos emdois grandes grupos, osbiológicos e os físico-quími-cos. A utilização de um oude outro, ou mesmo a com-binação entre ambos, de-pende das característicasdo efluente a ser tratado, daárea disponível para monta-gem do sistema de trata-mento e do nível de depu-ração que se deseja atingir.

A maioria dos proces-sos de tratamento de efluentes aquo-sos, principalmente os biológicos, sãobaseados em processos de ocorrêncianatural. O objetivo principal de qual-quer uma das muitas opções de siste-mas de tratamento é o de simular osfenômenos naturais em condiçõescontroladas e otimizadas, de modo

Segundo dados do BNDES(1998), 65% das internações

hospitalares de criançasmenores de 10 anos estão

associadas à falta desaneamento básico. Nospaíses em desenvolvi-

mento, onde se enquadrao Brasil, estima-se que 80%das doenças e mais de um

terço das mortes estãoassociadas à utilização e

consumo de águascontaminadas

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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001

que resulte em um aumento da veloci-dade e da eficiência de estabilizaçãoda matéria orgânica, bem como deoutras substâncias presentes no meio.

Processos biológicosOs processos biológicos são subdi-

vididos em dois grandes grupos, osaeróbios e os anaeróbios. Normal-mente, os efluentes compostos desubstâncias biodegradáveis (esgotosdomésticos e de indústrias de alimen-tos) são preferidos nessas duas clas-ses de processos.

Nos processos aeróbios de trata-mento de efluentes são empregadosmicroorganismos que para biooxidar1

a matéria orgânica utilizam o oxigêniomolecular, O2, como receptor deelétrons. Normalmente há um consór-cio de microorganismos atuando con-juntamente nos processos de estabi-lização da matéria orgânica. A micro-fauna é composta por protozoários,fungos, leveduras, micrometazoários esem dúvida a maioria é composta porbactérias. Há uma grande variedade desistemas aeróbios de tratamento deáguas residuais; as mais empregadassão lagoas facultativas, lagoas aera-das, filtros biológicos aeróbios, valosde oxidação, disposição controlada nosolo e sem dúvida uma das opçõesmais utilizadas é o lodo ativado. Estesistema compõe-se principalmente deum reator (ou tanque de aeração), deum decantador secundário (ou tanquede sedimentação) e de um sistema derecirculação do lodo (Figura 1). Partedo lodo gerado no decantador secun-dário, que é composto basicamente demicroorganismos, é devolvido aotanque de aeração, mantendo uma altaconcentração de microorganismos no

sistema e aumentando a velocidade eeficiência da degradação.

Nos processos anaeróbios de tra-tamento de efluentes são empregadosmicroorganismos que degradam a ma-téria orgânica presente no efluente, naausência de oxigênio molecular. Nessetipo de processo, a grande maioria demicroorganismos que compõem a mi-crofauna também é de bactérias, basi-camente as acidogênicas e as metano-gênicas. Como sistemas convencio-nais anaeróbios, os mais utilizados sãoos digestores de lodo, tanques sépti-cos e lagoas anaeróbias. Entre ossistemas de alta taxa, ou seja, aquelesque operam com alta carga orgânica,destacam-se os filtros anaeróbios, rea-tores de manta de lodo, reatores com-partimentados e reatores de leitoexpandido ou fluidificado. A configu-ração mais comum para tratamento deesgoto doméstico, descrita na literaturaespecializada, é de um tanque sépticoseguido de um filtro anaeróbio.

O tanque séptico é um exemplo detratamento em nível primário, no qualos sólidos mais densos são removidosdo seio da solução por sedimentação,ou seja, ficam no fundo do reator, ondeacontece uma série de reações bioquí-micas. Esse material é retido por atéalguns meses para que aconteça a suaestabilização, evidentemente emcondição anaeróbia.

Os filtros anaeróbios são reatorespreenchidos com um material inerte, porexemplo brita, anéis de plástico ebambu, que servem de suporte parafixação da biomassa. O efluente sofredegradação biológica ao ser conduzidopor um fluxo ascendente, e não por purafiltração, como sugere o nome do sis-tema.

Como mostrado na Figura 2 (noteque é o mesmo processo discutido notexto sobre lixo p. 15), o processo dedigestão anaeróbia pode ser divididoem quatro fases bem características:hidrólise, acidogênese, acetogênese emetanogênese. Uma via alternativapode ocorrer, quando na presença desulfato, chamada de sulfetogênese.

Na etapa de hidrólise, as bactériasfermentativas hidrolíticas excretamenzimas para provocar a conversão demateriais particulados complexos emsubstâncias dissolvidas (reações extra-celulares). Na acidogênese, as bacté-rias fermentativas acidogênicas meta-bolizam as substâncias oriundas daetapa anterior até produtos mais sim-ples, tais como ácidos graxos, hidro-gênio, gás carbônico, amônia etc. A fa-se de acetogênese, que ocorre em se-guida, consiste na metabolização dealguns produtos da etapa anterior pelogrupo de bactérias acetogênicas,obtendo-se acetato, dióxido de carbo-no e hidrogênio. Esses últimos produ-tos serão utilizados na metanogênese,evidentemente pelas bactérias meta-nogênicas, para formação do principalproduto da digestão anaeróbia, que éo gás metano, CH4, além de CO2 e H2O.Uma outra etapa que pode ocorrerquando da presença de sulfatos é asulfetogênese, ou seja, formação deH2S no meio, fruto da atuação dasbactérias redutoras de sulfato quecompetem com as metanogênicaspelo mesmo substrato, o acetato.

As reações biológicas de óxido-redução

Uma reação geral (equação 1) quedescreve o mecanismo do metabolis-mo aeróbio de compostos orgânicos,representado por CxHyOz , é a seguinte:

CxHyOz(aq) + ¼(4x + y - 2z)O2(g) →

xCO2(g) + ½(y)H2O(l) (1)

A título de ilustração, é possívelexemplificar a respiração aeróbia utili-zando-se como modelo a molécula deglicose (equação 2), mostrando ape-nas a oxidação de um carboidrato. Éimportante salientar que essa é umarepresentação bem simplificada, e queoutras etapas certamente ocorrem an-tes de se chegar aos produtos finais,

Tanque de aeração

Afluente

Tanque desedimentação

Efluente

Excesso de lodoRecirculação de lodo

Figura 1: Representação simplificada de um sistema de lodo ativado.

Tratamento de esgotos

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ou seja, ao dióxido de carbono e àágua. Essa reação bioquímica podeser realizada por apenas um microor-ganismo, e não necessariamente emvárias etapas por diferentes microorga-nismos.

C6H12O6(aq) + 6O2(aq) → 6CO2(aq)

+ 6H2O(l) + Energia (2)

A energia liberada nesse processode respiração é utilizada para manu-tenção das atividades vitais dos micro-organismos, como por exemplo osprocessos de reprodução, locomoção,biossíntese de moléculas fundamen-tais para sua sobrevivência etc.

Em relação ao metabolismo anae-róbio, como visto anteriormente na Fi-gura 1, a degradação da matéria orgâ-nica é realizada em diversas etapasdistintas e por diferentes espécies de

bactérias. No entanto, pode-se descre-vê-lo simplificadamente por meio deuma equação geral para carboidratos(Equação 3), e como exemplo utilizan-do-se novamente a glicose (Equação4). Neste caso, o carbono aparece en-tre os produtos no seu mais alto estadode oxidação (4+), na molécula de CO2,e em seu estado mais reduzido (4-),na molécula de CH4. A energia resul-tante dessa reação também é utilizadapara os mesmos fins que o processoaeróbio.

CxHyOz(aq) + ¼(4x - y – 2z)H20(l) →

1/8(4x - y + 2z)CO2(aq) +

1/8(4x + y - 2z)CH4(aq) (3)

C6H12O6(aq) → 3CH4(aq)

+ 3CO2(aq) + Energia (4)

Desde o início da degradação damatéria orgânica complexa até os pro-dutos finais (principalmente CH4 eCO2), existe um sintrofismo2 entre asvárias espécies de bactérias, atuandoseqüencial e simultaneamente, ou seja,os produtos de degradação são ossubstratos para uma etapa seguinte.É importante ressaltar que as diversasreações ocorrem concomitantementee em situação de equilíbrio.

Vale a pena destacar que nos pro-cessos aeróbios há uma elevada

Tratamento de esgotos

Orgânicos complexos

Orgânicos simples(açúcares, aminoácidos, peptídios)

Ácidos orgânicos(propionato, butirato etc.)

H2 + CO2 Acetato

CH4 + CO2

H2S + CO2

Hidrólise(bactérias fermentativas)

Acidogênese(bactérias fermentativas)

Acetogênese(bactérias acetogênicas)

Bactérias acetogênicas produtoras de hidrogênio

Bactérias acetogênicas consumidorasde hidrogênio

Metanogênese(bactérias metanogênicas)

Sulgetogênese(bactérias redutoras de sulfato)

Metanogênicas hidrogenotróficas Metanogênicas acetoclásticas

Figura 2: Seqüências metabólicas e grupos microbianos envolvidos na digestão anaeróbia(Fonte: Chernicharo, 1997).

Geração de energia nas reações bioquímicasOs microorganismos que participam da degradação dos diversos

compostos presentes no esgoto são heterotróficos, ou seja, os compostos decarbono são as fontes de energia e alimento que esses seres vivos utilizampara a manutenção de sua atividade biológica. As principais reaçõesbioquímicas que ocorrem para geração de energia são:

Condições aeróbias: degradação de matéria orgânica

C6H12O6 + 6O2 → 6CO2 + 6H2O + Energia

Condições anóxicas: desnitrificação

2NO3- + 2H+ → N2 + 2,5O2 + H2O + Energia

Condições anaeróbias: degradação da matéria orgânica(metanogênese):

CH3COOH → CH4 + CO2 + Energia

4H2 + CO2 → CH4 + 2H2O + Energia (redução de CO2)

Dessulfatação (sulfetogênese):

CH3COOH + SO42- + 2H+ → H2S + 2H2O + 2CO2

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atividade celular. Aproximadamente50% da carga orgânica, suspensa edissolvida, que entra em um sistemade lodo ativado é convertida em bio-massa celular, conhecida como lodobiológico. Esse fenômeno é umasíntese de material celular (fase sólida)a partir de compostos dispersos nomeio líquido (fase líquida), sendopossível considerá-lo uma simplestransferência de fase. É evidente queocorrem modificações moleculares,resultantes de reações bioquímicas detransformação de uma grande parte damatéria orgânica presente no meioaquoso. Além disso, uma parte podeser absorvida e adsorvida sem nenhu-ma modificação em sua estrutura.

Transformações da matéria orgânicanitrogenada

A matéria orgânica normalmentepresente em águas residuais é compos-ta basicamente por carbono, hidrogênio,oxigênio, nitrogênio, fósforo, enxofre eoutros elementos em menor proporção,porém essenciais para a ocorrência dosprocessos biológicos de estabilização3

desse material. O nitrogênio é um doselementos limitantes do crescimentocelular, abundante na natureza e bastan-te importante em sistemas de tratamentode efluentes.

Na biodegradação de aminoácidose proteínas (matéria orgânica nitroge-nada) em processos biológicos de tra-tamento de esgotos ocorre a conversãodestes em compostos mais simplescomo amônia, nitrato, nitrito e nitrogênio

molecular. Esse mecanismo é efetuadoem etapas distintas por grupos diferen-tes de microorganismos. Uma primeiraetapa é a conversão do nitrogênioorgânico em amônia pela ação debactérias heterotróficas sob condiçõesaeróbias ou anaeróbias (Equação 5).

bactérias heterotróficas

Norgânico → NH3 (5)A amônia liberada pode ser oxidada

por bactérias nitrificantes autotróficas.O grupo das bactérias Nitrosomonas,conhecidas como formadoras denitritos, convertem a amônia, necessa-riamente sob condições aeróbias, paranitrito (Equação 6). O nitrito por sua vezé oxidado pelo grupo das bactériasNitrobacter até nitrato (Equação 7).

2NH3(aq) + 3O2(aq) → 2NO2–(aq)

+ 2H+(aq) + 2H2O(l) (6)

2NO2-(aq) + O2(aq) → 2NO3

–(aq) (7)

Uma das formas de remoção de ni-trogênio nos efluentes líquidos é autilização de bactérias heterotróficas

facultativas, que promovem a desnitri-ficação. Esse processo transforma onitrato em gás nitrogênio, sob condi-ções anóxicas4 . Nesse processo énecessária e fundamental a presençade matéria orgânica de fácil degrada-ção, como por exemplo o metanol. Emalguns casos pode haver a remoçãode até 40% do nitrogênio, quandoutilizado esse procedimento. A Equa-ção 8 ilustra esse caso.

6NO3-(aq) + 5CH3OH(l) + 6H+

(aq) →

3N2(g) + 5CO2(aq) + 13H2O(l) (8)

A Equação 8 descreve a reduçãodesassimilatória de nitrito e nitrato, naqual o produto final é um gás inerte,N2, de modo que o nitrogênio orgânico‘desaparece’ e não mais provocará umconsumo de oxigênio em ecossiste-mas aquáticos, em geral os corposd’água receptores.

Na Figura 3 é apresentado o ciclodo nitrogênio, onde são indicados osmecanismos de nitrificação e desnitri-ficação.

Por exemplo, é possível estimar sehouve despejo de esgotodoméstico em um corpoaquático analisando-se asvárias formas do nitrogênio:se o aporte do resíduo foirecente, certamente a maiorfração do nitrogênio totalserá o nitrogênio orgânicoou mesmo na forma deamônia, indicando que amatéria orgânica ainda nãofoi oxidada. No entanto, sefor um lançamento antigo,e evidentemente se o meiofor aeróbio, a espécie maissignificativa, dentre todas,será o nitrato, a forma maisoxidada. Por outro lado, se

Tratamento de esgotos

Processo de biodegradação vs. receptores de elétrons

Presença de O2

Ausênciade O2

Condiçõesaeróbias

Condiçõesanóxicas

Condiçõesanaeróbias

> ZERO

ao redorde ZERO

< ZERO

Redox (mV)

CxHyZz (matéria orgânica)

CO2 / H2O

O2

CO2 / N2

NO3-

CO2 / H2S

SO42-

CO2 / CH4

CO2

Fonte: Von Sperling, 1996.

As formas oxidadas e reduzidas do nitrogênioO nitrogênio pode existir em vários estados de oxidação na natureza, e

todos essas espécies possuem a sua importância ambiental, industrial, biológicaetc. No entanto, em sistemas aquáticos as formas que predominam e que sãoimportantes para avaliação da qualidade da água apresentam número deoxidação 3-, O, 3+ e 5+. Abaixo são mostradas as principais espécies deocorrência natural do nitrogênio, e o seu respectivo estado de oxidação.

(3-) (3-) (0) (1+) (2+) (3+) (4+) (5+)

Norg NH3 N2 N2O NO NO2– NO2 NO3

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uma grande proporção do nitrogênioestiver na forma intermediária deoxidação, o nitrito, isso pode significarque a matéria orgânica encontra-seainda em processo de estabilização.

O acompanhamento das várias for-mas de nitrogênio ao longo de um deter-minado trecho de um rio indica qual acapacidade desse corpo d’água paradegradar e transformar a carga orgânicanitrogenada e, principalmente, a suacapacidade de assimilar determinadasclasses de resíduos líquidos.

Processos físico-químicosEm relação aos processos físico-

químicos, os mais utilizados são acoagulação, a floculação, a decantação,a flotação, a separação por membranas,a adsorção e a oxidação química.

Nas águas residuais existem partí-culas de dimensões muito pequenas,da ordem de 1 µm ou até menores,chamadas de partículas coloidais, quepodem permanecer em suspensão nolíquido por um período de tempo muitogrande. Essa mistura é chamada desuspensão coloidal e comporta-se, em

muitos aspectos, como uma verda-deira solução. Tais partículas possuemnormalmente em sua superfície um re-sidual de carga negativa que faz comque elas interajam com moléculas deágua, permanecendo em suspensão.

A coagulação é um processo ondepartículas que originariamente se apre-sentam separadas são aglutinadaspela utilização de coagulantes, princi-palmente sais de ferro III e alumínio,além de polieletrólitos. Esse processoresulta de dois fenômenos: o primeiroé químico e consiste de reações dehidrólise do agente coagulante, produ-zindo partículas de carga positiva; osegundo é puramente físico e consistede choques das partículas com as im-purezas, que apresentam carga nega-tiva, ocorrendo uma neutralização dascargas e a formação de partículas demaior volume e densidade. A coagula-ção ocorre em um curto espaço detempo, podendo variar de décimos desegundo a um período da ordem de100 s.

A floculação é um processo físicoque ocorre logo em seguida à coagu-

lação e se baseia na ocorrência de cho-ques entre as partículas formadas ante-riormente, de modo a produzir outrasde muito maior volume e densidade,agora chamadas de flocos.

Esses flocos, que são as impurezasque se deseja remover, podem ser se-parados do meio aquoso por meio desedimentação, que consiste na açãoda força gravitacional sobre essaspartículas, as quais precipitam em umaunidade chamada decantador. Umaoutra opção para a retirada dessesflocos do seio da solução é a utilizaçãoda flotação por ar dissolvido, que con-siste na introdução de microbolhas dear que aderem à superfície da partícula,diminuindo sua densidade, trans-portando-a até a superfície, de ondesão removidas. Essa unidade é conhe-cida como flotador.

A adsorção consiste de um fenô-meno de superfície e está relacionadocom a área disponível do adsorvente,a relação entre massa do adsorvido emassa do adsorvente, pH, tempera-tura, força iônica e natureza química doadsorvente e do adsorvido. A adsor-ção pode ser um processo reversívelou irreversível.

Historicamente o carvão ativado(CA) ficou conhecido como o adsor-vente ‘universal’, usado principalmen-te para tratamento de águas residuaiscontendo radionuclídeos e metais. Noentanto, esse adsorvente é notada-mente efetivo para a remoção demoléculas apolares, e é muito utilizadoem tratamento de água de abasteci-mento, para remoção de substânciasque provocam cor e sabor. Predomi-nantemente utiliza-se carvão ativado naforma granular, produzido a partir demadeira, lignita e carvão betuminoso,com área superficial variando de 200a 1.500 m2/g.

A adsorção em alumina ativada(AA) tem sido utilizada na remoção defluoreto, arsênio, sílica e húmus. Esseadsorvente, Al2O3, é preparado emuma faixa de temperatura de 300 a600 oC e apresenta uma área superfi-cial de 50 a 300 m2/g. Na verdade, aadsorção é um fenômeno de troca iôni-ca, e os ânions são mais bem adsorvi-dos em pHs próximos de 8,2 , ou seja,no pHZPC, conhecido como potencialzeta ou isoelétrico. Na faixa de pH de

Tratamento de esgotos

(5+) NO3-

(3+) NO2-

(3-) Norgânico

(0) N2

(3-) NH3

(1-) NH2OH(2+) NO

(1+) N2O

Fixação de nitrogênio

Nitrificação

Redução assimilatóriade nitrato

Redução disassimilatóriade nitratoAssimilação de amônia

Amonificação

Figura 3. Ciclo do nitrogênio (Fonte: Saunders, 1986).

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5 a 8 há uma ordem preferencial deadsorção de ânions: OH- > H2AsO4

- >F- > SO4

2- > Cl- > NO3-. É importante

notar que se o pH do efluente a sertratado for alto (elevada concentraçãode OH-), haverá uma rápida saturaçãodos sítios ativos do adsorvente.

Outros adsorventes naturais têmsido testados, tais como plantas,raízes, bagaço de cana, cabelo, cinzasetc. O aguapé, uma macrófita flutuante,foi muito utilizado para tratamento deefluentes contendo fenol e metais.Esses compostos são adsorvidos emgrande parte nas raízes, e evidente-mente como desvantagens pode-secitar a necessidade de uma renovaçãoperiódica da planta, o aparecimento demosquitos e destino final das plantasutilizadas.

A oxidação química é o processo peloqual elétrons são removidos de uma subs-tância ou elemento, aumentando o seuestado de oxidação. Em termos químicos,um oxidante é uma espécie que recebeelétrons de um agente redutor em umareação química.

Os agentes de oxidação maiscomumente utilizados em tratamentode águas residuais são cloro (Cl2),hipoclorito (OCl–), dióxido de cloro(ClO2), ozônio (O3), permanganato(MnO4

–), peróxido de hidrogênio (H2O2)e ferrato (FeO4

2-). Na desinfecção deáguas de abastecimento, que tambémé uma reação de oxidoredução, osagentes comumente utilizados são Cl2,OCl–, HOCl, ClO2 e O3.

A capacidade de oxidação pode sercomparada pela quantidade de oxigê-nio livre disponível, [O], fornecida porcada um desses agentes oxidantes. NaTabela 1 são apresentadas as semi-reações relativas à formação dessaespécie. Também é mostrado nessa ta-bela o que se define como oxigênioreativo equivalente, uma relação entrequantidade da espécie [O] e de oxi-dante.

Na Tabela 2 é apresentado o poten-cial padrão de cada oxidante, onde éfeita uma comparação de cada umdeles, inclusive em relação ao poten-cial hidrogeniônico do meio, ou seja,em diferentes condições de pH. Comoexemplo, pode-se observar uma gran-de diferença no poder de oxidação nocaso do ácido hipocloroso, ou seja, em

meio ácido a espécie predominante, aforma não dissociada HOCl, possui umpotencial de oxidação bem maior quea espécie iônica OCl– (íon hipoclorito),predominante em meio básico.

Na maioria dos casos, a oxidaçãode compostos orgânicos, embora sejatermodinamicamente favorável (ener-gia livre de Gibbs menor que zero) éde cinética lenta. Assim, a oxidaçãocompleta é geralmente inviável sob oponto de vista econômico.

Uma das grandes vantagens da oxi-dação química comparada a outrostipos de tratamento, como por exemploo processo biológico, é a ausência desubprodutos sólidos (lodo). Os produ-tos finais da oxidação química dematéria orgânica, por exemplo, sãoapenas o dióxido de carbono e a água(Equação 9):

Tratamento de esgotos

Tabela 1: A proporção de oxigênio livre disponível de cada agente oxidante.

Oxigênio reativo equivalente

Mol de [O] pormol de oxidante

1,0

1,0

2,5

1,0

1,0

1,5

1,5

Mol de [O] porkg de oxidante

14,1

19,0

37,0

20,8

29,4

9,5

7,6

Semi-reação

Cl2 + H2O → [O][O][O][O][O] + 2Cl– + 2H+

HOCl → [O][O][O][O][O] + Cl– + H+

2ClO2 + H2O → 5[O][O][O][O][O] + 2Cl– + 2H+

O3 → [O][O][O][O][O] + O2

H2O2 → [O][O][O][O][O] + H2O

2MnO4– + H2O → 3[O][O][O][O][O] + 2MnO2 + 2 OH–

2FeO4-2 + 2H2O → 3[O][O][O][O][O] + Fe2O3+ 4 OH-

Tabela 2 : Potencial padrão de cada agenteoxidante.

Meio reacional

ácido

ácido

básico

ácido

básico

ácido

básico

ácido

ácido

básico

ácido

básico

Eh (V)

1,36

1,49

0,89

1,95

1,16

2,07

1,25

1,72

1,70

0,59

0,74

2,20

Oxidante

Cl2HOCl

ClO2

O3

H2O2

KmnO4

K2FeO4

agente oxidante

MO → CO2 + H2O (9)Na oxidação química de um deter-

minado composto, ou mesmo de umamistura deles, pode ocorrer uma oxi-dação primária, na qual se observa umrearranjo das espécies iniciantes, demodo que a estrutura química é alte-rada, levando a subprodutos que po-dem ser mais ou menos tóxicos queos compostos originais. Quando hou-ver uma conversão das espécies quí-micas originais para subprodutos detoxicidade reduzida, trata-se de umaoxidação parcial. Na oxidação total háuma completa destruição das espéciesorgânicas, ou seja, uma completamineralização.

Os processos de separação pormembranas, tais como osmose rever-sa, ultrafiltração, hiperfiltração, e eletro-diálise, usam membranas seletivaspara separar o contaminante da faselíquida. Essa separação é efetuada porpressão hidrostática ou potencial elé-trico. Nesse processo o contaminantedissolvido (ou solvente) passa atravésde uma membrana seletiva ao tama-nho molecular sob pressão. Ao final doprocesso obtém-se um solvente relati-vamente puro, geralmente água, e umasolução rica em impurezas.

Na hiperfiltração acontece a passa-gem de espécies pela membrana commassa molecular na faixa de 100 a500 g/mol; a ultrafiltração é usada paraseparação de solutos orgânicos commassa molecular variando de 500 até1.000.000 g/mol. A ultrafiltração e ahiperfiltração são especialmente úteis

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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001

para concentrar e separar óleos,graxas e sólidos finamente divididosem água. Também servem para con-centrar soluções de moléculas orgâni-cas grandes e complexos iônicos demetais pesados.

A técnica de separação por mem-branas mais difundida é a osmosereversa (OR). Embora superficialmentesimilar à ultra e hiperfiltração, ela ope-ra por um princípio diferente no qual amembrana é seletivamente permeávelpara a água e não para solutos iôni-cos. Essa técnica utiliza altas pressõespara forçar a permeação do solventepela membrana, produzindo umasolução altamente concentrada emsais dissolvidos. A osmose reversa étradicionalmente utilizada para produ-ção de água para abastecimento a par-tir de água salgada, na separação decompostos inorgânicos, como metaise cianocomplexos, de compostos or-gânicos de massa molecular maior que120 g/mol e de sólidos em concen-tração de até 50.000 mg/L.

A osmose reversa é baseada noprincípio da osmose. Quando duassoluções de concentrações diferentesestão separadas por uma membranasemipermeável, a água flui da soluçãomenos concentrada para a mais con-

centrada. O processo ocorre até quese atinja o equilíbrio. Se uma pressãomaior que a pressão osmótica é apli-cada na solução mais concentrada,observa-se o fenômeno da osmose re-versa, ou seja, a água flui da soluçãomais concentrada para a menos con-centrada. A pressão osmótica que ne-cessita ser vencida é proporcional àconcentração do soluto e à tempe-ratura, e totalmente independente damembrana.

O princípio básico da eletrodiáliseé a aplicação de uma diferença de po-tencial entre dois eletrodos, em umasolução aquosa, separados por mem-branas seletivas a cátions e ânions edispostas alternadamente. Os cátionsmigram em direção ao catodo e osânions em direção ao anodo, produ-zindo fluxos alternados, pobres e ricosem cátions e ânions, separados fisica-mente pelas diferentes membranas.

Alguns estudos em estações de tra-tamento de efluentes líquidos mostramque a eletrodiálise é um método degrande potencial prático e econômicopara remover mais de 50% de com-postos inorgânicos dissolvidos emefluentes que sofreram um pré-trata-mento para remoção de sólidos emsuspensão, os quais provocariam

entupimento ou colmatação das mem-branas. Para uma melhor eficiência deremoção, pode ser preciso que a águaa ser tratada recircule quantas vezesfor necessário para alcançar o níveldesejado de qualidade.

Na Tabela 3 são apresentados osmecanismos de remoção dos compo-nentes poluentes mais utilizados emestações de tratamento de águasresiduais. A maioria deles já foi descritaanteriormente nos processos biológi-cos e físico-químicos.

Legislação ambientalNo território brasileiro, o Conselho

Nacional do Meio Ambiente (CO-NAMA), por meio da Resolução n. 20,de 18 de junho de 1986, estabelece ospadrões de qualidade de corpos aquá-ticos, bem como de lançamentos deefluentes. As águas residuais, apóstratamento, devem atender aos limitesmáximos e mínimos estabelecidos pelareferida resolução, e os corpos d’águareceptores não devem ter sua quali-dade alterada.

É importante salientar que é possí-vel utilizar a legislação específica de ca-da estado, desde que a mesma sejamais restritiva que a federal. Neste tra-balho será abordada apenas a legis-

Tratamento de esgotos

Dimensões

Maiores dimensões(maiores que ~1 cm)

Dimensões intermediárias(maiores que ~0,001 mm)

Dimensões diminutas(menores que ~0,001 mm)

Dimensões superiores a~0,001 mm

Dimensões inferiores a~0,001 mm

Retenção de sólidos com dimensões superiores aoespaçamento entre barras

Separação de partículas com densidade superior àdo esgoto

Retenção na superfície de aglomerados de bactériasou biomassa

Separação de partículas com densidade superior àdo esgoto

Retenção na superfície de aglomerados de bactériasou biomassa

Utilização pelas bactérias como alimento, comconversão a gases, água e outros compostos inertes

Retenção na superfície de aglomerados de bactériasou biomassa

Utilização pelas bactérias como alimento, comconversão a gases, água e outros compostos inertes

Radiação do sol ou artificial

Temperatura, pH, falta de alimento, competição comoutras espécies

Adição de algum agente desinfetante, como o cloro

Gradeamento

Sedimentação

Adsorção

Sedimentação

Adsorção

Estabilização

Adsorção

Estabilização

Radiação ultra-violeta

Condições ambientaisadversas

Desinfecção

Tabela 3: Principais mecanismos de remoção de poluentes no tratamento de esgotos.

Poluente

Sólidos

Matériaorgânica

Organismostransmissoresde doenças

Fonte: Barros et. al., 1995.

Principais mecanismos de remoção

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lação federal, da qual alguns artigosserão transcritos integralmente e outrosapenas citados e comentados.

Segundo a concentração de sais,as águas são classificadas, de acordocom o artigo 2o, em águas doces(salinidade ≤ 0,05%), águas salobras(0,05% < salinidade < 3%) e águassalinas (salinidade ≥ 3%).

Na Tabela 4 são apresentados osprincipais padrões de qualidadereferentes às diferentes classes doscorpos d’água, e a título de ilustraçãoe comparação, também são apresen-tados os padrões de lançamento,descritos no artigo 21°. O ideal é quequalquer tipo de disposição de efluen-

Tratamento de esgotos

A classificação das águas pelo 1o artigo da resolução CONAMA n. 20/1986

Águas docesI- Classe Especial – águas destinadas: a) ao abastecimento sem prévio

tratamento ou com simples desinfecção; b) à preservação do equilíbrio naturaldas comunidades aquáticas.

II - Classe 1 – águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico após trata-mento simplificado; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à recreaçãode contato primário (natação, esqui aquático e mergulho); d) à irrigação dehortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvem rentesao solo e que são ingeridas cruas sem remoção de película; e) à criaçãonatural e/ou intensiva (aquicultura) de espécies destinadas à alimentação hu-mana.

III - Classe 2 – águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico, apóstratamento convencional; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à re-creação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho); d) à irrigaçãode hortaliças e plantas frutíferas; e) à criação natural e/ou intensiva (aquicultura)de espécies destinadas à alimentação humana.

IV - Classe 3 – águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico, apóstratamento convencional; b) à irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas eforrageiras; c) à dessedentação de animais.

V - Classe 4 – águas destinadas: a) à navegação; b) à harmonia paisagística;c) aos usos menos exigentes.

Águas salinasVI - Classe 5 – águas destinadas: a) à recreação de contato primário; b) à

proteção das comunidades aquáticas; c) à criação natural e/ou intensiva (aqui-cultura) de espécies destinadas à alimentação humana.

VII - Classe 6 – águas destinadas: a) à navegação comercial; b) à harmoniapaisagística; c) à recreação de contato secundário.

Águas salobrasVIII - Classe 7 – águas destinadas: a) à recreação de contato primário; b) à

proteção das comunidades aquáticas; c) à criação natural e/ou intensiva(aquicultura) de espécies destinadas à alimentação humana.

IX - Classe 8 – águas destinadas: a) à navegação comercial; b) à harmoniapaisagística; c) à recreação de contato secundário.

tes líquidos primeiramente deva aten-der ao próprio padrão de lançamento(art. 21°) e ao mesmo tempo não pro-vocar alteração na classe (padrões dequalidade, art. 4° a 11°) do corpod’água receptor, conforme descrito noart. 19°.

O padrão de lançamento de efluen-tes pode ser excedido desde que ospadrões de qualidade dos corposd’água sejam mantidos e desde quehaja autorização do órgão fiscalizadorestadual, resultante de estudos de im-pacto ambiental. É muito importantesalientar que não é permitida a diluiçãode águas residuais com águas deabastecimento, água de mar e água

de refrigeração (art. 22°), com objetivode atender aos padrões de lança-mento.

A origem da água residual a ser tra-tada pode ser doméstica, industrial ouuma mistura de ambas. O nível de tra-tamento desejado ou exigido por lei de-pende das características do próprioesgoto e do padrão de lançamento, oumesmo se a água residual tratada forreutilizada. De um modo geral, o quese deseja remover das águas residuaisé matéria orgânica, sólidos em suspen-são, compostos tóxicos, compostosrecalcitrantes, nutrientes (nitrogênio efósforo) e organismos patogênicos.

Dependendo da concentração e dotipo do composto poluente, é neces-sária a utilização de diversos níveis detratamento para atingir o grau de depu-ração desejado ou exigido. Usual-mente, os níveis de tratamento sãoclassificados em primário, secundárioe terciário. Na Tabela 5 esses níveis sãodescritos de forma resumida, mos-trando as suas principais caracte-rísticas e objetivos quanto à necessi-dade de aplicação.

Principais parâmetros de interessesanitário e ambiental

As normas para classificação decorpos aquáticos, bem como paralançamentos de efluentes líquidostratados, envolvem uma série deparâmetros de interesse sanitário eambiental, que devem ser monitoradose atendidos. A seguir serão apresen-tados os parâmetros comumente ava-liados em ambientes aquáticos e emestações de tratamento de águasresiduais, tanto na entrada como nasaída desses locais.

Os principais fatores que influen-ciam o pH e suas variações na águasão as proporções de espécies carbo-natadas, a presença de ácidos disso-ciáveis, constituição do solo, decom-posição da matéria orgânica, esgotosanitário, efluentes industriais, tribu-tários5 e solubilização dos gases daatmosfera. Vários vegetais e animaissão responsáveis por processos comoa fotossíntese e a respiração, queaumentam ou diminuem o pH daságuas. Em relação a processos detratamento de águas, essa variávelafeta a coagulação química, a desidra-

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tação do lodo, a desinfecção, a oxida-ção química, as reações de amoleci-mento de águas e o controle de corro-são. Em relação aos processos bioló-gicos de tratamento de efluentes, o pHé de fundamental importância nasreações bioquímicas, como por exem-plo em processos de tratamento deefluente anaeróbio, no qual o pH deveficar na faixa de 6,8 a 7,2 para que aeficiência do processo seja ideal. Umaelevada concentração de íons H+

(baixo valor de pH) pode diretamenteprovocar fitotoxicidade causada pelaprópria concentração deste íon, ouindiretamente pela liberação de metaispresentes no solo, ou sedimento, paraa solução, disponibilizando-os. Nosolo, o exemplo clássico se refere aoíon alumínio, Al3+. Em relação ao sedi-mento, além do alumínio, outros metaissão normalmente liberados para acoluna d’água, incluindo os metaispesados, Cd2+, Hg2+ e Pb2+, que sãobastante tóxicos.

Muitas espécies de organismosaquáticos não têm chance de sobrevi-vência em águas com baixos níveis deoxigênio dissolvido (OD). Por outrolado, para uma parcela significativa deorganismos o oxigênio é extremamentetóxico, denominados de microorga-nismos estritamente anaeróbios, quesão tão importantes na estabilizaçãoda matéria orgânica e no equilíbrioecológico, quantos os microrganismos

Tratamento de esgotos

Tabela 4: A inter-relação entre os principais padrões de qualidade das diversas classes decorpos d’água (água doce) e padrão de lançamento.

Parâmetro Unidade Padrão para corpo d’água Padrão deClasse lançamento

1 2 3 4

Cor uH(1) 30 75 75 - -Turbidez uT(2) 40 100 100 - -Sabor e odor - VA VA VA - -Temperatura ºC - - - - < 40Materiais flutuantes - VA VA VA VA ausenteÓleos e graxas - VA VA VA (5) (6)Corantes artificiais - VA VA VA - -Sólidos dissolvidos mg/L 500 500 500 - -Cloretos mg/L 250 250 250 - -pH - 6 a 9 6 a 9 6 a 9 6 a 9 5 a 9DBO(4) mg/L 3 5 (7) 10 (7) - 60 (8)

OD(3) mg/L 6 5 4 2 -Amônia mg/L 0,02 (9) 0,02 (9) - - 5,0 (9)

Coliformes totais org./100 mL 1.000 5.000 20.000 - -Coliformes fecais org./100 mL 200 1.000 4.000 - -Regime de lançamento - - - - - (10)

Fonte: Barros et. al., 1995, (modificada).VA: virtualmente ausente. (1): 1 uH (unidade Hazen) é equivalente à cor produzida por 1mg K2PtCl6/L (1 mg de cloroplatinato de potássio por litro). (2): 1 uT (unidade de turbidez)é equivalente à turibez produzida por 1 mg SiO2/L (1 mg de óxido de silício por litro). (3):oxigênio dissolvido: é a quantidade de oxigênio gasoso (O2) presente na água. (4): Demandabioquímica de oxigênio é definida como a quantidade de oxigênio necessária para aestabilização biológica da matéria orgânica, sob condições aeróbias e controladas (períodode 5 dias e 20 °C). (5): toleram-se efeitos iridescentes (que dão as cores do arco-íris). (6):minerais: 20 mg/L; vegetais e gorduras animais 50 mg/L. (7): estes valores podem serultrapassados quando na existência de casos de estudo de autodepuração do corpo d’águaindiquem que a OD deverá estar dentro dos padrões estabelecidos quando da ocorrênciade condições críticas de vazão (média das mínimas de 7 dias consecutivos em 10 anos derecorrência). (8): pode ser ultrapassado caso a eficiência do tratamento seja superior a85%. (9): padrão do corpo receptor: amônia (NH3); padrão de lançamento: amônia total(NH3 + NH4

+). (10): a vazão máxima deverá ser 1,5 vez a vazão média do período deatividade no agente poluidor.

Poluentesremovidos

Eficiênciade remoção

Tipo detratamentopredominanteCumpre o padrãode lançamento?Aplicação

Terciário

• Matéria orgânica suspensae dissolvida

• Compostos inorgânicosdissolvidos• Nutrientes

• Patogênicos: próximo a100%

• Nutrientes: 10 a 95%• Metais pesados: próximo a

100%• Físico-químico• BiológicoSim

Tratamento mais refinado eeficiente para produzir umefluente de melhor qualidade

Secundário

• Sólidos não sedimentáveis• Matéria orgânica não

sedimentável• Eventualmente nutrientes

• Matéria orgânica: 60 a 99%• Patogênicos: 60 a 99%

Biológico

Usualmente sim

Tratamento mais completo(para matéria orgânica)

Primário

• Sólidos sedimentáveis• Matéria orgânica sedi-

mentável

• Sólidos suspensos: 60 a70%

• Matéria orgânica: 30 a40%

• Patogênicos: 30 a 40%Físico

Não

Tratamento parcialEtapa intermediária detratamento mais completo

Preliminar

Sólidos grosseiros

Físico

Não

Montante deelevatóriaEtapa inicial detratamento

Nível de tratamento

Tabela 5: Características dos níveis de tratamento dos esgotos.

Fonte: Barros et. al., 1995 (modificado).

Item

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aeróbios. A degradação da matériaorgânica provoca o consumo de oxi-gênio presente na água (Equação 10).Muitas das mortandades de peixes nãosão causadas diretamente pela pre-sença de compostos tóxicos, e sim peladeficiência de oxigênio resultante dabiodegradação da matéria orgânica.

microorganismos

{CH2O} + O2 → CO2 + H2O (10)Além da oxidação de matéria

orgânica mediada por microorganis-mos, também o oxigênio pode ser con-sumido pela biooxidação de compos-tos orgânicos nitrogenados (Equação11), assim como por reações químicasou bioquímicas de substâncias poten-cialmente redutoras presentes na água(equações 12 e 13).

NH4+

(aq) + 2O2(aq) → 2H+(aq)

+ NO3-(aq) + H2O(l) (11)

4Fe2+(aq) + O2(aq) + 10H2O(l) →

4Fe(OH)3(S) + 8H+(aq) (12)

2SO32-

(aq) + O2(aq) → 2SO42-

(aq) (13)

A atmosfera, que contém cerca de21% de oxigênio, é a principal fonte dereoxigenação de corpos d’água, pormeio da difusão do gás na interfaceágua/ar. O oxigênio também pode serintroduzido pela ação fotossintéticadas algas. No entanto, a maior partedo gás oriundo dessa última fonte éconsumido durante o processo derespiração, além da própria degrada-ção de sua biomassamorta.

A demanda bio-química de oxigênio(DBO) é definida co-mo a quantidade deoxigênio necessáriapara a estabilizaçãoda matéria orgânicadegradada pela açãode bactérias, sob con-dições aeróbias econtroladas (períodode 5 dias a 20 °C). Basicamente, ainformação mais importante que esseteste fornece é sobre a fração doscompostos biodegradáveis presentesno efluente. Muito importante, inclusive,para trabalhos de tratabilidade deáguas residuais. O teste de DBO émuito usado para avaliar o potencial

de poluição de esgotos domésticos eindustriais em termos do consumo deoxigênio. É uma estimativa do grau dedepleção de oxigênio em um corpoaquático receptor natural e em condi-ções aeróbias. O teste também é utili-zado para a avaliação e controle depoluição, além de ser utilizado parapropor normas e estu-dos de avaliação dacapacidade de purifi-cação de corpos re-ceptores de água. ADBO pode ser con-siderada um ensaio,via oxidação úmida, noqual organismos vivosoxidam a matéria orgâ-nica até dióxido de carbono e água.Há uma estequiometria entre a quanti-dade de oxigênio requerida paraconverter certa quantidade de matériaorgânica para dióxido de carbono,água e amônia, o que é mostrado naseguinte equação generalizada:

CaHbOcN(aq) + a02(aq) → aCO2(aq)

+ cH2O(l) + NH3(aq) (14)

A demanda química de oxigênio(DQO) é uma análise para inferir o con-sumo máximo de oxigênio para degra-dar a matéria orgânica, biodegradávelou não, de um dado efluente após suaoxidação em condições específicas.Esse ensaio é realizado utilizando-seum forte oxidante, ou seja, o dicromatoem meio extremamente ácido e tempe-ratura elevada. O valor obtido indica o

quanto de oxigênio umdeterminado efluentelíquido consumiria deum corpo d’água re-ceptor após o seulançamento, se fossepossível mineralizartoda a matéria orgâ-nica presente, de mo-do que altos valores deDQO podem indicarum alto potencial po-

luidor. Esse teste tem sido utilizadopara a caracterização de efluentes in-dustriais e no monitoramento de esta-ções de tratamento de efluentes emgeral. A duração desse ensaio é deaproximandamente 3 horas.

Um outro ensaio que atualmentevem sendo bastante utilizado para

avaliação do conteúdo orgânico emáguas é o carbono orgânico total(COT). Esse teste fornece a quantidadede carbono orgânico presente em umaamostra, sem distinção se a matériaorgânica é biodegradável ou não. Nes-ta análise, o dióxido de carbono (CO2)é quantificado após a oxidação da

amostra em um fornoa alta temperatura(entre 680 e 900 °C),na presença de umcatalisador e oxigê-nio. Outra opção é adegradação da maté-ria orgânica utilizan-do-se um forte oxi-dante em meio ácido

sob a presença de luz ultravioleta. Otempo de duração do teste varia de 2a 10 minutos.

Os principais nutrientes encontradosnas águas são o nitrogênio e o fósforo,e possuem importante papel nosecossistemas aquáticos, atuando comofatores limitantes de crescimento ereprodução das comunidades e respon-sáveis pelos processos de eutrofizaçãoe alteração de seu equilíbrio dinâmico.As fontes de nitrogênio e de fósforopodem ser naturais ou antrópicas.

As fontes principais de nitrogêniosão a atmosfera, a precipitação pluvio-métrica, o escoamento superficial, orevolvimento de sedimento de fundo,esgoto sanitário, efluentes industriais,erosão, queimadas, decomposição,lise celular e excreção.

Em relação às fontes de fósforonaturais, as principais são os proces-sos de intemperismo das rochas edecomposição da matéria orgânica. Jáas artificiais consistem de efluentesindustriais, esgotos sanitários e fertili-zantes. É importante ressaltar aindaque os sabões e detergentes são osmaiores responsáveis pela introduçãode fosfatos nas águas.

A presença ou ausência dessesnutrientes pode ser benéfica ou não. Emestuários, a presença excessiva denitrogênio pode provocar um aumentona população de organismos aquáticos.O mesmo ocorre em lagos, quando doaumento da concentração de fósforo. Ocrescimento exagerado da populaçãode algas em águas doces decorre daelevada concentração de nutrientes, um

Tratamento de esgotos

A demanda química deoxigênio (DQO) é umaanálise para inferir oconsumo máximo de

oxigênio para degradar amatéria orgânica,

biodegradável ou não, deum dado efluente após sua

oxidação em condiçõesespecíficas

A demanda bioquímicapor oxigênio (BDO) podeser considerada em ensaio,

via oxidação úmida, noqual organismos vivos

oxidam a matéria orgânicaaté dióxido de carbono e

água

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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001

fenômeno bastante comum em lagos ereservatórios. Freqüentemente há umadepleção de oxigênio em corpos aquá-ticos resultante da oxidação da biomas-sa formada por algas mortas. O ambien-te anaeróbio é fatal para muitos organis-mos. Mais detalhes sobre o processode eutrofização podem ser encontradosno artigo As águas do planeta Terra (p.35).

A remoção de amônia, nitrato e nitri-to das águas residuais nas estaçõesde tratamento de esgotos (ETE) éimportante, pois são compostos queproduzem efeitos deletérios à saúdetanto dos organismos presentes noscorpos d’água como aos seres huma-nos consumidores de água de abaste-cimento oriundas de manancias super-ficiais e subterrâneos. Concentraçõesde amônia acima de 0,25 mg/L afetamo crescimento de peixes e na ordemde 0,50 mg/L são letais. Já o nitrato,quando ingerido, é reduzido a nitrito notrato intestinal e ao entrar na correntereage com a hemoglobina, conver-tendo-a em meta-hemoglobina, molé-cula que não possui a capacidade detransportar oxigênio. Além disso, onitrato ingerido pode ser convertido anitrosaminas, composto cancerígeno.

Os organismos patogênicos, taiscomo bactérias, vírus, vermes e proto-zoários, são os principais causadoresde doenças de veiculação hídrica eaparecem na água, normalmente, embaixa concentração e de forma intermi-tente. O isolamento e detecção de umpatógeno tem um custo elevado e emmédia o teste leva 6 dias para obten-ção do resultado;um tempo muitolongo para qualquer tomada de deci-são.

O exame bacteriológico mais co-mum para avaliação da qualidade mi-crobiológica de águas consiste dadeterminação de bactérias do grupocoliforme. As bactérias do grupocoliforme, em geral, mostram-se maisresistentes que as patogênicas, emrelação aos processos naturais dedepuração e à ação de desinfetantes.Portanto, se em uma amostra nãoforem encontrados coliformes, certa-mente os patógenos não estarãopresentes, pelo menos em quantidadesignificativa. Por outro lado, se forencontrado bactérias do grupo colifor-

Tratamento de esgotos

mes, há um risco de se encontrar ostais organismos infectantes ou causa-dores de doenças. Infelizmente, exis-tem algumas exceções, como os cistosdo agente da disenteria amebiana, quesão muito mais resistentes que oscoliformes.

O grupo coliforme é dividido embactérias fecais (ou intestinais) e nãofecais. As primeirasvivem e se multipli-cam no trato digestivode animais de sanguequente (mamíferos eaves) e são elimina-das junto com as fe-zes. As não fecais sãoencontradas normal-mente no solo.

Há dois subgru-pos de coliformes. Os coliformes totaissão formados pelos gêneros Escheri-chia coli, Citrobacter spp, Enterobacterspp e Klebsiella spp. Os coliformesfecais, pelos gêneros: Escherichia colie Klebsiella t.t. A identificação destessubgrupos é realizada utilizando-sediferentes meios de cultura, ou seja,para os totais é utilizado um meio deamplo espectro, enquanto para osfecais o meio é necessariamenteseletivo.

Considerações finaisDados recentes mostram que na

região metropolitana de São Paulo(RMSP), apenas 17% de todas asindústrias tratam de alguma forma seusefluentes (Água na boca, 2000). Certa-mente esse valor deve ser bem menorquando se considera todo o territórionacional.

Em relação ao tratamento de esgo-to sanitário, principalmente aquelesgerados nas residências, muito poucodo total coletado em todo o país recebealgum processo de depuração, mes-mo que em nível primário. Portanto,grande parte desse efluente in naturaatinge os cursos d’água, caracteri-zando-se no maior problema de po-luição aquática (Alves, 1992).

No nosso país, aproximadamente60% dos pacientes internados em hos-pitais estão com alguma doença cujaorigem é de veiculação hídrica, e esti-mativas apontam que se houvesseuma política de aplicação de verbas em

saneamento básico, ou seja, trata-mento de água para abastecimento ede esgotos, haveria uma economiasignificativa em gastos com saúde.Segundo o IBGE (1997), no ano de1996 aproximadamente 74,2% e 40,3%dos domicílios brasileiros dispunhamde água tratada e rede coletora de es-goto, respectivamente. Esses números

indicam que uma gran-de parcela da popu-lação não tem acessoà água encanada e aosaneamento básico.Nesse sentido, polí-ticas sérias de investi-mentos nessas áreassão de fundamentalimportância para asaúde pública.

É sempre importante ressaltar quea água é uma riqueza de quantidade equalidade limitada, sendo necessárioque se faça um uso racional dessebem. A necessidade do tratamento deáguas residuárias com o objetivo decontrole de poluição promove umamelhoria na qualidade dos corposaquáticos e de águas destinadas aoabastecimento público, além da redu-ção da poluição ambiental.

O desperdício de água e a utiliza-ção de tecnologias inadequadas, ultra-passadas e ineficientes pelo setorindustrial, são práticas que devem sercombatidas por meio da otimização e/ou substituição de processos, e mes-mo pela própria conscientização dapopulação, além da ação importantedos órgãos fiscalizadores.

O tratamento, o reuso e a dispo-sição adequada de águas servidas sãoprocedimentos que visam minimizar osefeitos e as conseqüências indesejá-veis ao ambiente. No entanto, antes dese encontrar a solução tecnológicamais adequada para amenizar tais efei-tos e conseqüências, a pergunta quedeve ser feita para todos os setores dapopulação é a seguinte: Será que énecessário gerar determinado volumee tipo de efluente, para que depois omesmo seja tratado?

Notas1. Biooxidar (oxidação biológica):

processo em que os organismos vivos,em presença ou não de oxigênio, por

As bactérias do tipocoliforme, em geral,

mostram-se mais resistentesque as patogênicas. Se emuma amostra não foremencontrados coliformes,certamente os patógenosnão estarão presentes emquantidade significativa

Page 12: José Roberto Guimarães e Edson Aparecido Abdul Nour · José Roberto Guimarães e Edson Aparecido Abdul Nour Neste artigo é descrita a situação atual de tratamento de águas

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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001Tratamento de esgotos

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Para saber maisAZEVEDO-NETTO, J.M. et al. Técnica de

abastecimento e tratamento de água. v. 2,

Uma boa leituraA obra Lixo municipal – manual de

gerenciamento integrado do IPT (Insti-tuto de Pesquisas Tecnológicas) e doCEMPRE (Compromisso Empresarialpara Reciclagem) apresenta uma abor-dagem sobre o gerenciamento dosresíduos sólidos no Brasil. Escrita poruma equipe técnica de especialistas daárea, trata-se de uma publicação queaborda aspectos fundamentais para adefinição de políticas públicas, ativida-des de treinamento técnico e educa-ção ambiental, investimentos em no-vas tecnologias e, ainda, a reestrutu-ração jurídica e financeira da atividadede tratamento e disposição final do lixo.Sua linguagem direta e acessível podeatender às necessidades das prefei-turas municipais, organizações não-governamentais e a todos que tenhaminteresse em exercer a sua cidadaniaem favor do meio ambiente e da quali-

meio da respiração aeróbia ou anae-róbia, convertem matéria orgânicapresente na água residuária em subs-tâncias mais simples.

2. Sintrofismo: é um fenômeno queenvolve a troca de nutrientes entre duasespécies de organismos, na qual cadaum recebe benefícios dessa asso-ciação.

3. Estabilização: tem o mesmo sen-

tido de oxidação biológica.4. Em condições anóxicas, ou seja,

Eh ao redor de zero, na ausência deoxigênio molecular, ocorre o processode desnitrificação.

5. Tributário: nesse caso refere-sea outros corpos d’água que atuam co-mo afluentes do corpo d’água princi-pal.

José Roberto Guimarães ([email protected]),bacharel em química, doutor em ciências pelaUNICAMP, especialista em química ambiental/sanitária,é docente da Faculdade de Engenharia Civil daUniversidade Estadual de Campinas, UNICAMP. EdsonAparecido Abdul Nour ([email protected]. br),engenheiro de alimentos e tecnólogo em saneamento,doutor em recursos hídricos e saneamento pela USP,especialista em tratamento de águas residuárias, édocente da Faculdade de Engenharia Civil daUniversidade Estadual de Campinas, UNICAMP.

Resenha

dade de vida da sociedade em queestá inserido.

O livro é dividido em sete capítulose anexos, cobrindo extensamente as-pectos sobre reciclagem de materiais(orgânico, plástico, papel, vidro e me-tais). Para professores e estudantes,além da capacidade de abordar aquestão dos resíduos de forma crítica,o texto também coloca à disposiçãotabelas, gráficos e muitas ilustraçõesque contribuem perfeitamente para aanálise dos temas associados ao ge-renciamento do lixo urbano. Em um deseus anexos, encontra-se a relação deentidades e associações governamen-tais e não-governamentais, que pecapor não fornecer o endereço na Web.

Lixo municipal é referência obrigató-ria para aqueles que se ocupam daeducação ambiental, especialmenteprofessores comprometidos com acontextualização da química em qual-quer nível de ensino.

Lixo municipal – manual de geren-ciamento integrado. Organizadores:Maria Luiza Otero D’Almeida e AndréVilhena. Segunda edição, São Paulo:IPT/CEMPRE, 2000 (Publicação IPT2622).