jornal n.º 109

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Nº 109 OUTUBRO de 2014 Distribuição gratuita aos sócios STAL STAL Governo sem desculpa Luta intensifica-se pelo horário de trabalho salários e direitos Chumbados cortes gravosos TC tolera injustiças O Tribunal Constitucional chumbou os cortes brutais nos rendimentos previstos no OE/2014, mas deixou passar novos cortes nas remunerações acima dos 1500 euros. Pág. 7 Três anos de PSD/CDS-PP Trabalho perde para o capital Desde finais de 2010, o Governo destruiu 25 mil postos de trabalho nas autarquias e reduziu mais de 20% o poder de compra. Centrais Travar a privatização Venda da EGF é crime lesa-pátria O Governo aprovou a venda da EGF ao consórcio Mota/Engil/Suma. A luta continua. Pág. 11 Mais de três mil trabalhadores vindos de todo o País manifestaram-se, a 2 de Outubro, exigindo a publicação dos ACEP, a reposição e valorização dos salários, incluindo as horas extraordinárias, e o fim do trabalho precário. O STAL bate-se pela demissão do Governo e a ruptura, com as políticas de direita, em defesa dos serviços públicos e dos direitos sociais e laborais dos portugueses. Pág. 2-3 MANIF 31 DE OUTUBRO PARTICIPA!

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Jornal do STAL - Edição n.º 109 - Outubro 2014

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Page 1: Jornal n.º 109

Nº 109 • OUTUBRO de 2014Distribuição gratuita aos sócios STALSTAL

Governo sem desculpa

Luta intensifica-se pelo horário de trabalho salários e direitos

Chumbados cortes gravosos

TC tolera injustiçasO Tribunal Constitucional chumbou os cortes brutais nos rendimentos previstos no OE/2014, mas deixou passar novos cortes nas remunerações acima dos 1500 euros.

Pág. 7

Três anos de PSD/CDS-PP

Trabalho perde para o capitalDesde finais de 2010, o Governo destruiu 25 mil postos de trabalho nas autarquias e reduziu mais de 20% o poder de compra.

Centrais

Travar a privatização

Venda da EGF é crime lesa-pátriaO Governo aprovou a venda da EGF ao consórcio Mota/Engil/Suma. A luta continua.

Pág. 11

Mais de três mil trabalhadores vindos de todo o País manifestaram-se, a 2 de Outubro, exigindo a publicação dos ACEP, a reposição e valorização dos salários, incluindo as horas extraordinárias, e o fim do trabalho precário. O STAL bate-se pela demissão do Governo e a ruptura, com as políticas de direita, em defesa dos serviços públicos e dos direitos sociais e laborais dos portugueses.

Pág. 2-3

MANIF31 DE OUTUBRO

PARTICIPA!

Page 2: Jornal n.º 109

OUTUBRO 20142

O direito à contratação colec-tiva e a autonomia do Poder Local são preceitos consa-

grados na Constituição da Repúbli-ca que qualquer governo está obri-gado a respeitar.

Foi isso que milhares de traba-lhadores das autarquias gritaram nas ruas de Lisboa, ao exigirem a publicação dos acordos colectivos que consagram as 35 horas, legiti-mamente assinados entre o STAL e cerca de meio milhar de autarquias.

O protesto massivo, iniciado com uma concentração no Largo da Estre-la, donde partiu o desfile para o Con-selho de Ministros, foi também uma expressiva resposta dos trabalhado-res à última manobra do Governo para

tentar impor as 40 horas semanais na Administração Local (ver pág. 5)

Evocando um duvidoso parecer do Conselho Consultivo da Procurado-ria-Geral da República, o Governo pretendeu aprisionar as autarquias, amputar-lhes competências, para ser ele a decidir como devem gerir e or-ganizar os serviços e os seus traba-lhadores. Porém a manobra estava condenada ao fracasso.

Como salientou na concentração o presidente do STAL, Francisco Braz, «cerca de uma dezena de au-tarquias assinaram acordos» com o Sindicato, posteriormente ao comu-nicado do Governo.

O presidente do STAL saudou es-ta atitude e exortou as autarquias a «resistirem» à ingerência e «pres-sionarem» o Governo para manter o horário das 35 horas.

Um trimestre de intensa luta

A exigência da publicação dos acordos colectivos de empregador público (ACEP) esteve presente nas dezenas de acções de luta realiza-das no segundo trimestre do ano.

Logo em 9 de Maio, STAL e STML mobilizaram milhares de trabalhadores, que se concentra-ram no Largo do Rato (distritos do Norte) e na Praça Luís de Camões (distritos do Sul). As duas marchas dirigiram-se para as proximidades da residência oficial do primeiro--ministro.

A manifestação decorreu um dia depois de o Governo ter apro-vado mais um documento sobre a «reforma do Estado» que, em articulação com o «documento de estratégia orçamental», visa perpetuar o roubo nos salários e nas pensões, aumentar a preca-riedade e o desemprego, destruir o poder local, os direitos sociais e laborais, numa autêntica cruza-da contra a democracia e a Cons-tituição.

A 27 de Maio, a Comissão Exe-cutiva do STAL reuniu-se junto à re-sidência oficial do primeiro-minis-tro, onde tentou entregar uma carta aberta. Todavia, com uma arrogân-

cia inaudita, os serviços não só fe-charam as portas à delegação sin-dical, como recusaram receber o documento que exigia a publicação dos ACEP.

No dia 1 de Agosto, duas cente-nas de dirigentes e activistas sindi-cais do STAL realizaram um plená-rio frente ao Ministério das Finan-ças, em protesto contra o «veto de gaveta» dos ACEP. O plenário aprovou ainda uma moção de so-lidariedade com a Palestina (ver caixa).

A batalha pelos ACEP tem vin-do a ser travada tanto a nível na-cional como a nível local, onde foram realizadas várias acções frente às câmaras para reclamar a negociação de acordos ou a sua aplicação imediata. Esteve igualmente presente nas gran-des manifestações promovidas pela CGTP (14 e 21 de Junho, no Porto e Lisboa, respectivamen-te, e a 10 de Julho novamente na capital).

Resistir ao retrocesso, demitir o Governo, mudar de políticas

Lutaremos pelas 35 horas pelos salários e direitosMais de três mil trabalhadores de todo o continente e regiões autónomas da Madeira e Açores participaram na manifestação de 2 de Outubro, dando uma contundente resposta ao Governo que persiste no boicote à publicação dos acordos colectivos celebrados entre o STAL e as autarquias.

Derrotar a política de empobrecimentoA 30 de Maio, o Tribunal Constitucional

chumbou as normas do Orçamento de Es-tado de 2014 que impuseram cortes bru-tais nos rendimentos de trabalhadores, de-sempregados e pensionistas. No entanto, a inconstitucionalidade não teve efeitos retroactivos, penalizando assim as vítimas da ilegalidade.

Ao mesmo tempo, o Governo não acatou os argumentos do TC e contornou a deci-são, impondo os cortes salariais nas remu-nerações acima dos 1500 euros, que vigo-ram entre 2011 e final de 2013.

Lamentavelmente a medida teve o aval do TC, embora o colégio de magistrados tenha limitado a sua duração até ao final de 2015, frustrando o propósito do Go-verno de tornar os cortes permanentes. (ver pág. 7)

A ofensiva contra os trabalhadores da Administração Pública teve um novo de-senvolvimento com a publicação, a 20 de Junho, da Lei Geral do Trabalho em Fun-ções Públicas.

Como se afirma na resolução do Plenário da Frente Comum de Sindicatos da Admi-nistração Pública, realizado dia 19 de Se-tembro, «as políticas de direita tiveram co-mo resultado a redução do factor trabalho – ou seja, salários e remunerações – em 3,6 mil milhões de euros, enquanto o capital engordou 2,6 mil milhões de euros».

Só na Administração Local, durante a vi-gência deste Governo, foram eliminados mais de 25 mil postos de trabalho, ou seja um quinto do total.

Por efeito dos cortes de salários e subsí-dios, agravados pelo aumento de impostos e contribuições, o poder de compra dos trabalhadores teve neste período um corte médio superior a 20 por cento.

A política de compressão salarial, de des-truição dos serviços públicos e ataque ao poder local e ao regime democrático está a devastar o País. É pois imperioso forçar a de-missão do actual Governo, convocar eleições antecipadas e concretizar a ruptura com as políticas de direita.

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OUTUBRO 2014 3

Inimigos da democracia

Bastariam os brutais ataques à Saúde, Edu-cação e Segurança Social para que o Go-verno Passos/Portas e a maioria que o

suporta na Assembleia da República ficassem na história como os inimigos mais ferozes do regi-me democrático instituído com o 25 de Abril. Isto porque ao atacar direitos sociais elementares, os serviços públicos e os trabalhadores que os asse-guram, o Governo não está só a espoliar os por-tugueses, agravando as suas condições de vida e acentuando as desigualdades no País. Está também a violar abertamente a Constituição da República e a reduzir a democracia à sua expressão mínima, despojando-a do conteúdo fundamental em maté-ria de direitos económicos, sociais e culturais.

Outro vector da ofensiva contra o regime de-mocrático – escudada na troika e com a des-

culpa de alegadas dificuldades financeiras (se bem que nunca tenha faltado dinheiro para a Banca) – é a tentativa de sequestro dos órgãos de soberania e de perversão da organização política da sociedade, na qual o Poder Local constitui um dos seus pi-lares fundamentais. E se as escandalosas pressões sobre o Tribunal Constitucional vão ao ponto de provocar espanto no estrangeiro, onde semelhante atitude não seria sequer equacionável, a verdade é que os altos magistrados têm cedido a grande parte dos intentos do Governo Passos/Portas, em claro detrimento da legalidade e dos direitos dos por-tugueses. E o mesmo se pode dizer da pessoa do Presidente da República, ela própria com um pas-sado conflituoso com a democracia, tendo como primeiro-ministro classificado as decisões do TC de «obstáculo» ao desenvolvimento do País e os partidos da oposição de «forças de bloqueio».

A demolição em curso do regime democrático passa naturalmente pela tentativa de subjugar

o Poder Local, liquidando administrativamente a sua autonomia constitucional. Depois da extinção massiva de freguesias, ao arrepio da vontade dos eleitos e populações, depois da imposição da tute-la governamental aos municípios com dificuldades financeiras, depois da usurpação de competências municipais, designadamente no domínio da água – vem agora o Governo arrogar-se o direito de «ne-gociar» os acordos colectivos livre e legitimamente celebrados com os sindicatos. Vários municípios já repudiaram esta intrusão, não se deixaram intimi-dar e assinaram novos acordos que estabelecem o horário das 35 horas. O STAL saúda esta reacção dos eleitos, a única capaz de servir os interesses dos municípios, trabalhadores e populações.

Nesta batalha em defesa dos direitos laborais e sociais, do regime democrático e do Poder

Local, os trabalhadores, unidos no seu Sindicato – o STAL, têm um papel decisivo. Por isso é im-portante continuarmos mobilizados e fazer de 31 de Outubro uma grandiosa jornada de protesto. A luta continua!

Resistir ao retrocesso, demitir o Governo, mudar de políticasManifestação de 9 de Maio

Manifestação de 2 de Outubro

Manifestação contra a privatização da EGF a 6 de Junho

Plenário do STAL aprova moçãoSolidários com a Palestina

Combate às privatizações

A par da luta pelo horário de tra-balho, pelos salários e direitos, os trabalhadores da Administração Pú-blica estão empenhados no comba-te às privatizações, em particular da Empresa Geral do Fomento (EGF), cuja venda foi entretanto aprovada pelo Governo.

A 6 de Maio, o STAL entregou na AR uma petição com cerca de sete mil as-sinaturas, contra a alienação da EGF.

Com o mesmo objectivo, no dia 15 desse mês, sindicatos, autar-quias e associações de utentes apresentaram na sede nacional do STAL um manifesto e convocaram uma concentração para 6 de Junho junto à Assembleia da República.

Neste grande protesto, cerca de cinco mil trabalhadores, utentes e elei-tos autárquicos desfilam entre o Largo do Rato e a Assembleia da República.

A oposição à venda da EGF, bem como à concentração no sector das águas, conta com o apoio da gene-ralidade das autarquias, algumas das quais avançaram com acções para tribunal (ver pág. 10 e 11).

No plenário realizado dia 1 de Agosto frente ao Mi-nistério das Finanças, os trabalhadores aprovaram uma moção de solidariedade com o povo mártir pa-lestiniano, exortando ao fim do massacre em Gaza.

O texto condena a «criminosa ofensiva militar» contra a faixa de Gaza e recorda que o povo pales-tino «vive há mais de 60 anos sob a ocupação e a agressão do estado israelita».

Notando que não se trata de uma guerra, mas sim de «um massacre de populações indefesas que não têm sequer para onde fugir», a moção

aponta a duplicidade dos EUA, que, «hipocrita-mente, ao mesmo tempo que condenam os bom-bardeamentos, fornecem munições» a Israel, e acusa os países europeus e a NATO de «cumplici-dade e inacção».

O STAL exigiu ainda que o Governo português condene a agressão israelita, suspenda as relações comerciais com o regime sionista e desenvolva uma política consistente em defesa do direito inalienável do povo palestiniano à constituição de um Estado li-vre, soberano e independente.

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OUTUBRO 20144

✓ José Torres Jurista

Exigir a conversão dos contratos a termo

Roubar ao trabalho«Crise tirou 3,6 mil milhões aos salários e deu

2,6 mil milhões ao capital.»Dinheirovivo.pt, 21/06

1%«Um quarto da riqueza de Portugal está nas

mãos de 1% da população.»Público, 15/07

O mito da boa gestão privada«A falência do Grupo Espírito Santo (…), levanta a

dúvida sobre a sacrossanta tese neoliberal, segundo a qual “os privados estão mais vocacionados e são mais competentes para gerir as empresas do que o Estado”. Esta tese, que parece ter pés de barro, tem levado à última sanha de privatizações, muitas vezes de empresas do Estado que apresentavam lucros, como os CTT ou a ANA. Até a Caixa Geral de Depósitos esteve nesta lista de património público a passar para as mãos da “iniciativa privada”.»

Tomás Vasques, Jornal I, 28/07

Um governo que destrói o País«Desde o 25 de Abril que não há Governo

mais intolerante e intolerável do que este, e os malefícios que tem provocado ao País registam-se como uma sinistra nota: desemprego, suicídios, fuga de milhares e milhares de jovens para o estrangeiro, encerramento de escolas e de tribunais, desertificação acelerada do interior do País, ataque ao mundo do trabalho, menos alunos no secundário e no universitário, venda ao desbarato de empresas públicas, escândalos consecutivos na banca, descrédito nas instituições, ataques absurdos ao Tribunal Constitucional, cortes constantes nos salários e nas pensões, ruína moral e desespero sem remissão. Em três anos, este Executivo pôs em prática uma calamidade, com a colaboração do dr. Cavaco, cuja balança política pende para um só lado.»

Baptista Bastos, Jornal Negócios, 18/07

A factura«Já se percebeu tudo. O Estado vai meter ou

garantir milhares de milhões no BES. A factura que Ricardo Salgado e a sua trupe deixam é incalculável. Pode começar em 3 ou 4 mil milhões, mas pode acabar nuns 15 mil milhões. Seja o que for, será sempre à custa dos contribuintes.»

Eduardo Dâmaso, Correio da Manhã, 3/08

Esta política não é para jovens«Em 2012 estima-se em cerca de 26 mil, o

número de jovens emigrantes permanentes (50% do total) e em cerca de 27 mil os jovens emigrantes temporários (39%). Entre 2011 e 2013 (…),a taxa de desemprego dos jovens foi de 26,3% em média nesse período, quase o dobro da taxa de desemprego total. Os jovens dos 15 aos 29 anos têm rendimentos do trabalho inferiores à média nacional e essa diferença tem aumentado.»

INE – Instituto Nacional Estatística, 11/08

A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de Junho, em vigor desde 1 de Agosto, veio nivelar por baixo os direitos dos trabalhadores, mantendo as normas discriminatórias relativas aos contratos a termo na Administração Pública.

Segundo o Governo, a nova lei visava essen-cialmente a convergência da legislação labo-ral na Administração Pública com o Código

do Trabalho. Porém, tal convergência apenas se ve-rifica quando se trata de reduzir direitos.

Assim, a nova lei mantém a velha proibição da con-versão dos contratos a termo em contratos por tempo indeterminado (artigo 63.º da LGTFP). Nesta matéria, o Governo não quis concretizar qualquer convergência.

Se o fizesse, reconhecendo a intolerável precarie-dade em que laboram milhares de trabalhadores, to-das as situações irregulares, encobertas por supos-tos contratos a termo ou a «recibo verde», como se diz na gíria, converter-se-iam em contratos sem ter-mo, como impõe o Código do Trabalho.

Todavia, como se constata, o princípio da «conver-gência» só é aplicado pelo Governo quando muito bem lhe convém!

Em consequência desta norma discriminatória, so-mos frequentemente confrontados com situações de trabalhadores, em muitos casos com longos anos de serviço prestado, supostamente contratados, que são despedidos ou correm o risco de o serem.

Isto porque as respectivas autarquias não reconhe-cem a posse formal de um vínculo jurídico adequado, alegando, nomeadamente, que a sua admissão não se processou através de um concurso de ingresso.

É uma situação intolerável e desumana, a todos os títulos inadmissível, que atinge trabalhadores que, ao longo de vários anos, por vezes uma vida de tra-balho, têm servido a causa pública.

Há casos nalgumas freguesias em que sempre fo-ram os únicos trabalhadores dos respectivos qua-dros, e agora vêem-se tratados como meros objec-tos descartáveis.

Despedimentos abusivos

Apesar do estipulado na lei, o STAL tudo tem fei-to para impedir estes despedimentos, apresentando providências cautelares e valendo-se da argumenta-ção e decisões que têm sido tomadas pelos tribunais.

A este respeito salientam-se em particular a Reco-mendação n.º 4-A/2003 do Provedor de Justiça e os Acórdãos da Relação do Porto de 26/4 e 3/5/2010.

Estes acórdãos realçam nomeadamente que a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo não contraria o disposto na Constituição, que determina que o acesso à função pública se efectua, em regra, através de concurso (artigo 47.º, n.º 2).

Pelo contrário, conforme as deliberações dos juí-zes, a norma que proíbe a conversão em contratos sem termo, essa sim é inconstitucional, por violação do princípio da segurança de emprego (artigo 53.º).

Também o Provedor de Justiça, na referida Reco-mendação relativa a uma trabalhadora com cerca de seis anos de serviço, concluiu que o seu despedi-mento foi ilegal e que a «situação de agente de facto deve considerar-se convertida em direito, adquirindo assim o direito ao lugar».

Esta é pois uma frente em que o Sindicato conti-nuará a lutar pelos legítimos direitos dos trabalhado-res, impedindo que sejam vítimas de despedimento, após longos anos de serviço em funções de nature-za permanente.

Deste modo, são de combater os propósitos pre-tensamente legalistas de alguns eleitos autárquicos que alegam a «irregularidade» da ausência de «vín-culo jurídico adequado» para procederem ao despe-dimento de trabalhadores que estão efectivamente vinculados, mesmo que formalmente sejam contra-tados a termo, tarefeiros, avençados, ou outra coi-sa qualquer!

Lei geral do trabalho em funções públicas

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OUTUBRO 2014 5

Cerca de meio milhar de acordos que consagram o horário semanal das 35 horas foram assinados entre o STAL e diversas entidades autárquicas. A luta prossegue pela sua aplicação integral.

Após quase um ano bloqueio da publicação dos acordos colec-tivos de empregador público

(ACEP), o Governo emitiu em 26 de Se-tembro um comunicado em que invo-ca um parecer Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o qual, alegadamente, lhe daria cobertura para se intrometer e «negociar» com as au-tarquias os ACEP que estas celebraram com os sindicatos.

Na verdade trata-se de mais uma ma-nobra do Governo para esconder o ro-tundo fracasso da sua ofensiva com vis-ta a generalizar o horário das 40 horas em toda a Administração Pública, in-cluindo as autarquias, e assim abrir ca-minho ao aumento da carga horária no sector privado.

Para isso, o Governo não hesita em afrontar a autonomia constitucional das autarquias e imiscuir-se flagrantemente nas suas competências definidas por lei, uma das quais é precisamente a gestão e organização dos seus trabalhadores.

Será que o Governo pretende discutir com as autarquias qual o horário mais adequado para os transportes urba-nos, um cemitério ou para os serviços de recolha de lixo de um determinado município?

Recorde-se a este propósito que o Tri-bunal Constitucional, ao validar a lei do aumento do horário de trabalho para as 40 horas na Administração Pública, su-blinhou expressamente que o diploma não pode sobrepor-se ao direito de ne-

gociação ou impedir «a consagração, por via de negociação colectiva, de alte-rações ao novo período normal de traba-lho dos trabalhadores em funções públi-cas, em sentido mais favorável a esses trabalhadores».

Fica pois claro que esta tentativa de-sesperada do Governo de interferir nos ACEP desrespeita o acórdão do TC e colide com os princípios da autonomia do poder local e do direito à contratação colectiva.

Autarquias repudiam ingerência

Rejeitando claramente a ingerência do Governo, várias autarquias assinaram novos acordos poucos dias depois do referido comunicado e da divulgação do conteúdo do parecer do Conselho Con-sultivo da PGR.

Em Coimbra, no dia 30 de Setembro, o STAL celebrou com o município um acor-do que fixa as 35 horas para o universo de dois mil trabalhadores da autarquia.

Na ocasião, o edil assinalou que nos locais onde se passou das 35 para as 40 horas semanais de trabalho aumen-tou a despesa pública e não aumentou a produtividade, considerando «histórico» o momento da assinatura dos acordos.

Sobre o comunicado do Governo, Ma-nuel Machado, também presidente da Associação Nacional de Municípios Por-tugueses, qualificou-o como um ataque à autonomia local e uma «intrusão do Governo» que faz lembrar «tempos da velha senhora».

No mesmo dia, o Sindicato assinou outro acordo similar com o Município de Pampilhosa da Serra.

Pela sua parte, o STAL continuará a bater-se pelas 35 horas semanais e sete horas diárias, considerando que as autar-quias são as únicas entidades legítimas para celebrar estes acordos colectivos.

Em mais de dois terços das autarquias os trabalhadores conseguiram manter o horário das 35 horas (na foto: concentração de 1 de Agosto frente ao MF)

Trabalhadores e autarquias recusa intrusão do Governo

Acordos das 35 horas valem!

Os trabalhadores dos serviços de recolha de lixo da Câmara de Coimbra rea-lizaram uma greve de qua-tro dias, entre 30 de Maio e 2 de Junho, reclamando que a autarquia cumpra a sentença do Tribunal e pa-gue o trabalho em dívida.

A origem do conflito re-monta a 2006, quando os trabalhadores foram obri-gados a prestar três horas e meia por semana acima do horário legal, regime que se manteve até 2012. Durante esse período não receberam qualquer com-pensação pelo trabalho suplementar, situação que continuar por resolver, mal-grado a decisão judicial fa-vorável aos trabalhadores.

Com efeito, não satisfei-ta com a sentença em pri-

meira instância, a autarquia pediu uma clarificação da decisão e depois recorreu para o Tribunal Central Ad-ministrativo, prejudicando assim os legítimos interes-ses dos trabalhadores.

A greve teve uma ade-são total, terminando com uma concentração frente aos Paços do Concelho.

Vio lando grosse i ra-mente a lei da greve, a Câmara contratou uma

empresa privada para a recolha em algumas arté-rias da cidade. No entan-to, não conseguiu evitar que o lixo se acumulasse na maioria das zonas da cidade.

Loures e Odivelas criam SIMAR

Gestão pública garantida

As assembleias municipais de Loures e Odive-las aprovaram, dia 30 de Setembro, a deliberação final de criação dos Serviços Intermunicipalizados de Água e Resíduos dos dois municípios.

A nova estrutura (SIMAR) deverá entrar em ple-no funcionamento ainda durante o mês de Outu-bro, servindo cerca de 350 mil pessoas nos dois concelhos.

Recorde-se que os SIMAR resultaram de um acordo alcançado em Abril passado, entre o pre-sidente da Câmara de Loures, Bernardino Soares (CDU) e a de Odivelas, Susana Amador (PS), pon-do fim a um diferendo que se arrastava desde a constituição do município de Odivelas e a sua se-paração do concelho de Loures.

Mas para além de regularizar divergências so-bre a divisão do património municipal, a criação dos Serviços Intermunicipais permitiu travar o processo de privatização da água, saneamento e resíduos em Odivelas, e assegurar uma alternati-va de gestão pública que beneficiará os dois mu-nicípios e respectivas populações.

A CM de Coimbra continua sem pagar o que deve aos trabalhadores da Higiene e Limpeza

Greve a 100% em Coimbra Câmara atrasa pagamento

Page 6: Jornal n.º 109

OUTUBRO 20146

Logo após o dia 25 de Abril de 1974, soltas as amarras de meio século de ditadura, os trabalhadores das autarquias locais lançaram-se à reconquista da dignidade usurpada e, por todo o País, construíram os alicerces sobre os quais assenta hoje esta grande organização de que todos nos orgulhamos.

Logo após o 25 de Abril, che-guei de Paris, onde fui «obri-gado a residir», para partici-

par na fantástica manifestação do primeiro 1.º de Maio em liberdade.

Tinha alguns contactos com qua-dros da CGTP, nomeadamente com um dos seus dirigentes históricos, Vítor Ranita, presidente do poderoso Sindicato dos Metalúrgicos do Porto.

No dia 2 de Maio, almoçámos na Casa do Alentejo e falámos demora-damente sobre o papel do sindicalis-mo no futuro Poder Local e as possi-bilidades de se criar uma organização sociolaboral nas câmaras municipais.

Imediatamente após as mani-festações de Maio, constituiu-se a organização pró-sindical da Admi-nistração Pública e Local, através da qual foram promovidos plená-rios em Lisboa, Setúbal, Coimbra, Leiria, Braga, Foz do Arelho, Praia Grande, Santarém e Tavira.

Discutia-se as formas e meios pa-ra criar uma estrutura representativa dos trabalhadores da Administração Local, que poderia assumir ou não o estatuto de «organização sindical», com todas as cautelas, porque es-tas estruturas estavam formalmente proibidas na Administração Pública.

O primeiro núcleo tinha uma for-te presença de chefes de Secreta-ria, circunstância que, pelo menos, tinha a vantagem de nos garantir transportes e meios para impressão de documentos.

Recordo-me, por exemplo, de José Gameiro, chefe de Secretaria do Go-verno Civil de Setúbal, Inácio Marta Salgado, chefe de Secretaria do Go-verno Civil de Santarém, do Graça, chefe de Secretaria de Vila da Feira, do Rodrigues Costa, chefe de Servi-ços do Turismo Câmara de Coimbra, da Luísa Dionísio, uma mulher de Al-cobaça com uma garra enorme, entre outros desde Bragança ao Algarve.

Por outro lado, a influência das chefias, que sempre estiveram per-to das antigas administrações, tra-duzia-se em visões díspares sobre a futura organização.

Os «chefes clássicos» pretendiam abafar o movimento ou estratifica--lo, na base de uma visão corpora-tivista, mas depressa perceberam que ficariam isolados.

A corrente que ganhava força de-fendia a criação de um sindicato nacional e vertical, de massas e de classe, e este ponto de vista, pelo qual me bati, prevaleceu. A ideia de criar um sindicato em cada região, designadamente no Norte, Centro e Sul, não vingou, impondo-se o espí-rito de unidade que marcaria a ima-gem futura do Sindicato.

De igual modo, vieram a ser der-rotados aqueles que preconizavam uma organização sindical por sec-tores profissionais, de forma hori-zontal, agrupando os administrati-vos, os engenheiros, etc.

O Sindicato haveria de represen-tar sem distinção, desde o trabalha-dor da limpeza até ao engenheiro.

No entanto, as dúvidas sobre a pos-sibilidade de criar um sindicato vertical de massas permaneceram até à cria-ção do sindicato, só desaparecendo face à forte e rápida adesão dos traba-lhadores à organização sindical.

Um sindicato nacional

Aos poucos também se impôs uma estrutura orgânica assente em direcções distritais, ficando claro, logo no Outono de 1974, que não se pretendia uma federação com 22 sindicatos, mas um sindicato único com 22 direcções distritais.

A primeira estrutura nacional foi integrada por quadros das organi-

zações distritais mais fortes, caso de Coimbra, Lisboa, Setúbal, Por-to ou Leiria.

No início de 1975, a Pró-Sindical já estava mais estruturada. E em Abril, nos dias 19 e 20, em Tavira, teve lu-gar o plenário que decidiu finalmente avançar para a constituição do sin-dicato. Foi também nessa reunião que se elegeu a primeira Comissão Coordenadora (provisória).

Em 14 de Junho foi divulgada a base estatutária; a 3 de Julho anunciou-se o local da Assembleia Constituinte, no Palácio de Cristal do Porto, e distribuiu-se as bases eleitorais. No momento da consti-tuição já havia mais de dez mil fi-chas de inscrição, representando 440 locais de trabalho

A 24 de Agosto de 1975 realizou-se finalmente a Assembleia Constituin-te, culminando um amplo movimen-to encetado por trabalhadores das autarquias, que tomaram em mãos a árdua tarefa de erguer uma organiza-ção de classe, representativa de to-dos os trabalhadores do sector.

A base estatutária foi votada por sufrágio secreto. Eis os resultados da votação: 1573 a favor, 13 con-tra e 7 nulos. Seguiu-se a votação dos estatutos (de braço no ar) ten-do obtido um resultado favorável esmagador.

Pelas 18.30 horas foi encerrada a assembleia. Estava criado o Sindica-to Nacional da Administração Local.

A partir desse momento a adesão foi estrondosa. Se em Novembro de 1974 havia mais de quatro mil inten-ções de adesão, no final de 1975 o Sindicato já tinha 16 995 associa-dos. O STAL continuou a crescer nas décadas seguintes afirmando--se como um dos maiores sindica-tos do País.

✓ António Marques

Como vivi o nascimento do STAL

Escola Nacional de Bombeiros

Regulamento corrigido

Os trabalhadores da Escola Nacional de Bombeiros (ENB) mobilizaram-se recentemente contra o novo re-gulamento interno que lhes retirava direitos. Após a realização de vários plenários promovidos pela Direc-ção Regional de Lisboa do STAL, o Sindicato apresen-tou uma contraproposta de regulamento que foi aceite pela direcção da instituição.

Todavia, já após a resolução do conflito, o dirigente sindical do STAL na ENB foi alvo de um processo dis-ciplinar, que o Sindicato qualifica de persecutório, cor-rendo o risco de ser sancionado com 30 dias de sus-pensão sem direito a vencimento. O STAL condena es-te acto de intimidação, sublinhando que tudo fará para defender o trabalhador.

TratoLixo

Subsídio repostoSem qualquer justificação, a TratoLixo, empresa se-

deada no concelho de Cascais, reduziu o subsídio de refeição aos seus trabalhadores de 6,41 euros para 4,27 euros.

A medida foi aplicada logo em Janeiro deste ano, mas só posteriormente chegou ao conhecimento do Sindicato, num plenário realizado na empresa.

A Direcção Regional de Lisboa protestou junto da administração e mobilizou os trabalhadores para a luta pela reposição do valor devido.

Dando a mão palmatória, a administração admitiu o erro e, em Junho último, repôs o subsídio integral, res-sarcindo os trabalhadores com os devidos retroactivos desde Janeiro.

Limpezas de Cascais

Despedimento evitado

A Direcção Regional de Lisboa do STAL, em conjunto com a Comissão Sindical da CM de Cascais, evitou o despedimento de 40 trabalhadoras da empresa de lim-pezas NumberOne, conseguindo a sua integração na E.M. CascaisPróxima.

A situação surgiu na sequência da decisão da autar-quia de rescindir o contrato de prestação de serviços com aquela empresa.

O Sindicato apresentou então uma proposta ao presi-dente da Câmara para que as trabalhadoras da limpeza fossem integradas na empresa municipal, lembrando que algumas tinham mais de 15 anos de serviço.

Após várias rondas de negociações e plenários foi fi-nalmente alcançado um acordo que manteve todos os postos de trabalho e assegurou condições mais vanta-josas para as trabalhadoras.

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OUTUBRO 2014 7

O acórdão do Tribunal Constitucional (TC) considerou que os

cortes nos salários, nos sub-sídios de doença e de de-semprego, bem como nas pensões de sobrevivência violavam princípios funda-mentais como da igualdade e da proporcionalidade.

A decisão constituiu mais um pesado revés para o Governo e uma inequívoca vitória da luta dos trabalha-dores. Todavia, a maioria dos juízes da suprema ins-tância ficou longe de repor a devida justiça.

Tal como já anteriormen-te acontecera perante nor-mas inconstitucionais, o TC resolveu dar mais uma borla ao Governo, permi-tindo que a reposição dos cortes salariais fosse apli-cada somente a partir da data do acórdão, sem efei-tos retroactivos.

Esta polémica decisão foi de resto contestada nas de-clarações de voto de alguns juízes, nomeadamente na da juíza conselheira Catari-na Sarmento e Castro.

Como notou a magistra-da, se «os sacrifícios im-postos» são inconstitucio-nais e não podem ser justi-ficados pela evocação do «interesse público», então os valores retirados desde o início do ano deviam ser recuperados integralmente pelos seus destinatários, vítimas das medidas «vio-ladoras da Constituição».

A lógica assim obrigaria, tanto mais que, sublinhou

ainda a juíza, «entre estes destinatários encontram--se pessoas já em situação de grande carência, como aqueles que auferem ren-dimentos mais baixos, de-signadamente os que pas-saram a ser afectados pela redução salarial em 2014.»

Outra medida de gritante injustiça, que teve a com-placência do colectivo de juízes, foi a suspensão do pagamento de comple-mentos de pensões nas empresas públicas que te-nham apresentado resulta-

dos líquidos negativos nos últimos três anos.

Por uma maioria tangen-cial, é certo, (sete contra seis), o TC frustrou as legí-timas expectativas desses pensionistas, que foram assim espoliados de remu-nerações que lhes foram garantidas no momento da sua passagem à reforma.

O princípio da confian-ça foi assim espezinha-do, mas outros princípios podiam ser evocados co-mo o da igualdade. Além disso, pergunta-se, que

responsabilidades têm os pensionistas nos resulta-dos de empresas públicas, cujos administradores são nomeados pelo Governo?

Passos/Portas no contra-ataque

Vencido estrondosa-mente pela enésima vez no Tribunal Constitucio-nal, o Governo de Passos/Portas rapidamente lan-çou nova ofensiva contra os trabalhadores, numa afronta clara não só ao

Órgão Fiscalizador, como à própria Lei Fundamental.

Assim, a 25 de Julho, a maioria PSD/CDS-PP apro-vou a aplicação de cortes salariais, entre 3,5 e dez por cento, nas remunerações dos trabalhadores do sector público, cujos valores ultra-passem 1500 euros.

Recorde-se que esta medida vigorou entre 2011 e 2013 com a complacên-cia do Tribunal Constitu-cional, que avalizou os cortes salariais impostos ainda pelo Governo «so-cialista» de José Sócrates.

O aval então dado pe-lo TC foi explorado pelo actual Governo, alegan-do que apenas recorreu a uma medida já considera-da constitucional. Porém, mesmo nesse condenável acórdão (396/2011, de 21 de Setembro), o TC deixou claro que «as reduções re-muneratórias tinham ca-rácter transitório» e se in-seriam numa «conjuntura de absoluta excepciona-lidade, do ponto de vista da gestão financeira dos recursos públicos».

Ora, passados quase quatro anos e terminado o chamado «programa de assistência financeira», tais argumentos não po-diam ser evocados pelo Governo. A imposição de cortes salariais tinha o ob-jectivo claro de os tornar permanentes, perspectiva que apesar de tudo o Tri-bunal Constitucional recu-sou (ver caixa).

«Tabela única»

Acresce que, do mesmo diploma, constam diver-sas outras medidas, umas que não passam de falacio-sas promessas próprias de campanhas eleitorais, ou-tras altamente nefastas co-mo é o caso da integração na chamada «Tabela Úni-ca» de carreiras, cargos e corpos especiais que ainda não foram revistos, ao abri-go da Lei 12-A/2008.

Dado que esta integração é feita sem que previamente se estabeleçam as respec-tivas posições e níveis re-muneratórios, tal significa a total destruição da estrutura dessas «carreiras».

Num outro diploma, tam-bém já aprovado pela As-sembleia da República, a chamada Contribuição Extraordinária de Solida-riedade aplicada aos re-formados e pensionistas é alvo de uma operação de cosmética, passando a designar-se «contribuição de sustentabilidade».

O mesmo diploma tam-bém aumenta a taxa con-tributiva para a CGA em 0,2 por cento e em igual percentagem para o regi-me geral da Segurança So-cial. Em suma, impõem-se novos sacrifícios aos tra-balhadores e pensionistas.

As medidas descritas e outras que estão na forja atentam abertamente contra a Constituição da República, com consequências devas-tadoras para os cidadãos.

A redução de salários e pensões e outros impor-tantes direitos, incluindo a devastação de serviços públicos essenciais, em particular na Educação e na Saúde, são factores que agravarão ainda mais a situação social degra-dante já existente.

Neste contexto, é im-perioso lutar contra esta política revanchista de um governo fora da lei.

Derrotados intentos mais gravosos do Governo Decisão indissociável da luta

O acórdão do Tribunal Constitucional (TC), conhecido a 14 de Agosto, decla-rou inconstitucional a contribuição de sustentabilidade para os pensionistas e limitou a duração dos novos cortes salariais no sector público.

A decisão do TC é mais uma derrota do Governo e do Presidente da Repúbli-ca, que pediu a fiscalidade preventiva das novas medidas, na medida em que não poderá continuar penalizar os pensionistas, nem tornar permanentes os cortes salariais no sector público.

O colégio de magistrados considerou que a «contribuição de sustentabilida-de» (um substituto da «anterior «contribuição de solidariedade»), viola o princípio da confiança, dado que frustrava de forma permanente «a legítima expectativa dos pensionistas de verem reconhecidos e consolidados os direitos adquiridos».

No que respeita os cortes entre 3,5 e dez por cento nas remunerações superiores a 1500 euros, o TC revelou uma inaceitável ambiguidade de critérios: declarou a sua inconstitucionalidade a partir de 2016, mas admitiu-os no presente e próximo ano.

Apesar disso, como na altura salientou a CGTP-IN, «a declaração de incons-titucionalidade não é dissociável da luta que os trabalhadores e os reformados e pensionistas desenvolveram contra estas medidas»

A Intersindical reiterou que «os problemas do País não se resolvem com me-didas ditas de austeridade, como cortes salariais e de pensões, aumentos de impostos e restrições de direitos, mas sim com a renegociação da divida, in-cluindo prazos, montantes e juros, em simultâneo com a adopção de políticas diferentes, que promovam a dinamização do sector produtivo, o crescimento económico, a criação de mais e melhor emprego, o aumento dos salários e das pensões, a justiça social e o desenvolvimento do País».

✓ José TorresTC chumbou cortes, mas tolerou outras injustiças

Governo prossegue política de roubo aos trabalhadoresO Tribunal Constitucional, no seu acórdão de 30 de Maio, declarou inconstitucionais as normas do Orçamento de Estado que impuseram cortes brutais nos rendimentos de trabalhadores, desempregados e pensionistas, mas deu cobertura a várias injustiças que violam claramente princípios constitucionais. Vendo fechada a porta, o Governo entrou pela janela para consumar o assalto aos trabalhadores. O Governo voltou a impor cortes nas remunerações acima de 1500 euros

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8 /OUTUBRO 2014

À primeira vista pode parecer confuso, mas as medidas aplicadas nos últimos

três anos, alegadamente para salvar o País, não são mais do que a continuação, em modo acelerado, das políticas seguidas pelos sucessivos governos nos últimos 38 anos, que levaram o País para o abismo.Por isso, os trabalhadores não podem aceitar que aqueles que fizeram o mal venham agora fazer a caramunha. Isto é, que aqueles que têm delapidado o povo e o País procurem enjeitar responsabilidades, fingindo-se vítimas da situação que criaram e queixando-se de uma intervenção estrangeira por eles pedida.Na realidade, a origem dos problemas actuais remonta ao início da contra-revolução, ao ataque às conquistas de Abril, às privatizações em benefício dos grupos

económicos, à reconstituição dos monopólios privados nos sectores estratégicos, como a energia, as telecomunicações ou a banca, à destruição de sectores industriais, das pescas e da agricultura.Inevitavelmente, a entrega do património público a mãos privadas fez-se acompanhar desde logo pelo ataque aos direitos dos trabalhadores e reformados, à segurança social, à educação pública, ao serviço nacional de saúde, ao poder local democrático.

A sanha destruidora

O rasto de destruição deixado pelo actual Governo no poder local não tem precedentes desde o 25 de Abril de 1974:– Em tempo recorde, o Governo impôs uma reforma que extinguiu 1167 freguesias;

✓ José Alberto Lourenço Economista

Três anos de ofensiva contra os trabalhadores e o poder local

Salvar o país exige mudança radical de políticas

O ataque à Administração Local e aos seus trabalhadores iniciou-se muito antes da troika nacional (PS/PSD/CDS-PP) ter assinado o pacto de agressão com a troika estrangeira. No entanto, a intensificação desta ofensiva nos últimos três anos justifica um primeiro balanço da devastação causada, a coberto do chamado «programa de assistência».

– Foram eliminados 25 490 postos de trabalho na Administração Local, ou seja, uma redução de 20,8 por cento, entre o final de 2010 e Junho deste ano;– Ao congelamento das remunerações de 2009, seguiu-se a brutal redução e eliminação de salários e subsídios; – Apertou-se ainda mais o garrote financeiro aos municípios, a

Os cortes salariais têm sido tantos e tão variados nes-tes quatro últimos anos que se torna difícil aos trabalhado-res determinar a sua real dimensão. O certo é que quando olham para a folha de salário mensal verificam que o valor da remuneração está constantemente a mudar. Ou porque o salário levou um corte, ou porque o IRS subiu, ou porque aumentaram os descontos para a ADSE, ou porque o Go-verno decidiu diluir subsídio de Natal pelos 12 meses do ano para «atenuar» o efeito psicológico dos cortes salariais e da subida das contribuições.

Com base na informação divulgada pela Direcção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) através das Sínteses de Estatísticas do Emprego Público, e utili-zando uma metodologia idêntica à que o economista Eu-génio Rosa usou para determinar a evolução salarial nes-te período em toda a Administração Pública, procurámos calcular a dimensão dos cortes salariais no universo da Administração Local, considerando os principais grupos profissionais, entre 2010 e 2014.

Como se pode ver no Quadro I, o ganho médio mensal líquido dos 110 398 trabalhadores da Administração Local, que corresponde ao dinheiro que mensalmente levam para casa, em termos globais caiu 20,3 por cento desde 2010.

Para esta queda contribuiu a redução em 7,1 por cento da remuneração bruta mensal, o aumento de 29,1 por cen-to do IRS, a subida de 116,9 por cento dos descontos para a ADSE e finalmente a inflação acumulada neste período, que foi de 6,6 por cento.

Só nestes últimos quatro anos, os trabalhadores da Ad-ministração Local perderam em média um quinto do seu salário real mensal.

Por grupos profissionais, vemos que, no mesmo perío-do, os 2473 dirigentes intermédios da Administração Lo-cal (Quadro II) viram o seu ganho médio mensal cair 25,7

Trabalhadores perdem mais de um quinto do poder de compra

O ataque aos salários

Em três anos, o Governo reduziu salários, retirou direitos e destruiu postos de trabalho

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9/OUTUBRO 2014

Três anos de ofensiva contra os trabalhadores e o poder local

Salvar o país exige mudança radical de políticas

Quadro I – Remuneração Líquida Total Nominal em 2010 e 2014 e variação do poder de compra na Administração Local entre 2010 e 2014

Rúbricas 2010 2014Var. percentual do Ganho médio mensal nominal

2011 - 2014

Ganho médio mensal nominal ilíquido 1 099 € 1 022 € -7,1%

IRS (taxa de retenção de 9,0% em 2010 e de 12,5% em 2014 - 2 titulares e um filho) 99 € 128 € 29,1%

CGA (11%) 121 € 112 € -7,1%

ADSE (taxa de desconto de 1,5% em 2010 e 3,5% em 2014) 16 € 36 € 116,9%

Sobretaxa de IRS - 3,5% 0 € 9 €

Ganho nominal Líquido 863 € 737 € -14,7%

Ganho médio mensal líquido de 2014 a preços de 2010 688 €

Variação do poder de compra médio entre 2010 e 2014 -20,3%

Quadro II – Remuneração Líquida Total Nominal em 2010 e 2014 e variação do poder de compra de um dirigente intermédio da Administração Local entre 2010 e 2014

Rúbricas 2010 2014Var. percentual do Ganho médio mensal nominal

2011 - 2014

Ganho médio mensal nominal ilíquido 2 807 € 2 527 € -10,0%

IRS (taxa de retenção de 23,5% em 2010 e de 27,5% em 2014 - 2 titulares e um filho) 660 € 695 € 5,3%

CGA (11%) 309 € 278 € -10,0%

ADSE (taxa de desconto de 1,5% em 2010 e 3,5% em 2014) 42 € 88 € 110,1%

Sobretaxa de IRS - 3,5% 0 € 36 €

Ganho nominal Líquido 1 797 € 1 430 € -20,4%

Ganho médio mensal líquido a preços de 2010 1 336 €

Variação do poder de compra médio entre 2010 e 2014 -25,7%

Quadro III – Remuneração Líquida Total Nominal em 2010 e 2014 e variação do poder de compra de um técnico superior da Administração Local entre 2010 e 2014

Rúbricas 2010 2014Var. percentual do Ganho médio mensal nominal

2011 - 2014

Ganho médio mensal nominal ilíquido 1 650 € 1 495 € -9,4%

IRS (taxa de retenção de 15,5% em 2010 e de 18,5% em 2014 - 2 titulares e um filho) 256 € 277 € 8,2%

CGA (11%) 181 € 164 € -9,4%

ADSE (taxa de desconto de 1,5% em 2010 e 3,5% em 2014) 25 € 52 € 111,5%

Sobretaxa de IRS - 3,5% 0 € 18 €

Ganho nominal Líquido 1 188 € 984 € -17,1%

Ganho médio mensal líquido a preços de 2010 919 €

Variação do poder de compra médio dos trabalhadores da Administração Local entre 2010 e 2014 -22,6%

Quadro IV – Remuneração Líquida Total Nominal em 2010 e 2014 e variação do poder de compra de um assistente técnico/administrativo da Administração Local entre 2010 e 2014

Rúbricas 2010 2014Var. percentual do ganho médio mensal nominal

2011 - 2014

Ganho médio mensal nominal ilíquido 1 029 € 953 € -7,3%

IRS (taxa de retenção de 8,0% em 2010 e de 11,5% em 2014 - 2 titulares e um filho) 82 € 110 € 33,2%

CGA (11%) 113 € 105 € -7,3%

ADSE (taxa de desconto de 1,5% em 2010 e 3,5% em 2014) 15 € 33 € 116,2%

Sobretaxa de IRS - 3,5% 0 € 8 €

Ganho nominal Líquido 818 € 697 € -14,7%

Ganho médio mensal líquido a preços de 2010 651 €

Variação do poder de compra médio entre 2010 e 2014 -20,4%

Quadro V – Remuneração Líquida Total Nominal em 2010 e 2014 e variação do poder de compra de um assistente operacional/operário/auxiliar da Administração Local entre 2010 e 2014

Rúbricas 2010 2014Var. percentual do ganho médio mensal nominal

2011 - 2014

Ganho médio mensal nominal ilíquido 802 € 746 € -7,0%

IRS (taxa de retenção de 6,0% em 2010 e de 7,5% em 2014 - 2 titulares e um filho) 48 € 56 € 16,2%

CGA (11%) 88 € 82 € -7,0%

ADSE (taxa de desconto de 1,5% em 2010 e 3,5% em 2014) 12 € 26 € 116,9%

Sobretaxa de IRS - 3,5% 0 € 5 €

Ganho nominal Líquido 654 € 577 € -11,7%

Ganho médio mensal líquido a preços de 2010 539€

Variação do poder de compra médio entre 2010 e 2014 -17,6%

Fonte: Sínteses Estatísticas do Emprego Público 2.os trimestres 2012 e 2014 (DGAEP)

por cento, ou seja uma quebra real de um quarto do seu salário mensal.

Por sua vez, os 18 552 técnicos superiores da Adminis-tração Local (Quadro III) sofreram uma quebra real no seu salário de 22,6 por cento. Esta redução foi de 20,4 por cen-to para os 26 524 assistentes técnicos (Quadro IV).

Situação degradante

Por último, os assistentes operacionais/operários/auxi-liares (Quadro V), o grupo profissional mais numeroso da Administração Local com 55 543 trabalhadores, sofreram uma queda real mensal do seu salário de 17,6 por cento.

Estes trabalhadores, que representam 50,3 por cento do universo dos trabalhadores da Administração Local, têm hoje um salário real a preços de 2010 de apenas 539 euros, valor ligeiramente superior ao salário mínimo men-sal (485 euros).

Além disso, foram particularmente penalizados pela re-dução do número e valor das horas extraordinárias, com que mitigavam o seu salário miserável à custa de um es-forço suplementar.

Como os quadros mostram, a remuneração média men-sal líquida da Administração Local situa-se hoje nos 697 euros, valor que inclui 94 euros de subsídio de almoço.

A situação salarial degradante que hoje se vive na Admi-nistração Local é bem o espelho da ofensiva movida pelo actual Governo contra os trabalhadores e o povo em geral.

Para os trabalhadores da Administração Local, para os eleitos autárquicos e para as populações que sofrem na pele a falta de recursos humanos e financeiros das autar-quias locais, o fim deste Governo e destas políticas pros-seguidas nas últimas décadas constitui imperativo nacio-nal inadiável.

quem o Governo retirou mais de 1300 milhões de euros só entre 2010 e 2013;– Foi aprovado o Fundo de Apoio Municipal (FAM), que é um novo instrumento de roubo de recursos à Administração Local, de destruição de políticas públicas e de emprego público, e um claro atentado à autonomia do poder local consagrada na Constituição da República.

Trabalhadores perdem mais de um quinto do poder de compra

O ataque aos salários

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OUTUBRO 201410

Soure: prestação de serviços de recolha de re-síduos sólidos urbanos, fornecimento, colocação, manutenção, lavagem e desinfecção de contento-res; contratos por três anos, no valor de 780 mil euros; concurso lançado em 6 de Junho.

SIMRIA: recolha, transporte e encaminhamento para compostagem de lamas das ETAR; contrato por três anos, no valor de 556 200 euros; concur-so lançado em 7 de Julho.

Vila Nova de Famalicão: prestação de serviços para recolha de resíduos sólidos; contrato por dez anos, no valor de 18 172 500 euros; concurso lan-çado em 11 de Julho.

Águas do Município do Porto: recolha, trans-porte, tratamento e destino final de 30 mil tonela-das de lamas; contrato por três anos, no valor de 807 mil euros; concurso lançado em 11 de Julho.

Águas do Algarve: prestação de serviços de opera-ção e manutenção do sistema multimunicipal de sanea-mento; contrato por três anos, no valor de 15 milhões e 740 mil euros; concurso lançado em 17 de Julho.

Arouca: recolha e transporte de resíduos sóli-dos urbanos, limpeza urbana e lavagem, desin-fecção e manutenção de contentores; contrato por um ano, renovável por mais dois, no valor de 224 836 euros; concurso lançado em 5 Agosto.

Vila Pouca Aguiar: prestação de serviços de recolha de resíduos sólidos urbanos, fornecimen-to, colocação, lavagem e manutenção de conten-tores; contrato por quatro anos, no valor de 670 mil euros; concurso lançado em 11 de Agosto.

Adjudicações

Secretaria Regional dos Recursos Naturais: concessão de exploração do centro de processa-mento de resíduos e de valorização orgânica da Ilha de São Jorge; contrato por 30 anos, no valor de 794 812,51 euros; adjudicado à Equiambi – Equipamen-to Serviço e Gestão Ambientais, em 3 de Maio.

Empresa Municipal de Água e Resíduos de Vi-la Real: recolha e transporte a destino final adequado de resíduos urbanos indiferenciados, manutenção de higienização de equipamentos de deposição de resí-duos urbanos; contrato por cinco anos, no valor de quatro milhões; adjudicado à FOCSA, em 21 de Maio.

Empresa Municipal de Infraestruturas de Vi-lamoura: limpeza urbana na baixa de Vilamoura; contrato por três anos no valor de 359 428,77 eu-ros; adjudicado à SUMA em 27 de Maio.

Águas Públicas do Alentejo: prestação de ser-viços de operação e manutenção dos sistemas de águas residuais; no valor de 992 862,36 euros; ad-judicado à Sisáqua/AGS em 6 de Junho.

Simdouro: recolha, transporte e deposição no destino final das lamas de estações de tratamen-to de águas residuais; adjudicado por 778 763,28 euros à Semural em 21 de Junho.

Associação de Municípios do Vale do Douro--Norte: prestação de serviços de gestão dos resí-duos urbanos e higiene urbana dos concelhos do Vale do Douro-Norte, contrato por três anos, no valor de 1 550 422,26 euros; adjudicado à Ecoam-biente SA/RESUR, em 11 de Julho.

O Governo PSD/CDS-PP e a Águas de Portugal (AdP) preparam a fusão e verticalização das empresas multimunicipais de água e saneamento, com o fito de criar condições para a sua privatização.

A fusão e verticalização das empresas multimunici-pais de água e saneamento, a par da sua colocação sob a tutela do regulador (ERSAR), são os elemen-

tos centrais da denominada «reestruturação do sector».Governo e AdP pretendem levar a cabo uma concen-

tração sem precedentes deste sector vital para as po-pulações, com o objectivo final de entregar a sua ex-ploração aos grandes grupos privados.

O modelo de privatização é a chamada «subconces-são», na qual o Estado fica responsável pela garan-tia dos empréstimos, dos investimentos e dívidas, en-quanto os grupos privados (subconcessionários) arre-cadam os lucros.

Segundo a proposta mais recente, o Governo pretende criar três mega-sistemas: a Águas do Norte, a Águas do Centro Litoral e a Águas de Lisboa e Vale do Tejo e EPAL. Três novas concessões que seriam prolongadas por mais 30 anos, sem qualquer contrapartida para os municípios.

No Sul, manter-se-iam as Águas Públicas do Alentejo, dado que os municípios da região rejeitam a fusão com a Águas do Algarve, e a Norte, entre outros sistemas, a Águas da Região de Aveiro (ver quadro).

Eficiência ou concentração?

O Governo alega que este processo permitirá ganhos de eficiência, mas a verdade é que tudo se resume à ideia de concentração de capital, de clientes e volume de facturação.

Aliás, como apontam vários autarcas, a reestrutura-ção não visa resolver nenhum problema do sector, tal como não iria corrigir assimetrias e desigualdades.

Ao jornal Água e Ambiente, o presidente do Município de Castelo Branco é claro a este respeito: «Não estamos a

atender a objectivos de coesão territorial, mas a uma deci-são de concentração no litoral». E quanto à eficiência ob-serva: «Só pela agregação, a ETA (Estação de Tratamento de Água) de Castelo Branco não vai ser mais eficiente». (1)

Pelo contrário, o gigantismo destas estruturas (a Águas de Lisboa e Vale do Tejo integraria 99 municí-pios) acabaria por provocar mais ineficiência, desper-dício e corrupção.

Nestas megaempresas os municípios deixariam de ter qualquer peso e influência, o mesmo é dizer que o sector seria subtraído ao controlo democrático das po-pulações e trabalhadores.

A «harmonização» dos preços

Outro dos argumentos do Governo é a necessidade da «harmonização tarifária» entre o litoral e o interior.

Os preços no litoral teriam de subir para poderem baixar no interior. Como? Obrigando os utentes dos sistemas maiores a pagar tarifas cada vez mais eleva-das para suportar os sistemas mais pequenos.

No Porto, isto levaria a aumentos de 40 por cento, e em Lisboa, a um agravamento de 20,4 por cento nas tarifas de água e de 12 por cento nas águas residuais, no período entre 2014-2018.

O município da capital estima ainda que o investimen-to seria reduzido em cerca de 67 milhões de euros, im-pedindo a reabilitação e renovação de infra-estruturas.

Na realidade, embora apresentada em nome da

✓ Jorge Fael

Fusão de multimunicipais de água e saneamento

Mega-sistemas para gerar superlucros

igualdade social, a «harmonização» dos preços gera-ria grandes injustiças. Basta pensar que os mais po-bres do litoral seriam chamados a financiar os mais ri-cos do interior.

Ora, num quadro em que milhares de pessoas já não conseguem pagar a factura da água, novos aumentos li-mitariam ainda mais o acesso a este bem essencial, con-tribuindo para o agravamento das condições de vida.

Page 11: Jornal n.º 109

OUTUBRO 2014 11

✓ Jorge Fael

Há muito que a ban-ca e as constru-toras cobiçam o

negócio do lixo. Afinal, o sector já vale hoje 1800 milhões de euros e conti-nua a crescer, prometen-do avultados lucros à cus-ta do erário público.

Mas para além do Go-verno e dos grupos eco-nómicos, mais ninguém tem interesse na privati-zação de uma actividade cujo impacto social e am-biental é determinante pa-ra a sociedade.

Por isso, o lançamen-to do concurso de privati-zação da EGF – Empresa Geral do Fomento desen-cadeou um forte e amplo movimento de protesto envolvendo trabalhadores, populações e municípios.

A EGF resultou da coo-peração com as autarquias e recebeu vultuosos investi-mentos públicos. Hoje tem uma posição dominante no sector, quase um mono-pólio, pois as 11 empresas criadas em parceria com os municípios gerem 65 por cento do total nacional de resíduos sólidos urbanos.

Assim, a venda da EGF traduzir-se-á na criação de um monopólio privado sem paralelo na Europa (à ex-cepção de Nápoles, onde é a máfia que controla o lixo).

As consequências são previsíveis: controlo do mer-cado, imposição de preços elevados, degradação dos serviços, supervisão dos chamados reguladores (refi-ra-se que os sucessivos go-vernos recusaram sempre a presença do Sindicato nes-tes organismos).

Uma empresa eficiente e rentável

Em 2012, o presidente da Águas de Portugal, hol-ding pública à qual perten-

ce a EGF, descrevia esta empresa como «única no mundo» e acrescentava:

«Não é habitual haver empresas com a dimen-são nacional desta. Tem um volume de negócios de 170 milhões de euros. Controla 11 empresas que têm uma panóplia de so-luções inovadoras na área dos resíduos sólidos urba-nos, porque Portugal tem de cumprir directivas co-munitárias muito exigen-tes. É o caso de uma es-tação de valorização ener-gética, centrais de valo-rização orgânica, detém dos melhores aterros sani-tários do mundo, estações de triagem muito evoluídas e um corpo técnico que faz com que estas instala-ções sejam bem geridas».

A isto deve-se acres-centar que a EGF teve re-sultados positivos nos úl-timos três anos de 60 mi-lhões de euros e dividen-dos anuais de 2,5 milhões de euros. Em 2013, ape-sar da crise, registou um volume de negócios re-corde, no valor de 173

milhões de euros, e lu-cros de 15 milhões de eu-ros. O seu património es-tá avaliado em quase mil milhões de euros, dando emprego directo a cerca de dois mil trabalhadores.

É portanto esta «empresa única» que o governo quer vender por 150 milhões, a que se somam os 200 mi-lhões de dívida. Uma verda-deira pechincha!...

Falsos argumentos

Na tentativa de justificar o esbulho, o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, alegou inicialmen-te que a privatização fará baixar as tarifas. No entan-

to, quando foi confrontado com o resultado inverso das outras privatizações, o ministro ripostou que os preços subiriam mais se não houvesse privatização.

Ou seja, os preços não descem, mas sobem, e muito mais do que se a empresa fosse pública. Por uma simples razão: a sede de lucro dos privados.

Na retórica do Governo, sem capitais privados não haverá investimento. Na realidade, ao longo das duas últimas décadas, os investimentos públicos realizados no sector as-cenderam a dois mil mi-lhões de euros, e actual-mente estão disponíveis mais 320 milhões de eu-ros de fundos comunitá-rios, que irão parar aos bolsos privados, na se-quência da privatização.

Também se afirma que as receitas da venda da EGF permitirão amortizar a dívida pública. Na verda-de, o encaixe previsto está longe de solucionar o pro-blema. Em contrapartida, o Estado perde para sempre uma fonte de receita, agra-vando assim o desequilí-brio das contas públicas.

Também acena com a criação de postos de tra-balho, ocultando que só na fase de preparação da privatização já foram des-truídos cerca de 200 pos-tos de trabalho, reduzidos os salários e degradadas

as condições de trabalho. Este aumento da explora-ção será agravado pelos novos patrões privados.

Municípios defraudados

A privatização da EGF é mais um passo no proces-so de esvaziamento das competências das autar-quias na área dos serviços públicos. É também uma antevisão do que se prepa-ra para o sector da água.

Os municípios foram empurrados para os sis-temas multimunicipais no pressuposto de terem co-mo parceiro uma empresa de capital público.

Agora, o Governo não só lhes impõe um parceiro privado, como os impede de garantir a maioria do capital, tal como estipu-lavam os acordos assina-dos com o Estado.

Para cúmulo, os municí-pios perdem a competência de fixar tarifas de resíduos, que passarão a ser coer-civamente impostas pelo Regulador (ERSAR), sob ameaça de pesadas multas.

Resistência e luta

A privatização da EGF tem sido contestada por to-da a oposição parlamentar, pela esmagadora maioria

das autarquias, trabalhado-res, organizações ambien-talistas e populações.

Exigindo a suspensão do processo, os trabalha-dores da Valorsul e Amar-sul realizaram greves com elevada adesão. O mes-mo aconteceu na Valnor.

Em Maio, no quadro da campanha contra a pri-vatização, o STAL entre-gou no Parlamento a pe-tição «Em defesa dos ser-viços públicos de resí-duos», que recolheu mais de 7500 assinaturas.

Em 6 de Junho, cinco mil trabalhadores, eleitos locais e utentes desfila-ram até ao Parlamento, exigindo a manutenção da EGF na esfera pública.

A firme oposição da ge-neralidade dos municípios tem sido igualmente im-portante. Dos 174 muni-cípios accionistas de em-presas da EGF, 162 recu-saram vender as respecti-vas participações.

Em carta dirigida aos can-didatos à privatização, as autarquias accionistas da Valorsul e da Amarsul ma-nifestaram o seu desagrado com o processo, notando que são elas os fornecedo-res da matéria-prima, o lixo.

Várias acções judiciais interpostas pelas autar-quias foram aceites pelos tribunais.

Negócio lesa país, trabalhadores e populações

A ruinosa privatização da EGFA privatização da EGF não é só um negócio ruinoso para o erário público, mas também uma ameaça para o ambiente, para os postos de trabalho, municípios e populações, que ficam à mercê dos interesses privados.

Leis para privados A Lei 35/2013, de 11 de Junho, aprovada pela

maioria PSD/CDS-PP, alterou a Lei da delimitação dos setores, permitindo a privatização, por sub-concessão, dos sistemas de água e saneamento e a privatização directa dos resíduos.

O DL 92/2013, de 11 de Julho, operou a separa-ção dos resíduos do grupo Águas de Portugal e a abertura aos privados, viabilizando também a pos-sibilidade de fusão de sistemas multimunicipais.

O DL 45/2014, de 20 de Março, aprovou o pro-cesso de privatização da EGF.

O DL 96/2014, de 25 de Junho, definiu as regras das concessões privadas dos resíduos, estabelecendo co-mo prazo máximo 50 anos. As actuais 11 concessões prolongam-se até 2034, podendo o futuro detentor da EGF desempenhar actividades complementares, o que abre a porta à monopolização do sector.

Em paralelo, com o objectivo de assegurar aos privados uma remuneração apetecível e estável, a Lei 10/2014 de 6 de Março, publicou os estatutos da ERSAR, atribuindo-lhe poderes para impor os tarifários aos municípios.

O novo regulamento tarifário dos resíduos e a chamada lei da factura detalhada (Lei 12/2014, de 6 Março), impõe aos municípios a transferência para as empresas 50 por cento do valor da factu-ra cobrada ao consumidor final.

Os grupos interessados Das sete empresas inicialmente admitidas a

concurso, só quatro apresentaram propostas: a SUMA/Mota-Engil, que de acordo com as notícias vindas a público, apresentou a proposta de com-pra mais elevada, 349,9 milhões de euros.

Foi a este consórcio que o Governo decidiu vender a EGF, segundo resolução do Conselho de Ministro de 18 de Setembro.

Para trás ficaram a multinacional espanhola FCC, que oferecia o segundo valor mais alto (345 milhões de euros); o grupo belga Indaver (317,5 milhões) e o grupo português DST (290,3 milhões de euros). Estas propostas pressupunham que os candidatos assumiriam a dívida da EGF no valor de 200 milhões de euros.

Os gigantes brasileiros, a Odebrecht e a Solvi, bem como o consórcio EGEO-Antin e a chinesa Beijing Capital Group, acabaram por desistir, facto a que não será alheia a luta que tem sido travada.

Os trabalhadores da Valorsul e Amarsul realizaram várias acções contra a privatização

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OUTUBRO 201412

Milhares de pes-soas em Detroit têm sofrido cor-

tes de água por falta de pagamento. A sanção tem sido aplicada indiscrimina-damente aos utentes com facturas em atraso há dois meses ou num montan-te de 150 dólares (111€). Estima-se que nesta situa-ção estejam entre 200 mil a 300 mil pessoas.

Os cortes são executa-dos por empresas priva-das contratadas pelo De-partamento Municipal de Água e Saneamento. Inter-vêm sem aviso prévio, não dando sequer tempo para encher baldes e banheiras.

Famílias inteiras com crianças, a maioria afro--americanas, vêem-se as-sim privadas de um bem essencial, não tendo co-mo cozinhar e lavar-se.

Na sequência de apelos das organizações locais, a Organização das Nações Unidas, pela voz de Cata-rina Albuquerque, relato-ra especial para o direito

à água, pronunciou-se de uma forma clara: «Os cor-tes por falta de pagamento só são admissíveis se pu-der ser demonstrado que o residente é capaz de pagar, mas não paga. Por outras palavras, quando há inca-pacidade genuína de pagar, os direitos humanos sim-plesmente proíbem cortes».

Tudo à venda para pagar aos bancos

Após o município ter de-clarado a insolvência, em Julho de 2013, a cidade foi colocada sob controlo de um «gestor de emergên-cia». A lei confere-lhe pode-res quase ilimitados sobre-pondo-se aos eleitos locais.

A luta das populações de Atenas e Salónica foi decisiva para travar os

processos de privatização dos serviços de abastecimento de água e saneamento das duas maiores cidades gregas.

Após anos de luta, o Conselho de Estado, principal instância ju-dicial grega, declarou inconstitu-cional, a 25 de Maio, o processo de privatização da empresa pú-blica de água de Atenas.

O tribunal considerou que a alienação do serviço a uma em-presa privada com fins lucrati-vos tornaria o Estado incapaz de garantir e cumprir a obriga-ção constitucional de fornecer

água acessível e limpa e asse-gurar a saúde das populações.

Uma semana antes, dia 18, em Salónica, o referendo sobre a pri-vatização da água havia terminado com uma esmagadora vitória dos defensores da gestão pública.

Dos 220 mil cidadãos que participaram na consulta, 98 por cento manifestaram-se con-tra a privatização do abasteci-mento de água.

O referendo, promovido por movimentos locais, teve o apoio de 11 municípios, cujos presi-dentes resistiram às tentativas de proibição por parte do go-verno, que ameaçou os seus or-ganizadores com prisão.

Movimentos e organizações sindicais de toda Europa, desig-nadamente o STAL e a campanha «Água de todos», apoiantes da ini-ciativa desde o início, saudaram a extraordinária vitória alcançada e exigiram a suspensão do proces-so de venda à multinacional fran-cesa Suez e à Elleaktor, sua par-ceira grega, que eram únicas em-presas concorrentes.

Perante a decisão do Con-selho de Estado e a manifes-ta oposição das populações, o governo grego foi obrigado a recuar, anunciando que ambas as empresas de água de Atenas e Salónica permanecerão sob o controlo do Estado.

No entanto, ficou por resolver a questão da transferência das acções, na posse do organismo responsável pelas privatizações (HRADF), para o Estado. Tanto mais que o memorando assinado com a troika proíbe tal operação.

Por isso, as populações, os trabalhadores e os movimen-tos em defesa da água encaram com cautela a decisão governa-

mental, considerando que pode tratar-se meramente de um adia-mento táctico da privatização.

Seja como for, o recuo cons-tituiu séria derrota para o go-verno e a troika, que procuram levar por diante um vastíssimo programa de privatizações de bens e recursos naturais, co-mo energia, praias e áreas pro-tegidas.

Depois de uma grande manifestação em Julho, os serviços de água voltaram ao município e os cortes foram suspensos temporariamente

População empobrecida revolta-se contra os cortes de água

Detroit: a guerra da águaVítima do capitalismo selvagem, da especulação financeira e de um longo processo de desindustrialização, a outrora capital norte-americana do automóvel tornou-se uma cidade fantasma, com 14,5 por cento de desemprego e onde 44 por cento dos habitantes são pobres. Hoje, a população de Detroit enfrenta uma outra ameaça: os cortes de água e a privatização.

O objectivo do «gestor de emergência» resume--se a vender e privatizar tudo o que pode gerar re-ceita para pagar a dívida municipal aos bancos.

Não importa o que seja, escolas, a colecção munici-pal de arte, avaliada em mi-lhões de dólares, ou os servi-ços públicos de água, ainda mais valiosos, pois a cida-de situa-se em pleno cora-ção dos Grandes Lagos, um dos maiores reservatórios de água doce do mundo.

Desde os anos 60, De-troit perdeu mais de meta-de da população. Ficaram os mais pobres e é sobre eles que recai o financia-mento dos serviços, cada

vez mais degradados.Na última década, os

preços da água aumen-taram 119 por cento. As tarifas já são o dobro da média nacional, no entan-to, está previsto um novo aumento de 34 por cento.

Para reduzir custos, o de-partamento municipal dei-xou de enviar as facturas pelo correio. Depois insta-lou «contadores inteligen-tes», e muitas famílias foram surpreendidas com dívidas de milhares de dólares.

Esta autêntica guer-ra contra os mais pobres contrasta com a tolerân-cia dada às grandes em-presas, que são os maio-res devedores da cidade.

Resistência, luta e vitóriaApós semanas de protestos, milhares de pessoas e dezenas de organizações

realizaram uma grande manifestação no centro de Detroit, a 18 de Julho, exi-gindo o fim imediato dos cortes de água.

Depois desta acção, os responsáveis dos serviços anunciaram a suspensão dos cortes por 15 dias.

Face aos protestos populares e às pressões internacionais, a 29 de Julho, o «gestor de emergência» anunciou a devolução do Departamento de Água às competências ao presidente da Câmara.

Os representantes do People Water Board – movimento contra os cortes de água em Detroit – consideraram estas cedências como um resultado da luta que travam. Todavia, salientam que a solução não passa por uma política de cortes de água socialmente mais sensível, como defende o edil, mas sim por um plano que garanta o acesso a este bem por parte dos mais pobres.

Sem apoios nem alternativas, são cada vez mais os que procuram impedir os cortes de água, enfrentando a polícia e arriscando a prisão. Outros juntam-se para restabelecer o abastecimento, sujeitando-se a pesadas multas.

A luta pelo direito à água, contra a privatização, vai continuar em Detroit.

No referendo em Salónica, em que participaram 220 mil pessoas, uma maioria esmagadora pronunciou-se contra a privatização

Travada privatização da água na Grécia

Populações mobilizadas

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OUTUBRO 2014 13

Pronto, pronto, meus amigos, não me custa reconhecer que, desta vez, tendes toda a razão e, se calhar, mais al-guma. É esta a terceira vez que utilizo este título para dar

vazão ao que me vai na alma e são vocês, os que ainda vão ten-do pachorra para me ir lendo quando nada mais têm para fazer, as maiores vítimas da minha falta de imaginação. Mas que que-rem? O apelo patriótico com que diariamente sou bombardea-do, nos jornais, na televisão, na tasca da esquina onde costumo «petiscar» (sim, dantes chamava-lhe almoçar ou jantar, mas is-so era no tempo em que a «modernidade» ainda não tinha che-gado a este país, trazida pelas almas penadas do antigamente que julgam ter chegado a hora da vingança por aquilo que lhes fizeram a partir de 1974, 25 de Abril na fronteira.

Sou um ser humano que se preza e, por isso, tenho as mi-nhas fraquezas. Uma delas é, como já se percebeu, o render--me às evidências quando elas me são atiradas às trombas de hora a hora, de minuto a minuto, de segundo a segundo. Não tenho como resistir-lhes. E, como o que tem de ser tem muita força, cá vou na onda cantando e rindo, levado, levado sim!

Como qualquer aposentado que também se preza, acor-do por volta das 10 horas da matina e a primeira coisa que faço é ligar a televisão. E os graves problemas existenciais começam logo aí. Um locutor emocionadíssimo informa--me de que o Cristiano Ronaldo (o melhor jogador do mun-do, repete ele uma, duas, cinco, dez vezes, talvez para que ele próprio se convença de tamanha evidência...) parece ter uma unha encravada, o que representa desde logo um grave contratempo para a redução do défice desta nossa amada pátria. Se o Ronaldo não puder dar o seu heróico contributo na cimeira mundial do pontapé na chincha que se vai realizar (que se está a realizar, aliás, que já se realizou quando estas conversas terminarem) no Brasil, o que irá ser de nós? Que alegrias nos restarão se o Portugal futeboleiro fizer a mesma triste figura de nação colonizada que os capatazes de paco-tilha de serviço à destruição do país não se cansam de fazer?

10 de Junho de 2014

Estou naturalmente ansioso e não paro de acompanhar a odisseia pátria. Vejo o hotel onde os nossos heróis ficaram ins-talados, o luxo dos aposentos, as refeições que deglutem e os lavabos onde mais tarde as defecam, a cor do papel higiénico que utilizam, sigo com verdadeira emoção o autocarro em que se deslocam diariamente durante o estágio, enfim, julgo estar a cumprir minimamente o meu dever patriótico, orgulhoso por pertencer, como sabemos, porque o antigo ministro Gaspar o proclamou, ao melhor povo do mundo. (Ou pensavam que isto do melhor do mundo era só para o Ronaldo?)

Está a chegar a hora de os heróis pátrios dos tempos mo-dernos nos resgatarem de todas as humilhações troikianas a que um bando de marginais, internos e externos, nos têm su-jeitado. E, por feliz coincidência, logo nos calharam em sor-te como adversários nas batalhas a travar pelos nossos he-róis (desculpem a repetição do termo, mas que querem? Esta coisa pega-se...) os nossos grandes amigos e protectores de sempre: – A Alemanha da capataz mor do reino europeu An-gela Merkel e os Estados Unidos, donos ainda absolutos do planeta dos macacos, sendo que a macacada se acoita, de uma maneira geral, nos governos desta linda europa sempre connosco, graças a Deus.

16 de Junho de 2014

Logo para começar, catrapimba! Amigos como só eles, os ale-mães lá nos despacharam sem dó nem piedade com uma caba-zada de quatro bolas a zero. Desgraçadamente, por responsa-bilidade inteira do Tribunal Constitucional, o nosso primeiro não pôde estar presente nos festejos da presidente do conselho de administração da firma Gamanço&Gamanço ilimitado, perdendo assim uma bela oportunidade para ginasticar a sua já bem de-senvolvida veia para a bajulação, sem freio nem princípios.

22 de Junho de 2014

Desta vez foi um pouco pior. Os Estados Unidos, país exem-plar no que respeita à defesa dos direitos humanos (foi José Sócrates que o disse…) não conseguiu ganhar-nos. E Passos Coelho, cumprindo a missão patriótica de que se investiu, lá terá telefonado a Barak Obama apresentando as suas mais sinceras desculpas (em nome do povo português, pois claro!) pelo pequeno contratempo a que os sujeitámos.

26 de Junho de 2014

Desta vez a nossa bandeira lá saiu vitoriosa frente a um país (Gana) que nada risca nos desígnios troikianos, e por isso esta vitória em nada prejudicou a confiança dos mercados na con-dução dos destinos da nossa querida pátria. Até porque foram os donos da coisa que seguiram em frente e nós fizemos as malas e viemos embora.

Envergonhados, aleijados e prontos a «levantar a cabeça», os «heróis».

Aliviados por não termos afrontado os donos, os Coelhos.Desenganados todos aqueles que, por cá, almejavam uma in-

tensa alegria oriunda de uma bola a correr num relvado e tiveram de, com amargura, enrolar a bandeira que tinham exposto à janela.

Espero que estes (todos) comecem a prestar mais atenção ao que estão a fazer da sua vida e venham engrossar a luta pelo que é realmente importante: – a construção de um país digno ao serviço do seu povo e dirigido por gente séria.

Fig. Castelo RodrigoRevogar os despedimentos

Na sequência da extinção da em-presa municipal, a Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo confirmou, no iní-cio de Setembro, o despedimento de 34 trabalhadores de um total de 59.

O STAL condenou a decisão e exi-ge a sua revogação, lembrando que o vice-presidente da autarquia se comprometeu a apresentar uma pro-posta que absorvesse todos os pos-tos de trabalho.

Infelizmente, a solução foi outra, com consequências dramáticas para 34 tra-balhadores e respectivas famílias.

O STAL tudo fará para revogar o pro-cesso por via judicial considerando que a autarquia tem condições para integrar a totalidade dos trabalhadores, e não apenas 25, da extinta empresa muni-cipal Figueira Cultura e Tempos livres.

Marco de CanavesesSubsídio de turno pago nas férias

Os trabalhadores polícias munici-pais da Câmara de Marco de Cana-veses viram recentemente reconhe-cido o direito pagamento do subsídio de turno durante o período de férias.

Esta melhoria foi obtida na se-quência da acção directa do STAL, à semelhança do que já tinha acon-tecido com os profissionais da Polí-cia Municipal de Valongo.

Segurança e Saúde no TrabalhoRepresentantes eleitos

Entre Abril e Setembro, o STAL elegeu 66 representantes dos tra-balhadores para a segurança e saú-de, dos quais 33 efectivos, em dez locais de trabalho.

No distrito de Beja, foram eleitos seis representantes na CM de Castro Verde e quatro na EMAS, Águas de Beja.

No distrito da Guarda, uma deze-na de representantes foram eleitos no município da capital distrital, a que se somaram mais seis na CM de Celorico da Beira e outros tantos na CM da Meda.

Já no distrito de Leiria, o STAL elegeu seis representantes na CM da Nazaré e quatro nos SMAS.

No distrito de Lisboa, foram elei-tos seis representantes nos SMAS de Torres Vedras e quatro na Be Wa-ter, Águas de Mafra. Por seu turno, no distrito de Setúbal, foram eleitos 14 representantes na CM do Seixal.

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OUTUBRO 201414

N.º 109OUTUBRO 2014Publicaçãode informação sindical do STAL

PropriedadeSTAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadoresda Administração Local

Director:Santos Braz

Coordenação e redacção:Fátima Amaral e Carlos Nabais

Conselho Editorial:Adventino AmaroAntónio AugustoAntónio MarquesFrederico SimõesHelena AfonsoJorge FaelJosé TorresMiguel VidigalVictor Nogueira

Colaboradores:Anabela VogadoAntónio MarquesJorge Fael,José Alberto LourençoJosé TorresMiguel VidigalPedro FonsecaRodolfo CorreiaVictor Nogueira

Grafismo:Jorge Caria

Redacção e Administração:R. D. Luís I n.º 20 F1249-126 LisboaTel: 21 09 584 00Fax: 21 09 584 69Email: [email protected] Internet: www.stal.pt

Composição:Alves&AlbuquerqueCharneca de BaixoArmazém L2710-449 Ral - SINTRA

Impressão:LisgráficaR. Consiglieri Pedroso, n.º90, 2730-053 Barcarena

Tiragem:46 000 exemplaresDistribuição gratuitaaos sócios

Depósito legalNº 43-080/91

HORIZONTAIS: 1. Fechara as asas para descer mais depressa; partes do boné que caem sobre os olhos, para a gente não ver. 2. Circundam; amacio. 3. Herdade dividida por marcos; rate. 4. Manas; provei de armas que po-de ser necessário. 5. Dama de com-panhia; beata (dim.) 6. aparelho que emite raios electromagnéticos; vaso ou cálice que terá servido a Cristo pa-ra a ceia com os apóstolos. 7. Tercei-ra vogal /pl.; validou; sétima nota da escala musical. 8. Praticai pequenos furtos, se puderdes, porque os gran-des estão reservados para banquei-ros e respectivos cúmplices. 9. Irmã do pai ou da mãe; nome próprio femi-nino; Assentimento. 10. Instrumento de ataque ou defesa; negro. 11. Parte aquosa que se separa do leite depois de coagulado; pão de milho.

VERTICAIS: 1. Pessoa partidária do Socialismo (será que a direcção do PS sabe disto?). 2. Andar para outro sítio; alegravas-te; um dos muitos instru-mentos de que o bando que nos (des)governa se serve para roubar quem vi-ve do seu trabalho. 3. Mulheres natu-rais do país comandado pela Merkel, a nova patroa do nacional servilismo; há

os das forças armadas, e as árvores também os têm. 4. Qualidade da de-cência do governo que ainda temos; esta viveu no paraíso e também não se deu bem; o que vamos respirando sem (ainda) pagar imposto. 5. Amos-tra pequena e sem importância (ver-são livre). 6. O que eles querem que tenhamos para melhor nos lixarem. 7. Título sensacionalista de primeira pá-gina. 8. Impulso; via ladeada de casas em povoação; mais disto para respi-rar enquanto o imposto não vem. 9. É uma droga também; esta coisa. 10. Elas; damas de companhia; raiva. 11. Sistema socioeconómico assente na propriedade social dos meios de pro-dução, com vista à justa distribuição da riqueza produzida e à eliminação da exploração do homem pelo homem (a sério, a direcção do PS já terá sido in-formada disto?).

Internet ✓ Victor Nogueira

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O capitalismo traz no seu ventre os germes da sua própria destruição. As suas crises provocam com regularidade a destruição massiva das forças produtivas, lançando milhões de trabalhadores no desemprego e na pobreza e populações na miséria.

A incessante busca de lucro a qualquer preço atenta contra a natureza e põe em risco a existência da própria hu-

manidade. Ao longo dos séculos, os trabalhadores e

os povos tem lutado contra a subjugação e a opressão das classes dominantes detentoras dos meios de produção.

Um marco parcial dessa luta, na sequência da revolução russa de 1917, foi a Declaração dos Direitos Humanos,(1) subscrita após a der-rota do nazi-fascismo, numa conjuntura fa-vorável à luta dos trabalhadores e dos povos que se ergueram contra o conialismo.

Foram então alcançados importantes direi-tos nos principais países do mundo capitalista ocidental, e muitos povos oprimidos lograram libertar-se do domínio colonialista e alcançar a independência, na maioria dos casos à cus-ta de muitos anos de luta armada.

Com a derrota e desintegração da União Soviética e dos países socialistas da Europa de Leste, intensificou-se a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores.

Serviços públicos essenciais foram privati-zados, restringiu-se o acesso a direitos funda-mentais como a Educação, Saúde, Seguran-ça Social ou tempos livres.(2)

A braços com sucessivas crises de sobre-produção, consequência da diminuição do poder de compra dos trabalhadores, o capital privado virou-se para a especulação financei-ra em busca do lucro máximo.

Muitos dos direitos sociais alvo da ofensi-va anti-social estão consignados na referida Declaração dos Direitos Humanos e noutras posteriores, bem como nos princípios que en-formam os objectivos de vários organismos da Organização das Nações Unidas.(3)

Entre estes destacamos a OIT – Organização Internacional do Trabalho.(4) Para além de mo-nitorizar as condições de trabalho nos países membros, a OIT elabora relatórios e produz re-comendações e convenções(5) que vinculam os estados membros que as subscrevam.

Das convenções ratificadas por Portugal,(5) salientamos as que se referem à igualdade de oportunidades e de tratamento, ao horário de trabalho e aos acidentes de trabalho.

O Estado português ratificou igualmente as convenções sobre representantes dos traba-lhadores, sindicalização e negociação colec-tiva, relações de trabalho na função pública, ou ainda igualdade de remunerações – direi-tos que, como sabemos, estão a ser espezi-nhados pelo Governo PSD/CDS-PP, a pretex-to de uma crise provocada pelas contradições insanáveis do capitalismo, mas cujo ónus re-

cai inteiramente sobre os trabalhadores e as camadas populares.

Ligações:

(1) http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm

(2) http://buffonefurlan.com.br/site/?p=232; http://www.egov.

ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/14457-14458-1-PB.pdf;

http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_

link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7897

( 3 ) h t t p : / / p t . w i k i p e d i a . o r g / w i k i / S i s t e m a _ d a s _

Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas

(4)http://www.oit.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/;

http://www.oitbrasil.org.br/content/recommendations; http://

www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=1000:12000:2941785678971

599::::P12000_INSTRUMENT_SORT:2

(5)http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=1000:11200:0::NO:11200

:P11200_COUNTRY_ID:102815;

(http://www.oit.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/

html/portugal_convencoes_temas_pt.htm

A crise e os direitos

SoluçõesHorizontais: 1. Siara; palas. 2. Orlam; aliso. 3. Ero; roa. 4. Irmas; armai. 5. Aia; bia. 6. Laser; graal. 7. Is; visou; si. 8. Ra-tonai. 9. Tia; Ana; sim. 10. Arma; atro. 11. Soro; broa.Verticais: 1. Socialista. 2. Ir; rias; IRS. 3. Alemãs; ramo. 4. Rara; Eva; ar. 5. Amos-trita. 6. Sono. 7. Parangona. 8. Alor; rua; ar. 9. Liamba; isto. 10. As; aias; ira. 11. Socialismo.

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OUTUBRO 2014 15

Um livro, um autor✓ António Marques

Vasco Gonçalves, pr imei ro-min is-tro de Portugal em

quatro governos provisó-rios (do segundo ao quinto, de 17 de Julho de 1974 a 19 de Setembro de 1975), ocupa um lugar especial na história da Revolução do 25 de Abril e na história portuguesa recente. Como governante, será recorda-do pela sua acção perma-nente em prol da melhoria das condições de vida do povo, pelo seu empenha-mento nas profundas trans-formações económicas e sociais operadas nos pri-meiros anos da revolução.

Dotado de uma grande qualidade intelectual, a sua coragem e determi-nação marcaram a nova geração de portugueses, que viram nele um ho-mem íntegro, que defen-deu até ao fim da vida as suas convicções.

Vasco Gonçalves nas-ceu em Lisboa em 3 de Maio de 1921 e faleceu em Almancil, vítima de uma síncope cardíaca, em casa de um irmão, a 11 de Junho de 2005, com 84 anos de idade.

Desde então, os sec-tores conservadores têm tentado por todos os meios apagar a imagem e a mensagem de Vasco Gonçalves, todavia, como em todas as cruzadas fun-damentalistas, não é pos-sível demolir os esteios morais construídos pela Revolução de Abril, nem apagar o papel cimeiro desempenhado pelo ge-neral Vasco Gonçalves.

Obreiro da revolução

Integrou o Movimento dos Capitães desde De-zembro de 1973 e fez par-te da Comissão de Re-dacção do Programa das

Forças Armadas, sendo membro da sua Comis-são Coordenadora.

No «Verão Quente» de 1975, traduzindo a po-pularidade do governo de Vasco Gonçalves e o amplo apoio ao processo revolucionário, surgiu a célebre canção e slogan «Força, Força, Compa-nheiro Vasco, Nós Sere-mos a Muralha de Aço», trauteada à exaustão nas cidades e nos campos.

General de carreira, nunca pertenceu a ne-nhum partido, mas não escondia as suas convic-ções marxistas, cimen-tadas na leitura e estudo aprofundado dos clássi-cos do marxismo.

Conheceu grandes fi-guras da cena revolucio-

nária mundial, entre elas, Fidel Castro que lhe atri-buiu a Ordem de José Martí, a mais alta conde-coração cubana, e Raul Castro, que se tornou seu amigo pessoal, ou ainda Pedro Pires, companheiro de Amílcar Cabral.

Como grande tribuno que foi, não raro utilizou

a sua apurada oratória para denunciar os en-redos palacianos, a in-consistência intelectual e humana da camada dirigente ainda impreg-nada pelas visões pas-sadistas, retrógradas e conservadoras, herda-das de mais de 48 anos de ditadura.

A política patriótica dos seus governos foi sempre norteada pela defesa in-transigente dos interesses de Portugal e da sobera-nia nacional, face às gran-des potências europeias e aos Estados Unidos.

Vasco Gonçalves sabia bem que é com a força do homem e da mulher, ligados por uma cons-ciência colectiva, que se torna possível desenvol-ver os povos e os países.

Afirmava que o salto em frente que Portugal en-saiava teria que ser feito preservando as raízes da nossa cultura e da nossa história, mas rejeitando o velho e estafado obscu-rantismo que tinha feito do nosso País um feudo de ricos e poderosos, co-mo aliás voltou a ser hoje.

Agora, quando as gran-des estruturas de explo-ração capitalista, como o BES, tombam atoladas em monumentais escânda-los, má-gestão e corrup-ção, deixando a descober-to milhares de milhões que querem que sejamos nós a pagar, lembro-me da sua lucidez quando, perante os ataques de um anticomu-nismo primário, afirmou: «Tudo aquilo de que nos acusam, que o meu Go-verno vai roubar o dinhei-ro que os portugueses têm depositado nos bancos, que vamos deixá-los sem a sua casa, que os traba-

lhadores serão escravos sem salário e que não nos interessa a vossa opinião enquanto cidadãos, tudo isso virá a acontecer sim, se as forças do capitalis-mo vierem a sobrepor-se à democracia».

A salvação da economia

Podemos ler outra pas-sagem de lucidez premo-nitória na entrevista pu-blicada em 2005, no livro Contas à Vida, de Viriato Teles. Aí Vasco Gonçal-ves recorda:

«Uma missão da OC-DE que esteve entre nós de 15 a 20 de Dezembro de 1975, composta por três professores do De-partamento de Economia do Instituto de Tecnologia de Massachussets, afir-mou no seu relatório que “no princípio de 1976 a economia portuguesa es-tá surpreendentemente saudável”. A política eco-nómica que foi posta em prática, numa situação com as características da situação revolucionária que vivemos, naturalmen-te agitada e de grandes contradições sociais, no contexto da crise capita-lista de 1973-75, a maior do pós-guerra, mostrou--se, pois, adequada. Pen-so que, nas suas linhas estruturais, definidoras, o ordenamento económico--social constitucional, de 1976, era correcto. Foram, precisamente, as mudan-ças estruturais, as na-cionalizações, a reforma agrária, a participação dos trabalhadores, os aumen-tos salariais, a intervenção do Estado nas empresas em dificuldades que sal-varam a nossa economia do colapso. Foi a falta do cumprimento, do ordena-mento económico-social constitucional, foi a políti-ca neoliberal globalizado-ra, deliberadamente des-trutiva desse ordenamen-to (privatizações, destrui-ção da Reforma Agrária, cerceamento dos direitos dos trabalhadores, sub-missão às directivas da União Europeia, mercan-tilização da saúde, do en-sino, da segurança social, etc.) que conduziram à presente situação.»

Vasco Gonçalves sonhou com «um Portugal para os portugueses, onde todos fossem iguais». Foi mentor e impulsionador da reforma agrária e das nacionalizações, instituiu o salário mínimo nacional e o primeiro subsídio de desemprego em Portugal.

Memória de AbrilVasco Gonçalves

A crise do capitalismoNuma entrevista publicada na revis-

ta O Militante (Maio/Junho de 2003), Vasco Gonçalves volta a surpreender--nos com o rigor da sua análise:

«Após a Segunda Guerra Mun-dial houve mais de duas décadas de crescimento económico expansivo. O capitalismo, pela sua própria na-tureza, tem a capacidade de produ-zir mais mercadorias do que as que pode vender, do que resultam as crises de sobreprodução e subcon-sumo. Mas a formidável destruição das forças produtivas na Segunda Guerra Mundial permitiu um cresci-mento económico expansivo, pra-ticamente contínuo, sem que hou-vesse uma ameaça iminente de uma grande crise de sobreprodução. Foi o período do “modelo social euro-peu”. Nos países desenvolvidos, os trabalhadores, os assalariados, con-quistaram direitos laborais e sociais, aumentos salariais, férias, subsídios de desemprego, etc.

A existência da URSS obrigava o capitalismo a uma áspera competição ideológica, a mostrar que, também neste sistema, poderia haver uma re-distribuição crescente do rendimento nacional, favorável aos trabalhadores.

Mas, no fim dos anos 70, esgota-do o período de crescimento expansi-vo, o capitalismo, porque se verificava uma crescente baixa da taxa de lucro e um perigoso aumento da inflação, entra em semi-recessão voluntária e permanente. Recorre, fundamental-mente, a três meios para valorizar o capital: o desemprego, a especulação financeira e a fusões (a megafusões). Surge a tendência para a exclusão so-cial, para além do desemprego.

Neste novo período, o neolibera-lismo impõe-se como doutrina do-minante do sistema, arredando, pela própria força da lógica interna des-te, a doutrina e a prática keynesia-nas, que haviam conduzido a polí-tica económica do capitalismo, nas décadas do pós-guerra, nos chama-dos “trinta gloriosos anos”, duran-te os quais surgira o “modelo social europeu”.

A derrocada da União Soviética e dos Estados socialistas europeus fez o imperialismo ficar sem o seu ini-migo principal, e o movimento dos trabalhadores e o movimento revo-lucionário ficaram sem o que havia sido ou entendido como a sua “reta-guarda estratégica”.»

Page 16: Jornal n.º 109

OUTUBRO 201416

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6 de Maio – O STAL entrega na AR uma petição com cerca de sete mil assinaturas, contra a privatização da EGF

9 de Maio – Os trabalhadores da Admi-nistração Local realizam uma manifestação nacional em Lisboa em defesa das 35 horas

15 de Maio – Sindicatos, autarquias e as-sociações de utentes apresentam na sede nacional do STAL um manifesto contra a privatização da EGF.

27 de Maio – A Comissão Executiva do STAL reúne-se junto à residência oficial do primeiro-ministro, cujos serviços recusam receber uma carta aberta.

5 de Junho – Uma delegação do STAL so-licita informação à PGR sobre o parecer do Conselho Consultivo pedido pelo Governo. 6 de Junho – Cerca de cinco mil trabalha-dores, utentes e eleitos autárquicos desfi-lam para a AR, exigindo a suspensão do processo de privatização da EGF.

14 de Junho – A CGTP-IN promove uma manifestação no Porto que é seguida de outra em Lisboa, a 21.

1 de Julho – Cerca de 300 activistas, delegados e dirigentes do STAL e STML, desfilam até ao Ministério das Finanças, no final de um Plenário Nacional.

10 de Julho – Milhares de trabalhadores participam na manifestação nacional da CGTP-IN em Lisboa.

23 de Julho – Os trabalhadores da CM de Ponta Delgada exigem frente à Câmara a negociação de um ACEP.

1 de Agosto – Plenário do STAL frente ao Ministério das Finanças acusa Governo de bloqueio ilegal dos ACEEP.

24 de Agosto – O STAL assinala o 39.º aniversário da sua fundação.

27 de Agosto – No decorrer do plenário do STAL junto do Ministério das Finanças, o SEAP promete a rápida resolução dos ACEP.

3 de Setembro – O Tribunal Central Admi-nistrativo do Sul dá razão ao STAL intiman-do o secretário de Estado da Administra-ção Pública a prestar as informações sobre os ACEP.

19 de Setembro – O Plenário da Frente Comum termina em desfile para o Ministé-rio das Finanças.

2 de Outubro – Milhares de trabalhadores da Administração Local desfilam em Lis-boa para o Conselho de Ministros, exigin-do a publicação dos ACEP.

10 de Outubro – A maioria PSD/CDS-PP chumba o projecto de lei da água que con-sagrava este direito humano na legislação portuguesa.

Com os votos contra do PSD e do CDS e favorável das restantes bancadas, o Projecto de Lei que visava consagrar e garantir a água como um direito humano, foi chumbado, dia 10 de Outubro, na AR.

Debatido no dia 9 de Outubro e votado na manhã seguinte, o

Projecto de Lei n.º 368/XII «Protecção dos direitos in-dividuais e comuns à água» foi chumbado pela maioria de direita que mais uma vez se colocou do lado das mul-tinacionais da água em claro detrimento do interesse das populações e do País.

Ao mesmo tempo, o facto de os dois partidos da maio-

ria terem ficado isolados na votação confirma não só a urgente necessidade de der-rotar o Governo e mudar de políticas, mas também a jus-teza da luta popular pela ga-rantia do direito à água e a sua consagração na legisla-ção portuguesa.

Contando com um apoio cada vez mais amplo na so-ciedade, o movimento pela água pública está confiante no êxito desta causa, espe-rando que todos os partidos que votaram o projecto favo-ravelmente actuem conse-quentemente logo que a rela-ção de forças no parlamento o propiciar.

Uma exigência da sociedade

Recorde-se que o projecto de diploma resultou de uma Iniciativa Legislativa de Cida-

dãos, subscrita por mais de 44 mil pessoas, que foi entregue na Assembleia da República a 28 de Fevereiro de 2013.

O texto foi apoiado por de-zenas de personalidades, no-meadamente eleitos autárqui-cos, professores, investigado-res, artistas, dirigentes asso-ciativos e antigos deputados.

Também vários sindicatos, em primeiro lugar a CGTP-IN e o STAL, dirigiram cartas aos deputados apelando a que aprovassem o projecto. A nível internacional, a Fede-ração Sindical Europeia dos Serviços Públicos e Interna-cional de Serviços Públicos dirigiram missivas no mesmo sentido.

O projecto de diploma es-tabelece a universalidade do direito humano fundamental à água e ao saneamento, a protecção das funções da água, sociais, ecológicas e

económicas e a interdi-ção da privatização e a mer-cantilização dos serviços, das infraestruturas públicas e do domínio público hídrico.

Estes objectivos corres-pondem à vontade da es-magadora maioria dos por-tugueses, tal como tem sido confirmado pelas sondagens publicadas, e concretizam as disposições constitucionais sobre estas matérias.

Maioria PSD/CDS-PP chumba iniciativa de cidadãos

Luta prossegue pelo direito à água