jornal do mab | nº 19 | novembro de 2011

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Nº 19 | Novembro de 2011 Não às alterações do Código Florestal! O dilema de Belo Monte O lucro e o caos nas barragens do rio Madeira Página 3 Página 8 Página 9 Páginas 4 e 5

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Jornal do MAB | Nº 19 | Novembro de 2011

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Jornal do MAB | Novembro de 2011 1

Nº 19 | Novembro de 2011

Não às alteraçõesdo Código Florestal!

O dilema deBelo Monte

O lucro e o caosnas barragensdo rio Madeira

Página 3 Página 8 Página 9

Avança a luta contraa privatização da água

e da energia

Páginas 4 e 5

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EDITORIAL

Jornal do MABExpEdiEntE

Uma publicação do Movimento dos Atingidos por BarragensProdução: Setor de Comunicação do MAB

Projeto Gráfico: MDA Comunicação IntegradaTiragem: 8.000 exemplares

Muita gente organizada,muita luta,com grande qualidade

VISITE O SITE DO MABEm www.mabnacional.org.br é possível ler no-tícias sobre o Movimento, ver fotos e vídeos, ler artigos e ouvir músicas. Acompanhe as novidades e compartilhe com os companheiros e companheiras!

Atingidos por barragens

se organizamem grupos de base

No final de outubro, uma brigada de mili-tantes do MAB fez um grande mutirão de or-ganização das famílias atingidas pela barragem de Castanhão, no Ceará (foto). A proposta é a organização em grupos de base (GBs), como forma de avançar na produção, na formação e nas lutas.

Com o mutirão, os militantes visitaram as famílias para apresentar a mensagem do Movi-mento e reforçar a importância da organização nos grupos de base. Durante o dia, a brigada fez as visitas nas casas e à noite realizou as reuniões formando os grupos.

Já em Minas Gerais, os militantes estão ani-mados com a meta de organizar os grupos de base. Já houveram reuniões nas três regiões do estado com os coordenadores e também encontros regio-nais das mulheres para fortalecer a pertença delas na organicidade do MAB.

Para responder aos grandes de-safios de nossa época, as orga-nizações populares necessitam

ampliar sua força.

Se olharmos os planos na área ener-gética, veremos que as grandes empresas têm muito claro o seu objetivo, que é, ao dominar o sistema todo, ampliar os seus lucros explorando os trabalhadores e se apropriando dos recursos naturais.

Reconhecemos que a força econômi-ca, política e ideológica dos empresários capitalistas é grande. Para combater essa força, é só com outra enorme força: a dos trabalhadores organizados, no campo e na cidade, para impulsionar as mudanças necessárias em nosso país.

Ao terminarmos este ano de 2011, decidimos que nos próximos anos uma das principais tarefas dos atingidos por bar-ragens no Brasil é aumentar nossa força.

Apontamos que para termos força precisamos de muita gente organizada, muitas lutas e com grande qualidade.

Bom final de 2011.

Muita luta e felicidade em 2012!

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Não às alterações doCódigo Florestal!

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4 Anistia a quem agrediu o meio ambiente até 2008

4 Garantia da manutenção de pastagem em topos de morro e bordas de chapada

4 Acesso por parte dos grandes proprietários a fundos públicos para recuperar os desma-tamentos que fizeram ilegalmente

4 Redução da área de proteção permanente (beiras de rios e encostas e topos de morros) de 30 para 15 metros para recuperação nos casos que não forem consolidados

4 Permissão de compensação da reserva legal desmatada dentro do mesmo bioma, ou seja, um fazendeiro pode desmatar uma

Proposta ruralista de mudança na legislação tramita no Senado

Após ser aprovado na Câmara dos Deputados em junho deste ano,

o projeto de lei do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB), que altera o Código Florestal brasileiro para pior, tramita no Senado. Diante desse quadro, o objetivo dos movimentos da Via Campesina é unir forças para sensibilizar os senadores e pressionar a presidenta Dilma a vetar a proposta.

“O objetivo maior será pressionar o governo federal, para que a presidenta garanta o veto às questões centrais, como

a anistia e regularização dos desmatamentos feitos até 2008 e a possibilidade de novos des-matamentos, e pressionar para que os pontos secundários sejam resolvidos no Senado”, afirma Luiz Zarref, da Via Campesina.

A Via Campesina está ar-ticulada com a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e uma sé-rie de entidades ambientalistas no Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, que organizou um abaixo-assinado contra as altera-

ções do código. O objetivo é co-letar um milhão de assinaturas. Ainda este ano, as organizações realizarão diversos atos nos es-tados e em Brasília.

No Senado, o projeto pas-sa pelas comissões de Consti-tuição e Justiça, Ciência e Tec-nologia e Agricultura e Meio Ambiente. Depois disso, o texto passa pelo Plenário e retorna à Câmara dos Deputados, onde a proposta do Senado deve ser aprovada ou rejeitada (sem novas modificações). E, daí, segue para a sanção ou veto da presidenta.

área inteira e dizer que está conservando uma outra imprópria para a agricultura num outro estado

4 Manutenção da possibilidade de que mé-dias e grandes propriedades possam se sub-dividir em propriedades de quatro módulos e, com isso, ficarem livres de recompor a reserva legal desmatada

4 Continua permitindo a recuperação da reserva legal com 50% de espécies exóticas. Ou seja, as grandes empresas de celulose podem considerar o mo-nocultivo de eucalipto como parte da reserva legal

Veja as mudanças do Códigopropostas pelos ruralistas Fo

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Movimentos sociais e sindicaiscontra a privatização da água

Preocupados com o avanço na privatização da água em diversos municípios brasi-

leiros, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), entre outros, lançaram no início de novembro, em Maceió (AL), uma campanha contra as parceiras público-privadas (PPPs) nos serviços de tratamento de água e esgoto.

O nome da campanha é “Água para o Brasil – um direito de todos não pode virar lucro de alguns” e seu primeiro objetivo será envolver a sociedade no de-bate sobre a questão. “As pessoas não costumam considerar PPP como uma privatização, mas tam-bém é. As companhias públicas passam ao controle privado, as tarifas sobem e as experiências de hoje mostram que o serviço fica pior”, disse José Josivaldo

Alves de Oliveira, da coordenação nacional do MAB. As Parcerias Público-Privadas são as diversas modalidades de envol-vimento de empresas privadas em projetos de investimento de interesse público, ou seja, os empresários passam a controlar setores estratégicos do Estado, fazendo valer os seus interesses.

As organiza-ções que integram a campanha defen-dem que o serviço de água seja pú-blico e estatal, ou seja, que é um papel do Estado oferecer este serviço com qualidade a todos os brasileiros e bra-sileiras. A experiên-cia da privatização de diversos servi-ços no país durante a década de 90 já mostrou que quem paga a conta desse processo é a popu-lação, sobretudo os mais pobres, que sofrem com o au-

mento no preço dos serviços e a piora na qualidade.

“Para nós, a água não é um recurso privatizável. É um bem de todos. Sem água não há vida. Por isso, deve permanecer em mãos públicas, não devendo, de forma alguma, virar objeto de exploração comercial”, afirma Franklin Moreira, presidente da Federação Nacional dos Urbani-tários (FNU).

Entre as denúncias feitas pela campanha está a de que as grandes empresas buscam institucionali-

zar seu modelo e in-teresses através de um conjunto de regras e normas, que posterior-mente transformam-se em leis, acordos e tra-tados, em que o povo passa a ser submetido e obrigado a segui-los, como se fossem de seus interesses.

Segundo Josivaldo de Oli-veira existe um movimento intenso de apropriação da água no saneamento, na geração de hidroeletricidade, no agro e hidronegócio, nos processos in-dustriais e mineração, nas trans-posições de rios, nas concessões dos rios e lagos, na apropriação e comercialização das reservas de águas minerais. Entre os princi-pais interessados neste processo estão grandes corporações, como Nestlé, Suez, Coca-Cola, Viven-di, Odebrecht, Camargo Correa, entre outras.

Para o coordenador, esse movimento do capital se legitima também pelo discurso da escas-sez e das secas e desastres am-bientais. “Esse discurso ideológi-co usado pelas grandes empresas e pelos meios de comunicação tem sido instrumentos de ameaça, chantagem e convencimento para impor seus interesses sobre os povos. Inclusive, para estabelecer um novo conceito à água, que passa ter valor de mercado, tal como propôs a Nestlé de trans-formar a água em commodities, onde seu preço seria definido na bolsa de valores”, disse.

Quemdefende a

privatização da nossa água não tem um

pingo de razão

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Trabalhadores em defesa da renovação das concessões do setor elétrico

Os movimentos e entidades articulados na Plataforma Operária e Camponesa para

Energia lançaram no mês de novem-bro uma campanha pela renovação das concessões do setor elétrico, que vão vencer entre 2015 e 2017. No entendimento das organizações, a realização de novos leilões significa aprofundar a privatização do setor e com isso piorar a qualidade do servi-ço, aumentar o preço da luz, aumen-tar a exploração dos trabalhadores e retroceder no reconhecimento dos direitos das populações atingidas.

As entidades da Plataforma, como o MAB e os sindicatos dos trabalhadores do setor elétrico, en-tre outros, realizaram o lançamen-to da campanha pela renovação no dia 18 de novembro, em Paulo Afonso, Bahia. O local é simbólico porque o complexo hidrelétrico de Paulo Afonso pertence à Chesf, uma das principais estatais do setor elétrico. Se o leilão for realizado, a maior parte do patrimônio dessa estatal corre risco de ser privatizada. “Isso significa menos emprego e, com isso, menos desenvolvimento para a região Nordeste”, afirmou Edvaldo Gomes, da Federação dos Urbanitários do Nordeste.

As concessões que vão vencer representam 23% da capacidade de geração, 74% da transmissão e 33% da distribuição da energia elétrica. A maior parte dos contratos, principal-mente de geração, está sob controle de empresas estatais, como Chesf, Furnas, Eletronorte, Cesp, Cemig e Copel. Por isso, diversos setores em-presariais, como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Pau-lo) e Abracel (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Li-vres), estão defendendo a realização dos leilões, ou seja, a privatização.

Astutamente, a Fiesp veiculou a campanha afirmando que isso vai

garantir tarifas mais baixas para a energia que o cidadão consome em sua casa. Mas o que está de fato por trás dessa investida empresa-rial é o desejo de adquirir empresas de energia e usá-las a seu favor. O raciocínio é simples: o dono da companhia de geração de energia vai poder usar essa mesma energia em suas indústrias por preço muito baixo, e transferir os custos para o consumidor residencial, aumentan-do as tarifas.

O aumento do preço da ener-gia, em até 400%, desde a onda de privatização dos anos 90 prova essa intenção. Hoje em dia, um cidadão co-mum paga, em média, mais de R$ 500 por megawatt/hora. Uma fabricante de alumínio, por exemplo, paga pelo

mesmo megawatt/hora apenas R$ 50, em média. “Isso quer dizer que nós, os trabalhadores, estamos pagando muito mais só para sustentar o grande desconto que os empresários des-frutam”, traduz Gilberto Cervinski, da Coordenação Nacional do MAB. “Sem falar que muitas dessas em-presas não geram empregos, tomam recursos públicos subsidiados, são poluentes e ainda destinam a maior parte de sua produção para exporta-ção”, diz ele.

Por conta desses e outros fatores, a Plataforma defende a renovação das concessões já exis-tentes no setor elétrico. No entanto, as organizações enfatizam que só renovar não basta: “É preciso que no processo de renovação sejam definidas regras que garantam a qualidade do serviço, o baixo preço da tarifa, e os direitos dos trabalha-dores do setor, dos atingidos e da população”, afirma Joceli Andrioli, da Coordenação Nacional do MAB. “Para isso, o movimento sindical e

os movimentos sociais vão ter de estar mobilizados para pressionar por essas mudanças”, afirma Artur Henrique, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

*Com informações da CUT

“Nossa principal preocupação é com a qualidade do serviço, o preço da tarifa e as condições de trabalho dos trabalhadores.”Artur Henrique, presidente da CUT

“Queremos que a energia que já foi amortizada seja para a população. A po-pulação já pagou por essa energia e não deve pagar novamente.”Franklin Moreira Gonçalves, presidente da FNU

“Essa é a principal disputa política no campo da energia nesse momento, por isso vai exigir unidade entre os movimentos e organizações da classe trabalhadora.”Joceli Andrioli, MAB

“Já sofremos na carne as consequências da privatização, com o sofrimento maior da sociedade brasileira, que vê todo o lucro ir para fora do país.”Mário Jorge Maia, Sinergia

“Há quatro anos vivo sem luz. E se o setor elétrico for privatizado, nem meus filhos terão luz elétrica em casa. Estamos juntos nessa luta, que é mais que justa.”José Adalberto, MST

Movimentos fazem marcha nas ruas de Paulo Afonso

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A luta pelos direitos dos atingidos

A história da humanidade tem sido a história da luta de classes. De um lado

estão os capitalistas, donos dos meios de produção, terras, fabri-cas, e, de outro, os trabalhadores, que possuem a força de trabalho. Mas, sendo o trabalho humano a base fundamental para desenvolver qualquer sociedade, os capitalistas sempre necessitam explorar o tra-balho dos trabalhares para cada vez mais acumular capital.

Nesta relação antagônica en-tre capital e trabalho, sempre que houve algumas conquistas de direi-tos básicos dos trabalhadores, foi através de muitas lutas. Estas lutas sempre serviram para denunciar a situação de exploração, reivindi-car e conquistar direitos e forçar a criação de leis que diminuíssem a violação dos direitos humanos da classe trabalhadora.

Assim tem sido a historia de luta das populações atingidas por barragens: de um lado estão o Estado e as empresas donas

das barragens, que em nome do “desenvolvimento” produzem energia como uma mercadoria para acumular riquezas, e de outro as populações atingidas que precisam se organizar, lutar e resistir para garantir seus direitos básicos de ter terra, casa e trabalho.

No Brasil só se obteve con-quistas e reconhecimento dos direi-tos dos atingidos pelas barragens onde os atingidos se organizaram e lutaram. São muitos os exemplos, que vão desde a luta para poder ter o direito de dizer não à barragem até para ter reassentamento, cré-ditos, infraestrutura comunitária. Nos lugares onde não houve condi-ção da organizar os atingidos, estes receberam indenizações que não possibilitam sua realocação digna.

O lamentável disso é que até hoje não existe, por parte do Estado brasileiro, uma política de tratamento às populações atingi-das. Isso fica a critério de cada empresa do setor elétrico. Como reflexo desse quadro, um estudo re-

cente feito pelo MAB, apresentado ao governo, demonstrou que nos últimos anos ouve um retrocesso no tratamento dos direitos das po-pulações atingidas, o que reflete, por exemplo, na diminuição do número de famílias reassentadas por obra. Há um padrão de viola-ção dos direitos humanos em áreas de construção de barragens, como comprova relatório da Comissão Especial “Atingidos por Barra-gens”, aprovado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em 2010.

Inconformados com esta realidade de desrespeito às po-pulações atingidas, o Movimen-to dos Atingidos por Barragens tem travado uma luta para garan-tir que os direitos dos atingidos sejam respeitados. Ao mesmo tempo, o MAB afirma a urgên-cia em criar critérios e políticas que possam ser a garantia de um padrão de tratamento digno aos atingidos em qualquer lugar do território brasileiro.

Mulheres atingidas protestam em Brasília

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Das promessas à realidade

No final do mandato do ex presidente Lula, houve um reconhecimento público do go-verno de que o Estado brasileiro tem uma dívida social com os atingidos por barragens e, em outubro de 2010, foi assinado o decreto presidencial que institui o cadastro socioeconômico dos atingidos por barragens. Para o MAB, isso foi visto como um sinal positivo, pois o decreto ad-mite um avanço no conceito de atingido, incluindo todos aque-les que têm seu modo de vida afetado pela obra e não somente os proprietários das terras.

No entanto, um ano já se passou e a regulamentação deste decreto ainda não foi concluída pelo Comitê Provisório, coorde-nado pelo Ministério de Minas Energia. O Movimento tem ma-nifestado preocupação com um possível retrocesso: “A nosso

ver, alguns pontos estão sendo modificados no processo de regulamentação e demonstram um recuo do governo no compro-misso assumido publicamente de que Estado brasileiro tem uma dívida histórica com os atingidos por barragens”, diz uma carta do MAB entregue ao governo recentemente.

Além de pautar a necessi-dade de respeitar o decreto e que sua regulamentação seja para beneficiar os atingidos e não mais uma vez as empresas do setor elétrico, o Movimento dos Atingidos por Barragens tam-bém está empenhado, com base na experiência histórica, na ela-boração de uma proposta básica para uma política de tratamento das populações atingidas. Esta proposta já foi apresentada ao governo e continuará sendo dis-cutida, devendo ganhar o caráter de um amplo debate popular junto às populações atingidas e entidades parceiras.

Nossos direitossó a organização

e a luta fazem valerComo a história mos-

tra que só através da luta e da organização é possível os trabalhadores obterem con-quistas, o MAB vem buscando cada vez mais fortalecer a organização de base e fazer a luta. Os atingidos e atingidas devem ser protagonistas desta história, tanto na garantia de conquistas concretas, como no acúmulo de forças para a criação de leis que possam dar parâmetros de tratamento aos atingidos por barragens.

Por isso, o Movimento tem insistido na necessidade da organização dos grupos de base (GB), com o princípio do exercício da democracia, da solidariedade e do fortaleci-mento da luta permanente-mente. Cada vez mais, para cada problema uma pauta, para cada pauta uma luta, para obtermos conquistas. Isso só é possível com uma organização firme.

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por barragens no Brasil

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O dilema de Belo MonteAndar por Altamira e re-

gião nesses últimos meses é como atravessar um

grande canteiro de obras. A única diferença é que em Altamira as famílias residem dentro dele. As-sim, as obras seguem seu ritmo no meio do povo, trazendo à tona as contradições que o Movimento dos Atingidos por Barragens já havia alertado que aconteceriam antes mesmo do início da construção.

A posição do MAB sempre foi contrária à construção da usina de Belo Monte, porque esta obra é um desastre social e ambiental e não se justifica pela sua capacidade de geração de energia. Em feverei-ro de 2010, quando o Movimento foi recebido por Lula, o MAB solicitou publicamente: “que não se leve adiante a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte

e que esta questão seja um dos pontos de debate com a população brasileira”. Já em abril de 2011, quando 500 mulheres atingidas por barra-gens foram recebidas pela presidenta Dil-ma, mais uma vez o MAB manifestou: “reafirmamos nossa posição contrária a construção da usi-na de Belo Monte e pedimos a imediata suspensão dos traba-lhos naquela região”.

Mesmo com as ações de protesto dos atingidos, de diversos movimentos sociais e ambientais, de artistas, estu-dantes, da comunidade nacional e internacional, Belo Monte está sendo construída no coração da

Amazônia em nome de velhos discursos da ditadura militar: trazer a integração e o desenvolvimen-to a uma região es-quecida. De fato, o desenvolvimento para a população foi esquecido, mas o potencial energé-tico, mineral e do agronegócio não! São projetos pen-

sados de fora, para atender a demanda de fora.

Neste momento em que as obras ganham força, o Estado não tem propostas claras de tratamen-to à população. Só em Altamira estima-se que serão cerca de 40 mil atingidos, e até o momento, nada existe de concreto que sinalize a chegada do desenvolvimento às populações locais.

“Falam em reassentamen-tos urbanos, e afirmam que as famílias têm que escolher entre a casa e a indenização. Mas como escolher se não existe nem sequer área comprada para cons-trução dessas novas casas? São mais de 5 mil casas que devem ser construídas e ninguém sabe para onde vai”, denuncia uma militante do MAB na região.

No início de novembro, quase 300 trabalhadores cruzaram os braços na localidade Santo Antônio, onde estão sendo construídos os alojamentos para os operá-rios da usina. Os operários denunciam que estão sendo obrigados a cumprir tarefas para as quais não foram contratados, além de outros mecanismos de exploração.

Um operário, que não quis se identificar por medo de perseguição, disse que em Jirau, no Rio Madeira, a cesta básica era 170 reais e, em Belo Monte, são apenas 70 reais. E com apenas uma falta o trabalhador recebe,

Exploração na obra gera primeiros protestos dos operárioscomo punição, o corte de 25% no valor da cesta básica e perde os sábados, domingos e feriados.

Outro problema é com o pagamento das horas extras. Um trabalhador disse que deixou de rece-ber quase 400 reais. “O salário é pequeno para um profissional. São R$ 4,20 por hora, e a hora extra faz muita diferença no final do mês”, afirmou. Eles temem que, diante de tanto descaso e exploração, a empresa não garanta as condições para que possam ir para casa no final de ano.

Movimentos sociais protestam em frente à Norte Energia, em Altamira

Moradores da periferia de Altamira cobram direitos

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O lucro e o caosnas barragens do rio Madeira

A usina hidrelétrica de Santo Antônio, que está sendo construída no rio Madeira,

em Rondônia, já tem data para o início da operação comercial: 15 de dezembro. Enquanto que para o consórcio Santo Antônio Energia o lucro com a venda da energia é antecipado [o início da geração era projetado para o próximo ano], os atingidos pela barragem sofrem com o rastro de problemas deixa-dos pelas empresas em mais de três anos de construção, período em que as empresas implementaram um padrão de violações igual ou pior daquele verificado pelo Con-selho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.

E não satisfeitos com os 50 bilhões de reais que terão de lucro com a venda da energia em 30 anos (cerca de 200 mil reais por hora), agora o consórcio quer aumentar a profundidade do reservatório, com o objetivo de gerar mais energia. A cota subiria dos 70,5 metros para 71,3 metros, de acordo com pedido em análise na Aneel, podendo gerar 200 MW de energia a mais, mas aumentando também o número de atingidos. Tal pedido tem gerado uma disputa entre o consórcio construtor da barragem de Santo Antônio e o consórcio dono da UHE Jirau, que já conseguiu a liberação da Aneel para instalação de mais seis turbinas no ano passado.

Brigas entre empresas à parte, o que preocupa a coordenação do MAB é o descaso com a população. “A inexistência de uma política nacional que garanta os direitos mínimos às famílias atingidas concede total liberdade para que as empresas construtoras adotem uma política discri-minatória, precon-ceituosa, injusta e autoritária de trata-mento”, afirmam as lideranças.

A falta de uma política séria e de critérios para inde-nização, aliada ao desrespeito à realida-de local e à vivência histórica dos atingidos é uma das principais marcas das empresas construtoras de barragens em Ron-dônia. Os consórcios impuseram um modelo de reassentamentos que já apresentam inúmeros problemas. Se antes as famílias podiam sobreviver em suas áreas de terras, agora rece-beram pequenos lotes que variam de 400 m² a 10 hectares de terras, longe dos rios e com condições precárias. O único reassentamento com 50 hectares é o de Santa Rita, sendo que 40 hectares seriam de reserva, mas a empresa ainda não comprou a área. Cabe ressaltar que nesta região o módulo mínimo do INCRA é de 60 hectares.

Além disso, um recente estudo do próprio consórcio construtor sobre o monitoramento da população atin-gida pela UHE Santo Antônio mostra que as condições de vida pioraram: 74% da população constatou que a si-tuação em relação ao trabalho e renda piorou. Com relação à pesca, o mesmo

levantamento constatou que para 88% dos atingidos, a situação piorou.

A realidade das famílias atingidas se reflete na cidade de

Porto Velho, com o aumento da violên-cia. O relatório di-vulgado pela Plata-forma Dhesca mos-trou várias conse-quências, entre elas que “entre 2008 e 2010, o número de homicídios dolo-sos cresceu 44% e a quantidade de crianças e adoles-centes vítimas de abuso ou explora-ção sexual subiu 18%. Entre 2007 e 2010, o número de

estupros cresceu 208%”.

Para a coordenação do MAB, os responsáveis pela atual situação, tanto dos casos de violência como da população atingida, são as empresas donas das usinas, que em nome do lucro, avançam sobre a Amazônia. Se os problemas com os atingidos pela UHE Santo Antônio são enormes, não é diferente com os atingidos pela UHE Jirau. No antigo distrito de Mutum Paraná viviam mais de 400 famílias, formadas predominan-temente por pescadores, ribeirinhos, extrativistas e agricultores. As famí-lias foram removidas e apenas 125 delas foram transferidas para uma área urbana, denominada Nova Mu-tum Paraná.O que para o consórcio configura-se num reassentamento coletivo urbano, na realidade trata-se de uma cidade com inúmeros pro-blemas, onde as casas pré-fabricadas para os atingidos são de péssima qualidade e não estão de acordo com a vontade dos moradores.

O consórcio Santo Antônio Energia é

formado porFurnas (39%), Odebrecht (18,6%), Cemig (10%),

Andrade Gutierrez (12,4%) e FIP da Amazônia (20%).O FIP tem como

acionistas o FI-FGTS e a empresa canadense

Maple Leaf, que, recentemente, comprou a participação do banco de investimentos Banif.

Usina de Santo Antônio, em Porto Velho

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Empresas donas de hidrelétricascontrolam territórios

ESTUDO

Na bacia do rio Uruguai, na região Sul, já foram construídas sete usinas hidrelétricas: Itá, Ma-chadinho, Barra Grande, Campos Novos, Foz

do Chapecó, Passo Fundo e Monjolinho. Além dessas, vários outros projetos estão em processo acelerado para liberação e implementação. Entre elas destacam--se nas prioridades do governo federal as usinas de Itapiranga, Garabi, Pai Querê, Garibaldi e São Roque.

Estas sete usinas construídas já expulsaram quase 13 mil famílias de suas terras, aproximada-mente 60 mil pessoas. E nas regiões ribeirinhas aos lagos formados pelas barragens mais de 300 comunidades atingidas ficaram desestruturadas, ocasionando problemas para cerca de 10 mil fa-mílias, em torno de 40 mil pessoas. Esse número pode aumentar com as ameaças das empresas de não reconhecimento das famílias atingidas pelas barragens de Garabi, Pa-nambi e Garibaldi.

A geração de riqueza na bacia do rio Uruguai para acumulação privada

As hidrelétricas, no atual modo de produção, nada mais são que grandes fábricas de produzir eletri-cidade. Em um estudo apresentado para a Universida-de Federal do Rio de Janeiro, um militante do MAB aponta os lucros obtidos pelas empresas que controlam as sete barragens da bacia do rio Uruguai.

Nos 30 anos de concessão, as empresas vão lucrar mais de 95 bilhões de reais, equivalente a mais de 3,2 bilhões por ano ou 364 mil reais por hora. Isso apenas na geração, se considerarmos também a trans-missão e a distribuição dessa energia, o total alcança cerca 180 bilhões em 30 anos de concessão.

“O lucro que as hidrelétricas geram e poderão gerar em todos os anos de concessão, se torna o único objetivo das empresas que constroem e se apropriam desta fonte de geração de eletricidade”, afirma Gilberto Cervinski, autor do estudo.

As principais empresas que controlam as bar-ragens na bacia do rio Uruguai são a GDF Suez, Tractebel, CSN, Votorantim, Alcoa, Vale, Camargo Correa e CPFL Energia. Segundo o estudo, em 2009, o faturamento da Tractebel, filial da GDF Suez, foi de 3,496 bilhões de reais, sendo que seu lucro foi de R$ 1,134 bilhões. De 2004 até 2008, conforme relatórios financeiros da própria empresa, o lucro foi repassado integralmente aos seus acionistas na França e na Bélgica.

Lucro privado Xinvestimentos federais

Para uma análise mais pedagógica, o estu-do faz uma comparação entre o faturamento que as sete hidrelétricas geram por ano com o total dos recursos transferidos pelo governo federal durante o mesmo ano a todos os municípios atingidos pe-las sete barragens.

As sete hidrelé-tricas atingiram territórios e populações de 50 municípios, em 2009, a transferência total de recursos do governo federal a esses municípios foi de 479 milhões de reais. Se compararmos com o faturamento das empresas no mesmo ano (3,19 bilhões de reais), podemos verificar que as sete hidrelétricas geram um faturamento seis vezes maior que todo recurso vindo do governo fede-ral aos 50 municípios. Ou seja, o recurso federal nestes municípios equivale à apenas 15% daquilo que cinco empresas estão faturando com a venda da energia das sete barragens no mesmo período.

Estes dados comprovam que o tão anunciado discurso do desenvolvimento e progresso regional com a construção de barragem é uma mentira e quem lucra com as barragens são as empresas privadas. O que acontece na bacia do rio Uru-guai se repete no Brasil inteiro, fato que tende a se agravar com as barragens previstas para os próximos anos.

Atingidos por Garibaldi fazem ato por seus direitos

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Famílias atingidasconstroem cisternas

Através de um longo processo de lutas, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) conquistou cisternas para o armazenamento de água em diversas regiões

do Brasil. O projeto, em parceria com a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid) e o Instituto Ambiental Brasil Sustentável (IABS), viabilizado através do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, beneficia 610 famílias nos estados de Minas Gerais, Ceará, Bahia, Pernambuco, Pará, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Rondônia.

No Nordeste, região castigada pela seca, estão sendo construídas 267 cisternas. São 122 nas comunidades na região do Vale do São Francisco (Pernambuco e Bahia) e 145 cisternas no Ceará, distribuídas nas regiões do Maciço de Baturité e da barragem de Castanhão.

Celso Rodrigues, militante do MAB em Pernambuco, conta que “através do projeto as famílias podem armazenar água da chuva para o consumo humano, uma água pura e sem poluição, pois a água do rio São Francisco está poluída pelo veneno jogado pelo agronegócio e pelos esgotos”.

Celso também destaca que esse projeto está ajudando o MAB a organizar as famílias na região, já que são os próprios assentados que se organizam para construir as cisternas, apren-dendo a técnica e trabalhando em conjunto.

Para Graça Silva, atingida pela barragem de Castanhão e coordenadora de grupo de base, “o projeto vai melhorar muito a vida da comunidade, porque antes a gente ia buscar água nos açudes e era muito longe e agora temos água da chuva na porta de casa”.

Graça também destaca o papel das cisternas para forta-lecer o Movimento: “Com a conquista do projeto de cisternas temos mais facilidade para organizar as famílias no MAB porque elas estão tendo ganhos concretos e passam a entender que só através da luta podemos ter conquistas”.

De acordo com o MAB, as cisternas se inserem dentro da proposta de acesso à água pelos atingidos, já que muitas vezes são privados do uso da água dos rios e dos lagos das barragens. Esse é um projeto piloto, que deve ser concluí-do no primeiro semestre de 2012. A perspectiva é ampliar o número de cisternas para as famílias nos próximos anos. Cabe ressaltar que o MAB é quem está desenvolvendo as primeiras experiências de construção de cisternas em outras regiões, além do Nordeste.

Conquista garante acesso à água, umdireito fundamental para a sobrevivência

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Jornal do MAB | Novembro de 201112

Basta de violênciacontra as mulheres!

Com a perspectiva de que não é possível construir uma sociedade mais igualitária se persistir a opressão de gênero, os movimen-

tos da Via Campesina estão engajados em uma cam-panha para erradicar a violência contra as mulheres. A ideia é denunciar todas as formas dessa violência, cobrar medidas do poder público e incentivar as mulheres a se organizarem para lutar contra esses problemas.

Os movimentos da Via en-tendem que a violência contra as mulheres é fruto do modelo patriarcal de sociedade, no qual as relações pessoais não estão fundamentadas no afeto, mas nas relações de poder e pro-priedade. Nesse modelo, a mulher aparece como um objeto que pertence ao homem e tem por obrigação lhe servir e dar prazer.

Dessa forma, a violência é vista como algo natural, que serve para manter a ordem estabelecida. Por isso, muitas vezes as mulheres têm dificul-dade para entender que o que estão sofrendo é violência, em especial quando a violência praticada contra elas não é física. A dificuldade para lidar com esse assunto decorre do fato de que, na maioria das vezes, a violência é praticada dentro de casa, pelos próprios companheiros.

Há diversos tipos de violência sofridos pelas mulheres além da física (ou seja, as agressões e até assassinato) e da sexual (estupros e outros atos contra a sua vontade). Há também a violência psicológica (ameaças e chantagens), patrimonial (omissão ou destruição de objetos) e moral (calú-nias e injúrias).

Violência contra as mulheres do campoAdriana Mezadri, do Movimento de Mulheres

Camponesas (MMC), explica que, para as mulheres do campo, há alguns agravantes. “Por causa do isolamento e das relações mais conservadoras nas famílias, acabamos tendo mais dificuldade para denunciar esses casos. Há

muita dificuldade em se separar dos maridos, porque as mulheres são mais culpabilizadas pelo fim

dos relacionamentos”, conta.

Além desse tipo de violência praticado dentro de casa, as mulheres camponesas estão sujeitas à violên-cia do agronegócio e dos grandes projetos, como os de barragens.

“Eles avançam sobre os nossos ter-ritórios e nos expulsam. E sabemos que

esses problemas atingem as mulheres com mais força, com casos de violência sexual e prostituição, que acompanham esses projetos”.

O MAB vem tratando desse assunto com bastante destaque este ano, a partir do Encontro das Mulheres Atingidas por Barragens, realizado em abril em

Brasília. O Movimento também publicou uma cartilha sobre as violações dos direitos huma-nos das mulheres na construção de barragens, comprovando que

elas são as mais prejudicadas por esses projetos. Além disso, diversos estados estão organizando encontros estaduais de mulheres para discutir o tema da campa-nha, entre outros assuntos.

A militante do MMC destaca a importância das mulheres se unirem para combater esse problema: “É fundamental a organização entre as mulheres. Se você não tem com quem conversar, em quem se apoiar, acha que não tem saída. Organizadas nós nos ajudamos, encaramos os problemas e conseguimos lutar por mudanças”, explica.

A violência em númerosMais de 40% das mulheres brasileiras já sofreram violência doméstica;

A cada 24 segundos, uma mulher sofre violência física no país;Entre 1997 e 2007, 10 mulheres foram assassinadas por dia no Brasil;

Até 47% das mulheres do mundo tiveram sua primeira relação sexual forçada.Fontes: Fundação Perseu Abramo, Instituto Sangari/DATASUS e OMS