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Jornalismo Corporativo – Tarefa de quem? * Francisco Sant’Anna Índice 1 Raízes 6 2 Conceito de jornalismo 9 3 Relações Públicas, Publicidade e Jor- nalismo nas instituições 14 4 Assessoria de imprensa versus Dircom 15 Bibliografia 28 No cenário da difusão de informação no Brasil desponta um novo ator que se diferen- cia das tradicionais mídias. Entre os meios tradicionais de comunicação, públicos ou privados, novos veículos informativos são * Dados para referência bibliográfica: SANT’ANNA, Francisco, Jornalismo Corpora- tivo – Tarefa de quem?. In: Lopes Boanerges e Vireira, Roberto Fonseca, Jornalismo e Relações Públicas: ação e reação. Uma perspectiva concili- atória possível. pp 107 – 140. Rio de Janeiro, Ed. Mauad, 2004. Jornalista e documentarista na TV Senado do Brasil, é doutor em Ciências da Informação e Comu- nicação pela Université de Rennes 1 – France. Mem- bro do Crape – Centre de Recherches sur l’Action Politique en Europe. Dentre outras obras é autor dos livros Mídia das Fontes: um novo ator na cena jor- nalística brasileira. Um olhar sobre a ação midiática do Senado Federal (Brasília, Ed. Técnicas do Senado Federal, 2009) e Média de Source: un nouvel acteur sur la scène journalistique brésilienne. Un regard sur l’action médiatique du Sénat Fédéral du Brésil (Paris, Sénat, 2009). E-mail: chicosantanna@ hotmail.com. ofertados ao público por organizações profis- sionais, sociais e inclusive de segmentos do Poder Público. São mídias difusoras de um jornalismo corporativo, mantidas e admi- nistradas por atores sociais que até então de- sempenhavam apenas o papel de fontes de informações. É o que denominaremos como sendo as Mídias das Fontes. Estas fontes são, em grande parte, verdadeiras organizações políticas. Elas atuam de forma semelhante às entidades representativas, segundo a classifi- cação utilizada pelo sociólogo francês OF- FERLÉ 1 para identificar os grupos de in- teresse que se apresentam na esfera pública desempenhando o papel de atores políticos. Deter uma visibilidade pública é o obje- tivo desses grupos. Estar inserido na esfera pública é a meta. E neste período de pós- modernidade isso significa estar inserido na agenda midiática. Desta forma, a imprensa tradicionalmente vista como um expectador externo aos fatos começa a perder a totalidade do domínio da cena informativa e a opinião pública passa a contar com informações coletadas, sele- cionadas, tratadas editorialmente, filtradas e difundidas por instituições, entidades ou movimentos sociais, ou seja, corporações que possuem interesses corporativos. Todo esse trabalho é desenvolvido por profissio- nais cuja identidade e território profissio- 1 OFFERLÉ, Michel, 1994, p.47.

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Jornalismo Corporativo – Tarefa de quem?∗

Francisco Sant’Anna†

Índice1 Raízes 62 Conceito de jornalismo 93 Relações Públicas, Publicidade e Jor-

nalismo nas instituições 144 Assessoria de imprensa versus Dircom 15Bibliografia 28

No cenário da difusão de informação noBrasil desponta um novo ator que se diferen-cia das tradicionais mídias. Entre os meiostradicionais de comunicação, públicos ouprivados, novos veículos informativos são

∗Dados para referência bibliográfica:SANT’ANNA, Francisco, Jornalismo Corpora-tivo – Tarefa de quem?. In: Lopes Boanerges eVireira, Roberto Fonseca, Jornalismo e RelaçõesPúblicas: ação e reação. Uma perspectiva concili-atória possível. pp 107 – 140. Rio de Janeiro, Ed.Mauad, 2004.†Jornalista e documentarista na TV Senado do

Brasil, é doutor em Ciências da Informação e Comu-nicação pela Université de Rennes 1 – France. Mem-bro do Crape – Centre de Recherches sur l’ActionPolitique en Europe. Dentre outras obras é autor doslivros Mídia das Fontes: um novo ator na cena jor-nalística brasileira. Um olhar sobre a ação midiáticado Senado Federal (Brasília, Ed. Técnicas do SenadoFederal, 2009) e Média de Source: un nouvel acteursur la scène journalistique brésilienne. Un regardsur l’action médiatique du Sénat Fédéral du Brésil(Paris, Sénat, 2009). E-mail: [email protected].

ofertados ao público por organizações profis-sionais, sociais e inclusive de segmentos doPoder Público. São mídias difusoras de umjornalismo corporativo, mantidas e admi-nistradas por atores sociais que até então de-sempenhavam apenas o papel de fontes deinformações. É o que denominaremos comosendo as Mídias das Fontes. Estas fontes são,em grande parte, verdadeiras organizaçõespolíticas. Elas atuam de forma semelhante àsentidades representativas, segundo a classifi-cação utilizada pelo sociólogo francês OF-FERLÉ1 para identificar os grupos de in-teresse que se apresentam na esfera públicadesempenhando o papel de atores políticos.Deter uma visibilidade pública é o obje-tivo desses grupos. Estar inserido na esferapública é a meta. E neste período de pós-modernidade isso significa estar inserido naagenda midiática.

Desta forma, a imprensa tradicionalmentevista como um expectador externo aos fatoscomeça a perder a totalidade do domínio dacena informativa e a opinião pública passaa contar com informações coletadas, sele-cionadas, tratadas editorialmente, filtradase difundidas por instituições, entidades oumovimentos sociais, ou seja, corporaçõesque possuem interesses corporativos. Todoesse trabalho é desenvolvido por profissio-nais cuja identidade e território profissio-

1 OFFERLÉ, Michel, 1994, p.47.

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nais são colocados em xeque. Essas cor-porações são em realidade grupos de indi-víduos, de empresas ou de entidades deten-toras de objetivos comuns e com a intençãode defender seus próprios interesses2. As-sim sendo, esta nova mídia poderia ser igual-mente classificada como MÍDIA CORPO-RATIVA, um meio informativo preocupadonão apenas em transmitir informações intra-corporis, mas principalmente em ocupar aagenda midiática com o ponto de vista se-torial referente aos fatos gerais. Um veículoque permite levar à sociedade a perspectivado segmento sócio político que o mantém eque permita interferir na moldagem da esferapública.

Lado a lado com uma imprensa comercialpoderosa e com um sistema público extrema-mente precário, que praticamente se limi-tam a ser porta-vozes do poder, as Mídiasdas Fontes buscam interferir no processode construção da notícia (newsmaking) e naformação do imaginário coletivo, principal-mente naquele do setor formador de opinião.A sociedade brasileira e os profissionais decomunicação contam assim com uma diver-sidade midiática pouco conhecida em outroscantos do planeta. Dispõem, por exemplo,de jornais e revistas, impressos e eletrônicos,e estações de rádio do Movimento dos Tra-balhadores Sem Terra. Podem informar e seinformar também pelas emissoras radiofôni-cas do Exército e das duas casas do Con-gresso Nacional. Câmara dos Deputados,o Senado Federal, Justiça Federal e diver-sas Assembléias Legislativas estaduais pos-suem igualmente emissoras de televisão emsinal aberto ou por satélite e a cabo, alémde jornais impressos em policromia. Enti-

2 ROBERT, Paul, 1993.

dades de classe e confederações, como a Na-cional das Indústrias (CNI), a Ordem dosAdvogados do Brasil e o Conselho Federalde Medicina atuam por meio de televisãoa cabo e/ou por satélite, o mesmo aconte-cendo com as igrejas católica e evangélica,microempresários, movimentos feminista ede homossexuais. Este fenômeno englobatambém diversas agências de notícias, algu-mas das quais especializadas em preparar edifundir para as mídias tradicionais infor-mações já formatadas para a televisão e rá-dio, os chamados rádio releases, vídeo re-leases ou ainda releases eletrônicos.

Este quadro nos incita, pois, a adotar umolhar diferenciado sobre a prática do Jorna-lismo e da Comunicação Institucional, bemcomo sobre a identidade profissional dos Jor-nalistas, Relações Públicas e os respectivosterritórios de trabalho. Ao não trabalharpara um veículo de comunicação de formatotradicional, o jornalista estará deixando deser jornalista? Ele passa a ser, na prática,um profissional de Relações Pública? A in-formação difundida pelas Mídias das Fontesnão deve ser classificada como jornalismo, esim inserida no campo das Relações Públi-cas, da Publicidade e Propaganda, do Lobby-ing?

A função de assessor de imprensa, nosmoldes vivenciados no Brasil, é umacaracterística muito própria da realidadebrasileira. Nem por isso, está isenta depolêmicas. A classificação da atividadecomo sendo, ou não, uma função jornalís-tica é tema de alto teor explosivo dentro efora das fronteiras brasileiras. Os debatesgiram normalmente pela ótica corporativistaque busca resguardar territórios profissionaispara esta ou aquela categoria. Em algunspaíses o parâmetro é a natureza do ente di-

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fusor de informações. Se for um meio decomunicação tradicional, a atividade é jor-nalística. Caso contrário cai no campo dasRelações Públicas, da Publicidade ou da co-municação institucional. Este último, umgenérico de delimitações não muito claras.

Na opinião de, FLEXER3 não se deve,contudo, incluir dentre os requisitos configu-radores de uma profissão a existência de ummesmo formato de empregador. Pelo con-trário, ele elege como prioridades a existên-cia de um senso de responsabilidade entreos pares e a oferta de um serviço à comu-nidade. Cremos que o melhor prisma seriaa utilização da natureza e do objetivo da in-formação difundida. Se jornalística ou não.É normal encontrar na imprensa textos tecni-camente publicitários ou relacionistas e tam-bém encontrar na mídia institucional textoscom natureza jornalística.

O surgimento das Mídias das Fontes esua rápida multiplicação em diferentes níveissociais complicam ainda mais a análise,pois este fenômeno representa a absorçãoe gerenciamento de meios similares aosmeios de comunicação de massa por es-truturas ou estratégias de comunicação ins-titucional. É o caso da estrutura de rá-dio e TV existente nas duas casas do Con-gresso Nacional. Os veículos foram proje-tados, nasceram e são gerenciados pelas es-truturas de Comunicação Social. Ou seja,não são, em tese, veículos independentes,no padrão corriqueiro de identificação dosmeios. Esta característica repõe a questãoem pauta. Eles praticam Jornalismo ou Re-lações Públicas? Sob o aspecto legal, de ter-ritório profissional, no Brasil, isso pouco al-

3 FLEXNER, W., Is a social work a profession,1915, apud RUELLAN, Denis, 1993, p 35.

tera a condição de quem executa tal tarefa,pois o arcabouço de regulamentos asseguraa condição de ser Jornalista e/ou RelaçõesPública independente do local de trabalho.É a natureza da atividade desempenhada,sob seu aspecto prático que define o que éfazer Jornalismo e o que é desempenhar afunção de Relações Pública. Além do mais,Jornalista é considerado "categoria diferen-ciada". Isso significa a manutenção da es-pecificidade profissional onde quer que o tra-balho seja desempenhado. A condição deser este ou aquele profissional de comuni-cação é, em nosso país, também uma resul-tante da formação acadêmica. O que nãoacontece na maioria dos demais cantões doplaneta. Por esses parâmetros, o exercício dojornalismo, ao contrário do que disciplina alei francesa, não se daria apenas pela relaçãode emprego. A técnica ou a arte de ser Jorna-lista é fruto de um aprendizado formal. Umavez habilitado como tal, deve ele respon-der a um mesmo código deontológico, e auma mesma comunidade, a opinião pública,à qual é destinada a informação produzidapor esses profissionais. Assim sendo, nãohaveria porque descaracterizar o Jornalistaque atua para uma assessoria de imprensa oupara as Mídias das Fontes.

Todos esses aspectos legais e sócio cultu-rais não elucidam a natureza do dado difun-dido e, portanto, não nos exime da analisedo perfil da informação fornecida à so-ciedade pelas estruturas de comunicação ins-titucional. Uma avaliação do conteúdo doJornalismo Corporativo. A grande críticaà informação difundida pelas assessorias decomunicação é que elas, ao contrário daimprensa, não estariam desprovidas de se-gundo interesse e estariam a serviço de umpropósito político, econômico, comercial ou

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de qualquer outra ordem. Entretanto, háuma grande similitude entre o conteúdo di-fundido pelos meios de comunicação tradi-cionais e os disponibilizados pelas assesso-rias de imprensa. Assim sendo, indepen-dente de qual seja a perspectiva de análiseadotada, antes de se jogar a imprensa e seusjornalistas no altar das purezas e a comuni-cação institucional e seus profissionais nasprofundezas do pecado, deixamos alguns da-dos para a reflexão. Segundo Tom Koch, nagrande mídia norte-americana, perto de 70%dos artigos publicados derivam dos comuni-cados de imprensa e, desta forma, consistemnuma re-redação do discurso das fontes ofi-ciais.4 Na Grã-Bretanha, conforme estima-tivas “conservadoras” de Hobsbawm5, 75%das estórias de entretenimento e de 50 a 80%das notícias econômicas publicadas na im-prensa emanam dos escritórios de RelaçõesPúblicas. NEVEU acrescenta que na Françaquarenta mil attachés de presse trabalhammuniciando os meios e que este quantita-tivo é superior ao de Jornalistas e ainda as-sim não inclui os coordenadores de comuni-cação, grupo ainda mais amplo.6 Essa reali-dade é semelhante à brasileira. Pelos dadosdo Ministério do Trabalho, em 1986, paracada jornalista empregado num meio de co-municação existia outro atuando no setor pri-vado de comunicação institucional. Essesquantitativos não contabilizam aqueles queestão na comunicação social do setor públicoe que podem representar volume igual ou su-perior ao do privado.7

4 KOCH, Tom, 1990, p.175 apud BONVILLE,Jean de, 2001, p.34.

5 HOBSBAWM, Julia, The Guardian, edição de17/11/2003.

6 NEVEU, Erik, 2001, p. 96.7 SANT’ANNA, Francisco, 1993, p.2.

Há de se considerar ainda a leitura deBONVILLE, para quem a estratégia dis-cursiva das fontes não se limita apenasà produção do próprio discurso: elas in-fluem sobre a produção do texto jornalísticode muitas maneiras. O caso dos pseudo-acontecimentos organizados para atrair aatenção da imprensa é uma demonstraçãotípica desta estratégia que visa a ‘fazer falarde mim’8, ou seja, influir no agendamento.9

Tudo isso, sem considerar as ações tidascomo radicais e pouco éticas, tais como ouso de verbas publicitárias e pressões políti-cas para incentivar ou impedir a divulgaçãode determinado assunto. Desta forma, o con-teúdo difundido pelas empresas jornalísticasestaria seriamente contaminado por textos etécnicas não jornalísticas. Assim, ao anali-sarmos a informação difundida pelas asses-sorias, por meio das Mídias das Fontes, epela imprensa é necessário identificar ondeestá a informação e comunicação. NaFrança, no Canadá e em outros países, infor-mação é sinônimo de Jornalismo e comuni-cação é todo o conjunto dos outros conteú-dos disponibilizados à opinião pública: Pub-licidade, Propaganda, atividades de RP etc.Conseqüentemente, é Jornalista quem atuacom informação e não o é quem se dedica àcomunicação. Nosso debate precisa catalisaresta polêmica que em padrões nacionais sig-nifica questionar a qualidade da informaçãodifundida pelas assessorias de imprensa epelas empresas jornalísticas e a natureza daação de seus apuradores e redatores.

As ferramentas tradicionais de comuni-cação institucional, press release, house or-

8 BONVILLE, Jean de, 2001, p.17.9 Adotamos neste texto a terminologia criada pelo

acadêmico português Nelson Traquina para exprimirem português o conceito inglês «agenda-setting».

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gan, dentre outras, já provocavam arestas en-tre as corporações representativas dos profis-sionais. Nesta disputa, permeia uma leituracomum à maioria dos países do HemisférioNorte – e muito utilizada pelos que defen-dem os RPs –, pela qual, Jornalismo se prat-ica apenas nos veículos de comunicação. So-mente nestes espaços o profissional respon-sável em coletar e transmitir informaçõesteria condição de estar isento. Nos demaiscaso a isenção perderia lugar para a cons-trução estratégica de imagens em prol deobjetivos políticos e/ou comerciais. Perde-ria espaço para os Relações Públicas, profis-sionais de marketing, comunicadores institu-cionais.

O problema se agrava no momento em queas tecnologias permitem às instituições o-perarem canais de comunicação semelhantesaos meios de comunicação de massa. Emis-soras de rádio, de TV, agências, progra-mas especiais são disponibilizados à opiniãopública numa confrontação aberta com a im-prensa tradicional. É como se estivésse-mos observando o nascimento de uma novaimprensa. Elas foram concebidas para po-tencializar ainda mais as atividades de as-sessoria de imprensa. Elas se inserem noque HABERMAS10 classificou de uso es-tratégico dos meios de comunicação pelasociedade para que grupos organizados setransformem em atores chaves no processode modelagem da esfera pública.

A existência de mecanismos de difusão deidéias, mensagens e conceitos, por meios decomunicação de massa distintos dos tradi-cionais, pode ser vista também como umabusca de espaço na esfera pública. Comouma disputa por um pedaço, grande ou pe-

10 HABERMAS, J., 1992, p. 207.

queno, hegemônico ou não, de um lugarao sol em nossa sociedade contemporânea.Nossa referência é a luta por um espaço den-tro da esfera pública, nas bases definidaspor HABERMAS.11 Por elas, os meios e oconteúdo das mensagens divulgadas podem,inclusive, portar uma bagagem ideológica.Se no idioma habitual todas as palavras jásão consideradas instrumentos de combate,como precisou BOURDIEU12, os mecanis-mos de difusão massiva de informação as-sumem, portanto, um aspecto muito mais im-portante e estratégico. Antes mesmos da e-xistência dos meios eletrônicos, Marx e En-gels já associavam a capacidade de produzirinformação e de difundir idéias à relação en-tre as classes sociais. Para eles, as idéias daclasse dominante são as idéias dominantesdentro de esfera pública. A classe que de-tém a força material no seio da sociedade é,ao mesmo tempo, a força intelectual domi-nante desta mesma sociedade.13 Atualizandoas terminologias, as idéias dominantes cons-tituem a agenda e a classe que detém o podermaterial dentro da sociedade detém tambémmais recursos para intervir sobre o processode construção da agenda, o agendamento.

Neste caso, a resultante dos trabalhos decomunicação institucional estaria inserida nabusca de espaço, de capacidade de interfe-rência ou mesmo na consolidação de poder.Este ângulo, se considerarmos as visões maispuras de Jornalismo, pelas quais a imprensaé um expectador isento e externo aos fatos,um quarto poder atuando como fiscal da so-ciedade contribuiria para questionar o en-quadramento das atividades de comunicação

11 Op. Cit., p. 195.12 BOURDIEU, Pierre, 2002, p. 12.13 THOMPSON, John B., 1995, p. 54.

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institucional, das assessorias de imprensa edos profissionais que as executam. Todos de-veriam ficar fora do campo jornalístico, jáque não cabe ao Jornalista construir artifi-cialmente uma realidade, mas apenas relataro que vê. Esta é uma postura monolítica eacreditamos que o debate mais sadio, menoscorporativo, deve se centrar na natureza e in-tenção da informação e de quem a produz edifunde.

1 Raízes

Os pesquisadores se dividem quanto às ori-gens da comunicação institucional, mas numponto eles se convergem: ela é mais antigado que a própria imprensa e, portanto,não deve ser necessariamente vista comouma derivação do desenvolvimento do Jorna-lismo, no formato tradicional a que estamosacostumados a consumir diariamente. Em-bora, na atualidade ela esteja, praticamente,toda voltada a influenciar os conteúdos daimprensa, em suas raízes ela possuía umcanal direto com a sociedade. Da fonte àopinião pública sem a intermediação de ummeio, criado mais tarde e batizado de im-prensa. MARSHALL14 relata que na épocado Imperador César, cinco séculos antes donascimento de Jesus Cristo, o Senado Ro-mano já possuía um sistema de divulgaçãode informações sobre os fatos referentesàquela instituição. Periodicamente, eram e-ditadas as Actas Senatus, uma espécie de jor-nal mural redigido pelos actuariis, voltado àpublicisação dos atos e deliberações aprova-dos pelas sessões daquele parlamento. Era o

14 MARSHALL, Leandro, 2003, p.65.

Jornal do Senado de então. KOPLIN e FER-RARETTO15 informam que na China, 202anos antes de Cristo, durante a dinastia Han,já existia uma espécie de prêt a publier, sóque diante da inexistência de jornais, rádiose televisões as chamadas cartas circulares,eram distribuídas à população e lidas empraça pública para dar ciência ao povo so-bre as decisões e realizações dos mandarins.E vale ressaltar que os autores dos textos nãoeram as mesmas pessoas que os liam para opovo. Ai, talvez, também esteja a origem dafigura do porta-voz.

Outro autor, DINES,16 define que osantepassados dos primeiros press releasesseriam patrícios de Marco Pólo. Eramos avvisi, elaborados pelos comerciantesvenezianos no século XVI. Eram elaboradospor estabelecimentos comerciais, não jor-nalísticos, com o propósito de tornar públi-cas suas ações mercantis. Esses comunica-dos também podem ser interpretados comonews letters, as chamadas cartas de notíciasmuito usadas pelos norte-americanos pararealizar uma comunicação dirigida e espe-cializada.

As duas últimas hipóteses não são, ne-cessariamente, contraditórias. O mercadorveneziano Marco Pólo foi quem descobriuno século XIII a Rota da Seda, um novocaminho para o Oriente e, chegando lá, co-nheceu as maravilhas do grande império deHulagu Khan. Na China, encontrou disposi-tivos desconhecidos no Ocidente, como o pa-pel moeda, os serviços de correio, a cana-lização de rios, dentre outras técnicas indus-triais. De lá ele trouxe algumas inovações,

15 KOPLIN, Elisa e FERRARETTO, Luiz Arthur,2000, p. 18.

16 DINES, Alberto, 1974, p.57.

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dentre as quais, a pólvora negra e a bússolaastrológica. Não seria, pois, surpresa que eleigualmente se interessasse pelos métodos decomunicação adotados pelos mandarins.

Nesta mesma linha de pensamento,também poderíamos enquadrar como osprimeiros comunicadores institucionais, osescrivães que embarcaram nas caravelasportuguesas e espanholas rumo ao NovoMundo. Pero Vaz de Caminha, por exem-plo, relatou com olhos de um jornalistaas maravilhas da Ilha de Santa Cruz. Emoutra oportunidade,17 já denominamos aação desses escribas, como os primeirosrepórteres-da-história, mas, considerandoque eles eram remunerados pela fonte,provavelmente, o melhor enquadramentoseja o de comunicador institucional.Repórteres ou comunicadores, o certo é queos relatos de Caminha, Carvajal, Cortés,Vespúcio e tantos outros fizeram sucessoe o tema Novo Mundo entrou na agendaeuropéia.

Os métodos antigos de comunicação nãosonhavam, nem de perto, produzir os efeitosaferidos atualmente. A evolução tecnológicaaportou aos meios de comunicação institu-cional um potencial estratégico de intervirsobre a esfera pública. E, conseqüentemente,a difusão de conteúdos se inseriu no cen-tro de um conflito de poder, seja de naturezapolítica ou econômica. Como salientado porSCHLESINGER e TUMBER,18 o trabalhodas mídias e a capacidade dos cidadãos emintervir sobre a esfera pública estão direta-mente conectados.

Isenção, externalidade aos fatos não po-

17 SANT’ANNA, Francisco, 2001.18 SCHLESINGER, Philip e TUMBER, Howard,

1995, p.8.

dem ser os únicos divisores d’água entre oJornalismo e a Relações Pública. O noti-ciário cotidiano já age como porta-voz dasfontes defensoras dos interesses de grupos,em especial as mais poderosas, e nem porisso deixa de ser classificados como Jorna-lismo. Os meios de comunicação são peçaschaves do mecanismo de fazer prevalecer so-bre a esfera pública os conceitos dominantese por isso, tornou-se importante controlá-los ou, ao menos, influenciar os conteúdospor eles massificados. Não são raros os ca-sos demonstrando a parcialidade e o jogode interesses da imprensa com o poder. NoBrasil, um dos casos mais notórios se re-fere à cobertura das eleições presidenciaisde 1989, em especial o último debate entreos candidatos Lula e Collor. Ficou evidentenas deturpações editoriais o interesse dasforças hegemônicas em garantir um resul-tado eleitoral que lhes agradassem. CHAM-PAGNE19 assinala que para analisar o jor-nalismo dos nossos dias, é conveniente es-tudar os efeitos das forças econômicas sobrea produção da informação. De nossa parte,adicionaremos também o estudo dos efeitosdas forças políticas, embora aqui e ali elas secoincidam. A chamada imprensa indepen-dente ainda se vale da ótica de massificar asaudiências e de ampliar as vendas dos pe-riódicos. Em outras palavras, a informaçãoé tratada como uma mercadoria e ao mesmotempo alvo das ações de diversos camposideológicos.

Desta forma, é plausível colocar emdúvida os reais objetivos da informação di-fundida pelas estruturas de comunicação ins-

19 CHAMPAGNE, Patrick et MARCHETTI, Do-minique, in Actes de la Recherche en sciences so-ciales, 2000, p. 4.

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titucional, entretanto, não podemos negara existência de influências ideológicas, co-merciais e/ou pessoais no conteúdo informa-tivo difundido pela indústria da informação.A existência de interesses obscuros no pro-cesso de formulação da agenda é confirmadapor Horkheimer e Adorno, segundo os es-critos de THOMPSON20. Para ele, os indi-víduos são sempre dependentes de forças so-ciais e econômicas que estão fora do seu con-trole.

Sobre esta marketização da imprensa,RIBEIRO,21 ao comparar as rotinas ado-tas pelos os diários Folha de S.Paulo e Es-tado de S.Paulo, evidencia muito bem comointeresses outros influenciam na definiçãodas linhas editoriais. Nem mesmo a fa-mosa BBC de Londres é assim tão pura.SCHLESINGER22 recupera um lema inte-ressante que marcou durante muitos anos ocritério de seleção de notícias desse veículoinglês: "A BBC é pelo povo, o governo in-glês é pelo povo, por isso a BBC é pelo go-verno". A relação da imprensa e dos grandesgrupos econômicos diante das duas guerrasdo Iraque é analisada por diversos autores –vide Noam Chomsky, Eduard Said, GilbertoDupas, entre outros. Seus livros analisam aautonomia jornalística da imprensa, dita in-dependente.

Uma questão que nos resta a buscar asrespostas é se as técnicas mais agressivasde assessoria de imprensa, como as Mí-dias das Fontes, seriam respostas a este mo-delo hegemônico de difusão de informação,ou se elas constituem armas para ampliaresta hegemonia. (Quem sabe os dois) No

20 Apud THOMPSON, John B., 1995, p54.21 RIBEIRO, Jorge Cláudio, 1994.22 SCHLESINGER Philip, 1987.

primeiro caso, teríamos um argumento emprol do campo jornalístico. Se a imprensanão dá voz aos excluídos uma nova mídiadeve fazê-lo. A sociedade não permanecerámuda e os jornalistas engajados nesta causasaberão se valer dos novos instrumentos.

Este engajamento da comunicação insti-tucional em prol dos excluídos é, de certaforma, uma herança legada pela formaçãoacadêmica obrigatória como requisito paraser Jornalista. No Brasil introduziu umelemento cultural nos nossos profissionais,principalmente entre aqueles que se for-maram até o fim da década de 1980. Naquelaépoca, alguns valores impregnaram nossasacademias, tais como o princípio propug-nado pela Unesco, de Comunicação parao Desenvolvimento; as idéias da Escola deFrankfurt, apontando o poder da mídia paraa construção da esfera pública – e daí a im-portância de se defender a democratizaçãodos meios de comunicação e do acesso a eles–; e a necessidade de dotar o país de maiortransparência nos feitos públicos.

Era um momento em que a imprensa viviauma crise econômica, reduzindo os postos detrabalhos. A ditadura também dificultava apresença nas redações de muitos jornalistascom visão política elaborada. Uns e outrosacabaram encontrando trabalho na imprensainstitucional, que a partir de sindicatos, en-tidades religiosas e comunitárias se contra-punham à agenda oficial difundida pela im-prensa tradicional. Uma agenda moldadapela censura dos militares e também pelointeresse de alguns veículos. No Brasildos anos 1970-80, após a opressão à im-prensa alternativa – que por meio de jor-nais como Movimento, Opinião, Coojornale outros buscava falar o que a imprensa co-mercial não dizia com a sua autonomia jor-

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nalística –, coube às assessorias de imprensadas organizações sociais inserir na agendatemas evitados pela grande imprensa. Taisexperiências plantaram uma semente dife-rente no mundo da comunicação institu-cional brasileira. Dela germinaram frutoscomo a rede de rádios e TVs comunitárias,rádio-poste, canais legislativos, agências denotícias voltadas aos direitos ambientais, dainfância, da igreja católica... Todos lutandopor um espaço na esfera pública. Esta dife-rença se materializa na própria denominaçãoque a profissão adota aqui e no exterior. Osespanófonos a tratam de publicista, identifi-cando um objetivo comercial no desempenhoda comunicação institucional. Já os francó-fonos preferem relationiste, vinculando-a àconstrução de imagens.

No Brasil, as assessorias de imprensa senotabilizaram pelo ideal de dar transparênciaàs entidades assessoradas e o quadro legalconseguiu separar Publicidade de RelaçõesPúblicas, estes dois de Assessoria de Im-prensa e todos esses de comunicadores de rá-dio e TV. Lá fora não há muita diferença doperfil desses profissionais – e a ação de algu-mas empresas estrangeiras que chegaram aopaís mostra que o parâmetro delas consisteno que popularmente é chamado de "mar-queteiro".

O tema, efetivamente complexo, é alvo deestudos e pesquisas acadêmicas em diver-sos países, onde os pesquisadores de varia-das perspectivas científicas não se arriscam abater o martelo de forma categórica. Falamde uma "hibridação da informação". A in-formação difundida pelas estruturas de co-municação institucional é tratada por unspela ótica da construção de imagens ou doganho comercial; por outros, como uma açãode lobby. Há ainda os que as vêem como

sendo aquilo que os americanos chamam dejornalismo cívico e os franceses de jour-nalisme de communication. Pesquisas sãoigualmente feitas a partir da ótica do publicjournalism, ou mesmo como uma resposta dasociedade ao jornalismo de mercado pautadopelas leis de marketing.

2 Conceito de jornalismo

Afinal, o que é então jornalismo? O autorfrancês MATHIEN define como sendo umaatividade

“todavia centrada em colocar em corre-lação e em perspectiva os fatos e even-tos, é um condutor, um transmissor, umesclarecedor. Dentro de sua missão, ele(o jornalismo) permite ao hommo media-ticus emergente da sociedade a cabo ouda sociedade de rede, de escapar do im-pério dos clercs, dos mandarins ou dosnotáveis da complexa cultura, intelectualou tecnicista.”23 (tradução minha)

Será? O jornalismo moderno não estaráfazendo exatamente o oposto? As definiçõessão diversas e baseadas em diferentes refe-renciais. Para um dos maiores empresáriosbrasileiros da notícia, Roberto Chivita, pro-prietário do grupo Abril, que reúne revis-tas e tv paga; existiriam muitos tipos de

23 «[. . . ] encore toujours censé(e) mettre en cor-rélation et en perspective les faits et les événements,est un conducteur, un passeur ou encore un éclaireur.Dans sa tâche, il (le journalisme) permet à l’hommomediaticus emergeant de la société câblée ou de lasociété réseaux, d’échapper à l’empire de clecs, desmandarins ou de notables de la culture colplexe, intel-lectuelle ou techniciene.» MATHIEN, Michel, p. 313.

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jornalismo. “Quando se fala em jorna-lismo se pensa logo no jornalismo político eeconômico, mas existe hoje o jornalismo deserviço, de moda, de culinária, de teste deautomóveis, de turismo, esportes, artes.”24

Identificar essa mídia, digamos mais leve,como Jornalismo não é um consenso. Paraalguns analistas, tais como AKRICH25, elase equipara à comunicação institucional.Não existiria, por exemplo, diferença entreo comunicador institucional que atua pelosinteresses de uma empresa produtora de im-plementos domésticos e para jardinagens e orepórter ou redator de revistas do tipo casae jardim, destinadas a abordar temas comoimplementos domésticos, decoração, brico-lagem etc. Sem qualquer sentido crítico,esses Jornalistas se limitariam, segundo o au-tor, a repassar para suas matérias os con-ceitos propalados pela publicidade dos pro-dutos apresentados pela empresa.

A natureza do tema, ou da chamada es-pecialização da imprensa, efetivamente geracontrovérsias, mesmo quando a especia-lização já é tradicional, como o jornalismoeconômico presente na quase totalidade dosjornais do planeta. MARSHALL26 vê nestamodalidade um exemplo das influências dasclasses hegemônicas sobre a leitura dosfatos. DUVAL,27 considera que a tendên-cia de uma editoria de economia é fun-cionar como suporte publicitário do meio.A produção jornalística estaria assim sub-metida aos interesses externos, mais precisa-

24 VIEIRA, Geraldo, 1991, p 51.25 AKRICH, Madeleine, in Medias Pouvoir no26,

1992 p. 24-32.26 MARSHALL, Leandro, 2003, p. 52.27 DUVAL, Julien, in CHAMPAGNE, Patrick

et MARCHETTI, Dominique, (org.), Actes de laRecherche en sciences sociales 131-132, 2000, p.57.

mente ao campo econômico, formado poracionistas, anunciantes, governos, muitosdos quais se transformam em fontes jornalís-ticas pela porta do departamento comercialdo veículo.

A questão mercadológica das publicaçõesou programas, também pode ser utilizadapara analisar o surgimento de revistas es-pecializadas, algumas hiper bem sucedidas,que tratam de saúde, psicologia, informática,agricultura, dentre outras. Elas são classi-ficadas como jornalismo, embora rotuladade jornalismo de ocasião e de oportunidadepor alguns autores.28 Isso porque, como re-gistra NEVEU29, os conteúdos dessas pu-blicações – e por que não relacionar tam-bém determinados programas de tv e de rá-dio – são construídos de forma desconectada realidade. Este estilo de Jornalismo éresultado das ações do laboratório da lógi-ca do marketing. Em muitos casos, o tra-balho do Jornalista nesses veículos se limitaa uma re-redação dos textos publicitários epromocionais das empresas. Neste caso, ovelho conceito de que o Jornalista é umaengrenagem da democracia deve ser substi-tuído pelo conceito de que é um prestador deserviço, uma engrenagem a serviço do con-sumo. Para MARSHALL, o conceito clás-sico de jornalismo foi contaminado a par-tir de uma promiscuidade entre informaçãoe propaganda.

“As notícias dos jornais perdem sua mis-são precípua de reportar e passam a car-regar os interesses de propagandear pro-dutos, idéias ou personagens, numa ra-dical inversão de valores. Uma publici-dade que não é mais implícita, como é28 DINES, Alberto, 1974, p.78.29 NEVEU, Erik, 2001, p.27.

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natural em todos os processos lingüísti-cos que transportam principalmente ide-ologias, mas uma propaganda explicita,que se antepõe ao papel prioritário de in-formar.30

Ainda assim, em 1999, 42% dos Jor-nalistas franceses atuavam para publicaçõesespecializadas quer em público (mulheres,jovens etc), quer em segmentos temáticos(saúde, economia, viagem) ou segmentosprofissionais (informática, medicina, ecolo-gia etc). Ainda na visão do autor, a obje-tividade, imparcialidade e a neutralidade in-formativa foram deixadas de lado e substi-tuídas pela lógica mercadológica das empre-sas. O novo Jornalismo passa então a seratrelado ao marketing. Para ele, passou aexistir uma promiscuidade entre informaçãoe propaganda, uma vez que as notícias per-dem sua missão precípua de informar e pas-sam a propagar idéias, personagens e produ-tos de outrem, o que ele denomina de formamestiça de comunicação.31

Nem por isso, este supermercado de mer-cadorias e lobbies em que se transformaramos veículos jornalísticos fez com que osprofissionais perdessem, no Brasil ou naFrança, o enquadramento profissional de Jor-nalista, quer pelos seus pares e organiza-ções corporativas, quer pelos empregadoresou leitores. Isto ocorre, talvez, em decor-rência de não estar totalmente submetido aoarbítrio do profissional o poder de escolhado modelo jornalístico a ser desempenhado.Como salienta LUSTOSA,

“A informação, como mercadoria, nãoé do repórter, mas dos proprietários da30 MARSHALL, Leandro, 2003, p.41.31 Op. cit., p.39/41.

empresa de comunicação, a qual estásujeita a muitos interesses e pressões.[...] A notícia é pois uma versão de umfenômeno social, não a tradução obje-tiva, imparcial e descomprometida de umfato.”32

Desta forma, são múltiplas as modali-dades de jornalismo. Além dos já cita-dos acima, há o jornalismo de investigação– embora a classificação possa parecer umpleonasmo, como alerta MARCHETTI.33

No Brasil, a prática foi parcialmente aban-donada na última quarta parte do séculoXX, na mesma velocidade que a imprensabrasileira, justamente os grandes jornais,preferiu aderir ao jornalismo de linha em-presarial, que consistia, basicamente, em sevaler dos press releases para «informar semcomprometer-se».34

Outro fenômeno foi o surgimento, na vi-rada para o novo milênio, do chamado jor-nalismo de entretenimento, que na opiniãode MARSHAL,35 implica no abandono dacobertura de notícias mais sérias pela adoçãoda opção pelo entretenimento. É mais baratode se produzir e obtém –se maior audiên-cia. Uma modalidade baseada na estratégicamercadológica e que, nas palavras de MAR-CONDES FILHO36 contribui para a despoli-tização do público e conspira contra os in-teresses de emancipação e autodeterminaçãodo cidadão. Ou seja, não desempenha suafunção de fiscal da sociedade, mas mesmo

32 LUSTOSA, Elcias, 1996, p.17.33 MARCHETTI, Dominique, in CHAMPAGNE,

Patrick et MARCHETTI, Dominique, (org.), Actesde la Recherche en sciences sociales 131-132, 2000,p.30.

34 DINES, Alberto, 1974, p.86.35 MARSHALL, Leandro, 2003, p.27.36 MARCONDES FILHO, Ciro, 1989,p.36.

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assim não perde o enquadramento de Jorna-lismo. Este Jornalismo pós-moderno se a-limenta pela lógica do capital, do marketinge da publicidade e secundariza a missão deinformar, fazendo com que toda a profissãoperca seu referencial.

"O processo generalizado de erosão dosparadigmas na era pós-moderna provocamutação do conceito de informação.Esta deixa de significar a representaçãosimbólica dos fatos para se apresentarcomo um produto híbrido que associaora a publicidade, ora entretenimento,ora persuasão, ora consumo. [...] Ainformação vira um veículo de trans-porte para várias e subjetivas intenções,deixando muitas vezes de cumprir suamissão imanente de informar.”37

O infotretenimento é definido porBONVILLE38 como sendo "um caso parti-cular de hibridação intermidiática baseadana contraposição dos pólos realidade/ficçãoe informação/diversão.” Um modelo que sefaz presente cada vez mais na prática discur-siva do dia-a-dia, embora seja consideradacomo diversão ou alienação na opinião deBELTRÃO.

“um meio de fuga às preocupações doquotidiano ou costumeiro, uma pausa noramerrão (rotina) um preenchimento doslazeres com algo reparador do dispên-dio de energias reclamado pela própriaatividade vital de informa-se, sem aqual nenhum ser vivo pode evoluir e

37 MARSHALL, Leandro, 2003, p.36.38 BONVILLE, Jean de, 2001, p.20.

aperfeiçoar-se, nem o ser humano, es-pecificamente, manter suas relações so-ciais.”39

No conceito do autor, entretenimento é di-versão. Um circo é entretenimento, umaaudição musical é entretenimento, um pro-grama de auditório de variedades é en-tretenimento. São ações que permitem ummeio de fuga às preocupações do quoti-diano ao costumeiro. MATHIEN classifica ol’infotainment, que ganha cada vez mais es-paço na mídia eletrônica francesa nacional elocal, como um jornalismo feito sobre basesestereotipadas, um jornalismo de espetáculo.

“O resultado desse jornalismo reúneuma concepção de oferta própria às teo-rias do marketing que construíram emseu interior conceitos de comunicaçãoadaptados às finalidades de comércio eda vendagem que encontram espaço den-tro das atividades produtivas das mídias.Como dizem abertamente os profissio-nais franceses de Relações Públicas ouquebecoises, formados na boa escola,tudo é comunicação, não existe mais in-formação hoje em dia.”40

Lembremo-nos que comunicação na cul-tura francófona é antônimo de Jornalismo

39 BELTRÃO, Luiz, 1980, p.13.40 “La dérive de ce journalisme rejoint une con-

ception de l’offre propre aux théories du marketingqui construisent, en leur sein, des concepts de com-munication adaptés aux finalités du commerce et dela vente et qui trouvent place dans l’activité produc-trice des médias. Comme le disent ouvertement biendes professionnels des relations publiques français –ou relationnistes québécois – formés à bonne école,tout est communication, il n’y a plus d’informationaujourd’hui” MATHIEN, Michel, in Quaderni no 45,2001, p. 119.

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e este é sinônimo de informação. Outraconseqüência do infotretenimento é a substi-tuição dos jornalistas pelo que DAGENAISe SAUVAGEAU, denominam de animateursvedettes, - poderíamos traduzir para o por-tuguês como apresentadores vedetes – e quesão facilmente encontrados nas emissoras detelevisão mais populares. O infotretenimentoprovoca assim na França o surgimento destanova categoria, o Jornalista animador, quemescla as características de um animador deauditório e de um entrevistador. E a guerrapela audiência, provocada por este jorna-lismo de espetáculo, fez com que mesmosos telejornais tradicionais, no intuito de pro-piciar maior dramatização aos fatos relata-dos, se valham de recursos do cinema, doteatro, como é o caso da reconstituição decrimes com apoio de artistas, dissimulaçãoda identidade do repórter, indução ao erro, àprática anti-social do entrevistado para via-bilizar o conteúdo da reportagem, trucagemnas edições, não identificação do uso de ima-gens de arquivo, dentre outros recursos.

Recursos que nas opiniões de TIXIER-GUICHARD e CHAIZE41 contribuem paradiminuir a credibilidade da imprensa junto àaudiência. O conteúdo escolhido, a agenda,também assume característica própria e nemsempre socialmente relevante.“ Os francesesestão convencidos de que as mídias gastammuita energia em temas sem importância” –dizem os dois autores. e ainda denunciamque nos chamados magazines d’information,que mesclam reportagens e programa de au-ditório. Neles, alguns temas e entrevista-dos são definidos em função da espessura dacarteira de dinheiro. Os dircom entram em

41 CHAISE, Daniel et TIXIER-GUICHARD,Robert, 1993, p. 141/211.

ação para garantir o acesso de suas empre-sas a esses programas e, para tanto, algu-mas chegam a financiar parte substancial desua realização. Ressaltam eles que isso geraum clima de desconfiança entre emissor e re-ceptor, principalmente no que tange à práticaprofissional. Nem por isso, na França os ani-mateurs vedettes deixam de ser consideradosJornalistas. Tais titulares da carte de pressenão têm, contudo, grandes preocupações so-bre o que pensa a audiência.

Desta forma, este transgênico parece terfuturo longo, pois se de um lado, apre-senta um mercado consumidor, de outro, jáconta inclusive com mecanismos destinadosa perpetuá-lo. No Brasil, faculdades parti-culares identificadas com a vedetização, a vi-trine midiática edificada pelos animadores detais programas televisivos – ela também sefaz presente no rádio e nas revistas – cria-ram disciplinas de jornalismo de entreteni-mento, objetivando a capacitação de profis-sionais para este modelo.

A introdução do jornalismo especializado,do jornalismo de ocasião e de oportunidadee do infotretenimento nesta texto tem porbase a reflexão de MESSIKA42. Emborafeita sobre a realidade francesa, ela nos é útilpara uma análise do tema central: o que é serjornalista, o que é ser comunicador institu-cional. Depois de registrar que a maioria dosprofissionais dos departamentos de comuni-cação das organizações francesas é, ou foino passado, Jornalista; que os novos comu-nicadores são treinados pelos próprios Jorna-listas em atuação no mercado; que estes lheensinam como elaborar textos que respon-dam às necessidades da imprensa; que cer-tos institutos de formação profissional dos

42 MESSIKA, Liliane, Réseaux no 64, 1994, p.67.

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futuros dircoms se valem da técnica pedagó-gica de realizar estágios de media-trainingem ambientes jornalísticos; que as asses-sorias de imprensa tornaram mais atrativas,e por isso mais utilizáveis, as informaçõespor elas divulgadas e que a transparênciaé a palavra de ordem em vigência, a au-tora não entende porque os apresentadoresdo infotretenimento podem ser classificadoscomo Jornalistas e detentores de uma cartede presse e os outros não. Ela resume emuma só palavra sua reação: “paradoxo”.

“Se dizem Jornalistas os colaboradoreseventuais da imprensa do interior e asvedetes, apresentadoras dos telejornaisda noite. As respectivas atividades nãotêm nenhum ponto em comum a profis-são a não ser o fato que eles têm direi-to à carte de presse. Paradoxalmente,o Jornalista de empresa (assessores deimprensa) cuja atividade e os incômo-dos são exatamente semelhantes aos doscolegas da imprensa escrita, não tem di-reito à carte de presse, que possui o sta-tus de identidade profissional.”43

Para a autora, torna-se difícil compreen-der como um simples vocábulo ‘Jornalistaprofissional’, pode reunir pessoas de ativi-dades tão diferentes e ao mesmo tempo ex-cluir outras, com atividades semelhantes,em função apenas da existência de su-portes estruturais distintos. Ela classificaeste fenômeno como decorrência de posi-cionamentos ideológicos e legislativos. Enós acrescentaríamos o fator cultural. Avisão dela tem sua base de razão. Os Jor-nalistas paraguaios, que possuem norma-tização profissional semelhante à francesa,

43 Op.cit.

a partir de uma decisão política tomadanuma assembléia-geral, no final dos anosnoventa, passaram a aceitar como colegas deprofissão os profissionais que desempenham,na comunicação empresarial, funções seme-lhantes aos dos Jornalistas. Ficaram excluí-dos apenas aqueles que atuam majoritaria-mente no campo Publicitário e de RP. Por-tugal, em um processo semelhante, em 1997,optou por excluir os comunicadores do rol deJornalistas.

Também quanto ao aspecto legal, MES-SIKA pode se apoiar na transição das leisbrasileiras. No passado as atividades deoperador de telex e de locutor eram en-quadradas no rol dos Jornalistas. Hoje, nãomais. Juntamente com as funções de a-presentadores e animadores de programas deentretenimento das emissoras de rádio e detelevisão, os locutores são enquadrados nacondição de Radialistas, que possuem es-tatuto profissional próprio. Ou seja, doisexemplos mostram como alterar fronteirase atrair para um mesmo território funçõesafins e demarcar novas fronteiras separandoaquilo onde se identificam diferenças.

3 Relações Públicas, Publicidadee Jornalismo nas instituições

No Brasil, como já especificamos, cadaprofissão do setor de comunicação so-cial possui uma regulamentação profissionalprópria, definida em leis ou decretos-leis fe-derais. Publicidade, Relações Públicas, Ra-dialismo e Jornalismo tiveram seus atuaisregulamentos editados na década de 60, comalgumas alterações e adaptações na década

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seguinte. E, em oposição à realidade de ou-tros países, como a francesa, apontada porMESSIKA44, na qual inexiste a exigência deformações especificas para o setor de comu-nicação institucional, no País elas ocorremcom cursos específicos para Jornalistas, Pu-blicitários e Relações Públicas (e ainda paraRadialistas – profissionais da área técnica ede criação de rádio e tv). O acesso ao mer-cado, com exceção de algumas funções dePublicitários e de Radialistas, não é aberto,depende de registro profissional só conce-dido àqueles detentores de formação supe-rior. Esta característica elimina, pelo menosno campo legal, a zona cinzenta, a fronteiramal delineada dos territórios profissionais.Entretanto, ela poderá persistir em razão dasimilitude, que acreditamos existir, entre oproduto emanado das três profissões.

4 Assessoria de imprensa versusDircom

BALBASTRE45, ao analisar o perfil do mer-cado de trabalho francês, cita a imprensainstitucional e de empresas, admitindo nasentrelinhas que a produção realizada poresses profissionais deve ser vista como jor-nalismo. Por sua vez, o Centre d’Etudes etde Recherches sur les Qualificações (Cereq),da França, define Dircom, como sendo o

“responsável pela informação e pela co-municação [. . . ] que concebe e orga-niza a comunicação entre a empresa e

44 MESSIKA, Liliane, Réseaux no 64, 1994, p.59.45 BALBASTRE, Gilles, in CHAMPAGNE, Pa-

trick et MARCHETTI, Dominique, (org.), Actes de laRecherche en Sciences Sociales 131-132, 2000, p.76.

seus diversos parceiros interiores e ex-teriores, que concebe e recolhe a in-formação a ser transmitida, garante aprodução e a divulgação das mensagensdestinadas a estabelecer ou manter a i-magem da empresa, que executa e coor-dena as atividades dos especialistas emRelações Públicas”46

No Brasil, BAHIA, afirma categorica-mente que

“a informação especializada em asses-soria é uma atividade jornalística... em-bora ainda sujeita a interpretações im-precisas, seja por parte dos próprios jor-nalistas, seja por parte dos empresários,e que não possui vínculos com Re-lações Públicas, mercadologia e Publici-dade.”47

Não é possível fazer uma correlação au-tomática, idêntica, exata, para uma profis-são espelho no Brasil Em função da ampli-tude e perfil das tarefas, o dircom se asseme-lharia ao que é estabelecido para um coor-denador de Comunicação Social ou um Re-lações Públicas, do que ao Assessor de Im-prensa. O dircom francês demonstra en-volver, além de Relações Públicas, açõespublicitárias e jornalísticas. A denominaçãoda função coordenador de Comunicação So-cial, anteriormente mencionada, é bastanteutilizada no Brasil, especialmente no serviçopúblico e em empresas de grande porte, masela inexiste enquanto profissão regulamen-tada. Trata-se de uma decorrência de agru-pamento de tarefas internas de uma orga-nização. Aparece nos quadros de pessoal

46 Cahiers du répertoire français des emplois, vo-lume 14-3 (fiche RP 01) Cereq, 1983, apud MES-SIKA, Liliane, in Réseaux no 64, 1994, p.55.

47 BAHIA, Juarez, 1995, p.35.

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apenas como posto, um espaço funcionalou uma atividade nos organogramas de re-cursos humanos. Um dircom no Brasil ne-cessariamente teria que ser um profissionalegresso de, pelo menos, um dos três camposprofissionais já citados. Abaixo de tal postodeverão existir as equipes dos três camposprofissionais, de acordo com as necessidadese disponibilidades de recursos materiais ehumanos.

Na realidade brasileira não há dificuldadeem separar a Publicidade do Jornalismo, poisa primeira tem nítida conotação comerciale a própria legislação publicitária deixa issoem evidência ao estabelecer que:

Art 2o Considera-se propaganda qual-quer forma remunerada de difusão deidéias, mercadorias, produtos ou ser-viços, por parte de um anunciante identi-ficado.48 (grifo nosso)

Embora também trabalhe com mensagensinstitucionais, a técnica, a linguagem e o for-mato publicitários são bem diferentes e defácil percepção a um profissional. Talvez nãoo seja para o leitor comum de jornal, revista,o expectador de TV ou ainda o ouvinte de rá-dio. Estes podem se confundir diante do con-teúdo de uma matéria paga, de um informepublicitário que buscam no Jornalismo umformato tido como detentor de maior credi-bilidade. No caso do conflito RP versus Jor-nalista, quando visto a partir de uma óticasindical, corporativa, a disputa fica concen-trada na amplitude das competências de cadasetor. Na visão da Comissão Nacional de

48 DECRETO No 57.690, DE 1 DE FEVEREIRODE 1966. Aprova o Regulamento para a execução daLei no 4.680, de 18 de junho de 1965.

Jornalistas de Assessoria de Imprensa – Con-jai, ao RP caberia editar publicações de cir-culação interna e aos Jornalistas, de circu-lação externa. Mas o que é interno e ex-terno? Se a Justiça Eleitoral brasileira edi-tasse e distribuísse um jornal ao seu públicoalvo, os 115 milhões de eleitores brasileiros,67% da população brasileira, estaria ela sedirigindo a um público interno ou externo?O Movimento de Trabalhadores Sem Terraquando edita e divulga sua revista Terra, fazjornalismo, ou Relações Públicas? Quemescreverá e será editorialmente responsávelpor estas publicações? Um Jornalista ouum RP? Na prática, o mercado tem optadopelo Jornalista, até porque a Lei de Imprensabrasileira exige um Jornalista com editor res-ponsável para as publicações impressas.

Devemos registrar que, ao contrário darealidade do Québec, no Canadá, no âmbitopúblico brasileiro, os serviços institucionaisde imprensa tiveram um maior desenvolvi-mento dentro das próprias instituições e nãoem agências publicitárias. Este detalhe podeter deixado as técnicas publicitárias e rela-cionistas um pouco mais distante dos textosdos assessores de imprensa. As empresas na-cionais de Relações Públicas, por sua vez,se especializaram em organização de eventosdo tipo congresso, seminário, feiras e salões,cerimonial.

No Brasil, o surgimento massivo de em-presas de assessoria de imprensa se deunum segundo momento, numa atmosferaeconômica neoliberal favorável à terceiriza-ção de serviços públicos, e mesmo assim,ocorreu de forma fragmentada e especiali-zada. A maior parcela desses serviços foi en-tregue de forma fracionada a pequenas em-presas que se especializaram em atividadesespecificas de assessoria de imprensa. Ativi-

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dades do tipo redação, elaboração e ediçãode publicações, leitura, seleção e análise donoticiário veiculado pela imprensa, elabo-ração de kits de imprensa, press releases im-pressos, releases eletrônicos, organização deconteúdo para páginas na Internet, documen-tação fotográfica ou videográfica e, mais re-centemente, a administração de sítios na In-ternet.

Este fenômeno da terceirização, comodemonstraremos neste trabalho, provocou nofinal da década de 90 uma redução do quan-titativo de profissionais Jornalistas contrata-dos com carteira assinada diretamente pelasassessorias. Em 1986, os assalariados repre-sentavam 55% de todas as vagas de trabalhooferecidas pela iniciativa privada (imprensatradicional inclusive) a jornalistas. Onzeanos mais tarde eram apenas 36%. Em con-trapartida, ampliou-se o surgimento de mi-cros e pequenas empresas de jornalismo, al-gumas denominadas empresas individuais,onde empregado e empregador é a mesmapessoa, o próprio Jornalista. Igualmente,a política fiscal brasileira, que sobrecarregacom impostos o trabalhador assalariado e oautônomo e, contrariamente, alivia a pessoajurídica, favoreceu a fundação destas novasempresas jornalísticas. Outro reflexo nãomensurado formalmente, mas perceptível aoolho nu, é a ampliação da precarização dotrabalho dos jornalistas e da contratação defree lancers.

Retornando à tênue fronteira, no Brasil azona cinzenta não ficará, portanto, no per-fil do profissional, que é legalmente pré-definida, mas na natureza do resultado deseu trabalho. De certa forma, esta con-cepção não é exclusivamente brasileira. NaFrança, onde existe uma reação radicalem aceitar tais atividades como Jornalismo,

criou-se uma categoria híbrida, journalisted’entreprise, que designa redatores de jor-nais empresariais ou institucionais.49 O tí-tulo não lhes assegura a carte de presse, em-bora o modus operandis desses profissionaispouco se diferencie dos tradicionais Jorna-listas, como registra CHARON:

“No exercício de suas atividades, essesredatores realizarão investigações, re-portagens, entrevistas. Eles redigirãoigualmente notas e comunicados; [. . . ]Quanto à liberdade de inflexão e à au-tonomia redacional, essas serão constan-temente equivalentes, senão superiores,àquelas dos semanários e diários regio-nais.”50 (Tradução Minha)

Situação semelhante ocorre em Québec,segundo relatos dos canadenses DAGENAISe SAUVAGEAU, que salientam a acentua-da reutilização, a reprise, pela imprensatradicional dos textos institucionais. Osautores lançam uma controvertida questão:serão essas pessoas menos Jornalistas e maisagentes de informação, mais Relações Públi-cas? Trata-se, efetivamente de uma dis-cussão complexa, principalmente se consi-derarmos que a natureza de formação dosprofissionais é semelhante, que em muitoscasos a origem profissional, como no caso

49 DAGENAIS, Bernard et SAUVAGEAU, Florian,in Communication et organisation no 8 – 2è semestre,1995, p. 8.

50 “Dans l’exercice de leur activité, ces rédacteursréaliseront des enquêtes, des reportages, des inter-views. Ils rédigeront aussi bien de brèves, des billets;[. . . ] Quant à la liberté de ton et à l’autonomie ré-dactionnelle, elles seront bien souvent équivalentes,sinon supérieurs, à celles des hebdomadaires et desquotidiens régionaux” CHARON, Jean-Marie, 1993,p.110/111.

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brasileiro, é a mesma, ou seja, são legal-mente Jornalistas, e que o formato e atecnologia utilizados para divulgar a infor-mação também são iguais aos utilizados peloque convencionamos de imprensa. Mesmoque lançássemos sobre um plano cartesianoas características do processo de construçãoe difusão da notícia e, em outra coluna, osmesmos dados sobre a informação institu-cional, teríamos uma grande interseção, oque em matemática chama-se um conjuntobiunívoco.

Como classificar então a informaçãoveiculada no hipotético jornal da JustiçaEleitoral, na concreta revista Terra do Movi-mento dos Trabalhadores Sem Terra, nas di-versas Mídias das Fontes, que chegam cominformações à opinião pública por meio deprogramas e mesmo emissoras corporativasde rádio e TV, por milhares de tablóidese revistas editados por organizações sindi-cais e que hoje são disputadas igualmentepelas agências de publicidade para veicu-lação de suas campanhas? Outra indagação:como classificar as revistas de bordo, co-nhecidas tecnicamente por “consumer ma-gazine”? São peças publicitárias das empre-sas aéreas e dos produtos de free shopping,seus principais anunciantes? São veículosjornalísticos ou ferramentas de RP? ParaAnne Beaujour, editora de Parcours, es-sas publicações possuem um público bemdefinido, se constituem numa espécie de guiade laser, e em nenhum momento preten-dem ser porta-voz das empresas aéreas. Elasnormalmente envolvem estruturas externasàs assessorias de imprensa das transporta-doras aéreas, e segundo dados apresentados

por CHAIZE e TIXIER-GUICHARD,51 em1990, o público leitor de apenas duas delas –Atlas e Parcours, respectivamente distribuí-das pelas companhias aéreas francesas, AirFrance e Air Inter - era superior ao volumeacumulados de leitores do Point, du NouvelObservateur e L’Evénement du Jeudi, veícu-los tradicionais da imprensa francesa.

Se considerássemos tais veículos comoinstrumentos de Relações Públicas, de queforma enquadraríamos as mensagens publi-citárias de terceiros neles difundidas? Es-taríamos diante da inusitada situação de umapublicidade veiculada noutra? Seria algosemelhante ao merchandising inserido numapeça publicitária? Algo como uma modeloque anuncia um xampu e ao mesmo tempovende o conceito da toalha de banho ou daducha que ela utiliza?

Como devemos diferenciar o anúncio pu-blicitário veiculado numa publicação insti-tucional do conteúdo dos textos editoriaisredigidos pelas organizações corporativasproprietárias do veículo? O anúncio e o textoredacional são propaganda? O texto poderiaser classificado como Jornalismo, eventual-mente um Jornalismo especializado? Deve-mos optar pelo enquadramento da publici-dade se valendo da difusão de um veículorelacionista? Mas e se o formato da publi-cidade for institucional? Por exemplo, umapeça institucional sobre preservação ambien-tal veiculada no Jornal do Confea – órgãoinformativo do Conselho Federal de Enge-nharia, Arquitetura e Agronomia –, ou numarevista de uma ONG ambientalista. Nestecaso, a mídia escolhida é jornalística, pu-blicitária ou de Relações Públicas?

51 CHAISE, Daniel et TIXIER-GUICHARD,Robert, 1993, p.20.

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A complexidade, como se percebe, égrande. E para aumentá-la inserimos umnovo elemento. Um mesmo texto é vei-culado na imprensa e num jornal corpora-tivo: em qual categoria devemos classificá-lo bem como o seu autor? Dependendo doveículo, autor e texto terão enquadramen-tos diferentes? A prática mostra que maisdo que uma hipótese a múltipla utilizaçãodos textos é um procedimento costumeira-mente verificado. As exigências capitalistaslevam as empresas a buscar reduções de cus-tos de todas as formas. Na França – afirmaCHAMPAGNE52 – o esforço da maioria dasredações em reduzir despesas é traduzido naredução do número de Jornalistas contrata-dos de forma permanente, fixos. E comoregistra MATHIEN,53 a questão econômicainterfere diretamente no processo de seleçãodos temas a serem cobertos e na forma comoas informações serão obtidas. Na realidadebrasileira, informa LIMA,

“muitos jornais encontrariam dificul-dades para manter suas portas abertasse não pudessem contar com o mate-rial distribuído pelas assessorias de im-prensa.”54

Segundo CHAMPAGNE, o jornalismo re-gional francês é feito sob a mesma ótica eco-nomicista. Repórter não sai à rua para pre-senciar e apurar os fatos, as entrevistas acon-tecem por telefone e um volume crescente dematérias é feito sem um

52 CHAMPAGNE, Patrick e MARCHETTI, Do-minique, (org.), in Actes de la Recherche en sciencessociales 131-132, 2000, p. 4.

53 MATHIEN, Michel, 1992, p. 177.54 LIMA, G.M. 1985, p. 111.

“verdadeiro trabalho jornalístico, prin-cipalmente a partir de dossiês de im-prensa elaborados pelas agências de co-municação que rotineiramente forneceminformações úteis em disquetes ou via In-ternet para facilitar o trabalho dos Jor-nalistas.”55

Em alguns casos, o material já é recebidocom ilustrações e diagramado no formato doveículo beneficiário. Quanto ao conteúdo dainformação disseminada pelas estruturas decomunicação institucional, há uma busca ematender aos princípios jornalísticos que de-finem o que é notícia. Esta observação é re-ferendada por Fréderic Aragon, responsávelpelas relações com a imprensa do grupoMatra, empresa francesa que, dentre ou-tros produtos, fabrica o avião de caça Mi-rage. Em depoimento a CHAIZE e TIXIER-GUICHARD, afirmou:

“A separação é clara: não temos nadaa ver com a publicidade que depende deoutro tipo de atividade. Nós funcionamosum pouco como uma agência. [. . . ] Asredações são hoje em dia informatizadas,os jornalistas independentes trabalhamsobre micro computadores, porque nãose conceber dossiês (textos para divul-gação)na concepção deles, mais sintéti-cos, textos em papel e um complementoem disquete com os aspectos mais téc-nicos e as ilustrações?” 56 (Traduçãominha)55 CHAMPAGNE, Patrick e MARCHETTI, Do-

minique, (org.), in Actes de la Recherche en sciencessociales 131-132, 2000, p. 4.

56 “ Le cloisonnement est net: nous n’avonsrien à voir avec la publicité qui dépend d’un toutautre service. Nous fonctionnons un peu commeune agence [. . . ] Les rédactions sont aujourd’hui

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Portanto, o press release, que no passadoia para o lixo, ganha espaço nas páginas dejornais e sua apresentação se sofistica como uso da informática, o que favorece ummaior aproveitamento espacial nas páginasda imprensa escrita. Além disso, já se mul-tiplicaram para as versões televisivas e ra-diofônicas. Voltamos, então a apresentar amesma questão. Em termos de categorizaçãodo conteúdo informativo, como diferenciarou enquadrar um mesmo texto que é difun-dido num jornal tradicional e num meio cor-porativo? Ele deixa de ser notícia e vira pu-blicidade quando é tornado público pelas Mí-dias das Fontes e assume a condição jornalís-tica se a mídia for a tradicional imprensa? Omesmo ocorre com o autor do texto? Alémdas complexidades acima descritas, há aindao que DAGENAIS e SAUVAGEAU rotu-laram de confusão crescente de mandatos.A imprensa tradicional, direcionada pelosvalores mercadológicos, está cada vez maisdistante do cumprimento de seu mandato deprestadora da função social de bem informare cada vez mais compromissada com o info-comercial.

Nesta situação, a informação ocupa umterritório onde a hierarquia do conteúdo édeterminada pelo mercado.57 Na visão deMARCONDES FILHO,58 Jornalismo é aomesmo tempo a voz dos outros conglo-merados econômicos ou grupos políticos que

informatisées, les journalistes indépendants travail-lent sur des micro-ordinateurs, pourquoi ne pas ima-giner des dossiers plus synthétiques dans leur partie“papier” avec, en complément", une disquette pourles aspects plus techniques et les infographies? »CHAISE, Daniel et TIXIER-GUICHARD, Robert,1993, p.161/163.

57 DEMERS, François, in Communication et or-ganisation no 8, 1995, p. 19.

58 MARCONDES FILHO, Ciro, 1989,p.11.

querem dar às suas opiniões subjetivas e par-ticularistas o foro da objetividade.

“As páginas dos jornais, telejornais,radiojornais e net-jornais incorporamas novas premissas e passam a rela-tivizar os conceitos de verdade, de rea-lidade, de conhecimento, de informação,de saber etc. Os discursos da publici-dade e da estética, e junto com eles dosensacionalismo, da espetacularização,da carnavalização, da mais-valia, dosfait divers, inoculam o ethos do jorna-lismo.” – afirma MARSHALL59

Por outro lado, as instituições privadasdemonstram-se mais engajadas em questõessociais e humanitárias – mesmo que sim-plesmente para efeito de imagem. Na con-cepção de profissionais e de especialistas,a reportagem é a atividade ícone do jorna-lismo. E o que estimula a execução de umareportagem – segundo RUELLAN60 – é aambição de descrever as realidades sociais.E foi, portanto, a impossibilidade de fazê-lona imprensa que levou diversos Jornalistasbrasileiros ao mundo da comunicação insti-tucional, já que nos meios tradicionais, de-terminados temas não encontravam espaço,ou não lhes era permitido fazer determi-nadas reflexões, necessárias ao tema. Nestequadro, quem transmite a verdadeira infor-mação jornalística? Todos os dois campos?Nenhum dos dois? O marketing se faz pre-sente na imprensa que adota uma linha edi-torial e um padrão visual para vender maisou agradar determinados setores? Existe Jor-nalismo na mídia corporativa que entra em

59 MARSHALL, Leandro, 2003, p.17.60 RUELLAN, Denis, 1993, p. 105.

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um campo não priorizado pelos meios tradi-cionais?

Certamente não haverá uma respostadefinitiva e absoluta. Uma análise deve serfeita, não só do conteúdo desses veículoscorporativos, mas também sobre a motivaçãoque levou à criação deles. Também deveser identificada a representação que possuemos diversos atores sociais envolvidos: Jorna-listas, público, fontes, dentre outros. Umaleitura do discurso praticado nesses veículosdeve ser feita e, para tanto, deve estar despidade pré-conceitos e de preconceitos. Entende-mos que esta seja a melhor opção. Mesmoassim há o risco, de não se aceitar como Jor-nalismo o conteúdo de tais “meios de comu-nicação” em função de parâmetros histórico-culturais. A realidade mostra que a portade acesso ao mundo jornalístico se apresentamais aberta para algumas formações comu-nicativas, do que para outras. Há maior fa-cilidade para a passagem de algumas moda-lidades informativas pelo simples fato domeio emissor ser historicamente classificadocomo imprensa. Em outras situações a portase fecha totalmente pelo fato do emissor nãoser tradicionalmente classificado como meiojornalístico. É o caso do já citado infotrete-nimento, aceito com maior facilidade dentroda cesta de produtos jornalísticos.

As modalidades informativas são diversase, portanto, a análise do conteúdo do quechamamos de Mídias das Fontes e da iden-tidade profissional de seus autores deve sercautelosa. Ela pode ser fruto de processosdistintos. Ela pode ser uma mera estraté-gia de construção de imagem ou, também, abusca da expressão dos excluídos da agenda.Particularmente, consideramos válida a teo-ria de renovação a que RUELLAN se refere.Por ela, há um fenômeno que permite um

processo de amalgamar e de eternizar umaprofissão que se mostra constantemente re-novada.61 Assim, a ação de jornalistas nasassessorias de imprensa seria na prática umprocesso de renovação da atividade jornalís-tica. Se fossemos pensar apenas na óticada Publicidade ou das Relações Públicas omundo não teria conhecido o nome de Co-mandante Marcos, que juntamente com seucachimbo e seu gorro de esquiador interferi-ram na agenda midiática ao percorrerem oscomputadores do mundo inteiro divulgandoo ideal Chiapas. Tudo graças a uma ação decomunicação institucional, corporativa.

Temos na prática três cenários: o cenáriodas redações, o cenário das assessorias deimprensa, dircom, e o cenário do jorna-lismo corporativo, das mídias corporativas.É necessária uma análise das práticas e roti-nas de cada um desses cenários. Esta análisepode se dar sob um aspecto do real, aqueleque se verifica no cotidiano, ou sob o as-pecto do ideal, onde agentes diversos podemcontribuir para o controle da qualidade da in-formação. No modelo francês, denominadoDiretoria de Comunicação – Dircom, temosum padrão de ação que para alguns jorna-listas poderia ser o que no jargão brasileiroé rotulado de marqueteiro. O termo traz emsi alguma dose de crítica, pois esse profis-sional se vale de técnicas que buscam tra-balhar a imagem do produto, seja ele umapessoa, uma empresa, uma organização, umgoverno, a qualquer custo. Avaliação con-cedida na Inglaterra aos profissionais de Re-lações Públicas. Conforme GANDY, O,

“A função primeira das Relações Públi-cas é uma comunicação focada e com in-

61 Op.Cit., p 224.

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teresse próprio. [. . . ] Relações Públi-cas é visto como um recurso instrumen-tal que é normalmente lançado mão poratores buscando influenciar o surgimentodo debate de políticas (públicas)”62

Técnicas como as descritas porBRAULT63, que mesmo despidas docaráter publicitário permitem uma sériede performances. Na prática, registra oautor, elas agrupam o marketing direto, apromoção de vendas, a comunicação interna,as técnicas de construção de identidades, odesigner, a embalagem, o merchandising, arelação com a imprensa, dentre outras. Umacomunicação institucional baseada nessastécnicas não pode ser enquadrada comoJornalismo nem o profissional responsávelestará atuando como jornalista, mesmo quelegalmente ele tenha este título.

Esse cenário difere em muito dos propósi-tos adotados pelos profissionais de jorna-lismo que atuam na maioria das assessoriasde imprensa no Brasil. Não que ações dessecaráter não ocorram, pelo contrário, elas sãoaté rotineiras, mas partem de outros profis-sionais, os marketeiros, que em sua grandemaioria descendem da Publicidade, mas cujafauna também abriga espécimes que já atu-aram como Jornalistas. Esse grupo de profis-sionais estaria entre aqueles que, segundoBONVILLE, não medem esforços para asse-gurar a divulgação de uma informação. Des-dobram sua capacidade criativa para distin-guir as suas mensagens e reter a atenção da

62 “The primary role of Public Relations is oneof purposeful, self-interested communication. [. . . ]Public Relations is seen as an instrumental resourcethat is regularly called into a play by actors seekingto influence the outcome of a policy debate.” GANDY,O., in TOTH, E.L. e HEATH, R.L. (eds.), 1992, p.137.

63 BRAULT, Lionel, 1992, p. 53.

mídia e da audiência. Criam eventos coma única missão de serem relatados pela im-prensa.64

O papel desempenhado pelas assesso-rias de imprensa, no modelo construído noBrasil, foi o de ampliar o grau de infor-mações existentes numa determinada so-ciedade sobre um determinado tema. Estalinha de trabalho começar a encontrar es-paços na Europa. CHAISE, e TIXIER-GUICHARD65 atestam que a maior presençade jornalistas à frente dos serviços de im-prensa das empresas – em 1993, dois entrecada dez Dircom seriam veteranos jornalis-tas que deixaram a mídia – tem contribuídopara demonstrar que a informação pode aju-dar as empresas a se afirmarem no espaçopúblico, por meios que não são nem a Pu-blicidade, nem o Marketing. Na base destameta, a transparência, a democratização doacesso às informações, a verdade dos fatos.Paradigmas semelhantes aos que norteiam osJornalistas tradicionais. Não é a lógica doproduto, como referenciado por BRAULT,que orienta estas novas iniciativas. Na ver-dade, a grande maioria tem por meta um es-paço sob o sol da mídia, tentar se incluirna agenda. Por isso, consagradas iniciati-vas neste campo ocorreram a partir de or-ganizações que tratam de temas tidos comomarginais, dentre os quais, a questão indí-gena, racial, ecológica, direitos humanos eaté mesmo a própria liberdade de expressão.As ações, de início, se limitavam a uma inter-face com a imprensa, mas com o passar dostempos evoluíram para a produção e difusãode programas e até mesmo a implantação de

64 BEAUCHAMP, Michel (org.), 1991, p.43.65 CHAISE, Daniel et TIXIER-GUICHARD,

Robert, 1993, p.210.

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veículos próprios de informação. Não ape-nas para dialogar com o chamado público in-terno, ou mesmo com a mídia, mas tambémpara interagir diretamente com a sociedade.No mundo dos acadêmicos permanece, con-tudo, questionamentos quanto aos elementosque motivam um redator de assessoria de im-prensa a escolher este ou aquele tema. A re-lação assessoria de imprensa versus redaçãofoi alvo de comentário de NEVEU:

«Dentro de um meio de comunicaçãoonde os Jornalistas, organizados, porexemplo, numa sociedade de redatores,se prioriza sobre o estilo redacional osimperativos da produção da informação– aqueles definidos pelos códigos de-ontológicos e pelos mitos profissionais– que possuem alguma chance de go-vernar as praticas dos Jornalistas. Dooutro lado, numa empresa de produçãode informação, como também em váriossegmentos das revistas, a produção dainformação é pensada como uma ativi-dade econômica ou mercadológica, semgrandes particularidades normativas. Éoutro tipo de jornalismo que se desen-volve. Os fatos nos convidam, portanto,a fixar os limites de uma analogia en-tre jornalismo e produção cultural.»66

(Tradução minha)

O convite de NEVEU é válido, mas nãocontempla totalmente a realidade brasileira.Em primeiro lugar, pelo fato de que aexistência e prevalência das chamadas so-ciedades de redatores e de seus princípioséticos, a que ele se refere, são bastante pe-quenas e raras no cenário real da imprensamundial e inexistentes no Brasil. Segundo,

66 NEVEU, Erik, 2001, p.38.

como fica evidenciado ao longo deste texto,cada vez mais a informação difundida pelaimprensa tradicional segue o parâmetro mer-cantil, que ele tanto critica quando trata dasações de comunicação institucional. MAR-SHALL nos descreve da seguinte forma aatividade jornalística atual:

“O jornalista da era pós-moderna anulao senso crítico e a capacidade de reflexãoe permite-se o ato de submeter o lead e apirâmide invertida à lógica do mercado.[...] Ele se rende à invisível censurado mercado e estabelece a própria auto-censura. O jornalista perde silenciosa-mente sua autonomia, consciente ou in-conscientemente, e desempenha mecani-camente operações que dão forma aouniverso da informação.”67

Nossa encruzilhada parece irredutível. Hájornalismo ou marketing na imprensa? Hájornalismo ou marketing no jornalismo cor-porativo? Acreditamos que no caso das Mí-dias das Fontes há uma tendência a adoçãode valores próprios da redação jornalística.Acreditamos que os valores preconizadospor NEVEU68 se encaixam ao que essas mí-dias e seus profissionais realizam, ou pelomenos pretendem realizar:

a) a primeira tem a reivindicação de umasubmissão aos fatos. Se a redaçãojornalística vem a interpretar, tomarposição sobre o acontecimento, ela o fazmais adiante.

b) A segunda tem a importância de uma di-mensão pedagógica. Suas praticas são

67 MARSHALL, Leandro, 2003, p.32.68 NEVEU, Erik, 2001, p.63.

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adaptadas a princípios de transparência,explicação, adaptação do vocabulário àcapacidade de compreensão presumidado publico.

A noção de paradigmas jornalísticos, ouseja, das propriedades estruturais do sistema,também pode servir para sanar nossa dúvida.Por paradigma tomemos o conceito elabo-rado por KUHN69, que o define como sendoum conjunto de crenças, de valores-guiase de técnicas que são comuns a um dadogrupo e por paradigma jornalístico, consi-deraremos o conceito de BONVILLE:

“São conjuntos de convenções, geral-mente implícitas, que administram o refe-rencial jornalístico, o tipo de infor-mação pertinente, sua relação e maneirade coletar, o papel do Jornalista ematenção às fontes, a redação dos tex-tos etc. O Jornalista integra cogniti-vamente estas convenções sob forma deesquemas, de cenários, de modelos deestilo etc por ocasião de sua socializa-ção profissional, por imitação do quefazem os outros (porque não incluir a re-transmissão propiciada pelas escolas dejornalismo?) Os paradigmas jornalísti-cos pertencem manifestamente ao mundodas estruturas (das propriedades estru-turais).[...] O paradigma jornalísticosubstitui as funções de uma instituição:de uma parte, ele delimita enquadra aatividade jornalística e, de outra parte,fornece os meios de executá-la.70

DUARTE nos afirma que as diversas eta-pas por que passam todos os Jornalistas, in-

69 KUHN ,Thomas, 1972, apud MATHIEN,Michel, in Quaderni no 45, 2001, p. 107.

70 BONVILLE, Jean de, 2001, p.13.

clusive aqueles que vão atuar no mercado nocampo institucional, estabelecem parâmetrosinternos aos profissionais.

“Por meio da educação, estágio e apren-dizagem, os jornalistas estabelecem abase cognitiva para a profissão, compar-tilhando normas aceitas por todos os in-tegrantes da categoria. Essas normas es-tão além dos interesses dos veículos decomunicação, que se vêem obrigados aestabelecer políticas ediotoriais para ex-ercer certo controle sobre seus jornal-istas. A aceitação por profissionais domercado tradicional – as redações –, deque o título de jornalista seja adotadopor assessores de imprensa assegura odireito de uso. Isso só mudaria se hou-vesse forte sentimento profissional con-trário a esse tipo de especialização.” 71

Complementando, José Hamilton Ribeiro,veterano profissional de imprensa, reforça anecessidade da função jornalística ter comoparadigma o seu desempenho de formadigna.

“Em jornalismo, seja qual for o seu as-sunto, seu conteúdo, tem que ter a visãodo homem como um todo. Tudo o que sefaz em jornalismo tem que ser em nomeda dignidade humana.”72

Assim sendo, se o paradigma substitui asfunções de uma instituição, digamos a im-prensa, e se ele se faz presente entre os Jor-nalistas em qualquer situação. Se respeita-dos os paradigmas, garantida a dignidade, o

71 DUARTE, Jorge, 2003, p.95.72 RIBEIRO. José H. apud RIBEIRO, Jorge Cláu-

dio, 1994, p.190.

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Jornalista poderá desempenhar seu papel deinformar corretamente em qualquer cenário?Nestas condições, o que é emitido pelas as-sessorias de imprensa e pelas Mídias dasFontes assumiria a condição de jornalismo?Acreditamos que sim.

As ponderações são pertinentes, na me-dida em que constatamos que as modernasteorias sobre comunicação institucional bus-cam eliminar técnicas antigas e pouco re-comendáveis até mesmo no campo eminen-temente publicitário. Pelo menos, no campodos princípios, há uma busca de convergên-cia do aspecto ético. BRAULT destaca quea communication d’entreprise não pode secontentar com a simples relação mecânica demensagem e receptor. Ela deve englobar va-lores humanos, dentre os quais ele destaca amoral e a ética.

“A escolha de integrar a ética comoum valor chave não é decorrência únicae exclusivamente da vontade de umhomem, mas sim a base de toda uma re-flexão sobre a utilidade social das em-presas”73 – acrescentaríamos de todas asinstituições.

A credibilidade de uma informação ema-nada por uma assessoria de imprensa oude um canal corporativo é tão importantequanto se tivesse saído de uma mídia tradi-cional. A comunicação institucional nãotem o direito de errar, pois mesmo que aincorreção da informação não seja inten-cional, seja decorrente de uma falha hu-mana, ela será decodificada como uma ten-tativa de desviar o olhar jornalístico e, emdecorrência, a opinião pública. Por outrolado, mesmo nos momentos mais delicados,

73 BRAULT, Lionel, 1992, p. 134.

a opção pelo silêncio não é a melhor opçãopara os comunicadores institucionais. “Re-cusar se a dar uma informação é comunicaro negativo” – afirma MESSIKA. 74

Também no tocante às rotinas de apuraçãoe redação de um lado e outro da notíciaacabam sendo as mesmas. Quanto à forma,SCHNEIDER75 orienta que a redação de umtexto produzido a partir de uma estruturade comunicação institucional deve eliminaros argumentos de caráter publicitário, slo-gans, superlativos, afirmações radicais. Deveprocurar apresentar um tom informativo edeve transmitir credibilidade. Em outraspalavras ele não pode assumir uma naturezapublicitária, muito menos marketeira. A im-portância – relata ele – não é proporcionarprazer à empresa ou seus dirigentes, mas simcaptar a atenção do leitor, seu interesse, suasensibilidade. Fornecer informações úteis,destacar as essenciais, facilitar a compreen-são. Regras desta natureza certamente en-contrariam espaço no manual de redação dequalquer jornal.

LE GAVRE76 afirma que, principalmentepara os agentes políticos, indivíduos e insti-tuições, comunicar é um ato de transparên-cia, é prestação de contas, é publicisar.Nos termos do folclore popular brasileiro,“não basta à galinha botar o ovo, é precisocacarejar”. Transparência, prestação de con-tas, publicisação não seriam paradigmas jor-nalísticos? Nos conceitos dos dois últimosautores pode ai residir a diferença entre umtrabalho de Relações Públicas e um de as-sessoria de imprensa, ou mesmo de um meiode comunicação corporativo. Enquanto a

74 MESSIKA, Liliane, Réseaux no 64, 1994, p.66.75 SCHNEIDER, Cristian, 1993, p.131.76 LE GAVRE, Jean Baptiste, Tese de Doutorado

em Ciência Política, 1993, p.61.

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filosofia do RP repousa numa mentalidade detrabalhar a simpatia da fonte, do empregador,junto a seu público – e para tanto, conformeespecifica GERSTLÉ,77 existe uma gama deferramentas que vão desde as cartas pes-soais, publicações de toda sorte, marketingdireto, exposições, eventos e até mesmo jor-nais institucionais – o serviço de imprensadeve procurar tornar transparente as açõesda instituição. O objetivo, ressalta SCHNEI-DER, não é que se fale da empresa, da ins-tituição, mas sim que por meios das infor-mações transmitidas sensibilize-se o públicoquanto ao tema. Em outras palavras, procu-rar interagir no processo de agendamento.

Para BAHIA, a comunicação institu-cional, mesmo quando feita a partir de em-presas comerciais, deve observar sempre oconceito de informação como necessidadesocial.

“O direito á informação considera umpermanente fluxo de oferta e demanda,tão necessário para os indivíduos quantopara as organizações ou aos grupos, se-jam políticos, econômicos, ou outros.Os empresários e suas empresas for-mam um desses grupos e estão cada vezmais conscientes do seu papel no desen-volvimento da sociedade. Portanto de-vem participar da formação da opiniãopública, opinar e ser criticados, esclare-cer posições e justificar atitudes."78

LOPES79 resume o conceito básico da as-sessoria de imprensa ao afirmar que “é a

77 GERSTLÉ, Jackes, in La communication poli-tique, 1992, p.28.

78 BAHIA, Juarez, 1995, p.37.79 LOPES, Boanerges, in ULHÔA, Eliane e MO-

REIRA, Rosa (orgs.), 1996, p.15.

necessidade de divulgar opiniões e realiza-ções de um indivíduo ou grupo de pessoas ea existência de instituições”, ao que acres-centaríamos seus feitos e realizações. Paratanto, continua SCHNEIDER, o serviço deimprensa deve pesquisar e descobrir as infor-mações que são de interesse público e da im-prensa. A assessoria de imprensa não devese contentar com o que geralmente se acre-dita que ele seja: un service de faire par-ler l’entreprise. Também não deve ser com-preendido como um porta-voz, para falar emnome e da fonte. Este equívoco é rotineira-mente feito tanto pelas fontes que tememos holofotes e as câmeras, quanto por estu-diosos. Em muitos casos, e esta é uma rotinanormal no Brasil, até mesmo na presidênciada República ou no Ministério das RelaçõesExteriores, a assessoria de imprensa não seconfunde com a figura do porta-voz. Cabe aocomunicador institucional a busca das infor-mações necessárias ao atendimento da im-prensa. A um profissional competente se exi-girá a mesma performance de um repórter:ser rápido, honesto, objetivo, criativo, ca-pacidade de reflexão, transparência, astúcia.Como bem registra o autor, o assessor deveatuar com o mesmo espírito de um Jorna-lista. “Um bom vendedor não será um bomattaché de presse”.

“A partir do momento em que o assessorde imprensa está a serviço do jornalista,ele deve adaptar seus métodos de tra-balho aos dos jornalistas. [. . . ] Diver-sos temas da atualidade são tesouros quedevem ser explorados diariamente pelosassessores de imprensa, detentores de re-flexos rápidos e senso de informação.”(Tradução Minha).80

80 «A partir du moment où l’attaché de presse est

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Para DEMERS não existe diferença dereferenciais entre aqueles que escrevem paraa mídia tradicional e aqueles que o fazempara instituições.

“Uns e outros são influenciados pelalógica da sedução que pressionam todomundo no âmbito da esfera pública.[. . . ] O simples fato de um grupo de seinserir numa maioria (agendamento) jáconstitui uma possibilidade de influenciahorizontal sobre todos. [...] Em resumo,a luminosidade do pós-modernismo nosleva a concluir que o profissional da in-formação (jornalista) e o da comunicação(institucional) como os demais intelec-tuais, é desprovida do seu papel de le-gislador do conhecimento e dos valoresculturais ao lado de outros emprestadosda razão e do progresso.” 81 (TraduçãoMinha)

Entretanto, permanece uma dúvida: asimilitude entre a atividade do Jornalista e

au service du journaliste, il doit calquer ses methodsde travail sur celles du journaliste. [...] De nom-breux sujets d’actualité sont tous les jours de tresorsà exploiter pour l’attaché de presse qui a des reflexesrapides et le sens de l’information’ SCHNEIDER,Cristian, 1993, p.162.

81 “Les uns et lês autres sont emportés par lalogique de séduction qui contraint tout le mondesur la scène publique. [...] Le simple fait pourum groupe de s’inscrire dans une majorité (agenda-mento) constitue déjà une possibilité d’influence ho-rizontale sur tous. [...] Em bref, l’éclairage du post-modernisme conduit à conclure que le professionnelde l’information et de la communication, comme lêsautres intellectuels, est dépouillé de son role de ‘légis-lateur de la connaissance et des valeurs culturelles’àcote dês autres prêtes de la Raison et du progrès.”DEMERS, François, in Communication et organiza-tion no 8, 1995, p. 22.

do assessor de imprensa seria em decor-rência do segundo adotar os parâmetros doprimeiro? Ou o jornalismo feito hoje está detal forma despersonalizado, que se confundecom a comunicação publicitária, distanci-ada dos valores referenciais que nortearamhistoricamente o jornalismo? MARSHALLdefende o princípio que no mundo pós-moderno a esfera pública voltou a ser pro-priedade da esfera privada, que privatiza opróprio homem e sua consciência. Assimsendo a ética humanística dos jornalistas,voltada ao bem estar coletivo e ao interessepúblico se vê tomada pela ética econômicafundada nos princípios capitalistas e priva-dos.82

Para tentar responder a esta provocantequestão sobre a existência de jornalismo den-tro das assessorias de imprensa, arriscamosa utilizar o critério da hibridação. Elenão resolverá as polêmicas legais e cor-porativas que disputam territórios profissio-nais, mas será um indicativo importante aoconsumidor final da informação, a opiniãopública. As ferramentas, técnicas e meios semesclaram, se hibridaram. Encontraremosna imprensa tradicional o texto publicitárioe relacionista e, é claro o jornalístico. Omesmo, acreditamos, ocorrerá na mídia dasfontes. Para a sociedade, mais importantedo que saber se as assessorias de imprensasão territórios de Jornalistas ou RelaçõesPúblicas é ter certeza da natureza e in-tenção do conteúdo divulgado. Historica-mente os jornalistas têm tido um compro-misso maior com a função da informação,mas este quadro vem se alterando. A con-tinuar o processo de marketização da infor-mação não haverá, no futuro, grande im-

82 MARSHALL, Leandro, 2003, p. 56.

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1, França. Em veículios de comu-nicação atuou na Bloch Editores,Rádio Manchete, Rádio Capital,Folha de São Paulo, TVs Globoe SBT. Na Comunicação Institu-cional, foi coordenador no Minis-tério da Saúde, nas Secretarias deSaúde e do Trabalho do DF, daUniversidade de Brasília – UnB ena Cia. De Desenvolvimento deBrasília – Terracap. Lecionou Jor-nalismo nas Faculdades de Comu-nicação do Uniceub, Iesb e UnB.

Obras que atuou ou coordenou:Jornalismo em Brasília-Impres-sões e Vivências, 1993; O papel doassessor, 1996; Mulher e Imprensana América Latina, [email protected]

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