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1 Jornalismo Alternativo nos anos 1980, o “Unibairros” de Juiz de Fora/MG e a participação popular 1 GONÇALVES, Isabella de Sousa (graduanda em Jornalismo) 2 MUSSE, Christina Ferraz (doutora em Comunicação e Cultura) 3 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) / MG Resumo: Este artigo é resultado da investigação de arquivos em profundidade. Tem como objetivo analisar o jornal impresso “Unibairros – O jornal dos bairros de Juiz de Fora”, produzido por moradores e jornalistas da cidade nos anos 1980, uma década marcada por movimentos sociais e pela redemocratização do Brasil. O jornal teve o seu início em 1980 e teve seu término em 1989, estando a serviço do povo, da participação e da democracia, sendo um exemplo para a imprensa alternativa, devido ao seu caráter contestador e democrático. O jornal era dividido em editorias, sendo elas: política, cultura, esportes e cidade. O “Unibairros” era um jornal de reivindicações, espaço de entretenimento e posicionamento político diante do contexto da época. É tomado como um “movimento” e não apenas como um jornal, tendo marcas ideológicas fortes. Após 1989, o jornal mudou o nome para “Unibairros Urgente”, com edições sem periodicidade definida e tendo como temática assuntos urgentes da cidade. Palavras-chave: História do Jornalismo; Jornalismo Alternativo; Unibairros; Política; Juiz de Fora Introdução A história da imprensa de Juiz de Fora 4 é longa. São 108 anos de jornalismo, nos quais a cidade passou por mudanças culturais e por três fases de evolução socioeconômica bem demarcadas. Logicamente, o percurso do jornalismo acompanhou 1 Trabalho apresentado no GT de História do Jornalismo, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, 2015. 2 Estudante de graduação do 5º período de Jornalismo na Universidade Federal de Juiz de Fora. Bolsista de Pesquisa da UFJF e membro do grupo de pesquisa Comunicação, Cidade, Memória e Cultura. E-mail: [email protected] 3 Jornalista, Mestre e Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Professora da UFJF no curso de Jornalismo e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Coordenadora do projeto “Memórias da Imprensa de Juiz de Fora” e do grupo de pesquisa Comunicação, Cidade, Me mória e Cultura. E-mail: [email protected] 4 Cidade mineira localizada a 260km de Belo Horizonte.

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Jornalismo Alternativo nos anos 1980, o “Unibairros” de Juiz de

Fora/MG e a participação popular1

GONÇALVES, Isabella de Sousa (graduanda em Jornalismo)2

MUSSE, Christina Ferraz (doutora em Comunicação e Cultura)3

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) / MG

Resumo: Este artigo é resultado da investigação de arquivos em profundidade. Tem como objetivo

analisar o jornal impresso “Unibairros – O jornal dos bairros de Juiz de Fora”, produzido por moradores e

jornalistas da cidade nos anos 1980, uma década marcada por movimentos sociais e pela

redemocratização do Brasil. O jornal teve o seu início em 1980 e teve seu término em 1989, estando a

serviço do povo, da participação e da democracia, sendo um exemplo para a imprensa alternativa, devido

ao seu caráter contestador e democrático. O jornal era dividido em editorias, sendo elas: política, cultura,

esportes e cidade. O “Unibairros” era um jornal de reivindicações, espaço de entretenimento e

posicionamento político diante do contexto da época. É tomado como um “movimento” e não apenas

como um jornal, tendo marcas ideológicas fortes. Após 1989, o jornal mudou o nome para “Unibairros

Urgente”, com edições sem periodicidade definida e tendo como temática assuntos urgentes da cidade.

Palavras-chave: História do Jornalismo; Jornalismo Alternativo; Unibairros; Política; Juiz de Fora

Introdução

A história da imprensa de Juiz de Fora4 é longa. São 108 anos de jornalismo, nos

quais a cidade passou por mudanças culturais e por três fases de evolução

socioeconômica bem demarcadas. Logicamente, o percurso do jornalismo acompanhou

1Trabalho apresentado no GT de História do Jornalismo, integrante do 10º Encontro Nacional de História

da Mídia, 2015. 2Estudante de graduação do 5º período de Jornalismo na Universidade Federal de Juiz de Fora. Bolsista

de Pesquisa da UFJF e membro do grupo de pesquisa Comunicação, Cidade, Memória e Cultura. E-mail:

[email protected] 3Jornalista, Mestre e Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Professora da UFJF no curso de

Jornalismo e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Coordenadora do projeto “Memórias da

Imprensa de Juiz de Fora” e do grupo de pesquisa Comunicação, Cidade, Memória e Cultura. E-mail:

[email protected] 4 Cidade mineira localizada a 260km de Belo Horizonte.

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todo esse movimento e atua como forte elemento de representação de uma época e de

uma cidade.

Durante todo esse tempo, uma série de grandes jornais existiram, muitos deles

tradicionais e alguns alternativos. Estes surgiram, primeiramente, a partir da união de

estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora. O Diretório Central de Estudantes

(DCE) elaborava jornais e revistas, que abriram espaço para a imprensa alternativa na

cidade de Juiz de Fora, nos anos 1970. Era uma forma de protesto sutil, com muitos

textos literários e de cultura em geral que, nas entrelinhas, criticavam a ditadura militar.

O “Unibairros” foi um jornal impresso de Juiz de Fora, criado por jovens, que se

destacava por seu caráter alternativo e de resistência. Tinha a finalidade de informar a

população e reivindicar seus direitos como cidadãos, dando voz aos bairros da cidade

que necessitavam de atenção especial da Prefeitura.

O contexto histórico de sua criação, anos 1980, traz a característica contestadora

diante do cenário político brasileiro. Por ter sido lançado no período de

redemocratização e logo após a Lei da Anistia5, o debate passou a ser um ponto chave,

por meio de pautas que propusessem melhorias para a cidade. A participação popular

não se concentrava apenas no ambiente de produção do jornal, mas no Brasil como um

todo. O período é marcado por discussões crescentes e o estabelecimento de associações

trabalhistas e de bairros.

Assim, o “Unibairros” é tomado também como um movimento político e social

na cidade de Juiz de Fora, visando a conscientizar a população da necessidade de uma

sociedade mais humana e justa. Tratando-se de um período de intensidade política e

ideológica, o jornal também assume um caráter de pensamento político, estando

relacionado, principalmente, à corrente esquerdista, ligada a movimentos sociais

aderidos pela Igreja Católica e que deram origem ao Partido dos Trabalhadores (PT),

fundado em 10 de Fevereiro de 1980.

A primeira reunião oficial do grupo de jovens e moradores foi realizada no dia

19 de novembro de 1980. Neste encontro, estavam presentes representantes dos bairros

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A lei 6.683, conhecida como Lei da Anistia, foi promulgada pelo presidente João Baptista Figueiredo

em 28 de agosto de 1979 após forte pressão popular. O artigo 1º da lei concedia anistia a todos que

cometeram crimes políticos no período de 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

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afastados do Centro e de classe econômica mais baixa: Vitorino Braga, Linhares, Santa

Cândida, São Benedito Olavo Costa e Vila Ideal, totalizando 59 pessoas. A ideia inicial

era a de unir a cidade em prol da melhoria de infraestrutura e das reivindicações, por

meio de um instrumento que desse maior legitimidade aos questionamentos. Ademais,

era unânime a necessidade de uma ferramenta de conscientização que abordasse temas

políticos, sociais e econômicos de Juiz de Fora e do país, além de debates relevantes

sobre as minorias, inerentes aos bairros da cidade. As ideias eram diversas, com

propostas que variavam entre teatro, eventos esportivos, culturais e a fundação de um

jornal.

Após a votação do nome da associação “Unibairros”, optaram, então, pela

criação de um jornal de circulação nos bairros, procurando fugir da mídia tradicional.

Assim, surgiu o “Unibairros – O jornal dos bairros de Juiz de Fora”, com a tiragem de

4000 exemplares. O projeto tinha o obstáculo da falta de verbas, mas mesmo assim teve

circulação garantida durante toda a década de 80.

O objetivo desse artigo é o de analisar o “Unibairros”, mostrando a sua

importância como memória da cidade e do jornalismo, um projeto que circulou por uma

década e deu voz aos bairros de Juiz de Fora. Foram estudados os seguintes exemplares

do jornal: 1º, 2º, 9º, 15º, 18º, 24º, 27º, 28º, 32º, 36º, 39ª e 41º. A escolha das edições

permite que seja demonstrada a evolução do jornal ao longo da sua existência,

percebendo a mudança na linha editorial, na tiragem e na própria escolha de assuntos e

charges. Foram 12 exemplares, sendo cada um deles relativo a um ano de existência do

Unibairros, com excessão dos anos de 1981 e 1989, que tiveram dois exemplares

selecionados, por trazerem reflexões importantes em seus editorias devido ao momento

de início e término do jornal.

A comunicação popular na década de 1980

A comunicação alternativa foi trazida por imigrantes que buscavam melhores

condições de trabalho e de vida. Dentro desse grupo, existiam trabalhadores com fortes

tendências comunistas e anarquistas, que não tardaram a fundar os sindicatos

brasileiros. Dessa forma, havia a necessidade de difusão das ideias, surgindo os boletins

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que divulgavam a mobilização da classe, que procuravam difundir a percepção do

sindicato e eram redigidos com a colaboração dos próprios trabalhadores, não havendo a

participação de jornalistas. (BARBOSA, 2006)

Foi na década de 1960 que a imprensa alternativa surgiu no Brasil, com o

surgimento do Pif Paf em maio de 1964. Além dele, o Opinião, O Pasquim e o Versus

também se destacaram na época. Foi nos anos 1970 e 1980 que aconteceu o ápice de

jornais com a característica contestadora. Primeiramente, serviam de resistência ao

regime e, posteriormente, abordavam a política de espaço público no período de

abertura. (KUCINSKI, 1991)

A imprensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente

compulsivas: o desejo das esquerdas de protagonizar as transformações que

propunham e a busca, por jornalistas e intelectuais, de espaços alternativos à

grande imprensa e à universidade. É na dupla oposição ao sistema

representado pelo regime militar e às limitações à produção intelectual

jornalística sob o autoritarismo que se encontra o nexo dessa articulação entre

jornalistas, intelectuais e ativistas políticos. (KUCINSKI, 1991, p.06) Os jornais alternativos nem sempre procuravam a permanência, existiam com

fragilidade, mas demonstravam a existência de outras verdades. Especialmente durante

a ditadura militar, o número de jornais alternativos cresceu, incomodando aos militares

pelo caráter crítico na sociedade. O lucro não era objetivo da imprensa alternativa, tendo

ela a única vertente de informar o que não era noticiado pela grande mídia e fornecer

novas opiniões. A ausência de interesse no lucro ficou muito clara durante a história do

Pasquim.

Quando O Pasquim começou a vender mais de cem mil exemplares por

semana, gerando grande lucro e surgiu a oportunidade de comprar a preço de

ocasião as gráficas do Grupo Feitler, no Rio de Janeiro, Jaguar recuou,

assustado com a perspectiva de se tornar patrão. (KUCINSKI, 1991, p.09.) A comunicação alternativa tinha o interesse de recriar a identidade cultural

brasileira e combater uma postura política de intolerância. Estudantes e jornalistas de

esquerda se reuniam para construir uma verdadeira liberdade de imprensa. As críticas

eram ferrenhas, embora estivessem na entrelinha de muitas produções culturais

publicadas, e contribuíam para a construção de um pensamento crítico da sociedade.

A imprensa alternativa foge de iniciativas empresariais e governamentais,

estando à margem dos oligopólios midiáticos existentes em toda a história da

comunicação. (WERNECK, 1999)

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Por muitas razões, fáceis de referir e de demonstrar, a história da imprensa é a

própria história do desenvolvimento da sociedade capitalista. O controle dos

meios de difusão de ideias e de informações - que se verifica ao longo do

desenvolvimento da imprensa, como reflexo do desenvolvimento capitalista

em que aquele está inserido - é uma luta em que aparecem organizações e

pessoas das mais diversas situações sociais, culturais e políticas,

correspondendo a diferenças de interesses e aspirações. (WERNECK, 1999,

p.01) O jornalismo alternativo, portanto, vai de encontro a uma lógica de oligopólios,

que sempre esteve presente na história da imprensa. Trata-se de uma comunicação livre,

enraizada nas mais diversas mídias, sendo elas o rádio, televisão, cartaz, jornal mural;

dentre outras manifestações de uma comunidade.

Nessa perspectiva, a imprensa alternativa, por ir ao encontro do não noticiado

pela mídia tradicional, é de suma importância para a história da imprensa brasileira.

Assume o caráter de ruptura, tendo sido altamente perseguido durante a ditadura,

configurando-se como uma outra opção de informação para aqueles que desejavam ler o

que não era abordado pela grande mídia. “Os jornais alternativos tornaram-se palco de

uma realização sociopolítica, em cujos bastidores dava-se uma disputa política e

ideológica permanente” (KUCINSKI, 1991, p.07)

A sua diferenciação do jornalismo tradicional aparece desde a produção, que é

organizada por uma base popular e de militância, tendo um caráter de participação ativa

e de democratização. Trata de temas econômicos, sociais e políticos relevantes para

aquela comunidade, trazendo, além da informação, a conscientização da população e

atuando amplamente no processo de transformação social.

Por estar à margem da informação tradicional, a imprensa alternativa assume um

caráter contestador, indo, na maioria das vezes, de encontro com a situação política

vigente. Levanta temas relacionados às condições sociais, tais como a desigualdade

social, moradia e direitos trabalhistas.

O jornal alternativo “Unibairros”

O jornal “Unibairros” nasceu da união de jovens que buscavam trazer maior

informação para a população e melhorias para a cidade de Juiz de Fora. O jornal era

standard e tinha oito páginas em preto e branco, sendo composto, principalmente, por

textos, havendo uma diagramação simples e sendo datilografado em máquinas. Para a

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sua manutenção, além da existência de anúncios, era vendido por cinco cruzeiros, valor

que variou ao longo de seus anos de existência.

O conteúdo abordava assuntos gerais e relativos aos bairros, como: inflação,

política, causas trabalhistas, cultura e esporte. Ademais, os assuntos relacionados ao

movimento negro e feminista se destacavam, por não serem comuns em jornais da

época e, no caso do “Unibairros”, procurarem conscientizar a população da importância

da participação da mulher e da igualdade entre etnias. De forma intercalada, algumas

charges ajudavam a criticar ainda mais a situação da sociedade, estando de acordo com

os temas abordados nas matérias. Em determinadas edições, havia a presença de fotos.

Além disso, existiam, também, anúncios de negócios locais, que eram produzidos de

forma bem simples, sendo eles, muitas vezes, feitos a mão. Além de conteúdos

engajados, existiam editorias compostas por caça palavras, horóscopos, pensamentos,

cultura e esportes.

A equipe do jornal era formada por cerca de vinte pessoas, além dos moradores

dos bairros que ajudavam na elaboração dos exemplares. A redação não tinha local fixo,

sendo feita onde houvesse disponibilidade, por ser um jornal de diversos bairros. O

periódico procurava fugir do que era noticiado nos principais jornais locais, levando voz

aos moradores. Tratava-se, portanto, de uma associação sem fins lucrativos com um

propósito social para aquela comunidade. Seu primeiro exemplar foi lançado em

dezembro de 1980 e trazia em seu editorial o conceito dos fundadores:

Unibairros é o começo do princípio de uma idéia surgida em um encontro de

grupos que desenvolvem um trabalho de base em pró (sic) dos

melhoramentos em seus respectivos bairros. A idéia surgiu da necessidade de

um intercambio (sic) entre esses grupos, que como toda a raça humana não

pode viver dizassociados (sic), ainda mais quando se desenvolve um trabalho

comum visando o bem de todos, ou melhor: a luta por uma SOCIEDADE

MAIS JUSTA E MAIS HUMANA.(...) Nossa luta visa o bem comum,

apoiando a quem luta em prol dos desfavorecidos, combatendo aqueles que

possuem mas não se dão a dar. Não estamos vinculados a entidade alguma, a

não ser o nosso ideal. Unibairros vai à luta levando as ruas o que se tem feito

e o que pretende nós, moradores dos bairros, buscando uma forma de

participação ativa na luta pela conquista de nossos direitos, na luta pela

mudança da sociedade brasileira. Nós, jovens trabalhadores assalariados

como toda maioria, dedicamos parte do nosso tempo também ao teatro,

música, arte, e grupos vinculados a igreja ou não. Este jornal faz parte de um

processo do nosso aprendizado e conscientização. Convidamos a quem se

interesar (sic) e quere (sic) de uma forma construtiva participar, que entre em

contato conosco. (UNIBAIRROS, 1980, p.01.)

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Os fundadores do jornal contavam com a colaboração dos moradores dos

bairros, assim como de gráficas e jornalistas que apoiavam o projeto e o queriam

realizado. Como era um “jornal do povo”, utilizava uma linguagem informal, incluía o

leitor no assunto tratado usando o pronome “nós”, e dava espaço para os leitores

escreverem. A sua aceitação foi positiva já na primeira edição, que esclarece ao leitor a

sua falta de ligação a instituições, seguindo apenas um ideal próprio e levantando a

bandeira da luta ativa para a conquista dos direitos. A sua segunda edição traz no

editorial a ideia da continuidade da luta e retrata a boa aceitação da primeira edição.

Unibairros no seu primeiro número mostrou problemas que alguns bairros

vem sofrendo, e no segundo número é mais forte, porque o nosso jornal foi

aceito e é grande o número de gente que está a fim de ir a luta para conseguir

acabar com essa situação. (Unibairros, 1981, p.01.) A nona edição de 1981 traz como foto de capa dois moradores de rua, sendo que

um deles segura uma criança nos braços. A foto não tem legenda, mas credita Humberto

Nicoline, já experiente fotojornalista da cidade. Na “Coluna do Zé”, escrita por

Sebástião Silveiro, peão de obras, há a informação de que o bairro de Santa Cândida,

com 2000 moradores, finalmente recebeu a rede de esgoto. O colunista, entretanto,

mostra que o problema não foi completamente resolvido, revelando a existência de

buraco nas ruas e a ausência de iluminação. Depois, há uma matéria que demonstra o

problema da falta de obra adequada de canalização do córrego no bairro Vitornino

Braga:

O que não se pode fazer é ficar deixando para depois. Quem está a seu lado? É

preciso olhar, pois não estamos vivendo só. Alheios. Um problema que atinge

a muitos, cabe a muitos resolvê-lo. Enfim, cabe aos moradores exigirem que a

prefeitura seja justa. (UNIBAIRROS, 1981, p.03.) Em 1982, o jornal traz na sua 11º edição o expediente da seguinte forma: “O

nosso jornal ‘Unibairros’ é registrado lá no cartório. Ele tem agora como jornalista

responsável o Guilherme Salgado Rocha; é impresso na gráfica do curso Cave e sua

redação é lá no Vitorino Braga, na Rua Professor Lander, nº 71 (Juiz de Fora)”. Nessa

edição, o jornal dá espaço à participação da mulher, abordando os seus direitos na

sociedade. A cada mês o jornal evoluía e passava uma imagem mais estruturada, com o

aprimoramento das charges, maior participação da população e um número crescente de

tiragem.

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A 18ª edição de 1983 traz uma ilustração em toda a capa, com a frase “Trabalho

para todos”. O editorial aborda o desemprego e a ameaça crescente até para os que estão

empregados. A editoria de cultura reflete sobre a concentração de iniciativas culturais

apenas no centro da cidade, respondendo como a cultura pode chegar aos bairros. A

editoria do movimento negro reflete sobre o que é ser negro e os preconceitos existentes

na sociedade, traz uma entrevista com um negro, não citando o nome do entrevistado, o

que deixa a ideia de ser a opinião de toda uma etnia e não de uma só pessoa. Há uma

preocupação com o modelo de estética feminina exibida na TV e no rádio.

As mulheres precisam se reunir para discutir a sexualidade, porque a televisão

e rádio mostram um modelo que nunca vão ter. Daí ficarem infelizes; à toa.

Elas podem criar no movimento que elas descobrirem o que querem.

(UNIBAIRROS, 1983, p.03) Nessa mesma edição, uma matéria reflete sobre a visita dos políticos aos bairros

e que, mesmo com a visita deles, a situação não muda. Há, então, um convite para que

os moradores discutam os problemas com os representantes. “A gente tem que

participar: falar o que tem nos prejudicado; pois quem sofre calado é sapo debaixo de pé

de boi” (UNIBAIRROS, 1983, p. 03).

Na vigésima terceira edição de 1984, está estampada em sua capa: “Não à

negociação. Queremos eleição Já!” Nesse mesmo exemplar o expediente muda para

“Unibairros Associação Cultural Jornal Unibairros”. O editorial traz a reflexão sobre a

negociação ocorrida pelos políticos brasileiros e como ela não reflete o desejo do povo,

que clama por “diretas já”. Essa edição traz um momento histórico importante para o

Brasil, que pede mudanças e o fim da ditadura. “O povo quer eleger seu presidente e

nenhuma proposta que venha contra isso poderá barrar as aspirações do nosso povo.

DIRETAS-JÁ!” (UNIBAIRROS, 1984, p. 02)

Em 1985, em sua 27ª edição, a imagem de capa (Anexo 1) representa um leitor

trabalhador, com uma série de manchetes do “Unibairros” se sobrepondo. Trata-se de

uma edição comemorativa: “5 anos de lutas”. O editorial aborda o crescimento do jornal

e da luta, demonstrando a existência de associações por toda Juiz de Fora, além de

incentivar a organização crescente do movimento popular.

As editorias trazem reflexões sobre a situação de diversos bairros, como: Santa

Luzia, São Pedro, Ipiranga, Santa Cândida, Vitorino Braga, Graminha e Mundo Novo.

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Ao final do jornal, foi feito um histórico com os principais marcos históricos da

existência do jornal, desde 1980. Essa edição reflete sobre a dívida externa brasileira,

traçando um comparativo com o quanto cada trabalhador teria que pagar para que ela

fosse quitada:

Você sabia que todo brasileiro, inclusive você, deve mais de 25 salários

mínimos, a parte que cabe a cada um no pagamento da dívida externa? Você

sabia que somente este ano o Brasil pagará 12,5 bilhões de dólares só de juros

da dívida global de 102 bilhões de dólares? Ou seja, vai desembolsar essa

grana preta a troco de nada? (UNIBAIRROS, 1985, p.02.) Na 28ª edição de 1986, a capa (Anexo 2) traz o mapa do Brasil, com uma série

de pessoas levando placas, representando objetivos diversos: “Preço justo para o

agricultor”, “Fim da propaganda política paga”, “Liberdade e autonomia sindical”,

“Maior proteção dos pescadores” e “Legalização das ocupações”. Ao centro do mapa,

há a presença de um livro com o título “Constituição do Brasil”, seguido dos tópicos:

“Reforma no ensino”, “Proteção ao menor abandonado”, “Estabilidade no Emprego”,

“Proteção a flora e fauna”, “Reforma agrária”, “Salários dignos”, “Proteção a reserva

dos índios”, “Fim da lei de segurança nacional” e “Apoio aos esportes e artes”. Em

baixo do mapa, a frase “O destino do Brasil está em nossas mãos” se evidencia,

demonstrando a importância da participação popular na construção do país desejado.

Uma das editorias traz a reflexão sobre a construção da democracia, criticando a

participação popular restrita, que se resume à época das eleições. A reforma constituinte

é abordada, demonstrando que uma nova constituição pode abrir portas para uma maior

participação da população. O Unibairros, então, propõe a criação de conselhos

populares e o rompimento de monopólios políticos.

A 32ª edição de 1987 aborda a comemoração dos sete anos de existência do

jornal “Unibairros”. A reflexão proposta é a de que “Ninguém consegue realizar as

coisas sozinho”. Além da preocupação com a reforma constituinte, procurando trazer o

povo para esse momento histórico, há uma reflexão sobre o meio ambiente e a crise

ecológica. O artigo, escrito pelo professor Wilson Guilherme Acacio da Universidade

Federal de Juiz de Fora mostra que, caso as questões ambientais continuem, a tendência

é a de que haja catástrofes ecológicas. A edição também reflete sobre a situação da

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violência de Juiz de Fora, abordando a impunidade e o número alto de assassinatos.

(UNIBAIRROS, 1987).

Em 1988, a 36ª edição demonstra a aprovação da Constituinte e a vitória dos

empresários, uma vez que não foi aprovada a justa causa para demissão dos

trabalhadores. O jornal reflete que essa medida afeta outros direitos, como a greve, uma

vez que o empresário pode demitir o trabalhador quando quiser.

O caráter de resistência do “Unibairros” fica ainda mais evidente em uma de

suas últimas edições, a “Terra um direito de todos” (maio de 1989). Uma das matérias

faz referência à greve geral, informando as categorias que participam do movimento e

trazendo a reflexão do porquê de tantas greves. “É preciso que todos saibam que as

greves que têm acontecido são frutos, não da simples vontade dos trabalhadores, mas

sim da situação miserável a que está submetido o povo brasileiro”. Nessa mesma

edição, o editorial faz referência à permanência do jornal por nove anos, algo raro na

imprensa alternativa.

Por que o UNIBAIRROS permanece vivo por esses 9 anos apesar de tantas

dificuldades? Talvez a resposta esteja em cada um de seus militantes que se

mantém na luta sempre. Nossa opção pela comunicação supõe que novas

formas de comunicação possíveis e importantes, para uma sociedade

igualitária que desejamos. Neste ano de eleições presidenciais já com

participação dos maiores de 16 anos, observamos um maior crescimento do

movimento sindical brasileiro, o jornal UNIBAIRROS está unido também com

os sindicatos representativos e continua sempre denunciando os não

combativos. (UNIBAIRROS, 1989, p. 02) Nessa perspectiva, o jornal “Unibairros” se consagra pelos longos anos de

resistência. Na cidade de Juiz de Fora, houve a produção de jornais representativos,

sindicais e classistas, entretanto, ele conseguia se destacar, por seu caráter combativo.

Mesmo com a dificuldade da falta de verba, o Unibairros operou durante uma década

trazendo pautas alternativas e questionadoras, atuando como um grande exemplo

brasileiro de mídia alternativa.

Em sua edição de número 41, já em época de eleições, o caráter político e

ideológico do “Unibairros” fica em evidência, especialmente ao apoiar o candidato Luis

Inácio Lula da Silva do PT e demonstrar ao povo uma outra faceta de Fernando Collor

de Mello. A posição política de esquerda fica clara logo em seu editorial.

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Mais de oitenta entidades representantes de trabalhadores de Alagoas

elaboraram e divulgaram um documento intitulado “A farsa de Collor,

mostrando quem é, na verdade, este candidato. (UNIBAIRROS, 1989, p.02) Após essa introdução, o editorial traça toda a história política de Collor de

Mello, mostrando que se trata de um “empresário riquíssimo” e alertando para a

ausência de propostas do candidato que tem a aparência de “bom mocinho”.

A 41ª edição demonstra que o “Unibairros”, desde a sua fundação, seguiu uma

mesma linha editorial e posição política. De certa forma, o jornal não atinge o caráter

imparcial, por sua ligação com o PT, mas dá ao povo uma visão distinta do jornalismo

tradicional e oportuniza a fala, algo de muita importância para um veículo que leva

informação. Durante a década de existência, o “Unibairros” se destacou e foi de

utilidade pública, contribuindo para a história da imprensa e de Juiz de Fora.

Considerações Finais

Na ditadura, com o AI-5, a imprensa sofre crise, uma vez que a Lei da Censura

controla toda a informação divulgada. Entretanto, o contexto de ditadura brasileira

provocou o crescimento de uma imprensa alternativa, pronta a servir de resistência e

colaborar para desconstruir uma alienação provocada por uma imprensa tradicional

regrada. Nesse contexto, surgiram uma série de jornais alternativos, muitos deles com

poucas edições, mas que ainda assim atuavam na construção de uma outra verdade,

aquela tão proibida e perseguida pelos militares.

Ainda sob a Lei da Censura, o “Unibairros” nasce a partir da união de bairros de

Juiz de Fora, procurando levantar debates de resistência e provocando a conscientização

da população a partir de reflexões sobre temas políticos, sociais e econômicos. Com

uma linguagem coloquial e a abertura para a participação popular, permite a

aproximação com o leitor. O periódico teve a duração de nove anos, sendo um exemplo

de resistência para o país, por estar sempre dentro da mesma linha editorial de

contestação e crítica da sociedade.

O “Unibairros” é importante para discutir os limites da comunicação

comunitária dentro de um contexto de uma mídia monopolizada e controlada por

interesses econômicos. Serve, ainda, para debater a importância da democratização da

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imprensa, para que a sociedade como um todo tenha voz. O “Unibairros” atua como

uma nova forma de fazer comunicação, por meio da participação daqueles que estão

realmente envolvidos. Em sua existência, a população dos bairros abordados pôde falar

e ser ouvida, algo que demonstra a verdadeira liberdade de imprensa e consagra valores

democráticos.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, Delise. Censura nos jornais durante os anos de chumbo (1968-1979).

Brasília: Centro Universitário de Brasília, 2006. Disponível em:

http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1903/2/20489818.pdf. Acessado em

24/02/2015.

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários: nos tempos da imprensa

alternativa. São Paulo: Scritta, 1991.

Unibairros, Juiz de Fora, nº 1, 1980.

Unibairros, Juiz de Fora, nº 2, 1981.

Unibairros, Juiz de Fora, nº 9, 1981.

Unibairros, Juiz de Fora, nº 11, 1982.

Unibairros, Juiz de Fora, nº 18, 1983. Unibairros, Juiz de Fora, nº 23, 1984.

Unibairros, Juiz de Fora, nº 27, 1985.

Unibairros, Juiz de Fora, nº 28, 1986.

Unibairros, Juiz de Fora, nº 32, 1987.

Unibairros, Juiz de Fora, nº 36, 1988.

Unibairros, Juiz de Fora, nº 39, 1989.

Unibairros, Juiz de Fora, nº 41, 1989.

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WERNECK, Sodré. História da Imprensa no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.

Anexos

Anexo 1

Anexo 2

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