jornal lampião ed6

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LAMPIÃO Jornal Laboratório I Comunicação Social - Jornalismo I UFOP I Ano 2 - Edição Nº 6 - Abril de 2012 rascunhoindeed.FINALindd 1 03/05/12 18:06

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O Jornal Lampião é uma publicação laboratorial do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto. Peridiocidade: Mensal Formato: Standard Produzido pela turma 2009.2, sexto período

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Page 1: Jornal Lampião ed6

LAMPIÃOJornal Laboratório I Comunicação Social - Jornalismo I UFOP I Ano 2 - Edição Nº 6 - Abril de 2012

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Page 2: Jornal Lampião ed6

2 Edição: Bruna Silveira e João Felipe Lolli Abril de 2012

O escritor Ítalo Calvino, em “As cidades invisíveis”, descreve o perfil de cidades de nomes femini-nos, como Mariana, não do ponto de vista geográfico, mas enquanto símbolo e expressão da existência humana.

Nessas cidades imaginárias, va-lores como justiça e injustiça, bon-

AlicePiermAtei

Todos os dias andamos nas ruas e nos deparamos com dezenas de pessoas. Ra-ríssimas são as vezes em que sabemos quem elas são, de onde vêm, para onde vão, se têm filhos, marido, pais ou avós.

Não fazemos questão nem de olhar para o lado, de ver o rosto dessas pessoas, estamos sempre preocupa-dos com nossa vida, nossos problemas, e se a chuva que pode cair vai molhar nossas roupas no varal.

Obviamente, não propo-nho nada nem parecido com um cadastro dessas pessoas,

Todo mundo precisa de um “bom dia!”

O desafio de ser primaz

1711. Ciclo do Ouro. Vila. Bandeirantes. Garim-peiros. Exploração. 2012. Mineradoras. Trabalhado-res. Cidade. Universidade. Passado. Presente. A cida-de transborda. Pessoas, pes-soas, pessoas. E o que fica para o futuro?

A máquina do mundo, também máquina do tem-po, estranhamente, trans-forma a velha e pequena em uma moça. Moça mo-derna e grande. Moça ima-tura, que cresce de forma inconsequente, não pen-sa no que corre nas veias, em sua própria sustenta-ção. Mariana era a fi-lha tradicional, que ia to-dos os domingos à missa e que tinha sempre as mes-mas companhias. Agora, é a garota eclética que desfruta de várias fés e tem novos amigos. Mas, como uma boa mineira, é

Jornal Laboratório produzido pelos alunos do 6° período de Jornalismo – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA)/ Universidade Federal de Ouro Preto – Reitor: Prof. Dr. João Luiz Martins. Diretor do ICSA: Prof. Dr. José Artur dos Santos Ferreira. Chefe de departamento: Profa. Dra. Ednéia Oliveira. Presidente do Colegiado de Jornalismo: Prof. Dr. Ricardo Augusto Orlando

– Professores responsáveis: Adriana Bravin (Reportagem), Anderson Medeiros (Fotografia) e Priscila Borges (Planejamento Visual) – Editora-chefe: Bruna Silveira. Subeditor: João Felipe Lolli. Diretor de fotografia: Ricardo Maia. Diretora de arte: Aline Rosa de Sá. Reportagem: Alice Piermatei, Ana Luísa Ruggieri, Cacau Dias, Gérsica Moraes, Greiza Tavares, Joenalva Porto, Kamilla Abreu, Lorena Silva, Maressa Nunes, Maysa Souza, Mickael Barbieri, Natália Ambrósio, Natália Goulart, Pablo Gomes, Rafael Camara, Renata Felício, Thalita Neves, Thiago Guimarães. Fotografia: Camila Maia, Gabriel Sales, Kleiton Borges, Leonardo Alves, Lucas Araujo, Marcelo Quintino, Mayara Coutrim, Pedro Fernandes. Diagramação: Bárbara Zdanowsky, Fernando Ciríaco, Flávia Rodrigues, Giovana Bressani, Gustavo Aureliano, Janini Sanches, Jorge Lelis, Kael Ladislau, Lara Beatriz, Nathália Barreto, Suellen Amorim. Revisão: Eduardo Braga, Laio Monteiro, Lidiane Andrade. Monitores: Lincon Zarbietti (Planejamento Visual) e Yasmini Gomes (Reportagem). Colaboração: Edmar Borges, Fábio Germano, Marly Moysés, André Luis Carvalho, Ricardo Augusto Orlando. Impressão: MJR Editora Gráfica. Tiragem: 3.000 exemplares. Endereço: Rua do Catete, n° 166, Centro. Mariana - MG. CEP 35420-000. Twitter: @JornalLampiao Facebook: facebook.com/jornallampiao E-mail: [email protected].

Na estranha ordem da máquina do mundo

mArlymoysés*

dade e perversidade, leveza e vulgaridade se sucedem. É que os seres que as habitam, em seu modo de ser e de viver, exteriorizam o mundo que trazem dentro de si. As-sim, a verdadeira cidade é como uma sucessão de cidades diferentes contidas umas dentro das outras, pois quem faz de uma cidade atrasada, maltratada, inóspita e suja um espaço agradável, acolhedor, limpo e civilizado, é quem a habita, quem no dia- a -dia tenta reconhecer “quem é e o que, no meio do inferno, não é o inferno”. Quem é capaz de preservar o bem e o belo, de cuidar de si mes-mo e do lugar onde vive, superando-se e superando desa-fios, abrindo espaço para o desabrochar da vida, da paz, da felicidade e do bem-estar coletivo.

Embora guarde fortes semelhanças com as demais ci-dades históricas mineiras, Mariana possui características singulares que a tornam única: primeiro povoado eleva-do à condição de vila; primeira sede de bispado; primei-ra Câmara que elegeu, em Minas, vereadores pelo voto secreto; única, dentre as cidades históricas mineiras, a ter um plano urbanístico traçado para assegurar-lhe possibi-lidade de expansão.

Hoje, Mariana sofre os efeitos de aceleradas e nem sempre favorecedoras mudanças. Tudo aquilo que atin-ge as demais cidades – aumento desordenado da popula-ção, expansão de áreas ocupadas, trânsito intenso, ausên-cia de saneamento básico, violência, desemprego, miséria – nesta terra de tantas primazias torna-se mais desafiador.

Considerada arquétipo da cidade colonial brasileira, berço da “civilização” mineira, a célula-mãe sente-se de-safiada a encontrar o caminho da compatibilização do crescimento sem controle com a preservação do que a fez única.

Refletindo sobre tudo isto, pergunto-me o que vimos fazendo, século após século, ano após ano nós, maria-nenses nativos ou de adoção, para imprimir-lhe a marca de nossa passagem. Será a da ética, da delicadeza? Do afeto e do cuidado, com o que nos foi legado? Do zelo com nosso patrimônio e com o patrimônio público? Te-mos sabido preservar o que é bom e justo para todos? Temos conseguido transmitir, geração após geração, va-lores permanentes que se cultivem na família, na escola, no ambiente de trabalho, no lazer? Temos sido competen-tes na escolha de nossos governantes? Temos nos manti-do mobilizados em defesa da vida e do bem estar coleti-vo, contra as agressões ao meio ambiente que sobrepõem o econômico ao social e à preservação do precioso patri-mônio que a nós cabe preservar?

A superação de tantos desafios exige consciência cívi-ca, sentimento de pertença, mobilização e participação. Só assim, exercitando nossa cidadania ativa, nossas vozes serão ouvidas. Dentro e fora de Mariana.

*Marly Moysés é marianense e pedagoga.

desconfiada e se assusta com novidades. É conheci-da pelas marcas que car-rega do passado colonial, e ainda há quem olhe por elas. Há quem olhe para elas. Há quem admire.

Hoje, respira trânsi-to, comércio, grandes em-presas, obras e até crimi-nalidade. Em uma simples caminhada pelo centro se percebe a quantidade de olhares, vozes, histórias. Quanta gente! Algumas em passos lentos, inspira-dos por aquele “bom dia” que outrora receberam de um vizinho. Outras, apres-sadas, preocupadas em não perder a condução.

Carlos Drummond de Andrade, no poema “A Máquina do Mundo”, se descreve como um perso-nagem que se recusa a en-trar em tal máquina, não se deixa levar pela visão

abrangente do universo. Quer mesmo é que não se apague a chama da poesia. Tem medo da modernida-de. Enxerga uma nova ci-dade em sua jornada, “dá volta ao mundo e torna a se engolfar na estranha or-dem geométrica de tudo”.

Nesta edição, o LAMPIÃO, que também acredita na leveza da po-esia, abusa da liberda-de em sua capa e desenha Mariana como o eu-lírico da máquina do mundo. A senhora anda por um ca-minho “pedregoso”, que precisa seguir, mas que re-luta em aceitar. Assim, se torna, aos poucos, a moça. Os desafios propostos pela máquina a amedrontam.

Nosso pensamento é tratar com clareza os ca-sos, contar histórias, e, so-bretudo, refinar as pala-vras. Também buscamos

lampejar personagens es-condidos por essa Mariana-moça que não tem tempo de olhar para o lado.

É possível medir em nú-meros as consequências da expansão para a cidade. Mas a matemática jamais poderá dizer como funcio-na a combinação do tra-dicional com o moderno. A questão que fica é: até quando? Dariam as monta-nhas, os sinos e os ladri-lhos lugar para os prédios, o minério e as pessoas?

A primeira nascida em Minas é uma das últimas a crescer. Eficiente e im-perdoável, a máquina do mundo confunde os pen-samentos da vila-moça e dissipa a sabedoria da cidade-velha.

Assim, em um silêncio ensurdecedor, contado por decibéis incontáveis, a pri-maz cresce.

Mineradorasreativadas

Aumento da população

Poluição sonora

Estupidez gera estupidezgentileza gera gentileza

Mão-de-obravem da Bahia

A REALCIDADE

T r â n s i t o

Criminalidade

Expansão da Ufop

300 anos do

Ciclo do Ouro

Uai, sô! Será que os bandeirantes

tão invadindo Mariana de novo?

“Para mim, essa obra foi precipitada e feita sem planejamento algum”. Ed-son Theodoro, sobre as obras do Córrego do Catete, p. 4

“No ônibus para San-ta Rita Durão tem ape-nas quatro vagas para idosos, e os demais têm que pagar”. Floriano da Sil-va, sobre o transporte públi-co, p. 4

“A educação é central para o desenvolvimento de qualquer cidade liga-da à mineração, porque o minério é finito”. Reitor da UFOP, João Luiz Martins, so-bre a expansão, p. 6

“A rua me traz precon-ceito. Sofro muita coi-sa também. Faço amizade muito fácil. Todo catador de papel é feliz”. Maria Aparecida Viana, catadora de papelão, p. 11

Leonardo aLves

chargE

EdiToriaL

EnTrE oLharES

opinião

LampEJoS

nem uma felicidade constan-te e absoluta, mas é que fal-ta pensar no outro, lembrar-se do outro.

Às vezes, acordo cedinho, com certa dificuldade, é cla-ro, e vou para meus compro-missos matinais. Minha cara geralmente está amassada e minha expressão é de desani-mar qualquer um. Mas é só passar por mim alguma se-nhora simpática na rua e di-zer um “bom dia!” cheio de vontade e sinceridade para meu humor mudar. Foi numa dessas vezes que comecei a esboçar este texto.

É difícil se dar conta do quanto “influenciamos” as pessoas, mesmo que indire-

tamente. Conviver num am-biente alegre faz a gente se sentir muito melhor, mes-mo quando se está morrendo de cansaço. Em contraparti-da, estar constantemente ro-deado de maus pensamentos, mau humor e pessoas tristes deixa qualquer “teletubie” muito mais do que jururu.

As relações interpessoais se modificaram, e desconfio que para pior. Talvez, seja porque eu tive uma criação interiorana. Cresci em uma cidade em que conheço todo mundo, em que as pessoas se cumprimentam na rua, per-guntam se você está bem e, também, como vão seus pais.

Hoje, estamos tão acos-tumados a andar cabisbaixos que, às vezes, passamos por velhos conhecidos e nem os percebemos – e fazemos isso sem maldade, simplesmente por não perceber direito a re-alidade a nossa volta.

O mundo não tem cul-pa se você está tendo um dia ruim, e descontar seu mau humor no próximo não vai te fazer se sentir melhor; há pessoas que acreditam pia-mente nisso, e praticam.

Estamos ficando muito individualistas. Um exemplo claro: ao entrar em um ôni-bus desses circulares, onde há uns dois pares de assen-tos vagos e outros dois com

um dos lados ocupado por uma pessoa, em qual deles você se senta? Aposto que será no que está completa-mente vazio. Em contraparti-da, se você for um ocupante do assento que tem uma das metades ocupadas e alguém se sentar ao seu lado, vai fi-car se perguntando, durante o resto da viagem, a razão de a pessoa ter se sentado logo ali. Com direito a inúmeras teorias duvidosas sobre a ín-dole do seu colega de banco.

A questão do julgamento prévio é duramente critica-da na imprensa, porém, são poucos os que olham para dentro e percebem que tam-

bém os reles mortais prati-cam isso o tempo todo.

Quem nunca teve aquela antipatia instantânea e infun-dada por alguém sem sequer direcionar a ele uma única palavra? Acontece com uma frequência muito grande. E já aconteceu comigo. E eu poderia quase jurar que com você também já aconteceu.

Gostamos muito de fa-lar, apontar o dedo, sempre nos preocupamos com o que o outro faz, mas, quase sem-pre, nos esquecemos de olhar para nós. Estamos ficando indiferentes, esquecendo de avaliar nossas próprias ati-tudes. Só nos lembramos do resto do mundo para criticá-

lo. Não entendo o quão gran-de pode ser o esforço de olhar para e frente e para os lados ao invés de olhar só para bai-xo. É tão simples...

Não pense que estou isen-ta desses males, afinal, todo mundo, em maior ou menor grau, tem algum telhado de vidro... Errar é normal, em-bora errar e achar que está sempre acertando não seja.

O que devemos pensar é que cada pequena e boa ati-tude, cada sorriso distribuí-do, vai ser algo que vai nos fazer sentir melhor.

O profeta Gentileza tinha toda a razão e não é preciso mudar uma vírgula do que

ele disse: “Gentileza gera gentileza”. É um concei-to muito simples, mas muito eficiente se nos esforçarmos para segui-lo.

Andar pela rua observan-do algo diferente dos seus pés, algo como a paisagem, uma pequena fonte, as ár-vores e, principalmente, as pessoas, faz o percurso ficar muito mais agradável.

Perceber as miudezas do dia-a-dia e valorizá-las faz toda a diferença, e é por isso que todo mundo preci-sa de um “tudo bem?”, de um “muito obrigado!”, de um “como vai você?”, de um “oi”. Todo mundo precisa de um “bom dia!”.

Fábio Germano

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3Edição: Maressa Nunes e Alice PiermateiAbril de 2012

Desanimado com a políticaeleitor não crê em mudançasCorrupção e descontentamento com as mudanças de prefeitos em Mariana levam ao desinteresse pelo processo político

“Todo mundo vê o que tá acontecendo. É uma loucura, uma maluquice. A população tem que se unir e fiscalizar mais”. Nilton Nicolau Dias, apo-sentado

Maysa souza

Ladrões, aproveitadores, mentirosos. Vergonha, sen-timento de impotência, falta de fiscalização. Esses são alguns dos adjetivos e das impressões que resumem a visão dos marianenses so-bre os políticos e a políti-ca brasileira. O LAMPIÃO foi às ruas e perguntou à população qual a primeira coisa que se pensava quan-do o assunto era política.

Os resultados mostraram um quadro de desconten-tamento, descrença e des-confiança, tanto em nível nacional quanto munici-pal. “A gente vê no jornal, na televisão, que a corrup-ção é geral, e até aqui, em Mariana, acredito que existe também”, constata a empregada doméstica Irene das Dores Silva, 46 anos.

Nos últimos quatro anos, o município viveu imerso em turbulências po-líticas. Até abril deste ano, cinco prefeitos diferentes,

por sete vezes, se reveza-ram à frente do Executi-vo municipal, já que Rai-mundo Horta e Terezinha Ramos assumiram a Pre-feitura duas vezes. A in-satisfação com o panorama político da cidade gerou a falta de esperança de que esse quadro mudará, mes-mo com as eleições mu-nicipais se aproximando. “Isso não se resolve fácil”, afirma a aposentada Mª Lourença Martins, 82 anos.

Os recentes escânda-los de corrupção no mu-nicípio, como a acusação de que a ex-prefeita Tere-zinha Ramos teria retirado R$98 mil dos cofres públi-cos para pagar seus advo-gados particulares – o que resultou no seu afastamento do cargo, em fevereiro de 2012 -, e o desânimo com a atual situação da Prefeitu-ra, afastam os eleitores do debate sobre a vida políti-ca. Muitos se concentram em trabalhar e em resol-

ver os próprios problemas, e acabam se desinteressan-do dos assuntos públicos. A doméstica Irene das Do-res Silva confirma essa vi-são. “Eu não acompanho muito a política da cidade; sei mais ou menos o que acontece em Mariana”.

Outros fatores se refe-rem à falta de conhecimen-to sobre os procedimen-tos políticos e à atividade dos governantes, somados à descrença com relação ao que envolve a política, é o que opina a estudan-te Derliane dos Santos, 17 anos. “Eu creio que todos os políticos são corruptos”, assegura.

ConscientizaçãoA Organização Não-Go-

vernamental (ONG) Trans-parência Brasil (http://www.transparencia.org.br/), organização independen-te comprometida no com-bate à corrupção, elaborou uma cartilha com informa-

ções sobre voto consciente. Segundo a ONG, é funda-mental analisar as propos-tas dos candidatos, já que muitos prometem o que não podem cumprir, e se informar sobre o passado dos políticos. A cartilha sugere , ainda, acompanhar o processo eleitoral através dos noticiários, rádios, jor-nais e revistas para que, assim, possa se fazer uma escolha mais consciente.

Durante o processo elei-toral, os temas pautados pelo debate público e as demandas apresentadas pela sociedade são de extrema importância, ressalta o do-cumento da Transparência. Assim, os candidatos fir-mam compromissos com a população, que tem o de-ver de fiscalizar e cobrar dos governantes eleitos. O aposentado Nilton Nicolau Dias, 62 anos, concorda. “A população tem que se unir e fiscalizar mais, por-que ninguém exige nada”.

*Mateus Pereira

A participação política, hoje, é menor que no passado recente (1945-1968/ 1978-1990). É possível reverter esse quadro? Ini-cialmente, é preciso compreender algumas das razões do declínio da ação coletiva. Po-deríamos dizer que os principais fatores são: redução da cidadania ao consumo; desmobi-lização, fruto da força que a ideologia ne-oliberal adquiriu; institucionalização e coop-tação dos movimentos sociais; incapacidade de renovação das utopias transformadoras; e

Comentário

“Política é bom para os políticos. Eles não fazem nada pra gente. Isso não se resolve fácil”. Mª Lou-rença Martins, doméstica

“Na hora, prometem tudo, e depois ninguém cum-pre. Tanto dinheiro que eles ganham pra fazer o que com o povo? Com a saúde, a educação?” Irene das Dores Silva, doméstica

“Eu tenho certeza que o Brasil está evoluindo. Po-dia estar melhor, mas de-pende muito da popula-ção, não é apenas ficar cobrando dos políticos”. Evaldo Quintão, empresário

transformação da política em administração.Uma questão interessante para pen-

sarmos as possibilidades de democrati-zação da democracia é a construção de um horizonte onde as manifestações e o uso das redes sociais possam resul-tar em maior ação política organizada. É na internet que reside a esperança de mudança. Destaco dois bons exemplos, são eles: o Movimento Mariana Viva (www.marianaviva.blogspot.com.br) e o blog Cuidar de Mariana (www.cuidar-

demariana.blogspot.com.br).É possível que na eleição deste ano

possa surgir, pela sociedade, uma agen-da de ação com a finalidade de políticas mais inclusivas, justas e plurais. Nesse sentido, seria preciso que os atores sociais se organizassem em torno de questões tais como: quais são as reivindicações dos di-versos segmentos que vivem, por exem-plo, em Mariana?; qual é a cidade que queremos? Seria bem mais eficaz pautar os políticos do que ser pautado por eles.

Desafios que implicam em sacrifício em prol da coisa pública, virtudes cívi-cas e a submissão da economia à políti-ca em um contexto de narcisismo, consu-mismo e individualismo desenfreado. Só a política vivida como dissenso, conflito, mobilização social e ação coletiva pode, de fato, instaurar a emancipação, autono-mia e liberdade.*Doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor da Universidade Federal de Ouro Preto

Movimento incentiva transferência de títulos eleitoraisNatália aMbrósio

De um lado, uma sucessão de prefeitos, em curto período de tempo, marca o quadro polí-tico recente de Mariana. Do ou-tro, direitos básicos garantidos por lei aos estudantes são igno-rados. Para influenciar nas mu-danças dessas situações, os alu-nos da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) querem maior participação na vida po-lítica de Ouro Preto e Mariana, cidades onde vivem e estudam.

Além de históricos e turís-ticos, estes municípios também são reconhecidos pelo expressi-vo contingente de es-tudantes do ensino superior. Porém, eles são privados de di-reitos básicos garan-tidos por lei, como, por exemplo, o meio-passe no transporte público.

“Transfira UFOP”. Esse é o nome do movimen-to que apoia e incentiva os es-tudantes a transferirem seus títu-los eleitorais para as cidades de Ouro Preto e Mariana, afim de exercerem plenamente sua cida-dania. O estudante do curso de Ciência da Computação, Thiago Dias, é integrante do movimen-

to e justifica essa mobilização. Segundo ele, apesar de os estu-dantes, em sua maioria, morarem por pouco tempo nessas cidades universitárias, “eles viverão (na região) por cinco anos, e isso já é o bastante”. A ideia (do mo-vimento) é despertar o valor que um voto pode ter para mudar sua sociedade, e acho que de-pois de partirem, os estudantes se lembrarão deste valor”.

O universitário comenta que o movimento se organiza de muitas formas, seja de conver-sas nos corredores à reuniões na Universidade. Quando o Transfi-

ra UFOP” atin-gir seu obje-tivo de atrair um grande nú-mero de estu-dantes que vo-tem na região, o próximo pas-so será cons-cientizar sobre

a importância de se conhecer bem o candidato escolhido, vi-sando o que for melhor para os estudantes e o município como um todo.

O advogado marianense Fre-derico Ozanan é um admirador da iniciativa de cidadania dos jovens. Principalmente porque o

município possui um “complica-do quadro político”. “Acredito que o responsável por toda essa crise é a Justiça Eleitoral, por não resolver os problemas em tempo hábil, colocando e retiran-do candidatos do poder, quebran-do o ciclo de vida natural da po-lítica”, afirma.

Do ponto de vista da soció-loga Giulle da Mata, o impacto social dos estudantes no espaço público das cidades de Ouro Pre-to e Mariana é inegável. Além disso, pode fazer a diferença nas eleições de candidatos que ve-nham a zelar pela causa estudan-til. Porém, pondera que a políti-ca não deve se basear apenas em lealdades ou benefícios próprios, mas na capacidade de ação em favor do que é público”.

Ela ainda afirma que é pre-ciso considerar que a atividade política séria depende fundamen-talmente da consciência e estabi-lidade institucional. “A cidade tem dificuldade de se constituir como comunidade de interesses. Não há consenso sobre quais in-teresses públicos devem ser de-fendidos”, completa a socióloga.

A ação do movimento busca conscientizar os eleitores sobre a importância do voto para garan-tiar o acesso aos direitos básicos.

Datas importantes para as eleições de 2012

09 MAI Último dia para o eleitor requerer inscrição elei-toral ou transferência de domicílio.

06 JUL Início da propaganda eleitoral.

29 JUL Último dia para que os títulos de eleitores que requereram inscrição ou transferência es-tejam prontos para entrega.

08 AGO Último dia para o eleitor fora do seu domicílio eleitoral requerer a segunda via do título em qual-quer cartório eleitoral, esclarecendo se irá rece-bê-la na sua zona eleitoral ou naquela em que a requereu.

07 SET Último dia para entrega dos títulos eleito-rais resultantes dos pedidos de inscrição ou de transferência.

27 SET Último dia para o eleitor requerer a segun-da via do título eleitoral do seu domicílio eleitoral.

05 OUT Último dia para entrega da segunda via do título eleitoral.

07 OUT 1º turno das eleições municipais.

28 OUT 2º turno das eleições municipais.

PolÍtiCA

Em busca de reconhecimento de seus direitos estudantis, alunos da UFoP se reúnem para discutir sobre a política local

peDro fernanDes

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A ideia do movimento é despertar o valor que um voto pode ter.

Thiago Dias

Fonte: www.tse.jus.br

Edição06_página3_Maressa_Laio.indd FECHADA BRUNA 3 03/05/12 18:11

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4 Edição: Ana Luísa Ruggieri e Maysa Souza Abril de 2012

mite falhas na elaboração do projeto de transposição do córrego, e que, como a obra estava em caráter de emer-gência, o prazo estipulado para realizá-la não foi o su-ficiente. “Tivemos que trocar os pneus com o carro andan-do”, compara. E completa: “todos os envolvidos com a obra têm uma parcela de cul-pa nisso”. Ele diz entender e se solidarizar com a situação dos comerciantes. “Não tiro a razão de ninguém que está reclamando. Só quem está sofrendo com isso sabe como é ruim”., finaliza.

Para alguns comercian-tes, a saída é buscar reaver, na Justiça, o prejuízo cau-sado com transtorno. Gilmar Marques, da Eletro Marques, além de recorrer à Justiça pe-los prejuízos nos negócios, pretende mover também uma ação por danos morais. Isso porque cada vez que alguém entra em sua casa, passa pelo incômodo de sujar os pés com barro. “Quando chove, mal dá pra sair ou entrar em casa”, lamenta.

Outros, como Sandro Castro, da Escapamentos São Geraldo, afirmam que não acionarão a Justiça. “Só quero que essa obra acabe para que tudo volte ao nor-mal”. Sem dúvida, esse sen-timento é compartilhado por toda a cidade.

cia que contraria o princí-pio da igualdade, do artigo 30 da Lei 8.666/9. Além disso, uma parte da pon-tuação das concorrentes era feita de maneira sub-jetiva, “advinda exclusiva-

Transporte: concessão

Acessibilidade

Edital vencido pela Transcotta, em Mariana, em 2003, apresentava termos que favoreciam a empresa; desde então a concessão é alvo de processos no Tribunal de Justiça. A companhia diz que seu serviço não pode ser interrompido

De acordo com o Estatuto do Idoso, os ônibus são obrigados a destinar, pelo menos, 10% das vagas para maiores de 60 anos, o que representa quatro vagas em um coletivo. Em Mariana, esse cálcu-lo é seguido à risca, porém, não é sufi-ciente para atender a demanda. É o que reclama o aposentado Floriano da Silva, de 84 anos. “No ônibus para Santa Rita Durão (Vale do Ouro) tem apenas quatro vagas para idosos, e os demais têm que pagar passagem. Acontece de vir quase dez idosos pagantes”.

Quanto aos deficientes físicos, a Lei Federal n° 7.853, de 24/10/89, afirma que as edificações públicas, assim como os meios de transporte devem ser de fá-cil acesso às pessoas com deficiência.

Em Mariana, os ônibus não contam com o mecanismo para o acesso, principalmen-te dos cadeirantes.

O atual secretário de Transportes do município, Ildeu Alves, que assumiu o cargo em abril deste ano, afirma que não há previsão para a adaptação dos ôni-bus aos deficientes físicos, apesar de es-tar ciente dessa necessidade.

A marianense Teresa de Oliveira, que tem uma deficiência na perna, conta que, apesar de ser transportada gratuitamente, é muito difícil subir as escadas estreitas do ônibus, além de ter que enfrentar o des-caso de motoristas e trocadores. Ela recla-ma também, que os horários dos ônibus não atendem às necessidades dos morado-res dos bairros de difícil acesso.

Comerciantes reclamam das obras do Catete

A transposição do córrego do Catete, na Avenida Nossa Senhora do Carmo, em Ma-riana, está chegando ao fim. A data estipula-da pela Secretaria de Obras da Prefeitura de Mariana, para que o trabalho seja concluído, é 15 de maio.

Projetada para ser realizada em 180 dias, em caráter de emergência, atrasos na obra adiaram o prazo duas vezes. Caso o novo prazo seja cumprido, a obra completará exa-tamente um ano assim que for concluída.

Os 1.041 metros da nova rede de es-goto já estão prontos, segundo informa-ções da Secretaria de Obras. Faltam agora obras auxiliares e de conclusão na Ave-nida Nossa Senhora do Carmo, no Bairro Vila do Carmo. O contrato firmado en-tre a Prefeitura de Mariana e a Comple-

Prejuízo chega a 70% no atendimento; prefeitura admite falhas no projeto

Gilmar Marques é um dos muitos proprietários de estabelecimentos comerciais na Avenida Nossa Senhora

do Carmo, principal via de entrada e saída da cidade de Mariana. E, assim como muitos outros que traba-lham ali, sente no bolso os prejuízos que a transposi-ção do Córrego do Catete trouxe desde o seu início, em maio do ano passado.

A autoelétrica Eletro Marques existe há mais de 20 anos e trabalha com em-presas como Vale e Samar-co. Porém, há cerca de seis meses, não consegue receber máquinas e veículos de gran-de porte.

Uma imensa cratera aber-ta em frente à loja impe-de a passagem de veículos e causa prejuízos que che-gam a 70%. Gilmar só con-segue atender carros de pas-seio devido a outro espaço improvisado, próximo ao seu comércio.

Ele não pode deixar de se queixar nem quan-do chega em casa. Como mora exatamente em cima da loja, os problemas au-mentam com barro e po-eira. “Minha filha já teve crise alérgica e eu estou lutando contra uma bron-quite, há três meses, por causa da poeira que invade a minha casa”.

Prevista para terminar em 180 dias, em caráter de emergência, as obras de drenagem e transposi-

ção do Córrego do Cate-te já se estendem por mais de nove meses, causando indignação e prejuízos aos donos de estabelecimentos comerciais. Com buracos que nunca fecham, trânsi-to desviado e muita poei-ra (que se transforma em lama, quando chove), os comerciantes já não sabem mais o que fazer com tan-to transtorno.

“Nosso prejuízo foi de

15%. Antes tínhamos cinco vendedores, agora estamos com três. Perdemos funcio-nários que pediram demis-são por não conseguirem cumprir a meta e, conse-quentemente, ganharem sua comissão. E nós nada pode-mos fazer porque estamos de mãos atadas. Todos nós perdemos com isso”, pro-testa o gerente da Nacional Tintas, André Carlos.

FalhasO engenheiro de obras da

Prefeitura de Mariana, Car-los Henrique Antunes, ad-

Veículos lotados, em condições precárias, e atra-sos nos horários são pro-blemas que viraram rotina para os usuários de trans-porte público em Maria-na. Além disso, a conces-são desse serviço, há mais de oito anos, é alvo de um processo na Justiça.

O edital 002/03, divul-gado em 2003, abriu con-corrência para o serviço de transporte público no mu-nicípio e foi vencido pela Transcotta Agência de Via-gens LTDA. Em novembro do mesmo ano, o edital foi encaminhado ao Tribunal de Justiça de Minas Ge-

rais (TJMG) pela vereado-ra Aída Anacleto (PT), por apresentar termos que, de acordo com o processo, fa-voreciam a empresa.

Entre as falhas aponta-das na ação judicial, o edi-tal exigia que os concor-rentes estivessem inscritos no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA), o que não teria nenhuma ligação com a função de transpor-tar passageiros.

Outro critério de clas-sificação favorecia as em-presas que já se encon-travam estabelecidas e possuíam garagem no mu-nicípio de Mariana, exigên-

mente do íntimo dos in-tegrantes da Comissão de Licitação”, como apontado no processo.

O edital também pre-via pontuação diferenciada em relação ao tempo de ex-periência de cada licitante, o que, segundo o processo, viola o princípio da impesso-alidade previsto no artigo 30, da Lei 8.666/93.

Em novembro de 2004, o juiz Wagner de Oliveira Ca-valieri, que julgou a ação, decidiu pela anulação do edi-tal. “Com tais considerações, dou provimento ao agravo, para reformar a decisão aca-tada e deferir a liminar plei-teada no mandado de segu-rança”, sentenciou.

Cerca de um mês após a decisão judicial, a Transcot-ta, representada por Rena-to Andrei de Castro Cotta, e o então prefeito Celso Cota, assinaram o contrato da con-

cessão do serviço de trans-porte público, por 20 anos, com possibilidade de prorro-gação por igual período.

Mesmo com a determi-

nação judicial de anular o edital, a empresa Transcot-ta permanece à frente do serviço de transporte públi-co na cidade.

Segundo o ex-secretário municipal de Transportes, Jamil Abjaudi, as constantes mudanças na prefeitura difi-cultaram a realização de um novo edital, que, segundo ele, “precisa ser feito o mais rápido possível”.

O advogado da Transcotta, Bru-no Camillo-

ta Engenharia, responsável pela obra, foi de R$ 20 milhões. Desses, já foram gas-tos R$ 19 milhões.

Essas intervenções não serão as últimas., pois o antigo córrego deverá passar por re-formas para minimizar os efeitos do desgas-te Segundo o engenheiro de obras da prefei-tura municipal, Carlos Henrique Antunes, a conclusão de transposição do córrego do Catete representa apenas três das sete eta-pas necessárias para que o problema possa ser resolvido definitivamente. “Nas próxi-mas semanas será feito um estudo para deci-dir o que fazer com a antiga rede de esgotos, que já está bastante desgastada e pode ofe-recer novos riscos à população. A partir daí abriremos licitação para dar início às novas obras”, afirma.

Para-choque quebrado ilustra as condições do transporte

CidAdES

to, admite a importância da elaboração de um novo edi-tal, e explica que a empre-sa continua atuando na ci-dade porque o serviço de transporte “é essencial para a população e não pode ser interrompido”.

Além disso, Bruno Ca-milloto afirma que o proces-so para o cancelamento do edital aponta falhas da Co-missão Permanente de Lici-tação, presidida na época por Rogério de Souza Moreira, e não da empresa.

A vereadora Aida Ana-cleto ressalta que a popula-ção deve ser ouvida para a elaboração de um novo edi-tal, que “realmente atenda as necessidades dos marianenses”, salienta.

irregular

Rafael CamaRa

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Kleiton Borges

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O comerciante Gilmar Marques mostra o acesso à sua loja, prejudicado pelas obras na Avenida Nossa Senhora do Carmo, que já duram mais de nove meses.

Tivemos que trocar os pneus

com o carro andando.Carlos AntunesTransposição próxima do fim

As mudanças na prefeitura dificultaram a realização de um novo

edital.Jamil Abjaudi

Usuários disputam espaço na fila do ônibus

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5Abril de 2012 Edição: Mickael Barbieri e Lorena Silva

Quem vaiCaCau Dias

“Até agora só um [dos envolvidos] está preso”, disse o proprietário de uma joalheria arrombada recen-temente em Mariana, que prefere o anonimato, e que ainda não recuperou os bens de valor. Ele atribui o prejuízo ao aumento gene-ralizado da criminalidade.

A afirmação condiz com os dados da Polí-cia Militar (PM) que mos-tram que, em 2011, Ma-riana teve um aumento de 65,7% dos índices de cri-mes violentos. Foram 63 ocorrências no ano passado e 38, em 2010.

Em Ouro Preto, os cri-mes violentos cresceram 91,6%, passando de 36 re-gistros, em 2010, para 69, em 2011. Se forem consi-derados os homicídios re-gistrados no mesmo perío-do, os números saltam de 49, em 2010, para 75, em 2011, registros de violência em Mariana; e de 40, em 2010, para 74, em 2011, em Ouro Preto.

ContradiçãoSegundo o Instituto Bra-

sileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE), censo 2010, Mariana tem 54.219 habi-tantes, e Ouro Preto apre-senta uma população de 70.281 pessoas. Adminis-trativamente, os dois muni-cípios integram a mesorre-gião metropolitana de Belo Horizonte.

A primaz de Minas teve cinco prefeitos desde 2008

Os moradores de Ouro Preto e Maria-na, ouvidos nesta reportagem, preferiram não se identificar. O comerciante, citado no início desta matéria, está no ramo há oito anos, e, há menos de quatro, abriu uma loja em Mariana.

Ele já havia sofrido um assalto em outro município do interior mineiro, onde também possuía um estabelecimento co-mercial. Isto foi há sete anos, quando ele e uma funcionária foram rendidos por bandidos armados, dentro da loja. Trau-matizado, o comerciante disse não con-fiar no fato de que o poder público pos-sa protegê-lo, por isso, está investindo em vigilância particular.

JovensUma moradora do Bairro Taquaral,

em Ouro Preto, onde vive há 18 anos, contou que, nos últimos anos, soube de quatro crimes violentos no local. Para ela, o Programa Educacional de Resis-tência às Drogas e à Violência (PRO-ERD) é uma iniciativa que tem ajudado na redução a criminalidade.

Durma-se com umaliCe Piermatei

Em janeiro de 2012, os vizinhos do Sagarana Café Teatro, localizado no Bair-ro Chácara, em Mariana, entraram na Promotoria Municipal com uma ação contra o estabelecimento. Entre as reclamações es-tava a afirmação de que o som emitido pelas fes-tas realizadas na casa ul-trapassava os 70 decibéis, quando o máximo permiti-do por lei, no período no-turno, é de 60 decibéis. O juiz da comarca de Ma-riana, Dr. Antônio Carlos Braga, não acatou a ação, pois julgou o texto do pro-motor impreciso.

A ação afirmava que a casa noturna ocupava as calçadas da Rua Cônego Amado com mesas e ca-deiras, além de emitir som acima dos decibéis permi-tidos. No entanto, o Saga-rana não utiliza as calçadas e, segundo a proprietá-ria Ana Gastelois, nunca houve medição do som na casa noturna.

A informação foi con-firmada pela fiscal de Pos-turas de Mariana, Lourdes Aparecida do Carmo. “Ne-nhum tipo de medição de decibéis foi feita no local,

Além dos números

barulho

De 2010 para 2011, os índices de crimes violentos aumentaram 65,7% em Mariana e 91,6% em Ouro Preto

e, atualmente, está sem de-legado de Polícia Civil e juiz em sua comarca.

No mesmo período cita-do, a taxa de crimes vio-lentos (homicídios, estupros e roubos, tentados e consu-mados) cresceu 10,8%, no estado de Minas Gerais.

O índice, que em 2010 era de 250,5 crimes por 100 mil habitantes, passou para 277,7 em 2011, se-gundo dados do Centro In-tegrado de Informações de Defesa Social (CINDS), da Secretaria de Estado de

Um morador criado no Bairro Cami-nho da Fábrica, em Ouro Preto, contou que o lugar sempre foi considerado vio-lento. Na última década, segundo ele, a situação piorou devido aos casos de adolescentes que se envolveram com o tráfico, ou são usuários de drogas, e têm roubado e depredado casas no bairro.

Ele afirma ainda que no local há me-nos patrulhamento do que deveria haver, e depois das 22 horas os moradores não se sentem seguros para circular pelas ruas do bairro. Reclamou que, devido a assaltos aos ônibus das linhas Bauxi-ta-Santa Cruz e Cooperouro-Santa Cruz (da empresa Turin), os coletivos não so-bem ao ponto da rua da Igreja de San-ta Efigênia.

A assessoria de comunicação da em-presa Turin informou que não foi identi-ficado em seus registros o referido pon-to de parada e disse, ainda, que no período de chuvas alguns itinerários fo-ram alterados por ordem da Prefeitura. Por isso, não poderia confirmar o que motivou tal mudança.

proteger

Sem aparelho medidor de decibéis, Fiscalização de Mariana não pode multar quem ultrapassa níveis permitidos de som

Ouro PretoMariana

dessesdesde setembro de 2011 até abril deste ano, porque o órgão não recebeu de-núncia relativa ao Sagarana no período citado”, afirma.

A Fiscalização de Ma-riana não possui o aparelho Medidor de Nível de Pres-são Sonora (MNPS), tam-bém conhecido como deci-belímetro, já que ele parou de funcionar. De acor-do com a fiscal Valdire-ne Mendes, nenhum dos responsáveis se interessou pelo seu conserto.

Ou seja, ao se dirigirem aos locais denunciados por cidadãos incomodados com o barulho alheio, os fiscais não têm como averiguar se o som excedeu o limite permitido. Solicitado outro aparelho junto à Prefeitura de Mariana, a Fiscalização de Posturas não teve retor-no sobre a compra.

Medição O decibelímetro mede

o nível da pressão sono-ra emitida e o transforma em decibéis. O valor emiti-do por ele é que comprova se um estabelecimento está excedendo ou não o limite de emissão de som permi-tido por lei.

A Fiscalização de Pos-

você?POLícIa

turas é o órgão que ins-peciona bares, casas de show, obras e outros tipos de atividade dentro da ci-dade, que podem pertur-bar ou incomodar os vizi-nhos. Em Ouro Preto, atua com base na Lei Munici-pal 178/80, que é o Código de Posturas do município, bem como na Lei 16/2006, conhecida como Lei do Silêncio. Em Mariana, o LAMPIÃO não teve aces-so às leis que regulamen-tam o trabalho da fiscali-zação, apesar de solicitar a informação aos respon-sáveis. Nas duas cidades, as fiscalizações funcionam diariamente.

Como funcionaEm Mariana, mesmo

sem o decibelímetro, o se-tor atende, principalmen-te, denúncias sobre som alto em bares, repúblicas e, também, falta de alvará de funcionamento dos estabe-lecimentos. A maioria das denúncias diz respeito aos bares do Centro Histórico da cidade.

Em Ouro Preto, além de atender as denúncias, o órgão também realiza vis-torias regulares a lugares em que o sossego dos mo-

Defesa Social (Seds).Os números foram ques-

tionados em matéria publi-cada pelo jornal Hoje Em Dia, de Belo Horizonte, em 06 de fevereiro deste ano. A reportagem “PMs acusam comando de mani-pular dados de crimes” traz a denúncia de policiais mi-litares (de determinado ba-talhão) forçados por seus superiores a registrarem as ocorrências como se fos-sem “menos agressivas”, para “melhorar” as taxas do Estado e ganharem bô-nus de produtividade.

Sobre o crescimento do

radores é constantemente perturbado.

Na primeira vez que re-cebe a denúncia, o fiscal vai ao local com o deci-belímetro e faz a medição. Se o som estiver acima do permitido, é feita a noti-ficação preliminar. Se não ultrapassar o limite, é reco-mendada a redução do vo-lume do som.

Se o local denunciado for reincidente, aplica-se a multa. O valor mínimo em Ouro Preto é de 50 vezes a Unidade Padrão Munici-pal (UPM), sendo que cada uma equivale a R$ 60,75. Ou seja, a menor quantia a ser desembolsada por um infrator é de R$ 3.037,50. As multas são pagas ao Departamento de Receitas do município, que emite uma guia com o valor a ser pago.

Em Mariana, a Procu-radoria toma providências em relação aos reinciden-tes. A guia para o paga-mento também é emitida pela Receita Municipal.

Para mais informações, a Fiscalização de Postu-ras de Mariana atende pelo telefone 3557-9098; em Ouro Preto pelo 3559-3442 e 3559-3108.

a primaz de Minas,

atualmente, está sem

delegado de Polícia civil e juiz em

sua comarca.

índice de criminalidade na região de Mariana e Ouro Preto, o responsável pela comunicação do 52º Bata-lhão da PM-MG, em Ouro Preto, capitão Laércio Jorge Marques, disse que “o ano de 2010 foi atípico, devi-do aos baixos índices”. “Já os números de 2011 estão abaixo do que foi registra-do em 2008, permanecen-do em um nível aceitável”.

Em relação às práticas de combate ao crime, o ca-pitão informou que a PM realiza policiamento pre-ventivo nos bairros e tem reforçado a apreensão de armas de fogo.

DrogasPara o comandante da

Polícia Militar de Maria-na, 1º tenente Gláucio Ca-etano, o tráfico nessas ci-dades, o uso de drogas e, também, a maior circula-ção de veículos e dinheiro têm atraído quadrilhas es-pecializadas para a Região dos Inconfidentes. Esse fato faz com que o núme-ro dos registros e a fal-ta de segurança aumentem.

Em novembro de 2011, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou Minas Gerais como o Es-tado que mais investe no setor, ao mesmo tempo que, contraditoriamente, o registro de crimes violen-tos voltou a crescer. Mi-nas, ao lado do estado de Alagoas, destina 13,4% de seus recursos para a segu-rança pública.

Fonte: 52º Batalhão da PMMG, de Ouro Preto

Fonte: http://www.mspc.eng.br/tecdiv/somdb130.shtml

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6 Edição: Renata Felício e Natália Ambrósio Abril de 2012

Expansão: as mudanças que a cidade enfrenta

Mais gente nas calçadas, mais dinhei-ro circulando. Por outro lado, menos es-paço. Essa é a atual situação de Mariana devido aos reflexos da expansão das mi-neradoras e da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Se alguns setores da sociedade são beneficiados por esse pro-cesso, outros continuam com problemas frente a falta de investimentos e de in-fraestrutura. Os exemplos estão nas áreas de saúde, meio ambiente, lazer, moradia e comércio, que lidam com a presença da população flutuante. As melhorias na ci-dade são lembradas pelo advogado maria-nense Frederico Ozanan. “Antes, as pes-soas tinham de sair da cidade para fazer a vida e estudar. A coleta de lixo era fei-ta com carroças e era difícil ir até Ouro Preto porque a estrada era ruim”, conta.

Crescimento chinêsDurante a exploração do ouro, nos sé-

culos XVIII e XIX, os recursos benefi-ciaram principalmente a Inglaterra, no pe-ríodo chamado de Revolução Industrial. Por volta de 30 anos atrás, outra deman-da internacional voltou a atenção das mi-neradoras Vale e Samarco para o minério de ferro encontrado na cidade: o cresci-mento econômico da China. Mais de 50% do aço no mundo vão para esse país. O Brasil e a Austrália são grandes produto-res mundiais de minério de ferro e for-mam o chamado Mercado Transoceânico.

Mariana despreparadaPara a vereadora Aída Anacleto (PT),

as mineradoras não prepararam a cidade para receber as expansões. “A Vale já chegou a propor melhorias, mas com re-cursos públicos do Programa de Acelera-ção do Crescimento (PAC), o que não é justo, porque o faturamento da empresa é muito grande e a dívida dela com a cida-de é de quase R$ 230 milhões em royal-ties”. Conforme a Gerência de Comunica-

“-Tem picolé de creme?-Não, porque é o que

mais vende.-Uai, se é o que mais

vende, é o que mais deve-ria ter!”

Com esse exemplo, em tom “mineirês”, o gestor administrativo da Associa-ção Comercial de Maria-na, Heliélcio Vieira, define a economia local. Para ele, o empresariado evolui jun-to à expansão populacional da cidade, mas ainda deixa a desejar no quesito plane-jamento. “Hoje temos mais a oferecer que há 20 anos. Mariana está de cara nova e a facilidade de compra é muito maior. O empre-sariado tem feito sua par-te, mas não pode esque-cer que, com a expansão, o consumidor se torna mais exigente, e o que é bom hoje, pode não ser ama-nhã, por isso temos que nos planejar”, afirma.

Mariana tem, atualmen-te, cerca de 1,5 mil es-tabelecimentos comerciais e, segundo Heliélcio, há

os habitan-tes de longa data, a cidade está melhor hoje. Quanto aos entraves à melhoria da qualidade de vida, o fato é atribuído à instabilidade política. “As falhas que te-mos são fruto das incons-tantes administrações do município. Para que eco-nomia e qualidade de vida caminhem juntas é neces-sário regularidade na Pre-feitura”, avalia Heliélcio.

EmpregoHá oferta em todos os

setores, sobretudo na mi-neração, onde as áreas de Elétrica e Mecânica são as que têm mais vagas. Os dados são do Sistema Na-cional de Empregos (SI-NE-Mariana) que, recente-mente, fechou sua primeira parceria com a Samarco Mineração, para valorizar a mão-de-obra local.

Os empregados e em-pregadores concordam que a oferta é grande, porém, para os últimos, faltam

profissionais quali-ficados no comércio.

“A mão-de-obra exis-te, mas é difícil encontrar gente capacitada. Temos que treinar os funcioná-rios e faltam cursos de capacitação em Maria-na”, afirma a proprietária do restaurante Gaveteiros, Valéria Araújo.

Segundo o coorde-nador do SINE-Maria-na, Gustavo Ribeiro, as pessoas estão entendendo que as vagas exigem cada vez mais qualificação dos profissionais. “Eles estão buscando se qualificar, principalmente nas áreas técnicas. Vejo isso por-que as vagas que reque-rem menos qualificação, como pedreiro e carpin-teiro, estão ociosas aqui no SINE”, afirma.

Para quem procura por um emprego, o SI-NE-Mariana oferece va-gas de trabalho na cidade. Para mais informações o endereço é Rua Wences-lau Braz, 88, no Centro. Telefone: (31)3558-2001

Mickael BarBieri

ThaliTa Neves

Todo semestre, cerca de 350 alunos ingressam nos dois institutos da Univer-sidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Maria-na. Esse processo acentua a expansão que a cidade vem passando nos últimos anos e faz com que sofra por não oferecer moradias suficientes.

No fim da década de 70, foi implantado na cida-de o Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), com os cursos de Letras e História. Em 2008, cinco novos cursos foram aber-tos, resultados do Programa de Reestruturação e Ex-pansão das Universidades

Federais (Reuni). Quatro deles (Administração, Ciên-cias Econômicas, Jornalis-mo e Serviço Social) estão no prédio do antigo colé-gio Padre Avelar, hoje Ins-tituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), enquan-to o quinto (Pedagogia) está abrigado no ICHS.

Nesse cenário, a ausên-cia de moradia é o princi-pal problema que afeta os universitários, e gera outro ainda mais grave: a espe-culação imobiliária. “O alu-no tem que morar em lu-gares cada vez mais longes e pagar aluguéis altos. O mesmo acontece com pro-fessores, que vêm de ou-tras cidades e muitas ve-

zes não se adequam da melhor manei-ra. Na primeira opor-tunidade que têm, re-tornam às suas cidades natais”, explica o dire-tor do ICHS, professor

William Menezes.Segundo o reitor da

UFOP, João Luiz Martins, “a universidade tem duas frentes que costuma uti-lizar para tentar amenizar esses efeitos: a bolsa per-manência e de alimenta-ção, para fixação do estu-dante e ajuda dos custeios; e a moradia estudantil. Em Mariana já estão sendo construídas moradias atrás do Posto Sorriso, na Rua do Catete, em que 120 va-gas serão entregues”.

BenefíciosPor outro lado, a inser-

ção da UFOP em Maria-na tem apectos positivos. Para a contadora Maria de

loreNa silva

Lourdes Pereira, morado-ra da cidade há 40 anos, “a presença da universida-de trouxe muitos benefí-cios na questão do desen-volvimento econômico e na educação. Incentivou a po-pulação a estudar e melho-rar a situação da cidade.”.

A universidade man-tém, ainda, um constante contato com a comunida-de. O projeto “UFOP com a Escola”, criado em 2006, conta com a participação de professores das áreas da Educação e das Ciências Humanas. Seu objetivo é melhorar a formação dos professores que atuam em escolas de ensino funda-mental e médio da cidade.

Além disso, cresceu o número de alunos que in-gressam na UFOP e são moradores de Mariana e região. Em 2005, esse nú-mero era de 8%, agora já está em torno de 30%.

empreendedores com in-vestimentos “em ponto de bala” para aplicar na ci-dade, principalmente nos ramos alimentício e de entretenimento.

Para o gerente da pa-daria Vitória, Allan Dilly, não houve tempo de plane-jar a expansão do negócio. “A expansão veio rápida demais, comprometendo o que podíamos suportar. Só este ano contratamos sete funcionários e aumentamos o espaço de lanchonete, que suportava dez pesso-as sentadas e hoje supor-ta 23”.

Segundo a proprietá-ria da farmácia Dom Bos-co, Regina Ferreira, a ex-pansão trouxe benefícios ao comércio, mas prejudicou o tráfego. “Hoje todo mun-do tem carro e, por isso, o trânsito aqui é caótico, além de faltar estaciona-mento”, afirma.

Mariana vive uma evo-lução. Quem chega à cida-de para estudar ou trabalhar geralmente não identifi-ca as mudanças mas, para

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7Edição: Renata Felício e Natália AmbrósioAbril de 2012

Expansão: as mudanças que a cidade enfrenta

ção da Vale, a empresa investiu recursos próprios em projetos de engenharia com-patíveis com as exigências de órgãos fe-derais, e tem trabalhado em parceria com o poder público para solucionar proble-mas dos municípios em que está presente. Sobre a dívida, a Vale disse que mantém em dia o pagamento dos tributos devidos e que a discussão sobre os royalties do minério corre em âmbito judicial.

Em 1979, a Casa de Cultura local promoveu o I Encontro para o Desen-volvimento de Mariana (EDEM I). Uma das reivindicações atendidas, a partir des-sa mobilização, foi a construção da Ro-dovia do Contorno, para que o fluxo de veículos pesados fosse desviado do cen-tro histórico de Mariana.

Segundo a vereadora, as empresas pro-metem gerar vagas para trabalhadores do município, mas o que acontece é a im-portação de mão-de-obra de outras re-giões para trabalhar em serviços tercei-rizados, enquanto a qualificação local é deixada de lado. A Vale argumenta que faz investimentos em Programas de For-mação Profissional, em parceria com o Senai, e que capacita jovens da região em áreas relacionadas à mineração.

Aluguéis altosCom efeito, a já alta especulação imo-

biliária cresceu exponencialmente nos úl-timos dois anos por conta da expansão de mineradoras e da Universidade. Boa parte dos imóveis que os estudantes ocu-pam do não condiz com o valor cobrado pelos altos aluguéis, sendo o preço mui-tas vezes superfaturado. Quem nasceu na região também enfrenta dificuldades para conseguir moradia. Mas, o reitor da Uni-versidade, professor João Luiz Martins, acredita que a UFOP vai trazer mudan-ças para a cidade no futuro. “A educa-ção é central para o desenvolvimento de qualquer cidade ligada à mineração, por-que o minério é finito”, explica.

Muitas filas e poucos médicos nos dois únicos centros de saúde pública de Mariana. O problema é o número elevado de pa-cientes em comparação ao número de médicos. Esti-ma-se que, somente na Po-liclínica, 600 pessoas são atendidas por dia, enquanto a cidade conta com apenas 21 clínicos gerais e dez pediatras no atendimen-to público. Para o secre-tário municipal da saúde, Altacir Barros, o momen-to é de quase calamidade pública.

O município conta com uma policlínica, ge-rida pela prefeitura, e um hospital privado, o Monse-nhor Horta, que, em par-ceria com a administração pública, atende pacientes do Sistema Único de Saú-de (SUS). Os dois centros sofrem com a alta deman-da de pacientes. Altacir Barros afirma que as filas são explicadas pelo mo-mento de expansão viven-ciado pelo município, pois a verba que a cidade re-

cebe para a saúde não acompanha o crescimento. “O Governo trabalha com dados do último Cen-so, que es-

tima que Mariana tenha 54 mil habitantes, porém, tra-balhamos com uma proje-ção da população que che-ga a 70 mil”, explica.

As mineradoras contra-tam empreiteiras para a mi-neração. Seus funcionários se tornam moradores flutu-antes da cidade. De acordo com o diretor do Sindica-to Metabase Inconfidentes, Valério dos Santos, a Vale passou a exigir das empre-sas contratadas um plano de saúde há três anos, mas são planos precários, “e os trabalhadores acabam obri-gados a irem para as filas do SUS de Mariana”.

Os pacientes da rede privada também sofrem as consequências da expan-são. Para marcar consultas leva-se meses. A qualida-de do atendimento, para os que têm convênio médico, também deixa a desejar. É o que diz o comerciante Claudson Monteiro, “É a mesma coisa que ser aten-dido pelo SUS. Você che-ga lá, tem 50 pessoas na sua frente, e você tem que esperar”. “O atendimento é o mesmo”, critica.

O secretário munici-pal da Saúde afirma que será construída uma Unida-de de Pronto Atendimento (UPA), em Mariana, para tentar sanar os efeitos do crescimento populacional.

Com a expansão das mi-neradoras e a instalação do novo campus da UFOP, em Mariana, em 2008, a pres-são populacional foi inevi-tável. Porém, a área urbana do município não suporta a nova demanda de morado-res. O secretário municipal do Meio Ambiente, Marce-lo Albano, diz que a pre-feitura “está tomando cui-dado para que as áreas de preservação ambiental não sejam afetadas”, contudo, o meio ambiente sofre outras consequências.

Alguns bairros que cres-cem ao redor de áreas de preservação ambiental, por exemplo, acabam interfe-rindo nessas localidades. É o caso do Santa Rita, no entorno do Parque do Ita-colomy. Os moradores pro-vocam queimadas que afe-tam o parque.

Outro exemplo é o Bair-ro São Cristóvão, com ca-sas às margens do Córrego do Canela. Com o assorea-mento da margem do cór-rego e o excesso de chu-vas, a água transbordou colocando em risco os mo-

radores locais. O proble-ma expõe a falta de fisca-lização dos órgãos públicos diante da ocupação irregu-lar de áreas próximas ao leito de rios e córregos.

Quanto maior o núme-ro de moradores, maior a produção de lixo. Marce-lo Albano diz que “o ater-ro sanitário deveria supor-tar 30 anos de carga, agora o tempo de vida dele di-minui”. Além disso, o au-mento dos carros na cidade prejudica a qualidade do ar com a maior emissão de monóxido de carbono.

A mineração traz con-sequências irreparáveis ao meio ambiente. Para o di-retor do Sindicato Meta-base Inconfidentes, Valério dos Santos, “as minerado-ras não têm preocupação sócio-ambiental”. A críti-ca é rebatida pela Vale. “Somos uma empresa que preza o desenvolvimento de suas atividades de for-ma sustentável”.

Valério revela também que a Vale tem um pro-jeto para explorar o mi-nério itabirito, com início em 2013. “A mineração vai custar um investimento de R$ 8,5 bilhões e a área a ser explorada abriga ves-tígios de Mata Atlântica e serras”, diz. A Vale nega a afirmação e explica que o projeto apresentado é o Mariana Itabiritos, que se trata basicamente da cons-trução de uma usina e de-estruturas com o intuito de aproveitar os minérios de baixo teor.

aNa luísa ruggieri

aNa luísa ruggieri

Saúde, educação e se-gurança não são as únicas necessidades básicas para o ser humano. Entretenimen-to e cultura também são itens fundamentais para uma boa formação e bem estar. Com a nova deman-da de moradores, o muni-cípio de Mariana tem di-ficuldade em atender a população quando o assun-to é lazer e diversão.

A cidade possui poucas áreas de convivência e des-contração. “Eu não vejo la-zer em Mariana. Onde tem pra gente ir com o filho além do Jardim? A gen-te vai lá, tá lotado de gen-te e não tem como brincar com o filho”, afirma a cai-xa de comércio Eliana Vi-çoso Ramos, moradora do município. Eliana diz que o mesmo acontece com a Estação do Trem da Vale.

Outros afirmam que não passeiam aos finais de se-mana, pois não têm dinhei-ro para frequentar lugares privados da cidade, que são as únicas opções na falta de espaços públicos.

26 anos, diz que prefe-re ficar em casa ao invés de sair na cidade. “Quase não saio em Mariana por-que aqui não tem lugar para sair. Quando tem, são algumas festas universitá-rias”, diz a estudante. Já a estudante de Economia Elana Fernandes, 20 anos, concorda. “O que acontece em Mariana, quando não é feito pelos próprios alunos, é de custo um pouco ina-cessível para a nossa rea-lidade ou então não possui divulgação suficiente”.

Devido à falta de op-ções, muitos moradores procuram meios alterna-tivos de diversão. O que mais pode ser observado é o ponto de ônibus para Ouro Preto lotado de pes-soas nos finais de sema-na, que vão passear na ci-

dade vizinha. Festas em residências, principalmente nas repúblicas estudantis, também são comuns, ge-rando conflitos devido à potência do som em horá-rios impróprios.

A cidade de Mariana não tem mais para onde crescer, o que dificulta a construção de um novo ambiente de lazer que comporte grandes públicos e diferentes tipos de inte-resses culturais na cidade. Resta à prefeitura propor parcerias com espaços pri-vados para suprir a neces-sidade de diversão e lazer da população.

O LAMPIÃO contactou a prefeitura para conhecer propostas da administração municipal para solucionar o problema, mas ela prefe-riu não se pronunciar.

Quase não saio em Mariana

porque aqui não tem

lugar para sair.

Elana Fernandes

A situação não é dife-rente para os estudantes da UFOP. A estudante de Ser-viço Social Rafaela Barros,

aNa luísa ruggieri

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8 Edição: Cacau Dias e Thalita Neves Abril de 2012

Quanto se paga pelo ?

para suas casas, se sujeitando ao risco. Aquelas que se encaixaram nos critérios socioeconômicos do programa social Bolsa Moradia, recebem R$ 250,00 para alugar um imóvel.

A família do aposentado Vi-cente dos Santos, 65 anos, não conseguiu esse benefício e paga, com dificuldade, R$ 500,00 de aluguel. Ele, a esposa, as duas filhas, o genro e o neto tive-ram que deixar a casa onde vi-viam no Taquaral porque, segun-do laudo da Prefeitura de Ouro Preto, o imóvel, que é geminado a outro, causa risco às residên-cias vizinhas, e, assim como ou-tros dois imóveis no bairro, deve ser demolido.

A auxiliar de cozinha, Joana Ferreira, 25 anos, filha de Vi-cente, conta que a família não autorizou a Procuradoria Jurídi-ca da Prefeitura de Ouro Preto a realizar a demolição. “A gente não autorizou demolir. Aí a Pre-feitura entrou na Justiça. A gen-te quer uma indenização. Prefe-rimos receber pouco do que não receber nada”, disse.

Pablo Gomes

Q u e m precisa alu-gar um imó-vel, em Ma-

riana, sabe que os preços estão, desde sempre, pela hora da mor-te. Mil, mil e duzentos reais em uma casa com três quartos, no Bairro Colina, não é para qual-quer um. E ainda tem o trânsi-to, um inferno! Sair de casa de carro é um exercício de paciên-cia. As ruas de pedra até que dá para relevar, já os buracos... Saúde, então, nem pagando! E você acha que mudando para um distrito, um aqui pertinho mes-mo, só para fugir dessa confu-são do trânsito, barulho e princi-palmente do assalto no aluguel,

resolve o seu problema? Bom, pense duas vezes, pois essa ideia já está velha. Os distritos es-tão lotados e achar casa por lá, é tão difícil e caro quanto em Mariana.

Sorte teve Ana Maria Apa-recida dos Santos, a dona Ana, como é chamada essa aposenta-da de 75 anos, que se mudou de Ouro Preto depois de sofrer um infarto, e hoje mora no dis-trito marianense de Padre Vie-gas. A intenção de dona Ana, ao se mudar para o lugarejo (a nove quilômetros de Mariana), era simples. “Fugir da agitação, né. Chega uma idade que o que a gente quer mesmo é sossego. E o preço do aluguel, naque-la época, compensava” - menos

da metade do valor cobrado se o imóvel fosse em Ouro Preto - mas isso foi há quatro anos.

Segundo Juçara Santana, 21 anos, que trabalha na Imobiliária Mariana, hoje só compensaria in-vestir em um imóvel nos distritos se fosse para comprar lote, uma vez que um terreno, em Passagem de Mariana chega a ser, em média, 100 mil reais mais barato que em Mariana. Já aluguel e compra de imóveis têm valores muito próxi-mos nos dois lugares.

A faxineira Valéria Patricia dos Santos, 36 anos, não teve escolha. Foi morar no distrito de Passagem de Mariana porque, há cinco anos, quando chegou ao local, os preços de aluguéis em Mariana já não ca-biam no seu orçamento. “Não fi-

quei em Mariana porque era caro demais”, afirma. E está ainda mais caro. A locação de uma casa de dois ou três quartos custa em torno de mil a mil e duzentos reais.

O que explica esses valores são as últimas expansões da UFOP, que trouxeram centenas de alunos, professores e funcionários para os novos cursos criados na universi-dade, além da Vale e Samarco, que atraíram milhares de trabalhadores para a mineração.

Distritos transbordandoFez as contas? O resultado é

simples: não cabe todo mundo na cidade. E, ainda, é preciso lembrar que nos dois distritos citados não há bancos ou casas lotéricas. Mé-dicos? Só os alunos da UFOP, em

um único posto de saúde que fun-ciona de segunda a sexta-feira, tan-to em Padre Viegas quanto em Pas-sagem de Mariana.

A principal diferença entre Passagem e Padre Viegas são os ônibus, que para o primei-ro saem a cada 30 minutos, du-rante a semana, e a cada hora, nos finais de semana. Já em Pa-dre Viegas os ônibus são escas-sos e com grandes intervalos de tempo. Pois é, tudo isso signifi-ca que quem tem dinheiro e car-ro está, cada vez mais, saindo do Centro da cidade em busca de um conforto que custa, para a maioria, horas de espera por um coletivo, falta de comércios e de serviços básicos, como agências bancárias e postos de saúde.

A dona-de-casa Sueli Gomes Dias, 61 anos, chora ao se lem-brar do desespero que passou em janeiro deste ano com o mari-do, o aposentado José das Neves Dias, 64. Deslocamentos de terra causados pelas chuvas obrigaram o casal a deixar a casa de qua-tro cômodos, onde moraram por 24 anos, na Rua Águas Férreas, Bairro Taquaral, um dos mais atingidos em Ouro Preto. Eles ainda enfrentam situação de ris-co porque estão em outra mora-dia, na mesma rua, também su-jeita a novos deslizamentos.

“Antes de chover, apareceram trincas pequenas (na residên-cia). Quando começou a chuva, as trincas aumentaram e saímos correndo; tivemos medo. Dor-mimos duas noites fora. Depois disso, fizemos a mudança e vie-mos dormir nesta outra mora-dia”, contou Sueli, que teve seu imóvel condenado pela Defesa Civil de Ouro Preto.

No quintal da casa onde o ca-sal morava ainda resiste a farta horta que plantaram. Sueli con-

Greiza Tavares sidera uma tragédia o que acon-teceu e diz que não pode seguir a recomendação da Defesa Ci-vil de sair do local. “A Defe-sa veio aqui. Muita gente falou que isso tudo pode descer (a en-costa). Nossos parentes estão na mesma situação. A gente nun-ca na vida precisou pedir nada a ninguém; a gente não ia sair, deixar a criação, deixar para trás tudo que conquistamos com mui-to sacrifício”, lamentou.

DesabrigadosSegundo a Defesa Civil de

Ouro Preto, assim como Sueli e seu marido, cerca de 200 pesso-as sofreram danos causados pe-las chuvas do início de 2012. Desse total, 31 famílias foram abrigadas na Escola Monsenhor João Castilho Barbosa, na Bar-ra, e o restante foi para casas de parentes. Com o fim das chuvas e com a retomada das aulas na escola, em fevereiro, apenas uma família solicitou permanência no abrigo e foi conduzida ao Mor-ro Santana.

A maioria das pessoas voltou

A situação das vítimas das chuvas de janeiro ex-põe um problema maior: a ocupação irregular do solo, recorrente em muitas cida-des brasileiras. Em Ouro Preto, onde o espaço ur-bano é compactado, grande parte da população mora nas encostas. Os dados in-dicam que 60% da área ur-bana apresenta risco alto e muito alto de deslizamen-tos e acidentes.

Esse número está pre-sente na carta geotécnica de Ouro Preto, desenvolvi-da pelo professor Romero

Impactos das águas de janeiro Famílias ouro-pretanas ainda sofrem as consequências das chuvas do início deste ano

Marcelo Quintino

O casal Sueli e José Dias, em seu imóvel condenado pelos deslizamentos

Alto riscoDemolição

Áreas de risco em Ouro Preto

Fonte: Núcleo de Geotecnia da Escola de Minas – NUGEO

Chuvas

César Gomes, do Departa-mento de Engenharia Ci-vil da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O mapeamento divide a zona urbana da cidade em qua-tro áreas de risco: baixo, médio, alto e muito alto. “Não existe nenhuma cida-de que tenha risco nulo. Como Ouro Preto é encai-xotada entre duas serras, a população ocupa as encos-tas. Por isso, os escorrega-mentos que ocorreram na área de maior risco, onde estão os bairros Taqua-ral, Piedade e São Francis-

co, tiveram consequências muito graves”, explicou o professor.

Para Romero César Go-mes, é preciso a elaboração de uma política pública com ação mais eficaz que comba-ta esse tipo de ocupação. “O que temos hoje é uma situa-ção que passou dos limites. Deve ser criada uma zona de expansão em Ouro Pre-to, para onde as famílias das áreas de risco devem ser le-vadas, e impedir de forma enérgica novas construções nessas áreas para não agra-var o problema”, alertou.

Segundo a Secretaria de Obras de Ouro Preto, as demolições de quatro casas, dentre elas a de Vicente Ferreira, em áreas de ris-co no Bairro Taquaral co-meçaram em 18 de abril. As famílias tiveram até 30 de março para retirar seus pertences. De acordo com a procuradora do municí-pio, Juliana Pires de Sou-za, a prefeitura abriu pro-cesso para demolir as casas a partir do laudo do enge-nheiro civil Ney Nolasco.

Ela disse que as famí-lias envolvidas foram infor-

madas da situação de ris-co e da necessidade de apresentarem documentação dos imóveis. “Esclarecemos que não tinha indenização prévia. Mesmo assim, co-locaram em risco a comu-nidade e não aceitaram a demolição. Como o indica-tivo de demolição era ur-gente, ajuizamos uma ação para realizá-la”, informou.

Sobre a indenização, a procuradora esclareceu que houve decisão judicial para que, por precaução, cada imóvel fosse avaliado le-vando em conta a possibi-

lidade de ganho de causa ao fim do processo. A procuradora geral do município, Juliana Pires de Souza, complementa que existe uma ação civil pública, em andamento desde 2004, aguardando perícia para limitar onde se pode morar no Bairro Taquaral.

Sobre intervenções no bairro, existe um projeto para as ruas: Cruzeiro, 15 de agosto, Tomé de Vas-concelos, Francisco Isaac, 13 de maio, Tomé Afonso e Avenida Renée Gianetti.

sossego

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9Edição: Gersica Moraes e Greiza TavaresAbril de 2012

Monumenta em Mariana

PaTriMônio

Apesar de receberem as notificações do IPHAN, alguns proprietários ainda não restauraram seus imóveis

Igreja de São Francisco de Assis precisa ser restaurada

a preservação dos imóveis particulares de ouro Preto e Mariana é importante para manutenção do conjunto arquitetônico

Gabriel SaleS

Gabriel SaleS

Maressa NuNes

Viver em um casarão que possui centenas de anos tem seus prós e contras. Muitas fa-mílias estão nestas casas por ge-rações e têm muita história para contar. Por outro lado, a ação do tempo e a modernização fazem com que os imóveis precisem de adaptações para novos usos e, ainda assim, mantenham o cará-ter colonial.

Ao andar por Mariana, é possí-vel perceber que algumas casas es-tão em situação crítica ou aban-donadas. Este é o caso de uma residência na Rua Alphonsus de Guimarães, que incomoda os mo-radores próximos ao imóvel por atrair animais e correr risco de cair.

Um dos vizinhos já reclamou da situação ao Instituto do Patrimô-nio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), à Prefeitura e à Vigilân-cia Sanitária, e nada foi feito. “Já falei com o dono da casa várias ve-zes e ele diz que prefere deixar [a casa] cair a mexer nela”, diz o vi-zinho, que não quis se identificar.

CustosProprietário de um casarão na

Rua Monsenhor Horta, no Bairro Rosário, o aposentado José Lima, 83 anos, já recebeu notificações do IPHAN. Segundo ele, o órgão já averiguou a situação do imóvel, que é um dos poucos da rua que preservam a arquitetura colonial.

José Lima não tem condições de arcar com os custos da obra de revitalização, nem pedir outro em-préstimo. “Se eu tivesse recursos, faria a casa do jeito que era anti-gamente, mas como não tenho, vou aplicando do jeito que dá”, diz.

Ele reclama, ainda, da atua-ção do IPHAN na cidade. Con-ta que, no passado, a preocupa-ção com a restauração se restringia ao Centro da cidade e que os ór-gãos de fiscalização negligencia-ram essas áreas. Um exemplo é o que aconteceu com o Bairro São

Gonçalo, onde muitas casas foram desacaracterizadas.

A arquiteta Luciana Vilas-Bo-as não vê o trabalho do IPHAN de forma negativa. Ela diz que não concorda “com algumas coisas”, mas que o órgão é importante para a preservação do patrimônio his-tórico. “Se as pessoas fizessem o que tem que ser feito, do jeito cer-to, seria muito mais fácil de resol-ver os problemas. O que falta é fiscalização.”

FiscalizaçãoO casario colonial de Maria-

na e Ouro Preto é tão relevan-te para o patrimônio histórico quanto as igrejas e monumentos públicos. São cerca de 500 ca-sas, em Mariana, segundo o In-ventário Nacional de Bens Imó-veis (INBI).

Com o passar dos anos, mui-tos imóveis sofreram descarac-terização. Para garantir que se-jam preservados, é necessária uma fiscalização destes monu-mentos, realizada pelas prefeitu-ras e pelo IPHAN, por meio de notificações aos proprietários que promovem reformas ou mu-danças no patrimônio sem apro-vação prévia do órgão.

Até o mês de abril deste ano, o IPHAN notifi-cou 23 proprie-tários de imóveis localizados no Centro Histórico tombado de Ma-riana. Deste to-tal, 43% foram regularizados e 29% estão em processo de regularização. Os restantes ainda não regularizaram a situação, o que pode levar à notificação extrajudicial e, poste-riormente, à ação judicial.

Situações como construção de anexos, segundo pavimento, e al-

teração de fachada, como reti-rada de portas e janelas e da pintura, causam a maioria das notificações. Outros motivos são a má conservação, reforma inter-na e desacordo com o projeto.

A fiscaliza-ção do patri-mônio privado é feita em for-ma de notifica-ção ou denún-cia. Proprietários de imóveis que possuam alguma ir regular idade são notificados, seja por falta de manutenção ou construções que

comprometam a arquitetura colo-nial. Já a denúncia pode ser fei-ta no IPHAN por qualquer pes-soa que se sinta prejudicada com a situação do imóvel.

Em Mariana, o órgão reali-za, semanalmente, uma vistoria

O IPHAN determinou que os estabelecimentos comerciais do Centro Histórico de Mariana retirassem as vitrines fixas ou portas de vidro. A justificativa é que essas modificações descaracterizam o patrimônio histórico da cidade. Foram iden-tificadas vitrines fixas em mais de 20 estabelecimentos e, até o mês de abril, a maioria acatou a ordem. Muitos comercian-tes não gostaram da decisão, afirmando que sem a vitrine sua mercadoria não fica exposta, além de acumular poeira. Já a comerciante Elaine Chaves concordou com a decisão desde que todos façam as modificações.

Maressa NuNes

Gabriel SaleS

O Monumenta foi um programa do IPHAN com o Ministério da Cultu-ra que realizou revitalização em monumentos de 26 cidades históricas do Brasil, entre elas, Mariana e Ouro Preto. Foi financiado pelo Banco Inte-ramericano de Desenvolvimento (BID), e apoiado pela Unesco. Atuou em Mariana de 2004 a 2011, executou cinco obras públicas e financiou refor-mas em 13 imóveis particulares.

As obras de recuperação do patrimônio público foram realizadas nas praças São Pedro dos Clérigos, Minas Gerais, Tancredo Neves e Cláudio Manoel (Sé), e na Casa da Rua Direita, atual Centro de Atendimento ao Turista e Secretaria de Cultura, em Mariana.

Para os imóveis particulares, o programa ofereceu um financiamento para a reforma com condições especiais, juros zero e até 20 anos para pa-gar. Das 13 obras realizadas, nove foram concluídas e quatro ainda estão em andamento. Se inscreveram para receber o recurso proprietários de 41 imóveis, mas 28 desistiram. Um dos motivos foi a dificuldade para con-seguir os papéis para dar entrada ao processo. Segundo o IPHAN, existe a possibilidade de o programa retornar para a cidade em dois anos.

Patrimônio local ameaçadoFachadas sujas e mofadas. Mu-

ros caídos ou com rachaduras na parede. Esta é a situação em que se encontram importantes bens his-tóricos de Mariana, entre eles, as igrejas do Rosário e de São Fran-cisco de Assis. E, mesmo com a

situação crítica desses imóveis, a chefe do escritório técnico do Instituto do Patrimônio Históri-co e Artístico Nacional (IPHAN) de Mariana, Maria Raquel Ferrei-ra, informou que “no momento, não estão sendo realizadas obras em nenhum bem cultural tombado

pelo órgão”. Recentemen-

te, foram reali-zadas somente obras emergen-ci a is pa ra a ma-nutenção da tor-re da Igreja do Rosário. Porém, os muros desta e da São Fran-cisco de Assis desmoronaram em dezembro do ano passado e permanecem do mesmo jeito. De acordo com Ma-ria Raquel, as obras para res-tauração da Igre-ja do Rosário es-tão em fase de captação de re-cursos pelo Pro-grama Nacional de Apoio à Cul-tura (PRONAC) e não tem prazo

para serem realizadas. A chefe do Departamento de

Patrimônio Cultural do municí-pio, Erika Meyer, disse ao LAM-PIÃO, em um primeiro momento, que não poderia falar com preci-são sobre nenhum investimento na restauração do patrimônio. So-bre a restauração da Igreja de São Francisco, disse que não tinha pre-visão. Em outro momento infor-mou que a previsão desse restauro seria em maio deste ano, pois de-pende de um projeto que está em andamento.

Para o casal de turistas apo-sentados de Petrópolis (RJ), Re-gina, 72 anos, e Job Duarte, 78, o patrimônio histórico de Maria-na está abandonado, o que re-presenta uma falta de interesse das autoridades. Já o guia turís-tico da cidade, Daniel Marcos, acredita que o conjunto históri-co precisa urgentemente de res-tauração, pois a cidade só tem a ganhar com a revitalização dos bens públicos.

Segundo o IPHAN, a verba para a revitalização dos monumen-tos públicos vem do Ministério da Cultura, através do PRONAC, dos Planos de Ação do IPHAN, do Fundo Municipal de Cultura e da Arquidiocese de Mariana, proprie-tária das Igrejas, que são bens par-ticulares de uso público.

KaMilla abreu

Descaso com imóveis privados

Se eu tivesse recursos, faria a

casa do jeito que era antigamente. Mas como não tenho, vou me

virando como dá. José Lima

para verificar a situação das ca-sas. Quando uma irregularidade é identificada, o proprietário re-cebe uma primeira notificação para prestar esclarecimentos so-bre o problema.

Se a situação não for regula-rizada, ou o dono do imóvel não

comparecer no prazo de 15 dias, receberá uma notificação extraju-dicial. Se, ainda assim, não hou-ver resposta em um período de 15 a 30 dias, é instaurada uma ação judicial. As punições po-dem ser desde multas até desa-propriação do imóvel.

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10 Edição: Pablo Gomes e Rafael Câmara Abril de 2012

Pé no chão, na bola e no futuro

O renascer de notas musicais

Criado em 2006, o campeo-nato tem o propósito de alcan-çar jovens e adolescentes de áre-as consideradas de risco social. A competição de futebol amador teve início em março e privilegia garotos de 16 a 20 anos.

Na primeira fase, as 25 sele-ções estão divididas em dois cir-cuitos. O Inconfidentes ou Ouro, que reúne equipes das cidades da região de Mariana e Ouro Preto, e Diamante, relativo a Diaman-tina e cidades próximas. Em ju-nho, os vencedores dos dois cir-

É dia de jogo na Europa. Barcelona e Milan se enfrentam pelas quartas de finais da Liga dos Campeões. Aqui, é dia de treino da Seleção de Mariana. O meia-esquerda Raul Patrik Pinto se divide entre assistir à TV e calçar as chuteiras que tanto lhe trazem sorte.

Ele tem 16 anos e é apaixo-nado por futebol. Admira o jo-

gador do Barcelona, Messi, mas confessa que sua maior inspi-ração é o pai, Geraldo Tomaz, dono dos troféus que enfeitam seu quarto. Ganhou seu primei-ro par de chuteiras com apenas seis meses de idade e cresceu jogando bola pelas ruas do Bair-ro Cabanas.

Atualmente, a quadra, os trei-nos e os pequenos campeona-tos fazem parte da sua rotina.

Mas, esse ano, Raul é um dos 30 meninos que irão representar Mariana na Copa Estrada Real, que reúne 25 cidades de Minas Gerais.

Mesmo com paixão e talen-to, Raul mantém os pés no chão. Ele conta que os estudos são prioridade em sua vida, como orientam seus pais, e reconhece as dificuldades encontradas por jogadores no interior.

Ronaldo Celestino e Werley Calazans são amigos de Raul e também vão disputar a Copa. Os três afirmam que preferem os gramados, mas no dia-a-dia pre-cisam jogar na quadra por falta de disponibilidade dos campos.

Eles apontam que o medo de falsos empresários e a falta de uma estrutura melhor para os jo-gadores diminuem a esperança em uma profissionalização.

Quando o assunto é olheiros nos jogos e a possibilidade dos jogadores serem escolhidos para testes, Ronaldo explica. “A gente pensa nisso, mas espera aconte-cer. A gente está ali e não olha quem está do lado de fora. Isso tem que ser consequência”.

À frente do time está o téc-nico Sandro Arcanjo, também apaixonado pelo futebol desde pequeno. Deixou um pouco o sonho de lado, e, com o cur-so de Educação Física, se tor-nou professor.

Sandro batalha dia-a-dia para que recursos básicos como trans-porte e mais profissionais na preparação do time cheguem até os jogadores e para que o es-porte faça a diferença na vida desses meninos. Ele afirma que a instabilidade política local é

uma das maiores responsáveis pelas dificuldades que a seleção enfrenta.

Para ele, o sucesso do time vem de sua aposta na proximi-dade com os adolescentes. “A maioria dos jogadores eu já co-nheço há bastante tempo e tam-bém tenho um bom convívio com eles. Acho que isso ajuda bastante, porque a gente não tem muito condição de treino, então,

tem que ser na união”.Mesmo com os desafios, as

expectativas do time são gran-des. Para o treinador Sandro, o plano agora é pensar etapa por etapa e tentar chegar até a final, que será disputada em junho.

Já o meia-esquerda Raul, exi-be medalhas de vários campe-onatos que disputou, sabe da responsabilidade que tem, mas espera, com ansiedade, o troféu

Copa Estrada Real

Raul Patrik, jogador da seleção de Mariana, treina no campo do Guarany

Jogadores da Seleção de Mariana na partida de estreia do campeonato

Entre sonho e realidade, jovens talentos disputam a Copa Estrada Real mesmo com a falta de estrutura

Pedro Fernandes

Joenalva Porto

natália Goulart

O professor da Escola de Musica Lucas Duarte ensina a aluna Gabriela Luiza

cuitos se enfrentarão pelo título de campeão, e até lá serão dis-putados 60 jogos.

Um dos objetivos dos orga-nizadores é que, no futuro, o estado do Rio de Janeiro faça parte da competição, tornando-a nacional. Para o idealizador e presidente do comitê central da Copa, Jaime Fortes, isso irá au-mentar a visibilidade do campe-onato e criará oportunidades para que uma maior quantidade de jo-vens jogadores cheguem aos ti-mes profissionais.

Um, dois, três. Sentada em uma cadeira, observo os alunos e a professora de flauta da Es-cola de Música Padre Simões, em Ouro Preto. A sala é gran-de. As janelas cor bege. O chão de uma madeira nova. Os seis alunos estão de costas para mim. Vejo apenas uma pequena par-te de seus rostos. A professo-ra, Tereza Miranda, 45 anos, co-meça o ensaio. Mas, antes, ela se vira para mim e diz: “o gru-po é composto por um quar-teto de vozes”. Faço um sinal com a cabeça, mas não entendo o que isso significa. O clima é descontraído.

Começa a primeira músi-ca. Alguém parece estar fora do tom. E Tereza corrige: “gen-te, não tá bom não. Vamos de novo”. Daqui vejo rabiscos pre-tos. Não enxergo muito bem as partituras.

Uma menina entra na sala. Sentada numa cadeira de ma-deira, ela observa, como eu. A blusa marrom, de mangas com-pridas, combina com a sala. As notas continuam a saltar. O rit-mo é acelerado. 19h07. Para a música. E Tereza cobra: “articu-la melhor”. Meus pés acompa-nham o compasso, tento entrar na dança. A música Passaredo”, de Chico Buarque, cai bem aos ouvidos. Quando algo está erra-do, a professora logo percebe.

19h20. A menina de marrom continua no mesmo lugar. Con-centrada. Sons agudos e graves me invadem. Acabou o ensaio. Chamo Tereza para uma entre-

vista breve. Bacharel em violão clássico, ela toca desde os sete anos de idade. Em 2003, parti-cipou como professora da ofici-na de musicalização infantil, em Mariana e Ouro Preto, com o apoio da Paróquia do Pilar e da Fundação Cultural de Minas Ge-rais (FUNDAC).

Os olhos de Tereza demons-tram a paixão pela música. A sutileza nas palavras. A paciên-cia para ensinar. 19h38. Entra o maestro. Voz grossa, camisa azul, cinto preto. Concentrado, as mãos se mexem em movimentos precisos e suaves. Na mão direi-ta, a varinha preta. A menina de marrom começa a tocar o vio-

loncelo. O coral Francisco Go-mes da Rocha começa a cantar. Sopranos, beltranos, ciclanos. E o maestro, com uma postura im-pecável, continua a coordenar as notas “sis” fora do caminho, os “res” perdidos. Levanto a cabe-ça e vejo o sorriso do maestro.

19h52. “Compasso sete. Es-tamos errando, tá inseguro”, co-menta o maestro. O vento entra devagar. Parece acompanhar as notas tocadas pela Orquestra Jo-vem de Ouro Preto. 19h57. Gos-to de tons graves. Outra vez, a música me invade. Garoto ele-gante tocando violoncelo. 20h21. A camisa de gola polo vermelha o deixa sério. A cabeça se move junto com os dedos, seu olhar é compenetrado.

Pergunto ao maestro, Marcio Miranda Pontes, 53 anos, qual é a sensação de coordenar a or-questra a cada ensaio. E ele diz, com a voz afinada, que a músi-ca é dinâmica. Ao vivo, nada se repete. Sempre há um detalhe, uma sutileza. O maestro conta sobre o acervo de partituras do Século XVIII resgatado na Paró-quia do Pilar. Memórias que dão vida ao contexto histórico e cul-tural da cidade de Ouro Preto.

Vitória Maria Coelho Viana, 15 anos, estudante de flauta e violino, é uma das alunas que, desde 2004, faz ressurgir essas notas. Para ela, a vida sem os instrumentos não faz sentido. Quando Vitória toca é como se não existisse mais nada. É uma coisa mágica, uma fantasia.edmar Borges

Pedro Fernandes

EsPoRtE

CultuRa

Pedro Fernandes

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11Edição: Joenalva Porto e Thiago GuimarãesAbril de 2012

Natália Goulart

reNata Felício

A invisibilidade das ruas RETRATOS

Quase não os vejo: os olhos dela. Sem chapéu posso vê-la melhor. É como chegar mais perto. Próximo a uma histó-ria única, assim como a sua. Mas o sol é forte. O trabalho é árduo. E o chapéu protege do sol escaldante.

Maria Aparecida Viana, 41 anos, do-bra e se desdobra. Busca. Separa. Não deixa molhar. Fácil? Não. A catadora de papelão salva um mundo chamado Ma-

riana. Faz sobreviver, também, o dela e o dos três filhos: Jonatas, 16 anos, Nata-nael, 18, Elezer, 20. “Lixo é responsabi-lidade mundial. Não me sinto diminuída não. Precisa reciclar o lixo, segundo os estudos”, diz, em nosso primeiro encon-tro em sua casa, no Bairro São Gonçalo.

Magra e baixinha, Aparecida tem alma de menina. No entanto, as rugas mar-cam a testa, a maçã do rosto, o can-to da sobrancelha. As linhas fundas da face demonstram o sofrimento. A for-

ça. O acreditar na vida. Mes-mo desconhecendo berços de ouro. E ela fala.

Fala de tudo sem medir palavras, como em um so-pro de si. “Sou muito crian-ça. Pulo. Sou contadera (sic) de histórias”.

Das oito da manhã às cin-co da tarde ela está ali, ao lado do supermercado Vare-jão Popular, na esquina da 16 de Julho, rua movimen-tada do centro de Mariana. A rua é o seu lugar, as-sim como de tantas Marias, Terezinhas, Fátimas e tantos Josés. Gente que ninguém vê. Histórias submersas. In-visíveis. Sem cor. Histórias trocadas. E até perguntam quanto Aparecida cobra por programa:

- E digo: não sou isso, não, sou catadora de papel!

Aparecida não gosta de ser tratada como coitadinha. De ser mais uma vítima do mundo. De não ter cor:

- Eu sou otimista, teimo-sa. Sempre acreditei.

A infância não foi nada fácil na cidade chamada Men-des Pimentel, leste de Minas Gerais, quase divisa com Es-pírito Santo. Filha de serven-te e dona-de-casa, Apareci-da era rejeitada pelos colegas de classe, professores e até

pela própria família. Na escola, a cha-mavam de burra. Feia. Magra. Amarela. Leite sem sal.

Um dia, ela decidiu sentar na primei-ra carteira. Escolheu não ser coitada. Mas a professora a colocou, novamente, no mesmo lugar. “Aparecida, vai sentar lá atrás. Porque ela não aprende, ela é burra”.

- Eu era muito triste, tinha complexo de inferioridade. Não gostava de brincar.

Até que Sueli, uma professora da 2ª série, apareceu. E colocou a menina no colo. O problema de Aparecida não era a “burrice”. Faltava a ela concentração e só. Mas ninguém enxergava. Ou, talvez, tinham mesmo preguiça de ver. De fato, havia preconceito. A não ser de Sueli, que não cerrou os olhos, que não cegou.

Mesmo assim, Aparecida saiu da esco-la e voltou anos depois, ainda com medo de sofrer tudo de novo. No curso supleti-vo, todos a aceitaram. Aparecida, ali, não estava à margem de nada. Ela era igual. Estava dentro. Mesmo sentada na última ou na primeira carteira da sala. E, para sua alegria, acaba de passar em 11° lu-gar, no curso do PEP (Programa de Edu-cação Profissional):

- Aparecida, te falta alguma coisa? - Quero ver os meus filhos forma-

dos. Não posso ter um filho analfabeto. Pessoa sem estudo, sem nada.

Do que você tem medo, pergun-to a ela. E esperei qualquer resposta, menos: tenho pa-vor de chuva for-te. Fogo. Medo de relâmpago. Apare-cida é simples até no que a amedronta.

Separada há dez anos, ela cria os três filhos sozinha. E ainda tem mais dois filhos do coração, Chiara e Dimes. Dos anos que passou com o espo-so, a depressão a consumiu de tal maneira, que ela nem conseguia pentear os cabelos.

O que tirou Aparecida da depressão foi Deus e a escola:

- Pode colocar aí: final de relaciona-mento não é o fim do mundo, discursa ela com segurança nas palavras.

- O que a rua traz?- A rua me traz preconceito. Sofro

muita coisa também. Tomo chuva. Faço amizade muito fácil. Todo catador de pa-pel é feliz.

Pausa. Ela pensa na frase e complementa:

quase todos. Camila maia

Gabriel SaleS

Gabriel SaleS

Observo atentamente o que acontece ao meu redor. Crianças brincando no meu jardim, traba-lhadores descansando depois do almoço, idosos apreciando minha beleza, rezas, cantos, missas, pe-didos realizados e graças alcan-çadas. Fico ali, proporcionando paz para aqueles que a procu-ram durante a agitação do dia no centro da cidade.

Faço parte do patrimônio his-tórico de Mariana e vivencio tudo isso há mais de 47 anos, quando me tornei um local aber-to ao público. Mas já observa-va os devotos marianenses desde muito tempo, quando era bem novinha, feita de papelão e latão.

Neste tempo, apenas minha família podia me visitar. Evo-luí para pau a pique e, às vezes, alguns amigos também rezavam nas minhas dependências.

Todos tinham que passar por aquela estreita portinha azul, ali na Rua Direita, número 199, su-bindo pelas escadas que nar-ram a trajetória da minha famí-lia. Esta era a única forma que meus amigos podiam me visitar. Agora que cresci, tenho uma en-trada só para mim.

Ainda passo despercebido por muitos olhos apressados. Mas garanto satisfação para aqueles, que por um pequeno momento de curiosidade, cedem um pou-co do seu tempo para me conhe-

cer melhor. Recebo amigos diariamente,

mas, cá entre nós, sempre pre-firo a segunda-feira, às 18 ho-ras. Neste dia, o Padre Celso ou o Padre Luiz celebram a minha existência com uma linda mis-sa, em que recebo muitos ami-gos para rezar comigo.

Também adoro quando come-moram o meu aniversário. No dia 16 de outubro, todos se re-únem para homenagear São Ge-raldo. É tudo tão lindo, recebo novenas, cantos, presentes e pro-cissões. Neste dia, minha mãe, Dona Zita, distribui aos meus amigos o pão, a água e o sal bento.

É uma devoção muito grande que deixa a minha família muito feliz. Também recebo, duas ve-zes ao ano, o Cerco de Jericó, uma tradição em que os devo-tos rezam sete dias e sete noites ininterruptamente.

Faço parte do passado, pre-sente e futuro da histórica Ma-riana. Graças à minha família e, em especial, à minha mãe, Dona Zita, é que existo até hoje. Tam-bém tenho o meu querido zela-dor para cuidar de mim, mas o que me mantém viva é a fé das pessoas.

Por isso, quase secretamen-te, continuo aqui, firme e forte. Atendo a todos os pedidos da-

Ermida São Geraldo: o personagem do

Maria Aparecida Viana: uma história de vida na simplicidade das caixas de papelão

Cam

ila m

aia

jardim quase secreto de Marianaqueles que vem ao meu encon-tro. Guardo comigo graças que

se escondem entre flores e ar-bustos do meu jardim.

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Page 12: Jornal Lampião ed6

12Edição: Natália Goulart e Kamilla Abreu Abril de 2012

Thiago guimarães

São seis da manhã. Ouço sons ritmados. O barulho me faz despertar. É assim, sempre foi assim. Quando os sinos acordam, me pergunto: será mesmo que tenho que me le-vantar? Mas o fato é que sempre acordo. O dia será longo.

Hoje, decidi quebrar a rotina. Vou me permitir, me questionar. Afinal, o questionamento é a base do conhe-cimento. Sem ele, não há motivação para ir em busca da descoberta de novos caminhos, de fixar novos valores e, assim, alcançar outros patamares. Sem ele, as relações tor-nam-se estáticas. Vivemos em um universo tão vasto em tamanho quanto em riquezas, mas que se torna reduzido e pobre quando limitado.

Há muito me questiono sobre duas fontes que exercem influência direta sobre as relações humanas: a religião e a ciência. A religião prega a fé como motivação, já a ci-ência traz a ideia da evolução como condição biológica. Neste cenário, a dinâmica social é traçada de forma pola-rizada. Para alguns, a lógica da ciência é essencial para a explicação das forças presentes no universo; para outros, o poder divino é legitimamente capaz de elucidar a questão.

O curioso é que me vejo em meio a essas acepções e nunca me enquadro a nenhu-ma delas. Minha von-tade de explorar novas formas de conhecimen-to é maior, e isso causa estranhamento a algu-mas pessoas. Levo sem-pre em questão que os pontos divergentes não estão apenas entre a re-ligião e a ciência, mas também entre as dife-rentes manifestações da fé, e isso me intriga.

Para mim, a verda-deira essência está na busca pelo equilíbrio, e este é o ponto em co-mum entre todo esse vasto campo do conhe-cimento. Por que, en-

tão, tanto estranhamento? Concluo que é justamente a busca pela resposta que nos torna agentes sociais, acima de tudo, se-res pensantes.

Agora, estou pronto para caminhar entre as variadas ma-nifestações e crenças. Sinto-me livre, porém, sei o que me move: a necessidade de vivenciar conceitos e colocá-los à prova, de reformular o meu modo de pensar, de não só in-corporar, mas também externar cultura.

O som dos sinos já não me chama mais a atenção ao meio-dia. O silêncio do ambiente desperta minha reflexão, as cores

vermelha e dourada ofuscam meu olhar. Já não pertenço mais ao universo cristão, estou em um mosteiro budista. Em meio à disciplina dos presentes, estou inquieto, o questionamento me acompanha: busco um ponto em comum entre a filosofia de Buda e a fé cristã; mais que isso, busco uma explicação para sua presença em um espaço predominantemente cristão, como é o Ocidente.

Já não consigo me concen-trar, ouço outros sons, desta vez mais fortes, que me atra-em e confundem; não são tão ritmados como os habituais. Timbres de vozes que não compõem a imagem de quem os emite, corpos que se deba-tem. As folhas emitem ruídos ao se chocar com estes cor-pos; colares de miçangas se chacoalham. Neste momento, habito outro território, os sons dos tambores ecoam pelo ter-reiro umbandista. Danças, vo-zes, cantos e expressões me causam um misto de estra-nhamento e curiosidade: qual seria o objetivo desse ritu-al? Observo alguns elemen-tos familiares. São imagens e símbolos que, apesar de se-melhantes, recebem, aqui, di-ferentes nomes.

Novamente os sinos me chamam; são sete da noite e lembro que está na hora da reunião. A mesa está pron-ta e todos estão de mãos dadas. Forma-se uma corrente e a energia parece fluir. As orações evocam e buscam des-pertar os espíritos. Um dos membros da mesa começa a se manifestar; ele fala, mas não em seu nome, sua expres-são já não é a mesma. Quem envia a mensagem já não pode falar, talvez, por isso, o silêncio dos demais torna-se tão precioso neste momento. Não me concentro. Apesar de possuir menos elementos, tudo me remete ao local visita-do anteriormente. De tudo, a cor branca da mesa é o que mais me chama a atenção.

São nove da noite, e a reunião acabou. Os sinos já não tocam e o silêncio volta a reinar sobre a cidade. Reflexi-vo, vou para casa. Não consigo ainda encontrar um elo en-tre tudo o que presenciei, nem tampouco respostas para os questionamentos que fiz. Mas tranquilizo-me. Agora eu te-nho uma certeza: o universo é, sim, vasto. Porém consti-tuído de diferentes forças, que, interdependentes, exercem, cada uma a seu modo, um papel essencial na construção da compreensão humana.

A fé se move nas montanhas?Diferentes forças, diferentes religiões. Cada uma, a seu modo, exerce um papel na construção da compreensão humana

leoNARDo Alves

GABRIel sAles

leoNARDo Alves

Edição7_Página12_EditorLara_ Beatriz.indd revisada JF Lolli 2 03/05/12 17:30