jornal vias de fato - edição 3

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Vias de Fato SÃO LUÍS, DEZEMBRO DE 2009 - ANO 01 - NÚMERO 03 R$ 2,OO ENTREVISTA DOM XAVIER GILLES Latifundiário é ladrão Páginas 5, 6 e 7 ESCÂNDALO BALDOCHI Maranhão é paraíso dos escravistas Página 9 Opinião Freitas Diniz revela o total descaso do governo Roseana Página 3 Flávio Reis entra de sola ao falar da política maranhense Página 12 Nonnato Masson trata dos detalhes sobre trabalho escravo Página 4 JOÃO DO VALE Um mestre de obras musicais Páginas 10 e 11 Conferência Estadual de Comunicação errou de endereço Página 8 Tributo Especial

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Jornal Vias de Fato - Edição 3

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Vias de FatoSÃO LUÍS, DEZEMBRO DE 2009 - ANO 01 - NÚMERO 03 R$ 2,OO

ENTREVISTA DOM XAVIER GILLES

Latifundiário é

ladrãoPáginas 5, 6 e 7

ESCÂNDALOBALDOCHI

Maranhão éparaíso dosescravistas

Página 9OpiniãoFreitas Diniz revela o total

descaso do governo RoseanaPágina 3

Flávio Reis entra de sola aofalar da política maranhense

Página 12

Nonnato Masson trata dosdetalhes sobre trabalho escravo

Página 4

JOÃO DO VALEUm mestre deobras musicais

Páginas 10 e 11

Conferência Estadualde Comunicaçãoerrou de endereço

Página 8

TributoEspecial

Page 2: Jornal Vias de Fato - Edição 3

Vias de Fato São Luís, dezembro de 20092

Via de Notícias

EXPEDIENTEVias de Fato jornalismo a serviço da causa popular

Coordenação Editorial

Cesar Teixeira e Emilio Azevedo

Coordenação de Agitação e PropagandaAltemar Moraes

Coordenação de Relações InstitucionaisAlice Pires

Correio Eletrônico:[email protected]

Endereço Eletrônico:viasdefato.jor.brContato para assinaturas: 8145-5052 ou 8123-51-84

ALUMAR explora,polui e ganha mais (I)

A fábrica de Alumínio do Consór-cio ALUMAR, dona de mais de 10%do território da Ilha de São Luís, vai maisdo que duplicar sua produção noMaranhão. Passará de 1,5 milhão detoneladas/ano para 3,5 milhões de to-neladas no mesmo período. De concre-to, temos um aumento brutal no consu-mo de energia e uma produção maiorda poluição. São aproximadamente seismilhões de toneladas a mais de lama ver-melha (que inclui soda cáustica) que se-rão enterradas todos os anos no solo daIlha de São Luís.

ALUMAR explora,polui e ganha mais (II)

Diante do aumento da produção daALUMAR, é de se esperar que a fiscali-zação ambiental continue muito ruim, quea imensa maioria dos políticos doMaranhão continue conivente, que a pro-paganda continue servindo aos piores in-teresses e que os patrocínios continuemcalando muitas e muitas bocas. A popula-ção maranhense, especialmente a de SãoLuís, vai continuar literalmente apenasvendo navios, pois o lucro da empresa vaiaumentar bastante, mas o dinheiro, comoacontece desde que a empresa foi implan-tada em São Luís (começo dos anos de1980), não ficará no Maranhão. Não háintegração entre o que é produzido pelaAlumar e a economia maranhense. Primo e osmadeireiros deBuriticupu

Não durou nem quatro horas a pri-

são de Primo, o prefeito de Buriticupu.Ele foi detido por desacato à autoridade.Trata-se da mesma figura que foi denun-ciada na primeira edição do jornal Viasde Fato, acusado de estar dando cober-tura para madeireiros que estão ameaçan-do de morte alguns militantes de movi-mentos sociais. Primo também é madei-reiro e é acusado de grilagem de terra naregião. A região é uma panela de pres-são, e lá “o risco que corre o pau, corre omachado”.

Problema grave

A artigo de Domingos Freitas Diniz, publicado nesta edição do Vias de Fato, tratade um assunto gravíssimo, ligado à falta d‘água em boa parte de São Luís. Primeiro elerepercute uma informação dada este ano no Jornal Pequeno pelo ex-presidente daCaema (José Augusto Telles) e que passou batida pela classe política do Maranhão.Foram feitas ligações clandestinas nos canos que trazem água do Rio Itapecuru paraSão Luís! Uma operação feita, certamente, por gente “graúda”, possivelmente por do-nos de terra dos municípios próximos da Ilha. É de suspeitar (e investigar) também, quepessoas de dentro da CAEMA podem ter ajudado no serviço sujo.

Além disso, o artigo de Freitas destaca uma informação dada por O Imparcial, deque, apesar do governo Roseana ter decretado estado de calamidade pública em SãoLuís, praticamente não existem canos de reposição na CAEMA, mesmo que os rompi-mentos no Sistema (agravado pelas ligações clandestinas ao lago da região da BR 135)sejam constantes.

tucionais de liberdade de expressão”. O queé praticamente impossível é o governo daoligarquia fazer alguma coisa, pois, segundodiferentes fontes das organizações sociais,a violência no campo já aumentou nos últi-mos seis meses. Com o apoio do governoRoseana, obviamente. Disputa na OAB (I)

A campanha pelo comando da OABno Maranhão ocorreu um fato que revela oambiente político vivido no Maranhão, hávários anos. Na reta final os dois candidatoslutaram para colocar sobre o outro da pechade sarneysista. Os aliados de Roberto Feitosaespalharam um panfleto colocando a foto deMário Macieira (que é sobrinho de donaMarly Sarney) com um bigode. Disputa na OAB (II)

Alguns aliados de Mário Macieira fi-zeram circular na internet uma foto onde ovice de Roberto Feitosa aparecia entre Jor-ge Murad e Roseana. O casal foi padrinhode casamento do rapaz, por isso, o título dapeça “publicitária” era: Honoráveis Padri-nhos. Enquanto isso, os aliados mais próxi-mos de Mário diziam insistentemente: “Pa-rente não se escolhe, o que se escolhe é pa-drinho”. E assim foi. Até a chapa de Márioconseguir uma vitória apertada contra a cha-pa do afilhado. Samir Murad

E por falar em OAB, o atual secretá-rio de Saúde do Estado, Ricardo Murad, pla-neja fazer de seu irmão, o advogado SamirMurad, o mais novo desembargador doMaranhão. O assunto é comentado aberta-mente no meio político e jurídico. A intençãode Ricardo seria indicar o irmão na cota daOAB. Será que vai conseguir?

Saúde x propaganda

Sobre Ricardo Murad, o presidente doSindicato dos Farmacêuticos do Maranhão,Luís Marcelo Vieira Rosa, publicou um textono blog do jornalista Marco Nogueira, ondecritica a propaganda do governo Roseana, quealardeia a construção de “64 novos hospitais”no Maranhão. Luis Rosa diz que o governonão fala a verdade e deixa claro que para cui-dar de saúde pública é necessário um trabalhode prevenção, não de propaganda enganosa. Feira do Livro

A gestão do ex-vereador Tadeu Palá-cio à frente da Prefeitura de São Luís foimuito ruim. Medíocre, sob inúmeros aspec-tos. Porém, temos que admitir que a Feirado Livro foi uma iniciativa interessante desua gestão. Um bom trabalho iniciado pelaprofessora Lúcia Nascimento e sua equipe.Pena que este ano a feira tenha diminuídode tamanho. Campeão da ladroagem

O Maranhão é o Estado brasileiroque mais tem ações movidas pela

Encontro Humanístico

Foi realizado entre os dias 16 e 20 denovembro o IX Encontro Humanístico daUFMA (Universidade Federal do Maranhão).O evento, que este ano teve o tema “Identi-dade”, é organizado pelo Núcleo de Huma-nidades do CCH (Centro de Ciências Hu-manas da UFMA. Como aconteceu nas edi-ções anteriores, este ano o encontro tambémfoi marcado por mini-cursos e várias atra-ções culturais, com apresentação de orques-tras, corais e um show de violão do profes-sor Guilherme Augusto Ávilla, que homena-geou Villa Lobos, morto há 50 anos. Entre ospalestrantes, o evento trouxe o antropólogoRoberto da Mata, reconhecido por sua eru-dição e conservadorismo. Professores, greve e aunidade classista

Um artigo do professor JosivaldoCorrea, publicado no blog Unidade Classista,fala sobre alguns aspectos relacionados coma greve dos professores, que aconteceu hápouco mais de um mês em algumas escolasdo Maranhão, mas o Sinproesemma optoupor não apoiar. Josivaldo foi eleito para a atualdireção do sindicato, mas está de licença. O en-dereço do blog é unidadeclassista.wordpress.com. Em Aldeias Altas

No mês de novembro houve um pro-blema no município de Aldeias Altas, envol-vendo a empresa TG Agroindustrial (GrupoCosta Pinto) e moradores daquele municí-pio. Segundo denúncia do Fórum de Segu-rança Alimentar, a empresa, contando como apoio do prefeito, avançou sobre os quin-tais de várias famílias. Os terrenos ficam nazona rural do município, e neles os verdadei-ros donos plantam e criam animais para suasubsistência. Em Aldeias Altas - II

Sobre o município de Aldeias Altas, aSecretaria de Estado de Segurança Públicaestá devidamente informada sobre os abu-sos que a Força Tática e o GOE cometeramem setembro, ao agir contra trabalhadoresrurais (cortadores de cana) e a favor da TGAgroindustrial. A denúncia foi formalizadapela CPT (Comissão Pastoral da Terra) efala sobre “desrespeito aos principais consti-

Advocacia Geral da União, para reaverrecurso público desviado. O que motivaestas ações são processos julgados pelo TCU(Tribunal de Contas da União). O Maranhãoé o campeão nacional da ladroagem. DCE da UFMA

Foi publicado no dia 13 de novembroo edital que convocou e revelou as regraspara a próxima eleição do DCE (DiretórioCentral dos Estudantes) da UFMA,marcada para o dia 10 de dezembro. Banco do Brasil édenunciado

O plano de demissão voluntárialançado pelo Banco do Brasil desagradoualguns setores. A direção do bancoé acusada de incluir “dois embustes” noregulamento do plano. Um deles obriga ofuncionário interessado em participar arenunciar qualquer estabilidade de emprego.E outro é o servidor ter que renunciar a todoe qualquer direito trabalhista, depois deconsumada sua demissão. O movimento sin-dical da categoria discorda dessas regras.

Itapecuru no escuroMoradores do município de Itapecuru es-

tão reclamando que onde eles moram não existeposte de energia elétrica. Mesmo assim, a contaé cobrada todos os meses. No dia 25 de novem-bro houve uma passeata, reunindo cerca de 200pessoas. O protesto foi até a sede da prefeiturae reuniu o Sindicato dos Servidores Públicos,moradores de três assentamentos (ConceiçãoRosa, Cristina Alves e 17 de abril) e algumasassociações de bairro. A denúncia foi encami-nhada para o Ministério Público. O prefeito JuniorMarreca não foi encontrado. Constitucionalmenteé o poder municipal que tem o poder de instituir ecobrar a taxa de iluminação pública.

O TQQ em Paulo RamosNo mês de novembro, no município de

Paulo Ramos, cinco adolescentes ficaram maisde quatro dias preso na delegacia de polícia.Trata-se de uma situação ilegal. O correto eralevá-los para uma autoridade judiciária do mu-nicípio. O problema é que, no Maranhão, mui-tos promotores e juízes chegam para trabalharna terça feira e voltam para São Luís na sextade manhã. São os famosos TQQ (só trabalhamna terça, na quarta e na quinta). O fato já foiconstatado pelo Conselho Nacional de Justiçae pelas caravanas do Tribunal Popular. O maisgrave é que todos eles recebem auxílio-mora-dia, alegando que moram nas comarcas. Trata-se de uma situação que deixa a população to-talmente desamparada, como no caso dos ado-lescentes da cidade de Paulo Ramos.

Santa Luzia do ParuáA Lei de Responsabilidade Fiscal deter-

mina que o Poder Executivo deve fazer audiên-cias públicas na fase de elaboração do planoplurianual e da lei de diretrizes orçamentárias.No Maranhão, na imensa maioria dos municípi-os isto não é cumprido. O Ministério Público,fiscal da lei, também costuma fechar os olhos.Esta coluna recebeu a informação de que emSanta Luzia do Paruá, tudo foi feito ao arrepioda lei e fora dos prazos estabelecidos.

INFORME

Page 3: Jornal Vias de Fato - Edição 3

Vias de FatoSão Luís, dezembro de 2009 3

EDITORIAL Estado decalamidade pública

em São Luís

O jornal Vias de Fato começou acircular no último trimestre de 2009. Um anomarcado por fatos políticos importantes,intensos. Chegamos com a proposta de abrirespaço para o debate, buscando opiniões(em entrevistas e artigos) de diferentes figurasligadas ao meio político, acadêmico, aosmovimentos sociais e as organizaçõespopulares. Nossa proposta não foi a de criarum espaço para o pensamento único.Consideramos que a crítica é fundamental.Por isso, neste Maranhão de vocaçãototalitária (e autoritária), nós estamostentando assegurar a sua existência.

No que se refere aos temas abordadosem nossas três primeiras edições, para nósé emblemático os casos de violência emBuriticupu, o desterro dos índios Awá-Guajá,a grilagem do Convento das Mercês, oscrimes e abusos de membros do PoderJudiciário e a prevalência do trabalhoescravo. Esses, assim como vários outrostemas, revelam até onde vão os tentáculos eas artimanhas da estrutura atrasada que hámais de meio século domina o nosso Estado.

Entre os fatos ocorridos em 2009, emfevereiro, o oligarca local José Sarney (oHitler maranhense, na precisa definição deFreitas Diniz) se elegeu presidente doSenado Federal pela terceira vez (a primeiracom o apoio de FHC e as outras duas como apoio de Lula). Ele barganhou mais umavez o cargo com dois objetivos claros, amboscontra o Maranhão. O primeiro era consumaro golpe que levaria sua filha Roseana de voltaao Palácio dos Leões e, o outro, tentar livrarseu filho Fernando da cadeia.

A partir de junho deste ano, ainconfiável “grande mídia” criou também atal crise do Senado e passou três mesesescandalizando o Brasil com históriasverdadeiras, mas que o povo maranhenseestá careca de conhecer (iguais ou piores).Os tubarões da comunicação criaram umtsunami no país, para, no final, sedesmoralizar na praia junto com osdenunciados, participando de um acordo que

reuniu petistas, tucanos e os honoráveis doPMDB e do ex-PFL. Um acerto que levoutudo e todos para debaixo do tapete.

Enquanto isso, a maior parte dachamada oposição maranhense assistia a tudoem casa, no sofá, como se acompanhasse anovela das oito ou a final do campeonatobrasileiro de futebol. Ainda no primeirosemestre de 2009, os conservadores daextinta Frente de Libertação deram mais umaforcinha para a oligarquia local e fizeram detudo para neutralizar um movimento puxadopelo MST e que tentava, a partir de umamobilização popular, impedir o golpe querecolocou Roseana de volta ao Palácio. Alémdisso, enquanto os conservadores agiamferozmente contra uma possível reação, umaparte bem nutrida da chamada “esquerda”local continuava omissa e/ou conivente diantedo golpe.

Ao longo deste ano também, asociedade civil e as organizações popularestiveram a oportunidade para dar um grandeexemplo de participação e cidadania, aorealizar o Tribunal Popular do Judiciário,uma ação política onde o povo promoveuinúmeras reuniões para denunciar os crimese desmandos de desembargadores, juízes epromotores do Maranhão, que nada maissão que um dos pilares do poder oligárquicoaqui enraizado.

Num cenário como este, acreditamosque o ano só foi ruim para quem não lutou.Estamos convictos de que hoje – por tudoo que tem acontecido nos últimos tempos –, se por um lado a oposição vacila, aoligarquia está com suas vísceras cada vezmais expostas e ninguém por aqui sabe oque ela tem de maior, se é o poder ou adesmoralização.

Esta é a avaliação do Vias de Fato. Éassim que partiremos para 2010.Convencidos de que o enfrentamento contrao poder no Maranhão não pode, nem deve,se resumir a uma eleição. O buraco é maisembaixo e a luta tem que ter uma raizprofundamente política e ética.

2009 às Vias de Fato

Os dois sistemas de abastecimento d’águade São Luís têm capacidade de produzir9.000 m³ (nove mil metros cúbicos) por hora,equivalentes a 2,5 litros (dois litros e meio)por segundo.O antigo, montado pelo governo NewtonBello há cinquenta anos, com captaçãod’água no Sacavém-Batatã e em bateriasde poços na Ilha,produz normalmente2.600 m³ (dois mil eseiscentos metroscúbico) por horacom bombas elétri-cas. O anterior doinicio do século pas-sado, feito pelosamericanos era mo-vida com bombasarcaicas a vapor.O novo sistema monta-do pelo governo JoãoCastelo, há pouco maisde vinte e cinco anos,com captação d’águano Rio Itapecuru e aadutora até São Luíscom o diâmetro de1.200 mm (mil e du-zentos milímetros)tem capacidade paraproduzir 6.400 m³(seis mil e quatrocentos metros cúbicos porhora d’água). Como a adutora, atualmente,não suporta a pressão das bombas de re-calque a plena carga, a produção é reduzi-da. Daí vem o racionamento d’água per-manente em São Luís, agravado com osrompimentos quase que mensais da aduto-ra no campo de Perizes.Segundo os ex-presidente da CAEMA,engenheiro José Augusto Telles, 5 km (cin-co quilômetros) de tubos de ferro fundidoda adutora de Campo de Perizes devem sersubstituídos para que a produção de6400m³ (seis mil e quatrocentos metros cú-bicos) por hora d’água possa ser aduzidaintegralmente, isto é, transportada pela adu-tora. E diz mais no Jornal Pequeno de 12de abril de 2009 sobre os problemas gra-ves no sistema Italuís, qual seja, “cerca devinte sangrias (ligações clandestinas) queexistem na rede, criando problemas físicosinternos desagradáveis, como o golpe dearíete, que é a variação da linha de pressãoda rede, aumentando a possibilidade de rom-pimento da adutora”.No decreto de Roseana, publicado no Di-ário Oficial de 23 de setembro de 2009,ela afirma: “Fica declarado pelo prazo de90 (noventa) dias estado de calamidade pú-blica no município de São Luís-MA”, por-que “sofrerá um previsível colapso ‘com’ orompimento da adutora”.Dias depois o Secretário de Saúde, Ricar-do Murad, a quem a CAEMA es-tá subordinada, anuncia investimentos de R$

255 milhões no abastecimento d’água de SãoLuís, com destaque para a substituição de umtrecho de 20 km (vinte quilômetros) da adu-tora do Campo de Perizes. “Atualmente aadutora tem 1200 mm (mil e duzentos milí-metros) e terá 1400 (mil e quatrocentos milí-metros)” “Ela deve ser iniciada em 2010”.“O prazo de conclusão é de 10 meses” (O

Estado do Mara-nhão, 27 e 29 desetembro de 2009).É evidente, pelas de-clarações de Ricar-do Murad, que aconstrução dasobras da adutora de1400 mm (mil e qua-trocentos milímetros)só estarão concluí-das, na melhor dashipóteses, em doisanos, o que não so-luciona a questão dacalamidade públicado município de SãoLuís.A questão da calami-dade se resolve coma aquisição de 5 km(cinco quilômetros)de tubos para subs-tituir os danificados

da adutora 1.200 mm (mil e duzentos milí-metros), sob o critério da imediata entregano local e o assentamento por administraçãodireta da CAEMA. Para isso, dispõe de en-genheiros, técnicos e funcionários competenteA situação é tão critica que a CAEMAnão tem tubos em estoque para a manuten-ção da adutora danificada. Em recente re-portagem de O Imparcial com a manchete“Entramos pelo cano”, sobre mais um rom-pimento da adutora, a jornalista Sandra Via-na escreve que “em caso de novos rompi-mentos a CAEMA dispõe de mais de 2 tu-bos fundidos para as reposições”. A partirda reportagem se conclui que nem pelo canopodemos entrar, uma vez que eles não exis-tem.A oceânica, frágil e bela cidade de São Luís,pólo turístico internacional, titulada pela Or-ganização das Nações Unidas – ONU, comoPatrimônio Cultural da Humanidade é decla-rada em calamidade pública por falta d‘águapotável e por contaminação fecal de suaspraias, porém, medidas objetivas não sãotomadas por Roseana.Com o colapso total do Sistema Italuís I nãoteríamos sequer racionamento d‘água em SãoLuís, não fora o cinqüentenário Sistema Sa-cavém-Batatã.

*Domingos Freitas Diniz é engenheirocivil. Foi deputado federal de oposiçãoà ditadura militar e um dos fundadoresdo PT.

Domingos Freitas Diniz*

OPINIÃO

Page 4: Jornal Vias de Fato - Edição 3

Vias de Fato São Luís, dezembro de 20094

As notícias frequentementedivulgadas pela imprensa de que tra-balhadores são resgatados de fazen-das em condições degradantes ou deescravidão, dão uma falsa sensação napopulação de que o problema estariasendo enfrentado.

Porém, não há uma política sériade enfrentamento do problema. Osórgãos de governo têm se mostradoomissos em todas as esferas, seja naprevenção para que outros trabalha-dores não se encontrem na mesma si-tuação, seja na repressão, punindoadequadamente os responsáveis poressa odiosa prática.

De fato, os governos adotam umapolítica que a estimula ao incentivar ummodelo de desenvolvimento econômi-co predatório que destrói a natureza eignora a dignidade da pessoa humana.É este modelo que expulsa as popula-ções de seu local de origem. Por nãoterem condições de sobrevivência,milhares de trabalhadores migram embusca de garantir o seu sustento. Énessa busca por sobrevivência que nãoraras vezes os trabalhadores, os pe-ões do trecho, caem nas armadilhas dos“gatos” – empreiteiros de mão de obrapara grandes fazendeiros. A mais co-mum é a forma conhecida como servi-dão por dívidas, também chamada desistema de barracão.

Com falsas promessas de empre-gos, os trabalhadores são levados pelo“gato” até à fazenda, situada em localde difícil acesso. Ao chegar ao destinoo salário que havia sido prometido éreduzido e depois confiscado parapagar o custo do transporte, da alimen-tação e até dos instrumentos de trabalho.Com o passar do tempo a dívida vai fican-do cada vez maior. A intimidação e a forçafísica são comuns para evitar fugas, em al-guns casos até com vigilância armada, comnotícias de homicídios, ocultação de cadá-veres, maus tratos e estupros...

Os peões permanecem na fazenda por3 ou 4 meses, passando frio e fome em bar-racões sem a mínima condição dehabitabilidade, bebendo água imprópria aoconsumo humano, disputada com animais,péssima alimentação e com jornadas de tra-balho exaustivas e quando vão embora nadarecebem, sob a alegação de que estariamdevendo.

A servidão por dívidas se dá, via de re-gra, com trabalhadores temporários. Sazo-nalmente são “contratados” peões, princi-palmente para o roço de juquira e plantiodo capim no pasto, permanecendo ali emcondições sub-humanas por alguns meses esaindo sem qualquer remuneração. Regis-tre-se aqui que, excepcionalmente, noMaranhão há casos de trabalhadores reti-dos em fazenda por 4 anos!

Várias são as formas de resistência, sen-do a fuga e a greve de fome as mais co-muns, reprimidas duramente com surras,açoites e até homicídios...

O Pará é o Estado em que essa práticaé mais freqüente, sendo que a maior parte

dos trabalhadores resgatados é maranhense,peões que atravessam o rio Gurupi em bus-ca de condições de sobrevivência. Os nú-meros de lá são assustadores, o que faz comque os números em nosso Estado sejamminimizados quando apresentados os dadosnacionais. No Maranhão essa prática é co-mum não só em fazendas de gado, mas nodesmatamento ou em carvoarias que vão ali-mentar as siderúrgicas para a produção deferro.

A primeira fiscalização em nosso Esta-do ocorreu em 1996, e de lá pra cá já fo-ram mais de 200 (duzentas). Porém, apesarde tantos flagrantes desta prática criminosa,não há nenhuma condenação criminal sen-do cumprida e nenhuma área foi desapro-priada, havendo caso de fazendeiro jáflagrado 7 vezes com trabalhadores escra-vos em suas fazendas.

Uma das áreas de maior incidência detrabalho escravo no Maranhão é a ReservaBiológica do Gurupi, uma unidade de con-servação federal da floresta amazônica, cri-ada em 1961. Está toda invadida por ma-deireiras e fazendas de gado com vários des-ses fazendeiros constando da lista suja.

Os governos agem quando pressiona-dos por organismos não governamentais quecompreenderam a necessidade de contribuirnesta luta. Entre essas entidades podemosdestacar a atuação do Centro de Defesa daVida e dos Direitos Humanos de Açailândia

- CDVDH e da Comissão Pastoral da Ter-ra - CPT, ligada à Igreja Católica, que têmtentado minimamente enfrentar o problema.

O Centro de Defesa da Vida e dos Di-reitos Humanos de Açailândia – CDVDH éa entidade no Maranhão de maior atuaçãono combate ao trabalho escravo, sendo res-ponsável pela quase totalidade das denún-cias encaminhadas ao Ministério do Traba-lho na região da Amazônia maranhense, exa-tamente a região em que se apresentam osmaiores índices de trabalhadores em regi-me de servidão por dívida no Estado.

Na sede do CDVDH, em Açailândia,é comum encontrar trabalhadores fugitivos.Daí se formaliza a denúncia ao Ministériodo Trabalho e após a fiscalização monitora-se os processos dela decorrentes, além deingressar com ações de indenização para ostrabalhadores.

Apenas 40% das denúncias são fiscali-zadas. A maioria não é, sob a alegação defalta de estrutura para tanto; muitas só che-gam meses depois de terem sido denuncia-das e na maioria das vezes já não encon-tram os trabalhadores nas fazendas.

O fazendeiro tem seu nome publicadono Cadastro Nacional de Empregadores queutilizam mão de obra escrava, a chamadaLista Suja do Trabalho Escravo, ficando semcrédito nos bancos públicos.

Muitas fazendas que são autuadas coma prática de trabalho escravo possuem títu-

los suspeitos de propriedade. OINCRA deve instaurar procedimen-to administrativo para identificar alegalidade desses títulos. Há casosem que sequer se instaura o proce-dimento. Em outros, instaura-se, masnão anda e há casos em que já foiidentificada que a terra é grilada enenhuma área foi desapropriada.Temos como exemplo, os casos dareserva do Gurupi.

Muitos casos não são denunci-ados, e dos que são, menos da me-tade são fiscalizados e dos que sãofiscalizados somente ¼ chegam aprocesso penal, e estes se arrastamsem solução por anos...

Um problema na tramitação des-tes processos é a localização das tes-temunhas, quase sempre peões dotrecho, que têm uma vida de migra-ções e são de difícil localização, eainda, quando localizados têm medode depor, frente às ameaças quepodem vir a sofrer.

É insignificante o número de fa-zendeiros que já tiveram prisão de-cretada ou mesmo que já estiverampor algum tempo presos pela práti-ca desse crime. Há apenas dois con-denados pela Justiça Federal em pri-meira instância e que estão recor-rendo em liberdade.

Um deles é Gilberto Andrade,condenado a 14 anos de prisão em2009, pelos crimes de submeter ou-tro à condição análoga a de escra-vo, aliciamento de trabalhadores eocultação de cadáveres. O fatoocorreu em 1999. O outro é AlcidesReinaldo Gava, condenado a pres-

tar serviços à comunidade por 2 anos. Asarmas apreendidas na fazenda foramconfiscadas pelo Exército brasileiro. Perce-be-se que a impunidade garante a reprodu-ção do crime, pois torna a atividade com-pensatória.

Os governos federal e estadual têm lan-çado nas últimas décadas “Planos deerradicação do trabalho escravo” e consti-tuíram Conselhos para discutir o problema,mas, de fato esse blá blá blá tem servidopara mídia e talvez para dar uma maior visi-bilidade ao problema, mas não tem enfren-tado e reprimido esses criminosos que nãoraras vezes têm seus tentáculos na estruturade poder do Estado.

Concretamente, a região da AmazôniaMaranhense é terra de lei própria. Ao de-sobedecerem suas regras podem ser puni-dos até com a morte, onde a ausência daatuação do Estado beneficia esse modelode desenvolvimento implantado que desres-peita e destrói a natureza (incluindo aí hu-manos e não humanos).

* Nonnato Masson é advogado do Centro de

Defesa da Vida e dos Direitos Humanos emAçailândia, atuando como assistente deacusação em processos criminais em que osréus são acusados da prática de submetertrabalhadores à condição análoga à deescravo.

A repressão ao trabalho escravocontemporâneo no Maranhão

Nonnato Masson*

OPINIÃO

Page 5: Jornal Vias de Fato - Edição 3

Vias de FatoSão Luís, dezembro de 2009 5

ENTREVISTA COM DOM XAVIER GILLES

Inspirado pelaTeologia

da LibertaçãoEle é hoje uma das referências da Igreja progressista no Brasil. Vivendo no

Maranhão há mais de 40 anos, Dom Xavier Gilles, quando ainda era padre, foipreso pela ditadura imposta pelo Golpe de 1964. Recentemente, foi coordenadornacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e atualmente comanda na nossa

região a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).Ao longo de sua vida, foi um dos muitos integrantes da Igreja Católica que

trabalhou para fortalecer as importantíssimas Comunidades Eclesiais de Base(CEBs). Xavier agiu inspirado na emblemática Teologia da Libertação, a mesmaque inspirou bispos como Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns e Dom

Pedro Casaldáliga e mártires como o Padre Josimo, a freira Dorothy Stang, o bispoDom Oscar Romero, além de vários e vários outros anônimos, inclusive leigos.

No ano que vem, ele vai se tornar Bispo emérito, o que na Igreja Católicarepresenta a aposentadoria. Mas, ele diz que quer continuar vivendo no Maranhão.No mês passado, Xavier teve dois encontros com o jornal Vias de Fato e deu esta

entrevista onde fala sobre sua chegada ao Brasil, de seu encontro com MariaAragão, dos problemas que teve com a ditadura, de reforma agrária, da luta contrao latifúndio e o agronegócio, da atual conjuntura política do nosso Estado, entre

outros assuntos.

Vias de Fato - O senhor chegou aoMaranhão no início da década de 1960?Dom Xavier Gilles - Cheguei da Françaem 1962. Vias de Fato - Veio direto para oMaranhão?Dom Xavier Gilles - Não, fui primeiro paraPetrópolis, no Rio de Janeiro. Lá tinha umcento que acolhia os missionários vindo deoutros países. Em Março de 1963, eucheguei ao Maranhão. Vim para São Luís.Fui primeiro para a paróquia do MonteCastelo, depois fui para o Bairro de Fátima.

Vias de Fato - E como se deu a sua vindapara o Maranhão?Dom Xavier - Naquela época, havia naFrança, um comitê episcopal para asrelações com a América Latina. Estecomitê decidiu responder positivamente aopedido do arcebispo de São Luís para enviarpara cá padres para que eles fizessem umtrabalho específico no meio operário. Naépoca foi enviado para o Maranhão, parafazer este trabalho, um outro padre francêschamado Miguel Candas. Eu vim junto comele. Fui ordenado em 30 de junho de 1962 echeguei ao Rio de Janeiro no dia 3 deoutubro do mesmo ano. Em 63 eu vim parao Maranhão. Aqui o Miguel organizou a AçãoOperária Católica e eu fiquei com a JuventudeOperária Católica (JOC) junto com o Manoelde Jesus Soares. A JOC é a PJ para o mundooperário.

Vias de Fato - Naquele tempo haviavárias fábricas em São Luís Dom Xavier - É verdade. Nósprocurávamos fazer um trabalho deevangelização junto aos jovens quetrabalhavam nestas fábricas.

Vias de Fato - Logo após a sua chegada,o senhor teve contato com a médicaMaria Aragão, que na época era aprincipal referência do PartidoComunista no Maranhão. Como foi o seucontato com ela?Dom Xavier - Eu e Maria Aragão nosreunimos para discutir sobre questões ligadasà evangelização e à luta social. Ela não eracristã, mas era uma idealista. Tinha umaposição no sentido de valorizar a dignidadehumana que era fora do comum. Ela era umamulher extraordinária. No céu, o Cristo Jesusa revelou como uma grande discípula dele.

Vias de Fato – Como era oMaranhão naquele tempo? O quediferenciava do Maranhão dehoje? Dom Xavier - Era diferente. É difícilcomparar. É difícil dizer se o mundo é melhor hoje ou há cem anos. Mas,respondendo à sua pergunta, naqueletempo, em meados dos anos 60, ohomem do campo no Maranhão aindatinha terras para fazer uma roça e afloresta para ele caçar. Hoje ele nãotem mais isso. Vias de Fato - Sobre a questão daterra, o padre Victor Asselin, umdos fundadores no Brasil daComissão Pastoral da Terra, estálançando agora em dezembro umanova edição do livro Grilagem,Corrupção e Violência em terra doCarajás, ligado à história recentedo Maranhão. Qual a importânciahistórica deste livro?Dom Xavier - Eu acho extremamenteimportante. Padre Victor é um homemcompetente. Neste caso das terras doMaranhão, ele fez um trabalho deformiguinha. Fez um trabalho sério.Sobre este assunto, eu não conheçonenhum trabalho semelhante ao dele.Quem quiser entender esta questão doMaranhão, este problema da grilagem,tem que ler o livro do padre VictorAsselin. Assim como tem que conhecertambém os arquivos da CPT.

Vias de Fato - Em seu livro, o padreVictor denunciou a chamada Lei deTerra, feita no governo Sarney, emmeados de 1969. Qual sua opiniãoa respeito dessa lei?Dom Xavier - Ela é uma das causasdos conflitos de terra no Maranhão.Foi uma lei contra os posseiros, contrasos índios. Considero um atocriminoso. Foi quando o Sarneycomeçou a vender as terras doMaranhão. Digo isso porque, depoisda lei, houve uma farra de corrupção,de cartórios fazendo documentos etomando a terra de seu legítimoproprietário, que são os posseiros eos outros povos da terra. A partir doque houve, diziam que o Maranhãodeveria ter três andares para acomodartodos os “proprietários” da terra.

Na verdade criou-se uma situação no Maranhão onde o chamadoproprietário da terra, o latifundiário, é na verdade um ladrão e o

verdadeiro proprietário, o lavrador, é chamado de invasor.

ENTREVISTA

Page 6: Jornal Vias de Fato - Edição 3

Vias de Fato São Luís, dezembro de 20096

Vias de Fato - O Pará, nossoEstado vizinho, é hoje a região doBrasil com maior incidência detrabalho escravo. A maioria dasvítimas é de maranhenses. Quala relação entre o trabalhoescravo no Pará e a Lei de Terrano Maranhão?Dom Xavier - Não é só para oPará que os maranhenses vão. Elesestão em São Paulo, Goiás, MatoGrosso. Saíram do Maranhão porquê? Foram expulsos da terra.Criou-se uma situação no Maranhãoonde o chamado proprietário daterra, o latifundiário, é na verdade umladrão e o verdadeiro proprietário,o lavrador, é chamado de invasor. NoMaranhão, a defesa da propriedadeprivada passa pela luta em defesa daterra dos posseiros, dos índios, dosquilombolas, dos ribeirinhos, dasquebradeiras de coco, dospescadores. É a defesa dos povosda terra. Vias de Fato - Por que o chamadoproprietário, no caso olatifundiário, é um ladrão?Dom Xavier - Aqui no Maranhãoocorreram vários e vários casos ondeuma pessoa compra quinhentoshectares de terras e depois cerca eregistra cinco mil, dez mil hectares. Vias de Fato - Além doslavradores, os índios tambémsofreram bastante com a grilagemno Maranhão. A situação deles éainda pior que a do camponês?Dom Xavier - A tragédia no campoatinge a todos os povos da terra. Osíndios, os ribeirinhos, os posseiros,as quebradeiras de coco, ospescadores. São todos vítimas de ummodelo que concentra a terra nasmãos de poucos. São vítimas daideologia do poder e do dinheiro.Vítimas do latifundiário (hojeagronegócio) que contrata jagunçose até juízes que só dão sentençascontra os pobres. Falo das famosase tristes liminares que jogam naestrada os povos da terra.

Vias de Fato - Como o senhormesmo disse, ao chegar aoMaranhão, veio primeiro paraSão Luís. Como foi sua ida parao interior?Dom Xavier - Quando eu chegueiaqui, vivíamos uma situação curiosana Igreja do Maranhão. A maioria dopovo vivia no interior, mas a maioriados padres estava em São Luís. Foiaí que, no final da década de 60, obispo quis saber quais os padres quequeriam ir, voluntariamente, para ointerior. Eu me apresentei. E aí eufui designado para ir a São Beneditodo Rio Preto e Urbano Santos.

Vias de Fato - E como era arotina no interior?Dom Xavier - Naquele tempo, ointerior do Maranhão era muitoisolado e para chegar a algumascomunidades nós andávamos a pé,a cavalo ou de jipe. Os padrestradicionais iam aos locais, apenaspara celebrar a missa, fazer batizado,ouvia as confissões e, de vez emquando, dar a extrema-unção. Iamàs comunidades de seis em seismeses, normalmente no verão. Essaera a ação pastoral, chamada

“desobriga”. Nós fomos tocadospela reflexão evangélica chamada deTeologia da Libertação. E tocamospara frente. Para nós aquela rotinatradicional era insuficiente e, de umacerta maneira, traidora. Tratava-sede uma ação que não anunciava aBoa Nova. Nós, com o povo,interpretamos a realidade a partir daBíblia, numa reflexão fé e vida.Nós fazíamos grupos de estudosbíblicos, estimulávamos o povo a lero evangelho e perguntávamos o queas pessoas tinham entendido. Eracomplicado, muitos não sabiam lere, quem sabia, lia para os demais. Eos textos eram lidos e relidos. Váriasvezes. No começo, eles tinhamdificuldade para falar, mas depoisalguém dizia o que tinha entendido.E nós mostrávamos que eles eramcapazes de interpretar a bíblia. Eeles foram começando a discutir,inclusive sem a presença dos padres.Era o início do trabalho dasComunidades Eclesiais de Base. Vias de Fato - É neste período,meados dos anos 60, quechegaram ao Maranhão as irmãsde Notre Dame?Dom Xavier - Exatamente. Vierampara cá, para o Maranhão, as irmãsDorothy Stang, que foi assassinadano Pará, a Bárbara Engles e a Anny.Elas fizeram um trabalho muitoimportante inspirado na Teologia daLibertação. Vias de Fato - Nesse período oBrasil vivia sob uma ditadura.Como foram os seus problemascom o regime autoritárioimplantado no Brasil após ogolpe militar de 1964?Dom Xavier - Logo que a ditadurafoi implantada houve algumas prisõesno Maranhão, mas não houveviolência. Dizia-se que o golpe haviapassado por cima do Maranhão.Aqui era muito isolado do resto dopaís, só havia dois vôos por semanapara São Luís. A coisa começou aapertar, um tempo depois, quando

da avenida. Inspirados nas leiturasbíblicas, eles estavam dispostos aresistir. E resistiram. Aí, eu e o padreJosé Antônio de MagalhãesMonteiro, que foi comigo para ointerior, fomos denunciados para aPolícia Federal (PF). Foi quando umtal de Campelo, que trabalhava naPF, abriu um inquérito contra nósdois. Vias de Fato - E o que dizia oinquérito?Dom Xavier - Coisas que nãotinham qualquer sentido. Dizia quenós recebíamos orientação edinheiro da URSS e que pregávamosos ensinamentos de Mao Tsé Tung. Vias de Fato - E como a PolíciaFederal agiu?Dom Xavier - Eles fizeram umabatida na casa paroquial.Recolheram documentos. Depoiseles prenderam o padreJosé Antônio e, por acaso, nósdescobrimos que ele estava sendotorturado. Vias de Fato - Por acaso como?Dom Xavier Gilles - Um integranteda Polícia Federal foi a uma casa deprostituição e contou o que fez como padre José Antônio. A Igreja faziaum trabalho pastoral junto às vítimasda prostituição e uma delas veio econtou o que tinha acontecido. Vias de Fato - E depois da prisãodo padre José Antônio Monteiro,como ficou sua situação?Dom Xavier - Eu tive que meapresentar à Polícia Federal. Fuiacompanhado pelo arcebispo DomMota. Ele já sabia o que tinhaacontecido com o Monteiro e disse,na hora que me deixou, que estavame entregando em perfeito estadode saúde física e mental. E que ele

Militar do Estado, que na épocafuncionava no prédio do Conventodas Mercês. Tudo isso, demoroucerca de um mês, até que nós fomoslevados a julgamento. Vias de Fato - E como foi esteperíodo?Dom Xavier - No interrogatório daPolícia Federal eles me mostraramfotos de tortura. Perguntei se elesestavam querendo me impressionar.O interrogatório era maluco. Comperguntas absurdas. No quartel doExército, fiquei pouco tempo e fizuma greve de fome, afinal, eu nãosabia nem o motivo da minha prisão.Por último, no quartel da PolíciaMilitar do Estado, eu lembro que eue o José Antônio fomos jogados emum quarto muito apertado. Sósaíamos de lá para fazer asnecessidades fisiológicas. Mesmoassim, na presença de um soldadoda PM, armado ostensivamente. Aínos fomos para julgamento numTribunal Militar. Vias de Fato - E o julgamento?Dom Xavier - Primeiro a Igreja teveque conseguir um advogado emFortaleza, porque aqui em São Luísera a maior dificuldade. Lembro queo latifundiário foi chamado e,quando ele estava dando seudepoimento, perguntaram para eleo que nós dizíamos para oslavradores e ele, que havia nosdenunciado, disse: “Amai-vos unsaos outros”. Foi uma gargalhadageral. Num outro momento, umlavrador foi interrogado e elesqueriam saber o que nos dizíamossobre Mao Tsé Tung. O rapazperguntava: “Como?” E elesrepetiam: “Mao Tsé Tung!” e o rapaznovamente: “Como?” Diante dainsistência, o lavrador disse “que nãotinha essa planta em nossa terra”. Foioutra gargalhada. Sobre estelavrador, eles mandaram ele assinarum depoimento, que ele não tinhadado. E na hora do júri disse queeles tinham mudado seu depoimento.Depois de tudo isso, nós fomosliberados, voltando a julgamentoalgum tempo depois. Vias de Fato - E vocêsaguardaram este novojulgamento presos?Dom Xavier - Não, ficamos emliberdade. Vias de Fato - E o novojulgamento?Dom Xavier - Não havia nadacontra nós, e acabamos ficando emliberdade. Vias de Fato - Mas o Monteirofoi embora do Maranhão?Dom Xavier - Aqui, a família delesofreu ameaças. Então ele foi fazerum mestrado, depois acaboucasando e abandonando osacerdócio. Esteve aqui algumasvezes, depois. Mas nunca voltou amorar. Vias de Fato - As torturasdeixaram seqüelas?Dom Xavier - Acredito que sim. Vias de Fato - O senhor falou dosproblemas da terra noMaranhão e da ação da ditadura.

foi implantada em São Luís a PolíciaFederal. Vias de Fato - E como foi o seuproblema específico?Dom Xavier - A minha questão coma ditadura foi porque um dito“proprietário” de terra, na realidadeum bandido, mandou tirar unsposseiros da terra que ele dizia queera dele. Isso na paróquia onde euatuava. O delegado mandou chamardois representantes da comunidade,e eles decidiram vir todos para ocentro da cidade. Ficaram no meio

queria me receber da mesma forma.Eu acredito que foi por isso que euescapei da tortura. Dizem que foipelo fato de eu ser francês, mas eusei que foi por causa de DomMota. Vias de Fato - Você ficou juntocom o padre José AntônioMonteiro?Dom Xavier - Sim. Fui levadoprimeiro para a Polícia Federal,depois para o quartel do 24ºBatalhão de Caçadores e, porúltimo, ficamos no quartel da Polícia

Quem quiser entender esta questão do Maranhão, este problemada grilagem, tem que ler o livro do padre Victor Asselin. Assim

como tem que conhecer também os arquivos da CPT.

Ela não era cristã, mas era umaidealista. Tinha uma posição nosentido de valorizar a dignidadehumana que era fora do comum.Maraia Aragão era uma mulherextraordinária. No céu, o Cristo

Jesus a revelou como umagrande discípula dele.

Vieram para cá, para o Maranhão, as irmãs DorothyStang, que foi assassinada no Pará, a Bárbara Engles e

a Anny. Elas fizeram um trabalho muito importanteinspirado na Teologia da Libertação.

ENTREVISTA

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Vias de FatoSão Luís, dezembro de 2009 7

O caso envolvendo Manoel daConceição, no final dos anos 60,quando ele levou um tiro e tevesua perna amputada, ilustra bemeste ambiente de violência vividano nosso Estado? Dom Xavier - Eu acho que sim. Asforças que davam sustentação paraa ditadura estavam em aliança como latifúndio. Como hoje o governodá todo apoio ao agronegócio. Vias de Fato - Hoje a CPT, osmovimentos sociais e asentidades de defesa dosdireitos humanos têmdenunciado inúmero casos deviolência no campo. Como osenhor observa esta situaçãoatualmente?Dom Xavier - Em determinadosaspectos, nada mudou. Basta ver asúltimas questões levantadas pelaCPT no Maranhão. E o problemahoje é que o agronegócioé ecologicamente pior que olatifúndio de algumas décadas atrás.Os povos da terra, eles, bem ou mal,preservam a natureza. Além disso,em todos os países do mundo, ésabido que quem garante aalimentação básica na mesa daspessoas não é o agronegócio, massim a agricultura familiar. Vias de Fato - Qual sua opiniãosobre a presença do agronegóciona nossa região?Dom Xavier - O agronegócio é ofilhote do latifúndio. É o mesmo quearrasa a natureza e compromete ofuturo da humanidade. E temos umproblema sério no Brasil, porque osmeios de comunicação sãodesonestos. Veja o caso da Cutrale.Eles atacam violentamente o MST,mas se calam diante dos desmandosdo latifúndio. Ficam mudos diante daviolência do agronegócio. Estoufalando da Globo, da Record, doSBT, da Bandeirantes. Falo dejornalistas como seu Boris Casoy. Estes meios de comunicação nãodão a versão do MST, não publicamsuas auto-criticas e mostram asimagens que querem, sempredistorcidas do contexto geral. Vias de Fato - As enchentesocorridas este ano no Maranhãosão resultado das agressõespromovidas pelos latifundiários epelo agronegócio?Dom Xavier - Sem dúvida. É aconseqüência do desrespeito à terra,o desrespeito aos mananciais. NoMaranhão, o agronegócioestá acabando com o cerrado,acabando com as florestas. Isso,evidentemente, agride os rios. Vias de Fato - Por que não se fazreforma agrária no Brasil? Porque o Lula não fez a reformaagrária?Dom Xavier - O latifúndio interessaa uma classe social. Uma classe quecontrola o dinheiro, a maioria dospolíticos e o poder Judiciário. Essaclasse não quer largar o osso. Estaclasse não quer aprovar o limite dapropriedade privada. O Lula, podeaté ter feito algumas coisas boas, masacabou se rendendo a esta turma. Vias de Fato - O senhor falousobre os acertos do Lula. Qual

sua opinião sobre o BolsaFamília?Dom Xavier - Seria melhor que opovo tivesse terra e trabalho. Sema Bolsa Família as coisas estariambem piores. Mas nós não podemosdeixar de insistir na reforma agrária,mesmo sabendo que ela fere osinteresses de uma classe. Falo aquide uma reforma agrária verdadeirana linha proposta pelo Plínio deArruda Sampaio. Vias de Fato - Têm certas coisasno Brasil que, para serem feitas,é preciso mais do que habilidadeou malandragem. É precisofirmeza, associada a uma vontadepolítica. A reforma agrária seriaum destes pontos. O senhor nãoconcorda?Dom Xavier - Sim, neste ponto aí oChaves é melhor que o Lula. Vias de Fato - O senhor falou hápouco do Poder Judiciário.Setores da Igreja no Maranhãotêm puxado o Tribunal Populardo Judiciário, onde são feitasreuniões públicas e a populaçãodenuncia juizes, promotores edesembargadores. Qual aimportância desta iniciativa?Dom Xavier - É uma iniciativa quetrata de uma questão discutidahá anos. Falta ao Poder Judiciárioum controle externo. Eles sãointocáveis. Os poderes Executivo eLegislativo, bem ou mal, são muitomais expostos. Além disso, eles têmque passar pelas urnas. O Judiciárionão. Fica acima do bem e do mal. Éclaro que existem juízes epromotores honestos, mas o queprevalece é uma posição elitista ecorrupta. O que prevalece são osinteresses de uma panela só. E issotem que ser denunciado, discutido.E ninguém melhor do que asociedade para cumprir este papel.Por isso, o Tribunal Popular éimportante. No dia 1º de dezembro,se Deus quiser, nós estaremos emSão Luís para sua última etapa. Vias de Fato - O senhor este anofez uma crítica ao presidente doSupremo, Gilmar Mendes.Dom Xavier - Pois é. Este é ohomem que, no Brasil, tem maispoder que o presidente darepública. Este ano eu assinei umacarta pela CPT e disse que oministro Gilmar Mendes nãoesconde sua parcialidade, e de quelado ele está. Como um grandeproprietário de terras no MatoGrosso, ele é um representante da

elite brasileira. O ministro JoaquimBarbosa inclusive disse que ele tinhacapangas. Gilmar representa umpensamento hegemônico do PoderJudiciário que coloca o direito àpropriedade privada da terra comoabsoluto, mas relativiza a sua funçãosocial. Ele representa um poder que,diante das reivindicações dospequenos, dos pobres, éextremamente lento e omisso. Mas,diante da classe dominante, é ágilpara atender suas demandas. Vias de Fato - Voltando aoTribunal Popular organizado noMaranhão, o que pode surgir debom a partir deste processo demobilização?Dom Xavier - Acho que serve parauma tomada de consciência do povo.Para que o povo entenda que ele temo poder de cobrar. É ele quem pagao salário de juízes e promotores. Osjuízes e promotores estão ali paraservir ao povo. Acredito que oprocesso pode ajudar a

conscientizar os próprios juízes.Alias, já tem promotores e juízes queestão de acordo com esta luta. Paraque eles tenham mais respeito coma pessoa humana. Para que elesentendam que a carreira de juiz nãoé só para ele lutar pelo seu conforto.Para que eles respeitem os maispobres. Para que eles possam tomarposições que não venham aprejudicar os mais pobres. Vias de Fato - Por que ospolíticos de carreira e os partidospolíticos não se aproximam desseprocesso de denúncia contra oJudiciário?Dom Xavier - Esse pessoal temmedo de transparência e de umapossível retaliação de membros doPoder Judiciário. Vias de Fato - Como o senhorobserva o fato da Justiçamaranhense nunca ter punido osassassinos do Padre Josimo? Ocaso teve repercussãointernacional e mesmo assim osmandantes ainda estão impunes.Dom Xavier - Nunca houvevontade política para resolver ocaso. Ali houve uma associaçãoentre a Polícia, o Latifúndio e aJustiça. Se quisessem, eles teriamresolvido o caso. Mas não quiseram. Vias de Fato - Diante deproblemas tão graves, que tipode libertação o Maranhãoprecisa? Dom Xavier - Acho que a coisa nãose limita apenas à pessoa do Sarney.Ele teve e ainda tem muito poder, eeste poder fez muito mal aoMaranhão. No entanto, não acreditoque a sua morte vá acabarimediatamente com a estruturaoligárquica que existe aqui. Sem apresença dele, os filhos terão muita

dificuldade. Mas, a questão é aestrutura que existe no Estado, amentalidade, a visão de mundo. Vejao que ocorreu em 2006! A Roseanaperdeu a eleição, o Jackson foieleito, mas as mesmas pessoas querodeavam o Sarney passaram arodear o Jackson. Falo do tipo depessoas que foi para o poder juntocom ele. Vias de Fato - O senhor sedecepcionou com o governo daFrente de Libertação?Dom Xavier - Eu pessoalmentegosto do Jackson. Vejo nele umhumanista. Mas, acho que ele secercou muito mal no governo. Umexemplo disso foi à reunião que nósfizemos com ele para discutir aquestão da Ouvidoria Agrária.Acertamos tudo, mas o Azizsimplesmente não encaminhou o queficou acertado. Não houve, porexemplo, a devida publicação oficiale necessária. Vias de Fato - O senhor tornou-se, no Brasil, um dos expoentesda Teologia da Libertação.Explique porque este movimentocristão foi tão combatido dentroda própria Igreja, inclusive poralguns Papas.Dom Xavier - É a visão do que sepratica do Evangelho queé totalmente diferente. Existe umaIgreja que quer guardar a fé, osdogmas e a liturgia num “depósito”,e outra que sabe que devemoscaminhar no seguimento de Jesus,que deu a vida pelo reino de Deus,que é justiça, paz e fraternidade.Uma quer tratar só do louvor,quando na realidade Deus, reveladopor Jesus, deu a vida pela pessoahumana. Cristo fez a opçãopreferencial pelos pobres. Mas, nemtodo mundo na Igreja pensa assim. Vias de Fato - E pode haver paz,sem justiça social?Dom Xavier - É impossível. Comopodemos viver em uma sociedadeonde uma pequena minoria tem tudoe a maioria não tem nada? É umasituação que a cada momento podesurgir uma explosão. Como se vêaqui no Brasil com freqüência. Vias de Fato - E hoje? AsComunidades Eclesiais de Baseperderam força?Dom Xavier - Eu diria que não. Nodia a dia, as pequenas comunidadesestão lutando. Acho que o essencialé guardado. As ComunidadesEclesiais de Base são vivas.

O Judiciário não. Fica acima do bem e do mal. É claro que existem juízes e promotores honestos, mas o queprevalece é uma posição elitista e corrupta. O que prevalece são os interesses de uma panela só. E isso tem que ser

denunciado, discutido. E ninguém melhor do que a sociedade para cumprir este papel.

(Enchentes no Maranhão) É a conseqüência do desrespeito à terra,o desrespeito aos mananciais. No Maranhão, o agronegócio

está acabando com o cerrado, acabando com as florestas. Isso,evidentemente, agride os rios.

Eles atacam violentamente oMST, mas se calam diante dosdesmandos do latifúndio. Ficam

mudos diante da violência doagronegócio. Estou falando daGlobo, da Record, do SBT, da

Bandeirantes. Falo dejornalistas como seu Boris

Casoy.

ENTREVISTA

Page 8: Jornal Vias de Fato - Edição 3

Vias de Fato São Luís, dezembro de 20098

Democracia x FascismoConferência Estadual de Comunicação errou de endereço

Moção de repúdio A Conferência Estadual de Comunicação do Maranhão,

realizada nos dias 17 e 18 de novembro, vem a público repu-

diar a censura ao jornal O Estado de São Paulo para evitar a

publicação de matérias referentes à operação “Barrica” da Po-

lícia Federal, imposta pelo empresário Fernando Sarney, pro-

prietário do Sistema Mirante de Comunicação.

Pela liberdade de imprensa e de expressão, não à Censu-

ra do clã Sarney ao Estadão.

São Luís (MA), 18 de novembro de 2009.

Conferência Estadual de Comunicação do Maranhão

Nota critica Fernando SarneyA Conferência de Comunica-

ção do Maranhão aprovou uma mo-ção de repúdio à censura que o “em-presário” Fernando Sarney impõe aojornal O Estado de São Paulo. Aproposta foi apresentada pela pro-fessora Amarílis Cardoso (UFMA)e pelo jornalista Neuton César, daRádio Conquista. Fernando, princi-pal dirigente do Sistema Mirante, é

acusado pela Polícia Federal, decomandar “uma organização crimi-nosa”. O jornal O Estado de SãoPaulo teve acesso a várias fitasonde ele aparece fazendo tráfico deinfluência. Fernando entrou na Jus-tiça e conseguiu impedir a divulga-ção do conteúdo dessas fitas. Vejaabaixo a nota aprovada pela Con-ferência.

Fernando Sarney, principal dirigente doSistema Mirante, é acusado pela Polícia Federal de

comandar “uma organização criminosa”.

A I Conferência Estadual de

Comunicação do Maranhão, ocor-rida em São Luís nos dias 17 e 18de novembro, começou errada apartir do lugar onde foi realizada:o Convento das Mercês. A demo-cratização da comunicação nãoestá desassociada da democratiza-ção da sociedade. Sendo assim, oque se viu foi uma conferênciainspirada em uma luta por demo-cracia, feita dentro de um espaçogrilado por uma oligarquia, paraa promoção do culto à personalida-de do oligarca. Algunscomunicadores podem não saber,mas trata-se de um prédio históri-co que hoje está em franca dispu-ta entre o interesse da sociedade, emoposição ao interesse fascista deJosé Sarney.

Muitos irão dizer que isso

é uma coisa menor, diante da im-portância da própria conferência.Não! É o que há de mais importan-te. Uma conferência de comuni-cação é um evento essencialmen-te político, e política se faz tam-bém com símbolos. O grupo quecomanda o governo não colocouo evento ali por acaso. Sendo as-sim, os sinceros democratasmaranhenses que estão lutandobravamente neste processo perde-ram uma chance de fazer umaimportante denúncia em defesa dopatrimônio público, do espaço pú-blico.

O sequestro do Convento e a

ausência generalizada de reaçãosão um sintoma de como anda (ounão anda) a democracia na nossamassacrada província. A comuni-cação é uma parte dessa realida-de. Uma parte importante, masumbilicalmente ligada a toda estaestrutura opressora. Impossíveldiscutir os problemas da comuni-cação como uma pauta apenascoorporativa.

Contradições - A Conferên-

cia contou com a participação de re-presentantes da sociedade civil, dopoder público e do empresariado (noMaranhão o poder púbico e oempresariado representam um gru-po só). O tema foi “Comunicação:meio para a construção de direitose de cidadania na era digital”.

Surgiram dificuldades pelo

fato de o Ministério das Comunica-ções ter possibilitado que a coor-denação e o financiamento dasconferências regionais ficassemcom os governos estaduais. NoMaranhão, o processo ficou sub-metido ao boicote e as manipula-ções do governo Roseana SarneyMurad, sócia do Sistema Miran-

te/Globo e figura de proa da mes-ma oligarquia que grilou o Con-vento das Mercês.

São fatos que expõem umaconjuntura impregnada pelo cri-me organizado e revelam a enor-me dificuldade dos que, noMaranhão, lutam por democracia.Como em outros lugares do Bra-sil, aqui, a Conferência só ocor-reu por conta da iniciativa e dapressão de setores da sociedadecivil, caso do Intervozes, da Agên-cia Matraca, do Departamento deComunicação Social da UFMA,do Fórum de Mídias Livres, entreoutros.

Diante desse ambiente inós-pito, predomina nos setores pro-gressistas a ideia de que o que hou-ve de mais positivo na Conferência,foi o fato dela ter existido. É umaluta para abrir a possibilidade deconsolidar no país uma agenda dediscussão sobre a histórica ausên-cia de democracia na comunicaçãobrasileira.

O jornalista e ex-professor daUFMA Franklin Douglas disse emseu blog (ecodaslutas. blogspot.com) que este momento é “ummarco histórico, um passo rumoà construção de políticasdemocratizantes”. Mas, trata-setambém de um processo marcadopor profundas contradições, e quevem sofrendo (e não poderia serdiferente) forte boicote dos gran-des monopólios de comunicação dopaís e de setores do próprio go-verno Lula, inclusive, do próprioministro das Comunicações HélioCosta, outro que é ligado à RedeGlobo (herança viva da ditadurapós-64).

Neste mês de dezembro, nosdias 14 a 17, teremos em Brasília aI Conferência Nacional de Comu-nicação. Do Maranhão, deverão ir50 delegados eleitos na etapa es-tadual. 22 da sociedade civil, 22 dosegmento empresarial e seis do po-der público.

O governo do Estado colocou a Conferência no mesmoespaço que a oligarquia promove o culto à personalidade deJosé Sarney, o pai da governadora Roseana, que é sócia de

Fernando no Sistema Mirante/Globo e que impõe censura aojornal O Estado de São Paulo. Na foto, a estátua do oligarca

situada no local da Conferência.

GERAL

Page 9: Jornal Vias de Fato - Edição 3

Vias de FatoSão Luís, dezembro de 2009 9

Para além do caso Baldochi

Maranhão é paraísodos escravistas

As peripécias dojuiz Marcelo

Baldochi

Marcelo Testa Baldochinasceu em São Paulo e veiopara o Maranhão em 2006,após passar em um concursopúblico. É juiz em PastosBons e dono de uma fazendachamada Pôr do Sol (municí-pio de Bom Jardim) com cer-ca de mil e cem hectares. OMistério do Trabalho consta-tou em suas terras a ocorrên-cia de trabalho escravo. Noprimeiro semestre deste ano,suas aberrações ganharam astelas das emissoras de TV.Hoje, depois de ter pago 38mil de direitos trabalhistas ede assinar um termo de ajus-tamento de conduta, está forada lista suja.

Além de usar trabalhado-res escravos, MarceloBaldochi também é acusadopelos movimentos sociais deextração ilegal de madeira.Por tudo isso, em julho desteano, o MST ocupou a fazendaPôr do Sol e acionou o INCRApara que os milhares de hec-tares de terra de Baldochi se-jam utilizados para a reformaagrária. A ocupação da fazen-da expôs mais uma vez o juiz,que foi acusado de ir pessoal-mente ao local da ocupação,furioso, acompanhado de umgrande aparato da Polícia Mi-litar do Estado e sem oficialde justiça. Ele teria comanda-do pessoalmente (e ilegalmen-te) a expulsão dos lavradoresde forma bastante violenta. Ojuiz nega ter participado, masexistem imagens do episódio.Dois lavradores foram presospor conta da ocupação.

Assassinato e ameaças em Açailândia

Barbárie sob o manto do Executivo e do Judiciário O Centro de Defesa da Vida e dos DiretosHumanos de Açailândia denunciou o caso deum fazendeiro que foi condenado por matardois trabalhadores dentro de sua fazendo naregião da reserva do Gurupi. A Justiça doMaranhão condenou o fazendeiro à prisão,mas, na terra “governada” pela filha dopresidente do Senado, quando a Justiçacondena, a polícia não prende. E, em seguida,a mesma Justiça completa o quadro de

barbárie, não agindo para que sua decisãoseja cumprida.O fato é que este fazendeiro está soltodepois de estar condenado há mais deduzentos dias e, o que é pior, colocandoem risco a vida de outras pessoas. O Centrode Defesa de Açailândia informou sobre ocaso ao Vias de Fato, mas pediu que nósnão divulgássemos o nome do fazendeirocondenado, pois os integrantes do Centro

(que foram testemunhas no processo)vêm sofrendo intimidações e ameaças. Ofazendeiro trabalha com extração ilegalde madeira, é dono de uma carvoaria emantém uma milícia particular (jagunços).Um de seus empregados também foicondenado junto com ele. Por conta dessa situação, o Centro deDefesa já solicitou que todas astestemunhas que prestaram depoimento

neste caso do fazendeiro condenadosejam incluídas no Programa Nacionalde Proteção às Testemunhas. Ocoordenador do Centro, MiltonTeixeira, disse que “éresponsabilidade do Estado a garantiada ordem pública e a manutenção dapaz social. Por isso exigimos a devidaatenção ao caso pelas autoridades desegurança pública do Estado”.

No último levantamento do Minis-

tério do Trabalho, fechado no começodeste semestre, foram apontadas 166fazendas no Brasil com trabalho escra-vo. Elas formam a chamada “lista suja”,que tem como principal punição a im-possibilidade de seus donos terem cré-ditos e financiamentos públicos. Dessetotal de fazendas, 24 estão noMaranhão.

De todos os estados brasileiros, o

Maranhão é o segundo com maior in-cidência de empreendimentos ruraisonde está presente a escravidão. O pri-meiro é o Pará, com 43. O detalhe é queboa parte dos trabalhadores escraviza-dos no estado vizinho são maranhensesexpulsos pela grilagem promovida peloavanço do latifúndio nas últimas déca-das (veja a entrevista de Dom Xavier).

O Maranhão tem hoje nada me-

nos que 15% das fazendas com traba-lho escravo no Brasil. Atualmente, temmais fazendas com trabalhadores escra-vos aqui do que em todos os outrosestados do nordeste somados. São 24,contra 16. O Maranhão e o Pará juntossomam 40% das fazendas com esta ter-rível prática que nos remete às barbari-dades do período colonial brasileiro(veja artigo de Nonnato Masson).

Um exemplo da conivência -No mês passado, o caso do juiz federalMarcelo Baldochi voltou a agitar a opi-nião pública no Maranhão. Denuncia-do por ter trabalhadores escravos emsua fazenda, no municio de Bom Jar-dim, ele foi, no último dia 11 de novem-bro, simplesmente absolvido pelo Tri-bunal de Justiça do Maranhão. O Mi-nistério Público estadual, autor da de-núncia, informou no final do mês a umacomissão de representantes de movi-mentos sociais, que vai recorrer para ostribunais superiores em Brasília.

Está claro que Marcelo Baldochi(veja box) e seus desmandos são ape-nas uma pequena parte do problema deum Maranhão marcado por um poderpúblico que, quando não erra por omis-são, é convivente com os criminosos.Dominado por uma estrutura oligárquicahá décadas (Vitorino/Sarney), com umadas maiores concentrações de terra doBrasil e uma das populações mais po-bres, o Maranhão apresenta as possibi-lidades que facilitam a existência do la-tifundiário escravista e, também, a ex-portação da mão de obra escrava. É asoma entre o flagelo social e o profundoatraso político (veja lista dos escravistasdo Maranhão).

Após a absolvição de Baldochi, oCentro de Defesa da Vida e dos Direi-tos Humanos de Açailândia, publicouuma nota onde diz que o número depessoas condenadas judicialmente hojeno Maranhão por trabalho escravo “éinsignificante diante da gravidade e ex-tensão do crime que vem sendo prati-cado”. Segundo a mesma nota, a Justi-ça federal e estadual no Maranhão “ain-da não tem se posicionado de forma aapresentar condenações que tenham umcaráter preventivo”.

OS ESCRAVISTAS DO MARANHÃOE OS LOCAIS DE SUAS FAZENDAS Adailto Dantas de Cerqueira (Santa Luzia)

Alcides Reinaldo Gava (Carutapera)

Almerindo Nolasco das Neves (Açailândia)

Alsis Ramos Sobrinho (Açailândia)

Antônio Barbosa Passos (Bom Jesus da Selva)

Antônio das Graças Almeida Murta (Açailândia, duas fazendas).

Antônio Evaldo de Macedo (São Mateus do Maranhão).

Antônio Fernandes Camilo Filho (Bom Jesus da Selva).

Antônio José Assis Braide (Santa Luzia)

Carlos Gualberto de Sales (Alto Alegre do Maranhão)

Diego Moura Macedo (São Luiz Gonzaga do Maranhão)

Francisco Dantas Ribeiro Filho (Alto Alegre do Pindaré)

Gilberto Andrade (Centro Novo)

João Batista de Sousa Lima (Amarante do Maranhão)

João Feitosa de Macedo (Bela Vista do Maranhão)

José Escórcio de Cerqueira (Monção)

José Rodrigues dos Santos (Capinzal do Norte)

Max Neves Cangussu (Bom Jardim)

Nyedja Rejane Tavares Lima (Santa Luzia)

Roberto Barbosa de Sousa (Santa Luzia)

Salomão Pires de Carvalho (Matões do Norte)

Vilson de Araújo Fontes (Santa Luzia)

Vital Ferreira da Costa (João Lisboa)

Juiz Marcelo Baldochi

ESPECIAL

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Vias de Fato São Luís, dezembro de 200910

João doVale, umartista deopinião

Em 11 de dezembro de 1964,num pequeno teatro do ShoppingCenter Copacabana, o compositorde Pedreiras anunciava: “Pobre, noMaranhão, ou é Batista ou éRibamar. Eu saí Batista.” A frase, quemarcou a presença de João Batistado Vale na estréia do Show Opiniãoe sempre abria a sua apresentaçãono espetáculo, virou refrão nos tex-tos jornalísticos sobre o compositormaranhense.

O espetáculo foi uma produçãocoletiva do Teatro de Arena comintegrantes do CPC, ligado a umaentão combativa UNE, ali já empur-rada para a ilegalidade.

No elenco, João faziadobradinhas com Zé Kéti e NaraLeão, ex-musa da Bossa Nova eintérprete do drama nordestino e dosmorros cariocas. Opinião era ummisto de teatro musical, poesia e fla-shes cinematográficos, com direçãode Augusto Boal e roteiro de quasetodo o grupo Opinião: ArmandoCosta, Oduvaldo Vianna Filho ePaulo Pontes. Contava ainda comFerreira Gullar e Thereza Aragão,depois com o envolvimento deGuarnieri.

E mais: tudo enxertado com le-tras de Vinícius de Moraes e versosde João Cabral, além de citações deDeus e o Diabo na Terra do Sol,de Gláuber, e do veredito deTiradentes, sem falar nos hinos daresistência cubana. Um primor doque havia de mais arriscado no fa-zer artístico em plena ditadura mili-tar.

O show, que lançou MariaBethânia (substituindo Nara) em 13fevereiro de 1965 com a marcanteinterpretação de “Carcará”, foi re-montado em 1975, com Zé Kéti eMaria Medalha, sob a direção deBibi Ferreira. De lá para cá, só mu-dariam as estatísticas que faziamparte da fala de Bethânia: “Em 1950,mais de dois milhões de nordestinosviviam fora de seus estados natais.10% da população do Ceará emi-graram, 13% do Piauí, 15% daBahia...” Etc.

Mudaram para pior.Amnésia - O poeta maranhense

Ferreira Gullar (que é Ribamar), nodocumentário de Werinton Kermes,“João do Vale – muita gente desco-nhece” (2005), diz que a música deJoão tem alguma coisa política, en-graçada, mas circunstancial. No en-tanto reconhece:

“Se é certo que em 1964-65,quando se realizou pela primeira vezo Show Opinião, os grandes cen-tros do país tomaram conhecimentode sua existência e lhe reconhece-ram os méritos de compositor, nãoé menos certo que pouca gente sedeu conta do que ele realmente sig-nifica como expressão de nossa cul-tura popular”.

Ele tem razão. Até o apresenta-dor Jô Soares (Rede Globo), du-rante entrevista realizada com ElbaRamalho, teve uma “crise de amné-sia” quando a cantora referiu-se aoartista maranhense. “Quem é Joãodo Vale?”, perguntou o apresenta-dor. Depois, em programas poste-riores, quis consertar o erro referin-do-se várias vezes a João e ao ShowOpinião. Já era tarde.

Fazendo arte - João Batista doVale nasceu no Lago da Onça, po-

Há 45 anos o compositor nascido noLago da Onça, Pedreiras (MA), fez sua

estréia no espetáculo Opinião, mas oex-ajudante de pedreiro já era um

mestre de obras musicais. Faleceu emdezembro de 1996, em São Luís

voado do município de Pedreiras(MA), em 11 de outubro de 1933(alguns registram 1934). Aos 12anos chegou à capital do Estado, es-treando no papel de “amo” do gru-po de bumba-meu-boi “Linda Noi-te”. Fugiu de São Luís como em-pregado de um circo que ia paraTeresina, aos 14 anos, semi-analfa-beto.

Trabalhando em carrocerias decaminhão e no garimpo, João per-correu o Nordeste até fixar-se noRio de Janeiro, em 1950, como aju-dante de pedreiro. Lá conheceu ar-tistas do rádio, tendo sua primeiramúsica gravada por Zé Gonzaga –“Cesário Pinto”. Mas o sucesso vi-ria em 1953, com “Estrela Miúda”(parceria com Luiz Vieira), na vozda cantora Marlene.

Ao longo da carreira, João doVale também teve experiências como teatro e o cinema. Em 1954, par-ticipou como figurante do filme“Mão Sangrenta”, dirigido porCarlos Hugo Christansen. Na oca-sião, conheceu Roberto Farias, queo convidou para musicar alguns deseus filmes, como “No Mundo daLuz”, de 1958. Em 1969 ele tam-bém comporia a trilha sonora de

“Meu Nome é Lampião”, de MozaelSilveira.

O articulista José Teles (Jornal doCommercio, Recife, 03/09/2000),escreve que a música “Na Asa doVento”, parceria com Luiz Vieira,gravada em 1956 por DoloresDuran, “tornou João do Vale com-positor em tempo integral”. Masteve dificuldades financeiras.

Dificuldades - João nunca es-condeu que precisou vender suasmúsicas, só nunca quis dar nomesaos bois. “Luiz Gonzaga o esnobouno início, mas depois virou freguêsde suas músicas (algumas com par-ceria fantasmas de Helena Gonzaga,mulher de Gonzagão)”, acrescentaTelles no mesmo artigo, onde co-menta o livro “Pisa na fulô, mas nãomaltrata o carcará – vida e obra docompositor João do Vale, o Poetado Povo”, de Márcio Paschoal(Lumiar, 2000).

Não obstante, dezenas de músi-cas de João se tornariam célebres,a exemplo de “Peba na Pimenta”(com José Batista e Adelino Rivera),gravada por Ari Toledo, e “Pisa naFulô” (com Ernesto Pires e SilveiraJúnior), interpretada por ele mesmo,em 1957. Mas sua maior alegria foiver o xote “De Teresina a São Luís”gravado por Luiz Gonzaga, em1962. Em 1964, estreou no restau-rante Zicartola, onde nasceu a idéiado Show Opinião.

Entre outros nomes da MPB quecantaram suas músicas estão aindaMarlene, Ivon Cury, Luiz Vieira,Dolores Duran, Jackson do Pandei-ro, Nara Leão, Marinês, MariaBethânia, Alcione, Chico Buarque,Tom Jobim, Edu Lobo, Clara Nunes,Gonzaguinha, Irene Portela, ZéRamalho, Fagner, João Bosco eElba Ramalho. Acrescentem-se atu-almente os maranhenses Tião Car-valho, Anna Torres, Célia Maria etc.

O sucesso de “Carcará” na vozde Bethânia ganhou o Brasil e omundo, mas João continuava o mes-mo. “Ele era de uma simplicidadecontrastante com a época e o meioem que viveu. Morava longe, nãotinha telefone, não andava com do-cumentos, locomovia-se de ônibuse sempre desconfiava quando tinhade assinar alguns papéis”, registra oescritor Márcio Paschoal, que nãochegou a conhecer o compositor ain-da vivo.

Perseguição - Em 1964, Joãoestreou no restaurante Zicartola,onde nasceu a idéia do show Opi-nião. Na época foi convidado peloProf. Earl W. Thomas para visitar aUniversidade de Nashville, conside-rada “a capital musical dos EUA”,apresentando-se ali em duas oca-siões. Foi também para falar a pro-fessores de Português sobre as ex-pressões nordestinas em suas mú-sicas.

Gravou o seu primeiro disco “OPoeta do Povo” (Philips, 1965) apóso golpe militar, mas com a persegui-ção política, o AI-5, afastou-se domeio musical por um tempo. “Chicofoi para a Itália, Gil e Caetano paraa Inglaterra, e eu para Pedreiras”,recordava João.

Consta que o “exílio” de João emPedreiras teria tido a cobertura deJosé Sarney (que também éRibamar), personificação civil doregime militar. Aliás, o senador do

CULTURA

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Amapá sempre esteve por perto docompositor, feito uma sombra, ten-do participado do documentário“João do Vale – muita gente desco-nhece” e assinado o prefácio do li-vro “Pisa na Fulô...” Apesar da re-pressão, João lança em 1973 “Seeu tivesse o meu mundo” (comPaulinho Guimarães), e, em 1975,participa da remontagem do Opi-nião, no Rio de Janeiro.

Nos anos 80, voltou a apresen-tar-se em modestas casas de forró.Uma delas, no Catete, gerenciadapor Adélio da Silva, transformou-seem point da noite carioca, o ForróForrado, onde recebia ilustres con-vidados para as canjas tradicionais,entre eles Chico Buarque, Fagner,Clara Nunes, Luiz Gonzaga,Clementina de Jesus, Jackson doPandeiro, Gonzaguinha, Djavan, Al-ceu Valença, Elba e Zé Ramalho.

Em 1982, gravou seu segundodisco, ao lado de Chico Buarque,que, no ano anterior, havia produzi-do o LP “João do Vale convida”,com participações de Nara Leão,Tom Jobim, Gonzaguinha e ZéRamalho, entre outros. Naquele anoa Globo produziu um especial so-bre João do Vale – “Carcará” –, umaSexta Super e nada mais. Participoucom Carlinhos Vergueiro, em 1985,do show inaugural do ProjetoPixinguinha, Seis e Meia na SalaAdoniran Barbosa em São Paulo.

Quando completou 60 anos, em1993, João era lembrado com umshow no então Espaço CulturalJoão do Vale, na Praia Grande, pro-duzido pela cantora maranhenseRegina Oliveira. Por sua vez, ChicoBuarque voltou a reverenciar o ami-go, em 1994, reunindo artistas paragravar o disco “João Batista doVale”, prêmio Sharp de melhor dis-co regional.

Despedida - Após sobrevivera dois derrames cerebrais, andar emcadeira de rodas e de muletas, JoãoBatista do Vale sofreu um últimoAVC e faleceu em São Luís, aos 63anos, em 6 de dezembro de 1996,sendo sepultado em Pedreiras, comohavia desejado, depois de um pífiovelório preliminar na AcademiaMaranhense de Letras.

Ao contrário, em Pedreiras(para onde foi levado com a inter-venção de amigos) cerca de 5 milpessoas foram despedir-se dele noTeatro João do Vale e encheram asruas durante o enterro, realizado nomodesto cemitério de São José, no

dia 8 de dezembro, um domingo desol. No carro de som uma versãofúnebre de “Pisa na fulô”, no saxo-fone de Sávio Araújo, gravada emfita cassete.

Na Missa de Sétimo Dia, reza-da ao lado do Teatro João do Vale(Praia Grande) pelo Capelão da Po-lícia Militar, Hélio Maranhão (ex-mi-litante da esquerda católica), o jor-nalista Cesar Teixeira leu um textomanuscrito homenageando o artista(veja quadro). Em seguida vários

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CULTURA

cantores maranhenses subiram nopalco armado na praça, interpretan-do os grandes sucessos de João.

Na virada para o ano 2000, Joãodo Vale foi eleito o Maranhense doSéculo XX, num plebiscito em queSarney retirou por precaução a suacandidatura, para não se expor a umaprovável derrota (a militante comunistaMaria Aragão ficou em segundo lu-gar). Tributo merecido a um artista quepassou por dissabores e sofrimentos,mas sempre de bom-humor.

“Miúcha fala que, em um showque foram fazer em Cuba, Joãofoi surpreendido pela alfândegacubana com garrafas de Pitu. Aoser indagado ele responde que setratava de suco de camarão”, con-ta o cineasta Werinton Kermes.

Sua grande mágoa foi ter es-tudado só até o terceiro ano pri-mário. Foi expulso da escola paradar lugar ao filho de um coletornomeado para a região. “Tinhauns trezentos alunos, mas esco-

Já sabíamos da sua almade passarinho, capaz dea qualquer momento su-

bir nos ares e ir morar no ventoLeste, em outros vales. Como daprimeira vez em que fugiu de casapara carregar pedras mundo afo-ra, João partiu com um retirante,depois de ter sido negado em suaprópria terra. Mas, assim comoPedro transformou-se na pedrafundamental da Igreja, depois denegar Jesus e redimir-se, João Ba-tista do Vale tornou-se pedra fun-damental da música popular bra-sileira a partir da década de 50.

Para não passar fome che-gou a vender suas próprias músi-cas, porém nunca vendeu a alma.Nem mesma a repressão militarconseguiu calar a sua voz, quandoo espetáculo “Opinião” rompeu osilêncio imposto aos artistas em1964. Certamente não foi um mi-litante de esquerda, mas a sua pre-sença na MPB proclamava defi-nitivamente o inconformismo dohomem nordestino, e passou a seruma referência.

Mesmo sem ter tido o di-reito de estudar, João foi, e é, umaverdadeira escola, pelo menospara três gerações de composito-res e poetas brasileiros, que nelese miram não só pela beleza desuas músicas, mas pela sua cora-gem e amor ao próximo. E canta-va: “...mas o negócio não é bemeu / é Mané, Pedro e Romão /...não puderam estudar, nem sa-bem fazer baião”. Era essa a suasociologia, que permitia enxergarentre os pobres um mais pobre,

VALEU, JOÃO!* Cesar Teixeira

(12 de dezembro de 1996)

lheram logo eu para dar lugar aofilho do homem”, contava João.Naquele momento certamente foiplantada a semente da genialidadede um menino negro, nascido Ba-tista, que vendia pirulito, mungunzáe arroz-doce pelas ruas amargasda sua infância. Se o ex-reservade Zizinho, no Bangu, não chegoua mestre de obras nos andaimes,em suas obras musicais foi mes-tre. Estava com a bola toda, evoou mais alto.

não a sociologia que hoje está nopoder, que se faz de cega.

Esse era o João que conhe-cemos e respeitamos, de pés des-calços como um rei negro, Zumbiou Dom Cosme dos Bem-te-vis.Será que o Maranhão e o Brasil, aexemplo de Pedro, redimiu-se pe-rante João, com tantas criançasdescalças fora das escolas e tantosjovens retirantes ou marginaliza-dos? “Hoje eles botam rua commeu nome, me homenageiam, só

para desmanchar o que fizeram.Mas nem Deus querendo eu esque-ço”, dizia o compositor. Ironi-camente, João, que foi obrigado aceder a sua vaga na escola para ummenino rico, teve seu corpo veladona Academia Maranhense de Le-tras. Nem precisaria, João já eraimortal. Pelo menos entrou e saiupela porta da frente, livre de mule-tas ou da cadeira de rodas, carre-gado pelos amigos. Não pela jane-la, como ali costumam entrar os apa-drinhados políticos.

Apesar da sua revolta,João, como um santo, tinha a ca-pacidade de perdoar, e sempreque podia retornava aoMaranhão, dividindo o seu tem-po entre a ZBM da capital e acidade de Pedreiras, aonde iatomar suas pingas e jogar umdominozinho, que ninguém é deferro. Foi lá que ele viveu os seusúltimos dias, antes de ser inter-nado no UDI, hospital de SãoLuís, onde faleceu dia 6 de de-zembro, uma sexta-feira.

No domingo, o povo dePedreiras e de Lago da Onça,povoado onde nasceu, foi paraas ruas aplaudir o seu grandepoeta e acompanha-lo até o ce-mitério de São José, ao somcompassado de “Pisa na Fulô”,com arranjo do internacional sa-xofonista maranhense Sávio Ara-újo. Lá de cima, quem tem olhosno coração podia ver, sob um solbrilhante, um par de asas partin-do, como um Espírito Santo ou-tra vez retirante, depois de cum-prir sua missão. Acreditamosque neste momento Joãoestá jogando o seu dominó emalgum barzinho lá do Céu, e quevoltou a beber com os compa-nheiros que foram na frente, osquerubins e outros anjos. Certa-mente já está embriagado comesse vinho feito de luz que só ospassarinhos bebem, fazendo ver-sos para que haja mais justiçaaqui na Terra. Valeu, João!

________________________________________________________*Texto lido na Missa de 7º Diaem nome dos artistas presentes

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Flávio Reis *

Em artigo publicado no primeiro número do Vias de Fato,Wagner Cabral indicou a

existência de uma "cultura da Liber-tação" no imaginário políticomaranhense "dos últimos sessentaanos", um filme onde se destacamtrês momentos fortes de conjugaçãodo verbo "libertar" ( a Greve de 1951,a posse de Sarney em 1966 e a elei-ção de Jackson Lago em 2006). Otema de fundo é o da repetição na his-tória, a sucessão de festa e malogro,a cíclica reposição de palavras e atos,"com a mesma estrutura básica de en-redo: 'fim da oligarquia' e festa po-pular na Ilha Rebelde", visto peloângulo da produção de símbolos, dasnarrativas épicas e registros de ima-gens, vale dizer, da construção damemória.

Denso e cheio de dicas, otexto sugere possíveis leituras daquestão. De um lado, tudo se resu-miria ao "cinismo dos políticos (cadaqual a seu tempo e a seu modo)", queutilizam o verbo demagogicamente,mal disfarçando o oportunismo e oadesismo como motor das ações, for-ma de compreensão que remete àantiga questão da irrelevância dasideologias. De outro, "a permanên-cia do dialeto da Libertaçãocorresponderia à continuidade da es-trutura oligárquica patrimonialista,em que o dialeto seria uma necessi-dade do teatro do poder". Por esteviés, não apenas seria possível "com-preender as múltiplas motivações damobilização de elites e de setorespopulares", como também a "dinâmi-ca cíclica do processo político", semperder de vista que "nem tudo é merarepetição ou eterno retorno", pois "háinúmeras diferenças entre as três con-junturas, as quais, embora oriundasde crises internas da oligarquia e flu-entes na mesma linguagem, tiveramresultados distintos em função dacorrelação de forças existente emcada momento".

Encerra a reflexão, questio-nando as "condições e possibilidadesde evolução da cultura da Libertaçãonos próximos anos". Continuaria pre-sente no cenário, servindo para a or-ganização de alternativas políticas,seja de cunho democratizante, sejanovamente de raízes patrimoniais eparricidas (origem de todas as dissi-dências), numa manutenção do "tea-tro oligárquico"? Ou perderia densi-dade e se dissolveria, "sendo substi-tuída por outra configuração políti-co-cultural"?

A atualidade e urgência dasquestões levantadas são evidentes, àsvésperas de mais um capítulo do nos-so triste enredo da dominaçãooligárquica. Os atores se aprontam,tentando viabilizar-se nos papéis pré-estabelecidos para a eleição do pró-ximo ano. Provavelmente, o gover-nador retirado do Palácio através do"golpe pela via do Judiciário", na ex-pressão de Francisco Rezek, tentaráa volta, editando uma nova versão daFrente de Libertação do Maranhão(designação utilizada nas campanhasde 1965 e de 2006), em disputa comRoseana Sarney, que arcará com opeso do desgaste da família no cená-rio nacional, mas contará com o apoiodo governo federal (se aberto ou meio

A política do engodo e o engodo da política

velado, só a conjuntura dirá, pois nis-to Lula se tornou um mestre). Colo-cando-se até agora como terceira op-ção, mas apto a ceder às conveniên-cias e buscar uma vaga no Senado,está o deputado federal Flávio Dino,ainda de olho nos desdobramentos daação que move na Justiça Eleitoralcontra o prefeito João Castelo.

Se o "discurso da Liberda-de" está pronto para ser reativado,agora com as cenas dos senhorestogados do TSE passando a perna noeleitor e da "resistência" do gover-nador cassado no Palácio dos Leões,escudado por fiéis "balaios", o gru-po reconduzido ao poder, com apoiode ministros e da tropa de choque deLula e do PT, tentará se escudar naimagem que Sarney sempre buscouconstruir de si na história doMaranhão, a de promotor do "desen-volvimento". Ambas as mensagens,no entanto, não se sustentam.

A falta de distinção entregrupo político oligárquico e estrutu-ra de poder oligárquica é o primeiroponto a ocultar os mecanismos cen-trais da reprodução da forma de do-minação. Confunde-se o descenso ouenfraquecimento de grupos com ofim da dominação oligárquica, comono caso do carlismo na Bahia ou daderrota eleitoral do grupo de Sarney,em 2006. A eleição de Jackson Lagonão pode ser dissociada da cisão cri-ada pelo então governador JoséReinaldo e toda a utilização da má-quina política. No governo, assisti-mos a uma reprodução deslavada deantigas práticas oligárquicas, comoo nepotismo, a corrupção, oclientelismo. A cassação do manda-to pelo TSE e a entrega do governo aRoseana Sarney reafirmaram o velhomodelo de mediação dos conflitosintra-oligárquicos, por cima, atravésda utilização dos poderes da Repú-blica em prol da manutenção de gru-pos políticos, e refletem, por outrolado, o atual ativismo político do Ju-diciário, pois uma decisão não deve-ria ter resultado na outra.

O "discurso da Liberdade"sempre ficou restrito a arma de com-bate contra a oligarquia de plantão(ontem os vitorinistas, hoje ossarneysistas), nunca desceu aos po-rões da estrutura de mando e, princi-

palmente, não chega aos vínculos desustentação de grupos oligárquicos apartir dos interesses do governo fede-ral, característica antiga mantida na eraFHC-Lula. Em uma palavra, não épossível discutir a sério a questão dasoligarquias políticas sem passar pelospactos conservadores que se mantémcomo uma das peças de sustentaçãodo governo. Assim, atacar hoje Sarneyou Renan, Collor, Jader Barbalho, semfalar em Lula, é esconder exatamenteo elo responsável pela preservação dosmandatos dos dois primeiros e peloreaparecimento dos dois últimos nacena política. Este, de resto, talvez sejao maior problema para uma candida-tura viável de Flávio Dino enquantoopção "contra a oligarquia", pois comoconciliar a posição de defensor intran-sigente e aliado fiel do governo Lula eatacar o domínio de Sarney, que nãose sustenta aqui e sim em Brasília? Sócom muito exercício de ilusionismo...

No cenário político cada vezmais dominado pela eficiência da pu-blicidade, Roseana tenta simular umMaranhão imerso em vertiginoso sur-to de desenvolvimento, a partir dos in-vestimentos federais alardeados combastante estardalhaço. A euforia quenestas circunstâncias costuma tomarconta de círculos empresariais, políti-cos, donos de construtoras, lobistas eintermediadores de todo tipo (e de todopreço), além da imprensa publicitária,com as promessas de redenção econô-mica e social, não esconde a antigaconcepção de desenvolvimento preda-tório, pouco preocupado com as po-pulações, os impactos ambientais, odestino das cidades. Tudo se dilui emnúmeros e projeções espetaculares.

É um estilo de desenvolvi-mento sempre acompanhado de escân-dalos, como os do Pólo de Confecçãode Rosário, da Usimar, da famosa es-trada fantasma ligando Arame a PauloRamos, dos grandes projetos de irri-gação malogrados, da privatização doBanco do Estado, do rombo da Cemar(vendida pelo valor simbólico de R$1,00), e por aí vai, a lista seria inter-minável. Discutir a concepção de de-senvolvimento de Sarney (ou será deFernando, o filho?) e de Roseana (ouserá de Jorge Murad, o genro?) é sim-ples, basta olhar para as últimas déca-das, pois continuamos patinando pra-

ticamente na mesma miséria, entreos estados com as piores condiçõesde saúde, educação e habitação, masnuma situação muito mais crítica dedegradação ambiental, desarticula-ção da produção agrícola e inchaçode cidades sem nenhuma estrutura.É um tipo de desenvolvimento queserve apenas a uns poucos, subme-tidos a uma teia organizacional in-crustada no aparelho do estado, masregida de fora do sistema político.

Eleições não são apenasmomentos de disputa para o exer-cício de funções públicas, podemtornar-se também momentos impor-tantes de circulação de informações,análises, apresentação de denúnci-as, mobilização de demandas soci-ais. Num estado que atravessou oséculo XX comandado por grupospolíticos que se enredaram em todotipo de fraude eleitoral, corrupção,grilagem de terras, desvios de ver-bas públicas, pistolagem, massacrese expulsões de índios e campone-ses, tudo acobertado por tribunaiscontrolados por juízes sem legitimi-dade social (como tem sido indica-do de forma brilhante pelo juiz Jor-ge Moreno, aposentado compulso-riamente de maneira vergonhosapelo TJ do Maranhão), em suma, umestado onde os grupos políticos seorganizam e agem como máfias, a"libertação", se acontecer, não viráde nenhum agente investido na po-sição de salvador, nem de algumaação redentora do governo federal.

No sentido estrito da defi-nição dos novos ocupantes das ca-deiras do Executivo e doLegislativo, a eleição de 2010 seresolverá no circuito da estruturaoligárquica. Daí muito pouco sepode esperar. Mas o fosso entre re-presentação política e sociedade,que se agrava no Brasil, pode ga-nhar cores interessantes noMaranhão, um dos estados que tra-dicionalmente simbolizam o atrasono conjunto da federação, na medi-da em que a mistura de política ecrime, o festival de nepotismo eenriquecimento ilícito envolvendoos três poderes, ganha contornos deescândalo nacional.

É um momento ímpar paramostrar como Sarney não é simples-

mente um problema do Maranhão (oudo Amapá, onde criou uma "sucur-sal"), mas do Brasil, pois todas essasteias se encontram e ganham susten-tação em Brasília. Ao contrário de ou-tras eleições escandalosas, como asde 1994 (Roseana) e 2002 (JoséReinaldo), ignoradas pela grande im-prensa, nesta, a percepção da dimen-são nacional da questão tira das som-bras, ainda que por um momento, estevelho grotão do Norte. O Maranhão,em sua exposta podridão, tem algo adizer sobre o Brasil e a natureza dosprocessos em curso.

Politizar as eleições de 2010passa por inquirir as imagens crista-lizadas que serão manipuladas pelosgrupos em disputa. É pensar além doenredo da "cultura da Libertação" e des-mascarar o engodo desenvolvimentistapredatório e patrimonialista, ambos apre-sentados como "salvação". Não parecetarefa para nenhuma das principais for-ças político-partidárias postas no ta-buleiro.

Flávio Dino, aparenta correrpor fora, mas possui vínculos impor-tantes com essa estrutura, nas tradi-cionais dimensões nacional, regionale local, como ficou patente em suasduas campanhas eleitorais. Na maisrecente, para a Prefeitura de São Luís,montou uma estratégia totalmente co-lada em Lula e não disse palavra so-bre a crise política em curso, até seracusado de fazer o jogo da famíliaSarney e contar com o apoio do Siste-ma Mirante, limitando-se, então, a acu-sar os adversários de caluniadores.Sem discurso, terminou a campanhasendo apresentado como "o candida-to das crianças", utilizando quadros noprograma eleitoral em que elas apa-reciam dizendo: "peça pra seu pai vo-tar em Flávio Dino". Se no vale-tudodo mundo da publicidade tal coloca-ção pode até ter algum sentido, geraralgum resultado, do ponto de vista dodiscurso político equivale àinstrumentalização do vazio.

Ficamos, então, com os si-nais de decomposição de uma repre-sentação política que nunca foi alémde um "vão simulacro", na antecipa-ção certeira de João Lisboa, feita háum século e meio no insuperável Par-tidos e Eleições no Maranhão. A cri-se da estrutura oligárquica não de-correrá meramente do jogo partidá-rio e das disputas eleitorais. Não temcomo protagonistas José Reinaldo,Vidigal, Castelo e outras figuras ca-rimbadas, criadas no interior de gru-pos oligárquicos. Nem virá das açõesescusas a que Jackson Lago e sua tur-ma se dobraram, ou do oportunismovazio do PCdoB, inteiramente voltadopara a entronização de um novo caci-que, muito menos, é claro, dosneosarneysistas existentes no PT, ca-pazes de trocar a própria história poralgumas sobras dos velhos senhoresdo Maranhão e aplacar a consciênciaà maneira de Delúbio Soares, invocan-do a "missão partidária" em prol deuma "causa maior", afirmando cini-camente defender o que estão destru-indo. A crise se aprofundará, não comochoque entre projetos alternativos,mas na forma da pura desagregação,como crise de legitimidade.

Flávio Reis é professor da UFMA. PublicouGrupos Políticos e Estrutura Oligárquica noMaranhão.

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