jornalismo pós-massivo

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As novas formas e experiências da informação contra-hegemônica no Brasil

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Page 1: Jornalismo Pós-Massivo
Page 2: Jornalismo Pós-Massivo

Copyright 2016 © by Bibiana Alcântara Garrido

Preparação do texto

Bibiana Alcântara Garrido

Revisão

Bibiana Alcântara Garrido e Antônio Francisco Magnoni

Produção editorial

Bibiana Alcântara Garrido

Arte

Capa: Carolina Ito

Fotografia: Bibiana Alcântara Garrido

Projeto gráfico e diagramação: Bibiana Alcântara Garrido

Garrido, Bibiana Alcântara. Jornalismo Pós-Massivo – As novas formas e experiências da informação contra-hegemônica no Brasil / Bibiana Alcântara Garrido, 2015. 70f. Orientador: Prof. Dr. Antônio Francisco Magnoni Livro-reportagem (Graduação) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2015. 1. Jornalismo alternativo. 2. Internet. 3. Comunicação. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título.

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Page 4: Jornalismo Pós-Massivo

Sumário

Agradecimentos .......................................................................... 5

Apresentação............................................................................... 6

Jornalismo, direita e esquerda ................................................. 12

A experiência digital ..................................................................31

Mídias, mudanças, comunicações ............................................ 46

O desenvolvimento dos meios analógicos no Brasil............. 50

Hegemonia e contra-hegemonia na comunicação ............... 55

Os movimentos sociais em rede ................................................ 63

Referências ................................................................................ 89

Page 5: Jornalismo Pós-Massivo

[ 6 ]

Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais. Por todo o seu

esforço e trabalho que por anos possibilitou a mim e ao meu irmão o

estudo em boas instituições em ensino. Agradeço aos meus pais por

esse caminho que levou aos seus dois filhos a oportunidade de cursar

uma universidade pública.

Ao meu irmão, que ingressa na faculdade quase que ao mesmo

tempo em que saio, agradeço pela companhia nas tardes e

madrugadas na sala de estar, enquanto eu tentava concluir as frases

finais deste livro-reportagem.

Agradeço aos meus avós, que lá do Mato Grosso do Sul

sempre se fizeram presentes e apoiadores na minha formação, desde a

primeira vez em que quis ser jornalista.

Agradeço ao meu orientador que me acompanhou desde o

início, à Fapesp pelo fomento da pesquisa que se tornou livro, e à

Unesp, que foi onde tudo isso aconteceu.

Aos rostos e sorrisos que me acompanharam nesses quatro

anos de faculdade, vocês fizeram desta uma experiência maravilhosa,

cheia de aprendizado, de alegrias e tristezas, de fins e de recomeços, e,

acima de tudo, cheia de amor.

Os bares de fim de semana – de dia de semana e depois da

aula também – as festas de república, as viagens, os planejamentos de

viagens que ainda não aconteceram (olha lá, hein?). Uma conversa no

corredor, um olhar de risada. Um abraço, um beijo. Aquele futebol

feminista de segunda e quarta. Levo tudo comigo.

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 6 ]

Apresentação

Poderíamos definir a internet como uma plataforma digital de

alcance mundial, e que reúne em sua intangível e potente teia de bits a

incrível capacidade trafegar dados em incontáveis canais simultâneos.

Dados que são capazes de difundir imensos volumes de mensagens

escritas, sonoras, imagéticas e audiovisuais. Além disso, a internet é

capaz de realizar uma proeza impossível para qualquer veículo da era

analógica: manter usuários conectados em suas redes e com acesso

contínuo aos diversos fluxos e tipos de informações. Ou seja, cada

internauta pode receber e enviar mensagens em tempo real, conforme

as suas demandas e disponibilidade de tempo. A internet é, acima de

tudo, um sistema informático de transmissão de dados binários, um

veículo público com fluxos multilaterais e instantâneos.

A maioria das sociedades atuais está cada vez mais

dependente dessa nova rede conectiva, das ferramentas e dos

dispositivos multimidiáticos – estes, produzidos pela evolução da

pesquisa científica, das tecnologias digitais e pelas acirradas disputas

comerciais que movem o mercado informático. Os sistemas virtuais e

as redes sociais do ciberespaço têm servido como ambientes e

ferramentas laborais bastante aptas para realizar inúmeros tipos de

atividades produtivas, individuais e grupais, simbólicas e materiais.

O alcance mundial da internet como “teia informática”

favorece, de modo nunca visto e pensado na história, a interação

humana e as diversas formas de relações interpessoais. É uma lástima

que a ferramenta mais potente, versátil e abrangente produzida pelo

conhecimento científico contemporâneo e por suas tecnologias

avançadas, tenha sido concebida como um instrumento militar, para

inicialmente atender aos objetivos táticos da Guerra Fria, na segunda

metade do século 20. É por isso que a produção de plataformas

informáticas permanece majoritariamente controlada pelas grandes

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 7 ]

potências capitalistas e por suas corporações transnacionais. O

objetivo? Conservar todas as formas hegemônicas de controle das

sociedades contemporâneas, nos planos econômico, político, cultural,

ideológico e militar.

A internet serviu primeiramente, nos anos 1970, aos sistemas

de automatização de produção industrial de bens materiais. Foi a

partir do desenvolvimento dos primeiros consoles de videogames e da

comercialização dos microcomputadores pessoais, que a informática

alcançou os diversos setores de produção simbólica. O entretenimento

e o consumo de massa, que são instrumentos especializados de

alienação, passaram a adquirir, com as redes e os dispositivos digitais,

abrangência infinitamente maior que os veículos e os produtos

comunicacionais produzidos na “era analógica”.

A partir dos meados da década de 1990, a internet comercial

tornou-se essencial para a consolidação da globalização financeira.

Iniciada com duros ajustes ultraliberais nos Estados e nas economias

nacionais da Inglaterra, França, Espanha, Portugal, Itália, Grécia e

também dos Estados Unidos, lançou os demais países do continente

americano em meio ao furacão neoliberal. A expansão da rede

mundial de computadores facilitou de maneira alarmante a criação de

sistemas de controle social com o uso de instrumentos de espionagem,

prática ilegal adotada principalmente pelos Estados Unidos e os seus

aliados estratégicos. Casos como o do analista de sistemas Edward

Snowden, que denunciou o sistema de vigilância global da Agência de

Segurança Nacional dos EUA, e da organização Wikileaks, que publica

informações confidenciais vazadas de governos e/ou empresas, são

exemplos de como o ativismo pela internet tenta quebrar aos poucos a

hegemonia desses grupos.

É por esta razão, que uma das principais intenções deste livro

é analisar as novas iniciativas que poderão conduzir a produção

jornalística pela internet, apesar dos perigos e contradições presentes

na rede e para além da difusão de conteúdos informativos com

finalidades meramente consumistas, ideológicas e mercadológicas. É

preciso pensar mais detidamente e de maneira assertiva e crítica, nas

Page 8: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 8 ]

verdadeiras funções sociais, políticas e culturais do jornalismo no

momento de predomínio comunicacional das redes sociais, e de

agravamento da crise dos modelos de sustentação econômica do

jornalismo comercial.

O jornalismo é um legado da modernidade liberal, um antigo

arranjo profissional que foi sendo moldado para captar anunciantes e

viabilizar a apuração e a publicação de informações de utilidade

pública e também de interesse dos setores dominantes. Na lógica das

sociedades democráticas, notícias, notas e reportagens da “imprensa

livre” deveriam servir primeiramente para informar e formar cidadãos

conscientes, muito mais do que consumidores iludidos, como acabou

ocorrendo durante toda a “era moderna”, com os meios comerciais de

informação e de entretenimento.

Jornalistas críticos, organizações de trabalhadores rurais e

urbanos, movimentos sociais, organizações não governamentais,

militantes intelectuais e artísticos e tantos outros segmentos da

sociedade civil têm buscado, em contrapartida, realizar uma

interlocução coletiva e participar também da formação de opinião

pública. Desde o início da internet, esta multiplicidade de atores

utiliza de modo crescente os canais e ferramentas de comunicação que

estão disponíveis na internet para desenvolver alternativas à

comunicação brasileira. Experimentos que acumulam conhecimentos

diversificados e amadurecem novas possibilidades autenticamente

coletivas, plurais e públicas de comunicação contra-hegemônica.

Este livro-reportagem, resultado de uma pesquisa de iniciação

científica que começou em 2013 com a análise da produção noticiosa

acerca das Jornadas de Junho, estuda as alternativas construídas pelo

jornalismo que está fora do status quo. Os desdobramentos dos fatos e

das coberturas jornalísticas que foram o objetivo central da pesquisa

não poderiam, de forma alguma, escapar à nossa discussão, seja sobre

os vieses e a presumida crise do jornalismo comercial, seja sobre as

novas possibilidades que permitem o desenvolvimento sistemático e

sustentável de muitas iniciativas de projetos de jornalismo social, ou

“alternativo” como foram denominadas as publicações de resistência

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 9 ]

política e social, desde o período da ditadura civil-militar de 1964. São

temas e questões sociais, políticas e culturais, que estão mais

pulsantes e empolgantes do que nunca. O jornalismo alternativo na

internet movimentou a opinião pública brasileira, incomodou os

oligopólios midiáticos comerciais e os setores dominantes privados e

governamentais, ajudou a organizar e mobilizar a população

interessada naquelas reivindicações das Jornadas de Junho de 2013.

A série de análises noticiosas, de coberturas e reportagens que

puseram a mídia brasileira como objeto central da pesquisa, nos

permitiu obter alguns resultados que serão apresentados neste livro,

que se tornou o produto do Projeto de Conclusão do Curso de

Graduação em Jornalismo, na Faculdade de Arquitetura, Artes e

Comunicação da Unesp de Bauru. A orientação do projeto foi do

jornalista e professor Dr. Antônio Francisco (Dino) Magnoni. A

pesquisa de iniciação científica e o livro-reportagem são os primeiros

ensaios de uma reflexão sobre os rumos do Jornalismo, como área

profissional, de pesquisa, e como ferramenta social.

Para realizar este estudo mais aprofundado sobre o jornalismo

que não depende do subsídio financeiro de órgãos oficiais ou de

grandes empresas, modalidade que classificamos como Jornalismo

Social, por seu caráter político e independente, entrevistamos

profissionais que atuam nesses meios “alternativos” de comunicação.

Uma tentativa de entender como se dá o desenvolvimento, a rotina

profissional e a sustentabilidade estrutural e econômica do novo

jornalismo que surgiu e cresce na internet, e que adquire a confiança e

a colaboração de públicos locais, regionais e até nacional.

O desafio conceitual e político deste trabalho de reportagem

produzido como Projeto de Conclusão do Curso de Jornalismo, é o de

investigar alguns casos de prática jornalística alternativa e

independente, além buscar referências conceituais e experiências

profissionais desvinculadas do padrão informativo produzido pela

indústria cultural capitalista. Para conseguirmos cumprir o objetivo

proposto, buscamos por projetos de jornalismo concebidos capazes de

produzir conteúdos plurais ligados aos reais interesses dos distintos

Page 10: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 10 ]

segmentos sociais. Portanto, buscamos analisar exemplos de

jornalismo não mais vinculados aos produtos informativos e

publicitários, que são produzidos e sustentados pelos interesses

dominantes, sejam comerciais ou ideológicos. Nossas fontes

consultadas, entrevistadas e apresentadas ao leitor e leitora do livro-

reportagem, são na prática, profissionais de midialivrismo. São

jornalistas sociais da era da internet, são ativistas que acreditam no

jornalismo democrático e independente e buscam por conhecimentos

e por formas econômicas para custear arranjos sustentáveis que

permitam a multiplicação e o fortalecimento das iniciativas

“militantes” de jornalismo social.

Abrimos espaço para portais como a Agência Pública1, uma

organização sem fins lucrativos, que capta recursos para custear a

realização de reportagens de cunho investigativo. Foram também

entrevistados jornalistas do Outras Palavras2, portal de jornalismo de

profundidade e analítico; do Opera Mundi3, de cunho nacional e

internacional, que relata o Brasil voltado para os “diálogos do Sul”; da

Revista Caros Amigos4, que se autodenomina a primeira à esquerda; e

do jornal Brasil de Fato5, ligado à política e aos movimentos sociais

vinculados aos partidos que hoje se posicionam no largo espectro da

esquerda brasileira. Observamos e abordamos outros veículos, não tão

conhecidos nacionalmente e, nem por isso menos importantes para o

desenvolvimento e configuração do jornalismo social e independente.

Assim, decidimos entrevistar jornalistas do projeto Repórter de Rua6,

um coletivo independente de jornalistas que nasceu em Mossoró

(RN), e que tem como foco a “reportagem de rua”, de cunho social e

político, sempre produzidas em formatos multimídia.

1 Para conhecer, acesse: www.apublica.org 2 Ver: www.outraspalavras.net 3 Ver: www.operamundi.uol.com.br 4 Ver: www.carosamigos.com.br 5 Ver: www.brasildefato.com.br 6 Ver: www.reporterderua.org

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 11 ]

O que nos motivou a transformar uma pesquisa de iniciação

científica em um livro-reportagem é justamente o desejo de aproximar

a pesquisa acadêmica da prática jornalística. A iniciativa pode parecer

ao leitor e à leitora um pouco contraditória, e até mesmo dissonante

da abordagem teórica ou da estrutura e da linguagem utilizada em

uma pesquisa inicial. Mas acreditamos que a difusão do conhecimento

produzido pela pesquisa em uma instituição pública deve ir além dos

muros da universidade. Sendo assim, a versão impressa do livro estará

disponível para compra no site do Clube de Autores7, bem como a

versão em e-book, que será disponibilizada na nuvem – aberta para

download gratuito.

O livro-reportagem “Jornalismo Pós-Massivo – As novas

formas e experiências da informação contra-hegemônica no Brasil”

estará mais facilmente disponível para as pessoas que tem a

oportunidade do acessar a internet, algo que, infelizmente, ainda é um

serviço de custo considerável no Brasil e que por enquanto está

acessível para pouco mais da metade da população. Apesar das

dificuldades reais, acreditamos que liberar o acesso de qualquer

publicação de interesse público é sempre um pequeno passo a mais na

caminhada pela defesa do fortalecimento da livre circulação da

informação e das ideias em rede.

7 Ver: www.clubedeautores.com.br

Page 12: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 12 ]

Jornalismo, direita e esquerda

Discutir a atuação da mídia alternativa no Brasil é um ponto

nevrálgico, uma vez que o tema influencia diretamente os rumos dos

veículos tradicionais, do jornalismo comercial e da profissão

assalariada de jornalista. Diante da multiplicação de comunidades

virtuais e de espaços de comunicação na internet, os grupos da velha

mídia perderam a condição de fontes exclusivas de seleção, captação,

edição e divulgação de informações. Assim, se fortalece o ativismo

individual e coletivo que estimulam a convivência social binária, o

autodidatismo comunicativo e interpretativo de todos os tipos de

informação. As novas mídias que permeiam a internet, com ideias

antes de difícil acesso, estão agora, a um click de distância. Abrem-se as portas para os debates editorial, social, político e

cultural que envolvem as mudanças ocasionadas pelas novas mídias

digitais e que nem sempre são discutidas pelas agendas públicas e

pelos meios convencionais: a maior parte das informações

permanecem distantes do cotidiano das pessoas, que ainda se

informam majoritariamente pelos veículos tradicionais. Uma

transformação ainda em andamento no comportamento do público e

na maneira com que este busca a notícia, mas que não se restringe

apenas aos grupos excluídos dos holofotes da mídia hegemônica. A

“libertação” das amarras do modelo de recepção passiva, criado

principalmente pelo hábito televisivo (JOHNSON, 2001, p. 9-10), se

dá gradativamente em todas as camadas sociais sujeitas ao uso de

tecnologias. É fato que a abrangência tecnológica digital ainda não

alcançou todos os domicílios e tampouco todos os brasileiros.

Desigualdades econômicas e culturais ainda retardam o acesso

universal ao território online e, a exclusão social no Brasil, embora

ignorada por muitos, ainda condiciona diversos fenômenos coletivos.

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 13 ]

Por outro lado, com a popularização dos dispositivos móveis

individualizados, a mediação passa a invadir todos os atos da vida

cotidiana. Ocorre uma crescente virtualização da realidade e até

mesmo as distâncias físicas são psicologicamente diluídas pela

indução de uma presencialidade remota. Há um fluxo contínuo de

busca, seleção e troca de conteúdos entre os usuários, resultando em

uma verdadeira corrente interpretativa, que se manifesta na forma de

comentários e curtidas nas redes sociais. Entre os muitos ambientes informativos e opinativos

existentes na rede mundial de computadores, ainda predominam os

conteúdos produzidos por jornalistas reconhecidos pelo público,

embora já existam muitos sites e blogues de sindicatos, de coletivos de

ativistas, de movimentos e organizações sociais que são produzidos

com finalidades semelhantes à antiga imprensa comunitária, cultural,

religiosa partidária ou sindical. O que diferencia a nova geração de

meios “alternativos”, é que eles circulam em uma plataforma com

difusão multilateral de informações que podem ser acessadas ou

contestadas em tempo real, fator que facilita, barateia e viabiliza a

produção colaborativa de conteúdo, que pode ser disponibilizado em

linguagem escrita, fotográfica, sonora ou audiovisual. Isso acaba

permitindo o aparecimento de um público com interesse em

informações mais dirigidas ou mais detalhadas e que manifesta

oposição nítida às práticas mercadológicas, hegemônicas ou

ideológicas do jornalismo dos grandes meios comerciais.

É o jornalismo pós-massivo (LEMOS, 2007), pós jornalismo

de massas, que descentraliza o fluxo informativo e apresenta aos

produtores e receptores da notícia a possiblidade de um trabalho

conversacional mais aberto, um trabalho ativo de ambos os lados.

Diferentemente atua a mídia massiva, que é mantida por concessão

pública, verbas publicitárias e patrocínios, e que alimenta

consumidores da informação para criar uma esfera de opinião pública

favorável aos grandes grupos políticos e grandes empresários.

A relativa autonomia informativa que a internet e as suas

redes sociais possibilitam acaba por fomentar as crescentes formas de

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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resistência que os cidadãos e cidadãs tendem a oferecer em

contrapartida ao controle midiático. As respostas objetivas às

tentativas de controle ou de manipulação das informações se

expressam nas muitas iniciativas de construção de caminhos

alternativos (KLEIN, 2007), no nascimento de espaços de jornalismo

ou de divulgação noticiosa contra-hegemônicos, na consolidação de

resistência aos meios defensores do status quo no Brasil. Não por coincidência, as épocas em que a imprensa

alternativa foi mais reconhecida pelos brasileiros e brasileiras

continuam sendo as de enfrentamento político e ideológico, como a

ditadura militar de 1964, a ditadura Vargas dos anos 1930, e até

mesmo as grandes greves do movimento operário, já no período da

redemocratização brasileira. Daí em diante as águas do jornalismo

brasileiro se dividiram entre a mídia tradicional, sempre mascarada

pela pretensa imparcialidade, e que ainda consegue esfregar os seus

vieses conservadores nos narizes do público; e a mídia alternativa, que

quebra a espiral do silêncio8 construída pela grande mídia e

arduamente milita pelos movimentos sociais - comumente apagados

das grandes manchetes. Tais representações e realidades se mostram, ou melhor, se

escondem em um emaranhado de subjetividades, em um contexto

sinuoso que conduz até os cidadãos mais críticos ao pensamento

equivocado de que o jornalismo alternativo ou contra-hegemônico, só

é viável ou justificável em períodos autoritários e de conflitos políticos

e sociais. Neste livro, procuramos mostrar exatamente o contrário. O

ativismo no ciberespaço tem dado cada vez mais lugar, fundamento e

demanda social para as produções de jornalistas independentes, sem

falar na redução significativa dos custos de produção, de circulação e

8 Espiral do silêncio é uma teoria da ciência política e da comunicação de massa, que foi proposta pela cientista alemã Elisabeth Noelle-Neumann em 1977. O termo faz referência ao silêncio sobre a opinião das minorias frente às opiniões dominantes. Esse comportamento gera um ciclo progressivo de silêncio, denominado de espiral.

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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do notável aumento de abrangência, difusão e divulgação que as

plataformas digitais permitem. O crescimento da produção informativa contra-hegemônica

abre espaço para as mais diversas análises, pesquisas e

principalmente, novas possibilidades para os jornalistas e para o

jornalismo brasileiro independente. Hoje, quando observamos

empiricamente os hábitos de familiares, de amigos de colegas ou de

um grande número de pessoas no cotidiano das cidades, constatamos

que a maioria delas carrega e espia com frequência as telinhas de

dispositivos digitais e já não lê jornais ou revistas durante os espaços

de tempo livre. A captação individual das informações de interesse

cotidiano, aparentemente, passa a ser feita de maneira mais dirigida,

muito menos genérica e diversificada, como ocorria com o jornalismo

impresso ou pelo rádio e a televisão, na era da difusão de informações

por meios exclusivamente analógicos. São 67% dos internautas

brasileiros os que acessam a rede com o objetivo de se informar, de ler

notícias (PESQUISA BRASILEIRA DE MÍDIA, 2015), enquanto que 7

em cada 10 internautas já ficaram sabendo de movimentos sociais pela

internet - a maior parte que tomou conhecimento dessas iniciativas

buscou mais informações nas redes sociais (F/RADAR, 2015).

As pesquisas sobre novas maneiras de as pessoas consumirem

informação pela internet, em casa ou pelos dispositivos portáteis,

inevitavelmente nos conduzem ao questionamento do atual cenário de

crise dos veículos, dos suportes e produtos comunicativos da

denominada “velha mídia analógica”. Nos desafiam a pensar novos

cenários e possibilidades para a comunicação midiática informativa na

era digital e online, principalmente, quando vemos as rápidas

alterações dos dados periódicos de consumo de mídia pelos

brasileiros. Os resultados anuais mostram que um número crescente

de pessoas habituadas a ler veículos jornalísticos impressos, a ouvir

notícias pelo rádio ou televisão, está deixando de se informar pelos

antigos veículos para passar ao consumo de informação via online.

As modificações rápidas, abrangentes e definitivas dos hábitos

de fruição midiática pelo público “conectado”, cuja maioria já se

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 16 ]

acostumou (ou já nasceu inserida no contexto digital) a conviver com

a abundância, a diversidade de temas e de linguagens multimidiáticas

disponíveis nas plataformas e nos dispositivos digitais.

A volumosa “inclusão digital” dos brasileiros, ocorrida em

apenas duas décadas de desenvolvimento da comunicação

“internáutica”, é uma progressão social que aguça os sentidos

vanguardistas de todos os jornalistas e militantes por “outra

comunicação, outro jornalismo” mais democrático, mais plural e

próximo da realidade dos cidadãos comuns. A palavra de ordem para

o jornalismo social, alternativo e independente é: que tipos de

produções jornalísticas precisam ser pensadas e experimentadas, para

servirem como modelos capazes de criar de e sustentar, econômica e

profissionalmente, os novos arranjos locais e regionais de

comunicação jornalísticas e de utilidade pública?

De acordo com levantamento divulgado jornal Folha de S.

Paulo no dia 17/12/2014, com base em um relatório da Presidência da

República e dados fornecidos pelo Instituto para Acompanhamento da

Publicidade, o investimento da publicidade estatal concentra-se na

Rede Globo, somando 5,2 bilhões de reais investidos. A empresa é

seguida pela Record, com 1,3 bilhão; o SBT, com 1,2 bilhão; o grupo

Abril, com 523 milhões; a Revista Istoé, com 179 milhões; o jornal

Folha de S. Paulo, com 266 milhões; o jornal O Estado de S. Paulo,

com 188 milhões; a Revista Carta Capital, com 44,3 milhões; e outros

investimentos publicitários de menor valor (FOLHA, 2014).

São bilhões de reais investidos pelo governo federal, pelos

governos estaduais e pelos prefeitos dos mais de cinco mil municípios

brasileiros que demonstram que, na realidade, é com dinheiro público

que se conserva o imenso poder econômico e também político,

ideológico e cultural dos oligopólios midiáticos comerciais, um

faturamento escandaloso, que é líderado pelos veículos das

Organizações Globo Participações S.A. – oligopólios, quando o

controle da produção e veiculação de notícias se restringe a vários

grupos empresariais, ou seja, um número restrito de agentes

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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econômicos; monopólios, quando um mercado é totalmente dominado

e coordenado por um único agente econômico.

Os veículos da mídia alternativa e “fora do eixo”, que tenta

corajosamente questionar a hegemonia da comunicação brasileira,

sobrevivem de maneira muito diferente da opulência financeira da

mídia “oligárquica”. A manutenção dos pequenos veículos militantes

depende das ações de crowdfundings, que são os financiamentos

coletivos abertos para colaboração do público, e de outras formas

solidárias e populares, utilizadas rotineiramente para captar os poucos

recursos que sustentam as suas muitas ações promovidas de forma

quase guerrilheiras, para produzir o jornalismo pós-massivo, social e

de interesse público.

Apesar das novas possibilidades, as maiores dificuldades para

garantir a periodicidade regular dos arranjos e dos coletivos locais

jornalísticos continuam sendo aquelas de natureza econômica.Os

organizadores das campanhas públicas e dos instrumentos de

captação de recursos para financiamento colaborativo de veículos e de

coletivos independentes buscam por possibilidades para sustentar as

ações desse jornalismo crítico. O principal desafio ainda enfrentado é

o de conseguir se aproximar dos seus leitores-internautas, para

convencê-los a ajudar sustentar de maneira contínua as atividades de

cobertura e de produção de notícias e reportagens, em troca de

informações mais verdadeiras e de qualidade muito superior aos

produtos do jornalismo comercial.

O modelo de produção do jornalismo comercial que

predomina no Brasil é majoritariamente metropolitano, ou seja, a

cobertura das equipes jornalísticas da grande mídia está concentrada

nas capitais estaduais, nas cidades com as maiores populações e com o

maior volume regional de grandes anunciantes. Esta configuração de

concentração da cobertura jornalística e de informações diárias de

interesse público, é priorizada pela imprensa e mais ainda pelas redes

de rádio e televisão, que são veículos de mensagens imediatas com

grande abrangência populacional e territorial.

Page 18: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 18 ]

Para os grandes meios comerciais, uma infinidade de assuntos

e acontecimentos das pequenas e médias cidades brasileiras, que são a

maioria dos municípios em todos os estados da federação, é

substituída pelas pautas triviais, ou pelos problemas recorrentes, que

só dizem respeito para os habitantes das cidades grandes. São as

metrópoles e os conurbados que concentram a atenção noticiosa,

porque são as regiões econômicas com mais concentração de fontes

publicitárias. Sedes político-administrativas de poderes públicos com

orçamentos mais volumosos e capazes de assegurar, sem muito

investimento para a captação, o faturamento mensal de suas empresas

capitalistas. Em plena era da digitalização dos meios de comunicação,

os antigos modelos midiáticos tentam conservar, sem profundas

alterações, a hegemonia dos seus projetos econômicos que agem

diretamente no universo cultural e ideológico de todos os brasileiros.

A informação local do terceiro milênio tem que ser uma informação

de qualidade, plural, participativa, imaginativa, que explique o que

acontece no âmbito onde está sediado o veículo de comunicação, para

quem informa e que narre o que afeta e interessa os habitantes desse

território espacial, inclusive, quando se produz fora. A informação

local do terceiro milênio deve promover a experimentação e

converter os cenários de proximidade em lugares de comunicação

eficiente e lugares de onde possam ser exportadas novas linguagens e

formatos para a comunicação mundial. (LÓPEZ GARCÍA, 2008, p.

34, tradução livre)

No Brasil, é necessário verificar a distribuição territorial dos

veículos existentes, a abrangência e a pertinência de suas coberturas

jornalísticas, que reproduzem, em qualquer região do país, as mesmas

pautas diárias e os agendamentos metropolitanos, sejam nacionais ou

internacionais, e ignoram os acontecimentos de mais da metade da

população, que vive nas pequenas e médias cidades e nas enormes

áreas rurais que as circundam.

O desafio dos jornalistas independentes é transformar os

novos espaços noticiosos da internet em iniciativas permanentes e

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 19 ]

profissionalizadas, que sejam financiadas regularmente por um

público convencido da importância de manter e de fortalecer um

jornalismo que se diferencie da produção metropolitana. Quando

amadurecer esta nova cultura, o público com poucos clicks poderá

contribuir financeiramente e sustentar espaços noticiosos mais

democráticos e mais plurais, que aqueles dos veículos convencionais.

Uma vez que grande parte da informação e do conteúdo está

em livre circulação na internet, é bem verdade que o aumento do

público desses canais jornalísticos não é garantia de apoio financeiro.

Mesmo que tenhamos hoje mais pessoas interessadas nos debates

sobre os efeitos problemáticos da influência dos oligopólios midiáticos

no nosso cotidiano, elas ainda não despertaram para a necessidade

estratégica de sustentação popular de um jornalismo social, mais

coletivo e independente dos interesses dominantes, sejam eles

políticos, econômicos e ideológicos.

Nesse sentido, o papel da comunicação denominada

alternativa ultrapassa a simples concorrência de mercado. Desde a

ditadura de 1964, as atividades jornalísticas que não se encaixam no

jornalismo tradicional, são consideradas um tipo de jornalismo “fora

da caixa”. A partir daí, surgiram nomes como “alternativo”, “popular”,

“dialógico”, “comunitário”, “contra-hegemônico” para complementar a

profissão que deveria por si mesma abranger todas essas dimensões,

mas que muitas vezes precisam ser especificadas devido às visões

conturbadas que foram construídas com o passar dos anos, pelo

jornalismo defensor do status quo.

Durante a pesquisa de iniciação científica realizada entre 2013

e 2015, muitas vezes esbarramos na dificuldade de encontrar teorias

mais completas e consistentes para categorizar as diversas formas de

jornalismo praticadas nos veículos informativos que se desenvolveram

no Brasil, sobretudo a partir dos anos 1960. Era algo que vínhamos

fazendo desde o princípio da pesquisa e que eventualmente provocou

questionamentos, porque, por um lado, as prioridades e finalidades

dos diversos padrões brasileiros de jornalismo podem ser

completamente antagônicas, e, por outro, a divisão e as

Page 20: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 20 ]

nomenclaturas diferentes podem passar a ideia de que um padrão de

jornalismo é mais “sério” ou mais “verdadeiro”, do que o outro.

Para Marina Amaral, jornalista fundadora da Agência Pública

de Notícias, a verdadeira diferença entre os padrões ou entre os tipos

de coberturas praticadas no Brasil decorre da maior ou menor

liberdade de pauta e abordagem dada pelos veículos aos seus

repórteres, e não somente do fato de a mídia comercial ter vínculos

com grandes empresas, já que o financiamento vindo de fora pode ou

não interferir na linha editorial do veículo.

A Agência Pública é uma agência de jornalismo investigativo

que é parcialmente financiada por grandes fundações internacionais,

mas a jornalista Marina Amaral afirma que os financiadores privados

e estrangeiros não interferem na pauta e nos conteúdos das

reportagens da Pública. Entretanto, no caso da Rede Globo, ou da

Revista Veja, podemos constatar um grande bloqueio às críticas ou

apurações de denúncias e outros assuntos relacionados aos partidos

políticos e empresas financiadoras desses veículos. “Os jornalistas

sempre partiram da experiência de fazer o que podem fazer por eles

mesmos: a notícia seja onde for”, afirma a jornalista em palestra

pública sobre o Jornalismo Independente, realizada no Serviço Social

do Comércio (Sesc) de Bauru no dia 26 de agosto de 2015.

Essa visão de compromisso com a apuração dos fatos reflete o

cotidiano de jornalistas, como a própria Marina Amaral menciona no

decorrer de sua palestra. Os profissionais que vão trabalhar na mídia

tradicional, lá permanecem, na maioria das vezes, pelo salário e

estabilidade, mas não pelo alinhamento ideológico com esses grupos.

A grande mídia só repercute pautas polêmicas quando tem

interesses econômicos e políticos em jogo, ou quando avalia que vai

obter grande repercussão – casos como o projeto de uma deputada

para estabelecer regras de vestimentas para as mulheres que

frequentam o Parlamento, ou até mesmo da saga dos casos de

investigação de corrupção governamental apuradas pela “operação

Lava Jato”. Porém, não toca em assuntos que envolvam organizações

Page 21: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 21 ]

mais fechadas como a polícia militar, algo que a Agência Pública fez

em uma grande reportagem recentemente9.

“O financiamento do jornalismo independente por fundações

é para mudar a narrativa do mundo. As pessoas não mudam porque

recebem as informações erradas”, argumenta Marina Amaral.

A Agência Pública não é a única organização brasileira a

receber auxílio de fundações como a Fundação Ford e a Open Society,

também o Observatório da Imprensa recebe dinheiro da instituição.

Se a Open Society revê suas subvenções, cujos beneficiados incluem

ainda organizações como o Centro Knight para o Jornalismo nas

Américas, no Texas, e a Associação Brasileira de Jornalismo

Investigativo (Abraji), a Fundação Ford segue firme na área de

“democratização da mídia”, que começou a se desenvolver na última

década, segundo Mauro Porto, coordenador do projeto dedicado a

“mídia e liberdade de expressão” na instituição. Há mais de meio

século no país, a Fundação Ford tem linhas tradicionais de doação,

como direitos humanos e igualdade racial. “A área mais nova, que é

de acesso à mídia, tem um portfólio de doações principalmente para

organizações da sociedade civil”, diz ele. Além da Pública, do Centro

Knight e da Abraji, lista o Coletivo Intervozes e o Observatório da

Imprensa. As subvenções seguem “dois eixos estratégicos: a

necessidade de atualização do marco regulatório para as

comunicações e o monitoramento de como os meios tratam

determinadas temáticas”. Segundo Porto, o projeto surgiu há dez

anos, quando a fundação avaliou ser “fundamental, para

consolidação da democracia no Brasil, a democratização dos meios

de comunicação”. (...) A exemplo de Abramovay sobre a Open

Society, ele afirma que a Fundação Ford é hoje mantida “única e

exclusivamente pelo seu endowment’”, dotação de grande volume

feita pela família Ford, cujos rendimentos financeiros sustentam

“tudo o que a instituição faz ao redor do mundo e no Brasil”. Enfatiza

que “a fundação não recebe dinheiro de nenhuma empresa nem de

nenhum governo”. (SÁ, 2013, s/p)

9 Para ler, acesse: www.apublica.org/2015/07/treinados-pra-rinha-de-rua

Page 22: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 22 ]

A Fundação Ford, que hoje tem autonomia em relação à

família Ford e aos negócios mundiais da marca, tem mais de cem anos

de história. No Brasil é presidida pela Nicélia Freire, ex-ministra da

Secretaria de Políticas para as Mulheres. “A Fundação Ford considera

a concentração de mídia como um fator de risco à democracia. Por

isso se dedica atualmente ao financiamento pelo mundo todo, de

iniciativas de jornalismo independentes”, conta. “Hoje em dia

corremos o risco de a sociedade não ter mais noção da realidade, as

pessoas sem informação não podem debater grandes temas. Cada um

tem sua própria fonte de informação e não exige mais a verdade”.

A jornalista, quando questionada sobre que termos poderiam

ser usados para fazer referência a esse tipo de jornalismo,

independente, comprometido com o leitor e com a verdade, sem

interesses financeiros ou ideológicos que causem a omissão de

informações, nos diz que no meio social dos jornalistas que já

trabalham dentro de tais perspectivas, são bastante usadas as

expressões “imprensa nova” e “imprensa online”. De qualquer forma,

ainda que seja mínima, a diferenciação acaba sendo, infelizmente,

necessária para elencar os “tipos” de jornalismos no nosso país.

Os veículos comerciais, sobretudo o rádio e a televisão que

tem grande abrangência e transmitem as suas mensagens consumidas

para letrados e analfabetos, conseguiram tomar conta do imaginário

social da população. Esses, presentes todos os dias na maioria das

casas, nos ambientes de trabalho e durante o deslocamento das

pessoas, puderam construir uma realidade idealizada, estereotipada,

que muitas vezes não descreve com amplitude e profundidade, o que

de fato acontece no Brasil.

Mesmo não cumprindo uma verdadeira e estratégica função

social, esse é o tipo jornalismo mais consumido e reconhecido pelo

público, principalmente pelo fato de ser produzido por veículos que

alcançam a maioria da população, mesmo que eles não tratem dos

assuntos de interesse da maioria das localidades e que não cubram os

assuntos de interesse cotidiano da maioria das pessoas.

Page 23: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 23 ]

A democratização da mídia eletrônica é uma pauta que vem

sendo debatida pelos movimentos sociais brasileiros desde a luta pela

redemocratização do País. A persistente concentração e a propriedade

cruzada de meios são apontadas como a principal causa da alienação

dos cidadãos, cuja maioria se mantém indiferente aos debates de

assuntos locais ou aos grandes temas nacionais. O jornalismo

independente, que começou alternativo porque resistia à censura e a

desinformação promovida por governos militares ou por neoliberais

interessados em retirar direitos trabalhistas ou em leiloar o

patrimônio público, ainda busca o despertar crítico do público: “Ei!

Nós não somos iguais aos outros veículos alienantes!”.

É necessária uma mudança que revolucione a própria maneira

de entender o jornalismo, que, na internet, adquire cada vez mais uma

característica independente, política, e, por vezes, investigativo. Em

um âmbito mercadológico, as possibilidades estão aí para serem

exploradas. Estamos vivendo em uma nova fase no jornalismo e cabe

aos próprios jornalistas a missão de descobrir como construí-la. Para

além do problema da sustentação econômica, esbarramos também no

da audiência: como atingir as pessoas na internet?

(...) aquilo que um grupo social escolhe como fotografável revela o

que este grupo considera digno de ser solenizado, como estabelece as

condutas socialmente aprovadas, a partir de quais esquemas percebe

e aprecia o real. (BOURDIEU apud CANCLINI, 2007, p. 70)

Bordieu, a partir de seus estudos da sociedade em relação

àquilo que esta fotografa e do que valoriza culturalmente, expressa

uma realidade na qual o indivíduo busca a sua própria afirmação

naquele que é seu semelhante. Durante a busca de informações em

rede, o processo não é muito diferente. O usuário da internet vai atrás

do conteúdo que contempla as suas expectativas, que lhe apetece: se

for para ler notícias em um site de pensamento contrário ao seu,

geralmente é para “falar mal” e criticar, sem fazer uma reflexão mais

séria e profunda sobre o assunto. Para a jornalista fundadora e

Page 24: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 24 ]

diretora da Agência Pública de Notícias de Jornalismo Independente,

saber como atrair os mais diversos públicos de internautas constitui

hoje um dos grandes desafios para o jornalismo online. “É preciso

quebrar essas barreiras e como é uma pergunta que faço a mim

mesma todos os dias. Acredito que quando o conteúdo é de qualidade,

ele vai além do campo em que já é aceito”.

A facilidade de acesso às notícias na internet diferencia esse

processo de obtenção de informações no sentido que na web a maioria

do conteúdo disponível é gratuito, então, o internauta pode navegar

pelas várias opções de portais sem que os clicks signifiquem um gasto

a mais na sua conta bancária. O leitor assíduo da Carta Capital, por

exemplo, pode dar “uma olhada” no site da VEJA e tomar

conhecimento da cobertura realizada pelo veículo atualmente, ou

pesquisar sobre qualquer assunto, em qualquer data, no acervo

histórico da revista, sem precisar comprar o exemplar físico na banca.

De certa forma, essa possibilidade quase ilimitada de acesso contribui

para a busca de novas fontes de conhecimento fora da massa.

O debate eventualmente se amplifica dentro da sociedade, a

partir do momento em que os espaços de discussão e exposição de

visões de mundo, antagônicas ou não, são democratizados e abertos

para quem quiser (e puder) acessá-los.

A conexão à internet é um ponto importante para a discussão

do jornalismo social, porque a rede está disponível para pouco mais da

metade dos brasileiros, enquanto a outra parte da população segue

excluída das inúmeras possibilidades do ciberespaço. A exclusão

digital é uma possibilidade de debate pela e para a rede, dentre outras

desigualdades, assuntos e pautas polêmicas, que nem sempre são

abordadas ou tratadas devidamente pela mídia hegemônica.

A impressão mais compulsivamente repetida por todos os jornais e

por todo debate intelectual e político brasileiro contemporâneo é a de

que todos os problemas sociais e políticos brasileiros já são

conhecidos e que já foram devidamente ‘mapeados’. Que não se

perceba nenhuma mudança efetiva no cotidiano de dezenas de

milhões de brasileiros condenados a um dia a dia humilhante deve-se

Page 25: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 25 ]

ao fato de que a desigualdade brasileira vem de ‘muito tempo’ e que

não se pode acabar de uma penada com coisa tão antiga. As duas

teses não poderiam ser mais falsas. Elas também não poderiam estar

mais relacionadas. Elas formam o núcleo mesmo da ‘violência

simbólica’ – aquele tipo de violência que não ‘aparece’ como violência

–, que torna possível a naturalização de uma desigualdade social

abissal como a brasileira. (SOUZA, 2009, p.15)

Apesar de o acesso à internet não estar ainda universalizado no

Brasil, é surpreendente o dado que mostra a rede mundial de

computadores em segundo lugar como meio de comunicação mais

utilizado pelos brasileiros. A pesquisa, realizada em 137 municípios

sorteados entre as cinco regiões do Brasil, contempla uma atualidade

paradoxal do país, na qual apenas 40,3% dos domicílios possui um

computador conectado à internet. E mesmo que essa porcentagem

suba para 50,2% na região sudeste (IBGE, 2012), não são números

representativos para um segundo lugar do ciberespaço entre as

prioridades de informação do brasileiro. A resposta está na

especificidade: poucos domicílios possuem microcomputadores

conectados à internet, mas, 53% dos internautas brasileiros acessam a

internet pelas redes móveis como celulares, smartphones e tabletes

(F/RADAR, 2015).

Podemos concluir, então, que o acesso à internet no país se dá

principalmente pelas redes móveis e aparelhos portáteis, o que não

exclui de forma nenhuma, muito pelo contrário, estimula, o acesso à

informação, seja por meio de links nas redes sociais, aplicativos ou nos

próprios sites dos veículos. De 2013 para 2014 foram 20,5 milhões de

brasileiros que passaram a utilizar dispositivos móveis para acessar a

internet (F/RADAR, 2014), parcela representativa que pode ter sido

influenciada pelos grandes episódios de movimentação e protestos nas

redes sociais das Jornadas de Junho e todo o processo de mobilização

da população que se seguiu. Com mais gente em rede, cresce também o número de pessoas

que tem acesso aos conteúdos produzidos foram da grande mídia, bem

como às pesquisas que demonstram essa realidade, o que favorece a

Page 26: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 26 ]

busca da informação em fontes diversificadas e, assim, o

conhecimento dos projetos de financiamento coletivo que são vitais

para a manutenção desses veículos online independentes. A previsão

dos jornalistas de crescimento para as doações via internet aos sites de

jornalismo alternativo torna-se, então, viável dado o número cada vez

maior de internautas brasileiros circulando pela rede, se mobilizando

e buscando informações em diferentes fontes.

“As redes sociais contribuem para mudar de opinião a respeito de alguma

mobilização/problema social do seu bairro/cidade/país?”

(Fonte: F/RADAR 2014)

É importante lembrar que por mais diversificadas que sejam

essas fontes de notícias na internet, nem sempre são todas elas

confiáveis. O ciberespaço é permeado de blogues pessoais, com

autores profissionais ou leigos, que muitas vezes exprimem mais a

opinião de quem publicou determinado texto. Não é de fato uma

Page 27: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 27 ]

informação derivada de apuração e de checagem de dados –

procedimentos padrão em qualquer veículo jornalístico sério.

Os blogues de jornalistas como Altamiro Borges10 e Olavo de

Carvalho11 são bons exemplos da multiplicidade de informações que

estão espalhadas pela internet. As duas publicações demonstram os

conflitos editoriais derivados das “bolhas” ideológicas, que existem no

mundo físico e no mundo digital. Os feeds de notícias das redes sociais

tendem a mostrar ao usuário aquilo que é mais “curtido” enquanto

cada pessoa permanece conectada – uma adolescente que “dá likes”

em todas as publicações de um time ou banda favorita receberá com

maior frequência, os posts daquelas páginas. Da mesma forma, um

cidadão que está acostumado a se informar pela Revista Veja, irá

acompanhar a mesma revista na internet, e seu feed de notícias ficará

“refém” da mesma cosmovisão.

Quem lê Altamiro Borges, que é um jornalista veterano, um

quadro da direção do PCdoB, e que preside o Centro de Estudos da

Mídia Alternativa Barão de Itararé, certamente enxerga Olavo de

Carvalho – e quem lê Olavo de Carvalho – como um indivíduo

tacanho, um “reacionário” de direita. Quem lê o filósofo conservador

Olavo de Carvalho avalia que Altamiro Borges e os seus leitores são

um bando de comunistas e de “petralhas” da pior espécie. Como lidar,

então, com o montante de informação profissional e não profissional

que circula pelos canais informativos da rede?

E como um internauta pode receber uma informação que

esteja fora de sua “bolha” ideológica das redes sociais? Para ambos os

questionamentos, acreditamos que a resposta está em uma mudança

de hábitos cidadãos, algo que já começa a acontecer aos poucos. A

procura pela notícia perde a fixidez neste ou naquele veículo, e isso

ocorre também por conta da organização dos fatos em feeds, sem

contar as próprias conversas do dia-a-dia em que as pessoas trocam

mensagens citando este ou aquele site em especial. Estímulos não

10 Disponível no endereço: www.altamiroborges.blogspot.com.br 11 Ver: www.olavodecarvalho.org

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 28 ]

faltam para uma abertura intelectual no sentido de dar espaço às

novas vozes que surgem na internet e, consequentemente, fora dela.

(...) seria, então, o modelo de desigualdade entre as classes, devido à

apropriação desigual de um patrimônio comum, o mais pertinente

para a Europa, enquanto as sociedades latino-americanas se

mostrariam mais compreensíveis a partir do modelo da diferença,

que implica reconhecer a autonomia irredutível dos indígenas e

outros grupos subordinados? (...) às vezes, o desenvolvimento das

culturas subordinadas dá o suporte para movimentos políticos

regionais, étnicos ou classistas que enfrentam o poder hegemônico e

buscam outro modo de organização social. (CANCLINI, 2007, p. 87-

90)

A visão de que a internet representa uma plataforma mais

igualitária para o jornalismo do que a televisão e o rádio, por exemplo,

não deixa de ser real em vários aspectos. Mas também esbarra, por

exemplo, em possibilidades como a priorização de audiências, do

lucro, a práxis do resultado, que podem surgir em veículos dentro da

rede e, assim, adotar caminhos já traçados pela mídia tradicional, que,

dentre outras coisas, que diariamente coloca o que acontece nas

grandes capitais como uma síntese do que acontece no Brasil.

“Se o jornalismo independente quiser progredir a ponto de

fazer um contraponto real à mídia tradicional terá que romper com

esse modelo”, defende o jornalista Dodô Calixto, repórter do Opera

Mundi, em entrevista concedida no dia 5 de agosto de 2015. “O

caminho, portanto, é investir na comunicação como uma práxis social,

humana e que está inter-relacionada com as relações humanas. Ou

seja, a comunicação dialógica, horizontalizada, que coloca os atores

sociais como protagonistas do processo, instigando-os a produzir,

debater e interagir diretamente com a produção”.

O ciberespaço é um grande canal multidimensional e

multimidiático, que oferece possibilidades para que as notícias

possam se regionalizar de fato, para que os problemas cotidianos de

muitas localidades possam ter a devida atenção jornalística e pública.

Page 29: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 29 ]

Para que não exista mais no agendamento diário dos veículos, uma

hierarquia geográfica nos fatos divulgados.

Os portais de notícias da nova comunicação online são uma

amostra do cenário que se constrói pouco a pouco no ciberespaço,

uma comunicação alternativa que ganha o fôlego e um canal potente e

versátil para disputar a audiência com os veículos comerciais da

grande mídia. O ideal de jornalismo que dê foco ao cidadão e aos

problemas sociais, sem se importar com interesses políticos ou

econômicos, parece bem utópico quando visto assim, de longe. Nada

muito diferente do que passa pela cabeça de um aluno recém-

ingressado no curso de Jornalismo, que sonha em “salvar o mundo” e

quando pisa na redação, percebe que as coisas não são bem assim.

Não eram bem assim até a ditadura, com risco de morte, um jornalista

poderia alimentar o sonho e a realidade da imprensa clandestina; não

eram bem assim até o primeiro computador conectado na World Wide

Web. Mas como funciona esse jornalismo hoje?

Os novos consumidores de informação, os “nativos digitais”

têm contato com dispositivos informáticos desde muito cedo, seus

comportamentos estão vinculados a um mundo cada vez mais

digitalizado, conectado e imediato. De acordo com a Pesquisa

Brasileira de Mídia 2015 realizada pela Secretaria da Comunicação da

Presidência da República, uma média de 78% a 83% dos

entrevistados, a variar de forma diretamente proporcional ao aumento

da faixa etária, começando com 78% entrevistados dos 16 aos 25 anos

e terminando em 83% dos entrevistados acima de 65 anos, afirmar ler

jornal impresso apenas uma vez por semana (PESQUISA

BRASILEIRA DE MÍDIA, 2015, p. 70). Quando se trata de revistas

impressas, essa variação continua crescente de forma proporcional à

idade, mas sobe para 83% (jovens de 16 a 25 anos) até 91% (pessoas

com mais de 65 anos), que afirmam ler revistas uma vez por semana

(PESQUISA BRASILEIRA DE MÍDIA, 2015, p. 84). Aos poucos, a televisão deixa também de ser priorizada como

fonte de informação das camadas mais jovens – 69% dos jovens de 16

a 25 anos no Brasil afirmam assistir à televisão todos os dias,

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 30 ]

enquanto que esse número sobe para 77% e 78% na faixa etária de 56

a 65 anos e acima de 65 anos, respectivamente (PESQUISA

BRASILEIRA DE MÍDIA, 2015, p.19). Com relação à internet, na faixa

etária dos 16 aos 25 anos 65% dos entrevistados afirmaram acessar a

web todos os dias, número decrescente ao passo que a idade do

entrevistado aumenta: dos 26 aos 35 anos, 50% dos entrevistados

usam a internet todo dia; dos 36 aos 45, são 33%, até chegarmos em

12% de acessos diários das pessoas com 56 a 65 anos, e 4% de acessos

das pessoas acima de 65 anos de idade (PESQUISA BRASILEIRA DE

MÍDIA, 2015, p.53). Os jovens adultos que representam o futuro da sociedade

tornam-se, por hábito, cada vez mais multitarefas, ou, mais

multiplataformas: tornam-se transmídia, na medida em que estão

sempre com o smartphone ou tablet à mão para consultar, confirmar

ou refutar, qualquer informação que lhes apareça pela frente. Durante

as manifestações de 2013, esse novo comportamento abriu os olhos

dos políticos de da mídia tradicional para uma audiência ativa

(DOWNING, 2002) que agora faz questão de ser ouvida, de

compartilhar os seus conteúdos em vídeo, texto, foto, e de participar

da história não apenas como fonte, mas também como quem produz e

é dono de seu próprio discurso.

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 31 ]

A experiência digital

De acordo com a pesquisadora Eloísa Klein (2007) o

jornalismo se define por uma atividade norteada pelo valor de tornar

públicas as informações de interesse público. Neste livro-reportagem,

buscamos justamente destacar a função do jornalismo pós-massivo,

que representa a superação do jornalismo meramente comercial.

Pretendemos aqui retratá-lo como ferramenta social e cultural,

instrumento de construção democrática, emancipatória e cidadã.

Foi durante as Jornadas de Junho de 2013 que a visibilidade

da mídia alternativa da internet brasileira cresceu, e, tanto por isso,

resolvemos dar início a uma pesquisa de iniciação científica

selecionando alguns veículos como a Revista Fórum, o portal Outras

Palavras, o jornal Brasil de Fato e a Revista Caros Amigos como

representantes dessa vertente, para fazer uma análise comparativa das

coberturas das manifestações feitas pela grande mídia, a ser debatida

no último capítulo deste livro.

Esses novos veículos da informação alternativa muitas vezes

ocupam espaços dentro e fora da web, jornais e revistas que mantém

portais de notícias e redes sociais, como a Caros Amigos e o jornal

Brasil de Fato, e que ainda conseguem manter uma fonte de renda

direta vinda das assinaturas de suas publicações. Para os veículos

exclusivamente digitais e que estão começando a ser reconhecidos

pelo público, se inicia uma jornada para encontrar maneiras de se

estabelecer financeiramente, afinal, a base para manter qualquer

veículo de comunicação ativo é assegurar a sobrevivência econômica

de sua estrutura de publicação e a devida remuneração de sua equipe

profissional. Os comunicadores, jornalistas ou não, descobrem

possibilidades de financiamentos coletivos, novas e diferentes formas

de atrair o público, e, até mesmo, para um breve (re)começo, contam

com apoio financeiro de instituições nacionais e internacionais.

Page 32: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 32 ]

É o caso da Agência Pública de Jornalismo Investigativo,

fundada em 2011, na cidade de São Paulo, por um pioneiro grupo de

jornalistas que decidiu abrir uma agência de notícias independente

sem fins lucrativos. “Fomos a primeira organização desse tipo a surgir

no Brasil. Funcionamos como uma agência, as reportagens são

publicadas por diversos veículos gratuitamente”, conta Marina Dias,

repórter da Agência Pública, em entrevista concedida no dia 1° de

agosto de 2015.

Com um site dinâmico e de navegação intuitiva, a Pública

mantém um diálogo direto com seus leitores e também com outros

veículos de comunicação, já que divulga suas reportagens para serem

republicadas livremente em outros portais de notícia. De acordo com

Marina Dias, somente em 2014 as reportagens da agência foram

publicadas por 400 veículos diferentes.

Reunião de jornalistas na sede da Agência Pública, em São Paulo.

(Foto: Bibiana Garrido)

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 33 ]

São doze pessoas, todas com remuneração fixa mensal, que

formam a equipe que produz todo o conteúdo jornalístico publicado

pela Agência Pública: há duas diretoras, uma gerente administrativa, a

gerente de projetos, uma coordenadora de comunicação, um editor,

um repórter especial, três repórteres, um infografista e um estagiário

de mídias sociais. “Somos uma organização que faz reportagens

voltadas ao fortalecimento do direito à informação, à qualificação do

debate democrático e à promoção dos direitos humanos, então nossos

repórteres se enquadram nesse perfil”, explica Marina Dias.

A agência, portanto, não trabalha com jornalistas freelancers,

como acreditávamos ser comum nos veículos que estão tentando se

“modernizar” – é o caso da Revista Superinteressante, que trabalha

majoritariamente com “frilas”. Como produz materiais que derivam de

jornalismo investigativo, o tempo de trabalho na Agência Pública é

maior: os repórteres demoram em média dois meses para concluir um

trabalho de reportagem pautado.

Foi durante a campanha eleitoral de 2014 que a Pública

ganhou mais visibilidade no cenário da comunicação brasileira. O

projeto “Truco!” realizou uma checagem dos discursos dos candidatos

à presidência, logo após ou até mesmo durante os horários políticos. A

agência questionava em seu site e na própria página do Facebook,

pontos chave apontados pelos discursos políticos de cada aspirante ao

Palácio do Planalto. Inspirado no popular jogo de baralho, o

jornalismo produzido em “Truco!” ampliou o debate ativo sobre as

eleições nas redes sociais e forneceu também argumentos críticos para

os eleitores, com a apresentação de dados concretos e os discursos

anteriores de cada presidenciável.

A Agência Pública começou o ano de 2015 no ritmo que

adquiriu durante as eleições de 2014: lançou um financiamento

coletivo pela internet com o mote “Ocupe a Pública 2015”, iniciativa

que apresentou proposta de diálogo direto com os leitores, que

passaram a votar nas pautas a serem produzidas pelos repórteres.

Depois de postar as reportagens, sempre acompanhadas de discussão

no grupo fechado dos doadores do crowdfunding no Facebook, os

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 34 ]

repórteres fazem um hangout –programa do Google que cria uma

conversa com várias pessoas ao mesmo tempo – com os leitores

interessados em participar. A jornalista Marina Dias defende que é

“muito importante explicar para os nossos leitores que o jornalismo

que fazemos é de interesse público e é essencial que o público financie,

acompanhe e faça parte do processo todo”.

Apesar das campanhas de financiamento coletivo e da

abertura para contribuições no site, a Pública não é totalmente

sustentada pelos seus leitores. Assim como vários outros projetos de

cunho social no Brasil, ONGs e pesquisas em direitos humanos,

desenvolvimento sustentável ou liberdade de expressão (FORD

FOUNDATION, 2015), a agência é também financiada por

organizações internacionais como a Fundação Ford, a Omidyar

Network e a Open Society. O hábito de doar dinheiro para iniciativas

que seguem as linhas de discussão que são estabelecidas pelas

organizações – geralmente envolvendo os temas acima citados, além

de igualdade racial e outras questões sociais – é um ponto que vem

sendo bastante discutido com o surgimento de veículos

independentes, que precisam ganhar dinheiro de formas não

publicitárias, para conseguirem manter em funcionamento as suas

estruturas de produção e de difusão editorial, além de conseguir

remunerar adequadamente os seus profissionais.

Como sobreviver com um veículo profissional e sem grandes

patrocínios? A saída, para alguns, está nos acordos com fundações

filantrópicas juntamente com o financiamento coletivo vindo

diretamente do público leitor. Em entrevista ao Observatório da

Imprensa, Pedro Abramovay, membro da Open Society, declara que o

brasileiro não possui uma cultura de doação, e por isso os veículos

alternativos têm de se desdobrar para encontrar soluções financeiras.

“O Brasil tem o maior número de membros da Avaaz12 [petições

online], está em primeiro lugar, com 5 milhões, mas em doações fica lá

atrás” (SÁ, 2013, s/p).

12 Ver: www.avaaz.org/po

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 35 ]

A equipe da Pública acredita que a vontade e capacidade de

doações dos brasileiros está mudando, e obteve grande participação

do público no crowdfunding realizado no começo de 2015. “A gente

tinha proposto uma meta de 50 mil reais e conseguimos captar 70 mil.

Temos que a todo tempo mobilizar a rede e é claro, tem sempre aquele

frio na barriga: vai dar certo, não vai dar certo..., mas alegria de ver

que as pessoas estão contribuindo e se engajando em algo que elas

acreditam, é muito gratificante”, conta a jornalista Marina Amaral em

entrevista realizada na agência no dia 18 de setembro de 2015.

Marina Amaral, fundadora da Agência Pública de Jornalismo Investigativo.

(Foto: Bibiana Garrido)

O Catarse e o Juntos.com.vc13, plataformas de financiamento

coletivo no Brasil, são exemplos dessa realidade que mostra

crescimento diário no número de projetos enviados e no número de

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 36 ]

doações recebidas por cada um deles, contribuições individuais que

tendem a aumentar de valor de acordo com as “recompensas”

oferecidas pelo autor do projeto de financiamento. Por exemplo, ao

contribuir com dez reais, o leitor ganha um agradecimento público no

site do autor do projeto, mas, ao colaborar com vinte reais, poderá

ganhar uma camiseta, um livro, etc.

Também na cidade de São Paulo, outra iniciativa que entrou

na onda dos financiamentos coletivos foi o portal Outras Palavras, que

já é bem conhecido pelo público por suas reportagens, textos e ensaios

de fôlego, com conteúdos mais reflexivos e analíticos da

contemporaneidade. Comunicação compartilhada e pós-capitalismo

foi o lema escolhido pelo jornalista Antônio Martins, idealizador e

editor do Outras Palavras.

“A política editorial do Outras Palavras não é só contrária ao

capitalismo, é uma busca de alternativas ao capitalismo. Por isso

falamos em pós-capitalismo, porque ele começa agora. A lógica do

capitalismo é o individualismo, o mercado e a competição, então a

partir do momento que você adota uma atitude na sua vida que leva

em conta não somente esses valores, você está adotando uma atitude

pós-capitalista. A gente quer valorizar isso, acima de um orgulho

pessoal ou elitista, mas sim criar condições para que a sociedade

reflita e adote essas políticas no cotidiano”, explica Antônio Martins

em entrevista realizada na sede do Outras Palavras, no dia 18 de

setembro de 2015.

O portal Outras Palavras saiu do papel em 2010, e durante

três anos funcionou com recursos de Ponto de Cultura e de um prêmio

de Ponto de Mídia Livre. Foi em 2013, que a equipe formada por

quatro jornalistas decidiu se arriscar em uma nova forma de

sustentação econômica: o financiamento coletivo. “Não queríamos

fazer uma coisa episódica como um projeto na plataforma Catarse,

mas investir em algo institucional, o Outros Quinhentos, em que, a

qualquer momento, as pessoas interessadas podem apoiar. No

13 Para conhecer: www.catarse.me e www.juntos.com.vc

Page 37: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 37 ]

primeiro ano obtemos 40 mil reais, e no segundo ano conseguimos

obter 140 mil, o que não é tanto se pensarmos nessa quantia ao longo

de doze meses”.

“Nossa presença no Outras Palavras é um esforço político. Queremos que esse

espaço exista”, Antônio Martins, idealizador e editor do Outras Palavras.

(Foto: Bibiana Garrido)

Com um novo projeto para captação de recursos em 2016, o

Outras Palavras caminha ao lado de muitos outros veículos da

comunicação que estão no ciberespaço, em busca de “aproveitar essas

possibilidades que a internet oferece em favor do jornalismo”.

“Tentamos enxergar maneiras de reconstruir e resgatar o jornalismo

que já não é feito em moldes industriais, mas a partir de redes de

conhecimento compartilhado”, declara Antônio. “Em certo sentido,

isso significa negar o papel do jornalista como intermediário

obrigatório da informação, porque em uma sociedade em rede as

pessoas não dependem mais do produto industrial jornal, que foi

construído no dia anterior em um processo muito contraditório – você

conseguir entregar para milhares ou milhões de pessoas, todas as

Page 38: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 38 ]

manhãs, uma espécie de recorte de todas as informações que elas

precisam é uma grande conquista. Hoje o jornalismo tem que se

reinventar porque as informações já estão todas disponíveis. Temos

que oferecer para as pessoas não a exclusividade da informação, mas

sermos articuladores nessa rede completamente caótica”.

De modo semelhante ao Outras Palavras, o portal de notícias

Opera Mundi, apresenta reportagens de reflexão e profundidade. No

entanto, suas atividades são focadas na cobertura internacional, com a

proposta de apresentar as relações internacionais de uma perspectiva

de defensa dos direitos sociais e dos direitos humanos. As reportagens

discutem fatores econômicos, sociais e políticos, sob um olhar

progressista. Basicamente,

(...) progressistas são, em primeiro lugar, os governos, as forças

políticas e as instituições que lutam pela construção de um mundo

multipolar, que enfraqueça a hegemonia imperial hoje dominante,

que logre a resolução dos conflitos de forma política e pacifica,

contemplando a todas as partes em conflito, ao invés da imposição da

força e da guerra. (SADER, 2012, s/p)

Publicação da Última Instância Editorial, empresa privada

que faz a gestão e que administra o site, o Opera Mundi se define

como uma mídia digital independente. “Temos anúncios e banners no

nosso site, mas isso não compromete o andamento de nossa proposta

editorial”, explica o jornalista Dodô Calixto, repórter do Opera Mundi,

em entrevista realizada no dia 04 de agosto de 2015. É interessante

destacar que o portal não tem, por enquanto, nenhuma intenção em

realizar campanhas de financiamento coletivo, o que acreditávamos,

antes de fazer as entrevistas com os profissionais desses meios, ser

uma tendência muito forte na área do jornalismo alternativo na

internet, quase que unânime.

Sustentado economicamente por meio de diversos anúncios

publicitários, o site tem uma média de 800 mil a 1,5 milhão de acessos

por dia em sua página, de acordo com dados apresentados pelo

jornalista. O Opera Mundi mantém como público alvo os internautas,

Page 39: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 39 ]

e por esse motivo, por acreditar no crescimento da informação online

e do acesso do público a esse tipo de plataforma, não revela um

interesse em buscar audiências fora da internet. “É a proliferação do

on-life, que representa o fim do on-line e off-line. Ou seja, todos os

usuários estarão conectados durante grande parte do dia”, explica o

jornalista Dodô Calixto.

O trabalho no jornalismo na internet envolve a segmentação, e

com isso, embora o público seja amplo, acaba frequentando de

maneira mais assídua os sites com os quais se identifica em questões

de posicionamento ideológico e social. Embora as pessoas se

relacionem, compartilhem e leiam com frequência o Opera Mundi,

quando essas visitas ao portal representam um posicionamento

diferente daquele em que o leitor acredita, podem acontecer os casos

do que Dodô Calixto chama de “haters”, uma relação que surgiu

justamente com a internet, que é da audiência de ocasião. No entanto,

o marketing social vê a divulgação de matérias, mesmo que feitas por

pessoas que não estão interessadas na linha editorial do site, ofendem,

avacalham, e provavelmente não voltarão mais a esses portais, como

um acaso positivo, de disseminação do conteúdo.

O jornalismo independente e plural também depende

evidentemente, de uma série de outros desdobramentos. Uma delas é

sobre o que seria exatamente esse tipo de jornalismo, e como

diferenciá-lo dos demais? O que é de fato ser independente e o que é

ser alternativo? Na perspectiva de um jornalista que trabalha em um

desses veículos, quais seriam as visões sobre o futuro dessa atividade,

como sustentá-la de modo econômico, ideológico, político e social?

“É preciso investir em outra concepção da comunicação

social. De imediato, não trabalhar em uma lógica funcionalista da

comunicação, que privilegia resultados, audiência, ‘quantas pessoas

compartilharam e interagiram com nosso conteúdo’. Esse é um

modelo que investe na ideia de emissor-receptor, que, mesmo com

todas as possibilidades de interatividade nas redes sociais, ainda

entende o “público” como aqueles que estão ali para receber o

conteúdo”, diz o jornalista. “Esse é um modelo que surge na

Page 40: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 40 ]

perspectiva da mediação cultural de Martín-Barbero e, na minha

opinião, é obrigatório para fugir da comunicação como uma prática

mercadológica, individualista e focada nos resultados. Ser plural e

independente demandará no futuro, ter que romper definitivamente

com o modus operandi da mídia tradicional”.

Para o jornalista Guilherme Weimann, militante pelo

Movimento dos Atingidos por Barragens e repórter do jornal Brasil de

Fato, uma constante análise da conjuntura política do país é essencial

para estabelecer um diálogo com a sociedade civil e os jornalistas de

meios alternativos. “É essencial que a gente construa não só um meio,

mas diversos meios contra-hegemônicos para podermos disputar as

ideias, de disputar o imaginário social e cultural da sociedade. O Brasil

de Fato está muito longe disso, e qualquer outro veículo de esquerda

está muito longe disso. Ainda estamos em um processo inicial porque

no Brasil a esquerda nunca conseguiu criar um veículo contra-

hegemônico que conseguisse disputar realmente [com a mídia

tradicional]”, aponta o jornalista e militante.

Uma das saídas encontradas pela imprensa e mídia pós-

massiva no Brasil vem sendo também a conexão com movimentos

sociais, como é o caso do jornal Brasil de Fato, que hoje mantém as

versões impressa e online. O projeto é financiado exclusivamente por

movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST), é independente de patrocinadores de grandes

empresas e busca seguir a linha editorial defendida pelos

trabalhadores e pelos representantes dos movimentos sociais.

Para além do dinamismo dos jornais e tabloides impressos

com o selo “Brasil de Fato – uma visão popular e do mundo”, é notável

a busca de uma dinâmica maior de publicações pela internet. Um

detalhe importante para que as páginas dos movimentos na web

sejam lidas pelos mais diversos públicos é a escolha de cores que não

levem o leitor unicamente para o estigma da “bandeira vermelha”,

mas que apresentem um layout sóbrio e que transmita a seriedade do

trabalho editorial. Guilherme ressalta o risco da perda do diálogo por

Page 41: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 41 ]

conta do fechamento do veículo dentro de uma “bolha” ideológica. “É

importante procurar enxergar as contradições”, declara.

De acordo com o repórter do Brasil de Fato, o jornal procura

se modernizar e ter mais interações com os leitores na internet. Além

da página no Facebook, o site passará por uma reforma para ficar mais

compatível com os modelos de outros portais de notícias, mais

interativo e com atenção especial para o design.

A Revista Caros Amigos igualmente se coloca entre os veículos

de comunicação impressa que disponibilizam seu conteúdo na

internet e, com isso, afirma o gerente de marketing Pedro Nabuco,

está lado a lado de publicações que ainda proliferam na rede com

informações equivocadas, mal apuradas, que não refletem um

trabalho profissional de jornalista. “Estamos em um momento que a

situação ainda está um pouco confusa na internet, mas acredito que,

aos poucos, essa apuração vai ser maior e as pessoas vão começar a

selecionar melhor esse conteúdo”.

A Caros Amigos é totalmente sustentada pelo dinheiro vindo

das assinaturas de leitores, das vendas em bancas e também dos

anunciantes, a revista se mantém independente em sua linha editorial.

A primeira à esquerda, como diz o próprio slogan da publicação,

começou em 2015 a dialogar com seus leitores por meio de uma

postura mais dinâmica na internet. Uma recente reformulação do

design e arquitetura do site já mostra diferenças nos menus e na

organização mais intuitiva das páginas digitais da revista.

Em um ano de inovações, a Caros Amigos realiza o seu

primeiro financiamento coletivo na internet, uma captação de

recursos que não é direcionada para as edições mensais da revista

impressa. O crowdfunding foi destinado a financiar a produção de

edições especiais, sendo que primeira trata do sistema financeiro e dos

bancos no Brasil. Com uma média de 120 mil visualizações mensais

registradas no site da revista, um número ainda considerado baixo por

Pedro Nabuco, da equipe da Caros Amigos. Em entrevista, Pedro

afirma que a revista procura investir na estruturação da publicação na

Page 42: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 42 ]

web, e também na criação de projetos que possam atrair mais leitores

para essa plataforma.

Muitos são os percalços a serem vivenciados por uma mídia

alternativa, que antes nanica, agora se reinventa em uma nova

plataforma que não tem limites de abrangência e de tipos de

conteúdos e de linguagens. Os diversos modelos de sustentação

econômica, ainda que experimentais, mostram resultados positivos

que acenam para um futuro promissor para o jornalismo na internet –

e servem de inspiração para aqueles que ensaiam os seus primeiros

passos movidos pela perspectiva de produzir um jornalismo livre de

amarras e transitando sem controles de qualquer natureza, pelos

infinitos e intangíveis canais virtuais do ciberespaço.

É tal ideário libertador que motiva a equipe de repórteres do

projeto Repórter de Rua, um coletivo independente criado pelo

professor e jornalista Esdras Marchezan Sales em dezembro de 2013.

Com origem no estado do Rio Grande do Norte, em Mossoró, o

Repórter de Rua busca experimentações que unam a linguagem

escrita com o audiovisual, na produção de reportagens especiais por

uma equipe de nove jornalistas, além do fundador, produtores

audiovisuais, fotógrafos, designers e estudantes universitários.

Juntos eles elaboram grandes reportagens, por enquanto sem

periodicidade fixa, com uma frequência que se aproxima da semestral.

Isso porque o coletivo atua de forma independente tanto no âmbito

editorial quanto no financeiro, então, os participantes dividem-se

entre os seus trabalhos remunerados fora do projeto e as atividades do

Repórter de Rua, que, de acordo com Esdras, são as tarefas

responsáveis por lhes tomar os finais de semana. A pouca idade do site

é refletida no início financiado pelos seus próprios trabalhadores e que

começa agora a puxar novos pensamentos para o crescimento,

aumento de pessoal, bem como a manutenção financeira do site e a

remuneração dos profissionais que trabalham por ele.

“No momento os custos são todos dos integrantes do coletivo,

não há remuneração. Quando algum material recebe algum tipo de

premiação, o valor é dividido entre os envolvidos, de acordo com o

Page 43: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 43 ]

trabalho de cada um. Para este ano pensamos em trabalhar com

projetos de financiamento coletivo e editais públicos de forma a

garantir um pagamento justo aos profissionais que realizam os

projetos. Para adesão, aceitamos estudantes ou profissionais que

tenham perfis relacionados com a questão dos direitos humanos e

engajamento social”, conta Esdras Marchezan, que leciona na

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Reportagem especial do Repórter de Rua conquistou diversas premiações.

(Fonte: www.reporterderua.org)

Em um ano, o Repórter de Rua produziu três especiais:

“Resistência em Palmares”, “Garimpeiros: vida e morte embaixo da

terra”, e “Uma delícia de negócio”. Com eles, a equipe conquistou

cinco prêmios de jornalismo (BNB, TRT/RN, Massey Fergusson, Fiern

e Ministério Público do Trabalho), de acordo com o próprio site do

projeto. (REPÓRTER DE RUA, 2015).

Outros campos que podem ser explorados pelo jornalismo

digital independente já fazem parte dos planos dos jornalistas que

constroem do Repórter de Rua: a questão da produção transmídia

começa a ser estudada como uma forma de levar as suas produções

jornalísticas para fora da internet. Ao mesmo tempo, eles querem

manter o conteúdo da web como principal referência do projeto. As

Page 44: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 44 ]

reportagens multimídia passarão, então, a ser publicadas em outras

plataformas.

A principal – e, na verdade, única – forma de divulgação das

reportagens, de interação entre o público-leitor e os profissionais é o

contato pelas redes sociais, com destaque para o Facebook. Dessa

troca de mensagens de maneira direta e por comentários feitos na

página do Repórter de Rua, o compartilhamento de ideias com os

leitores é estimulado e as sugestões e elogios, bem como as críticas,

são recebidos abertamente pela equipe. Como o Repórter de Rua tem

como principal foco contar histórias da vida real, da “labuta” do povo

humilde, que praticamente não tem vez na mídia tradicional, a

receptividade da audiência torna-se sensível a essas referências e ao

trabalho realizado. “Acredito que boas histórias, quando bem

contadas, sempre terão público. A apresentação de uma narrativa

jornalística num formato diferenciado atrai um pouco mais a

atenção”, pontua o jornalista Esdras Marchezan. “A questão de buscar

pautas esquecidas pela mídia tradicional é um ponto muito positivo

para o jornalismo independente”.

Por vezes, temos a recorrente a impressão de que as

reportagens produzidas pela mídia alternativa trazem mais verdade do

que as veiculadas pela mídia tradicional brasileira, mas, uma vez

“atingida”, a mídia radical e majoritariamente de esquerda, mostra

também seus interesses políticos em defender ou criticar aquilo que

lhes convém. A Revista Caros Amigos, por exemplo, critica o governo

de Dilma Rousseff (PT) assim como o faz a mídia hegemônica,

enquanto o jornal Brasil de Fato, por parceiras com movimentos

populares e com a militância do Partido dos Trabalhadores, concentra

seus esforços em defendê-lo.

De uma forma ou de outra, a audiência ativa, frente às

diversas vertentes políticas da comunicação, precisa se desvencilhar

da via de mão única do jornalismo, e passar a fazer uso das

ferramentas que agora tem nas mãos, da diversidade de informação e

da própria produção de conteúdo. Só assim, o público conseguirá

Page 45: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 45 ]

estabelecer uma base sólida de formação de opinião independente do

posicionamento editorial de um veículo ou de outro.

A contra-comunicação, aqui explicitada brevemente em seu

movimento crescente na internet, nos aparece como mediadora no

processo de formação histórica das classes “subalternas” como

produtoras de sua identidade e de seu próprio conhecimento. Muitas

vezes, a construção da cidadania dos setores populares também

depende da disponibilidade de espaços de publicação para divulgar as

notícias importantes para a organização da vida cotidiana dos

segmentos sociais subestimados pelos veículos burgueses. O acesso

cada vez mais ampliado das camadas trabalhadoras às tecnologias de

informação cria possibilidades concretas para os canais pós

comunicação de massa disputarem o poder de alcance e informação

monopolizados por muitas décadas, pela mídia convencional.

Page 46: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 46 ]

Mídias, mudanças, comunicações

Em meados dos anos 1990, a internet começou a funcionar

como uma rede informática aberta e pública, um sistema digital de

comunicação interativa, em tempo real e com alcance mundial. Desde

o início ela ofertou aos seus fascinados usuários uma quantidade

imensa de canais virtuais para a divulgação de todos os tipos de

informações. O processo progressivo de informatização e de

digitalização foi tornando as interfaces entre os usuários e os

computadores mais amigáveis e eficientes, fenômeno que contribuiu

para transformar a rede mundial de computadores no veículo mais

versátil e abrangente na história da comunicação humana. Os

internautas aprenderam rápido a utilizar interfaces e aplicativos

eficientes, para a produção e a difusão de mensagens e para a troca de

informações em um espaço ilimitado para publicações. O desenvolvimento do ciberespaço, impulsionado pela rápida

expansão das redes da internet, passou a disponibilizar aos usuários

uma grande variedade de ferramentas informacionais versáteis, que

também impulsionaram o crescimento do comércio e da publicidade

digital. A demanda profissional favoreceu a multiplicação de

aplicativos digitais para a produção e edição de uma infinidade de

conteúdos formatados e divulgados como mensagens escritas,

sonoras, imagéticas e audiovisuais.

Em apenas duas décadas (1995-2015) de existência e de uso

coletivo da rede ou teia mundial de computadores, e com o

desenvolvimento global da comunicação multilateral e multimidiática

que ela propiciou, houve mudanças radicais nos sentidos tecnológicos,

culturais e profissionais, em todos os espaços cotidianos e nas

atividades produtivas das sociedades contemporâneas. Entretanto, é

preciso observar que as influências da internet hoje são mais

Page 47: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 47 ]

facilmente percebidas no campo das relações culturais e interpessoais,

especialmente na esfera da produção, das trocas e fruição simbólica. Para Magnoni, a internet pode ser classificada como um

“hipermeio de comunicação” e de digitalização de suportes midiáticos,

cujo desenvolvimento muito recente ainda gera dificuldades e

estranhezas, especialmente para os profissionais de comunicação e de

informática, como também para o público mais velho que usufrui das

muitas possibilidades objetivas que esta oferece (MAGNONI, 2010).

Os serviços públicos de telefonia e de telecomunicações comerciais, a

comunicação empresarial e corporativa, os meios publicitários de

informação e de entretenimento também mudaram muito em pouco

tempo. Tantas foram as transformações em apenas 20 anos que hoje é

difícil, para quem tem menos de 30 anos, saber apontar todas essas

modificações ocorridas e quais foram os efeitos sociais, econômicos e

culturais que elas provocaram. A rede mundial de computadores formou em vinte anos

gerações de internautas que se tornaram dependentes, conectados aos

sistemas tecnológicos para realizar atividades profissionais, buscar

informações noticiosas, fazer pesquisas escolares e acadêmicas, e

participar de comunidades virtuais. A partir dos anos 2000 houve a

aceleração da convergência midiática, caracterizada pela digitalização

das diversas tecnologias analógicas e também das mensagens de cada

veículo ou suporte. A digitalização ocorreu primeiro e com mais

facilidade na passagem de conteúdos e linguagens noticiosas dos

veículos impressos, jornais e revistas, para a publicação em sites e

portais online, de parte de suas coberturas e produções jornalísticas.

Conforme houve a evolução das tecnologias de streaming, o rádio, a

televisão, os acervos fonográficos e cinematográficos passaram

também a circular sistematicamente pela rede. O Brasil da segunda década do século 21, apesar das

significativas melhorias que têm sido registradas há mais de dez anos

pelos indicadores socioeconômicos, segue um país com enormes

carências. Dentre as desigualdades sociais, de gênero, de etnia e/ou

cor, está a desigualdade de acesso, da conectividade, a exclusão digital

Page 48: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 48 ]

que vem da lenta e precária universalização da internet domiciliar de

banda larga e também da baixa qualidade de acesso à internet móvel,

oferecidas em troca das abusivas tarifas cobradas pelas operadoras

telefônicas privadas que prestam tais serviços. Apesar dos fatos, cresce consideravelmente o número de

internautas. Em 2015 no Brasil, 65% da população com mais de 12

anos estava conectada de alguma maneira à internet. São 107 milhões

de brasileiros e brasileiras em rede, enquanto que desses, 87 milhões

acessam a internet também por dispositivos móveis (F/RADAR,

2015). Um crescimento significativo é observado se comparados os

números ao ano de 2014, no qual 57% da população acima de 12 anos

estava conectada, e os internautas da rede móvel somavam 62,5

milhões de pessoas (F/RADAR, 2014). Os percentuais de crescimento da internet no mercado

brasileiro são significativos quando comparados com outros veículos

comerciais. Ainda que a expansão e os serviços da internet tenham

sido entregues, pelo governo federal, ao monopólio privado das

grandes multinacionais de telecomunicações. Cabe observar que as

companhias telefônicas adotam para as redes de internet, tanto

domiciliares, quanto móveis, a mesma lógica que utilizam para a

telefonia celular. Elas cobram preços abusivos por conexões que são

de péssima qualidade – as conexões em banda larga fixa somam

apenas 39% do total de acessos no Brasil (TELEBRASIL, 2014) – e

concentram a distribuição de seus serviços somente em localidades

densamente povoadas, onde conseguem obter a máxima lucratividade

da infraestrutura de telefonia, da qual a maior parte já estava

instalada antes da era das privatizações. Além do crescimento do acesso domiciliar, as plataformas

portáteis ajudam a ampliar a audiência do ciberespaço. Os

dispositivos móveis conectados reproduzem uma popularização

semelhante àquela dos anos 1960, com os “radinhos de pilha”. A

portabilidade e a audição individualizada ajudaram as emissoras da

época a preservar o público, a força cultural e ideológica do veículo,

Page 49: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 49 ]

mesmo com a drástica redução de receita publicitária que açoitou as

emissoras depois do surgimento e da rápida expansão da televisão.

Todavia, diante do atual poderio nacional da televisão aberta,

é possível visualizar uma diferença objetiva entre o rádio e a internet:

provavelmente o primeiro teria sido totalmente absorvido pela

televisão se a recepção de suas estações prosseguisse domiciliar e

grupal, feita em receptores ligados à tomadas. A internet, por sua vez,

dispõe de recursos tecnológicos, midiáticos e econômicos, abrangência

e carisma crescente, para desbancar num futuro próximo, a poderosa

televisão aberta brasileira do topo do ranking de faturamento e

audiência, até porque a rede conta com a audiência preferencial das

gerações que nasceram inseridos no ecossistema do ciberespaço.

É gente que se interessa apenas por padrões e recursos digitais

que sua faixa etária está habituada a utilizar desde a infância. Eles

representam uma porcentagem crescente de pessoas que não lê

jornais, não cultiva o hábito de ouvir rádio com frequência e que

também não sente muita atração pela televisão comercial. Constituem

um segmento social com hábitos e personalidades ainda em formação,

portanto, estão definindo os valores, gostos e preferências individuais

e grupais, que irão predominar na vida adulta.

É por conta da acentuada mudança de hábitos das novas

gerações em relações aos meios, que os aplicativos de comunicação

derivados da internet passaram a representar fontes de preocupações

permanentes para os donos da “velha mídia”. É fato que eles não

haviam previsto nem o surgimento da internet, então, não poderiam

também ter pensado nos efeitos colaterais que a rápida expansão da

rede traria para seus veículos e os respectivos modelos de negócios

que os sustentavam.

O primeiro revés midiático intenso e duradouro para os

veículos analógicos, foi resultante da conjugação de digitalização e

convergência de tecnologias e de conteúdos na internet. A

convergência induziu uma mescla maior de formatos e de linguagens

sincréticas, enquanto a unificação dos suportes de difusão introduziu

mudanças radicais nas maneiras de recepção e fruição de informações

Page 50: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 50 ]

online. O fluxo de digitalização se tornou irreversível para os meios,

produtos e culturas de comunicação, que haviam se desenvolvido

desde os primórdios da imprensa.

O desenvolvimento dos meios analógicos no Brasil

Desde a segunda metade do século 19 até ao final da Primeira

Guerra Mundial, em 1918, o desenvolvimento de novas tecnologias

gráficas e do modelo de jornalismo sustentado pela publicidade foram

ferramentas vitais para a organização das economias e das sociedades

modernas. A imprensa assegurava a opinião pública favorável à

hegemonia política e econômica das burguesias liberais do ocidente, e

ajudou, naquele período, a expandir os mercados internos e externos,

ao divulgar novos modos de vida, estimular o consumo e criar outras

necessidades coletivas. Algumas décadas depois, o rádio viria ampliar

a hegemonia capitalista, ao alcançar com sua mensagem oral e

instantânea os analfabetos e também os habitantes isolados nos locais

mais distantes de cada território nacional. A contribuição da

radiodifusão mais apontada pelos autores e especialistas no assunto,

foi a sua capacidade de despertar o desejo coletivo pelo consumo de

bens materiais e simbólicos, valores que são basilares para as

sociedades urbano-industriais (MAGNONI, 2010). A partir de 1920, a multiplicação internacional de emissoras

ampliou as bases da cultura informativa, de consumo e de

entretenimento, que haviam sido geradas pela imprensa, pela

publicidade, pela fonografia e pelo cinema. Na década de 1950, a

radiodifusão audiovisual e domiciliar da televisão viria reforçar

mundialmente a cultura de consumo de massa. Aliás, é válido

ressaltar que a invenção do transistor, tecnologia que permitiu

também nos anos 1950, a fabricação dos primeiros aparelhos portáteis

de rádio, foi quem deu início a era dos microprocessadores e da

informatização dos meios de comunicação e dos maquinários fabris.

Page 51: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 51 ]

A partir da década de 1970 começou a mudança mais

profunda do modelo industrial moderno: o computador e a

automatização digital passaram a alcançar todos os espaços sociais e

as atividades produtivas mecanizadas, tão típicas das sociedades

desenvolvidas. Um ciclo transformador e desestabilizador, amplo e

duradouro, que em plena metade da segunda década do século 21,

segue agindo e alterando todas as atividades humanas dependentes do

uso de recursos tecnológico de comunicação e informação e de

qualquer tipo de maquinário.

A digitalização começou a ganhar relevância no ambiente produtivo

dos grandes meios de comunicação na década de 1980. O processo

ganhou forma com a introdução experimental de computadores nas

redações dos veículos impressos e, pouco depois, nos estúdios de

produção de conteúdos para televisão, nas produtoras de vídeo, em

agências de publicidade e em gravadoras de áudio. Nas emissoras

de rádio, a informatização dos estúdios começou a se popularizar

nos anos 1990, tanto na produção artística e publicitária, quanto no

radiojornalismo. Os computadores serviram como máquinas mais

avançadas de escrever e de compor páginas inicialmente, pois

dispunham de diversos recursos para redigir, revisar e formatar

textos, e também para a criação de projetos gráfico-editoriais, para

“diagramar” e montar matrizes de impressão de jornais e revistas.

Tais inovações permitiam substituir antigas ferramentas e

aperfeiçoar muitíssimo a qualidade de todas as etapas de

editoração, além de atualizar e agilizar a produção gráfica em geral.

Cada nova geração de equipamentos informatizados lançada no

mercado internacional apresentava recursos mais sofisticados,

potentes e mais versáteis para a criação, desenvolvimento,

gravação, edição, finalização, armazenamento e também para o

envio de conteúdos sonoros, audiovisuais e gráficos. [...] Durante os

anos 1980, o “patronato” da mídia analógica pretendia investir na

informatização de seus veículos motivados pela mesma lógica dos

industriais, que desde a década anterior vinham automatizando

suas fábricas. Todos buscavam digitalizar suas linhas de produção

para reduzir o número de trabalhadores e os custos operacionais,

enquanto planejavam aumentar a qualidade, a competitividade, a

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 52 ]

produção, a diversificação de mercadorias e o lucro de suas

empresas. A informatização suprimiu um grande volume de tarefas

manuais, intelectuais, ou realizadas com máquinas-ferramenta e

extinguiu muitas funções profissionais diretas ou de prestadores de

serviços complementares às diversas atividades midiáticas.

(MAGNONI, p.43-45, 2014)

Em meados de 1990, o público brasileiro que dispunha de

computadores domésticos começou a utilizar a internet, que na época

tinha conexão precária pela linha telefônica, e logo descobriu que o

novo meio era um imenso suporte aglutinador e armazenador de

dados, além de ser também um potente localizador de informações.

Em um primeiro momento, foram as linguagens e os conteúdos

impressos que exigiram menos complexidade técnica e capacidade de

memória para a digitalização, que começaram a trafegar pela rede. A

transmissão digital eficiente de conteúdos musicais, de mensagem de

rádio, televisão e vídeo precisava esperar o aumento da capacidade de

tráfego nas redes de conexão e a evolução dos sistemas de transmissão

por streaming, que permitiu em 1995 a transmissão de música e de

radiofonia. Em 1997, a mesma tecnologia foi adaptada para transmitir

conteúdos audiovisuais pela internet. O constante aperfeiçoamento tecnológico da rede e de todas as

plataformas e dispositivos conectados ao seu fluxo informacional

estimulou e acelerou a sua popularização mundial. No Brasil, desde o

início dos anos 2000, a expansão da internet ocorreu

simultaneamente à expansão dos serviços de telecomunicações e de

telefonia celular. É notório que veículos de difusão massiva de

informação, de comunicação noticiosa e publicitária têm servido

desde o século passado, como instrumentos de incremento ao modo

de produção e de consumo vigente nas sociedades urbanas. Apesar da intensa ofensiva das corporações multinacionais

produtoras e vendedoras de tecnologias e dos Estados capitalistas

dominantes com clara intenção de controlar e de mercantilizar a

internet, desde o início da construção coletiva do ciberespaço, um

emergente movimento de atração interdisciplinar entre diferentes

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 53 ]

especialidades de conhecimento se ampliou. Uma ação coletiva

movida pela necessidade de alimentar uma forma livre e colaborativa

de rede, para assegurar a padronização mundial da comunicação

“internáutica” de forma gratuita, descomplicada, amigável e

democrática. Para Steven Johnson,

A mudança mais profunda prenunciada pela revolução digital não

vai envolver adereços ou novos truques de programação. Não virá

na forma de um navegador digital em três dimensões, do

reconhecimento da voz ou da inteligência artificial. A mudança

mais profunda vai estar ligada às nossas expectativas genéricas em

relação à própria interface. Chegaremos a conceber o design de

interface como uma forma de arte - talvez a forma de arte do

próximo século. E com essa transformação mais ampla virão

centenas de efeitos concomitantes, que penetraram pouco a pouco

uma grande seção da vida cotidiana, alterando nossos apetites

narrativos, nosso senso de espaço físico, nosso gosto musical, o

planejamento de nossas cidades. Muitas dessas mudanças vão ser

sutis demais para que a maioria das pessoas a perceba, ou melhor,

vamos perceber as mudanças, mas não na sua relação com a

interface, porque vários elementos vão parecer pertencer a

categorias diferentes, como diferentes alas de um supermercado.

Mas a história da tecnocultura é a história dessas mesclas, os efeitos

secundários improváveis de novas máquinas se espraiando para

transformar a sociedade que os envolve. A analogia mais fértil para

esse processo é a invenção da perspectiva na pintura. (JOHNSON,

2001. p.155)

A interatividade rompe com a comunicação vertical típica da

relação funcionalista emissor-canal-receptor dos meios analógicos.

Ela estabelece a simetria entre os entre os interlocutores, ao permitir o

diálogo e a visualização entre todos, o que dá aos participantes a

sensação de contato direto, de presencialidade virtual. É evidente que

a “audiência” da internet, mesmo quando as pessoas navegam em

busca de entretenimento, não se comporta passivamente como o

público dos veículos tradicionais.

Page 54: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 54 ]

O ato de conexão exige do internauta atitude bem mais

objetiva que aquela do radiouvinte ou do telespectador, que ligam os

seus receptores em busca de informações pontuais, de música de

fundo para aliviar a rotina ou para ajudar aqueles que estão travados

no trânsito a passar o tempo de forma menos extenuante.

Boa parte da comunicação online é interpessoal e de grupos

sociais e organizações que buscam interlocução, que divulgam sua

existência e suas ideias na rede, do mesmo modo que pregariam

cartazes em murais ou quadros de aviso, telefonariam, enviariam

cartas ou distribuiriam panfletos para atrair interessados. São

mensagens com apelo específico e sem vínculo mercadológico, em

busca apenas de outros interlocutores ou de mais adeptos para

determinada causa.

Longe de ser um meio para introvertidos e incapazes de sair de

casa, o computador pessoal revela-se a primeira tecnologia [...] que

aproxima estreitamente pessoas que não se conhecem, em vez de

afastá-las. A maioria das grandes inovações dos últimos cem anos

tornou progressivamente mais fácil evitar contato, em especial a

conversa com pessoas que não são nossos colegas, ou familiares, ou

amigos. O automóvel criou as clausuras dos condomínios fechados;

o telefone e a televisão nos mantém firmemente plantados nos

nossos espaços domésticos; até no cinema a vida pública se

desenrola sob um voto de silêncio. A última revolução tecnológica

de vulto que aproximou estranhos foi o descaroçador de algodão e

seus descendentes industriais, que transferiram milhões de

trabalhadores da esparsamente povoada zona rural da Europa e do

leste dos Estados Unidos e os apinhou nos cortiços e nas linhas de

montagem de cidades fabris como Manchester e Lowel. A Internet

está permitindo novamente que estranhos se interajam, embora

desta vez sem a violência e a labuta da Revolução Industrial. Há

algo de profundamente animador nessa vida pública redescoberta,

mas grande parte dela ainda é especulativa. Grande parte dela, de

fato, depende das interfaces que serão concebidas nos próximos

anos, projetadas para representar comunidades de pessoas e não

espaços privados de trabalho. (JOHNSON, 2001. p.51-52)

Page 55: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 55 ]

A diferença fundamental entre as tecnologias analógicas e as

digitais é que todos o sistemas informáticos atuais, embora não

estejam ainda disponíveis para todos indivíduos, alteram o cotidiano e

as percepções vivenciais em todo o mundo, porque estão presentes de

forma direta e indireta, em praticamente todos os espaços de vivência

humana. A rapidez das transformações tecnológicas atuais não

reservam tempo e fôlego para a reflexão mais apurada sobre seus

múltiplos efeitos e pressões sobre o ecossistema humano.

Hegemonia e contra-hegemonia na comunicação

Por mídia tradicional ou “grande” mídia, entendemos os

veículos de comunicação que construíram suas bases e edificaram

suas empresas de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão e

grupos multimídia de comunicação jornalística, entretenimento e

publicidade. O ciclo mais significativo de desenvolvimento dos

veículos nacionais de comunicação comercial no Brasil ocorreu

durante a ditadura militar de 1964.

Foi o Marechal Humberto Castelo Branco, primeiro

“presidente” militar, que começou a construir a infraestrutura da

Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), criada em 1965

como uma estatal de economia mista, para assegurar ao país os

serviços de telefonia e de telecomunicação.

A partir da Embratel foi possível implantar a Rede Nacional

de Televisão e interligar, com troncos de micro-ondas, todos os

estados brasileiros, além de iniciar a comunicação mundial via satélite

com a construção da estação terrestre do município de Tanguá (RJ). O

sistema público foi cedido preferencialmente à TV Globo em 1969,

para enviar os sinais para suas retransmissoras. Com o explícito apoio

dos militares, a emissora carioca criou sua rede nacional durante o

“milagre brasileiro”, um surto desenvolvimentista que completou até a

metade a década de 1970 o ciclo urbano-industrial brasileiro.

Page 56: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 56 ]

A ditadura militar de 1964 favoreceu as condições técnicas e políticas

para que a televisão comercial brasileira fosse organizada como rede

nacional, um projeto inspirado na radiodifusão comercial de Getúlio

Vargas. O regime dos generais elegeu a televisão como seu meio de

comunicação oficial. As redes abertas de televisão reproduziram e

ampliaram o papel econômico e ideológico que o rádio comercial

desempenhou nas décadas de 1930, 40 e 50. E, do mesmo modo que

o rádio “inaugurou” a modernidade brasileira, a televisão realizou no

país a transição dessa modernidade tardia para a pós-modernidade

precoce, que foi adquirindo formato nos anos 1970, dentro das

conflitantes e autoritárias estruturas modernas da época.

(MAGNONI, 2010, p. 27-28)

Acobertado por uma espiral de silêncio, o oligopólio midiático

tomou forma no Brasil e impôs um alinhamento noticioso

centralizado, um processo verticalizado de seleção de notícias, que se

tornou mais do que simples agendamento noticioso ou um problema

de jornalismo oficialista. Na prática, o jornalismo “chapa branca” se

tornou parte do controle político das informações de interesse da

sociedade civil e um sistema de defesa dos interesses mútuos dos

estamentos dominantes comprometidos com a ditadura.

Da parte dos governos militares, não interessava a divulgação

de torturas, prisões e desaparecimentos de ativistas políticos e

intelectuais contrários ao regime ditatorial, e de outras ações

“incomuns”, que não poderiam ser formalmente praticadas por

agentes do Estado. Para os grandes meios de comunicação, manipular

a realidade fazia parte do projeto de desenvolvimento, do “milagre

brasileiro”, que foi preconizado pelo regime. Assim, com a prática da

autocensura, se tornou mais fácil conseguir concessões e

financiamentos governamentais para consolidar grandes

conglomerados midiáticos, bloquear os espaços da concorrência e de

evitar aborrecimentos com os órgãos reguladores.

O conceito de hegemonia desenvolvido pelo filósofo Antonio

Gramsci pode ser aplicado, de forma negativa, ao contexto jornalístico

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 57 ]

que presenciamos hoje na realidade midiática brasileira. Lembrando

que as formas de hegemonia nem sempre são as mesmas, e que

variam de acordo com a natureza das forças que a exercem (MORAES,

2010), o poderio midiático representa, na verdade, muito mais do que

parece: a detenção da informação nas mãos de poucos – no caso, de

poucas famílias – faz com que o público-alvo dessas empresas

enxergue a realidade a partir do ponto de vista determinado pela linha

editorial dos veículos pelos quais se informa. A crise conceitual e institucional solapa a lógica racional

moderna e escolhe arbitrariamente a globalização como sua substituta

paradigmática. Ao “atropelar” as formas modernas de organização e

resistência popular e democrática dos trabalhadores, e de poucos

setores remanescentes das burguesias nacionais, a globalização

emerge como nova diretriz universal de progresso, de atualização

produtiva, como fonte financeira de acumulação de riquezas e de

reorganização social dos povos. Detentora da nova razão pós-

moderna, o ente sobre-humano que, como observa Forrester, são

poucos os que dispõem de audácia para contestar:

Será que alguém se arrisca a murmurar algumas tímidas reservas, a

demonstrar certa vertigem em face da hegemonia de uma economia

mundializada abstrata, desumana? Não demoram muito para nos

calar o bico com os dogmas dessa mesma hegemonia na qual,

sejamos realistas, nos encontramos aprisionados. Não demoram

muito para nos opor as leis da concorrência, da competitividade, o

ajustamento às regras econômicas internacionais – que são as da

desregulamentação – e de nos entoar loas sobre a flexibilidade do

trabalho. Cuidado então para não insinuar que, por esta razão, o

trabalho se acha, mais do que nunca, submetido ao bel-prazer da

especulação, às decisões de um mundo considerado rentável em

todos os níveis, um mundo totalmente reduzido a ser apenas uma

vasta empresa – aliás, não forçosamente administrada por

responsáveis competentes. Alguns diriam: um vasto cassino. Não

demoraram muito para nos opor e nos impor o respeito das leis

misteriosas, mais ou menos clandestinas, da competitividade, e de

coroar tudo isso com a chantagem de deslocamento de empresas e

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 58 ]

de investimentos, a transferência mais ou menos legal de capitais,

acontecimentos que, de resto, ocorrem de qualquer maneira.

Chantagem em suma, com meios cada vez mais opressivos.

(FORRESTER, 1997. p.32)

A destruição criativa, que era utilizada como estratégia para

forçar a modernização das tecnologias industriais e alimentar a

competição produtiva, parece estar sendo aplicada na remodelação

financeira e na regulagem do tamanho e do dinamismo de economias

periféricas dependentes. Um ajuste global realizado com a supervisão

de economistas neoliberais que integram a burocracia financeira do

Fundo Monetário Internacional, do Japão aos Estados Unidos, da

Indonésia e Coreia do Sul à Rússia, da Argentina ao Brasil.

O que faz a diferença entre os países ricos e pobres é o sentido

do fluxo financeiro, que segue sempre da periferia para o centro

durante a “transfusão” de recursos amealhados com o aperto dos

orçamentos nacionais dos países dependentes. Ninguém se importa

se o “doador” está anêmico: sempre será possível subtrair mais

algumas reservas de suas artérias econômicas, para preservar intacta

a robustez do capitalismo central. Tomando como base o fato de que diversas camadas sociais de

brasileiros ainda vivem sob tremendas desigualdades estruturais e

sociais, assimetrias que estão na base da organização de nossa

sociedade (SOUZA et al, 2009, p. 334), não é surpresa o aparecimento

impulsionado pelas novas tecnologias, de canais não hegemônicos,

como instrumentos de expressão pós-massiva, de representação

simbólica e de defesa política do ideário das minorias subestimadas no

debate social brasileiro, como são por exemplo, a população negra, a

população pobre e a população indígena. Essa disparidade na

qualidade de vida – ou na falta de qualidade – influi na possibilidade

do próprio acesso à internet. São 38% os brasileiros ainda estão

apartados da realidade do mundo virtual (IAB Brasil, 2014).

Como forma de se contrapor à essa abordagem dos grandes

veículos nacionais e regionais, a comunicação alternativa busca

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 59 ]

maneiras de permear as relações sociais, de seguir ladeando o

jornalismo tradicional na formação das opiniões que permeiam as

diversas camadas da sociedade brasileira. A imprensa nanica, como

foi chamada na época do regime militar, atingiu hoje um patamar

antes inimaginável. Tudo graças a realizável façanha de se conectar ao

mundo em um dispositivo – ou em vários, de acordo com a

possibilidade ou preferência do usuário. Da pesquisa de iniciação científica, realizada entre 2013 e

2015, se motivou o estudo dos meios de comunicação do Brasil que

traça seu percurso até este livro-reportagem Projeto de Conclusão de

Curso. As Jornadas de Junho foram o cenário perfeito para

acompanharmos e distinguirmos, conceitualmente e visualmente, a

cobertura noticiosa dos veículos e de prática jornalística durante os

protestos, com o objetivo de apresentar o contexto do jornalismo no

Brasil, a estabilidade dos oligopólios comunicacionais em detrimento

da liberdade de informação e de representação do povo brasileiro, das

lutas sociais e movimentos de massa.

Agora, como complemento, a teoria fundamenta a prática na

busca de entendimento sobre os novos veículos, que mudam a cada

dia, o tipo de produção moderna e informativa, que ainda entendemos

por jornalismo. Um breve retrato das ações e dos meios jornalísticos

alternativos brasileiros, que também se tornam relevantes no sentido

de “reconhecer as potencialidades do jornalismo, e não apontar

somente suas mazelas, [o que] pode ser um caminho a ser trilhado

pela imprensa popular alternativa” (CASSOL, 2010, p. 28). No mesmo ano de 2013, que parece ter sido palco de grandes

enfrentamentos e mudanças não só para a mídia tradicional, mas para

o jornalismo brasileiro como um todo. Começaram a se dar grandes

cortes de pessoal e de veículos, uma maneira de eliminar despesas em

grupos e empresas como a Editora Abril, que em agosto de 2013

fechou quatro de suas revistas.

No ano de 2015, a editora da família Civita abriu mão de mais

sete de suas publicações, desta vez não as fechou, mas vendeu os

direitos de propriedade de suas revistas para a Editora Caras

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 60 ]

(REVISTA FÓRUM, 2015). Outros casos de relevante repercussão se

seguiram, como o do jornal Estadão, que demitiu cinquenta

profissionais da comunicação em 2015 e também diminuiu o número

de cadernos e suplementos do jornal impresso (CARTA CAPITAL,

2015) . Falou-se, então, em crise do jornalismo.

Acostumada a ditar regras ou modismos e a conduzir a vida política e

cultural do país, a mídia tradicional depois de “reinar” absoluta por

décadas encontra hoje um contraponto exemplar: a internet. Longe

de controles econômicos ou paradigmas a internet chegou para tirar

o bolor e a manipulação constante do noticiário, notadamente, da

chamada grande imprensa e seus articulistas que se consideram os

“donos da verdade”. (BRASIL247, 2013, s/p)

A internet, uma plataforma ainda desenvolvimento, coloca em

xeque-mate as maneiras tradicionais de se fazer jornalismo, de

difundir e de consumir os conteúdos. O próprio comportamento e a

demanda dos públicos se alteram e se adaptam a cada novidade

lançada pelo mercado tecnológico.

As vendas diárias de grandes jornais brasileiros como Folha de S.

Paulo e O Globo têm caído desde o ano 2000. Dados divulgados pelo

Instituto Verificador de Circulação (IVC) revelam que a Folha, O

Globo e O Estado de S. Paulo perderam, respectivamente, 10,84%,

7,75% e 16,93% de circulação média diária em abril de 2009, se

comparada aos números de abril de 2008. (FERREIRA; LIMA, apud

MATTOS, 2014, p. 24, grifo do autor)

Veja bem, a crise está no modelo de negócio, nas linguagens e

formas de diálogo com o público que estão presentes – ou ausentes –

nos veículos da antig mídia consolidada no Brasil. A expressão

popular jornal só serve para embrulhar peixe cabe como um reflexo

da queda de demanda pelo produto, enquanto que, em rede, os

acessos e a busca por informação nunca foram tão volumosos: de um

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 61 ]

lado, a venda de jornais impressos está em queda, de outro, a

circulação da notícia em outras plataformas aumenta. É quase como dizer que 2013 foi o ano do “chacoalhão” para a

mídia tradicional, que de fato se torna não só uma velha mídia, mas,

acima de tudo, que pratica um jornalismo caduco, que perde

rapidamente a confiança e a credibilidade dos seus públicos. A lição,

anotada às duras penas pelos jornalistas mais antiquados, foi dada

pelo povo nas ruas que ativamente se movimentou dentro e fora da

rede; foi dada pelos veículos alternativos que despontaram com seus

novos formatos de coberturas jornalísticas, veículos esses também das

ruas, junto com a população.

O desafio que sobrou aos grandes conglomerados da

comunicação foi reaprender a justamente se comunicar com o seu

próprio público, que não se contentava mais com o papel passivo que

lhe fora dado e passou a explorar um verdadeiro leque de

possibilidades informativas que se abriu com a internet.

Possibilidades essas que demoraram, mas foram aos poucos sendo

descobertas pelos que fazem a notícia, restando aos profissionais da

comunicação o dilema de como tirar da notícia que está em rede,

disponível de maneira ilimitada, o sustento econômico do jornalismo.

A dificuldade em assimilar novos modelos de negócio

perpassa o relacionamento conflitante do jornalismo com a internet, e,

ao passo que são feitas tentativas e investimentos nessa nova

plataforma, o leque se revela mais e mais promissor.

(...) os jornais brasileiros tiveram crescimento médio de 1,8% na

circulação em 2012, mas o que é digno de nota é que o aumento se

deveu ao avanço das edições digitais, que aumentaram 128% na

comparação com 2011. Elas responderam por 100% do aumento no

ano e já representam 3,2% da circulação total. Esse crescimento das

edições digitais deve se manter. (ANJ apud MATTOS, 2014, p. 26)

O que é possível de se observar e interpretar com certa

rapidez, é que essa “crise do jornalismo” que acossa os antigos

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 62 ]

veículos de comunicação não tem suas origens somente na área

tecnológica e concorrencial, fatores tradicionais que costumam

sufocar os sistemas produtivos e econômicos mais defasados – tanto

que esses sistemas estão se integrando cada vez mais às novas mídias

com portais online para atender ao público internauta.

Os veículos da mídia tradicional também enfrentam uma crise

de origem simbólica e cultural, que deriva das mudanças de

mentalidades individuais e dos comportamentos coletivos, e que

acabam alterando os modelos sociais e os processos criativos, até

afetar os processos produtivos, as estruturas e as relações de natureza

econômica, política e moral.

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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Os movimentos sociais em rede

Basta rememorar o começo da internet comercial no início dos

anos 1990: naquele período, a incipiente rede de computadores

permitiu divulgar ao mundo o Movimento Zapatista, organizado por

populações indígenas extremamente pobres da remota província

mexicana de Chiapas. Os Zapatistas souberam entender e utilizar com

maestria a informática em rede, e contaram com o talento

comunicativo de seu emblemático subcomandante Marcos para a

troca de informações e conhecimento pela web. Conseguiram divulgar

sua causa política e humanitária para os principais veículos da mídia

internacional e para todo o resto da população mundial.

Os movimentos antiglobalização que eclodiram nos Estados

Unidos em 1999, a articulação do Fórum Social Mundial, realizado

anualmente a partir de 2001, são também organizações que se

tornaram possíveis com o uso coletivo da internet.

A crise capitalista iniciada com a bolha imobiliária americana

em 2008 provocou uma infinidade de ações coletivas de denúncia e

resistência social nos EUA e em diversos países da Europa. Todas as

mobilizações dependeram dos canais e de recursos de comunicação do

ciberespaço. Três anos depois, com a constatação de um processo de

influência empresarial, ganância e corrupção cada vez maiores – além

da crescente desigualdade econômica e social – explodiu o movimento

Occupy Wall Street.

Os 99%, como se denominavam os manifestantes,

contestavam politicamente o comportamento que reflete a máxima de

Edmund Burke, que parece reger não só o “Partido de Wall Street”

(HARVEY, et al., 2012, p.58), mas o mundo capitalista como um todo.

Em sociedades compostas de diferentes classes, algumas devem estar

necessariamente por cima.

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 64 ]

Existem certos momentos na história em que um acontecimento

aparentemente localizado, regional, tem a força de mobilizar uma

série de outros processos que se desencadeiam em diversas partes do

mundo. Ou seja, as ideias, quando começam a circular, desconhecem

as limitações do espaço, pois têm a força para construir um novo.

(HARVEY, et al., 2012, p.44)

“Manifestantes”, “vândalos”, “rebeldes”, “vagabundos” “black

blocs”, “depredação do patrimônio público”, “protesto pacífico”,

“protesto com baderna”, são expressões que cansaram os olhos e

ouvidos dos brasileiros durante as Jornadas de Junho de 2013. Com o

aumento da tarifa do transporte público na capital São Paulo,

desembocou-se uma revolta geral da população – paulista de início,

mais tarde, brasileira –, contra a má administração dos serviços

públicos do metrô e do transporte de ônibus da cidade.

Todos os meios e veículos de comunicação estiveram ligados

aos protestos e manifestações, bem como toda a população brasileira,

seja de maneira temerosa, seja apoiando de casa, seja na rua,

protestando também. As manifestações se fizeram ver e ouvir para

abrir os olhos não só dos que concentram a renda da população

brasileira – os 10% mais ricos concentram 41,9% do dinheiro,

enquanto os 40% mais pobres são responsáveis por 13,3% da renda

total do país (IBGE, 2013, p.173).

Os protestos de junho de 2013 agregaram para a opinião

pública brasileira, a repentina e intensa movimentação popular contra

o aumento de tarifas do transporte público, o debate ocasional sobre a

necessidade de maior participação política e a clareza sobre a ação

ideológica dos oligopólios midiáticos comerciais. Os manifestantes

começaram a observar nas redes de rádio e televisão e nos grandes

jornais e revistas, um tipo de cobertura que não mostrava a realidade

vivida por eles mesmos naqueles atos organizados pelas ruas das

maiores cidades do país. O grito desafiante “o povo não é bobo, abaixo

à Rede Globo!”, ecoou forte em todas as capitais brasileiras.

Foi então que os grandes veículos comerciais sentiram de fato

a força concorrencial da internet, com a intensa e contínua cobertura

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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alternativa feita ao vivo e de forma colaborativa, graças aos recursos

multimídia de pequenos dispositivos digitais utilizados pelos novos

meios e pelos coletivos de jornalistas independentes, como aqueles

que cobriram as manifestações pela Mídia Narrativas Independentes,

Jornalismo e Ação (NINJA). A queda de audiência e o descrédito,

tanto das grandes emissoras de rádio e de televisão quanto da

imprensa, forçou a “velha mídia” a reformular as estratégias de

diálogo com os seus públicos. No movimento, uma das bandeiras que mostra a força da

internet dentro dos protestos era na verdade um pedido aos

moradores próximos dos locais onde se realizavam os protestos:

“liberem seu Wi-Fi”. Isso porque a maioria das residências que possui

um roteador, aparelho que possibilita a conexão à internet, o mantém

bloqueado com uma senha pessoal, o que acaba dificultando o acesso

dos manifestantes à rede, para divulgar informações em tempo real e

também se comunicar com os mais variados grupos de organização.

A crise representativa dos cidadãos em relação à imprensa e

aos veículos de radiodifusão fica evidente depois das manifestações

pela tarifa zero no transporte público. A revolta contra os jornalistas

da “grande mídia” se intensificou a partir do momento em que o

público brasileiro percebeu a discrepância entre as notícias e

informações divulgadas por esta e por meios mais plurais, como as

transmissões online da Mídia Ninja, que muitas vezes mostravam em

suas filmagens ao vivo, exatamente o contrário do noticiado

“oficialmente” pelos grandes meios comerciais.

Os manifestantes e as parcelas da população que se sentiram

convencidos pelos protestos também começaram a participar dos

registros dos acontecimentos em muitas localidades brasileiras

criando uma rede de compartilhamento de conteúdos informativos. A

participação voluntária na cobertura das Jornadas é uma prova de que

os ambientes virtuais estão cada vez mais utilizados por usuários

críticos que procuram possibilidades comunicativas e colaborativas

em diferentes meios digitais, como resposta aos veículos tradicionais,

pela omissão ou alteração dos fatos, que eles praticam rotineiramente.

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 66 ]

O aumento de R$ 0,20 que causou toda a mobilização inicial

na internet, aos olhos dos empresários e autoridades do governo,

deveria ser “só mais um aumento”, como outro qualquer, dentro das

taxas de circulação pública de São Paulo. Mas, o que não puderam

prever foi a ação do Movimento Passe Livre (MPL), que desde 2004 se

faz presente na luta pelo transporte público gratuito no Brasil, e que

prontamente organizou eventos nas redes sociais para divulgar os atos

e protestos na capital paulista. O MPL mantém um site14 no qual

divulga todas as informações, relatórios e pesquisas abertos ao acesso

público, o que mantém um histórico atualizado do movimento.

O aumento da taxa somou-se à precariedade do serviço (vide

as notícias frequentes naquele ano de descarrilamento de trens do

metrô, sem contar a lotação no transporte público) e foi então que em

julho de 2013 a denúncia contra a empresa Siemens, de um cartel nas

obras do metrô, expôs o caos administrativo paulista, com

envolvimento de partidos e de políticos vinculados ao governo

estadual em esquemas de corrupção.

Porém, 21 anos de ditadura militar parecem ter incrustado na

grande mídia brasileira o conservadorismo e a intolerância ao

pensamento crítico, resquícios de um regime repressor. A velha mídia,

pelos cantos e como quem não quer nada, na ambição de um

verdadeiro oligopólio midiático, se apoderou da produção informativa

do país através de acordos de bastidores nada transparentes. Não deu

outra: os veículos tradicionais de informação se limitaram, a princípio,

a denunciar as manifestações de 2013 como atos de vandalismo e que

atrapalhavam o trânsito da grande capital paulista. O alinhamento

editorial dos oligopólios midiáticos mascara, com uma visão

estereotipada e falsamente moralista, os interesses econômicos e

políticos aos quais eles estão ligados.

O jornalismo praticado pelos conglomerados de veículos

comerciais subestima e desqualifica a disputa de projetos políticos-

14 Ver: http://saopaulo.mpl.org.br/

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 67 ]

administrativos entre os setores democráticos da sociedade e os

setores autoritários e minoritários, comprometidos com bandeiras de

estado mínimo e de internacionalização indiscriminada da economia

brasileira. A mídia “oligárquica” não hesita, quando lhe interessa, em

“colocar panos quentes” sob atos que seriam condenados ilegais, ou,

em assediar e pressionar os governantes, de municípios até o Palácio

do Planalto. São recorrentes os filtros ideológicos e econômicos

aplicados aos conteúdos jornalísticos dessas empresas. A manipulação da informação na edição jornalística, no

entanto, muitas vezes não é opção dos jornalistas que produzem

matérias e reportagens; há um “regulamento”, os “princípios

editoriais” que são seguidos em cada jornal, revista ou emissora.

Assim, os veículos comerciais priorizam os interesses mais

particulares de seus proprietários, em detrimento da informação e das

demandas da sociedade por notícias precisas e confiáveis.

Com a grande demanda da população por notícias e pela

cobertura dos protestos em 2013, chegou-se em um ponto no qual a

mídia tradicional não poderia mais limitar seus relatos aos boletins

sobre o trânsito caótico, que era atrapalhado pelas manifestações.

Uma reviravolta nas famosas espirais do silêncio promovidas de vez

em quando, por um veículo tradicional descontente com algum acordo

político ou comercial desvantajoso. A mobilização das mídias

alternativas foi tamanha que a grande mídia não pôde mais ignorar os

fatos, e tampouco falsear as informações. Foi preciso noticiar para não

perder o público leitor, ouvinte ou telespectador. Ao utilizar a hashtag #vemprarua – ferramenta que filtra

buscas sobre determinado assunto em redes sociais como o Facebook,

Twitter e o Instagram – os manifestantes concentravam informações

sobre os protestos que estavam acontecendo.

Não muito tempo depois, durante o período eleitoral de 2014,

a ferramenta da hashtag passou a ser incorporada na campanha

#vempraurna do governo federal. Com uma clara referência às

ferramentas utilizadas pelos manifestantes no ano anterior, as

autoridades passam de modo implícito a ideia de que as mudanças

Page 68: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 68 ]

desejadas pelo povo brasileiro aconteceriam com uma maior

participação coletiva no processo eleitoral, e não no “quebra-quebra”

das ruas, ao qual tanto se referiu a mídia comercial.

De um jeito ou de outro, subestimando ou exaltando os

movimentos sociais e os protestos, uma coisa é certa: o poder do

ativismo no ciberespaço deixou de ser ignorado pelas autoridades

brasileiras. Hoje em dia, ativistas, organizações, campanhas,

empresas, e até mesmo políticos já possuem páginas próprias no

Facebook para divulgar suas ações e propostas – como exemplo temos

a página da presidenta Dilma Rousseff, com 800 mil “curtidas” antes

das eleições, e atualmente, com quase 2,6 milhões. O deputado pelo

PSOL do Rio de Janeiro Jean Wyllys, eleito três vezes o melhor

deputado federal pelo Congresso em Foco, tinha aproximadamente

400 mil “curtidas” antes do período eleitoral. Agora, conta com quase

800 mil em sua página pessoal no Facebook. As redes sociais tiveram um papel fundamental para pautar a

discussão dos direitos cidadãos e buscar o caminho da participação

democrática nas decisões e políticas públicas. Por meio de eventos

criados no Facebook, a programação e os atos da população eram

divulgados para toda a rede de internet. Um protesto na cidade de São

Paulo poderia ser acompanhado por quem estava no interior, em

outro estado, ou até mesmo fora do Brasil, isso somente por meio da

navegação nas redes sociais. Além do Facebook, Twitter, Instagram e

Youtube foram muito utilizados na produção de conteúdo

independente e da informação contra-hegemônica das manifestações.

Atualmente, quando entramos na internet, podemos observar

uma série de veículos de comunicação já conhecidos por seus formatos

impressos, radiofônicos e televisivos, que também se fazem presentes

na rede, seja em um site, portal de notícias, ou em forma de aplicativo

para smartphones e tablets.

Por esta razão, e também por querer conciliar comunicação e

as novas tecnologias, restringimos o campo de análise da pesquisa aos

aparatos online dos jornais e revistas escolhidos: os sites de notícias

dos jornais Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, da revista VEJA e o

Page 69: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 69 ]

portal de notícias G1, representando a mídia tradicional do país. No

campo dos veículos de jornalismo pós-massivo e independente

selecionamos os sites do jornal Brasil de Fato, da Revista Caros

Amigos, do portal e Revista Fórum e também do portal Outras

Palavras – na época, a Agência Pública e o projeto Repórter de Rua,

citados no segundo capítulo deste livro, não tratavam tão ativamente

das manifestações no Brasil.

A Revista Fórum, que em 2014 passou a ser exclusivamente

digital, possui um trabalho mais analítico no sentido do próprio papel

das mídias alternativas e redes sociais na construção dos atos e

manifestações. Sua posição editorial destaca a necessidade de se

democratizar a comunicação no Brasil. Por meio de pesquisas, dados,

gráficos e da alusão histórica, o cenário atual das comunicações e o

jornalismo brasileiro são apresentados ao leitor como ultrapassados e,

até mesmo, arrogantes e “autistas” em seu tradicionalismo.

O grande problema da mídia hegemônica é não reconhecer que

perderam o monopólio da novidade e da informação, e que os fluxos

informativos se desenvolvem por outras vias. (...) Esta postura de

arrogância que cheira a um certo “autismo” a medida que ignora

outros fenômenos e processos que ocorrem na sociedade da

informação cria situações patéticas como esta. (OLIVEIRA, 2013,

s/p)

“Se a necessidade das reformas é latente, há que se indicar

claramente que duas delas merecem ser disputadas nas ruas: a

reforma política e a democratização da comunicação” (PIVA, 2013,

s/p). Ao contrário da atitude tomada pela mídia hegemônica – de

prontamente julgar os manifestantes e taxá-los de vândalos, criando a

fábula do “bom protesto”, o pacífico, e do “mau protesto”, o “com

baderna” – vemos na mídia pós-massiva a tentativa de fomentar um

debate mais saudável, incluindo pautas que “tocam na ferida” do

status quo brasileiro, como a da democratização da mídia, além do

apoio aos itens já defendidos pelos manifestantes em 2013.

Page 70: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 70 ]

Um mapeamento realizado pela Interagentes, dirigida pelos

sociólogos Sérgio Amadeu e Tiago Pimentel em parceria com a Revista

Fórum mostra a análise das postagens do Facebook no período das

manifestações. Mais precisamente, são os compartilhamentos do dia

05 ao dia 13 de junho de 2013, “quando São Paulo foi governada e

dominada durante toda a noite pelas bombas e as balas de borracha da

Polícia Militar” (ROVAI, 2013).

Temas em discussão no Facebook no dia da manifestação de 13/06/13.

(Fonte: INTERAGENTES/REVISTA FÓRUM)

A pesquisa comprova que a maioria dos comentários na rede

social eram favoráveis ao Movimento Passe Livre (62%), enquanto que

os comentários negativos corresponderam à menor soma (16%). Os

comentários restantes (22%) foram classificados como neutros por

não assumirem um posicionamento. Essa pesquisa não foi divulgada

pela grande mídia hegemônica em nenhum momento durante as

semanas em que se sucederam os protestos pela tarifa zero.

Page 71: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 71 ]

Participação das redes sociais na construção dos atos.

(Fonte: INTERAGENTES/REVISTA FÓRUM)

A partir da análise do gráfico acima, igualmente

disponibilizado pela pesquisa do Interagentes, fica visível a magnitude

que alcançaram as manifestações após o 4° ato, do dia 13 de junho,

marcado pela violência e pelo confronto direto da Polícia Militar com

os civis. O engajamento virtual se expande de maneira viral, dado o

crescimento no número de compartilhamentos de notícias, imagens e

outros tipos de conteúdos publicados nas redes sociais.

A informação produzida pelos veículos de informação, sejam

eles hegemônicos ou contra-hegemônicos, se espalha pela rede com a

ajuda dos manifestantes e da população que compartilha com seus

círculos de amizade os links diretos para os portais de notícias. Sem

contar as informações que são dadas pelos próprios cidadãos,

Page 72: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 72 ]

ilustradas com vídeos e fotos de seus próprios dispositivos móveis, e,

muitas vezes, em tempo real.

As Jornadas de Junho também ficaram conhecidas como a

Revolta do Vinagre, por conta do vinagre que era levado nas mochilas

de manifestantes como proteção do gás lançado pela polícia - esta que

chegou ao ponto de confiscar o produto. Foram as primeiras grandes

mobilizações da população brasileira desde os protestos pelo

impeachment do presidente Fernando Collor.

Por essa convergência de ideias que se alastrou pelo país em

2013, a sociedade toma aos poucos a consciência da necessidade de

uma reinvenção da democracia, mais participativa, mais dialógica,

mais horizontal. O povo nas ruas mostrou que sabe se unir, sabe fazer

barulho para chamar atenção das autoridades, e mostrou que o poder

popular não ficou no passado. A cobertura intensiva, a interação nas

redes, algo até então inédito, apresentam novos horizontes para uma

conectividade ativista de cada mulher e cada homem conectado. É então escancarada a crise de representação política vivenciada

no Brasil. A revolta do povo iniciada em 2013 ainda nos dá sinais de

sobrevivência: nas manifestações durante a Copa do Mundo em 2014,

com um leque de pautas que se estende ao nível das relações

exteriores do Brasil, no ano de 2015 e 2016, com a retomada do

Movimento Passe Livre, dos “black blocs” e dos “pula-catracas”, com

um fôlego que parecem ter recuperado durante o intervalo de pouco

mais de um ano sem manifestações.

Outras discussões e pautas também tomaram as redes sociais

na forma de agregadoras para a organização de protestos nas ruas,

como a Primavera das Mulheres contra o Projeto de Lei 5069/13, que

dificultaria o acesso ao aborto nos casos permitidos pela legislação

brasileira; mulheres essas que com as hashtags #meuprimeiroassédio

e #meuamigosecreto também instauraram o debate sobre o machismo

na sociedade brasileira; a mobilização contra a reorganização e

fechamento de escolas estaduais em São Paulo com a hashtag

#nãofechemminhaescola, para acompanhamento da movimentação

dos estudantes e mídias acerca do assunto; a Marcha das Mulheres

Page 73: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 73 ]

Negras em Brasília em novembro de 2015, dentre tantas outras lutas

que ganharam força nas redes sociais. Henry Jenkins em Cultura da Convergência (2009) afirma que

os antigos consumidores, antes da World Wide Web, eram indivíduos

isolados. Com a convergência, a internet e as redes sociais, os novos

consumidores são mais conectados socialmente. A inteligência

coletiva, termo apresentado no livro, refere-se à capacidade das

comunidades virtuais de alavancar a expertise combinada de seus

membros. O que não podemos ou não sabemos fazer sozinhos, agora

podemos fazer coletivamente.

Outra razão de crise no universo do jornalismo atual, envolve a

internet, onde qualquer [um] pode agir como um repórter. Basta um

pequeno relato, uma foto de câmera digital para contar uma

informação. Podemos chamar isto de jornalismo? Existe uma briga

intensa em relação ao tema. Pode-se chamar de jornalismo cidadão,

uma situação em que as pessoas relatam o que acontecem no seu

bairro ou na região que vivem. É o tipo de noticiário local que

possibilita a participação do público. Sob esta ótica, o jornalismo

colaborativo, como aponta Christofoletti (2008), é muito bem-vindo

uma vez que ajuda na composição dos fatos. Mas jornalismo

continua exigindo responsabilidade, ética e o comprometimento com

a credibilidade. (TEIXEIRA, 2010, p.8).

O papel dos veículos brasileiros de comunicação fica abalado

considerando-se o fato de que o próprio manifestante e cidadão passa

a querer ser seu próprio porta-voz, por não mais acreditar – ou confiar

– unicamente nos meios de comunicação, na capacidade deles de

transmitir de forma verdadeira a sua fala e as ideias para o restante da

população. A comunicação feita de modo tradicional, de um jeito ou

de outro, teve seus pilares remexidos e precisa o quanto antes, rever

suas políticas como mediadora da informação, e consequentemente,

redescobrir o jornalismo que se transforma mais uma vez, em nova

plataforma mais direta, capilar e coletiva.

Page 74: Jornalismo Pós-Massivo

[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 74 ]

Dentro das análises feitas em pesquisa de iniciação científica,

comparando as reportagens de cobertura dos protestos de 2013

produzidas e divulgadas pelas mídias massiva e pós-massiva

brasileiras, pudemos observar uma série de questões que diferem uma

da outra. Ao começar pela linguagem, que é o pilar indispensável para

que qualquer ação comunicativa possa ocorrer.

No que se refere às formas de comunicação, constitui-se como

linguagem textos visuais ou imagéticos, sinais, signos, gestos ou

movimentos, e até mesmo as taxas de diferenças hormonais, sistemas

sonares e outras ações programadas na natureza animal. A linguagem

utilizada pela mídia, por sua vez, vai muito além do escrito,

fotografado ou filmado que está registrado no papel ou em tela digital,

da reportagem que vai ao ar pela tevê ou no rádio.

Nas reportagens analisadas da mídia tradicional, observa-se

uma linguagem fria, por vezes meramente descritiva das

consequências dos atos organizados pelo Movimento Passe Livre. Ou

seja, dos engarrafamentos no trânsito, das ruas fechadas, do barulho,

do congestionamento do tráfego, da violência, da depredação de

patrimônio privado, etc. “Acesso ao Porto de Santos fica 4h fechado.

(...) O ato terminou por volta das 20h30 e não houve brigas nem

vandalismo” (ASSUNÇÃO, 2013, p. A14 da edição de 25/06 do

Estadão, encontrada no acervo online até a data de consulta,

02/08/14, depois, não mais disponível no site do jornal). Além disso,

as reportagens geralmente descrevem os números de manifestantes

presentes, números de policiais feridos, às vezes as estatísticas de

manifestantes feridos, mas nem sempre, e números de manifestantes

presos/levados para a delegacia. Temos um retrato desse

sensacionalismo com tendências conservadoras, por meio de uma

reportagem feita pela equipe do jornal O Estado de S. Paulo na edição

do dia 08 de junho de 2013, que começa com a seguinte manchete:

“No 2° dia de confronto e destruição, protesto fecha Marginal do

Pinheiros” (grifo nosso).

Constatamos na grande mídia em 2013, uma tendência para

evitar a combinação de palavras “transporte” e “público”, quando em

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 75 ]

notícias que abordavam as reivindicações dos protestos e do MPL pela

redução da tarifa do mesmo. Eles usavam sempre, em vez disso, algo

como “transporte coletivo”, “tarifa de ônibus e metrô”, “custo do

transporte”, assim por diante. “Por que saem para a rua para protestar

contra o aumento de preços dos transportes jovens que não usam

esses meios de transporte porque têm carro, algo impensável há 10

anos?” (ESTADÃO, 2013, p.A18, edição de 19/06, grifo nosso) – nesse

trecho, além da omissão do termo “público”, tem-se o sofisma

apresentado ao leitor de que não é necessário um transporte coletivo

de qualidade e barato, uma vez que já temos carros o suficiente.

Tal comportamento evidencia o poder que está por trás da

mínima manipulação advinda da escolha das palavras: evitar que o

leitor associe ideias não convenientes para a elite do país, como a de

que o transporte público, como já diz o nome, deveria ser de graça.

Muitas são as ocasiões e datas em que se repete esse

comportamento por parte da mídia tradicional brasileira. Outros

exemplos mais alarmantes e escancarados desse “mau jornalismo”,

passional e confortavelmente acolhido pela direita política, podem ser

encontrados em publicações como a Revista Veja:

A Polícia Militar montou cordões de isolamento e efetua revista nos

grupos de manifestantes que protestam contra o reajuste das tarifas

de transporte na região central de São Paulo. Cinquenta pessoas

foram detidas nesta quinta-feira para averiguação, alguns portando

pedras, gasolina e coquetel molotov. (...) A preocupação dos policiais,

que monitoram a área com câmeras e helicópteros, é evitar a

presença de arruaceiros que usam o protesto como pretexto para

depredar a cidade. (...) Diante do descontrole das manifestações, que

degeneraram em balbúrdia e tumultuaram a rotina do paulistano, o

governo de São Paulo prometeu ser mais duro. (...) A explicação para

o vandalismo está na natureza do movimento, cujo discurso é raivoso

e beligerante. (VEJA, 2013, s/p)

Depois dos “boletins de trânsito” e de produções textuais

raivosas, deu-se o que podemos chamar de próximo estágio da

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 76 ]

cobertura noticiosa dos meios tradicionais, foi a classificação dos atos

em “pacífico” ou “violento”, isso logo depois do reconhecimento por

parte da grande mídia da validade dos protestos, coincidentemente

assim que seus próprios jornalistas começaram a ser feridos pela PM,

enquanto faziam o seu trabalho de documentar o que acontecia.

Desde então, as manifestações passaram a ser classificadas e

narradas do mesmo jeito, quase que de modo idêntico, pelos grandes

veículos de comunicação. Primeiro, o julgamento: se o protesto foi

pacífico, ou se teve vandalismo, se houve algum tipo de dano ao

patrimônio alheio ou ao fluxo do trânsito. Depois, os manifestantes

poderiam ter suas pautas reportadas, e, se dessem sorte, sem alteração

dos fatos ou manipulação de números dos presentes nos atos – a

famosa versão da contagem feita pelos movimentos sociais comparada

com a da polícia militar, sempre menor que a primeira.

É importante lembrar que as mídias massivas no Brasil têm

sim seu papel e sua relevância, dado o contexto dos oligopólios

midiáticos. É por meio dela – quase que somente dela – que se

assegura abrangência e credibilidade, o famoso bordão “se não deu no

Jornal Nacional, não aconteceu”. Por outro lado, a centralidade das

pautas anula a regionalidade e faz com que no país todo se tenha como

prioridade as notícias de grandes capitais como São Paulo, ou Rio de

Janeiro. Além de toda a seleção dos temas que são ou não de interesse

para os veículos participantes desses oligopólios, há também os filtros

econômicos e políticos de seus patrocinadores, financiadores e

participantes de diversos acordos sociais, econômicos e políticos,

daquilo que se deve divulgar em rede nacional.

Para o jornalista Antônio Martins, do portal Outras Palavras a

questão é problemática e está enraizada no jornalismo da velha mídia.

“O Brasil hoje é um Brasil muito mais país do que ele era há 20 anos,

por exemplo. Temos inúmeros polos de produção, não só de bens, mas

produção de conhecimento e de cultura, e esse jornalismo continua

baseado nos mesmos centros de sempre. Talvez porque ele esteja em

decadência, ele ainda não percebe essa falta”.

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 77 ]

Uma vez constatada a amplitude da informação e do fluxo

construído por essas organizações, é que a mídia tradicional alimenta

o debate que bem entender, o que é de real valor para discussões que

envolvem a sociedade como um todo, de importância pública como

um projeto de lei, por exemplo. Assim, “(...) a centralidade da velha

mídia – televisão, rádio, jornais e revistas – é tamanha que nada

ocorre sem seu envolvimento direto e/ou indireto” (MARICATO et al,

2013, p. 89).

Esse aparente paradoxo decorre do fato de que a velha mídia,

sobretudo a televisão, (ainda) controla e detém o monopólio de

‘tornar as coisas públicas’. Além de dar visibilidade, ela é

indispensável para ‘realimentar’ o processo e permitir sua própria

continuidade. (MARICATO et al, 2013, p. 90)

O controle e a formatação da informação são derivados da

“ibopização do pensamento”, um condicionamento pragmático dos

projetos editoriais aos indicadores de audiências, cujas pesquisas da

maior parte do mercado nacional são monopolizadas pelo Instituto

Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ipobe). Conhecer a opinião

dos públicos é essencial para guiar as estratégias de comunicação dos

veículos midiáticos. Eles são movidos pela busca de ganhos

mercadológicos, pela ampliação do alcance de seus anúncios

publicitários e a liderança de seus conteúdos de informação e de

entretenimento. É verdade que nem os sites deixam de se preocupar

com o controle do número de acessos. A mensuração dos ambientes

virtuais serve para categorizar os interesses dos internautas e para

facilitar ao comércio online, o direcionamento de ofertas e de

propagandas adequadas ao perfil de cada dispositivo e usuário.

De maneira complementar a atividade da mídia contra-

hegemônica se instaura nesse contexto por meio da coleta das pautas

locais, de assuntos com apelo social e coletivo, que são ignorados e

não selecionados pela grande imprensa brasileira. A participação

desse jornalismo social na mídia brasileira é relevante justamente pelo

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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sentido de trazer à tona informações que não seriam divulgadas se não

fossem por esses micromeios, que não são barrados pelos mesmos

interesses dos oligopólios do jornalismo no país. No entanto, é aí que

se encontra o atual problema da mídia alternativa no Brasil, esse

mercado não apresenta grande visibilidade perante o público, nem de

seus veículos, muito menos do material que é divulgado neles. A

concorrência com a grande mídia é mais do que acirrada, é desigual a

partir do momento que esta concentra para si a maioria dos espaços

disponíveis para a comunicação – espectros, canais de televisão,

emissoras de rádio, grupos empresarias de jornais e revistas – e

também a maioria dos patrocínios e dos anúncios publicitários.

Como principal diferença das notícias e reportagens massivas

e pós-massivas, temos a abordagem e o direcionamento dado em cada

uma de suas matérias. Logo de cara, ao estudar o portal Outras

Palavras, nos deparamos com uma reportagem que apresenta o

contexto que deu início aos protestos pelo Passe Livre, algo não

encontrado de forma tão direta e expressiva no conteúdo pesquisado

na grande mídia.

Na próxima quarta-feira, 14 de agosto, os paulistanos, quem sabe

todos os brasileiros, terão mais uma oportunidade de dar um

chacoalhão na classe política tradicional. (...) Para este dia está

marcado um protesto contra o “propinoduto tucano”, alcunha com

que se convencionou denominar ao recém-divulgado esquema de

corrupção envolvendo três administrações do PSDB à frente do

governo do estado (Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra) e

grandes empresas do setor metroferroviário, como a alemã Siemens,

a francesa Alstom, a japonesa Mitsui e a espanhola CAF. (BREDA,

2013, s/p)

Em nossa pesquisa, procuramos por palavras específicas nos

sites de cada veículo: “protestos”, “passe livre” e “tarifa zero”, sendo

delimitado o período – quando possível, ou seja, quando os sites

possuíam mecanismos de busca e pesquisa – para os meses de junho,

julho e agosto, majoritariamente. Também foram analisadas algumas

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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notícias, notas e reportagens sobre os protestos que se seguiram às

Jornadas de Junho, como os da Copa do Mundo 2014 e os protestos

de 2015 também.

Quando na versão online do veículo não estava presente o

recurso busca por data, procuramos dentro das matérias exibidas,

aquelas que se encaixavam no período/tema. Fizemos uma pesquisa

qualitativa buscando a análise crítica em relação à linguagem dos

conteúdos divulgados, dentro da cobertura das manifestações de 2013,

tanto quanto suas manchetes, linhas finas – os subtítulos das

reportagens – o direcionamento e até mesmo em relação às imagens

escolhidas pelos diferentes veículos.

Assim como acontece no Outras Palavras, o jornal Brasil de

Fato também assume uma posição editorial a favor do povo, ao lado

dos que protestam nas ruas e reivindicam, como eles, em suas pautas

de reportagens e de outros materiais produzidos. Como prova dessa

postura popular adotada pelas mídias de comunicação alternativa,

verificamos que vários deles divulgaram o anúncio de uma das

conquistas das mobilizações populares que se desdobraram após as

pautas iniciais pelo Passe Livre, e, como para enfatizar sua união com

o povo, o jornal se utiliza da primeira pessoa do plural, “nós”,

chamando todos para “as próximas disputas”.

Aprovado na última quarta-feira, 14, o substitutivo do PL 323/2007

do deputado federal André Figueiredo (PDT/CE), que vincula as

receitas da exploração do petróleo à saúde e educação, representa

uma vitória para o povo brasileiro, que em junho mostrou sua força

nas ruas. (...) Este é o momento para nos prepararmos para as

próximas disputas, construir unidade das organizações e

mobilizarmos as bases para pressionar o governo, garantindo os

interesses do povo. (PARÁ, 2013, s/p)

Percebe-se no Brasil de Fato uma linha de reportagens que faz

referência aos protestos, mas nada que se limite ao factual e ao

descritivo. Os temas, em todas as matérias analisadas, são conduzidos

para análises históricas e políticas, dentro do visão política da

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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esquerda, ou seja, na defesa de movimentos sociais, de pautas que

representem o povo, do mercado mínimo, da soberania popular, etc.

Tem-se, como exemplo desse jornalismo que vai além do fato, uma

reportagem veiculada na versão online do Brasil de Fato que é

inteiramente dedicada a explicar ao leitor os motivos pelos quais não

há necessidade de taxas no transporte público – pauta jamais

abordada na mídia de massas.

O custo variável por passageiro, embora mensurável, é desprezível

em relação ao custo fixo da operação. Um passageiro a mais não

custa nada a mais (rigorosamente, custa uma fração infinitesimal do

custo). (...). Assim, não tem o menor sentido falar-se em custo ou

remuneração por passageiro. (...) O número de passageiros

transportados não é, em si mesmo, o objeto de cálculo do custo do

sistema, mas a base do seu dimensionamento. (...) O intuito é ocupar

no tempo, inteiramente, a rede operacional, cujo capex (gasto de

capital) já foi feito na instalação do sistema e o opex (custo da

operação) não cresce por conta da ligação a mais que o usuário

completa. (...). Para resumir: num sistema como o atual, que leve em

conta a remuneração também por passageiro, o empresário é levado

a baixar seu custo ofertando menos viagens, de modo a lotar um

número menor de veículos, o que significará serviço de pior

qualidade. (ZILBOVICIUS; GREGORI, 2013)

Como vemos, a questão da representatividade afeta o

jornalismo brasileiro, que, assombrado pelo oligopólio, ramifica-se na

esperança de criar um canal mais aberto de comunicação com o povo,

na produção contra-hegemônica, também comunitária, a de mídia

radical. Com menor visibilidade, menor credibilidade, os veículos do

jornalismo alternativo conquistam, aos poucos, seu espaço na social

na opinião pública. Mas isso basta? Vimos que durante as

manifestações a visão dada pela grande mídia contribuiu sim – e

ainda contribui, qualquer que seja a pauta abordada – para a

construção do imaginário popular, a formação de opinião dos

brasileiros, mesmo que o dado não fosse o mais correto, ou o mais

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

[ 81 ]

ético, como taxar os manifestantes de “vagabundos”. O debate da

democratização e da regulação da mídia, enfim, se mostra cada vez

mais necessário.

O medo de debater este tema tem um longo histórico, pois desde a

época de Getúlio Vargas na presidência da república (1930-1945), a

imprensa brasileira conviveu com a interferência direta de governos

sobre suas ações e com a questionável relação com o poder político e

com o poder econômico. Nota-se claramente em nossos meios de

comunicação a estreita ligação dos órgãos de informação com

interesses políticos dominantes e com o inteiro compromisso desses

mesmos meios com a infindável difusão de novos hábitos de

consumo e de comportamento. A ideia de que os meios de

comunicação são serviços públicos e que por isso devem ser

constantemente avaliados pela sociedade foi devidamente colocada

de lado e, de modo bastante contundente, qualquer tentativa de

questionar essas práticas é taxada de cerceamento de liberdade e de

uma afronta à democracia. (...) O fato de não haver qualquer forma

de controle da sociedade civil sobre os meios de comunicação pode

abrir uma lacuna para a restrição à amplitude das informações. Ou

seja, a não avaliação pela própria sociedade de seus veículos de

comunicação pode tornar-se para ela uma interseção entre ter uma

comunicação comprometida com toda a sociedade ou uma

comunicação comprometida com os interesses de alguns pequenos

grupos de pessoas. (BUSATO, 2001, p. 30-33)

Talvez agora, em tempos atuais, a forma de controle das

mídias pela sociedade tenha vindo à tona com a ferramenta da

internet: novas fontes de informação com canais cada vez mais

acessíveis. São milhões de dados a serem comprovados, refutados e

discutidos por cada usuário, cada internauta que tenha em suas mãos

um dispositivo que pode lhe mostrar verdades não disponíveis nos até

então únicos meios confiáveis de informação, os tradicionais meios de

comunicação de massa brasileiros.

As mídias alternativas e pós-massivas brasileiras que

analisamos brevemente neste livro-reportagem, juntamente a seus

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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mais variados projetos e desdobramentos em contraponto à mídia

tradicional, contribui para mostrar ao mundo, nas palavras de Juan

Arias para o El País – Edição Brasil, que compomos agora um país

“normal” como os outros tantos de “primeiro mundo”. Para ele, isso se

deve ao fato de agora apresentarmos nossa indignação em protestos e

mais protestos, e não mais no conformismo da inércia.

O Brasil parecia alheio às agitações das ruas que sacudiram meio

mundo em busca de novas formas de participação cidadã e que

exigiam maior qualidade de vida para todos e mais decência nos

locais de poder político e econômico. Não existiam indignados no

Brasil. O país continuava sendo misteriosamente diferente, feliz e até

orgulhoso com o pouco que tinha, diferenças das quais, fora de suas

fronteiras, tantos tinham inveja e saudades, incluindo no rico

primeiro mundo. De repente, por estes milagres que o acaso às vezes

cria ou pelo acúmulo de exigências reprimidas, o Brasil, embalado

pelo eterno mantra de país "do futuro", despertou e começou a exigir

o presente. A partir deste momento, o Brasil começa a surpreender o

mundo, desta vez pelo paradoxo de seu repentino inconformismo.

Surpreende hoje a "normalidade" de um país que parecia e que

acreditávamos diferente. Já não é mais, e começa a agir como os

demais. (ARIAS, 2014, s/p)

Na verdade, contrariando as observações do jornalista

espanhol, não se trata estritamente do fato de que antes os brasileiros

e brasileiras não se rebelavam, mantinham-se passivos e obedientes

dentro de suas casas, ligados à hipnotizante televisão, ou, num

período mais longínquo, ao aparelho de rádio. O que mudou, na nossa

visão e no sentido jornalístico, foram as novas possibilidades

informacionais que trazem agora um aspecto mais realista ao

telespectador, ouvinte ou leitor. A opinião pública não recebe

informações trazidas por um único ou por poucos veículos, que

seguem um mesmo agendamento jornalístico, como normalmente

acontecia antes do surgimento da internet. Os veículos de

comunicação mais reconhecidos, tradicionais e “famosos”, podiam

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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sem a menor dificuldade, formar de maneira privilegiada a opinião de

sua audiência, divulgando a sua exclusiva versão dos acontecimentos.

Talvez seja por isso que não se “ouvia falar” tão frequentemente de

protestos, manifestações e atos públicos, porque para tais veículos não

seria interessante divulgar esse tipo de acontecimento, digamos, por

seus tratados com grupos de poder, fossem públicos ou privados, uma

distorção da função pública do Jornalismo, que ainda prevalece.

Ficou claro o surgimento de uma plataforma que veio para

ficar: a internet revolucionou e continua revolucionando a forma

como as pessoas veem o mundo e interagem com ele. E não só isso,

consequentemente são alteradas todas as atividades humanas. Em

todos os setores de trabalho, interação entre pessoas, os aparelhos e

ferramentas tecnológicas representam, em maior ou menor grau, um

novo estágio, uma nova era na humanidade.

Especificamente no campo do jornalismo, a revolução da

internet dá sequência a uma série de mudanças já ocorridas nesse

campo por conta do aparecimento recorrente de novas plataformas,

como o papel, o rádio, a tevê, que foram igualmente inéditos e

transformadores em suas épocas de popularização.

Discussão já conhecida pelo profissional da comunicação é a

do “fim do jornalismo”, sempre pautada em tempos de crise, que, nos

tempos de hoje, deveria ser entendida como uma crise de formatos ou

de modelos de negócio, e não do jornalismo em si. A comunicação,

como elo entre o cidadão do Japão e o do Brasil, dos Estados Unidos e

da África do Sul, conecta acontecimentos e informações para o

crescimento de um espírito do “nós” da humanidade.

[A] conectividade faz com que se comece a produzir um efeito de

nosotrificación, a construção de um sentido renovado de nós que não

só se manifesta na identidade do grupo, mas no aumento da

capacidade para processar a informação, definir os problemas e

resolvê-los de maneira coletiva (GONZÁLEZ apud PERUZZO, p.92,

2010).

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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Visto o levantamento de dados que conseguimos concretizar, a

mídia pós-massiva brasileira possui mais desafios a serem vencidos,

por ser o Brasil um país que ainda convive com oligopólios e

propriedade cruzada de meios de comunicação em seu território.

Devemos evitar aqui uma confusão comum: o monopólio não ocorre

apenas quando uma empresa detém 100% do mercado, mas também

quando, nas palavras de Calixto Salomão Filho, “um dos produtores

detém parcela substancial do mercado (por hipótese, mais de 50%) e

seus concorrentes são todos atomizados, de tal forma que nenhum

deles tem qualquer influência sobre o preço de mercado” (...). Seria,

portanto, mais claro afirmar que há monopólio quando um dos

agentes econômicos possui poder de alterar unilateralmente as

regras do jogo, atuando de forma independente em relação a seus

concorrentes. (CALIXTO; FORGIONI, apud LIMA; ARAÚJO, 2015,

s/p)

Partindo desse ponto de argumentação, poderíamos afirmar

que lidamos com um grande monopólio da comunicação no setor da

radiodifusão brasileira, comandado pela Rede Globo, por apresentar

maior porcentagem de emissoras próprias e afiliadas (39,61%) de

acordo com dados da Subcomissão Especial – Formas de

financiamento de mídias alternativas (CÂMARA DOS DEPUTADOS,

2013). A maior parte da receita publicitária da tevê aberta também

pertence ao grupo (73,5%), segundo pesquisa do projeto Donos da

Mídia disponibilizada no Observatório da Imprensa15.

Para além dos critérios do direito econômico, a propriedade cruzada

e a formação de redes de rádio e televisão consolidaram, ao longo do

tempo, uma estrutura fortemente concentrada nos meios de

comunicação social no Brasil – especialmente no setor de

radiodifusão – seja por falta de regulamentação, quanto por violação

15 Para ler a pesquisa, acesse: www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed833_monopolio_ou_oligopolio_contribuicao_ ao_debate

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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às raras restrições impostas pela legislação. No caso específico da

radiodifusão, dados sobre a concentração no mercado demonstram

que a TV Globo exerce posição dominante e sugerem que esse poder

pode ser configurado como monopólio, em razão da fatia do mercado

controlada pela empresa e do poder de alteração unilateral das

regras, como ficou evidenciado no exemplo da negociação dos

direitos de transmissão do campeonato brasileiro de futebol. A

concentração desmesurada da propriedade implica ausência de

pluralidade e diversidade nos meios de comunicação social,

princípios centrais da vida democrática. (LIMA; ARAÚJO, 2015, s/p)

A mídia alternativa, assim, tem um longo caminho a percorrer

para driblar as grandes empresas e para fazer valer a legislação

brasileira, que, de tão grave a situação, de tão influente a mídia

tradicional, acaba submetida ao esquecimento, à vista grossa das

autoridades, para evitar “maiores problemas”.

O espaço livre disponibilizado pela internet tem muito a

contribuir para esse debate, o que nos aparece como forma de

continuidade ao trabalho investigativo, no sentido de estudar como

acontece a mobilização popular e de movimentos sociais em torno da

democratização da mídia. Muitas são as iniciativas contra-

hegemônicas que se valem da nova plataforma do ciberespaço para

abrir um canal de comunicação, mas que, por outro lado, tampouco

alcançam os que não estão conectados – o que torna a regulação da

televisão e do rádio, mais acessíveis, um primeiro passo

importantíssimo para oficialmente dar espaço às outras vozes do

Brasil, que não as defensoras do status quo.

Considerando que qualquer forma de expressão pode ser uma

mídia em si, todas têm seu papel frente ao processo democrático e à

expansão de informações e reflexões, e que contemplam “uma vasta

gama de atividades, desde o teatro de rua e os murais até a dança e a

música (...) e não apenas os usos radicais das tecnologias de rádio,

vídeo, imprensa e Internet” (DOWNING, 2002, p. 39). Como exemplo

dessa pluralidade de expressões culturais e alternativas ao padrão

hegemônico criado, temos o trabalho de diversos coletivos

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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independentes, que se mostram persistentes na ideia de levar o

conhecimento e uma atitude crítica para suas comunidades e círculos

sociais, dentro e fora da internet.

Na cidade de Bauru, no interior de São Paulo, o projeto Wise

Madness começou em 2006 como um grupo de artes de rua e é hoje

uma organização que tem como principal objetivo atrair crianças e

jovens de comunidades carentes para “andar na contramão do

caminho do tráfico, das drogas e da marginalidade”, segundo Danny

Pagani, responsável de Comunicação e Marketing da organização.

A Wise Madness, “sábia loucura” em português, é sediada em

um galpão próximo aos bairros periféricos da cidade. Sustentada

inicialmente com o dinheiro dos próprios organizadores e muito

trabalho voluntário, a Wise hoje é contemplada com verbas

direcionadas da Secretaria Municipal da Cultura e do Bem-Estar

Social, como também do Conselho Municipal da Criança e do

Adolescente. Para tanto, durante o dia ONG oferece em seu espaço

atividades extracurriculares, ou seja, no contra turno escolar, para os

grupos de jovens e crianças que não estão na escola; durante a noite,

são ministradas oficinas de street dancing, skate, break, clown, entre

outras atividades, para um público sem restrições de faixa etária.

Além da construção de carreiras, a Wise, como defende Danny

Pagani, acredita na formação do cidadão e na motivação das crianças e

adolescentes para uma vida politicamente ativa – a formação do senso

crítico se dá após as oficinas no galpão, quando todos se reúnem para

um debate com tema pré-definido, geralmente acerca do que está

acontecendo no mundo, no Brasil e em diversos outros contextos que

possam ser abordados nas reuniões-debates.

E é justamente porque a consciência popular se renova, porque os

homens estão vivos e não deixam de sentir e pensar, porque eles são

capazes de contestar a ideologia imposta por poderosos aparelhos, de

reinterpretar o seu passado a partir de uma perspectiva não

hegemônica, que são também capazes de recriar signos e fazê-los

significar aquilo que eles querem que signifique, obrigando às classes

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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hegemônicas o esforço contínuo de apropriação, esvaziamento e

mistificação. (PAIVA; DOS SANTOS, 2008, p. 67)

A pauta do midialivrismo entrou definitivamente em cena

depois do aumento do fluxo de mobilização e participação popular nas

políticas e sociais. A demanda por mais liberdade de expressão e de

informação midiática passou a agregar cada vez mais defensores e

ativistas. Em pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos e Opinião

Pública (NEOP) da Fundação Perseu Abramo (FPA), divulgada em 16

de agosto de 2013, o brasileiro revelou que não se sente representado

pela produção midiática que é veiculada no país, sendo que a pesquisa

relata que “a maioria dos entrevistados afirmou também que a TV

costuma dar mais espaço para os empresários que para os

trabalhadores, com 61% ante 18%, e 44% consideram que o noticiário

veiculado é quase só de São Paulo e Rio de Janeiro”, o que desponta,

claramente, como uma crise de representação na imprensa brasileira

(AGÊNCIA FPABRAMO, 2013).

Com base em 2400 entrevistados, a pesquisa mostra ainda

que a internet é o meio de comunicação que mais cresce atualmente, e

já ultrapassou o número de leitores de jornal impresso. Não poderia

ser diferente, uma vez que já é constatada a plena versatilidade para se

obter informação no mundo virtual. Mais do que isso, a liberdade de

não só “mudar o canal”, mas escolher previamente os conteúdos, de

cada um desses “canais”, a serem acessados. Com público crescente,

nada mais urgente do que uma política democrática para a utilização

da rede com fins sociais e de formação cultural e educativa.

A grande mídia nasceu e cresceu nos vendendo um serviço de

construção de sentido nessa massa crescente de informações. Claro

que o sentido que nos vendem traz embutido uma profunda

orientação ideológica. Nem poderia ser diferente. Ora, uma mídia

democrática não deveria nos imputar um sentido único para os fatos.

Mas, tampouco poderia abrir mão de tentar construir sentidos

possíveis. O jornalismo não pode abdicar do seu papel socialmente

relevante de construir cenários, analisar contextos, propor

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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alternativas e sugerir nexos causais. E isso a simples cobertura em

tempo real não nos fornece. Muita informação sem contexto pode

acabar sendo informação nenhuma. (...) Essa massa de mídias pode

ser muito democrática, mas também pode nos empurrar para um

mundo de hiper-fragmentação ou, pior, de segmentação por nichos

de mercado. (...) Sem negar a conquista da interatividade e da oferta

de informações segmentadas, resta o desafio de saber como construir

pautas coletivas a partir de um jornalismo democrático e

colaborativo. (GINDRE, 2013, s/p)

As contradições, os prós e os contras da internet como meio

de comunicação e nova plataforma para o jornalismo estão aí para

serem vivenciadas e descobertas pelos produtores e receptores da

informação – que podem agora ser também produtores de seus

conteúdos quando desejarem. A construção desses espaços é o que vai

definir os moldes da profissão, os novos modelos de negócio e embalar

discussão da regulação e democratização da mídia no Brasil. Processo

sem o qual, ficam limitadas as perspectivas para uma ampliação da

atividade jornalística no país, com a regionalização da notícia, a

dissolução de grandes grupos empresariais e seus oligopólios.

Este livro-reportagem, elaborado como Produto de Conclusão

do Curso de Jornalismo da FAAC-UNESP, sintetiza uma série de

discussões que envolvem a comunicação e o jornalismo brasileiro na

teia do ciberespaço. A comunicação pós-massiva ganha, dia após dia,

seu reconhecimento, e se expandem possibilidades para esses veículos

alternativos, populares e comunitários, de adentrar o mercado da

comunicação com reais chances de manutenção econômica e de

alcance do público. As novas mídias no Brasil batalham para chegar ao

mesmo patamar de estabilidade dos grandes veículos de comunicação,

e têm ao seu lado uma grande aliada, a crise de formatos e de

linguagens da “velha mídia”, que derruba, aos poucos, as formas

tradicionais de se fazer jornalismo. A balança do jornalismo no Brasil

passa, lentamente, a pender para o lado da comunicação alternativa.

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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]

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