jornal da bienal

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CONFIRA AS NOVIDADES, OS LANÇAMENTOS E OS PERFIS DE AUTORES EM UM DOS MAIORES EVENTOS CULTURAIS DO NORDESTE Iniciativa inovadora: manual de sustentabilidade para os expositores Bairros de periferia ganham espaço para leitura 7 10 16 MEIO AMBIENTE BIBLIOTECA HOMENAGEM Um olhar sobre a Literatura e a Cidadania Aos escritores Mauro Mota e Ronaldo Correia de Brito FOTO: CHICO LUDERMIR VIII Bienal do Livro de Pernambuco Internacional

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Jornal da Bienal do Livro de pernambuco.

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Page 1: Jornal da Bienal

Confira as novidades, os lançamentos e os perfis de autores em um dos maiores eventos Culturais do nordeste

Iniciativa inovadora: manual de sustentabilidade para os expositores

Bairros de periferia ganham espaço para leitura7 10 16

meio ambiente biblioteca homenagem

Um olhar sobre a literatura e a Cidadania

Aos escritores Mauro Mota e Ronaldo Correia de Brito

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VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco | 1

Para o saudoso astrônomo e divulgador de ciência Carl Sagan – grande autor e best-seller – os livros trazem a sabedoria da espécie humana, sintetizando o pensamento das maiores mentes e o ensinamento dos melhores mestres de todas as épocas, em todos os países.

Chegamos à oitava edição consecutiva de um evento do porte da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, que, a cada ano de realização, ganha novo fôlego, consolidando a sua posição no rol dos mais referenciados eventos culturais do Nordeste e do Brasil.

Desta vez, entre outras novidades, temos o prazer de apresentar o primeiro número de uma revista com a difícil tarefa de aglutinar, em

Editorial

O significado dos livros público e dos participantes, ou na reunião de instituições e pessoas que contribuem efetivamente para a oferta de um evento à altura das expectativas geradas em mais de 15 anos de sucesso crescente.

Um sentimento de profunda gratidão se mistura à responsabilidade compartilhada no caminho da VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. Por isso, a todos que, com o seu suor e carinho, se empenharam em fazer mais uma vez o melhor evento literário do Nordeste, o nosso agradecimento – e o desejo de que a leitura das próximas páginas junte adicionais motivos para nutrir a paixão pela literatura, que não se separa de um mundo sempre mais amplo de possibilidades.

Rogério Robalinho

EXPEDIENTE

VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco23 setembro /2 de outubro 2011

Realização:Cia de EventosDireção:Rogério RobalinhoCoordenação de Programação:Homero FonsecaWellington de MeloProdução Geral:Cristina BalariLeonardo SantosMarluce LaurentinoAssessoria de produção:Guilherme RobalinhoRafaella RafaelComunicação:André Raboni, Bruno Piffardini, Clareana Arôxa, Danilo Cárias, Fábio Lucas, Mariana Antonino, Priscila Moreira.

Revista da Bienal

Edição:Mariana OliveiraProjeto Gráfico/Arte: Luiz ArraisRevisão: Maria Helena PortoColaboradores:Clareana Arôxa, Chico Ludermir, Diogo Guedes, Fábio Lucas, Marta Telles, Samarone Lima, Thiago Corrêa, Thiago LinsImpressão:FacForm

Conteúdo protegido com uma licença creative commons

poucas páginas, os principais assuntos que serão tratados pelas mentes e pelos mestres que circularão no pavilhão do Centro de Convenções, de 23 de setembro a 2 de outubro de 2011.

Numa publicação caprichada, fizemos questão de iniciar o leitor nos meandros do tema Literatura e Cidadania, que será intensamente descascado na programação variada e rica de palestras, debates, mesas e painéis durante a Bienal. Mas também conduzir à reflexão de como a literatura pode contribuir para a formação e a melhoria do cidadão no seu cotidiano, longe do burburinho cativante das feiras literárias.

Neste momento crucial para o planeta, a valorização

do conhecimento, real sentido do significado dos livros, é uma das marcas do espírito que conduz a Bienal. Que se traduz na preocupação com a montagem e gestão do espaço de exposição dentro de conceitos atuais de sustentabilidade, que primam pelo conforto e segurança do

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seca

literatura e cidadania na bienal 2 • expositores sustentáveis 7 •

escritores hispânicos no recife 8 • interpoética e bienal promovem

encontro de poetas 9 • os guardiões das bibliotecas comunitárias

do recife 10 • os 100 anos de mauro mota 16 • o momento de ronaldo

correia de brito 18 • tião santos, catador e amante dos livros 22 •

as ideias de miguel nicolelis 23 • autores brasileiros na bienal 24 •

resenhas 26 • projeto resgata legado de valdemar de oliveira 28

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Literatura e cidadania

Historicamente, Pernambuco sempre foi um polo na produção literária brasileira. Um pequeno passeio por qualquer livro didático da área dá uma boa noção de quantos talentos inquestionáveis o Estado já gerou na prosa, no verso e na crítica para o país. Mas, há 15 anos, a orgulhosa indústria de bons autores sofria com a falta de eventos literários de porte, que pudessem aprofundar os debates e aproximar os escritores do público.

Se hoje, em Pernambuco, acontecem tantas feiras e festivais para celebrar os livros e a leitura, houve um ponto de partida bem-definido: a realização da I Bienal do Livro de Pernambuco, em 1997. Sempre marcada por uma programação que une público, editoras e escritores de diversos estilos e gêneros, a Bienal é hoje o terceiro maior evento literário em público do país. Agora, em sua oitava edição, a ser realizada no pavilhão de exposições do Centro de Convenções de Pernambuco, entre 23 de setembro e 2 de outubro, o desafio é continuar reforçando a importância da literatura para a sociedade. O evento, promovido pela Cia de Eventos, tem patrocínio da Petrobras e do BNDES, e conta com apoio, simpatia e engajamento das mais diversas entidades e representações

da sociedade, tais como a Câmara Brasileira do Livro, os Ministérios da Educação e da Cultura, o Governo do Estado de Pernambuco, as Prefeituras do Recife, de Olinda e Jaboatão, o Instituto Cervantes, a Fafire, a Unicap, a UFPE, o Colégio Damas, o Sesc, a União Brasileira de Escritores, o British Council, a Academia Pernambucana de Letras, a Associação dos Editores e Distribuidores de Livros do NE e a Assembleia Legislativa de Pernambuco, entre outros.Com esse intuito, a temática deste ano, Literatura e Cidadania, não poderia ser mais oportuna. Segundo o coordenador da programação da edição, o escritor Wellington de Melo, a Bienal reflete duplamente sobre o papel da escrita. “Uma perspectiva importante ao se pensar literatura e cidadania é o letramento, já que um verdadeiro leitor leva consigo a percepção de pertencimento de sua língua: ela o torna cidadão e ele mesmo a constrói”, explica o poeta.

Segundo ele, a partir desse pertencimento linguístico, as pessoas se sentem parte de uma comunidade ou de uma cultura. “Além disso, a literatura nos leva a ter uma visão mais ampla do mundo em que vivemos, alargando nossos horizontes”, continua.

Ainda segundo Wellington, a escolha de falar sobre cidadania teve um forte reflexo

nos nomes chamados para esta edição. “Pensa-se em eventos literários a partir de uma lógica apenas mercadológica. Na VIII Bienal, os convites feitos a escritores se pautaram na contribuição que eles podiam dar à temática”, aponta. Além disso, as homenagens, concedidas ao pernambucano Mauro Mota, que faria 100 anos este ano, e ao cearense radicado em Pernambuco Ronaldo Correia de Brito, vão contribuir para as discussões.

Sobre o poeta Mauro Mota, Wellington destaca a sua abordagem sensível e não panfletária das questões sociais de sua época, em poemas como A tecelã. Responsável pela reedição, que sai este ano, dos poemas e crônicas do pernambucano, o poeta e crítico literário Everardo Norões ressalta que, apesar de ser politicamente conservador, o escritor tinha

uma relação sentimental com o Recife e com as pessoas da cidade. “Normalmente, a poesia lírica é a parte mais valorizada da obra de Mauro Mota. Particularmente, acho a poesia não lírica dele ainda mais significativa”, comenta.

A despeito do talento e do domínio da escrita, Mauro Mota tem sua obra pouco conhecida fora do Estado. Apesar disso, segundo Norões, ele foi uma influência importante para seus colegas. “Creio que ele é um dos grandes nomes de Pernambuco, ao menos para minha geração. Além disso, quando dirigia o Suplemento do Diario de Pernambuco, costumava abrir as portas para novos autores, movimentando a cena literária”, resgata o crítico.

HOjE, nO ESTADO, ACOnTECEM FEiRAS E FESTivAiS PARA CELEBRAR OS LivROS E A LEiTuRA – O POnTO DE PARTiDA FOi A REALizAçãO DA i BiEnAL DO LivRO DE PERnAMBuCO, EM 1997

Já Ronaldo Correia de Brito recebe a homenagem da Bienal justamente por sua relevância e reconhecimento não só em Pernambuco, mas em todo o Brasil. Autor do clássico infantil O baile do Menino Deus e de Galileia, obra que lhe rendeu o Prêmio São Paulo de Literatura, o escritor cearense constrói suas narrativas dentro do limite geográfico nordestino, mas deixando transparecer questões que são, na verdade, mais amplas. “O corpo de sua obra é o universal, cutuca o nervo da humanidade”, afirma Wellington.

Para o crítico e doutor em Letras Lourival Holanda, a lembrança do nome de Ronaldo surpreende, pois as homenagens normalmente

O evento

BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DE PERNAMBUCO, TeRceIRa MaIOR DO PaÍs, é O gRanDe evenTO culTuRal DO nORDesTePOR diogo guedes fOTOs ana fonseca

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4 | VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco | 5

“TEnDE-SE A PEnSAR EM EvEnTOS LiTERáRiOS A PARTiR DE uMA LóGiCA DE MERCADO. nA viii BiEnAL, OS COnviTES FEiTOS A ESCRiTORES SE PAuTARAM nA COnTRiBuiçãO quE ELES PODiAM DAR à TEMáTiCA” , Diz WELLinGTOn DE MELO (FOTO)

recaem sobre escritores veteranos. Considerando o autor um dos principais nomes da literatura contemporânea brasileira, ele diz que, em suas obras, Ronaldo termina por questionar o seu próprio lugar geográfico de fala. “Como boa literatura, ele reflete, sim, as questões sociais, mas não diretamente. Sua obra fala sobre a necessidade de se sentir nordestino sem se sentir estereotipado. Trata-se de um escritor com uma abordagem

do regional, mas diferente do regionalismo tradicional, da Geração de 1930”, descreve elogiosamente.

CONVIDADOSApesar de dialogar com um amplo público leitor – em 2009, 610 mil pessoas circularam durante os 11 dias de evento, movimentando cerca de 30 milhões de reais –, Wellington ressalta que a escolha dos autores que vêm para a Bienal não obedece a simples critérios

mercadológicos. Como exemplo da preocupação com as discussões sobre cidadania, o coordenador aponta três nomes: Tião Santos, Berimba de Jesus e Allan da Rosa.

O primeiro é o personagem principal do documentário Lixo extraordinário, que aborda o trabalho do artista plástico Vik Muniz junto a catadores de um dos maiores aterros sanitários do mundo. “Ele deve fazer um depoimento bem emocionado sobre sua vivência no lixão.

ministrar cursos de formação e mediação em bibliotecas comunitárias do Recife”.

Mas uma das principais apostas do curador é na mesa que conta com a acadêmica e poeta portuguesa Maria Estela Guedes, editora do site Triplo V. Além de participar do Encontro de Poetas Linkados, promovido em parceria com Ponto de Cultura Interpoética, junto com os brasileiros Luiz Berto, do blog Besta Fubana, e Cleyton Cabral, do Cleytudo, ela vai

Mesmo tomando todo o pavilhão do Centro de Convenções, a Bienal do Livro precisou se expandir em 2011. Para além dos estandes de editoras e livrarias e do Círculo das Ideias, a novidade deste ano é que o evento vai ocupar mais três locais – os auditórios Ribeira, Brum e Beberibe –, a partir de parcerias com instituições locais. Além disso, junto com a Secretaria Estadual de Educação, serão novamente distribuídos bônus de compra para os professores da rede pública.

Essa última iniciativa já aconteceu em 2009 e é considerada pioneira no país, tendo recebido elogios em todos os locais onde foi apresentada.

Outro ponto importante de divulgação das novidades, atrações e programação, o site da Bienal do Livro (www.bienalpernambuco.com) recebe este ano uma atenção especial. Um dos destaques da página é o Blog do Bienaldo, personagem encarnado pelo contista

Bruno Piffardini desde a edição passada. “Ele surgiu em 2009, com a proposta de ser um personagem meio misterioso, enigmático, algo quase como um poltergeist”, diz o escritor, também crítico literário.

Segundo ele, a ideia era criar um perfil que tornasse a página do evento menos

Exclusivos para livros da Bienal, os bônus permitem que os docentes invistam em sua formação e atualizem sua biblioteca, fortalecendo o hábito da leitura e preparando-os melhor para os desafios do ensino.

Na programação paralela, o Diretório Acadêmico do curso de Letras da Universidade Federal de Pernambuco, junto com o Instituto Cervantes e a Associação dos Professores de Espanhol do Estado de Pernambuco (APEEPE), vai promover o III Simposio Formación Profesores de Español – Lenguajes y Nuevas Tecnológias, que acontece de 27 de setembro a 1° de outubro.

Enquanto isso, junto com a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), a Bienal vai

organizar um seminário tratando apenas da relação entre literatura e cidadania, com palestras ministradas por professores da universidade. Já a União Brasileira de Escritores – Seção Pernambuco (UBE-PE) conseguiu trazer para o Estado o seu congresso nacional, no dia 28 de setembro. Outra iniciativa de destaque é a da Academia Pernambucana de Letras (APL), que realizará o III Congresso de Academias de Letras do Nordeste.

Um parceiro antigo que volta este ano é o sistema Sesc. A Bienal vai contar com a presença da biblioteca itinerante BiblioSesc e com o Cine Sesc, exibindo filmes que contemplem temáticas literárias. “Eles vão também

organizar uma programação no Círculo das Ideias, com atividades e oficinas para estudantes durante a manhã”, avisa Wellington de Melo.

Está prevista também a realização do seminário Literatura, cidadania, ciência e espiritualidade, promovido pelo Clube do Livro Espírita de Pernambuco, em parceria com entidades dessa religião, com lançamento de livros e debates. Haverá ainda, nos auditórios, atividades da Secretaria de Educação do Estado, e eventos como o Seminário de Formação do Comitê Pernambucano Rio +20, no dia 28, e o I Encontro de Protagonismo Juvenil, promovido pelo Colégio Damas, no dia 30 de setembro, ambos no Ribeira. (Diogo Guedes)

Também me disse que está ansioso para vir, porque sua família era daqui”, conta.

Já Berimba de Jesus trabalha com uma mistura de literatura com outras formas artísticas, apresentando-se nas ruas e praças de São Paulo, sozinho ou com o coletivo Poesia Maloqueirista. A vinda de Allan da Rosa é parte das ações descentralizadas da Bienal. “Ele é escritor, arte-educador e coordena as Edições Toró, em São Paulo. Vamos trazê-lo para

EVENTOS PARALELOS E PARCERIAS BIENALDO VOLTA A BLOGAR ESTE ANO

felIPe feRReIRa/DIvulgaçãO

“dura”. “A proposta foi a de não ser apenas algo informativo, mas a de tentar também atrair a atenção de pessoas que ignorariam um blog literário”, revela Piffardini, que mantém o anonimato na página.

O personagem surgiu por iniciativa de Homero Fonseca e Rogério Robalinho na VII Bienal, mas a personalidade jocosa e bem-humorada foi desenvolvida pelo paulista. “No ano passado, ele atraiu uma boa quantidade de leitores e recebeu comentários constantes nas matérias do blog. Agora, ele já está publicando as novidades da Bienal, mas vai continuar em atividade durante todo o evento”, anuncia o autor. O site ainda vai

promover um concurso de histórias, mas com um formato diferente. A ação Sua história por escrito convida leitores e internautas a narrarem acontecimentos importantes de sua vida pessoal ou fatos marcantes sobre uma cidade e depois enviarem os relatos para a Bienal. Os melhores episódios serão transformados em crônicas ou contos por diversos escritores, dentre eles Homero Fonseca, Joca Souza Leão, Luiz Otávio Cavalcanti, Nelly Carvalho, Samarone Lima e Rostand Paraíso. A intenção do concurso é a de valorizar e preservar a memória social dos pernambucanos, que muitas vezes é ignorada. (DG)

comandar uma conversa sobre a literatura no meio digital. “Em outro momento, vai trazer uma perspectiva bem interessante da obra dos portugueses Herberto Hélder e Carlos de Oliveira”, antecipa Wellington.

Outras atrações internacionais, de língua espanhola, frutos da parceria com o Instituto Cervantes Recife, devem aportar na Bienal. O crítico e conferencista Germán Gullón vem para duas conversas: uma sobre

o livro digital, assunto do seu último livro, e outra traçando um panorama do romance contemporâneo no seu país. Além dele, estarão no evento o fotógrafo e jornalista Bernardo Gutiérrez, lançando Calle Amazonas, relato de viagens de Belém a Manaus, o historiador Antonio Álvarez Rojas, estudioso dos movimentos libertários na América Latina, ambos da Espanha, e a escritora argentina radicada em Barcelona, Flávia Company,

que fala sobre o tema O que nos move à literatura?.

Outra discussão que Wellington quis trazer para a Bienal foi a das obras infan-tojuvenis. “Queremos discutir como essa literatura pode ser uma porta de entrada para os mais jovens no universo da leitura”, fala o curador. Para abordar o tema, a Bienal terá escritoras como Thalita Re-bouças, autora de Era uma vez minha primeira vez, e Claudia Felício, de Tudo sobre meninos

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Ação

A VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco terá como um dos seus eixos a gestão sustentável do evento. Além da integração ao tema geral deste ano, Literatura e Cidadania – que abrange necessariamente a cidadania ambiental na programação de painéis e debates –, a sustentabilidade em todos os aspectos, da concepção à operação final, é um dos pilares da Bienal 2011.

O público sentirá a diferença desde o primeiro passo no pavilhão do Centro de Convenções. Todos os expositores estão recebendo um Manual de Sustentabilidade, que dá recomendações para o uso de materiais biodegradáveis e reciclados, a coleta seletiva, a distribuição de brindes sustentáveis, e informa sobre a presença de gestores ambientais que funcionarão como supervisores, em circulação permanente entre os estandes durante todo o evento. Haverá, ao final, premiação para os

estandes que se destacarem nas práticas sustentáveis.

“O nosso objetivo é contribuir para a disseminação de práticas ambientalmente responsáveis na sociedade, dando o exemplo a partir de normas de utilização e convivência no espaço da feira”, afirma o produtor Rogério Robalinho.

Com isso, espera-se, ainda, sensibilizar o grande público que frequenta a Bienal do Livro para a mudança de hábitos solicitada por uma época em que o respeito ao meio ambiente passa a ser visto como algo obrigatório não somente para a indústria, como também para consumidores e comerciantes, inerente à cultura que identifica o ser humano com valores ambientais.

Atividades ecoeducativas serão desenvolvidas durante a programação com palestras e oficinas abordando temas como reciclagem, educação ambiental, permacultura, água, economia solidária e compostagem. Qualquer

participante, seja livreiro, editor ou leitor, será bem-vindo.

Para dar o exemplo, a VIII Bienal Internacional do Livro contará com a Gestão Integrada dos Resíduos Orgânicos (Giro), com a separação de resíduos, desde o momento de descarte, e a orientação de opções permanentes como ecobags, canecas, entre outras, para os expositores, buscando a redução máxima de rejeitos – resíduos impossíveis de reciclar.

ATiviDADES ECOEDuCATivAS SERãO DESEnvOLviDAS DuRAnTE A PROGRAMAçãO – HAvERá PALESTRAS E OFiCinAS SOBRE TEMAS COMO RECiCLAGEM, EDuCAçãO AMBiEnTAL, PERMACuLTuRA, áGuA, ECOnOMiA SOLiDáRiA E COMPOSTAGEM

inovação para sustentabilidadeTODOs Os exPOsITORes RecebeRaM uM Manual cOM RecOMenDações De PRáTIcas ResPOnsáveIsPOR fábio lucas

DIvulgaçãO

Confira alguns itens do Manual do Expositor Sustentável da VIII Bienal Internacional do Livro:

Todos os expositores

Os Pontos de Coleta Seletiva são importantes para que os resíduos sejam destinados corretamente. Para facilitar o descarte, as lixeiras se dividem em três tipos:

- Resíduos Secos Limpos: são as embalagens recicláveis em geral (plástico, vidro, metal e papel).

- Resíduos Orgânicos: restos de comidas que não forem consumidos (cascas, talos, sementes etc.). Os guarda-napos, talheres de madeira e utensílios de papel devem ser jogados nesse lixo.

- Rejeito: é o lixo que não será reciclado, e não é compostável, como embalagens engordura-das, adesivos e fitas adesivas, clipes, grampos etc.

Brindes e distribuição de material promocional: procure imprimir o mínimo necessário, e, quando o fizer, opte por papel reciclado. Seja criativo e divulgue sua marca com brin-des e catálogos sustentáveis. Não se exceda na distribuição de papeis.

Praça de alimentação

Podemos escolher materiais produzidos com matéria--prima vegetal (papel, madeira etc.), que rapidamente vão se decompor no meio ambiente. Então, use sempre: talheres de madeira, copos, pratos e saquinhos de papel.

Um dos focos da gestão sustentável na Bienal do Livro será a reciclagem de papel, que receberá tratamento diferenciado na ação informativa, e será objeto de oficinas específicas durante o evento.

O Coordenador de Sustentabilidade da VIII Bienal é o educador, gestor ambiental e consultor Thomas Enlazador. Contato: (81) 9708.2686 [email protected].

para meninas. “Vai ter também uma mesa de jovens univer-sitários, que estão entrando agora nos cursos de graduação, para que falem sobre o assunto. Nós achamos que eles podem fazer a discussão com menos preconceitos acadêmicos e mercadológicos”, argumenta.

O evento ainda vai tra-zer nomes significativos no

cenário nacional. O jornalista e best-seller Laurentino Gomes vem comentar o seu trabalho, talvez já antecipando algo do seu novo projeto, 1889. Além dele, o escritor Luiz Ruffato vai debater a literatura proletá-ria no Brasil, um dos temas caros à sua obra. Eliane Brum, Antonio Prata, Joca Reiners Terron, Miguel Sanches Neto

e Marcelino Freire também integram a lista de presenças confirmadas.

Alguns dos debates restan-tes também irão privilegiar um tom mais acadêmico. A profes-sora Graça Graúna, estudiosa da história indígena e de suas tradições literárias, fala sobre Literatura, identidades e etnias. Enquanto isso, a escritora chile-

na Carola Saavedra, que vive no Brasil desde a infância, discute o tema Literatura, identidade, memória e transculturalismo, com o professor argentino e doutor em Letras Alfredo Cor-diviola. “Anco Márcio Tenório trará uma nova visão, também sob os olhos da cidadania, sobre as crônicas de Carneiro Vilela”, revela o coordenador.

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Com acento espanholInsTITuTO ceRvanTes e a bIenal se uneM PaRa TRazeR IMPORTanTes escRITORes hIsPânIcOs POR Thiago lins

Intercâmbio

Sublinhando a força da Bienal enquanto vitrine do panorama literário, o diretor do Instituto Cervantes Recife (IC), Ignacio Ortega Campos, atesta que havia uma “necessidade” entre os integrantes do IC de travar parceria com a Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. Não é para menos, visto que na última edição mais de 600 mil pessoas passaram pelo evento, movimentando mais de R$ 30 milhões em negócios.

“Parecia necessário, existindo uma feira do livro como essa que se celebra no Recife, que uma instituição como o IC estivesse presente, difundindo os valores da cultura espanhola que representa”, afirma Ortega Campos. Este ano, uma “feliz coincidência” uniu os interesses da Bienal, que desejava trazer vários autores de língua espanhola, e os valores

defendidos pelo Instituto Cervantes, responsável pela representação e valorização da cultura hispânica.

A extensa grade da Bienal vai abarcar, por exemplo, tanto assuntos históricos, como a promulgação da Constituição Espanhola e sua influência na América Latina, quanto temas contemporâneos, como literatura digital. “Essa primeira experiência nasce com uma vontade de consolidar este rico intercâmbio de experiências literárias e culturais para fortalecer a presença e o conhecimento da cultura hispânica, que é cultura latina e brasileira”, diz Ortega Campos.

Entre os convidados, está Flavia Company, argentina radicada em Barcelona. A escritora e jornalista, que tem livros traduzidos na França, Polônia, Alemanha e Portugal, entre outros países, detém

uma vasta obra, marcada pela originalidade da narrativa, em livros que vão de contos a romances, passando ainda por ensaios. “Em toda a obra literária de Flavia Company se encontra a literatura como um meio para conhecer o ser humano. Ela leva a cabo uma profunda análise psicológica dos personagens, tanto femininos quanto masculinos. Seus relatos e romances são como um percurso em meio a desencanto, dor, falta de comunicação...”, disseca Ortega Campos, sem esquecer a importância de outros participantes, como Antonio Álvarez Rojas.

Rojas será o palestrante da conferência O início do longo caminho na conquista dos direitos civis e democráticos. O historiador, que também é ex-diretor do centenário Museu de Cádiz, falará ainda sobre a constituição de mesmo nome. O documento, de 1812,

Pela segunda vez, o Interpoética, portal que tem o maior acervo de poesia pernambucana na rede, alia-se à força da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. O jornalista, poeta e publicitário Raimundo de Moraes, o webmaster e produtor cultural Sennor Ramos e a poeta, advogada e produtora cultural Cida Pedrosa, integrantes do coletivo, idealizaram o Encontro de Poetas Linkados.

A ideia do encontro é focar o intercâmbio histórico entre o Brasil e Portugal e estreitar laços, também, com a produção contemporânea lusitana, que assiste a uma emergência da literatura nas redes sociais. Daí o nome do evento. “O diálogo

Brasil-Portugal no campo das artes é permanente. Temos basicamente o mesmo idioma, mas cada um com suas características peculiares e, claro, cada um com seus registros específicos através da expressão dos seus artistas e escritores”, destaca Raimundo, esclarecendo que a internet não exclui a importância da presença física. “Para não ficar só uma coisa do mundo virtual, a proposta não é trazer só a obra, mas também o criador, para conversar, falar do seu processo criativo, interagir com a plateia e com os poetas pernambucanos convidados para o evento. Serão momentos bastante interessantes, acho que todo mundo vai gostar”.

Entre os portugueses, que vão participar do encontro, estão a pesquisadora Maria Estela Guedes, que naquele país dirige a revista TriploV, destinada a artes, literatura e ciências. A acadêmica integra o Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa, e, na ocasião, participará do painel sobre a poesia portuguesa, juntamente com o poeta e ensaísta Luís Serguilha, que colabora com várias revistas no Brasil, na Espanha e em Portugal. O poeta responde pela organização da coleção de poesia contemporânea brasileira para a editora Cosmorama, de Portugal, e pela curadoria do Encontro Internacional de Literatura e Arte.

A expectativa da equipe do Interpoética é a melhor possível. Em 2009, eles conseguiram realizar várias intervenções, todas com resultado positivo e um bom retorno do público. Levaram cordelistas e poetas à Bienal, com nomes como Biagio Pecorelli (que conquistou menção honrosa no Prêmio Cidade do Recife de Literatura 2010, com o Livro dos líquidos), e o cineasta e compositor Wilson Freire, autor de diversas parcerias com Antônio Carlos Nóbrega. Naquela edição, o Interpoética também se responsabilizou por confirmar a presença do coletivo de poesia Vozes Femininas, grupo do qual Cida Pedrosa (foto) faz parte, junto com as poetas Silvana Menezes, Mariane Bigio e Susana Moraes. As duas últimas conquistaram o

Poesia conectada

segundo lugar no Concurso Recitata, em 2008. O grupo está em vias de completar 25 anos de existência.

O INTERPOÉTICAO trio, que atende por um site repleto de “achados”, parece se enquadrar bem na grade de uma feira, cuja proposta é justamente dispor obras difíceis de serem encontradas nas prateleiras das livrarias. “O portal Interpoética é uma referência para as pessoas que querem conhecer um pouco, ou mais detalhadamente, a produção contemporânea da literatura que se faz em Pernambuco. O nosso acervo é enorme, com mais de 400 perfis de poetas, artigos acadêmicos, entrevistas, contos, crônicas, cordel, poesia popular etc. O Interpoética já é uma ferramenta de pesquisa para professores e alunos, de todos os níveis, e até para profissionais ligados à pesquisa na área de Letras”, explica Raimundo.

O poeta atenta, ainda, para o trabalho social do portal: “Além do virtual, temos as nossas ações específicas como ponto de cultura, que abrangem atualmente as comunidades de Brasília Teimosa e Caranguejo Tabaiares. Nessas duas comunidades, desenvolvemos várias atividades de inclusão digital e oficinas literárias e de resgate de memória. Agora, neste segundo semestre, faremos também o lançamento das Edições Interpoética, em formato pocket book e com design diferenciado. Por sua amplitude e importância, a Bienal mais uma vez ajudará na divulgação de todas essas ações que realizamos e iremos realizar, abrindo um leque de oportunidades para novas parcerias”, sublinha.

A força do Interpoética, enquanto ferramenta social, ficou provada em 2008, quando os poetas pernambucanos foram homenageados no ano letivo das escolas estaduais: dada a insuficiência de bibliotecas escolares e públicas, o site passou a ser abertamente recomendado nos centros de ensino. (Thiago Lins)

é uma das primeiras cartas democráticas do mundo, tendo exercido influência em todo o constitucionalismo latino-americano. Atualmente, Rojas está à frente do prestigiado Museu de Sevilla.

Outro destaque da Bienal, o conferencista internacional Germán Gullón, fará palestra sobre a cena contemporânea do romance espanhol, aproveitando a ocasião para promover o lançamento brasileiro de seu último livro, O sexto sentido – A leitura na era digital. O acadêmico conquistou respeito com suas críticas literárias ao explorar o contexto das obras por ele estudadas, situando-as em seus respectivos tempos, e analisando as mudanças de significado que o decorrer da história impõe à literatura. Gullón também reviu o conceito de autoria, ao analisar a importância de figuras que não se resumem ao escritor, como o editor.

Por último, Ortega Campos lembra Bernardo Gutiérrez, o experiente jornalista e fotógrafo espanhol, com passagem por grandes veículos como El País, Playboy e National Geographic. Atualmente residindo no Brasil, Gutierrez vem à Bienal promover o lançamento de Calle Amazonas, um documento que expõe as desigualdades daquela região. Já lançado na Espanha, o livro vem sendo saudado como um híbrido de literatura com jornalismo.

“Gutiérrez tenta revelar um olhar distinto sobre o maior pulmão vegetal do planeta”, resume Ortega Campos, para quem a região “abriga realidades que vão de encontro à ideia que os europeus têm da área”. Campos conclui: “Dado o sucesso do livro, era necessário que Gutiérrez estivesse aqui”. Em outras palavras: quem carimba seu nome no cenário literário não pode deixar de passar pela Bienal.

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10 | VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco | 11

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Cidadania

Ailton Guerra, 39 anos. Negro, cabelo raspado, baterista da banda punk-rock Matalanamão, do Alto José do Pinho, desde 1993. Pelo comportamento na escola, na infância e parte da adolescência, ganhou o apelido de “Peste”, que leva até hoje. Imaginem o que ele aprontou.

O pai, homem simples da Zona da Mata, era caboclo de lança de maracatu rural, em

Nazaré da Mata. A mãe, dona de casa. Eram analfabetos, não tiveram como passar para os cinco filhos qualquer paixão por livros. “Não tinha essa conversa de literatura em casa. Na verdade, nem livro tinha, só os didáticos mesmo, os da escola. Aos 14 anos, é que comecei a despertar para a leitura”, conta.

Desde novembro de 2009, Peste é o coordenador e mediador de leituras da

Biblioteca Ariano Suassuna, cravada no Centro da Juventude de Santo Amaro, na Zona Norte do Recife, projeto da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, do Governo do Estado de Pernambuco. Cuida do acervo, organiza rodas de leitura, pega doações, cria atividades para “fisgar” jovens em situação de vulnerabilidade social. São 500 por dia, divididos em dois turnos.

“Semana passada, indiquei um livro para uma jovem; ela devorou, e passou para a mãe, que ficou pirada com a leitura. Há vários casos de jovens que se iniciaram na leitura aqui, e se apaixonaram.”

É com essa linguagem direta, sincera, que ele interage com os jovens, muitos avessos a livros. “A mãe ‘pirou’ com o livro” é sua forma de explicar a paixão que a leitura despertou

Tabaiares, na Ilha do Retiro, Zona Especial de Interesse Social (Zeis). A família, de Garanhuns, migrou para o Recife quando a mãe adoeceu, e acabou ficando. Para sobreviver, o pai vendia almoços em “quentinhas”, na Praça do Derby, zona central do Recife. Os sete filhos tinham que ajudar na empresa familiar.

A exemplo de Peste, os livros eram personagens ausentes do cenário da vida. “Não tinha essa coisa de lazer, de festa, de sair, de brincar. Só na escola. No retorno pra casa, tudo era voltado para a barraca do meu pai, a sobrevivência”, lembra. “Eu nem sabia o que era isso, o livro. Só no ginásio é que fui conhecer.”

O encontro, por sinal, não foi dos mais felizes. A professora adotava uma leitura obrigatória, em voz alta, para a classe inteira. “Se a pessoa errasse, ela mandava começar de novo. Isso travava tudo em mim. A escola acabou me bloqueando bastante na questão da leitura”, conta.

Desde 2005, ele está à frente da Biblioteca Comunitária Caranguejo Tabaiares, que recebe uma média de 70 crianças por dia. Vão ao espaço em busca de livros, contação de histórias, ou simplesmente para “estar com os livros sem pudores”, como diz a jovem Soledad, no livro A arte de ler – ou como resistir à adversidade, da antropóloga Michèle Petit.

São histórias de vida que se parecem, e têm nos livros um ponto de encontro. Reginaldo começou a fazer capacitações, num cotidiano repleto de dificuldades, com pouco dinheiro. “Fui me aprofundando no livro, conhecendo. Na periferia, o acesso é limitado. As pessoas estão em seu mundo, tentando sobreviver, e o livro não chega.”

Ele tinha a convicção de que precisava quebrar essa barreira, ou criar pontes. “Era uma visão minha, de tentar mudar a condição das pessoas do meu lugar. Para isso, eu tinha que trazer muitos livros para cá.”

Seis anos depois, ele sente que as coisas mudaram. O acervo está repleto de bons

“A GEnTE nãO TEM ESSA CuLTuRA DA LEiTuRA, MAS PODE ACORDAR. BOTO LivROS nA MESA, ESPALHO, COMO SE FOSSEM uM BAnquETE. FALO SEMPRE quE A ExPERiênCiA DA LEiTuRA PODE MuDAR A viDA DE quALquER PESSOA, COMO MuDOu A MinHA”, COnTA AiLTOn GuERRA, “PESTE”

em duas mulheres, que vivem num bairro pobre do Recife. Peste já escutou diversas vezes, em seu trabalho, frases como “porra de livro!”, mas foi trabalhando sua paixão pela leitura, criando métodos que desenvolveu ao longo da caminhada, fruto de cursos, trabalhos em ONGs, encontros, pessoas que deram apoio.

A intuição dizia que, pelos livros, seu mundo ficaria melhor. Depois, resolveu levar isso para os outros.

“A gente não tem essa cultura da leitura, mas pode acordar. Boto livros na mesa, espalho, como se fossem um banquete. Passo em sala, chamo, faço cartazes, invento dinâmicas. Falo sempre que a experiência da leitura pode mudar a vida de qualquer pessoa, como mudou a minha”, diz.

**Reginaldo Pereira, 28 anos,

filho de um agricultor e uma dona de casa, nascido e criado na comunidade Caranguejo

livros, há cinco mediadores de leitura, graças ao apoio da Prefeitura da Cidade do Recife e do Instituto C&A.

Os planos de expansão são muitos. Quer chegar a 200 leitores por dia. Em 2008, Reginaldo viajou para a França, com três jovens da comunidade, para conhecer trabalhos de leitura em Nantes, aprendeu a participar de videoconferências, a fazer projetos. “Me sinto preparado pelo trabalho, pelo esforço para ver as crianças agarradas com os livros”, diz.

**Fábio Rogério Rodrigues,

36 anos, é da mesma família espiritual de Peste e Reginaldo. Pessoas que, em meio às adversidades, olham para os que estão ao redor. O livro se torna uma ferramenta para traçar outros caminhos.

Quando o encontrei, para uma conversa sobre literatura e cidadania, era um final de tarde. Estava reunido com 13 integrantes da Rede de Bibliotecas Comunitárias da Região Metropolitana do Recife, da qual faz parte, após abrir, no Alto José Bonifácio, na Zona Norte, a Biblioteca Comunitária Amigos da Leitura.

Desde 2003, o sonho da biblioteca criou raízes na vida de Fábio, que é técnico de futebol, fundador do “Atlético de Madri”, com 80 jovens envolvidos e 34 títulos. O projeto começou com

Ailton Guerra, “Peste”, é o coordenador e mediador de leituras da Biblioteca Ariano Suassuna, em Santo Amaro

Reginaldo Pereira recebe em média 70 crianças por dia, na Biblioteca Comunitária Caranguejo Tabaiares

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a parceria de duas amigas, que o ajudaram a fundar a biblioteca – que funcionava na sede do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, na comunidade do Brejo. Durante quatro anos, teve vida intensa, atendendo a uma média de 600 pessoas por mês. Ao final do convênio, em 2008, não tinha mais onde funcionar.

Sem dinheiro para alugar um novo espaço, e morando no Alto José Bonifácio, Fábio não teve dúvida. Transferiu acervo, birôs e arquivos para sua casa. “Era livro debaixo da cama, no terraço, no guarda-roupa, em cima da mesa. Organizei uma prateleira no terraço, e comecei a emprestar, fazendo um trabalho de estímulo. A biblioteca ficou lá em casa sete meses”, conta. “Nunca sumiu um livro. As pessoas levavam, deixavam um bilhete, depois devolviam, mesmo que eu não estivesse em casa”.

O pai mal terminou a 4ª série e a mãe fazia bordados para vender. Fábio gostava de ler, mas o “estalo” para se tornar um dono de biblioteca comunitária e mediador de leitura aconteceu em 2002, quando fez um curso de contador de histórias, na Biblioteca do Porto Digital, no Bairro do Recife. “Comecei a me interessar mais por essa coisa dos livros, de contar histórias. Meus alunos do futebol passaram a ler, melhoraram

muito no trato, na educação, na forma de se expressar”, diz, enquanto passeia pela biblioteca, mostrando as muitas estantes e os milhares de livros.

Depois de tanta luta, resolveu buscar ajuda. Em 2009, consegui apoio do Centro Cultural Luiz Freire, elaborou um projeto, e conseguiu financiamento do Funcultura, do Governo do Estado, para viabilizar o sonho. Em 2010, alugou por três anos a sede de um grupo da comunidade, o 11 Belmonte F.C. Tem cinco mediadores de leitura, adolescentes da própria comunidade.

Enquanto me falava dos avanços da biblioteca, Fábio estava encafifado com o aluguel

do espaço – como o dinheiro do Funcultura acabou, ele atrasou um mês, e o proprietário queria alugar para uma igreja evangélica. Juntou-se aos demais parceiros da Rede de Bibliotecas e buscam uma saída.

Pergunto o que está lendo. “Estou lendo Dom Quixote de La Mancha, acredita? É uma viagem que você fica pensando. Aquela loucura sagrada, de você mergulhar em você mesmo.”

**Betânia do Nascimento, 46

anos, é filha de um vendedor de mel e de uma dona de casa, costureira. Moravam em Caruaru, onde a vida era boa, casa de alvenaria, brincadeiras. A mudança para o Recife, a convite de dois tios, foi um

choque: o desafio de “ter um comércio”. Passaram a morar numa casa de taipa, sem energia e sem água, no Bairro do Coque. Ela tinha sete anos, e viu o mundo virar de cabeça pra baixo. A mãe rapidamente passou a se integrar às lutas da comunidade, em meados dos anos 1970, para conseguir o que faltava – que era quase tudo: saneamento, calçamento, asfalto, água.

Aos 12 anos, Betânia já estava envolvida na escola. “Queria alfabetizar do meu jeito, as coisas que aprendi na escola. Como minha mãe se tornou merendeira, eu vivia lá.” Em 1975, fez um curso de Biblioteconomia durante um ano, na Biblioteca do Estado. Pegou o macete de organizar livro, catalogar. Pouco depois, conseguiu uma pequena sala, na comunidade, para fazer uma biblioteca. Era seu sonho de menina.

Os ventos políticos eram polarizados, nos derradeiros anos da ditadura. Alguém disse que sua mãe, por causa das lutas sociais, era “de esquerda”, e o espaço, onde funcionaria a biblioteca, foi para as mãos de outra pessoa. Virou um ponto de distribuição de leite. “Eu chorei tanto, tanto! Era uma coisa que eu queria para mim, para minha comunidade. Mas fiquei com aquela coisa em mim – um dia, eu vou abrir uma biblioteca no Coque.”

Betânia casou 10 anos depois, teve dois filhos, abriu um comércio, para sustentar a família. “Não era o que eu queria. Meu sonho era outro, o sentimento de fazer algo pela minha comunidade.”

Ao lado da casa, um depósito de papel a abastecia de leituras. Betânia ia lá, catava o que achava interessante, não precisava pagar. “Para mim, era uma fantasia, viajar por lugares que eu não conhecia.” Nas bancas de revistas, comprava as edições de Júlia, porque eram mais em conta. À noite, lia histórias para os filhos, seguindo a tradição da família. Mesma analfabeta, a mãe contava histórias e lendas. Se não conseguia fazer isso na comunidade, pelo menos estava formando dois leitores.

Não frequentava as bibliotecas oficiais, porque as achava muito sérias. “Pareciam quartéis. A gente não podia pegar nos livros, era um silêncio total; se arrastasse uma cadeira, todo mundo olhava.”

Um dia, Frei Aluísio Fragoso, frade franciscano que atua no Coque há muitos anos, comentou que uma amiga tinha muitos livros para doar, e perguntou se ela tinha onde colocá-los. O sonho estava aceso, mais de 30 anos depois. Como ela não tinha espaço em casa, escutou a frase que abriu os caminhos.

“Arranje um espaço, que pagamos o aluguel durante um ano, até você se estruturar.” Em junho de 2007, Betânia, vários amigos do Movimento Arrebentando Barreiras (MAB) e apoiadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) inauguraram a Biblioteca Comunitária do Coque.

“Trinta e dois anos depois, realizei meu sonho”, conta, com os olhos brilhando. No primeiro dia, 30 crianças chegaram, passaram o dia inteiro, não queriam nem almoçar. “Me deu aquele desespero. O que eu vou fazer? Tinha feito só aquele magistério antigo, não tinha o preparo.”

Betânia fez o mesmo que Ailton, Reginaldo, Fábio, e dezenas de outros quixotes da leitura no Recife. Agarrou-se à intuição, foi aprendendo, testando, descobrindo, pedindo ajuda, agarrando qualquer chance de formação. “Fui vendo quem sabia ler, quem não sabia, fiz uma ficha individual. Todo dia, à noitinha, anotava o que tinha acontecido com cada menino.”

Após 25 anos fora da escola, voltou a estudar. Está terminando o curso de Pedagogia, na Faculdade de Filosofia do Recife (Fafire). Incansável, Betânia já pensa em uma pós-graduação em Gestão (de bibliotecas, claro), ou uma especialização em literatura infantil.

Para ela, não há mistério em formar leitores. “Não tem nada difícil. A pessoa só tem que ter vontade e gostar de incentivar a leitura. Mas tem que ser uma coisa de dentro. Se não for, não funciona.” Em alguns momentos muito difíceis, ela já pensou em desistir. “Quando você pensa em desistir, vem um menino aqui, pede um livro, uma história, e não deixa.”

Ao inaugurar a Biblioteca Comunitária do Coque, Betânia do Nascimento realizou um sonho de 30 anos

Fábio Rogério Rodrigues já transformou a sua casa, no Alto José Bonifácio, numa biblioteca comunitária

Gabriel de Santana, coordenador da Rede de Bibliotecas Comunitárias da Região Metropolitana do Recife (RELeitura), conversou com o repórter Samarone Lima, sobre a criação do grupo.

Quando surgiu a Rede de Bibliotecas Comunitárias? Quantas bibliotecas fazem parte dessa rede, hoje?A rede surgiu em 2007, quando telefonei para outras bibliotecas comunitárias (Biblioteca do CEPOMA, a Comunitária Caranguejo Tabaiares e a do Coque), para conversarmos e ver a possibilidade de montar uma agenda coletiva de encontros para nos fortalecer e formar um discurso mais coeso com relação ao livro, à leitura e às bibliotecas. Daí, a ideia inicial era estudar um livro chamado A casa da invenção, de Luis Milanesi. Vimos que a necessidade não era a de se debruçar num teórico, era de se conhecer mesmo, realizar visitas, conversar sobre a realidade de cada biblioteca; enfim, construir um vínculo de afetividade e segurança. Iniciamos uma agenda na qual cada biblioteca – inicialmente, com a Biblioteca Multicultural Nascedouro, em Olinda, Biblioteca Popular do Coque, Biblioteca CEPOMA, e em Brasília Teimosa, a Caranguejo Tabaiares – recebia a outra, ficava responsável de montar uma atividade de acolhimento e mostrar uma ação ou atividade que estivesse desenvolvendo. Daí, partimos para uma conversa. Foi assim que surgiu. Atualmente, fazem parte da rede, que batizamos de Releitura, oito bibliotecas comunitárias.

Quais as principais dificuldades e apoios?A dificuldade maior que enfrentamos é a de sustentabilidade dos projetos – sustentabilidade financeira – para manter as pessoas na biblioteca, os coordenadores, os mediadores. Outra dificuldade é a formação, muitos não têm uma boa formação na leitura e escrita, o que é um contrassenso, mas acontece, é real. Estamos, no momento, desenvolvendo um plano de formação para qualificar a leitura e escrita. A sustentabilidade financeira é um fantasma que nos assombra. Temos apoio de diversas organizações, em diferentes níveis. A primeira, que nos apoia financeiramente e também disponibiliza uma equipe de assessores pedagógicos, é o Instituto C&A de Desenvolvimento Social. Outro parceiro, estratégico no campo político e pedagógico, é o Centro de Cultura Luiz Freire. Esses são parceiros permanentes. Temos apoios pontuais, como a Coordenadoria de Literatura do Estado, pessoas que depositaram dinheiro na conta da Rede, amigos(as) jornalistas – que viabilizam pautas em jornais –, alguns professores da UFPE que dão visibilidade ao projeto no campo acadêmico, as feiras de negócios – como a Bienal –, em que garantimos participação, dando visibilidade ao projeto e retorno financeiro; além dos apoiadores de cada biblioteca, pois, indiretamente, estão favorecendo o conjunto.

Você acha que o livro é um bem que ainda não é acessível, especialmente, para as pessoas com menor poder aquisitivo?Olha, o livro é acessível, existem muitos e muitas crianças têm livros em casa. Mas a discussão é: os livros de qualidade, com boa ilustração, texto, papel, das “boas” editoras, é acessível? Na minha opinião, eles ainda não são acessíveis para a maioria. É uma minoria que pode comprar livro bom, de qualidade. Sei que qualidade é um atributo muito subjetivo, mas podemos distinguir e sermos mais críticos, ao vermos a diferença na produção física do material e na produção textual, da ilustração. Livro bom é caro, e não poderia ser.

Qual a importância dos mediadores de leitura nas bibliotecas?Os mediadores são a alma da biblioteca, são eles que mantêm a biblioteca viva. Se a biblioteca é viva, é porque ela tem bons mediadores. São responsáveis por mobilizar o gosto da leitura nas pessoas que a frequentam, com sugestões, histórias de leitura, como também perceber o momento do sujeito que não é leitor, mas que poderá ser, e o leitor que já o é.

PARCERIA ENTRE BIBLIOTECAS DIvulgaçãO

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Não é preciso ir muito a fundo na pesquisa no mundo das letras para se deparar com o nome de Mauro Mota. Respeitado pelos intelectuais, bem-citado quando se trata de traçar um histórico da literatura e sempre lembrado nas datas redondas das efemérides, chega a ser fácil localizá-lo no panteão da poesia pernambucana. Quase 27 anos depois da sua morte, porém, chega a ser igualmente fácil constatar que ele termina por ser um autor pouco lido nesta segunda década do século 21. No ano do seu centenário de nascimento, completado no último dia 16 de agosto, o poeta amarga o fato de ter seus livros transformados em itens raros, esgotados nas livrarias, acessíveis apenas em bibliotecas e sebos. Como consequência, poucos são os que têm se dedicado ao estudo da obra deixada pelo autor.

Para fazer justiça a um dos grandes poetas da literatura brasileira, o ano do centenário de Mauro Mota vem servindo como um ponto de partida para o resgate do seu legado poético. Desde o início do ano, instituições como a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) e a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) têm se articulado para tirar a obra do poeta pernambucano do esquecimento. Nesse fluxo, a Bienal Internacional do Livro de Pernambuco também dedica espaço especial a Mauro Mota, colocando-o como um

Homenageado

MAuRO MOTA SE COnSOLiDOu DEFiniTivAMEnTE COMO POETA, LAnçAnDO ELEGiAS (1952), TíTuLO quE O PROjETOu nACiOnALMEnTE E O FEz COnquiSTAR PRêMiO DA ABL

Assombrações do Recife velho

Cadeiras balançam sem gente, sozinhas.

Fantasias, rumores na cama, estilhaços.

Apagam-se os lampiões de bicos de gáse as lamparinasde azeite no quarto.

As rezas das tias, velas no oratório.A noite compridanão acaba mais.

Cavalos, boleeiros, de fraque e cartolanas ruas vazias.

A moça encantada no Encanta-Moça.

O Sobrado-Grande com assombração.

A ronda do Diabo na Cruz do Patrãocom fogo nos chifres,correndo no istmode Olinda ao Recife.

Canoas sem remo no Capibaribe.

Uivos dos cachorros no fundo dos sítiose dos lobisomenspegando as mulheresna Volta ao Mundo.

dos homenageados da sua oitava edição. “No ano de seu centenário, Mauro Mota não poderia deixar de ser um dos homenageados da Bienal. A importância de seu nome para a cultura de Pernambuco é inegável, e tínhamos que contribuir para valorizar a sua obra e o seu legado”, explica o produtor do evento Rogério Robalinho.

Com esse objetivo, a Bienal convocou o atual presidente da

ABL, o também pernambuca-no Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça, para fazer a saudação ao homenageado na abertura do evento. Dada a mesma origem e os interesses pelas letras em comum, Vilaça conviveu diretamente com Mauro Mota e teve o poeta como um dos seus maiores incentivadores para entrar na ABL. Mas coube ao destino fazer com que o atual presidente assumisse justa-mente a cadeira de número

26 que, entre agosto de 1970 e novembro de 1984, fora ocupa-da pelo poeta pernambucano. “Foi uma contradição entre alegria e tristeza. Substitui um amigo. Um mentor. Uma alma lírica. Um espírito brincalhão. Vou dizer a você uma frase dele: ‘Meus amigos, vou-me embora’. Disse, mas não foi. Mauro nunca se vai. Mauro é o que fica”, conta Vilaça.

Na intenção de colaborar na permanência do amigo, a ABL vem realizando uma série de eventos, como uma mesa-re-donda, uma exposição come-morativa do centenário e a pu-blicação de um livro que reunirá textos do escritor chileno Juan Gúsman Cruchaga e de Mauro Mota. “A ABL tem um carinho muito especial por Mauro Mota e estamos mostrando para os meninos de hoje o homem que ele foi, por intermédio de ativi-dades que o lembrem para as novas gerações, estas que estão por vir, de mouse nas mãos”, afirma Vilaça.

Outras alternativas para reencontrar a escrita de Mauro Mota serão os três títulos que a Cepe, em parceria com a Fundaj, publica em novembro. Para marcar o centenário, a editora planeja reeditar o livro O cajueiro nordestino (estudo desenvolvido pelo pernambucano, publicado em 1956), lançar uma seleta de 100 poemas, organizada pela escritora Luzilá Gonçalves Ferreira, e outra com 100 crônicas escolhidas dentro de um universo de mais de mil escritas pelo poeta numa coluna que assinava no jornal Diario de Pernambuco. “Como tinha que preencher aquele espaço todos os dias, ele aproveitava a coluna para fazer resenhas de livros, contar causos e celebrar efemérides. Mas um dos melhores traços que caracterizam suas crônicas é o humor, várias delas têm como mote esse tom cômico”, explica o ensaísta e membro da Diretoria de Documentação da Fundaj, Paulo Gustavo, responsável pela seleção. Dentro da programação da Bienal, ele divide mesa com a viúva Marly Mota, para traçar um perfil biográfico do poeta.

INÍCIO DE CARREIRAComo muitos da sua geração, a trajetória intelectual do poeta se deu através da imprensa da época. Já no fim da década de 1920, os leitores pernambuca-nos começavam a se deparar com crônicas e poemas assina-dos por um ainda desconheci-do Mauro Mota. Com o tempo, a assinatura foi se tornando cada vez mais presente nos jornais do Recife, até o ponto em que o poeta ingressou de vez na equipe do Diario de Pernambu-co, no qual editou o Suplemento Literário (1947-1959). Durante esse período, ele teve papel importante na divulgação da produção literária do Estado, abrindo espaço para novatos como o poeta Carlos Pena Filho e o poeta e crítico literário Cé-sar Leal, que viria a substituí--lo na edição do suplemento. “Mauro dava sustentação à Geração de 1945, sempre abriu espaço para o pessoal mais velho e conseguia atrair nomes nacionais para o suplemento”, recorda Leal.

Apesar da vasta produção jornalística e do seu interesse pela geografia e antropologia, foi nesse período que Mauro Mota se consolidou definitiva-mente como poeta, lançando Elegias (1952), título que o projetou nacionalmente e o fez conquistar o Prêmio Olavo Bilac, concedido pela ABL. Segundo César Leal, a obra foi escrita no clima do luto pela perda da primeira esposa do escritor. “Nas Elegias, pre-

domina o aspecto sensorial, cada elegia corresponde a um sentido – a visão, a memória, a audição. É um livro muito inte-ressante, mas, para mim, seus livros posteriores apresentam uma superioridade técnica. Ele foi se tornando um poeta mais forte”, avalia Leal.

Por ser da Geração de 1945, tida como a segunda leva modernista, Mauro Mota soube dosar os preceitos do movimento. “A poesia dele era marcada por essa geração, tra-zia elementos do Modernismo e do Simbolismo, mas já vinha despido daquele combate, da-quele radicalismo academicis-ta”, observa o escritor Everardo Norões, que em 2001 organizou o volume Obra Poética de Mau-ro Mota, junto com a esposa Sônia Lessa Norões, e compõe uma das mesas dedicadas ao homenageado na Bienal. Para ele, o que torna singular os versos do autor e de outros grandes nomes da poesia como Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto é justamente essa dosagem equilibrada que o fez não se desprender do seu local. “O fato de ter ficado no Recife marca a poesia dele. Sua obra é muito apegada às coisas da rua, ao cotidiano da cidade, mas também traz denúncias. Ele poderia até ser considerado um poeta político”, observa Norões.

Chamado de “Poeta Poetís-simo” pelo sociólogo Gilberto Freyre, ele conseguiu enxergar como poucos as peculiaridades da sua terra. “O horizonte de Mauro é o Recife, depois vem Pernambuco, o Nordeste e o Brasil. E é interessante obser-var que o Recife dele é circuns-crito ao Capibaribe, essa era a cidade em que ele vivia e gos-tava de retratar”, analisa Paulo Gustavo. Mas o apego às cores locais da obra do poeta não implica uma circunscrição limi-tadora, seu olhar ultrapassa as fronteiras geográficas e atinge a essência da alma humana. “É interessante perceber como Mauro conseguia transformar temas locais em universais. Ele sempre estava atento às nossas tradições, mas alguns poemas dele são dedicados ao cosmos”, aponta Leal.

Os 100 anos do poeta poetíssimoMauRO MOTa TeM seu legaDO POéTIcO ResgaTaDO e é hOMenageaDO na vIII bIenal InTeRnacIOnal DO lIvRO De PePOR Thiago corrêa

fOTOs: DIvulgaçãO

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De segunda a sexta, ele deixa seu apartamento no bairro de Casa Forte e segue para o Hospital Otávio de Freitas. Com 36 anos de medicina, usa a experiência para aliviar a sensação de abandono dos pacientes e amenizar suas angústias, seja aplicando os conhecimentos de médico ou simplesmente demonstrando interesse em ouvir o que eles falam. Pode até não parecer, mas essa é a rotina diária de Ronaldo Correia de Brito, um dos escritores mais representativos da literatura contemporânea brasileira e um dos homenageados da VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco.

um escritor que gosta de se desmontarROnalDO cORReIa De bRITO vIve MOMenTO únIcO na sua caRReIRa, é hOMenageaDO na bIenal e PRePaRa-se PaRa escReveR nOvO ROMancePOR Thiago corrêa

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ãOVencedor da segunda edição do Prêmio São Paulo de Literatura, em 2009, pelo romance Galileia, esse cearense que deixou o Crato e veio estudar no Recife, ainda na juventude, vive um grande momento na carreira de escritor. Desde a publicação do volume de contos Faca, em 2003, as obras de Ronaldo têm sido recebidas com atenção pela mídia, figurado nas listas de melhores do ano, aparecido entre os finalistas de prêmios importantes e alimentado a fome por boas histórias.

Retratos imorais, título publicado ano passado que ficou em terceiro lugar no Prêmio Clarice Lispector de contos

concedido pela Fundação Biblioteca Nacional, já teve seus direitos reservados por Walter Carvalho para virar filme. Um dos contos – Duas mulheres em preto e branco – será levado aos palcos num projeto da produtora e atriz Paula de Renor, e o Coletivo Angu de Teatro ainda estuda fazer uma adaptação do livro. Lua Cambará, conto publicado em Faca que já ganhou duas versões para o cinema, recebeu uma nova adaptação ano passado como espetáculo de dança da companhia Ária Social. “Está sendo maravilhoso, o teatro fica sempre lotado e a gente percebe que está dando certo pelos aplausos do público”, diz

a coreógrafa Cecília Brennand, responsável pelo projeto que envolve 45 bailarinos e seis músicos que já se apresentaram em Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Ainda há o projeto de levar Galileia para a telona. Os direitos do romance foram adquiridos pela Conspiração Filmes, produtora de longas como Eu, tu, eles e 2 filhos de Francisco.

ALFAGUARA“Ronaldo é um dos autores mais importantes da atualidade. Ele está no auge e continua produzindo. É muito importante tê-lo conosco, chega ser uma honra poder trabalhar com ele.

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VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco | 2120 |

“ROnALDO é uM DOS AuTORES MAiS iMPORTAnTES DA ATuALiDADE. ELE ESTá nO AuGE E COnTinuA PRODuzinDO. é iMPORTAnTE Tê-LO COnOSCO, CHEGA A SER uMA HOnRA. é uM AuTOR quE ESTá ALéM DA MéDiA”, AnALiSA O EDiTOR MARCELO FERROni, quE DESDE 2008 TRABALHA COM O AuTOR nA SELO ALFAGuARA

É um autor que está além da média”, analisa o editor Marcelo Ferroni, que desde 2008 vem trabalhando com o autor no selo Alfaguara. A empolgação das palavras de Ferroni se traduz no investimento que a editora tem feito no nome de Ronaldo. Só este ano, ela já publicou o volume Para ler na escola, que reúne crônicas do autor escritas para a revista Continente e o site Terra Magazine, a versão teatral do espetáculo infantil Baile do menino Deus (escrito em parceria com Assis Lima) e ainda vai lançar as peças Bandeira de São João e Arlequim de Carnaval.

Como forma de coroar esse bom momento vivido por Ronaldo, a Bienal Internacional do Livro de Pernambuco decidiu homenageá-lo oferecendo uma programação intensa em torno de sua literatura. Além da saudação que será feita pelo professor de Letras da UFPE, Lourival Holanda, o escritor terá sua obra analisada pelo crítico Cristhiano Aguiar, conversará com alunos do colégio Damas no Encontro de Protagonismo Infantil e será entrevistado pelo jornalista Rogério Pereira, numa edição especial do Paiol Literário, do jornal curitibano Rascunho. “Trata-se de um dos escritores mais respeitados de nossa literatura contemporânea. Um autor de intensa criatividade, que tem conquistado o público e a crítica no Brasil e no exterior com seus livros e espetáculos teatrais. A homenagem da Bienal expressa a gratidão dos pernambucanos, é mais do que merecida”, afirma Rogério Robalinho, produtor cultural do evento.

Apesar de todo esse reconhecimento, Ronaldo não se ilude com os elogios, mantém a serenidade, faz questão de lembrar que isso é fruto de muita dedicação a um projeto de trabalho. Desde a década de 1960, quando veio ao Recife para estudar, ele se divide entre a medicina e as atividades no campo cultural, realizando entrevistas com mestres populares, filmes documentários, longas-

metragens e peças teatrais. Mas a literatura sempre teve um lugar especial no projeto de Ronaldo. Seu primeiro livro, o volume de contos Três histórias na noite, foi publicado em 1989 após ter vencido um concurso literário promovido pelo Governo de Pernambuco. Depois, o autor teve publicadas as versões em prosa das peças infantis Baile do menino Deus (1996), Bandeira de São João (1998), Arlequim (1999), e a coletânea de contos As noites e os dias (1997) pela editora Bagaço. “Não posso deixar de referir como de máxima importância meu

Termine essa História

O concurso literário chega à sua segunda edição. este ano, os participan-tes devem concluir o conto iniciado por Ronaldo correia de brito. uma co-missão de três jurados escolherá as conclusões mais criativas, que serão premiadas. Mais informações no site: www.bienalpernambuco.com.

O desejo conduzido por veia de coral e azul celeste

Ele deita novamente, levanta a perna e a repousa no ombro da namorada. Escuta o barulho da rua, pedaços de conversa, a porta do elevador do prédio batendo com força. Os motoristas ignoram a lei e buzinam forte. Flashes luminosos projetam figuras nas pa-redes e nos móveis. Ela acaricia a perna suspensa, desce a mão até a coxa e ao sexo apaziguado, querendo reanimá-lo. O rapaz retira a mão com carinho, lambe os dedos que o excitam e pede cerveja. Lembra mais um verso falando de corpos que não devem repetir--se na noite. Ainda são dez horas, não quer dormir no apartamen-to da namorada e nunca tem ânimo para um segundo turno de sexo. Levanta-se, veste a calça e espera a cerveja. Quando a moça chega com a bebida, bebe dois copos como se fosse água.

Ronaldo Correia de Brito

tempo na Bagaço. Tenho um vínculo com eles porque foram os primeiros que me publicaram. Mesmo sendo uma editora local, meus livros se espalharam”, reconhece o escritor.

Mas foi com a publicação dos volumes de contos Faca e Livro dos homens (2005) pela Cosac Naify, por onde também saiu a novela infantil O pavão misterioso (2004), que o nome de Ronaldo ganhou projeção nacional. As coletâneas foram indicadas pelos jornais O Globo e Estado de S. Paulo em suas listas de melhores do ano e estiveram entre os finalistas do prêmio Portugal Telecom. O ponto de virada na carreira de Ronaldo, no entanto, deu-se, mesmo, com a publicação de Galileia, que marcou a estreia do autor no gênero romance e lhe rendeu os R$ 200 mil do Prêmio São Paulo de Literatura. “Foi uma virada porque talvez eu tenha inaugurado um novo sertão, um novo olhar sobre o que fica além do litoral, essas terras de trás. Eu, que tanto admirava a épica de Guimarães Rosa, Euclides da Cunha e Ariano Suassuna, desmontei completamente essa épica para escrever Galileia”, avalia o autor.

“O prêmio deu uma boa impulsionada, fez o livro mudar de patamar. Geralmente, os

Em pé: Mayrant Gallo, autor de O inédito de Kafka, e Ronaldo Correia de Brito. Sentados: José Inácio Vieira de Melo, autor de A terceira romaria, Lima Trindade, autor de Corações blues e serpentinas, e Márcio Souza, autor de Mad Maria

A peça O baile do menino Deusmovimenta as noites natalinas do Recife, todos os anos

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livros vendem bem no início e depois estagnam. Com Galileia não, ele sempre vende uma boa quantidade a cada mês”, explica Ferroni. O editor ainda observa que o prêmio ajudou a impulsionar a trajetória do livro no exterior, que já conta com traduções para o francês, espanhol e alemão. “Isso tende

a crescer ainda mais com a participação do Brasil na Feira de Frankfurt em 2013. Começamos a perceber um interesse maior das editoras estrangeiras pela literatura brasileira e já estamos trabalhando para ajudar nisso, traduzindo também trechos do romance para o inglês”, completa Ferroni.

Com todas essas perspec-tivas de fortalecer ainda mais o seu número de leitores, Ronaldo não se acomoda e já trabalha no seu próximo romance. “As pessoas vão ficar surpresas se a expectativa for a de encon-trar Galileia. Nesse sentido sou

um escritor muito frustrante, porque gosto de me desmontar. Corro um risco, mas fazer arte é correr riscos. O perigo maior para um escritor é cair na ar-madilha dos truques, descobrir um caminho fácil de escrita, de temática e se repetir”, adianta.

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22 | VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco | 23

Ele começou a catar lixo aos sete anos, no maior aterro sanitário da América Latina, o Jardim Gramacho. Juntou muitos sonhos e fundou a Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho (ACAMJG), da qual é o atual presidente. Sebastião dos Santos, o Tião, faz parte de um grupo de pessoas que sobrevivem catando materiais recicláveis para vender às grandes indústrias, a centavos o quilo, e que não se envergonham do que fazem. Como aprendeu a ler muito cedo, além dos papelões e garrafas pet, catava livros. E foi com Maquiavel que aprendeu o sentido da liderança.

Mesmo com imensas dificuldades, a ACAMJG ganhou corpo e o reconhecimento dos colegas. Aos poucos, o conceito de cidadania foi implantado em pessoas que não tinham muitas perspectivas na vida ou instrução. A palavra lixo, ou aquilo que não tem mais serventia, foi substituída por material reciclável, uma vez que pode ser reutilizável, dá dinheiro e fornece o sustento a centenas de famílias que se aglomeram ao redor de um aterro. De sonho, os catadores foram se transformando em categoria que entendia seus direitos e buscava uma melhor qualidade de vida.

Tião ganhou o mundo após participar do documentário Lixo extraordinário, do artista plástico Vick Muniz, gravado em 2007, no próprio aterro. Conhe-cido internacionalmente como um artista que trabalhava com materiais diferenciados, Vick foi ao Gramacho com a ideia de modificar, através da arte, a vida daquelas pessoas e criar meios para que eles próprios buscas-sem melhorias. Ao longo do ano, os participantes do projeto tomaram consciência da capa-cidade transformadora diante da própria realidade e modificaram por completo suas vidas.

O documentário foi indicado ao Oscar e as telas foram expostas nos principais museus

A REPRODuçãO DE uMA FOTO DE uM quADRO DE jACquES L. DAviD, MARAT, CATADA nO ATERRO, COM uMA SéRiE DE MATERiAiS COnSiDERADOS LixO, (AO LADO) FOi O PASSAPORTE PARA LOnDRES E PARA A MuDAnçA RADiCAL nA TRAjETóRiA DE TiãO SAnTOS

O futuro passa por nicolelisuM DOs gRanDes nOMes Da neuROcIÊncIa, PesquIsaDOR bRasIleIRO IncenTIva O DesenvOlvIMenTO cIenTÍfIcO DO PaÍs POR fábio lucas

do mundo. A reprodução da foto de um quadro de Jacques L. David, Marat, catada no aterro, com uma série de materiais considerados lixo, foi o passaporte para Londres e para a mudança radical na sua trajetória. A tela, Marat, Sebastião, que foi vendida em um leilão, na capital da Inglaterra, fez do menino do lixão um líder internacionalmente reconhecido.

A luta de Tião saiu das redondezas do aterro e chegou aos principais fóruns e palestras sobre sustentabilidade e cidada-nia. O representante do Movi-mento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e fundador da Rede Extraordiná-ria de Central de Coorporativas entende que o papel do catador é de fundamental importância na cadeia da reciclagem e que precisa ser reconhecido por toda a sociedade. Além disso, introduziu o conceito de classe e categoria para incentivar as pes-soas, que ainda estão presentes no lixão, a entender seu papel de destaque em um mundo que preza pelo equilíbrio ambiental.

Hoje, a ACAMJG trabalha com a educação e o treinamento dos catadores para o momento em que o Jardim Gramacho for fechado, no final de 2012. Há uma biblioteca, na Associação, com grande parte do acervo colhida dentro do aterro e com 15 computadores disponíveis à população. Tião Santos virou uma referência, quando se trata de empreendedorismo social e do poder de transformação das pessoas, através da arte e do trabalho coletivo.

Personagens

Ele é um dos cientistas brasileiros mais respeitados no mundo, e tem seu nome cada vez mais forte para a conquista do prestigiado Prêmio Nobel. Com apenas 50 anos, Miguel Nicolelis tem encantado e espantado muita gente com o alcance de suas pesquisas sobre o cérebro. Trabalha nos Estados Unidos, na Universidade Duke, e no Brasil, no Instituto Internacional de

Neurociências de Natal, criado por ele há oito anos.Pesquisador de ponta em neurociência, Nicolelis aplica o conhecimento avançado em um trabalho de notório cunho social, que tem revolucionado a educação científica no Rio Grande do Norte. Graças ao seu impulso, está sendo construído o Campus do Cérebro, da UFRN, obra de R$ 42 milhões, prevista para ser entregue no ano que

vem. Em uma década, o número de pesquisas na UFRN cresceu mais de 350%. Se os implantes cerebrais já são uma realidade para quase 100 mil pacientes em todo o globo, seguindo o caminho trilhado pelos implantes cardíacos, a pesquisa de Nicolelis ainda provoca surpresa, em imagens impactantes como a de uma macaca movendo um braço mecânico com o pensamento.

Entusiasta da divulgação científica, o médico formado pela USP aproxima a ciência da vida das pessoas, com criatividade. Em agosto, o cientista deu uma palestra no Museu do Futebol, em São Paulo, onde mostrou à plateia “Como o cérebro incorpora a bola”. No mesmo mês, ao participar do encontro educacional Sala Mundo 2011, em Curitiba, mandou um recado provocativo aos professores: “Pela primeira vez na história, uma geração domina conhecimentos que a geração anterior desconhece. É essencial que os professores mantenham a paixão pelo ensino acesa. Afinal, como irão passar essa paixão para frente, caso não a sintam mais?”, enfatizou o cientista.No livro Muito além do nosso eu, lançado este ano pela Companhia das Letras, ele faz um retrospecto dos estudos do cérebro e introduz o leitor no seu campo de pesquisa, a interação cérebro-máquina. Com pressa para que tudo o que sonha aconteça, de olho no potencial incrível dos avanços, Miguel Nicolelis será uma das grandes atrações da VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. Uma oportunidade imperdível para ver de perto alguém que pode fazer história durante o maior evento esportivo do planeta: a Copa de 2014, no Brasil. Sua intenção é conseguir que tetraplégicos chutem a bola, na solenidade de abertura da Copa. Trata-se de um marco esperado para o projeto Walk Again, em desenvolvimento, que tem o objetivo de devolver o movimento a paralíticos, através de um exoesqueleto robótico integrado ao cérebro. “Queremos que duas crianças, curadas da paralisia, entrem em campo andando, deem o pontapé inicial da partida e provem para o mundo que, no país do futebol, a ciência tem vez”, disse o pesquisador na palestra em Curitiba. Durante a Bienal, vamos conferir o quanto, no país da neurociência de Nicolelis, cresce a expectativa da torcida pelo pontapé inicial do futuro.

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As transformações de Tião santosRevelaDO PelO DOcuMenTáRIO lIxO exTRaORDInáRIO, caTaDOR MOnTOu uMa bIblIOTeca eM PlenO aTeRRO sanITáRIO POR clareana arôxa

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24 | VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco | 25

Participantes

cOnheça alguns DOs escRITORes bRasIleIROs que esTaRãO PResenTes na PROgRaMaçãO Da VIII BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DE PERNAMBUCOPOR marTa Telles

autores convidados

O que um pipoqueiro tem a dizer? Muito. Pelo menos, esse ex-pipoqueiro que já foi mais um monte de coisas na vida. além de lidar com pipocas, foi caixeiro de botequim, balconista de armarinho, jornalista, sócio de uma empresa de assessoria de imprensa, gerente de lanchonete, novamente jornalista, até que resolveu se dedicar aos livros. luiz Ruffato é um conhecedor da vida. nasceu na cidade de cataguases, em Minas gerais, em 1961, e nos anos 2000 ganhou o mundo com suas obras, que já foram traduzidas para outras línguas como o italiano e francês. Ruffato começou sua caminhada literária pelos contos, escreveu Histórias de remorsos e rancores, de 1998, e Os sobreviventes, de 2000. em 2001, com o romance Eles eram muitos cavalos, foi premiado pela associação Paulista de críticos de arte (aPca) e pela fundação biblioteca nacional, com o prêmio Machado de assis.

LUIZ RUFFATO

São Paulo - SP50 anos

é só digitar T-h-a-l-i no maior site de buscas que o nome Thalita Rebouças aparece na quinta opção do autotexto. são 137.000 resultados para essa carioca que está bombando. se você nunca ouviu falar sobre ela, é sinal de que faz tempo que você não tem frio na barriga só de pensar na sua provável primeira vez. ela é um fenômeno teen, consegue falar a língua dos adolescentes sem muita dificuldade.

ela acerta no tom. a garota de 10 anos que se dizia “fazedora de livros” na infância se perdeu no curso de Direito e se achou dois anos depois no de Jornalismo. Primeiro, foram matérias sérias quando passou pela Gazeta Mercantil e pela Tv globo. com o nome consolidado no mercado, decidiu arriscar e fazer livros mais animados. uma mulher que nasceu em 1974 só consegue se comunicar com o público adolescente porque se mantém jovem e, parafraseando O pequeno príncipe, não se tornou um cogumelo. ela continuou atrás da novidade e manteve o frescor. O seu terceiro livro Tudo por um pop star foi seu primeiro best-seller. Depois dele, veio o Fala sério, mãe!, Tudo por um namorado, Fala sério, professor! e vários outros. a autora publicou seis livros em Portugal e em 2012 suas obras serão editadas em países da europa e da américa latina. Thalita Rebouças comemorou a marca de um milhão de livros vendidos em 2011.

na bIenal: conversa com Thalita Rebouças, no círculo das Ideias, sábado, 24 de setembro, às 18h.

THALITA REBOUÇAS

São Paulo - SP37 anos

O escritor Joca Reiners Terron diz que tem um blog para melhorar seu caráter por meio da tentativa vã de criar posts. Para ele, blogar pode tornar alguém melhor e a literatura seria uma maneira de tornar-se mais humano. Terron acredita que o ato de escrever antecede a escrita, começa na observação. O escritor seria um sujeito que escreve uma história e não sabe se conseguirá a mesma façanha outra vez, alguém que se depara com sua própria incapacidade.

Mas ele é capaz. Joca nasceu em cuiabá, em 1968, e há mais de 10 anos mora em são Paulo. é poeta, prosador e designer gráfico. Publicou o romance Não há nada lá e o livro de poemas Animal anônimo, além dos volumes de contos Hotel Hell, Curva de rio sujo e sonho interrompido por guilhotina. O seu último romance, Do fundo do poço se vê a lua, faz parte da coleção Amores Expressos, da companhia das letras. Terron, que faz parte de uma safra nova de autores criativos que conseguem flertar com vários gêneros, foi vencedor do prêmio Machado de assis na categoria melhor romance. em Não há nada lá, ele tem como personagens William burroughs, arthur Rimbaud, Jimi hendrix, fernando Pessoa, billy the kid e a virgem Maria. é praticamente impossível classificar o gênero literário da obra, que flerta com o romance histórico, a sátira e a ficção científica.

na bIenal: Identidades limítrofes em literatura, com Joca Reiners Terron e Renata Pimentel, no círculo das Ideias, sábado, 1º de outubro, às 18h.

JOCA REINERS TERRON

São Paulo - SP43 anos

ele foi eleito pela revista época, em 2008, como uma das 100 pessoas mais influentes do ano. a façanha? laurentino gomes conseguiu vender mais de meio milhão de exemplares com livro de história do brasil. Dá para entender o porquê lendo o subtítulo da obra: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. no livro 1808, o escritor faz uma leitura da história do país que vai muito além do que os livros adotados nas escolas costumam contar.com essa obra, laurentino gomes ganhou o Prêmio Jabuti, da câmara brasileira do livro, nas categorias Melhor livro-Reportagem e livro do ano de não-ficção. 1808 permaneceu por três anos consecutivos na lista dos livros mais vendidos no brasil e em Portugal. Para escrever o livro, laurentino gomes passou 10 anos pesquisando e mergulhou na leitura de 150 obras para escrever a sua. Mais conhecido pelo seu best-seller, ele trabalhou como repórter e editor no jornal O Estado de s. Paulo e na revista Veja, além de ter sido diretor da abril. em 2010, lançou 1822, agora contando Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado.

na bIenal: Palestra de laurentino gomes, no círculo das Ideias, sexta-feira, 23 de setembro, às 18h.

LAURENTINO GOMES

São Paulo - SP55 anos

Repórter especial da revista época, ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de Jornalismo. é autora de Coluna Prestes - O avesso da lenda, A vida que ninguém vê e O olho da rua. a jornalista e escritora gaúcha eliane brum tem um currículo que fala por si. a repórter que arranca lágrimas e elogios dos leitores com histórias reais agora se aventura no romance ficcional, o Uma duas. sua carreira decolou quando, em 1999, o diretor de Redação do Zero Hora, propôs à jornalista escrever uma coluna contando histórias de pessoas “invisíveis”. a partir dessas reportagens, foi lançado o livro A vida que ninguém vê, que lhe garantiu o prêmio Jabuti, em 2007. Para eliane, é justamente o olhar de forma diferente para o aparentemente banal que faz um bom repórter. ela enveredou para a ficção porque acredita que certas coisas só poderiam se expressar por esse caminho. em recente entrevista, a jornalista afirmou que algumas verdades só a ficção suportaria e lançou um paralelo entre a escrita ficcional e o jornalismo: “na reportagem o corpo se esvazia e o jornalista deixa o corpo ser possuído pela voz do outro. Já na ficção ocorre o inverso, o escritor precisa se deixar possuir pela sua voz”.

na bIenal: Da literatura ao real à literatura do real, com eliane brum e schneider carpeggiani, no círculo das Ideias, quinta-feira, 29 de setembro, às 18h.leitura no café, com eliane brum lendo trechos do seu novo livro Uma duas, sexta-feira 30 de setembro, às 17h.

ELIANE BRUM

São Paulo - SP44 anos

“estudando sem método, mas com gulodice”. foi assim que o escritor, historiador, arte-educador e capoeirista allan da Rosa se achou no mundo da escrita. na verdade, a fome começou muito antes. foi despertada na infância, quando teve que declamar um poema e improvisou os versos que tinha esquecido. allan da Rosa batalhou para ter um destino diferente de muitos garotos que moravam, como ele, na periferia e estudaram em escolas públicas. Devorou livros e mais livros e conseguiu entrar no curso de história da usP. foi só o começo de uma vida dedicada à pesquisa e à periferia. hoje, organiza cursos independentes de cultura negra nas comunidades paulistanas e fundou o selo edições Toró, que publica vários livros de autores dos movimentos sociais. no site da editora, estão também os livros de sua autoria: Vão, Morada e Zagaia.O historiador já trabalhou como feirante, office-boy, operário em indústria plástica, vendedor de incensos, livros, churros, seguros e jazigos de cemitério. após terminar a graduação na usP, emendou no mestrado em cultura e educação.Trabalhou como professor, alfabetizou adultos, produziu exposições. Já rodou pelo brasil, integra o grupo de capoeira angola Irmãos guerreiros e sarau da cooperifa.

na bIenal: Painel sobre edições independentes: Independência ou, com Marcelino freire, allan da Rosa e fábio andrade, no círculo das Ideias, domingo, 25 de setembro, às 20h.

ALLAN DA ROSA

São Paulo - SP

nas letras, Ruffato é tão versátil quanto na vida profissional. lançou um livro de poesia, As máscaras singulares, em 2002, e neste mesmo ano publicou Os ases de Cataguases, seu primeiro ensaio. uma de suas publicações mais recentes é a série Inferno provisório, iniciada em 2005, já com seis volumes: Mamma, son tanto Felice, O mundo inimigo, Vista parcial da noite e O livro das impossibilidades. esse projeto conquistou também o prêmio concedido pela aPca à melhor ficção de 2005. O último da série se chama Domingos sem Deus, e foi lançado em agosto deste ano.

na bIenal: Os invisíveis – a literatura proletária brasileira, palestra de luiz Ruffato com a mediação de homero fonseca, no círculo das Ideias, sexta-feira, 30 de setembro, às 18h

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26 | VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco | 27

cOnheça uM POucO Das ObRas que cIRculaM Ou seRãO lançaDas na VIII BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DE PERNAMBUCO

Paisagem com dromedáriocarola saavedracompanhia das letras168 páginas

Carola Saavedra reinventa o gênero epistolar, aproximando o estilo à linguagem cinematográfica e ao radioteatro. A história é toda contada por gravações de uma artista plástica em um conflito de identidade. Érika se autoexila numa ilha e passa a gravar mensagens para Alex, o homem que ama, com quem se envolveu durante anos. Os dois viveram um triângulo amoroso com Karen, que morreu vítima de câncer.

As inseparáveis amigas Teresa, Clara, Tuca, Fernanda, Patty e Joana são as personagens deste divertido livro. Elas contam a tão aguardada primeira vez e todas as crises, comuns a todas as garotas, durante a adolescência. É difícil não se reconhecer nos episódios descritos no livro, que envolvem problemas típicos da idade.

enTão você quer ser um escriTor?Miguel sanches netoRecord224 páginas

calle amazonas

bernardo gutiérrezeditorial altair198 páginas

Policial, thriller, erótico, drama. Em Então você quer ser escritor?, o autor Miguel Sanches flerta com todos esses gêneros sem se apegar a nenhum. O autor conta histórias complexas, contemporâneas e repletas de reviravoltas. Em uma linguagem precisa, seus contos transitam pela crônica, poesia e romance. Miguel destrincha a condição humana do brasileiro, trazendo reflexões sobre solidão, amor, amizade, hipocrisia, sexo, dinheiro e morte.

O livro, lançado primeiro na Espanha, tem um tom documen-tal que mostra um novo olhar sobre o maior pulmão da terra. O jornalista e escritor espanhol Bernardo Gutiérrez tenta des-construir a imagem clássica e, por vezes, clichê da região amazônica. Literatura de viagem e crônica jornalística se entrelaçam numa narrativa fiel à experiência do autor. Gutiérrez fez um livro real, escrito com respeito à Amazônia e aos relatos que ouviu na região.

mauro moTa 100 Poemas escolhidoseverardo norões (Org.)cepe editora180 páginas

Como parte das homenagens aos 100 anos de Mauro Mota, o poeta Everardo Norões lança livro sobre a poesia do autor. Ele já se debruçou sobre a obra de Mauro Mota e organizou uma antologia poética, patrocinada pelo Sindaçúcar. Baseado nessa primeira publicação (esgotada), faz uma nova seleção de poemas que a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) lança, em novembro.

crônicas Para ler na escolaRonaldo correia de britoObjetiva172 páginas

do fundo do Poçose vê a luaJoca Reiners Terroncompanhia das letras280 páginas

Ronaldo Correia de Brito é o mais novo autor da coleção Crônicas para ler na escola, da editora Objetiva. A obra reúne crônicas antigas e recentes sobre o uni-verso literário. O autor é também protagonista dessas crônicas que abordam as suas experiências com os livros, as bibliotecas e as bibliotecárias. Algumas também narram suas lembranças do interior do Ceará e trajetórias mais atuais.

Os gêmeos Wilson e William, criados pelo pai, desde pequenos têm como única semelhança a aparência física. Enquanto William é violento e masculino, Wilson é feminino e perspicaz. Essa é a ideia central do romance que conta a luta de Wilson para livrar-se do espelho, consequen-temente, da figura de seu irmão, e se transformar numa figura feminina inspirada em Cleópatra, sua musa.

uma duas

eliane brumleya brasil172 páginas

Conhecida no meio jornalístico por seu olhar sensível, a premiada Eliane Brum se lança no mundo da ficção, olhando para a relação entre mãe e filha. A obra expõe como se forma e se mantém o laço entre a jornalista Laura e sua mãe, Maria Lúcia, oscilando em momentos de amor e outros de competitividade. A escrita é vis-ceral – não à toa, Uma duas é todo escrito em vermelho. É literatura escrita com sangue.

lixo exTraordinário

vik Munizg. ermakoff256 páginas

muiTo além donosso euMiguel nicoleliscompanhia das letras504 páginas

Lixo Extraordinário é um documentário que mostra o trabalho do artista plástico Vik Muniz no Jardim Gramacho, um dos maiores aterros sanitários do mundo, localizado no Rio de Janeiro. Lá, Vik fotografa um grupo de catadores de materiais recicláveis, e inicia um grande projeto,registrado no livro.

Imagine um mundo em que os paraplégicos voltam a andar e as doenças de Parkinson e Alzheimer são controladas. Parece livro de ficção científica, mas tudo isso pode se tornar realidade. A obra do renomado neurocientista brasileiro traz suas ideias revolucionárias sobre a tecnologia do cérebro, numa linguagem para o público leigo.

era uma vez minha Primeira vezThalita RebouçasRocco168 páginas

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28 | VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco

Projeto

Teatrólogo, crítico cultural, jornalista, médico, advogado, cronista, compositor, arranjador, regente, cenógrafo, diretor, autor e ator: Valdemar de Oliveira era um homem múltiplo e pensava a frente do seu tempo. Seu legado é marcado por uma versatilidade de temas que vão desde uma tese de doutorado em Medicina sobre Musicoterapia à fundação do Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), grupo teatral que teve início com membros de sua família e alguns médicos amigos e, aos poucos, foi reconhecido nacionalmente como um dos pilares do teatro moderno, na década de 40. Hoje, ele ainda é referência nos diversos campos da cultura e sua obra será revisitada em um projeto denominado Sete Façanhas de um Certo Valdemar.

Idealizado pela família e com curadoria de sua neta e artista plástica Tiana Santos, o projeto trará sete publicações: dois CDs, livro, espetáculo, documentário, DVD e catalogação e digitalização de suas diversas obras. O primeiro CD contará com 14 músicas carnavalescas, algumas inéditas, e terá direção artística de Carlos Fernando. Entre os maestros convidados para recompor os arranjos estão Duda, Edson Rodrigues e Spok. Também será reeditado o livro Frevo, Capoeira e Passo, onde o autor faz um estudo sobre a origem do ritmo tipicamente pernambucano e suas influências. Além disto, é destrinchada a história do passo e a versatilidade do passista como elemento fundamental para um bom frevo. O leitor, ao longo das páginas, se vê imerso

nas manifestações culturais do Recife e em como um ritmo toma conta de toda uma cidade, ao que ele chama de “notável fenômeno social”.

Parte do acervo do teatrólo-go está em posse da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), e outra parte está com a família, no ateliê de Tiana. “Entrei em contato com o vasto material dele – livros, fotos, escri-tos - e fiz uma triagem com a minha mãe e minha irmã. Não podemos deixar que isso permaneça apenas para a troca em família, precisamos expandir”, explica Tiana. Após uma longa pesquisa, catalo-gando as obras do avô, a artista percebeu sua importância no desenvolvimento de uma nova forma de pensar teatro, longe dos modelos das chanchadas e com uma fidelidade ao texto teatral que dialogava com as questões pertinentes da época. Preocupado com quem seriam as próximas gerações de pla-teias, Valdemar criou, ainda na década de 40, o Teatro Infantil de Pernambuco e, no palco do teatro Santa Isabel, estreou diversas peças.

O objetivo principal do Sete Façanhas, que será produzido pela Companhia de Eventos e coordenado pelo bisneto do teatrólogo, Leonardo Santos, é disponibilizar para a sociedade o resultado de toda uma vida dedicada ao que hoje se chamaria de empreendedorismo cultural. Valdemar buscava desenvolver as potencialidades do ser humano e intensificar a ideia de que a cultura, em si, é um elemento transformador. O

iDEALizADO PELA FAMíLiA E COM CuRADORiA DE SuA nETA E ARTiSTA PLáSTiCA TiAnA SAnTOS, O PROjETO SETE FAçAnHAS DE uM CERTO vALDEMAR TRARá SETE PuBLiCAçõES: DOiS CDs, LivRO, ESPETáCuLO, DOCuMEnTáRiO, DvD, CATALOGAçãO E DiGiTALizAçãO DE SuAS DivERSAS OBRAS

teatro ganhou um tamanho inesperado na sua vida e foi, com ele, que o crítico cultural foi além. A cada novo espetáculo, havia uma pesquisa detalhada, registrada em seus cadernos, sobre cenário, personalidade dos atores, composição de personagens e o que era encenado fora da cidade. Com o tempo, as peças do TAP seguiram por diversas estradas e ganharam os palcos do Brasil.

Também será lançado o livro O dia da foto, onde há um registro fotográfico dos espetáculos, antes da estreia. Valdemar acreditava que as fotos tiradas em cena atrapalhavam a concentração dos atores, por isso, era escolhido um dia para que o cenário e os personagens fossem fotografados. O resultado final tinha que refletir fielmente as cenas e sintetizar seu melhor momento. As imagens eram utilizadas na divulgação do grupo nos outros estados, compondo um valioso registro histórico dos 70 anos de pessoas que desafiaram os moldes e preconceitos apenas para serem artistas. “Ele era bastante profissional. Em alguns cadernos, há os nomes dos personagens, dos atores e até falas da cena. Apesar do incêndio no acervo do TAP, nos anos 80, ter destruído bastante coisa, ainda resta um bom material. Cerca de 200 fotos estarão presentes neste livro”, conta Tiana.

As sete partes do projeto estarão disponíveis principalmente nas escolas e de fácil acesso aos estudiosos das manifestações culturais. Os diversos recortes de uma produção que marcou e reordenou as décadas finais dos anos 90 e que, até hoje, reverbera no teatro que levou o nome do seu idealizador serão de fácil acesso e contarão com depoimentos de quem participou ativamente dos diversos processos de criação, como Geninha Rosa Borges, considerada a primeira dama do teatro pernambucano. São sete façanhas e um único artista voltado para fazer da arte um instrumento de mudança social.

Valdemar e suasfaçanhasMaTeRIal PRODuzIDO Pela cIa De evenTOs Reúne TODO O legaDO DeIxaDO POR valDeMaR De OlIveIRaPOR clareana arôxa

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