jornal contexto - edição 50 (maio/2016)

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Querido amigo, As notícias não são as melhores. Estou cansada. Tenho moradores em situação de rua que precisam de quase tudo, inclusive visibilidade. Igualmente em necessidade está o meu “bairro modelo”, 17 de março, carente de infraestrutura. Minha educação, precária. escolas sucateadas. Minhas crianças, na fila para adoção. E ainda sobra tempo para debater a construção de usina nuclear. Tenho dentro de mim partes que não se importantes a profissão gari. principalmente agora, que é ano de eleição. Mas, por favor não se assuste... O que a religião tem a ver com a política, que tem a ver entendem e isso reflete inclusive em uma das funções mais com isso tudo, é o que eu gostaria de saber, JORNAL CON TEXTO www.contextoufs.com.br Ano 14 - São Cristóvão/ SE, Maio de 2016 Jornal Laboratorial produzido por alunos do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe Fanpage: www.facebook.com/contextoufsimpresso Edição Digital (Acervo): http://issuu.com/contexto-ufs 50 CURTA & COMPARTILHE O CONTEXTO NA WEB

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Produção Laboratorial do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe. Departamento de Comunicação Social (DCOS).

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Page 1: Jornal Contexto - Edição 50 (Maio/2016)

Querido amigo,

As notícias não são as melhores. Estou cansada. Tenho moradores em situação de rua que precisam de quase tudo, inclusive

visibilidade. Igualmente em necessidade está o meu “bairro modelo”,

17 de março, carente de infraestrutura. Minha educação,

precária. escolas sucateadas. Minhas crianças, na fila para adoção. E ainda sobra tempo para debater a construção de

usina nuclear. Tenho dentro de mim partes que não se

importantes a profissão gari.

principalmente agora, que é ano de eleição.

Mas, por favor não se assuste...

O que a religião tem a ver com a política, que tem a ver

entendem e isso reflete inclusive em uma das funções mais

com isso tudo, é o que eu gostaria de saber,

JOR

NA

LCONTEXTO

www.contextoufs.com.brAno 14 - São Cristóvão/ SE, Maio de 2016

Jornal Laboratorial produzido por alunos do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe

Fanpage: www.facebook.com/contextoufsimpressoEdição Digital (Acervo): http://issuu.com/contexto-ufs

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CURTA & COMPARTILHE OCONTEXTO NA WEB

Page 2: Jornal Contexto - Edição 50 (Maio/2016)

Ao longo dos anos, o jornalismo tentou abrir os nossos olhos para situações que muitas vezes estavam tão próximas que - como diz o ditado - “se fosse um bicho, já tinha mordi-do”, mas que talvez preferíamos não ver. Ou fingíamos que elas nada tinham a ver com as nossas vidas.

Escolas sucateadas, moradores em situação de rua, o descaso com os terminais de ônibus e com um bairro (teo-ricamente) planejado, crianças em abrigos a espera de um novo lar…

É muito fácil não lembrar disso quando nossos filhos es-tudam em boas e caras escolas ou quando não precisamos

pegar ônibus lotados e sucateados todos os dias. Mas a ver-dade é que esses assuntos tem a ver com todos nós!

Sejamos de classes baixas, médias ou altas, todos os pro-blemas que atingem diretamente uma parte da nossa socie-dade acabam a atingindo (de alguma forma) como um todo. Seja o problema de natureza política, econômica ou social.

Por isso, a edição 50 do jornal Contexto faz uma reflexão sobre esses assuntos que em pleno ano de 2016 ainda exis-tem na nossa pequena Aracaju, e no Brasil.

Julia FreitasEditora Chefe

Boa parte dos meus dias é dedicado à escrita: seja como professor de línguas, seja como escritor de fim de semana, muito experimento em nome de uma melhor expressão no papel e de uma melhor impressão à leitura.

Ao tentar buscar maneiras de escrever bem, preciso entender o que significa o próprio ato da escrita. Ao que me parece, ela é uma janela para revelar quem somos, mas também uma ferramenta para nos tornarmos alguém novo. Ao escrevermos teses, listas ou cartas de amor, praticamos e inventamos quem somos cerebral e apaixonadamente, mas também severa e meticulosamente; já o burocrata entendiado, por exemplo, escreve seu próprio tédio – tem tédio escrito na testa – e nada de sua atitude repetitiva nos relatórios pode mudar isso. O gênio do/a poeta se mostra à medida que ele/a converte seu sentimento visionário em palavras orquestradas, e por vezes só assim descobre o que pensava. E assim também se faz quem é, para si e para seu público.

Se, de fato, para escrevermos nosso melhor texto for preciso al-cançarmos a melhor versão de nós mesmos – ou se a produção de um bom texto suscitar um caráter mais aprimorado em alguém – vale a pena se aperfeiçoar em nome de uma crônica agradável de se ler. Mas muitas são as rotas e os rótulos a demarcar o que há de melhor a ser, e quando o manual não é de escrita, é de etiqueta. Aliás, ao que meu argumento indica, o pri-meiro pouco se diferencia do segundo.

O papel em branco pode ser como o silêncio constrangedor junto a um estranho ou conhecido. Sabemos o que se espera de nós e como fazê-lo: há protocolos, cumprimentos e comentários óbvios sobre o tempo. Há a fo(^)rma para a (re)produção. Há o roteiro do professor ou do chefe; há a censura dos outros e daquilo que imaginamos que devemos ser. Mas tanto o papo do elevador como o documento do escritório podem ser mais que uma rotina enfadonha, pois a estética não está à disposição apenas do ar-tista que nos entrega sonhos.

Escrever a melhor versão de um texto significa manifestar a nossa expressão mais sincera, para além de regras, raivas, medos e vaidades. E essa prática, embora frequentemente misteriosa, é autêntica; o artístico, singular que é, se encontra no próprio acesso à nossa efetiva individualida-de. A prática estética da escrita é um canal possível para que encontremos esse lugar discursivo, psíquico ou espiritual. A espontaneidade de ser quem nosso corpo e nosso sentimento pedem em seus níveis mais fundamentais deixa de lado o óbvio e se atém ao que importa – ou seja, ao que nos porta para dentro. O belo é justamente o não óbvio. O singular. O autêntico. O autêntico é o verdadeiro; e nossa expressão, quando também o for, pode produzir textos artísticos dentro ou fora da Literatura. Quem se conhece, se descobre autêntico, e por isso oferece ao mundo algo singular e belo sempre que pede (ou escreve) a palavra..

SOBRE A ESCRITA, A BUSCA E O BELOPor Igor Gadioli

Equipe Contexto - Edição 50

REPORTAGEM: Alisson Castro, André Oliveira, Beatriz Bomfim,

Denner Perazzo, Ellen Cristina, Gustavo Monteiro, Grace Araújo

de Carvalho, Ícaro Novaes, Ítala Marquise, Jennifer Cristina, Ju-

lia Freitas, Luiz Sérgio Teles, Victor Siqueira e Sheila Dias.

DIAGRAMAÇÃO: Jennifer Cristina, Ellen Cristina e Julia Freitas.

EDIÇÃO DE IMAGENS: Julia freitas.

ILUSTRAÇÃO: Ícaro Novaes e Jennifer Cristina.

CAPA: Gustavo Monteiro e Julia Freitas.

PROJETO GRÁFICO: Jennifer Cristina e Julia Freitas.

GESTÃO: Julia Freitas.

EXPEDIENTEUniversidade Federal de Sergipe

Campus Prof. Aloísio de Campos

Av. Marechal Rondon, s/n, São Cristóvão - SE

Reitor: Prof. Dr. Angelo Roberto Antoniolli

Vice Reitor: Prof. Dr. André Maurício Conceição de Souza

Pro-Reitor de Graduação: Prof. Dr. Jonatas Silva Meneses

Diretor do CECH: Prof. Dra. Iara Maria Campelo Lima

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo

Chefe do Depart. de Comunicação Social: Prof. Dra. Greice

Schneider

Fone: 2105-6919/2105-6921 E-mail: [email protected]

Coordenação Editorial: Prof. Dra. Michele Tavares (DRT - 1195/SE)

Estamos vivendo um momento de emba-te social, político, moral que se reflete tam-bém na educação, no qual o professor vez ou outra é visto como aquele que tem a respon-sabilidade pelo sucesso ou fracasso do aluno. Quando na verdade, ele é a ferramenta que irá impulsionar o aluno para alcançar suas poten-cialidades. Não o melhor além do outro, mas o melhor de si mesmo.

Costumo dizer aos meus alunos de comu-nicação que antes de se formarem como jor-nalistas, publicitários, fotógrafos, cineastas, eles serão comunicadores sociais. E a palavra social não está ali para tornar o título do di-ploma mais bonito. A função social de todo profissional deve ser ensinada em todas os espaços possíveis, afinal, para onde os alu-nos oferecerão suas habilidades, se não para a própria sociedade? Acho fundamental, e isso nunca foi perda de tempo, conscientizar os alunos, também cidadãos, de seus papéis na sociedade. É certo que para construir e apren-der o ser humano precisa estar em contato, em constante troca com o outro. E nesse processo, fomentar o pensamento crítico não pode ser uma prática que passe longe das salas de aula.

As instituições de ensino não podem ser instrumentos de manutenção de uma socieda-de desigual. Sabemos que as fontes de infor-

mações hoje não estão somente nas mãos do professor, a internet exemplifica bem isso. É necessário repetir: o professor é um mediador, um indivíduo mais capacitado que irá dar pis-tas e bagagem necessária para que o aluno ex-plore suas capacidades e construa seu próprio saber, individual e intransferível.

Pensando nisso. Trago como referência meus poucos anos de ensino em universidade pública, nos quais ministrei com muita satis-fação disciplinas de fotografia na Universida-de Federal de Sergipe. Sempre confiei que a interação, a troca de conhecimentos, de visões e saberes, permite aos indivíduos completar sua formação e engrandecer sua compreensão do mundo. Em fotografia, por exemplo, isso é crucial. Pouco adianta ensinar a mexer na câ-mera, se a ferramenta mais importante do fo-tógrafo, seu olhar, não está pronto para captar as complexidades daquilo que o cerca.

Nela, é o fotógrafo que escolhe o recorte, o ângulo, o olhar sobre a realidade, a câmera apenas o serve como instrumento. E na função diária da educação, também fazemos nossas escolhas. Que busquemos todos nós, profes-sores e alunos, ampliar esses olhares, multipli-cando cada vez mais a interação com o outro e com sua sabedoria, sua fé, sua cultura, suas limitações, seus conflitos, suas realidades. As-

sim quem sabe poderemos humildemen-te colaborar com a formação de homens e mulheres conscientes de seus papéis como transformadores sociais. E nesse constante esforço de melhora, tal como em uma fo-tografia bem produzida, sairemos também do automático e faremos dessa mudança, a melhor parte de nós enquanto educadores, enquanto cidadãos.

Erna Barros, jornalista e fotógrafa.

O jornalismo é uma experiência social, e isso implica pensar na superação de uma série de imaginações sobre ele. Em outras palavras, o jornalismo não se explica tão somente enquanto uma atividade profissional, um produto de mídia, uma forma de fazer, um troço aprisionado em empresas ou em instrumentos que fazem falar e ver. É mais. É um meio para as relações sociais, podendo ser até constitutivo delas. Quando o jor-nalismo movimenta-se para contar, ele colabora, bem ou mal, para imaginar uma vida enquadrada no que ela seria, pelo menos uma pequena par-te dela, pequena e opaca ponta de um gigantesco iceberg.

Nesse jogar-se, uma das inúmeras formas

de sua emergência são as notícias que propõem denunciar o que estaria “errado”, o que julgamos como desvio da rota. Jornalismo é também uma proposta. Através dela, somos convocados a ex-perienciar uma série de eventos “fora da ordem”, ou pelo menos, de uma ordem imaginada. Nesse caso, o que se materializa é a denúncia. De fato, parte importante dessa proposta é perceber o jornalismo com o poder de revelar o que estaria escondido, principalmente sendo meio de visibi-lização de questões que, apesar de estamos vendo cotidianamente, não as enxergamos. No fundo, com propostas de fòlego, o jornalismo rema con-tra a naturalização das barbáries sociais e contra sua trivialização autofágica, sua negação.

No entanto, o jornalismo não é sinônimo

de denúncia, e nesse sentido, uma infinidade de questões deve ser pontuada. Esse espaço é insufi-ciente, mas lembremos de algumas. Por exemplo, o repórter não denuncia. Ele, óbvio, reporta, in-forma, conta, narra, ajuda a ver. Sua reportagem pode até assumir um caráter de denúncia, mas isso será em razão de uma série de outras con-dições, sendo a principal a apuração. Não há texto que tenha cheiro de denúncia sem a mais cuida-dosa checagem. Nesse processo existem ainda as sempre conflituosas relações com as fontes envol-vidas, as questões de fundo ético em todo o per-curso e, essencialmente, as seleções das diversas ancoragens possíveis que serão realizadas. Esse é um ambiente de tensões pessoais e coletivas, muitas vezes inconfessáveis, que vão da política à religião.

O que estamos sugerindo é que as ações de uma proposta de jornalismo se dão bem an-tes da materialização de um texto, não se ence-rram na sua concretização e apontam sempre para incontroláveis consequências, para muito além do jornalismo enquanto prática e produ-to. Este não é um terreno para brincar de fa-zer, que vale qualquer coisa, qualquer palavra, rapidez, qualquer abordagem, tanto faz. Isso também implica em assegurar que o jornalis-ta não é superhomem que chegou para salvar o mundo, ou ser a sua palmatória; que não é polícia, promotor, juiz e executor de sentenças, de penas; que não tem o poder sobre os fatos, nem ele é fato; que não aceita a lógica perver-sa de que os fins justificam os meios; etc. Pelo jornalismo passa uma finíssima linha ética que divide a denúncia do denuncismo. A denúncia é meio e resultado que auxilia o jornalismo a cumprir seu papel. O denuncismo é o fim em sim, a sua completa inversão, é uma doença, uma deformidade, uma aberração.

Talvez na correria do cotidiano, do fazer

sem pensar, não conseguimos separar denún-cia e denuncismo. O resultado, com freqüên-cia, será a dificuldade de responder com sin-ceridade se o que estamos fazendo, de fato, é jornalismo, ou seja, onde ele começa, onde termina? Quais os interesses em jogo? Tal-vez aí, a mais incômoda pergunta seja: para quê?

Cristian Góes, jornalista.

2 EDITORIAL 3CONTEXTANDO

CRÔNICA

COMUNICAR PARA QUÊ?

Page 3: Jornal Contexto - Edição 50 (Maio/2016)

ContextoEdição 50 Maio/2016

4 UFS 5

SEUS NETOS VÃO TE PERGUNTAR EM POUCOS ANOS PELAS BA-LEIAS QUE CRUZAVAM OCEANOS

QUE ELES VIRAM EM VELHOS LIVROS OU NOS FILMES DOS ARQUIVOS DOS PRO-GRAMAS VESPERTINOS DE TELEVISÃO.

O gosto amargo do silêncio em sua boca vai te levar de volta ao mar e a fúria louca de uma cauda exposta aos ventos em seus últimos momentos, re-lembrada num troféu em forma de arpão. Numa época em que, infelizmente, as causas ecológicas e de proteção dos animais ainda não tinham a aten-ção devida, Roberto Carlos já denunciava as atroci-dades da caça às baleias neste refrão da autoria do seu parceiro de composição Erasmo Carlos.

Os mares e oceanos correspondem a aproxi-madamente 70% da superfície terrestre, favorá-vel à existência de diferentes ecossistemas aonde encontramos representantes de diversos grupos animais e vegetais. A variedade de formas, cores e tamanhos encontrados nas espécies marinhas proporciona paisagens de extrema beleza, desper-tando a curiosidade e o fascínio de muitos desde os tempos mais remotos. Entretanto, a contínua di-minuição da biodiversidade nos oceanos, causada pelas alterações climáticas, poluição, pesca preda-tória e outras atividades antrópicas desordenadas, gera ameaças ao mundo submarino, com consequ-ências irreversíveis, como a extinção de espécies.

O Greenpeace - uma organização global in-dependente que atua para mudar atitudes e com-portamentos, proteger o meio ambiente e para promover a paz - criou em 2008 uma “lista verme-lha” de peixes, que elenca espécies criticamente ameaçadas de extinção, acompanhadas das causas mais prováveis dessa ameaça. Na lista, pede que “os consumidores exijam aos supermercados que desenvolvam uma política sustentável de compra de produtos do mar e evitem consumir as espécies mencionadas nesta lista vermelha”, como algumas espécies de atum e o bacalhau do Atlântico.

Entre 2010 e 2014, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, uma autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e in-tegrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), realizou uma avaliação do risco de ex-tinção da fauna brasileira. Os resultados apon-tam 1.173 táxons (uma espécie ou uma família, por exemplo.) oficialmente reconhecidos como amea-çados, desses 110 mamíferos, 234 aves, 80 répteis, 41 anfíbios, 353 peixes ósseos (310 de água doce e 43 marinhos), 55 peixes cartilaginosos (54 marinhos e um de água doce) 1 peixe-bruxa e 299 invertebra-dos. São, no total, 448 espécies vulneráveis, 406 em perigo, 318 criticamente em perigo e uma extinta na Natureza.

AporteAtualmente, 7,2 bilhões de pessoas dividem

e utilizam os recursos naturais, conforme dados divulgados pelo Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP). Uns mais, outros menos. Cerca de 50% delas vivem nas áreas costeiras, segundo o Panorama da Conservação dos Ecossistemas Cos-teiros e Marinhos do Brasil, publicado pelo Minis-tério do Meio Ambiente.

Se cada um dos mais de 204 milhões de habi-

tantes do Brasil, de qualquer idade, morando na faixa costeira ou não, contri-buir para a redução dos índices de gás carbônico liberados na atmosfera, por exemplo, é possível reduzir significativamente a acidez dos oceanos, codifi-cação química da água que tem comprometido o crescimento, reprodução e sobrevivência de certas espécies marinhas. Como? Substituindo o carro pela bicicleta alguns dias da semana, deixando de utilizá-lo para percorrer peque-nas distâncias, preferindo o transporte coletivo e cuidando daquela árvore próxima a sua casa.

Os oceanos e a zona costeira produzem pelo menos 50% do oxigênio que respiramos. Um terço do gás carbônico (CO²) emitido pela ação do homem vai parar no oceano. O contato do CO² com a água (H²O) forma o ácido car-bônico (H²CO³), que se dissocia no mar, gerando íons de trióxido de carbono (CO³²-) e hidrogênio (H+). O nível de acidez se dá através da quantidade de íons H+ presentes em uma solução – nesse caso, a água do mar. Quanto maior as emissões, maior a quantidade de íons H+ e mais ácidos os oceanos ficam, o que ameaça os recifes de corais, comparados às florestas tropicais em termos de biodiversidade.

Além da poluição, que também ameaça a vida marinha, a pesca predató-ria e o consumo de espécies ameaçadas de extinção também são fatores de-terminantes para a diminuição da biodiversidade marinha. Portanto, se todos contribuírem - sociedade e governo -, é possível preservar a vida marinha, ga-rantir a sobrevivência do planeta e da humanidade.

Ecologia Marinha na EscolaA constatação de que a quantidade de peixes e de outros animais mari-

nhos vem diminuindo, cada vez mais, afeta, de imediato, aqueles que têm na pesca o seu meio de sobrevivência. E em longo prazo, essa situação é ainda mais preocupante. Mas, isso pode ser mudado com a ajuda dos governos e com a participação de todos. Mudando procedimentos e atitudes, adotando hábitos que levem em conta a importância da conservação dos recursos mari-nhos e formando cidadãos mais conscientes.

Por isso, é fundamental que haja a conscientização através da educação, afinal de contas, como mencionado pelo ecologista senegalês Baba Dioum: “No final das contas, conservaremos apenas o que amamos, amaremos so-mente o que compreendemos e compreenderemos apenas o que nos ensi-nam”.

Seguindo essa perspectiva, o Departamento de Ecologia, com o apoio da Pró-Reitoria de Pós Graduação da Universidade Federal de Sergipe, desenvol-ve desde 2014, o projeto de extensão Ecologia Marinha na Escola - Emane. O projeto tem por objetivo o esclarecimento de crianças, das comunidades aca-dêmica e pesqueira e também da sociedade em geral acerca da importância da preservação do ecossistema marinho.

Segundo a coordenadora do Emane Jeamylle Nilin a extensão é uma pos-sibilidade de aproximar universidade e população. “O projeto foi criado a par-tir de um desejo em fazer com que a população, que financiou toda minha vida acadêmica, recebesse diretamente os frutos desse investimento. A ex-

tensão universitária é uma oportunidade maravilhosa de chegar diretamente nesse público. O alvo principal do projeto são os jovens de escolas públicas de Sergipe, pois na escola eles estão mais abertos ao conhecimento, à ciência, ao que é novidade. Ao mesmo tempo nosso objetivo é compartilhar o conheci-mento de forma dinâmica, interativa, lúdica e diferente de aulas tradicionais”, explica.

A equipe do Emane, composta também por duas bolsistas, participa de ações em parceria com órgãos de proteção ambiental, como a Reserva Bio-lógica (Rebio) de Santa Isabel (SE) e o Projeto Tamar, as duas últimas foram realizadas em escolas dos municípios sergipanos de Pirambu e Pacatuba. Es-sas ações tinham a missão de fornecer subsídios aos professores para que os temas ambientais sejam cada vez mais incorporados ao conteúdo abordado em aula.

Além dessas oficinas, a coordenadora e idealizadora do projeto, Jeamylle Nilin, promove o curso de Guardião do Mar, com estudantes da rede pública. As aulas são ministradas pela equipe do Emane, e divididas em cinco temas: cidadania e responsabilidade ambiental, ciclos de vida dos animais marinhos, pesca sustentável, poluição marinha e turismo.

Atualmente o projeto está sendo desenvolvido com dez alunos do quinto ano do ensino fundamental da Escola Municipal Doutor Coutinho de Oliveira Braga no bairro Rosa Elze, em São Cristóvão. Após a conclusão do curso os estudantes recebem o diploma de Guardião do Mar e passam a ter a missão de influenciar os colegas de sala, professores, pais e pessoas que o cercam a terem práticas que beneficiem o meio ambiente.

Segundo Laize dos Santos, uma das bolsistas do Emane, os estudantes sempre são receptivos ao projeto e demonstram interesse pelos temas aborda-dos. “Antes de iniciar as aulas, nós pedimos que eles escrevam uma redação e um desenho relatando o que eles sabem sobre o mar. Geralmente estão liga-dos a experiências deles, um lembrou de uma queimadura com água viva ou-tros relatam idas à praia. O curso é um acontecimento novo na escola, embo-ra saibam muito pouco sobre o tema, todos demonstram interesse e querem participar das atividades que propomos.

Paradigma Conforme norteiam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) refe-

rentes às quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, os professores de-vem apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres. Por isso, o ensino foi dividido em áreas conforme a fun-ção instrumental de cada uma, possibilitando uma integração entre elas. Há parâmetros para a Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, Arte, Educação Física, História e Geografia, todos separados em livros.

Da mesma forma, algumas questões sociais são abordadas, como por exemplo, ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual e pluralidade cul-tural, também separados em livros. Quanto ao modo de incorporação desses temas no currículo, os PCN propõem um tratamento transversal em que as

questões sociais se integram na própria concepção teórica das áreas e de seus componentes curricu-lares.

Inspirados pela iniciativa da professora Jea-mylle Nilin, a equipe do Contexto buscou entender como se dá esse processo de formação de cidadãos mais conscientes e inteirados com o meio ambien-te no município de Nossa Senhora do Socorro.

O município foi escolhido devido à existência de comunidades pesqueiras e por ser banhado por uma das maiores bacias hidrográficas do Estado de Sergipe, a Bacia do Rio Sergipe, que atinge 26 municípios, sendo Socorro um dos oito totalmente inseridos, portanto uma comunidade que precisa ser informada sobre a melhor forma de tratar esses recursos.

Segundo a coordenadora de projetos da Secre-taria Municipal de Educação, Naira Viana, o tema ambiental é tratado nas escolas de Socorro junta-mente com os outros conteúdos do Programa de Ensino. Porém, ainda segundo a coordenadora, as ações realizadas em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente têm maior aceitação.

A Escola Municipal Leonel Brizola, uma das 34 do município, localizada no Conjunto João Al-ves Filho, está situada a 1,3km do Rio do Sal, que faz parte a bacia hidrográfica do Rio Sergipe, cujo território banhado corresponde a 56,6%, portanto, está inserida numa comunidade que tem a pesca como uma das suas fontes de renda.

Segundo a diretora da Escola, Josefa Nasci-mento, os temas ambientais e de preservação estão presentes no planejamento de aulas dos seus 410 estudantes do 1º ao 4º ano e é abordado simultâneo aos outros conteúdos.

“Nós abordamos o tema ambiental junto com o português, a matemática e as outras matérias, le-vando em consideração o nosso planejamento de aulas. Sempre que necessário e possível, realiza-mos ações envolvendo os alunos, como a entrega de panfletos educativos na comunidade, e a reali-zação de palestras e oficinas no intervalo das aulas”, confirma a diretora.

No entanto, contrariando o que é dito pelas entrevistadas, Alexandre dos Santos, 9, aluno do quarto ano, não sabe explicar o que é meio am-biente e ecossistema. “A professora já falou disso na sala, mas não sei dizer o que é”, conta Alexandre, enquanto solta pipa.

Maria Heloísa, 8, também estudante do Leo-nel Brizola, diz que só tem aula de ciências algu-mas vezes e, assim como Alexandre, não sabe defi-nir termos ambientais simples. “Eu sei que tem que cuidar do meio ambiente, mas eu não sei o que é. Sei que não pode jogar lixo na rua”, disse Heloísa, mais conhecida como Lôlô.

A incapacidade dos dois estudantes de séries diferentes da Escola Municipal Leonel Brizola em definir os termos, demonstra que, ao contrário do que foi dito pelas entrevistadas, a educação no mu-nicípio de Nossa Senhora do Socorro, assim como em outras cidades, não está cumprindo o seu papel de formar cidadãos que dominem os conhecimen-tos de que necessitam para crescerem como cida-dãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel na sociedade.

Emane: projeto de extensão da UFS leva educação ambiental às escolas de SergipeProjeto de extensão do Departamento de Ecologia da UFS realiza ações de incentivo à abordagem dos temas ambientais nas escolas do estado

Sheila Dias [email protected]

Jennifer Cristina

Page 4: Jornal Contexto - Edição 50 (Maio/2016)

ContextoEdição 50 Maio/2016

6 SERGIPE 7

A difícil caminhada para se tornar mãe e filhoPor causa do processo, mães sofrem por não conseguirem adotar com rapidez

DIVA RELAXOU NO SOFÁ E DEU UM GRANDE SUSPIRO. ACABA-VA DE VIR DA PSICOPEDAGO-

GA COM MIGUEL, O SEU FILHO DO CO-RAÇÃO, COMO ELA MESMO DIZ.

O pequeno, de olhos grandes e castanhos, fora adotado por Diva e seu esposo, Milton, em 2010, quando já tinha um ano e dois meses. O processo foi difícil e complicado para o casal, que passou um ano na justiça, para conseguir a guar-da da criança. Obtiveram até um pouco de vanta-gem, pois a adoção não foi feita através do Cadas-tro Nacional de Adoção (CNA), onde há casais que passam vários anos na lista para conseguir adotar. Isso ocorreu, por já possuírem uma crian-ça em vista e a idade já ser considerada “avança-da” por muitos interessados.

Desde que o bebê tinha chegado no abrigo Girassol, Diva, que é funcionária pública, o acom-panhava, criando um vínculo, considerado um parecer positivo pelo juiz. Porém, isso não quer dizer que o casal não teve que tomar as devidas medidas para a adoção legal. Foram até a 2a Vara Cível, da cidade de Lagarto, onde moram e en-tregaram os documentos necessários para o pro-cesso. Houve visitas psicossociais, procedimento comum para as famílias que querem adotar. Ana-lisaram moradia, trabalhos, renda familiar, rela-ções pessoais e se toda família concordava com a adoção. Até os vizinhos foram contatados para os profissionais saberem se os cônjuges possuíam uma boa relação com todos. Após essas visitas avaliativas e investigativas, houve as audiências, o que fez toda a ação demorar. Foram muitas, as sessões. Depois que os parentes decidiram que não cuidariam da criança, o juiz deu o parecer,

deixando a guarda de Miguel com Diva e Mil-ton.

De acordo com Daniele Sousa, chefe do nú-cleo técnico da 16a Vara da Infância e Juventude, o processo para a adoção legal de uma criança ou adolescente deve ser concluído e julgado no pra-zo de 120 dias. Os interessados em adotar, sendo casal ou solteiro, devem ir até o Fórum, apresen-tar os documentos necessários, e depois, devem preencher uma ficha, a qual serve de requeri-mento para o processo, chamado de Habilitação Para Adoção. Após a entrada no processo, o juiz solicita a realização dos estudos e a participação dos interessados em um curso para essa habili-tação. O curso é oferecido a cada quatro meses pela Vara, e dura duas noites, apresentando os aspectos sociais, jurídicos e psicológicos da ado-ção. Já a realização dos estudos, que são as entre-vistas e as visitas, dependerão de cada caso. Após tudo concluído, o juiz dá o parecer se a pessoa está apta para fazer parte do Cadastro Nacional de Adoção.

Quando se entra no CNA, não há prazo na lista e o tempo de duração, porque depende do perfil do participante e da criança que desejam. Diva tira o celular do bolso e mostra a foto re-gistrada na época do São João. Ali estava Miguel, todo caracterizado, com bigodinho de lápis e chapéu de palha. Ao lado dele estava Gabriela, de cinco anos, sua irmã de sangue, e também adotada pelo casal, um ano depois. Diva expli-ca que, quando soube que a mãe biológica ha-via tido mais um filho, o Fórum logo a procurou, pois é aconselhável não separar irmãos de san-gue. Não queria a garotinha, imaginando o difícil processo que novamente passaria. Logo depois

de ter acompanhado a bebê da maternidade até o abrigo, se apaixonou. O marido, que também era contra, mudou de ideia; não demorou nem três dias, tornou Gabriela o ‘xodó” da casa. Para surpresa dos dois, todo o processo de adoção fora mais rápido, porque já possuíam uma ficha no Fórum. Ela suspira mais uma vez. Diz que está cansada. Miguel herdou um problema heredi-tário da mãe: a dislexia, que é dificuldade para compreender a leitura, após lesão do sistema nervoso central. Desde que os médicos desco-briram, quando o garoto tinha sete anos, ele tem todo o apoio que precisa. Vai para fonoaudiólo-go, neuro, psicólogo e psicopedagogo por causa do trauma que sofreu. Quando indagada sobre a decisão, ela responde prontamente que não se arrepende e morre de medo que o pensamento passe por sua cabeça.

Diva sempre deixou claro para os filhos que tanto ela quanto Milton não são os pais biológi-cos. Desde que eram bebês, conta histórias para os dois sobre a adoção e eles entendem que são eles, os personagens. “Eu sinto um amor tão gran-de por esses meninos que não percebo a diferen-ça entre gerar um filho e pegar uma criança toda feita, preparada e criar. São meus filhos. Eu mu-dei completamente minha vida, para melhor.”

Abrigo e CuidadoQuem ajudou a Diva e o Milton no processo

de adoção, enquanto as crianças não podiam ir para casa, foi o Abrigo Girassol. Nos oito anos de existência da instituição, já tiveram 12 casos de adoção. Um número considerado razoável pela coordenadora e guardiã judicial dos acolhidos do abrigo, Aglaé do Nascimento Menezes. Recebem

crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados, encaminhados pelo Conselho Tutelar, Ministério Público e Vara da Infância e Juventu-de, como abandono ou situação de risco. A fun-dação conta com 19 funcionários; entre eles, uma assistente social e uma psicóloga, que cuidam de seis crianças e adolescentes.

As seis pessoas presentes no abrigo hoje em dia, já são adolescentes e não fazem parte do ca-dastro de adoção, por serem casos que esperam a reinserção em seu ambiente familiar. Eles pos-suem acompanhamento psicológico, além de educacional enquanto não podem voltar para casa. Apesar de, por lei, a criança e o adolescente só poderem ficar no abrigo por dois anos, infe-lizmente, há casos tão complicados, que muitos não voltam.

O que mais aflige a coordenação técnica do abrigo, atualmente, é não existir uma república para os adolescentes que não podem mais ficar no abrigo, por possuírem 18 anos. Apesar de fa-zerem cursos profissionalizantes, com parceiros da instituição, como o Pronatec e o Senac, a mo-radia depois da maioridade não é garantida pelo governo.

O último caso de adoção no abrigo, foi em 2014 e levou oito meses para o bebê poder ser adotado. A criança foi vítima de tráfico pela pró-pria mãe, que tentou vendê lo, alegando não ter condições de criar. O processo envolveu não só o judiciário, mas também a polícia civil.

Segundo Daniele, o nome certo a se usar em casas que recolhem e amparam crianças e ado-lescentes é Instituto de Acolhimento. Porém, há todo um costume da sociedade em chamar de Orfanato ou Abrigo, logo, essa mudança em meio a população é dada de pouco em pouco. Campanhas quanto ao apadrinhamento estão sendo mais veiculadas, por se tratar de uma ação nobre, mas processo já existe há um bom tempo. Ele permite que famílias passem um tempo com crianças que estão no Instituto de Acolhimento, sem precisar de qualquer vínculo jurídico.

Adoção à brasileiraPor causa da demora na fila de adoção e o

processo, muitas famílias desistem ou vão pelo

“jeitinho brasileiro”, adotando de forma ilegal, de forma direta. Muitos são os casos que pegam a criança, ou a criam e depois entram com o pro-cesso, ou já registram a criança como filha bioló-gica. Este tipo é desaconselhado entre psicólogos e juízes, considerado crime de falsidade ideológi-ca, previsto no artigo 242 do Código Penal, com pena de dois a seis anos. No futuro, esse método pode criar problemas para os adotados, caso de Letícia*.

*Letícia é um nome fictício. A fonte não quis ser identificada.

Segundo Letícia, desde criança soube que era adotada, apesar de só ter tomado consciência quando indagou a mãe sobre fotos dela grávida. Sua mãe sempre tivera o desejo de ter um filho, mas por possuir endometriose, não podia gerar. Certo dia, uma mulher entrou em contato com ela dizendo que havia uma criança em uma ma-ternidade, no interior do estado, e perguntando se ela queria. Prontamente aceitou. Em três dias o seu quarto estava todo montado, como se tives-se passado toda uma gestação.

Levaram na ao fórum e registraram como fi-lha biológica, tendo os avós e o pai de testemu-nhas. Com o passar da idade e seu crescimento, Letícia começou a reparar que os familiares agiam diferente. Morou um tempo na casa da avó, onde sofria maus tratos da sua tia e prima, sem ganhar a defesa da avó. Sua mãe tratava a prima como mais filha do que ela, havendo sempre a compa-ração quando saíam.

Por causa desses traumas, desenvolveu pro-blemas psicológicos e doenças, como os trans-tornos alimentares: bulimia nervosa e anorexia. Até tentaram alguma reaproximação, mas não deu certo. No presente, sua mãe já repetiu mui-tas vezes que se vê como tutora e não mãe. Além de dizer que arrepende se de tê la adotado, ame-açando ir à justiça, contar tudo e colocá la para fora, já que possui 20 anos e já deveria sustentar-se sozinha.

De acordo com o artigo 48 da Lei no 8069, do Estatuto da Criança e Adolescente ECA: a adoção é irrevogável. Ou seja, a criança ou ado-lescente não deixará de ser filho do adotante, mesmo que o mesmo morra. Letícia afirma que

pode ter sido adotada, mas nunca sentiu se parte de uma família. Irá fazer 21 anos em Agosto e per-derá a pensão que recebe do pai, seu único apoio financeiro, mas não deixará a casa da mãe. “Sou filha, tenho os meus direitos.”

Cor nunca foi tudoAtualmente, existem 6.399 crianças e ado-

lescentes aptas para serem adotadas em todo o Brasil, e 35.224 famílias que desejam adotadas, de acordo com o CNA, criado em 2008. Essas crian-ças e adolescentes são amparadas pelo ECA e pela Lei de Adoção, no 12.010. A maioria dos que se interessam em adotar preferem bebês recém-nascidos, para acompanhar todo o crescimento, e crianças sem doenças. A demanda é tão grande por um tipo específico de bebê branco, de olhos claros , que muitas crianças e adolescentes se-quer têm a possibilidade de serem adotados.

Há casos que fogem do padrão, que aconte-ceu com Rose Mary, e seu filhinho Matheus, de origem indígena. Ela e seu marido, Chico, são missionários e residiam em São Gabriel da Ca-choeira, na Amazônia, uma cidadezinha frontei-riça com a Colômbia e Venezuela, com acesso só a barco ou avião. Resolveram entrar no CNA da cidade em 2012, pois Chico não podia ter por ser estéril e queriam muito serem pais. Passaram- se dois anos e nada.

No dia 11 de agosto de 2014, a Kombi do Con-selho Tutelar bateu em sua porta, enquanto seu marido estava viajando a trabalho. Um bebê ha-via nascido há dois dias, estava no hospital e não poderia ficar mais lá. Perguntaram se desejavam a criança, tendo que se decidir naquele dia.

Depois de ter falado com o marido pelo tele-fone, aceitou. Passou uma semana sozinha com o bebê e a nomeou como “a semana de gestação”. Um amor sem igual nasceu.

Infelizmente, o seu caso ainda não está dado por encerrado. O casal só possui a guarda pro-visória do pequeno Matheus, agora com um ano e sete meses, sendo que por Lei, essa guarda só pode ser de um ano. Esse atraso se dá pelo fato da pequena cidade não possuir um juiz para dar a guarda definitiva, o que torna todo o processo lento e até doloroso, de acordo com Rose.

Walter Guedes

Walter Guedes

Ellen Cristina [email protected]

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ContextoEdição 50 Maio/2016

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Usinas nucleares em Sergipe: precisamos discutir Apesar de ser menos poluente que as principais matrizes energéticas disponíveis no mundo, as usinas nucleares enfrentam resistência por oferecer riscos desastrosos em caso de acidentes ou descuido com o lixo radioativo

Victor [email protected]

USINA NUCLEAR É UMA MATRIZ QUE PRODUZ ENERGIA ELÉ-TRICA POR MEIO DE REAÇÕES

DE DIVISÃO NO NÚCLEO DOS ÁTOMOS DE URÂNIO (235U), GERALMENTE.

Depois de retirado dos minérios, passa por um processo de enriquecimento para aumentar o poder de fissão ou divisão. Uma das primeiras coisas que você precisa saber sobre o urânio é que se trata de um mineral bastante radioativo, e o contato direto com seres humanos pode cau-sar danos irreparáveis à saúde e provocar defor-mações físicas e problemas de ordem neurológi-ca nos herdeiros genéticos de pessoas afetadas.

No processo de geração de energia, podem ser utilizados também outros elementos radioa-tivos como Césio, Plutônio e Estrôncio. Apesar de não haver registros de incidentes no transporte destes materiais para as usinas, o processo exige muito mais cuidado por causa do risco de conta-minação. Uma vez enriquecido, o elemento tem suas moléculas “quebradas” com mais facilidade, liberando calor, que aquece os reatores, ativa as turbinas e gera energia elétrica. No último dia 8, foi realizado um debate na Universidade Fede-ral de Sergipe (UFS) para discutir implicações da possível instalação de usinas nucleares no estado de Sergipe. Estiveram presentes, além dos pro-fessores Evaldo Becker e Paulo Mário Machado, especialistas da casa, Thiago Fonseca, represen-tando o Greenpeace, organização global que pro-move a defesa do meio ambiente.

Responsável por apenas 3% da produção de energia no Brasil, as usinas nucleares encontram resistência da população. Segundo levantamen-to feito pela Global Women Innovation Network (Global WIN) em 2011, 54% dos brasileiros se posicionaram contra a implantação de usinas nucleares em nosso território. O grande desafio deste módulo energético é se colocar como uma alternativa mais rentável em relação as usinas hi-drelétricas, que produzem mais de 90% da ener-gia consumida no país e que recentemente esteve em crise, entre outros fatores, por conta das secas em diversas regiões.

Em um momento em que a queima de com-bustíveis fósseis para gerar energia diminui e a exigência da utilização de biomassa e fontes de energia renováveis aumenta, as usinas nucleares são alvos de crítica de boa parte da população mundial. O Greenpeace faz um alerta para as ameaças do módulo. “Usinas nucleares, além de ter construção e manutenção absurdamente caras, são perigosas. Os acidentes podem acon-tecer a qualquer momento, já que 80% dos rea-tores do mundo funcionam há mais de 25 anos. Tivemos 174 incidentes e acidentes entre 1946 e 2013 que provam que não é uma energia segura. A cada falha, podemos ter uma catástrofe”, adverte Thiago.

Em Sergipe, a discussão sobre esse módulo energético esteve em pauta em virtude do gover-nador do estado, em janeiro deste ano, ter recebi-do técnicos da Eletronuclear, subsidiária da Ele-trobrás, responsável por gerir as usinas nucleares

de Angra I, II e III, e executivos da empresa China National Nuclear Corporation (CNNC), para es-tudar a possível implantação de usinas nucleares – mais especificamente nos municípios de Gara-ru, Porto da Folha e Poço Redondo. A expectativa é de que sejam construídas seis unidades na re-gião do baixo do São Francisco, atraindo um in-vestimento de 30 bilhões de reais e gerando cerca de 2 mil empregos.

Você acha que as perspectivas do governo podem justificar a novidade? O que você sabe so-bre o assunto? É a favor da instalação, contra ou não sabe opinar? A partir de agora, vamos expla-nar os prós e os contras para ajudar você a enten-der os benefícios e os riscos da presença de uma usina nuclear no nosso território.

Usinas nucleares no mundo e meio am-biente

O último levantamento feito em 2011 pelo IAEA Power Reactor Information System (PRIS) aponta que, em todo o mundo, existem 435 rea-tores nucleares em funcionamento e mais 63 em construção. Só nos Estados Unidos possuem 104 reatores; a França, com 58, é o país mais depen-dente deles, pois só produz energia nuclear. As projeções da International Energy Agency (IEA) feitas em 2011, preveem uma redução quase a zero do uso de minerais fósseis e um aumento gradual no número de produção de energia solar, eólica, e principalmente, nuclear. A professora doutora Susana Lalic, do departamento de Física da UFS, defende esse crescimento. “Nós precisa-mos de mais matrizes energéticas. Atualmente, as usinas hidrelétricas só estão disponíveis para pequenas instalações, que produzirão pouco; as termelétricas liberam alta quantidade de gases poluentes. Uma das formas de produzir energia de maneira eficiente e limpa, agora, é investindo em usinas nucleares. Elas podem suprir a nossa carência”, entende. Fonte: International Energy Agency (IEA)

Doutor em filosofia socioambiental e pro-fessor do Programa de Desenvolvimento do Meio Ambiente (Prodema) pela UFS, Evaldo Becker usa o acidente da cidade de Chernobyl, na Ucrâ-nia, em 1986, como exemplo para defender a re-dução do número de usinas. “Temos a impressão de que essa energia é limpa, mas sua poluição é apenas invisível. Em 2016 a tragédia completa 30 anos. Até hoje o solo é inabitável e os “filhos” de Chernobyl sofrem com mutações e doenças. Essas usinas são uma ameaça para a população. Vemos claramente a busca pelo progresso, mas o preço dela é a catástrofe”, explica.

O lixo radioativo é um dos pontos mais po-lêmicos acerca da discussão das usinas nucleares. Onde será depositado todo o material? O que será feito com os dejetos e rejeitos? A professora Divanízia Souza, também do departamento de Física da UFS, explica que existe segurança no armazenamento do lixo e que ele também pode voltar a ser utilizado, se necessário. “Geralmen-te, os materiais contaminados são isolados em containers, para que a radiação não se espalhe. Objetos expostos perdem a radiação a curto, mé-dio e longo prazo, podendo voltar a ter vida útil em dez dias, por exemplo, ou em até milhares de anos”, pontua.

É possível também que você já tenha ouvido falar que usinas nucleares são livres da emissão de dióxido de carbono (CO2), gás liberado du-rante a queima de combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, e que é dado como o princi-pal responsável pelo aquecimento global e pelo agravamento do efeito estufa. Apesar dessa in-formação ser bastante disseminada, é uma meia verdade. O CO2 é sim liberado na atmosfera, mas em escala bem menor do que as outras matrizes energéticas. De acordo com um estudo elaborado para a Eletronuclear, a emissão do poluente pode ser reduzida em 19% até 2030, condicionada a um aumento no número de produção de ener-

gia nuclear em relação a outros tipos de usinas. Ao contrário das projeções da empresa brasilei-ra, o Greenpeace aponta para outro cenário: até 2050, a expectativa é que a produção de fontes de energia limpa, como usinas eólicas e solares, cheguem a 100% em todo o mundo.

As tão almejadas fontes limpas de energia, apesar de serem incentivadas pela sociedade, são caras e incapazes de suprir grandes demandas. As usinas eólicas, por exemplo, dependem da veloci-dade constante do vento, portanto, ventos fortes e tampouco os fracos surtem efeito na produção de energia: as placas fotovoltaicas, que absorvem a luz do sol e transformam em energia elétrica são tidas como solução. Embora haja um au-mento gradual no número de casas que utilizam energia solar, ela ainda é inacessível à maioria da população mundial por causa do preço alto. Para o Thiago Fonseca, adquiri-las, além de ajudar o meio ambiente, é um investimento. “O retorno financeiro vem a médio prazo. O valor da conta de energia cai e ter uma placa em casa é econô-mico e contribui para o desenvolvimento susten-tável. Aqui no Brasil, a criação de complexos de absorção de luz solar é completamente viável, já que, em muitas regiões, o verão dura quase o ano inteiro”.

Sergipe – sede ideal?Chegando à nossa realidade: o Brasil, por

estar localizado numa região de baixa ativida-de tectônica, livre de terremotos, maremotos e abalos sísmicos de baixíssima escala, quase im-perceptíveis no nosso cotidiano. Os estudos rea-lizados no estado de Sergipe apontaram a cidade de Gararu como a provável sede da usina nuclear, que pode ser instalada também nos estados de Alagoas e Pernambuco. O prefeito da cidade, An-tônio Albuquerque, comentou a possibilidade de receber o módulo. “A priori, todos os gararuenses ficaram assustados com a proposta, fomos pegos

de surpresa. O que posso garantir é que a prefei-tura e a sociedade vão cobrar participação ativa na decisão final”.

No entanto, a implantação não possui ampa-ro da constituição do estado de Sergipe. De acor-do com o artigo 232, parágrafo 8 da constituição estadual, “ficam proibidas a construção de usinas nucleares e depósito de lixo atômico no territó-rio estadual, bem como o transporte de cargas radioativas, exceto quando destinadas a fins te-rapêuticos, técnicos e científicos, obedecidas as especificações de segurança em vigor”. Mesmo com o impasse da legislação, o Governo do Es-tado possui maioria na Assembleia Legislativa, o que pode facilitar a alteração na lei.

Apesar da discussão ter sido levantada em todo o território sergipano, o secretário de Es-tado do Desenvolvimento Econômico, da Ciên-cia e Tecnologia, Francisco Dantas defende que, no momento, esta não é uma pauta discutida no governo e que não há nada de concreto nas especulações. “O governador recebe vários seg-mentos na área de geração de emprego e renda, que fazem parte da agenda do executivo do esta-do. Embora seja uma questão relevante e que faz parte da matriz energética do país, se houver algo de palpável, o governo fará discussão com toda sociedade, e seus seguimentos serão convocados a debater sobre o tema. Qualquer decisão será to-mada junto à população”, garantiu.

O prefeito de Gararu, embora admita a in-certeza, garante que vai exigir contrapartidas. “Além de cobrar os laudos técnicos que sejam favoráveis, queremos saber também o que será feito em prol da comunidade. Precisaremos de hospitais, creches, escolas, rodovias e mais uma série de requisitos para atender as novas deman-das que surgirão”, colocou.

Rio São FranciscoDiferentemente dos módulos como os da ci-

dade de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, que utiliza água do mar para resfriar as turbinas, se a usina for mesmo trazida para os locais estuda-dos no Nordeste, ela utilizará as águas do Velho Chico, que vêm sofrendo com a seca oriunda dos longos períodos de estiagem dos últimos anos, e que foi agravada pela obra da transposição.

A água utilizada por Angra I e II retorna limpa, mas com uma temperatura maior do que quando foi utilizada primeiramente. A variação térmica ainda está sendo estudada pela própria Eletronuclear, mas já dá conta de que o aumento da temperatura pode comprometer a biodiversi-dade marinha do local.

O professor Paulo Mário Machado, do depar-tamento de Engenharia Mecânica da UFS, parti-cipa constantemente de fóruns que abordam a questão do curso de vida do São Francisco. Além de condenar a possibilidade de uma usina usu-fruir do rio, acredita que elas não se fazem mais necessárias. “Não precisamos mais de usinas, sejam elas hidrelétricas, termelétricas, nuclea-res ou de qualquer matriz. Precisamos preservar nosso rio e investir em fontes renováveis. Seis usi-nas nucleares na região do Baixo São Francisco é um atentado à vida das comunidades ribeirinhas, que serão despejadas de suas casas”.

Acerca da instalação, considera-se os prejuí-zos que um acidente nesta ordem pode causar. As catástrofes nucleares, em geral, podem conta-minar grandes áreas, tornando solos inabitáveis e águas impuras, como foi em Chernobyl. A tec-nologia defasada e o despreparo dos profissio-nais que atuavam na usina na época do acidente, foram determinantes para causar a tragédia. Em 2011, a usina de Fukushima, no Japão, foi atingi-da por um tsunami e explodiu três reatores que estavam em operação dos seis que possui. Estes incidentes, por mais que raros, ligam o alerta da população.

Usina Nuclear

Pixabay

PRÓS CONTRAS- Aumentará a oferta de energia

elétrica no país;

- Reduz emissão de CO2;

- Levará urbanização para áreas pouco desenvolvidas;

- É capaz de produzir energia para manter grandes regiões por décadas;

- Região tectônica estável favo-rece a implantação no território brasileiro.

- Risco de acidentes de natureza humana;

- Exigem valores bilionários para construir e manter a usina;

- O transporte de urânio é alta-mente arriscado;

- O lixo nuclear requer uma sé-rie de cuidados específicos;

- Aquecimento das águas do Rio São Francisco;

- Possibilidade de realocação compulsória de comunidades ri-beirinhas.

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TRANSPORTE DOS GARIS: O LADO SUJO DA HISTÓRIA

O despertador soa pouco antes das 5h da matina, quando nem mesmo o sol despontou no Morro do Avião, na zona de expansão de Aracaju. É na

aurora que começa a rotina de Henrique, do seu Augusto e do Patolinha, todos profissionais da coleta de resíduos sólidos na capital. Em média, cada um leva 40 minutos para arrumar bor-nal, uniforme, marmita com café da manhã e seguir destino à garagem das empresas. O ponto precisa ser registrado às 6h40. Só então eles sobem na parte traseira dos caminhões compacta-dores e são carregados até os bairros designados para a coleta.

Tão comum quanto vê-los pendurados todos os dias nos fundos desses caminhões, é notar o sorriso no rosto de cada um deles enquanto realiza o serviço. As brincadeiras triviais en-tre os garis da coleta não retratam as condições em que estão submetidos no atual modelo de atuação profissional, que, por observação, é feita desta forma há séculos. Não bastasse a carga excessiva de trabalho, feita por cumprimento de trechos, e não por horários estabelecidos, além da exposição a fatores nocivos à saúde, como o chorume e propriedades do próprio lixo urba-no, os garis vêm sendo transportados, durante anos, de maneira irregular.

O transporte destes profissionais no suporte metálico, na parte inferior da traseira dos caminhões, conhecido como “estribo”, contra legem as Normas Regulamentadoras 18 e 31 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o art. 235 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) sob prerrogativa de que “conduzir pessoas, animais ou carga nas partes externas do veículo, salvo nos casos devidamente autorizados” categoriza-se em infração grave, e ainda conforme o parágrafo, é pre-vista multa aos infratores e reten-ção do veículo para transbordo. O Ministério Público do Trabalho de Sergipe (MPT-SE) diz ter questio-nado ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) se as empresas teriam autorização para transportar os garis na traseira dos caminhões, e segundo o órgão que rege o trânsi-to em ordem nacional, nunca houve juízo de permissão.

Em função das irregularidades identificadas, o MPT moveu ação ci-

vil pública contra o município de Aracaju e a Empresa Munici-pal de Serviços Urbanos (Emsurb) – que regula a gestão do lixo na cidade e optou pela terceirização do serviço de coleta. A ação foi estendida também contra a Cavo Serviços e Saneamento, atu-al executora da limpeza urbana de Aracaju, e Torre Empreendi-mentos, antiga responsável pela coleta e atuante em municípios circunvizinhos [Laranjeiras e Nossa Senhora do Socorro]. No dia 18 de março, a juíza titular da 5ª vara do trabalho, Eleusa Maria do Valle Passos, expediu liminar acatando parcialmente a ação civil do MPT, com prazo para adequação das empresas de até 60 dias.

No termo lavrado e de caráter liminar, a juíza do trabalho reconhece os riscos do atual modelo de transporte dos coletores e cita os prejuízos oriundos da ocorrência de acidentes, como exemplo os danos a empregados, à previdência social e à socie-dade [nenhum dado referente aos número de acidente foi apre-sentado]. Contudo, no entendimento de Eleusa, a proibição total dos transportes nos estribos poderia inviabilizar a dinâmica do trabalho e, por isso, concedeu permissão para que em vias lentas e durante o processo de coleta, o transporte no eixo metálico fi-que permitido em trajetos curtos (de até 200 metros) e proibido em vias rápidas, sendo a empresa obrigada a fornecer carro de apoio para deslocar os profissionais.

Ainda não totalmente satisfeito com a decisão parcial da Justiça, o MPT entrou com um embargo no dia 23 de março contra a decisão da juíza, reiterando os riscos do transporte nos estribos mesmo em trajetos pequenos, e requereu uma nova ava-liação jurídica da Justiça no sentido de proibir integralmente o deslocamento desses profissionais na ala externa dos veículos. A investida do MPT teve por base um documento com análise pericial do engenheiro de segurança do trabalho, Jorge Alvarez de Jesus, atentando para as irregularidades do modelo de trans-porte na coleta do lixo urbano.

Na ótica do procurador do trabalho Raymundo Ribeiro, a decisão de Eleusa foi contraditória, mas significou um avanço. “O MPT já recorreu da decisão porque acreditamos que não

O secular modelo de coleta de resíduos sólidos em execução em grande parte do país infringe leis de trânsito, normas regulamentadoras e expõe trabalhadores ao risco iminente de acidente nocivos à vida.

ficou muito claro, até porque ela reconhece a gravidade da situação, mas permite que o transporte nos estribos continue acontecendo, mesmo que em pequenos trajetos. Estamos tentando modificar essa decisão para que ela seja conforme a ação civil, que proíbe qualquer transporte de pessoas em partes externas dos caminhões. No entanto, também já enxerga-mos a liminar como uma vitória parcial”, esclarece.

Enquanto a Justiça do Trabalho não se pronuncia quanto ao recente embargo do MPT, as empresas têm até o início do mês de junho para cumprir as novas determinações, sujeitas à multa diária estipulada em R$ 1 mil pela liminar da juíza Eleusa Maria do Valle, valor que será revertido em favor do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT). A liminar que visa proibir o modelo de transporte é exclusi-va para Sergipe, mas em Santa Catarina (RS), uma ação similar está sendo movida pelo Ministério Público a fim de se chegar ao mesmo patamar jurídico.

Por que só agora?

O transporte dos garis nos estribos, por décadas se man-tém irregular e sob “vistas grossas” dos setores de fiscalização e órgãos de defesa do trabalhador. Na opinião do procurador Rai-mundo Ribeiro, os profissionais da coleta sempre foram vistos à margem da sociedade, fator que teria contribuído para impedir o avanço da profissão. “Historicamente, os primeiros a trabalha-rem coletando lixo foram ex-escravos. Ao longo da história, os profissionais desse tipo de serviço sempre representaram uma

Foto: Sindelimp

parcela da sociedade com maior dificuldade de inserção social. Quando alheios, sempre tiveram pouco poder de pressão e, por isso, não tinham visibilidade so-cial”, entende.

Um dos fatores que pode ter culminado na ação civil do MPT e posterior-mente na liminar da juíza foi a realização da coleta de resíduos sólidos em ca-çambas, e não nos caminhões compactadores. Os flagrantes ocorreram na pri-meira semana de atuação da empresa Cavo, que assumiu a limpeza urbana no dia 11 de março, após o fim do contrato entre Emsurb e Torre. Os profissionais de coleta foram vistos sendo transportados em cima das caçambas e, no colhi-mento do lixo, um arremessava as sacolas de baixo para cima e, na caçamba, outro gari compactava o lixo com os próprios pés. A situação foi o estopim para a liderança sindical que, até então, mantinha seu foco na briga pelo reaproveita-mento dos funcionários demitidos pela Torre.

“Para nós foi um retrocesso inimaginável. Enquanto buscamos melhorias, flagramos eles [a empresa] fazendo isso. Levamos nossa indignação para o Mi-nistério Público do Trabalho a fim de se tomar as medidas cabíveis”, contou Rayvanderson Fernandes, presidente do Sindicado dos Empregados de Limpeza Pública e Comercial do Estado de Sergipe (Sindelimp). O sindicalista reforçou ainda que negocia junto com o MPT, maneiras de combater o transporte irre-gular também no interior do Estado, onde em sua maioria, a coleta é feita em caçambas da prefeitura. “Temos ciência que no interior a situação é ainda pior, com uso de caçambas abertas. Vamos brigar para que esse modelo de coleta seja

extinto”, reforçou.

Proibição nos estribos é vista com cautela pela classe

Não é apenas o desalinhamento jurídico entre MPT e Justiça do Trabalho que complica a situação. A própria classe profissional ainda se mostra receosa com relação ao transporte nos estribos, principalmente no que diz respeito à carga de trabalho. Nos discursos de cada um dos entrevistados, uma unanimi-dade: a principal preocupação destes profissionais não é com o risco de queda ou acidentes oriundos dos transportes nos estribos, e sim com a defasagem sala-rial, carga de trabalho e até mesmo o respeito da sociedade.

De acordo com o seu José Augusto Santos Reis – que dos seus 45 anos, dedicou 18 à coleta – sua principal dúvida é se o fim do transporte nos estribos não aumentaria a carga de trabalho, pelo fato de se fazer mais percursos à pé no trecho de coleta. Ele entende que isso deixaria inviável o trabalho nas se-gundas e terças-feiras, dias quais aponta como os piores para realizar a coleta “No começo da semana, todo o lixo está acumulado e chega dia em que a gente sai da garagem sete horas da manhã, e às cinco da tarde estamos no trecho ainda coletando. Sem poder subir nos estribos, certeza que esses dias vão ficar ainda mais cansativos”, afirmou, acrescentando que a equipe só descansa nos intervalos em que os caminhões enchem de lixo e vão ‘vazar’ – termo usado pelos profissionais para retratar o despejo dos resíduos no local designado pela empresa.

Ícaro Novaes

Profissionais da coleta transportados na traseira do caminhão em plena Avenida Ivo do Prado, de alto fluxo de veículo

Garis arremessam lixo um para o outro

Ícaro [email protected]

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ContextoEdição 50 Maio/2016

12 SERGIPEO filho de Augusto também trabalha na cole-

ta. Henrique da Silva Reis tem 21 anos e se posicio-na com certo ceticismo quanto à ação movida pelo MPT. Para ele, existem outras prioridades na pro-fissão, como melhorias salariais, de benefícios, qua-lidade de equipamentos e até mesmo o respeito da sociedade com a profissão dos garis. “A pior parte é essa [desrespeito]. Nossa vidas são vistas como nada, e você percebe quando os motoristas passam ‘tiran-do fino’ de você na rua. Não são os estribos o prin-cipal problema, e sim a população colaborar com o nosso trabalho, como ter cuidado ao colocar vidro ou seringas no lixo”, desabafou.

Apesar de elencar os problemas da profissão, pai e filho dizem sentir orgulho do que fazem. “Foi atra-vés dessa profissão que eu criei todos os meus filhos. Juro que tive medo de um dia eles me rejeitarem por conta da minha profissão, mas me emociono ao lem-brar o dia em que meu filho Henrique decidiu traba-lhar na coleta. E hoje o mais novo já pensa em entrar também”, disse orgulhoso. Henrique concorda com o pai, mas alça voos maiores. “Eu amo o que faço, mas a profissão ainda engatinha em termos de me-lhorias. Eu quero melhorar de vida e vou em busca disso através do estudo”, garantiu o jovem.

Josinaldo dos Santos Melo, 40, é mais um que se orgulha ao falar da profissão. Hoje com casa própria, o famoso ‘Patolinha’ diz que há 18 anos se dedica a profissão, e foi por meio dela que construiu seu pa-trimônio e mantém sua esposa e dois filhos. No que tange o transporte no eixo metálico, Patolinha diz que já viu muitos acidentes durante seus dias de pro-fissão, no entanto, não vê a realização do trabalho senão com o estribo. “Dá para tentar andar o menos possível em cima, mas se for pra fazer o serviço nos trechos só caminhando, fica ainda mais cansativo. Se tivesse uma cabine estendida nos caminhões seria útil da garagem até o trecho, mas durante a coleta, tem que subir atrás”, opinou.

A representação sindical da categoria analisa com cautela a liminar. Conforme Rayvanderson, an-tes de se aplicar uma decisão, é preciso elaborar uma maneira mais segura de se fazer a coleta e que não prejudique a dinâmica de trabalho. “Entendemos a importância de se ter um transporte seguro, até pelo fluxo de veículos nas vias, mas nos trechos onde é feito a coleta, ou seja, nos bairros, geralmente eles fazem isso no trote e quando sobem nos estribos é mais como um descanso até mudar de quadra. Reco-nhecemos os riscos e não descartamos as ocasiões de acidente com escorregões do estribo ou colisão, por

isso prezamos por um estudo preciso para se chegar a um consenso”, considerou o sindicalista.

Empresas

O gerente de negócios da empresa Torre, José Carlos Dias, confirmou que já foram notificados da decisão da juíza e, concomitantemente, diz que a empresa já está cumprindo a decisão nos municí-pios que mantém contrato em Sergipe, as cidades de Laranjeiras e Nossa Senhora do Socorro. Segundo ele, a empresa junto com as prefeituras decidiram que, ao invés de atuar com três garis em cada cami-nhão, faria o serviço apenas com dois, de maneira em que eles pudessem ser transportados na frente com o motorista. De acordo com José, nos trechos de coleta, os profissionais cumprem o item da limi-nar em que só permite transporte nos estribos em trajetos de até 200 metros. Questionado se a dimi-nuição no efetivo em cada caminhão acarretaria o trabalho, o gestor rebateu afirmando que “como se tratam de cidades pequenas, não há carga excessiva de trabalho”.

De acordo com Carlos, a Torre ainda não deci-diu se entrará com recurso ou não contra a decisão da juíza. Segundo ele, a empresa está esperando o posicionamento oficial da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). “Uma decisão desse caráter requer um investimento grande na troca de caminhões, por exemplo. Aqui não tivemos problema de cumprir a decisão porque as cidades que mantemos contrato são pequenas, mas se essa decisão fosse em Salvador,

À esquerda, presidente do Sindelimp, ao lado dos seus assessores jurídicos

Ícaro Novaes

Ícaro Novaes

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“Do lixo ao poder”

A frase acima, dita por Henrique Reis, filho do seu Augusto, é a projeção que o garoto de 21 anos faz para sua vida profissional. Há três anos trabalhan-do na coleta, Henrique decidiu alçar voos maiores e prestou vestibular para cursar Direito em uma facul-dade particular de Aracaju. A aprovação ainda em 2015, foi o passaporte para um caminho difícil, mas com destino ao sucesso.

Dividido entre a rotina de trabalho e das pri-meiras aulas na faculdade, Henrique garante que terá força e perseverança para concluir o curso, algo que prevê para o prazo de cinco anos. “Essa é uma oportunidade ímpar que eu me esforcei para conse-guir. Agora vou levar à frente e sonho em poder atu-ar como um promotor ou até mesmo delegado. Eu tenho uma frase que eu levo comigo que é ‘do lixo ao poder’. É como eu gosto de projetar minha vida. Co-meço hoje de baixo, para lá na frente estar em cima e, quem sabe, poder ajudar essa categoria [garis] que tanto sofre”, planeja.

O orgulho é ainda maior para o seu José Augus-to. O pai, que diz acompanhar de perto a a situação, fala em poucas palavras sobre o orgulho que sente do filho “Tenho muito orgulho dele e peço a Deus to-dos os dias que sempre dê força a ele para continuar e concluir o curso. O que vem fácil não presta. Toda conquista requer um esforço”, se emociona.

por exemplo, onde temos contrato, a coleta ficaria totalmente inviável”, rechaçou.

Sobre a infração ao artigo 235 do Código Bra-sileiro de Trânsito, José Carlos diz não reconhecer ilegalidade. “Nossos caminhões são licenciados, são vistoriados e recebem emplacamento do Detran. Ali é sabido que a parte traseira será para transporte de pessoas, então não reconhecemos essa infração”, colocou. Para ele, existe incoerência na decisão da juíza. “É só reparar que os caminhões do exército, da Polícia Militar, comboio de feiras sempre trans-portaram passageiros na traseira. A decisão vale para eles também? Dois pesos, duas medidas. Se há determinação, que seja para todos”, bradou o gerente da Torre.

Ao entrar em contato com a Empresa Cavo, a equipe de reportagem foi informada que apenas o grupo Estre, proprietário da Cavo, poderia se pro-nunciar quanto a determinação judicial. Como sua sede fica em Curitiba - PR, enviamos um e-mail e não fomos respondidos mesmo em espaço de uma semana. Novamente fizemos contato com a Cavo, e nenhum parecer oficial foi enviado. Uma informa-ção extraoficial vinda da gestão da Cavo, fonte que não terá nome revelado, afirmou que a empresa pla-neja se adequar às medidas da liminar no prazo es-tipulado. Até o fechamento desta edição do Jornal Contexto, a empresa Cavo não respondeu nossos outros questionamentos.

Encaminhamentos

Enquanto as empresas ainda estão em tempo apto de cumprir a determinação da liminar, o sin-dicato promete que após o fim do prazo estipulado da Justiça, fará a função fiscalizadora. “Nosso papel agora é cobrar. Vamos esperar o prazo e a partir dis-so cobrar. Vistoriar diuturnamente para que a limi-nar seja respeitada”, garantiu Philipe Almeida, da assessoria jurídica do Sindelimp.

Apesar da primeira liminar contra o transporte dos garis ter sido expedida em Sergipe, em ordem nacional o MPT tem discutido a elaboração de uma nova Norma Regulamentadora (NR) para a pro-fissão dos coletores de resíduos sólidos. De acordo com o procurador Raimundo, que faz parte do gru-po que estuda a regulamentação destes profissionais, o avanço das reuniões emperram entre patrões e sin-dicatos justamente com relação ao transporte.

“Estamos acompanhando a construção e dis-cussão de uma nova NR internamente com repre-sentação dos patrões e trabalhadores no MPT. Para essa norma ainda falta consenso e o principal ponto que não anda nessas reuniões é quanto ao transpor-te. As empresas alegam dificuldades e elas não que-rem mudar a forma de execução da coleta. No nosso entender, precisa-se mudar o ritmo de trabalho. É aumentar o número de trabalhadores, porque os que hoje atuam já são submetidos a uma carga excessi-va de trabalho e cobrança de produtividade elevada que necessita um ritmo de atividade intenso. Se eles

pudessem caminhar devagar, já seria menos arrisca-do, mas é justamente o ritmo de trabalho que faz o perigo. É um modelo rudimentar de atuação profis-sional”, pontuou o procurador.

Vida que segue

Na rotina de trabalho dos garis, os ‘problemas de casa’, mau-humor, e seriedade são deixados de lado, conforme conta Patolinha. Do alto dos seus quase 20 anos dedicados à coleta de resíduos sóli-dos, ele diz que os colegas de trabalho sempre foram vistos como uma segunda família. E é nesse ‘lar’ que cada profissional passa mais tempo do seu dia.

Por falar em família, como não ilustrar melhor o termo senão contando a rotina de seu Augusto e Henrique, pai e filho que atuam juntos na coleta. Os dois ficam lado a lado no mesmo caminhão, no mes-mo trecho de coleta, porta em porta recolhendo os sacos de lixo e arremessando no caminhão. Segundo Henrique, é impossível não rir como o pai durante o trabalho. “Esse cabra velho tira o fôlego de qualquer um com as armadas que faz na rua”, confidencia, parecendo lembrar das ocasiões instantaneamen-te. Os momentos de descontração estão registrados em diversos retratos na casa de Henrique, e o pai, Augusto, só reforça a ideia de que os problemas são deixados de lado durante o trabalho. “Nosso traba-lho é coletivo, é em contato com o povo. Não é para ser formal, e sim divertido, até mesmo para superar o cansaço”, explica.

E apesar de todos os profissionais da coleta pos-suírem alguma história triste de desrespeito consigo durante os dias de trabalho, há também as boas re-lações criadas com as pessoas nos vários trechos de trabalho. O Patolinha elenca duas como exemplo: as vovós e as titias. “As ‘vovós’ são aquelas velhinhas que ficam sentadas na porta da sua casa quando pas-samos, e muitas sempre tem um pão, algum lanche para nos oferecer. Brincam com a gente, chamam de filhos. E as titias são sempre aquelas que também nos tratam com carinho, sempre tem uma água para a gente, ou libera a calçada pra tirarmos um descan-so enquanto o caminhão vai descarregar”, explica, considerando que esse tipo de relação é um dos ele-mentos especiais da profissão.

O dilema jurídico da profissão dos coletores de resíduos sólidos não é recente. A lei Geral de Greve nº 7.783/1989, no art. 10, afirma que “São considera-dos serviços ou atividades essenciais: VI - captação e tratamento de esgoto e lixo”, o que tipifica a coleta de lixo como essencial para funcionamento da so-ciedade, mas nenhuma outra lei trata com a mesma relevância a profissão dos garis. Incoerência ou não, Raimundo: impasse é justamente no transporte

Ícaro Novaes

as infrações que o atual modelo de coleta comete ex-põem a vida destes profissionais ao risco iminente de acidentes, e os tornam protagonistas e vítimas de uma história que nem eles conhecem - não o lixo, mas esse sim é o verdadeiro lado sujo da profissão.

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Funcionários da empresa Cavo transportados ‘pendurados’ em caçambas

Ícaro Novaes

Porta-retrato na casa de Augusto: Filho em pé à esquerda, e pai literalmente dentro do lixo

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ContextoEdição 50 Maio/2016

14 CIDADE 15

Construído para ser modelo, o Bairro 17 de março sofre com falta de infraestruturaApesar dos constantes anúncios de investimentos na região, a comunidade convive com obras abandonadas há anos

André Oliveira

INAUGURADO EM JUNHO DE 2010, O RESIDENCIAL 17 DE MARÇO BE-NEFICIOU FAMÍLIAS RETIRADAS

DE LOCAIS CONSIDERADOS DE RISCO. É o caso do Morro do avião, Arrozal e Ma-

rivan. Na ocasião, 956 unidades habitacionais entre casas e apartamentos foram construídas pela Prefeitura de Aracaju, numa parceria com os governos estadual e federal, através do Programa Minha Casa Minha Vida.

O bairro Novo, como ficou conhecido, pos-sui cerca de 10 mil habitantes, formando com mais nove comunidades a zona de expansão da capital. Apesar de ter sido construído para ser modelo, a localidade não possui escola pública, posto de saúde, posto policial, saneamento bási-co ou mesmo uma infraestrutura necessária para contemplar a população. A região que abrange o 17 de Março e o bairro Santa Maria, é fruto de ações emergenciais anunciadas na gestão do ex--prefeito Edvaldo Nogueira e pelo atual prefeito João Alves Filho.

Em visita ao local, a impressão é que essas pessoas vêm sendo jogadas” nessa região, sem a infraestrutura adequada ou ações sociais que possam suprir as suas demandas. Devido ao des-caso que são submetidos, os moradores necessi-tam constantemente das ações dos poderes pú-blicos.

Considerada como uma grande meta da ca-pital, diversas obras de estruturação têm sido anunciadas desde a última gestão e a atual. No período de quatro anos, R$ 35 milhões já foram anunciados como investimentos em obras na re-gião do 17 de Março. Mesmo assim, a comunida-de segue vivendo sem as melhorias prometidas. Até agora nenhuma obra foi totalmente conclu-ída e a construção da maioria se arrasta há anos. Segundo o Presidente da Associação de Mora-dores, Adriano Araújo, quando a atual adminis-tração municipal assumiu em 2012, os recursos para a realização das melhorias da infraestrutura do bairro estavam garantidos, inclusive com as obras em andamento. Porém, não houve conti-nuidade do projeto. Na opinião do líder comuni-tário, falta vontade da prefeitura para continuar com as obras. “O resultado é muita miséria. As ruas apresentam esgoto a céu aberto e com isso as crianças adoecem constantemente”, relata. Com a época das chuvas, o drama dos moradores da segunda etapa aumenta. As casas, ruas e terrenos são invadidos pela água. “Só pode ser má vontade ou incompetência”, afirmou Adriano.

Por outro lado, a Prefeitura de Aracaju por meio da Empresa Municipal de Urbanização (EMURB), explica que a falta de serviços pú-blicos essenciais na região do 17 de Março, já vem se arrastando desde administrações pas-sadas. Segundo o seu assessor de Comunica-ção, JoséLedivaldo, a atual gestão aumentou de forma significante os investimentos em infraestrutura na região. “Estão garantidos 13 milhões de reais por meio de um convênio com o Governo Federal, em contrapartida, o muni-cípio contribui com 10 por cento do valor da obra”, explica.

não tiveram a mesma sorte. A obra de infraestru-tura dessa parte do bairro foi iniciada em mar-ço de 2015, mas em pouco tempo foi paralisada pelo município. Apesar de ter sido orçada em 14 milhões de reais, das 40 ruas que completam a etapa apenas 2 estão concluídas. Enquanto o tra-balho não é reiniciado, os moradores são obriga-dos a conviver com o esgoto a céu aberto e um grande número de buracos que dificulta o trân-sito de ambulâncias e viaturas policiais. Além disso, o mato tomou conta das ruas e algumas estão semelhantes a um pântano, como mostra a foto. O ambiente é favorável para a proliferação de ratos, mosquitos e baratas, o que contribuiu para o aparecimento de doenças como dengue e chikungunya.

Moradora do bairro há quatro anos, a dona de casa Ângela Maria dos Santos, 53 anos, disse que em sua casa na rua 18, ninguém consegue dormir devido a tantos mosquitos. Ela clama por mais atenção da Prefeitura de Aracaju, e desaba-fa: “Não somos cachorros para viver nessas con-dições, só olham para nós em tempo de eleição, depois somem”. A assessoria de comunicação da EMURB voltou a justificar a paralização das obras da segunda etapa sob o ponto de vista de natureza técnica. Segundo o órgão, a região que compreende o bairro possui um lençol freático próximo da superfície. Com isso, existe o risco de após a realização da pavimentação das ruas, aparecer fissuras que comprometam a rede de drenagem.

Ultimamente, a prefeitura tem realizado ações paliativas em outras localidades da zona de expansão. É o caso, por exemplo, do Mosqueiro, que recebeu a terraplenagem na maioria das ruas, melhorando o tráfego de veículos e pedestres. A EMURB foi questionada o porquê de ações seme-lhantes não atingirem as ruas prejudicadas do 17

de Março. O representante do município admitiu que é penalizante para os moradores entrarem e saírem de suas casas em ruas tomadas pelo mato e o esgoto. Mas segundo ele, a prefeitura prefere abrir mão de ações paliativas para negociar com a empreiteira mais agilidade na obra. Uma situ-ação que deve se prolongar ainda mais, pois não existem canteiros de obras ou qualquer outro fa-tor indicando que houve ou haverá algum tipo de construção no local.

Escola Municipal De grande valor social, a construção da pri-

meira escola municipal na comunidade do 17 de Março é aguardada com grande expectativa. Or-çada em R$ 2,5 milhões, a obra encontra-se para-da, semelhante as outras construções que envol-vem o projeto de infraestrutura do bairro.

Segundo a associação de moradores local, 50% da obra foi realizada na gestão do ex-prefei-toEdvaldo Nogueira, apesar disso, a atual gestão não deu continuidade.

A autônoma Maria da Conceição, 43 anos, tem cinco filhos. Devido à ausência de uma es-colapública no 17 de Março, três dos seus filhos com idade de 13, 14 e 16 anos, precisam se des-locar até o bairro Suíça para estudar nas Escolas Freitas Brandão e Maria do Carmo. Segundo ela, o ônibus fretado pela prefeitura, pega as crian-ças perto de sua casa e transporta até as unidades escolares. “Mesmo assim, uma escola dentro do nosso bairro seria bem melhor”, afirmou a mãe dos estudantes.

A Emurb explicou que o atraso no repasse das verbas pelo Governo Federal, a dificuldade do município em cobrir os 10% acordado pelo convênio, são as principais causas no atraso da construção da escola. Devido a esse conjunto de fatores à Prefeitura não quis estipular um prazo para o retorno das obras.

Maternidade MunicipalCom um orçamento de R$ 12 milhões, a

construção da primeira maternidade municipal de Aracaju, caminha a passos lentos. O investi-mento é um dos mais cobrados pela população do 17 de Março e toda a zona de expansão, pois lá existe uma grande demanda pelo serviço.

Porém, a população dessa região deve es-perar ainda mais pela conclusão da obra. Ainda assim, a expectativa de Juliana dos Santos, 28 anos, é que a programação das obras retorne o mais rápido possível. Grávida de cinco meses, ela gostaria de evitar o deslocamento para uma ma-ternidade distante da sua casa, pois o seu marido atualmente está desempregado e não possui um transporte próprio.

O Presidente da Associação de Moradores, Adriano Araújo, fez questão de explicar que mes-mo com os recursos garantidos pela Caixa Eco-nômica Federal, o município precisa seguir um cronograma na construção da obra. Como não houve o cumprimento deste requisito, a prefeitu-ra tem dificuldade em receber os repasses do Go-verno Federal. “O que faltou foi força para exigir da construtora que cumprisse à risca o processo de construção da obra”, alegou Adriano.

Segundo o Assessor de Comunicação da

Emurb, a maternidade é, seria ou será um gran-demarco para a comunidade do de Março. A con-jugação do verbo pelo representante do órgão municipal, já indica o grau de incerteza que está submetida a construção da Maternidade Munici-pal. Ele afirmou ainda, que a empresa que inicial-mente ganhou a licitação para realizar o serviço, não cumpriu o contrato firmado com a prefeitu-ra. Dessa maneira, está em estudo um novo pro-cesso licitatório para a retomada da construção.

Revitalização e cobertura do canalIniciada na atual gestão municipal, é consi-

derada pela prefeitura uma das mais importantes obras estruturais da região. Além da construção da ponte que liga o bairro 17 de Março ao Santa Maria, o canal tem o objetivo de evitar os cons-tantes alagamentos, beneficiando as comunida-des da zona sul e zona de expansão.

Apesar de sua relevância, o atraso na obra é de oito meses. Os moradores temem que o aban-dono da obra possa causar uma tragédia. Segun-do eles, a ponte está sob um lago que mede 4 metros de profundidade e muitas crianças cos-tumam brincar próximo ao local. Outro risco é o que a comunidade chama de “piscinões”. Eles se formaram após as máquinas abrirem crateras para complementar o canal. Como não houve a conclusão da obra, as águas das chuvas acumula-ram no local, aumentando o perigo de acidentes. Segundo a EMURB, a obraestá em andamento, porém a reportagem esteve no local e não cons-tatou a presença de funcionários ou máquinas no local.

Reforma dos ApartamentosOs apartamentos pertencentes ao bairro 17

de Março, foram entregues aos moradores em 2011. Apesar da expectativa criada pelos proprie-tários que estavam saindo de locais sem as míni-mas condições de moradia, para a residência pró-pria, eles tiveram que conviver em imóveis com estrutura inacabada. Alguns não possuem sane-amento, ou qualquer estrutura no seu entorno, como um calçamento por exemplo. A EMSURB, por meio de sua assessoria explicou que os apar-tamentos foram entregues antes da conclusão, devido o risco de invadirem os imóveis antes dos donos tomarem posse. Porém, a prefeitura ini-ciou na atual gestão, a reforma e estruturação dos blocos de apartamentos. A assessoria disse ain-da que por problemas técnicos a obra foi parada, mas logo os trabalhos serão retomados. Contu-do, não quis estipular o prazo para o reinício.

Como reagiu a Comissão de Direitos Hu-manos da OAB

Em entrevista concedida a reportagem do Contexto, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado Thiago Oliveira, falou a res-peito do posicionamento da instituição em rela-ção aos problemas enfrentados pela comunidade do bairro 17 de Março.

A nova gestão da Comissão de Direitos Hu-manos da OAB, apesar de ter tomado posse re-centemente, informou que já teve acesso a todos os processos e procedimentos que estão trami-tando no conselho. Porém, não se deparou com

nada referente aos problemas do bairro 17 de Março, tomando conhecimento a partir do relato de nossa equipe de reportagem.

Segundo o advogado Thiago Oliveira, a Co-missão não atua somente quando é provocada, mas também, quando passa a ter conhecimento da situação. “Pode ter certeza que essa denúncia que foi colocada pelo Contexto, vai ser objeto de discussão na Comissão”, ressaltou.

No dia seguinte a entrevista, o presidente da Comissão entrou em contato com a reportagem do Contexto, e afirmou que havia encontrado o processo de nº 277-2013, acionado pela Associa-ção de Moradores do 17 de Março. Afirmou ainda, que vai atuar no caso com força total. “Tenham certeza, que ainda este mês, vou agendar uma visita ao local”, enfatizou. Dois pontos específi-cos devem ser analisados pela Comissão da OAB. O primeiro, se refere às questões que envolvem os direitos humanos. Como foi mostrado nessa reportagem, devido à falta de serviços de sane-amento, alguns moradores vivem em condições desumanas. O segundo, trata das denúncias que envolvem o mau uso de recursos públicos. Para o presidente da Comissão, existe no mínimo um despreparo da administração pública para com o bairro 17 de Março. “O que foi prometido para ser um bairro modelo em Aracaju, está longe de ser cumprido”, afirmou.

O representante da OAB, fez duras críticas a maneira como o poder público vem estruturan-do o crescimento da cidade. Na opinião dele, o que existe nas gestões públicas é a falta de com-preensão do que é planejamento urbano, e, con-sequentemente, uma incapacidade de execução desses processos. “Aracaju já deveria ter aprendi-do a compreender quais são as prioridades exis-tentes,” analisou o advogado.

Para reforçar o que foi tratado anteriormen-te, ele relatou que nos períodos chuvosos, um dos bairros de classe média, localizado na zona nobre de Aracaju, costumava ficar alagado pela falta de infraestrutura. No entanto, houve uma resposta eficiente do poder público, resolvendo o problema em menos de um ano. Por outro lado, os problemas de infraestrutura do bairro 17 de Março, se arrastam por quase 5 anos, e não é ob-servada a mesma agilidade por parte dos gover-nos no intuito de resolver a situação.

“Talvez as desculpas de incapicidade técni-ca, seja um escudo para esconder uma falta de vontade politica”, completou Thiago.

Em relação aos caminhos a serem percor-ridos pela Comissão de Direitos Humanos, o presidente, Thiago Oliveira, falou sobre os pro-cedimentos que serão adotados pela instituição. Inicialmente, ele falou da importância em for-malizar as denúncias através das associações dos moradores do 17 de Março. Logo após, a OAB fará uma tentativa de diálogo com os órgãos respon-sáveis pelas obras, com o objetivo de receber uma resposta oficial deles. Contudo, deixou claro, que as comissões não tem autonomia para entrar com ações judiciais, caso seja necessário. As denún-cias são levadas pelas Comissões para o Conselho da OAB, que aprova ou rejeita a questão.

Sem esgotamento sanitário, as ruas da segunda etapa, aguardam infraestrutura

A Emurb reconhece que algumas obras não estão no ritmo mais adequado, pois boa parte delas está passando por novos levantamentos técnicos. Disse ainda, que diferente do que afir-mou a Associação de Moradores do bairro, os re-cursos destinados às obras não vão para a conta do Município. São oriundos em grande parte do Governo Federal, que libera o dinheiro de acor-do com o andamento das obras. “Se ocorre algum problema de ordem técnica durante a execução, o banco retém a verba e só libera após eles serem sanados”, afirmou o assessor de comunicação.

A reportagem do contexto questionou so-bre quais são esses problemas de ordem técnica que têm contribuído para o atraso das obras no bairro 17 de Março. A assessoria do órgão muni-cipal explicou que para a realização de obras de drenagem, pavimentação, esgotamento sanitário numa região que até pouco tempo era inabitada, é necessário a realização de estudos de impactos ambientais, tendo em vista mexer com a estrutu-ra do solo. Porém, as empresas contratadas pela prefeitura iniciaram os trabalhos sem o devido estudo ambiental.

Segundo foi apurado pela reportagem, no dia 06 de fevereiro do ano passado, a Adminis-tração Estadual do Meio Ambiente (ADEMA), concedeu a licença ambiental necessária para o início das obras de infraestrutura.

Sete obras estruturais fazem parte do projeto de melhorias das condições de melhorias de vida da população do 17 de Março. No entanto, apenas duas estão em andamento.

Saneamento e pavimentação das ruas da segunda etapa

Na inauguração do bairro 17 de Março, as ruas da primeira etapa foram entregues com es-trutura de esgoto sanitário e calçamento asfálti-co concluídos. Os moradores da segunda etapa,

André [email protected]

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ContextoEdição 50 Maio/2016

16 CIDADE 17

O hábito da sujeira e a falta de conscientização nos terminaisAlém da sujeira recorrente, os terminais do transporte coletivo da capital e grande Aracaju sofrem com a falta de segurança e infraestrutura.

Terminal Centro

VAI ENTRAR NO BANHEIRO? TAPA O NARIZ QUE ISSO AI TA INSUPORTÁVEL.

Foi assim que fui recebido por um mo-torista no Terminal do Dia, ao perceber que eu iria me aventurar naquele espaço. Sendo que, diariamente, cerca de 230 mil pessoas utilizam o transporte público em Aracaju. Assim, pressupõe-se que um numero pa-recido de pessoas utilizam os terminais de ônibus, segundo a assessoria de imprensa da Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT).

De acordo com a assessoria da SMTT, não existe uma verba específica para a ma-nutenção dos terminais. “A Taxa de Geren-ciamento Ônibus (TGO) é uma das fontes que ajuda a manter o sistema integrado de ônibus. Recentemente ela teve seu percen-tual reduzido de cinco para dois por cento, os quais são repassados para as prefeituras que fazem parte do sistema, Socorro, Barra dos Coqueiros e Aracaju”, afirma o assessor de comunicação Flávio Lima. Dados que o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Município de Aracaju (Se-transp) também confirma, através da asses-sora de comunicação Raissa Cruz, alegando que os custos incidem em uma taxa na tarifa de ônibus para servir à manutenção dos ter-minais e pontos.

Mas, quem passa todos os dias por es-tes ambientes não consegue encontrar onde foram realmente depositados estes investi-mentos financeiros da administração muni-cipal. Isso incomoda quem usa o transporte púbico, mas também os cobradores e mo-toristas dos ônibus, que só têm como usar os banheiros dos terminais durante o traba-lho.

A situação é tão complicada que muitos dos que trabalham e convivem nos terminais preferem não se identificar ao fazerem estas denúncias. Eles reclamam do abandono e da sujeira presentes em quase todos os banhei-ros, além de problemas na estrutura desses locais. “Tem que entrar a pulso aí mesmo, para urinar ou qualquer outra coisa. Isso aí conserta e os caras quebram. Pode conser-tar hoje que amanhã tá quebrado. Tem que prender a respiração e entrar. Mas o que a gente pode fazer?”, questiona o motorista Manoel Barroso, 41. Contudo, diante de tan-tos pontos e fatos, de quem é realmente a responsabilidade da manutenção e limpeza dos terminais de integração de Aracaju?

Segundo a própria assessoria, é de res-ponsabilidade da SMTT a manutenção contí-nua dos terminais de integração. A Setransp e as empresas de ônibus ficam incumbidas de contratar os funcionários que fazem a limpeza diária nesses espaços. Já da Guarda

Pichações e depredamentos são comuns no Terminal Zona Oeste

Denner [email protected]

Denner Perazzo

Municipal, espera-se que garantam a segu-rança do patrimônio e dos que ali transitam. Mas, principalmente, é de responsabilidade de todos a preservação desses espaços. E quando digo todos, me refiro precisamente ao significado literal da palavra.

Infelizmente, são poucos os que pensam o mesmo. “O povo é mal educado. Come coi-sa aqui no terminal e joga no chão. Tem até um menino que limpa aqui, mas não adian-ta muito, não”, afirma uma vendedora, que convive com isso diariamente no Terminal Centro e preferiu não se identificar. Já para Jéssica Luana, 26, a resolução do problema é simples. “Ter uma melhor administração”, afirma. Isso mostra a dualidade do proces-so.

“Não!”. Essa foi, de forma unânime, a resposta da população quando perguntada se usaria o banheiro dos terminais. “Eu pre-firo usar o da rodoviária aqui do lado, é mais limpo. O daqui do Centro cheira mal e geral-mente está sujo”, conta-nos uma vendedora no Terminal Centro, que também não quis se identificar. Seja sem assento ou tornei-ra, os banheiros dos terminais sempre estão depedrados e quase inutilizáveis. Como res-ponsável, a SMTT, por meio de sua ASCOM, afirma que constantemente são feitas me-lhorias e reformas nesses espaços, mas que não são conservados.

ReformasEm abril do ano passado, houve uma

parceira entre o Setransp e a SMTT para que as empresas fizessem um breve reparo nos terminais, reformando os banheiros, a parte elétrica para iluminação, instalação de câmeras de segurança e a criação de lo-cais apropriados para os comerciantes que atuam no local. Isso foi feito em todos e as reformas duraram até julho de 2015. No en-tanto, em relação a periodicidade dessas re-formas, o assessor da SMTT, diz que são de acordo com as necessidades e disponibilida-de de recursos.

Além da clara necessidade, as reformas têm que ser feitas com objetivo de huma-nizar o ambiente dos terminais, tornando-o mais agradável para quem usa o ônibus cole-tivo, e esperando contar com a sensibilidade da própria sociedade para defesa da preser-vação do patrimônio público, coisa que não vemos.

VandalismoVandalismo é o principal problema

apontado pela assessora de comunicação da Setransp, Raissa Cruz, pois os banheiros são reformados e logo depredados, deixando claro que parte da população também con-tribui para o descaso, pois os reparos de-frontam em sequência casos de vandalismo. Ainda de acordo com Raissa, todos os ter-minais no dia seguinte da conclusão dos re-paros sofreram vandalismos, e muitos pre-cisaram ser reformados três vezes seguidas em um curto espaço de tempo, de um a dois meses, por exemplo. Infelizmente, é exata-mente o que se vê nesses terminais e das ati-tudes vindas por parte da população.

Diante de toda essa situação recorrente, só quem continua a perder é o usuário do sistema que paga uma tarifa de R$ 3,10 por um serviço que, infelizmente, se apresenta cada vez mais problemático. Apesar de sa-bermos que há uma tentativa de se fazer algo pelo poder público a fim de alterar este ce-nário, os problemas continuam os mesmos, a recorrência dos atos ilícitos apresentam avanços mensais, demonstrando que não é o suficiente. Como se não bastasse a falta de segurança desses espaços, a estrutura e sa-lubridade permanecem fragilizadas e causa desconforto para quem necessita transitar diariamente pelos corredores escuros, mal cheirosos e sujos, sem nenhum tipo de mo-nitoramento eletrônico, independente de ter, ou não, viaturas da Guarda Municipal nas extremidades dos terminais ou um pos-to da própria, ao lado do Terminal do Mara-caju, por exemplo.

Pode não parecer, mas há fiscalização nesses espaços. O município fica apenas com a fiscalização (guardas municipais e fiscais). “O vandalismo e a depredação são os responsáveis diretos pela atual situa-ção física dos terminais de integração. As rondas nesses espaços públicos acontecem constantemente, porém não há a possibili-dade de alocar diversos guardas municipais em todos os pontos de todos os terminais. Essa questão é muito mais de educação do que propriamente de aumento de fiscais e ou guardas municipais”, afirma Rogério Cesar Santos, assessor de comunicação da Guarda Municipal de Aracaju. Porém, o dano pelo não atendimento digno dos consumidores--usuários, em terminais de integração de

Aracaju, atinge toda a coletividade de usuá-rios, que necessitem, ou não, do transporte urbano.

Pela recorrência dos atos contra o am-biente e vandalismo nos terminais, é indis-cutível a falta de reconhecimento da própria sociedade da importância do ecossistema como um dos problemas ao se mensurar o valor do dano ambiental. “Duas vezes por dia eu limpo isso aqui, sendo que tem dois funcionários em cada terminal. Maior pro-blema mesmo é o vandalismo, ja presenciei de tudo. Fora que a populaçãonão não cola-bora, eu limpo e eles jogam no chão, igno-rando a lixeira. Se eles nos ajudassem nisso, seria muito mais fácil. Só é a gente sair para varrer o resto do terminal, quando volta está tudo sujo”, relata um dos responsáveis pela limpeza do terminal Zona Oeste, que tam-bém não quis se identificar, por medo de perder o emprego. E, por incrível que pare-ça, esse tipo de relato é bastante comum. Até pela própria população. Utilizando o vanda-lismo como seu o principal argumento, o as-sessor da SMTT ainda ressalta que tem de haver educação, conscientização por parte de quem usa. “Infelizmente no Brasil existe a cultura de que o patrimônio público não tem dono, não é de ninguém, por isso não deve ser preservado. Esquecemos que paga-mos por tudo que usamos, seja de forma di-reta ou indireta”. Ainda segundo o mesma, a Guarda Municipal de Aracaju vem realizan-do nos terminais ações preventivas.

Porém, há punição para esses parte au-todestrutiva da população. Segundo o Códi-go Penal Brasileiro, parágrafo 163, qualquer atitude de pichação, destruição ou violência ao patrimônio público é crime. Para denun-ciar situações desse tipo, basta ligar para a Polícia Militar ou para a Guarda Municipal e relatar os fatos. “As pessoas que são f la-gradas depredando o patrimônio público in-correm no crime de Dano Qualificado com pena de detenção de seis meses a três ano e multa. A solução para esse problema passa diretamente pela educação e participação

da população denunciando os indivíduos que praticam esses ato criminoso que preju-dica todos os usuários do sistema de trans-porte público”, sugere Rogério Cesar Santos, assessor da GMA.

Ciclo Vicioso Essa má relação homem-ambiente se

tornou um ciclo vicioso. A falta de agentes multiplicadores dentro da própria popula-ção, para fiscalizar e conscientizar quem está prejudicando o meio ambiente, é níti-da. Pouquíssimos são os que se preocupam em procurar a lixeira mais próxima.

Através da educação ambiental, é possí-vel quebrar paradigmas e instituir uma nova cultura ambiental nos espaços. A educação ambiental tem papel fundamental na for-mação dos cidadãos e deve estar presente em todas as etapas da vida. Para o assessor de comunicação da SMTT, Flávio Lima, a prevenção e coibição em relação aos vânda-los deve ser feita por todos, e não apenas pela Guarda e a Polícia Militar. “A imprensa, as instituições de ensino e principalmente a família.

Os instrumentos ou equipamentos de uso coletivo, geralmente são mantidos e administrados pelo Poder Público. Conse-quentemente mantidos pelo dinheiro do próprio usuário. Quando ele quebra o vaso de um banheiro público, automaticamente ele está destruindo algo que foi comprado com o dinheiro dele”.

Mas, como sabemos, não são só esse tipo de vândalo que utiliza os terminais. “É caso da população se conscientizar também. Não adianta nada limparem aqui, reformarem e parte da população não colaborar, seja jo-gando lixo no chão ou pixando, tudo dá no mesmo no final das contas.

Então, acho que tem que haver essa conscientização por nossa parte também”, diz o estudante Deivid, 25. E quando ele diz ‘nossa’, está se referindo a população comum. A população que reclama e o seu comportamento e hábitos para com o am-biente.

Denner Perazzo

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ContextoEdição 50 Maio/2016

1918 CIDADE

Descaso e abandono essa é a realidade dos moradores em situação de rua da grande Aracaju

Atualmente, quase duas mil pessoas sobrevivem nas ruas, à mercê de um Estado negligente, que opera com olhos vendados. A situação, porém, é amenizada por ações de filantropia

Beatriz [email protected]

ELES VIVEM ESPALHADOS POR PRAÇAS, AVENIDAS, CANTEI-ROS OU QUALQUER TIPO DE

ESPAÇO QUE SIRVA DE ABRIGO PARA PASSAR A NOITE.

Não é difícil caminhar por ruas e avenidas e encontrar pessoas que vivem à mercê da socieda-de, contando com ajuda de outrem para sobre-viver. A comida, geralmente é obtida depois de horas a fio andando e pedindo a um e a outro, centavo por centavo, para juntar e comprar uma quentinha, ou qualquer coisa que o dinheiro dê. Banho é algo que não ocorre com a frequência necessária para manter o mínimo de higiene, e geralmente são feitos em postos de gasolina ou em algum banheiro pú blico encontrado pelo meio do caminho. A dormida é em cima de pape-lões ou lençóis encontrados no lixo ou doado por alguma alma solidária. Essa é a situação de mil-hares de pessoas em todos os cantos do mundo, e a situação de cerca de 400 pessoas em Aracaju, segundo dados da Prefeitura.

Vários fatores podem levar uma pessoa à adotar as ruas como um lar, tais como envolvi-mento com álcool e/ou drogas, transtornos psi-cológicos, depressão, falta de emprego, e mesmo o abandono familiar. Em Aracaju, os principais pontos de concentração dessas pessoas são pon-tes e viadutos, como o Hotel Aperipê, na Atalaia, o “Casarão do Parque”, como é conhecido o Hotel Serigy, localizado no Centro; embaixo da ponte Aracaju-Barra, praças como a Olímpio Campos e Praça da Bandeira, localizadas no centro, Praça da Cruz Vermelha, no bairro Getúlio Vargas, mo-radias improvisadas na Orlinha do bairro Indus-trial, além das ruelas distribuídas pelos diversos bairros da capital.

Para a psicóloga Catiele Reis, o fato de tantas pessoas estarem em situação de rua se deve a di-versos fatores, que não poderiam ser analisados sob o mesmo viés. “É impossível listar aqui ape-nas uma explicação. Durante a experiência que tive no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) era comum um usuário estar em situação de rua por dois fatores diferentes: a família não aceitar o consumo excessivo ou dívidas. Esta levava o usuário a ir para as ruas prezando sua segurança”, comenta.

Já para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Dr. Thiago Oliveira, o pro-blema dessa parcela da população é muito mais grave, embora a sociedade prefira apontar ape-nas um ou outro motivo. “Podemos pegar desde a desassistência do Estado às famílias, à ausência de políticas de educação, saúde, assistência so-cial, segurança pública, esporte, lazer e cultura, que é a origem, já que estamos num estado de-mocrático de direito, e nele tem direitos garan-tidos na constituição. O caminho mais fácil é colocar a culpa na pessoa que está vivenciando essa situação ou colocarmos a culpa nas famílias, quando na verdade o problema é mais comple-xo”.

Assistência municipal Em Aracaju, o trabalho de assistência às

pessoas em situação de rua oficialmente é oferta-do pela esfera governamental, quer seja por meio da gestão municipal ou algum tipo de parceria com o Governo do Estado. De acordo com a as-sessoria de comunicação da Secom, o município, juntamente com outros órgãos como a Secreta-ria Municipal da Família e da Assistência Social (Semfas) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), promovem ações de intervenções com abordagens sociais contí-nuas com o intuito de identificar as pessoas em situação de rua e encaminhá-las para serviços da rede socioassistencial. O principal centro de as-sistência e acolhimento do município é o Centro Pop, local onde é feito o Cadastro Único e todo o processo de acolhimento, que engloba o mo-mento de saída das ruas e encaminhamento para albergues (quando há vagas); cadastro no Bolsa Família - um auxílio no valor de R$70,00; onde é iniciado o processo de busca por familiares e por vezes, disponibilização de passagem para os que querem voltar para sua cidade natal (se houver verba).

Em entrevista, o Técnico de Referência de Média Complexidade da Secretaria de Estado da Inclusão, Assistência e do Desenvolvimento Social, Felipe Pereira Oliveira, afirmou que as pessoas em situação de rua acolhidas por insti-tuições, como o Centro Pop, tem direito a rece-ber diversos benefícios custeados pelo governo e município, como a inscrição no cadastro úni-co, que é de responsabilidade municipal, trans-

ferência de renda, como o Bolsa Família, Prona-tec, Carteira do Idoso, aposentadoria para pessoa de baixa renda, isenção de pagamento de taxa de inscrição em concursos públicos e inscrição no Minha Casa Minha Vida.

Segundo a assistente social do Centro Pop, Maria da Glória, hoje, quase duas mil pessoas estão cadastradas na instituição, que oferece atendimento a cerca de 300 por mês. Lá são dis-ponibilizados alguns serviços, como banho, café da manhã com distribuição de senha (limite de cinquenta pessoas por dia), de segunda a sexta; distribuição de senhas para almoço no restau-rante Padre Pedro (número de senhas também é limitada), acompanhamento psicopedagógi-co, orientação jurídico-social; encaminhamen-to para retirada de documentação e para rede de serviços de acordo com as necessidades dos usuários (saúde, educação, moradia) e encamin-hamento para unidades de acolhimento institu-cional.

Fraturas e problemasSegundo dados da prefeitura, em 2013, cerca

de 592 pessoas viviam em situação de rua. De lá pra cá, esse número foi reduzido para aproxima-damente 400, informação oposta aos dados di-vulgados pelo Centro Pop, onde quase 2000 pes-soas estão cadastradas como pertencentes à esta mesma situação, e informação não disponibiliza-da pela Secretaria de Estado da Inclusão, Assis-tência e do Desenvolvimento Social. Segundo o ambulante Nilson dos Santos, 48, que residen-te embaixo da ponte Aracaju-Barra há cerca de doze anos, desde que veio morar na rua, nenhum

representante do Estado ou prefeitura esteve no local para oferecer algum tipo de ajuda ou mes-mo para informar sobre direitos que lhe são as-segurados e presentes na Constituição. Segundo o mesmo, além de não ajudar, funcionários da prefeitura aparecem esporadicamente com man-datos de retirada e obrigam todos a desocuparem o local. “O pessoal da prefeitura já nos expulsou umas quatro vezes. Eles recolheram tudo, a rou-pa da gente, até nossos documentos. Disseram que era para desocuparmos porque aqui não é lugar pra gente ficar”, relata.

Além da incompatibilidade nos números, outro fator que chama atenção é a falta de estru-tura oferecida pelo município e pelo estado, que embora disponibilize centros de acolhimento e trabalhos integrados entre assistentes sociais, defensores públicos e conselheiros tutelares, não oferece condições para abarcar essa população que tem crescido cada vez mais.

Apesar de os centros realizarem os acolhi-mentos, a falta de vagas em albergues e pensões públicas faz com que os moradores de rua que procuram ajuda do município acabem retornan-do às ruas, ou ocupem locais públicos, como foi o caso do Hotel Serigy, onde 10 famílias - cerca de 110 pessoas - apropriaram-se do imóvel e manti-veram residência até o ano de 2015, quando uma determinação do juiz Dr. Marcel de Castro Brito, da 11ª Vara Cível instituiu a reintegração de posse, tendo a determinação sendo feita no ano de 2013, e só cumprida em junho do ano passado.

Outro local que chamou atenção das auto-ridades pela apropriação inadequada foi a ponte Aracaju-Barra, onde usuários de drogas monta-ram abrigos improvisados que contavam com móveis, aparelhagem eletrônica e fiação elétrica. Representantes da prefeitura, acompanhados de agentes da Emsurb fizeram o recolhimento dos materiais e abordagem dos moradores presentes no local. Segundo a assessora de comunicação do órgão, Cristina Rochadel, a ação dos agentes da

instituição foi basicamente de recolhimento do lixo, e que os frequentadores do local não esta-vam em situação de rua, tratava-se de moradores das redondezas que possuíam casa e utilizavam aquele espaço apenas para consumo e venda de drogas.

Exemplos de cidadaniaAlém das gestões estadual e municipal, ou-

tra fonte de auxílio direcionado às pessoas em situação de rua são as organizações filantrópicas, que se unem com a missão de ajudar ao próximo sem interesse financeiro. Um exemplo é o Café por Amor, um grupo de amigos organizado e coordenado pelo consultor de serviços automo-bilísticos Clóvis Melo, que há quatro anos cum-pre a missão de ajudar pessoas em situação de rua, levando alimento, como pães, café e frutas, que são distribuídas uma vez por semana (aos domingos), em diversos pontos da cidade.

Durante a distribuição do café, é possível conhecer diversas personalidades, como a Dona Neide, 37 anos e moradora de rua à cerca de cinco. Natural de Pernambuco e mãe de um filho, Dona Neide abandonou a família e sem rumo, escolheu Aracaju para sua nova estadia, e onde montou um barraco improvisado embaixo de uma árvore, ao lado da praça da Cruz Vermelha.

A ambulante comenta que não recebe nen-hum tipo de ajuda do governo ou prefeitura, e mesmo com as visitas esporádicas de assistentes sociais, tendo sido a última, há cerca de seis me-ses, nenhum deles, de fato, fez algo para ajuda-la. “Eu moro na rua porque não tenho casa e nem família aqui”. Questionada se tem vontade de sair das ruas e ter uma casa, ela prontamente respon-de: “Todo mundo quer uma casa né?”

Outra figura encontrada nas ruas de Aracaju é o George dos Santos, 47 anos, há cinco nas ruas. A opção de ter uma moradia improvisada na Or-linha do bairro Industrial se deu após uma série de acontecimentos em sua vida, como a morte dos pais, o afastamento de seus irmãos, que mo-

ram em São Paulo, uma difícil separação da es-posa e o consequente abandono dos filhos. Ques-tionado sobre o que faz para conseguir alimento, o autônomo comenta que vez ou outra vai ao Centro Pop, onde consegue o café da manhã, um ticket de almoço para o restaurante Padre Pedro e onde pode tomar banho. Além disso, trabalha com transporte de pequenas cargas, que faz num carrinho de mão doado pelos voluntários do Café por Amor.

Esses são reflexos da vida de milhares de bra-sileiros espalhados por todos os lugares país, que enfrentam uma luta diária para manter-se vivo e conseguir ao menos realizar as necessidades bá-sicas, como tomar banho, comer e arranjar um lugar para dormir.

Esse problema se agrava graças à insufi-ciência no atendimento oferecido pelos pode-res competentes (município e Estado), que são debilitados e não chegam nem a metade dessa população que se vê dependente da caridade al-heia, que muitas vezes não acontecem, graças à uma cultura de preconceito disseminada desde sempre, onde as pessoas não se dão o trabalho de pensar nos possíveis motivos que levaram àquela pessoa a morar na rua, e acredita que o mesmo pode ser um marginal ou usuário de drogas, que não merecem ser inseridos no âmbito social, e muito menos, receber ajuda.

Esse pensamento retrógrado se transforma em ações criminosas praticadas numa frequên-cia assustadora. Não é difícil ver notícias sobre moradores de rua violentados, queimados, agre-didos e até mesmo assassinados. Em contrapar-tida, ainda é possível ver uma luz no fim do túnel com as ações de grupos e instituições filantrópi-cas, que se preocupam em levar um alento para quem mais precisa, doando roupas, comida, brinquedos e levando uma palavra de conforto, que está longe de resolver o problema, mas ame-niza a dura realidade e significa muito para quem tem tão pouco.

Sérgio Costa

Voluntários do Projeto café por amor distribuem café da manhã

Beatriz Bomfim

Dona Neide, 37, natural de Pernambuco há cinco adotou às ruas de Aracaju como lar

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ContextoEdição 50 Maio/2016

21

ANTES DEPOIS

Financiamento misto: dinheiro público do fundo partidário e do tempo de TV e doações de pessoas físicas e empresas para candidatos e par-tidos.

Governadores, prefeitos e presidente da Re-pública podem se reeleger para um novo man-dato.

5% do fundo partidário é distribuído a todos os partidos existentes, que também têm acesso ao tempo de rádio e TV.

O candidato a deputado estadual, distrital ou federal precisa ter 21 anos.

A idade mínima para concorrer aos cargos de governador e vice é de 30 anos. A idade míni-ma para concorrer ao cargo de senador pe de 35 anos.

Não há regras de fidelidade partidária na Constituição.

Um projeto de iniciativa popular precisa da assinatura de 1% do eleitorado nacional para ser apresentado à Câmara, obtidas em pelo menos cinco estados, com um mínimo de 0,3% dos elei-tores de cada um deles.

A votação atualmente é totalmente eletrôni-ca.

A cada dois anos é eleitra a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

A Constituição não define normas de vigên-cia para as resoluções.

Não há janela para desfiliação na Constitui-ção.

Empresas só poderão doar a partidos. Pes-soas físicas poderão doar para candidatos e par-tidos. Manteve-se o dinheiro público do fundo partidário e do tempo de televisão.

Acaba com a reeleição para os cargos do Exe-cutivo. Os eleitos em 2014 e 2016 poderão se ree-leger se aptos pela regra atual.

Só poderão receber dinheiro do fundo e usar o horário eleitoral gratuito partido que concorrer com candidatos próprios e eleger ao menos um parlamentar.

Para se candidatar a deputado, o cidadão precisará tem 18 anos.

Para concorrer aos cargos de senador, gover-nador e vice, o candidato precisará ter 29 anos.

Os casos de mudança de partido sem perda de mandato ficam mais restritos.

A apresentação do projeto de iniciativa po-pular ficou mais fácil, com a redução do número de assinaturas.

Passa a existir uma versão impressa do voto de cada eleitor para conferência.

Os mandatos das Mesas serão de 2,5 anos e a recondução é vedada mesmo entre legislaturas diferentes.

Somente fatos ocorridos depois de 18 meses da data prevista para a vigência de uma resolução é que serão submetidos a suas normas.

Políticos poderão mudar de partido sem per-da do mandato, e a legenda da qual se desfiliou não perderá tempo de rádio e TV ou Fundo Par-tidário.

XFINANCIAMENTO DE CAMPANHA

REELEIÇÃO

CLÁUSULA DE DESEMPENHO

IDADE MÍNIMA PARA DEPUTADOS

IDADE MÍNIMA PARA GOVERNADORES E SENADORES

FIDELIDADE PARTIDÁRIA

PROJETOS DE INICIATIVA PARTIDÁRIA

VOTO IMPRESSO

MANDATOS DAS MESAS

RESOLUÇÃO DO TSE

JANELA PARA DESFILIAÇÃO

Resumo do novo calendário eleitoral

CONVENÇÕES De 20 de julho a 5 de agosto do ano da elei-

ção.REGISTRO

15 de agosto do ano da eleição.

DURAÇÃO DA CAMPANHA ELEITORAL

45 dias.

PROPAGANDA ELEITORALA partir de 15 de agosto do ano da eleição.

VEDAÇÃO ÀS EMISSORAS DE TRANSMITIR PROGRAMA APRE-SENTADO OU COMENTADO POR QUEM VENHA A SER CANDIDATO

30 de junho do ano da eleição.

PROPAGANDA ELEITORAL GRA-TUITA NA TELEVISÃO E NO RÁDIO

35 dias anteriores à antevéspera das elei-ções.

E para quem trabalha nas eleições com car-ros de som e etc, agora terão que contribuir com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) como contribuinte individual.

20 POLÍTICA

Minirreforma Política entra em vigor Sancionada e homologada em 2015, pela Presidente Dilma Roussef, minirreforma política começa a valer

Jennifer Cristina [email protected]

MINIRREFORMA POLÍTICA VIGORA A PARTIR DESTE ANO, COM ELA SOFREM ALTERAÇÕES SIGNIFICATI-VAS AS LEIS DE PARTIDOS POLÍTICOS (L. 9.096/95), A

LEI DAS ELEIÇÕES (L. 9.504/97) BEM COMO, O CÓDIGO ELEITO-RAL (L. 4.737/65).

As principais mudanças nas eleições de 2016 em relação às majoritárias de 2014 foram determinadas pelo Projeto Reforma Política, aprovado no Congresso e sancionado pela presidente Dilma Rousseff ainda em 2015.

As novas regras eleitorais trazem medidas que, devem reduzir o custo das campanhas, como a limitação de cabos eleitorais, em 2014, por exemplo, foram gastos 5 bilhões de reais, alcançando 11% de aumento em relação a 2012, segundo dados declarados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), entre as ações propostas para diminuir os gastos eleitorais, que agora viraram lei, também está a limitação das despesas com alimentação e combustível nas campanhas. O texto proíbe ainda o “envelopamento de carros” com ade-sivos.Além disso, o projeto acabou com o chamado “candidato secreto” – pessoas que, às vésperas da eleição, substituem candidatos que tiveram o

registro eleitoral impugnado pela Justiça. O que ocorreu em São Cristóvão nas eleições de 2012, o candidato Armando Batalha respondia processo judi-cial e teve sua candidatura impugnada pelo TRE horas antes do pleito, para não perder a participação no pleito fez a indicação da sua esposa Rivanda Batalha, que foi eleita, com a nova lei, a troca de candidatos só poderá ser feita até 20 dias antes das eleições.

A nova lei também autoriza que políticos que receberam punição da Justiça Eleitoral parcelem a multa em até 60 vezes, desde que cada parcela não ultrapasse o limite de 10% de seus rendimentos.Com a nova legislação, quem fizer boca de urna poderá receber pena de prisão, pagar multa e ser processado. Atualmente, a prisão pode ocorrer, mas fica a cargo da autori-dade policial que realizar o flagrante.

O projeto sancionado por Dilma assegura que manifestações em re-des sociais não serão consideradas campanha e que o autor de ofensa na internet poderá responder pelo ato nas esferas civil e criminal. Além disso, a nova legislação autoriza a realização de comícios até a madrugada do dia das eleições.

CABOS ELEITORAIS

Podem ser contratados como cabos eleitorais um número limite de trabalhadores de até 1% do eleitorado por candidato nos municí-pios de até 30 mil eleitores. Nos demais, é permitido um cabo elei-toral a mais para cada grupo de mil eleitores que exceder os 30 mil.

PROPAGANDA EM CARROSSó com adesivos comuns de até 50 cm x 40 cm ou micro perfurados no tamanho máximo do para-brisa traseiro. “Envelopamentos” es-tão proibidos.

PROPAGANDA EM VIAS PÚBLICASPermitidas bandeiras e mesas para distribuição de material, desde que não atrapalhem o trânsito e os pedestres. Bonecos e outdoors eletrônicos estão vetados.

REDES SOCIAISA campanha nas redes sociais estará liberada, mas é proibido con-tratar direta ou indiretamente pessoas para publicar mensagens ofensivas contra adversários.

SUBSTITUIÇÃO DE CANDIDATOSFica limitada a substituição de candidatos. O pedido de troca deve ser apresentado até 20 dias antes do pleito (excetuado caso de mor-te). A foto do candidato será substituída na urna eletrônica.

HORÁRIOS DE COMÍCIOSComícios de encerramento de campanhas podem ir até 2h da ma-drugada. Nos demais dias, das 8h à meia-noite. Nas eleições ante-riores, os comícios de encerramento de campanha também deviam acabar à meia-noite.

ADESIVOS EM CARROSSerão permitidas, mas só com adesivos comuns de até 50 cm x 40 cm ou micro perfurados no tamanho máximo do para-brisa trasei-ro. “Envelopamentos” estão proibidos.

DISTRIBUIÇÃO DE TEMPO DE PROPAGANDA ELEITORAL

A lei tira a exigência de que todo o tempo de propaganda seja dis-tribuído exclusivamente para partidos ou coligações que tenham representação na Câmara. O texto mantém uma parcela da distri-buição do tempo para ser dividida entre partidos representados na Câmara, proporcionalmente ao tamanho da bancada, e impede que um parlamentar que migre de sigla transfira o tempo para o novo partido.

TEMPO DE CAMPANHA

A duração da campanha eleitoral fica reduzida de 90 para 45 dias.

GASTOS NAS CAMPANHASPara presidente, governadores e prefeitos, pode-se gastar 70% do valor declarado pelo candidato que mais gastou no pleito anterior, se tiver havido só um turno, e até 50% do gasto da eleição anterior se tiver havido dois turnos.

PERÍODO DE PROPAGANDA ELEITORAL NO RÁDIO E NA TV

Diminuiu de 45 para 35 dias.

TAMANHO DA PROPAGANDA NA TVNas eleições municipais, no primeiro turno, serão dois blocos de 10 minutos cada, para candidatos a prefeito. Além disso, haverá 80 minutos de inserções por dia, sendo 60% para prefeitos e 40% para vereadores, com duração de 30 segundos a um minuto.

PUNIÇÃO POR REJEIÇÃO OU NÃO PRESTAÇÃO DE CONTAS

O partido passa a não mais ser punido, somente o candidato em questão pode ter o registro suspenso.Teto de gasto de campanha de prefeito em município com até 10 mil habitantesAté R$ 100 mil.

TEMPO DE FILIAÇÃO PARTIDÁRIA PARA CANDIDATU-RA

Exigida filiação por ao menos seis meses antes das eleições.

PROPAGANDA “CINEMATOGRÁFICA”Nas propagandas eleitorais, não poderão ser usados efeitos espe-ciais, montagens, trucagens, computação gráfica, edições e dese-nhos animados.

VEÍCULO COM JINGLESFica proibido o uso de qualquer tipo de veículo, inclusive carroça e bicicleta, no dia das eleições.

PARTICIPAÇÃO DE DEBATE ELEITORAL NA TVSó vai participar o candidato de partido com mais de nove represen-tantes na Câmara.

2013

2015

Minirreformas Eleitorais

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ContextoEdição 50 Maio/2016

2322 POLÍTICA

Voto facultativo: utopia ou realidade disfarçada?Projeto engavetado na Câmara dos Deputados é discutido em ano eleitoral

Luiz Sérgio Teles [email protected]

O VOTO NO BRASIL É UMA PRÁTICA ANTIGA, DE QUA-SE 500 ANOS. TUDO COMEÇOU DEPOIS DA CHEGA-DA DE CABRAL AO BRASIL, ENTÃO COLÔNIA DE

PORTUGAL. No ano de 1532 os moradores da Vila São Vicente, primeira vila funda-

da na colônia portuguesa, em São Paulo, foram às urnas eleger seus repre-sentantes municipais. A eleição ocorria de forma indireta, porém aberta, onde o povo escolhia suas representações, que por sua vez escolhiam os oficiais do conselho.

No processo não era permitido a presença de autoridade do Reino, com o intuito de não inibir a população. Isso acontecia regido pelo Livro das Ordenações, que era a legislação de Portugal. Até então só existia esse tipo de processo eleitoral, e percebendo a necessidade da eleição sair do âmbito municipal e tomar dimensões maiores, foram eleitos 72 represen-tantes da corte portuguesa.

Em meados de 1555 aconteceu o chamado voto censitário, onde só podiam votar e serem votados nobres, burocratas, militares, comercian-tes ricos, senhores de engenhos, homens de posses, mesmo que analfabe-tos. Apenas em 1821, com a independência do Brasil, D. Pedro I mandou que fosse elaborada a primeira legislação eleitoral brasileira. De lá pra cá,

aconteceram várias outras formas de se conduzir o processo eleitoral, como o voto de cabresto, ferramenta usada para intimidar o eleitorado, que dura-ria toda a Primeira República.

Segundo o site da Agência Câmara, somente em 1932 foi estabelecido o voto secreto e obrigatório para cidadão maior de 21 anos e sem distinção de sexo. Sendo assim, acontecia uma grande conquista das mulheres, que foi o voto feminino.

Após todo esse processo complexo que se transformou ao longo do tempo, surge a ditadura militar, em 1964. Um banho de água gelada foi dado nas lutas da sociedade em relação ao voto, com a sua proibição para os cargos de presidente da República e representantes de outros cargos ma-joritários, dando apenas o direito ao povo de eleger deputados federais, estaduais e vereadores.

O Ato Institucional 5, popularmente conhecido como AI-5, foi decre-tado em 1968, dando plenos poderes ao governo. Com isso, o Congresso Nacional foi fechado, os mandatos foram cassados, e foram criados dois partidos: O Arena, que reunia todos os partidos do governo, e o Movimen-to Democrático Brasileiro (MDB), que reunia toda a oposição. Em 1989 houve eleição para presidente. Somente com a Constituição 1988 direitos que outrora foram tirados da população voltaram a ser exercidos.

Principais momentos do voto no Brasil

20 Anos do voto eletrônico A maior eleição informatizada do mundo, assim será o pleito de 2016

Jennifer Cristina [email protected]

A MAIOR ELEIÇÃO INFORMATI-ZADA DO MUNDO. ASSIM SERÁ O PLEITO DE 2016 SEGUNDO A

JUSTIÇA ELEITORAL, SERÃO MAIS DE 142 MILHÕES DE ELEITORES QUE ELEGERÃO PREFEITOS, VICE-PREFEITOS E VEREA-DORES DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS, COM VOTOS NAS URNAS ELETRÔNICAS.

Desde o ano de 2000, todo o eleitorado do país passou a votar dessa forma. E em ou-tubro deste ano, o Brasil completa 20 anos do processo eleitoral totalmente eletrônico.

Um marco histórico, assim é represen-tado à implantação do sistema eletrônico de votação, foi em 1996, nas eleições munici-pais, que a mudança no modelo de apuração e totalização dos votos se tornou um proces-so mais rápido e totalmente inovador. Na-quela ocasião, os eleitores das capitais e dos municípios com mais de 200 mil eleitores, inauguraram as primeiras urnas eletrônicas, que já alcançavam um terço das seções elei-torais.

Já na eleição seguinte, em 1998, dois terços das seções eleitorais encontravam-se equipadas com essas máquinas, o que de-monstra, desde o início, o compromisso com a expansão do processo e o sucesso do siste-ma eletrônico de captação de votos.

A automação do processo de votação trouxe maior credibilidade às eleições por-que eliminou a intervenção humana. “A Justiça Eleitoral saiu da época do voto em cédulas de papel, em que sua contagem e

totalização eram feitas manualmente, para a era atual em que toda a apuração e tota-lização ocorrem de maneira automatizada e os resultados das urnas são conhecidos em todo o Brasil em tempo recorde”, afirma o secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Janino.

Ao longo desses quase 20 anos de adoção das urnas eletrônicas no país, a conquista dessa credibilidade baseou-se sempre em dois pilares: segurança e transparência. E o que fortaleceu esses dois alicerces do siste-ma eletrônico de votação foi justamente a tecnologia nele empregada, em permanente desenvolvimento. Ou seja, o sistema apri-mora-se à medida que a tecnologia aplicada pela Justiça Eleitoral evolui.

SegurançaAlém de proporcionar maior rapidez e

eliminar a interferência humana no proces-so eleitoral, a automação permitiu que todas as fases, desde a coleta dos votos até a apu-ração possam ser acompanhadas e auditadas por representantes de partidos, instituições e por qualquer cidadão interessado. Este fato reforçou a transparência e a segurança do sistema eletrônico de votação e apuração.

Também contribuíram para o aperfeiçoa-mento cada vez maior do sistema eletrônico de votação as experiências adquiridas pela Justiça Eleitoral nas dez eleições que oco-rreram desde o uso das urnas eletrônicas no país, a partir de 1996. Isso sem mencio-nar plebiscitos e referendos. “É importante

destacar que o sistema tem padrão único, uniforme, e foi criado para atender às carac-terísticas e peculiaridades da população bra-sileira”, ressalta o secretário de TI.

Testes e visitas O sistema eletrônico de votação já foi

exaustivamente avaliado pelos eleitores, que o aprovaram. Nesses quase 20 anos de existência esteve aberto a testes públicos em duas oportunidades, algo ainda inédito em órgãos eleitorais do mundo, o último Teste Público de Segurança (TSP), que hoje é obri-gatório por resolução do Tribunal Superior Eleitoral, foi realizado em março deste ano.

Nas duas ocasiões em que o teste oco-rreu, a Justiça Eleitoral disponibilizou o sis-tema eletrônico de votação a pesquisadores de universidades e instituições públicas e privadas, “hackers”, e público em geral para testes de segurança amplos nas urnas eletrô-nicas. Além de fortalecer a transparência do processo, os eventos serviram como fonte de aperfeiçoamento do sistema, já que resulta-ram em ideias para aumentar ainda mais a confiabilidade de alguns de seus componen-tes.

No campo externo, representantes de mais de 50 países já visitaram o Brasil para conhecer o sistema eletrônico de votação nacional. Desde a sua implantação, a Justiça Eleitoral brasileira prestou consultoria a, pelo menos, oito países nessa área.

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral/ TSE

Pois bem, caro leitor. Esse passeio pela história do voto no Brasil, de seu tempo de Colônia até os dias de hoje, foi feito para que pudéssemos chegar ao pon-to chave de nossa discussão: o voto facultativo no Bra-sil. Em meados de junho do ano passado, foi rejeitado no plenário da Câmara dos Deputados o fim do voto obrigatório, proposta de um dos deputados na Pro-posta de Emenda da Constituição (PEC) da reforma política (PEC 182/07, do Senado).

O resultado da votação foi de 311 votos contra e 134 a favor. Há argumentos dos dois lados. Um de-fende que o voto obrigatório é ao mesmo tempo um direito e um dever e que o voto facultativo representa a perda da representatividade. O outro lado defende que o voto é exclusivamente um direito e não pode ser considerado um dever, e apenas pessoas interessadas

em política vão comparecer às urnas. Em pleno ano de eleição, essa discussão torna-se muito pertinente. Mas, diante de toda essa divergência, o que realmente seria melhor para o Brasil nos dias de hoje? Segundo o jornalista político Joedson Telles, editor do site Uni-verso Político, a faculdade do voto para toda a socieda-de apenas excluiria os desmotivados do jogo. “O pro-cesso seria decidido do mesmo jeito, com os mesmos vícios - só que com o número de votos válidos menor”, explica.

Para a estudante Flávia Jane, o voto facultativo seria uma forma de respeito ao eleitor. “Todos sairiam de suas casas com a consciência do que iria fazer. Não iria às urnas de forma fatigante, puramente por obri-gação”. Vários países em todo o mundo já adotam o sistema. Segundo pesquisas da Folha de São Paulo,

em grandes potências mundiais como Estados Uni-dos e China, por exemplo, o voto é facultativo. Em todo mundo, apenas em 24 países o voto ainda é obri-gatório, sendo que 13 deles se concentram na Amé-rica Latina. O nosso país está dentre esses 13, o que levanta a discussão em relação aos direitos e deveres do cidadão.

O sociólogo e professor da Universidade Federal de Sergipe, Rodorval Ramalho, afirma que a socieda-de brasileira está pronta para aderir ao voto facultati-vo, o que já vem sendo demonstrado nas urnas em for-ma de protesto com o grande número de abstenções. Para ele, a sociedade não se sente representada pela atuação dos políticos, porém, não enxerga outra alter-nativa que apresente um cenário totalmente diferente do que temos hoje. Confira a entrevista:

Entrevista

Jornal Contexto -Na sua opinião, a for-ma como é realizado o processo eleitoral no Brasil é correta?

Rodorval Ramalho -Não existem sistemas eleitorais perfeitos. Eles refletem a cultura po-lítica local, a correlação de forças entre os par-tidos, etc. Porém, existem alguns sistemas que permitem um maior controle dos mandatários pelos eleitores. O sistema distrital é um deles. No Brasil, o sistema proporcional tem vários problemas, a começar da total prioridade que os mandatos no executivo têm em relação aos man-datos legislativos. Mas, existem outros proble-mas: a eleição de pessoas não representativas, a desproporcionalidade entre os entes da Fede-ração, o custo alto das campanhas, entre outros.

J.C.- O senhor vê a sociedade pronta para uma possível adesão do voto facultativo?

R.R- Sem dúvida nenhuma. A democracia no Brasil vem se aprimorando e o voto facultati-vo é um direito que, mais cedo ou mais tarde, vai ser implantado.

J.C.-Como o senhor avalia o surgimento dessa discussão? Pelo cansaço da sociedade em ir às e não ver nenhuma melhoria?

R.R.- A lógica, aqui, é a do individualismo moderno. O indivíduo não pode ter o direi-to como um dever. Da mesma maneira que ele escolhe agir ou não em várias outras esferas so-ciais, por que não poderia fazer o mesmo no caso da ação eleitoral?

J.C.-Pelo atual cenário atual sócio-econô-mico do Brasil, o senhor acha que haveria um esvaziamento nas urnas, caso essa metodologia acontecesse?

R.R- Talvez. Mas, preste atenção que os ní-veis de abstenção eleitoral têm crescido assusta-doramente. Na verdade, já existe um certo voto facultativo “branco” no Brasil, pois a multa para quem apenas justifica a ausência é muito peque-na.

J.C.- Já que a eleição é para definir os repre-sentantes da sociedade, será que ela sente-se

representada com tudo que está acontecendo hoje?

R.R.- Se observarmos as manifestações de rua, desde 2013, certamente não. A alta carga tributária, combinada com péssimos serviços públicos; a gastança dos governos com cargos comissionados, propaganda; os elevados níveis de corrupção; a asfixia da iniciativa privada pelo Estado; a ideologia do “almoço grátis”, com a farta distribuição de verbas em forma de bolsas (família, empresário, atleta, artista, etc.). Enfim, esse quadro já não é mais suportado por largos setores da sociedade.

O grande problema é que não há nenhuma alternativa política (em forma de partidos e lide-ranças) que acenem para mudanças, pois todas as alternativas que tínhamos já foram testadas e os resultados foram muito limitados. Este , na verdade, é o nosso grande paradoxo: queremos mudanças, mas não temos representantes que, da fato, se identifiquem com ela.

Informações: Tribunal Superior Eleitoral

1555

1881

1950

1989

19961891

1932

Voto Censitário

somente a alta classe

poderia votar mesmo

se alguém fosse analfa-

beto

Lei Saraiva

eleições diretas para

câmaras e assem-

bleias; analfabetos

foram excluídos, já

que era preciso

assinar documento

Voto de Cabresto

Além da cédula que

ia para a urna, uma

outra era rubricada e

datada pelo fiscal

como meio de intimi-

dar o eleitor

Voto Feminino

voto secreto e obriga-

tório para cidadão

maior de 21 anos, sem

distinção de sexo.

Dessa forma, as

mulheres tiveram

direito de votar.

Sem maioria

A constituição não

exigia maioria abso-

luta de votos para

representantes do

Executivo

Eleições Diretas

elaborada a nova

Constituição de 1988,

jovens acima de 16,

analfabetos e maiores

de 70 ganharam

direito ao voto

facultativo

Urna Eletrônica

Depois de 1989, 57

cidades com mais de

200 mil habitantes

usam a urna eletrônica

na eleição municipal

Jennifer Cristina

Luiz Sérgio Teles [email protected]

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ContextoEdição 50 Maio/2016

24 EDUCAÇÃO

Precariedade nas estruturas físicas dos prédios escolares coloca em risco a aprendizagem

Falta de infraestrutura nas escolas afeta qualidade do ensino

Frente do Colégio Estadual Paulino Nascimento no Robalo

25Ítala Marquise

Ítala Marquise [email protected]

A ESCOLA ESTADUAL PAULINO NAS-CIMENTO FUNDADA EM 1960, HOJE É ALVO DE DURAS CRÍTICAS DOS

PRÓPRIOS ALUNOS DEVIDO A SUA PÉSSI-MA INFRAESTRUTURA QUE REPRESENTA UM RISCO A INTEGRIDADE FÍSICA DOS JOVENS E FUNCIONÁRIOS QUE FAZEM PARTE DA INSTITUIÇÃO.

A Escola está localizada, no Povoado Roba-lo, na zona de expansão urbana de Aracaju. Com 56 anos de funcionamento, o Colégio comporta 838 estudantes e é responsável pelo aprendizado destes, a partir do 6º ano Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio.

Em entrevista com o pedagogo e atual dire-tor do Paulino, o senhor José Gama da Silva, ele explicou detalhadamente a situação e onde se encontrará o novo prédio da instituição de ensi-no e como os pais e alunos estão lindando com a mudança.

Questionado sobre a situação da escola, Gama como é mais conhecido, contou que não há condições do Colégio passar por outra refor-ma, pois as instalações estão em péssimo estado de conservação devido às várias rachaduras nas paredes e os problemas nas fiações elétricas.

A melhor alternativa para o diretor seria en-contrar um lugar mais apropriado garantindo a qualidade e segurança para estes adolescentes.

Os alunos estão de férias desde 15 de feve-reiro de 2016, o diretor também informou que as aulas retornarão no dia 11 de abril, porém eles fi-carão temporariamente na antiga Universidade da Criança no Horto do Carvalho, localizada na Aruana. Segundo ele,

“As instalações do novo Polo são ótimas, por-que tem 19 salas, ar condicionados, ginásio am-plo e biblioteca”. Coisas que são essenciais para qualquer escola e as quais o Paulino Nascimento nunca disponibilizou.

De acordo com Gama, o outro Polo é a Escola Estadual Florentino Menezes, que se en-contra em Areia Branca. A diferença é que este só oferece o horário noturno para os estudantes do ensino médio. Ainda de acordo com o Diretor, a nova sede continuará sendo no Robalo, mas ago-ra será em frente ao Sítio Terêncio.

O colégio sempre apresentou problemas não somente em sua estrutura, mas em sua orga-nização, pois desde os primórdios necessitava de auxílio para continuar a funcionar.

Além das salas serem pequenas para com-portar tantos alunos, os quadros negros também estão bastante deteriorados e muitos deles apre-sentam buracos e manchas o que é um problema para os professores que os utiliza para uma ex-plicação mais aprofundada do conteúdo minis-trado.

Outro ponto crítico é a forma como se en-contram os sanitários, sujos e alguns não pos-suem descargas e nem lavatórios para as mãos. O único banheiro acessível as pessoas com ne-cessidades físicas é utilizado pelos professores, já que a própria sala dos docentes é improvisada e serve como biblioteca.

Os bebedouros não estavam limpos, além de alguns copos amontoados próximos aos sani-

tários. A cantina do colégio não apresenta um ar agradável, possui um fogão enferrujado, o qual estava com fezes de ratos e nas panelas ainda possuíam restos de comida.

Segundo o próprio diretor existe apenas uma faxineira, o que dificulta a manutenção da limpe-za na escola. Esta senhora responsável pela hi-giene e por preparar a merenda, é uma voluntária que se sensibilizou com a situação dos alunos e resolveu ajudar.

O Diretor salientou que a maior parte da cul-pa da Escola encontrar-se neste estado de dete-rioração, é dos próprios alunos, que não sabem manter a instituição organizada e, por causa dis-to foram colocadas oito câmeras para monitorar tudo que acontece durante as aulas.

Gama também relatou um pouco sobre o manifesto realizado pelos estudantes, que oco-rreu durante à tarde do dia 18 de janeiro de 2016.

O Pedagogo ressaltou que a ação foi impor-tante para alertar a população do local em relação ao tema em questão: melhoria escolar. Porém, afirma que, “O problema também foi provocado por alguns estudantes que descascaram as pare-des para forjar um possível descaso por parte do Governo para com o colégio e, isto em minha opi-nião não resolverá nada”.

Em entrevista com os alunos da Escola Es-tadual Paulino Nascimento, eles avaliaram nega-tivamente o ambiente escolar salientando a im-portância da infraestrutura para a qualidade de ensino.

Camila Vieira da Silva de 19 anos, estudante do Paulino Nascimento, nos contou em entrevis-ta que o colégio não tem infraestrutura para re-ceber tantos alunos, pelo fato de ser um local pe-queno e não possuir recursos paradidáticos que auxiliam no aprendizado desses jovens.

Além disso, a jovem retratou outro ponto importante, segundo Camila todas as reformas pelas quais a instituição passou ao longo dos seus

56 anos nunca aconteceram realmente, pois era apenas uma nova pintura a cada ano letivo.

A estudante ressalta que o telhado está em péssimo estado e quando chove há goteiras nas salas, mas é o pátio que fica completamente ala-gado.

Outro problema muito recorrente é a falta de higiene no local, pias improvisadas e sujas servem como fonte de hidratação e reservatórios para inúmeras bactérias.

Camila afirmou que nunca foi capaz de pe-gar a merenda escolar servida no intervalo, pois as mesmas eram distribuídas próximas ao fim do seu prazo de validade e as frutas muitas das ve-zes estavam podres, “Nunca peguei a merenda da escola, porque alguns dos meus colegas falaram que um menino chegou a passar mal assim que comeu o lanche”.

Questionada se já teve acesso à cozinha, res-pondeu que sim, “Já entrei na cozinha, em minha opinião é um dos piores locais, tem muitos ratos e baratas. Uma vez precisei usar o liquidificador para uma gincana na escola e ele estava cheio de fezes de rato”.

Ela relatou também a situação dos banhei-ros, dizendo que estes não possuem lavatórios para as mãos e alguns estão sem as descargas, Camila ainda disse não utilizar o banheiro do co-légio por nojo.

E aproveitou para reclamar sobre alguns professores, afirmando que poucos deles conse-guem ministrar uma boa aula, o que dificulta a situação, principalmente dos adolescentes que concluíram o 2º grau e querem ingressar em uma Universidade.

Alguns jovens também resolveram falar so-bre a escola, mas preferiram não se identificar com medo de sofrerem represália.

Segundo eles, o Paulino Nascimento parece um lugar abandonado, porque ninguém toma providências, o telhado representa o maior peri-

go para estes, além das paredes que estão racha-das.

Conforme os estudantes, o ambiente não apresenta higiene e, por isso prefe-rem não tomar ou comer qualquer coisa que a escola ofereça, pelo “simples moti-vo” de já terem presenciado um rato den-tro de uma melancia, a qual seria usada como lanche.

Outra reclamação recorrente é sobre o estado dos banheiros que segundo relatos chegam a transbordar, por não ter faxi-neiras que façam a manutenção da limpe-za diariamente, o que causa um mal estar entre os alunos, além de não conseguirem fazer suas necessidades f isiológicas, af ir-maram que o incomodo maior é o cheiro forte que exala do local.

Um deles relatou a cena que sua cole-ga Camila citou acima, “Durante um pro-jeto que tínhamos que cozinhar comidas naturais, eu entrei na cozinha para usar o l iquidificador e encontrei dentro dele fezes de ratos e baratas”.

Confirmaram que a cantina dif icil-mente é limpa e, por isso já chegaram a passar mal depois que provaram a me-renda, os sintomas relatados por eles são sempre os mesmos: diarreia, vômito e tontura.

Além disso, ressaltaram que existe um corredor que é utilizado como lixeira e os estudantes que estão em salas vizinhas ao local, são obrigados a se retirarem por conta do odor forte.

Disseram que os professores não con-seguem lidar com os problemas de apren-dizagem de alguns alunos, principalmen-te dar assistência especial aos estudantes que possuem déficit de atenção.

Os jovens af irmaram que o labora-tório de informática não é de livre aces-so, pois as portas estão sempre fechadas e para que estes possam fazer pesquisas, precisam ir até a uma lan house em frente ao próprio colégio, a desculpa da direção é que a rede de conexão está sempre em manutenção.

Entretanto, os alunos confirmaram que só os professores usam o laboratório e que embora tenha uma biblioteca impro-visada na sala dos docentes não há muitos livros, o que torna o cenário mais caóti-co.

Questionados sobre a manifestação estudantil, contaram que resolveram sair às ruas, porque não aguentavam mais fa-lar com a atual gestão do Paulino para pe-dir uma resposta def initiva do Governo do Estado de Sergipe, para construir uma nova escola mais ampla e com os recursos necessários para comportar todos os alu-nos.Eles também retrataram o fato de que alguns adolescentes que estudam na esco-la descascaram as paredes para chamar a atenção da imprensa, já que tanto para o Governo quanto para a Secretaria de Edu-cação eles nunca tiveram voz.

As aulas como havia mencionado no começo da matéria estava prevista para retornar no dia 11 de abril de 2016, isso realmente aconteceu, porém até o mês de maio os estudantes terão que esperar para começarem estudar no novo Polo.

Ítala Marquise

Ítala Marquise

Bancos deteriorados no pátio da escola

Desorganização de diários na sala da direção

Sala sem condições de uso

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ContextoEdição 50 Maio/2016

26 EDUCAÇÃO

AO LONGO DOS ÚLTIMOS ANOS, PERCEBEU-SE QUE O ENSINO DE DISCIPLINAS QUE

ESTIMULASSEM O LADO ARTÍSTICO DOS ALUNOS, COMO MÚSICA, DANÇA, E TE-ATRO, ERA TÃO IMPORTANTE COMO AS VELHAS CONHECIDAS MATEMÁTICA, FÍ-SICA E PORTUGUÊS. Assim, surgiram as leis que alteraram a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-cação (Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996), como a Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008, que obriga o ensino de música para crianças do nível básico e fundamental em escolas públicas e par-ticulares. Esta lei obrigava que as escolas públicas e particulares a acrescentem a Música na sua gra-de curricular obrigatória em um prazo máximo de três anos, mas oito anos após a sua aprovação ela ainda é motivo de discussão.

Apesar de ser um instrumento de entreteni-mento há milênios, a música ainda é vista como algo dispensável para muitas pessoas, sobre-tudo no ambiente escolar. Um reflexo disso é o fato de que ao escolherem uma escola para suas crianças, muitos pais e responsáveis acabam se preocupando em escolher uma escola que tenha bom desempenho no vestibular ao invés de esco-las que possam estimular o lado artístico de suas crianças, como o pai e gerente de uma empresa de segurança José Santana. “Os alunos deveriam ser incentivados, ainda nas escolas, com disciplinas mais importantes para o mundo atual e voltadas para a realidade de mercado, os estimulando a se capacitarem para, de alguma uma forma, ajuda-rem a tornar o país mais desenvolvido e economi-camente viável”, comenta.

Na contra mão dessa cultura de resistência, uma pesquisa conduzida pelo departamento de psiquiatria da Universidade Federal de São Pau-lo (Unifesp), em parceria com o Instituto ABCD, mensurou o impacto do ensino de música para crianças. Limitada a alunos entre 8 e 10 anos, a pesquisa mostrou que aqueles que têm aulas de música possuem uma leitura mais fluida do que aqueles que não as fazem. Além de, ao fim do estudo, terem apresentado notas superiores em disciplinas como Português e Matemática.

Ao lecionar em uma escola que já seguia a lei que determinava o ensino de música nas esco-las, a psicopedagoga Kate Nascimento observou que o ensino de música fazia com que as crianças memorizassem de forma mais rápida os núme-ros e as partes do corpo, por exemplo. “A música se mostra como um instrumento facilitador da aprendizagem”, comenta.

Para o professor de música Afonso Ramalho, a música traz ainda benefícios na parte cognitiva e motora da criança, além da auto estima gerada que faz com que elas vivam mais animadas e esti-muladas para as demais atividades que possuem. “Para a criança não importa se ela toca a música muito bem, no final o que mais a motiva é o pro-cesso e não o produto”, ressalta.

A estudante de Direito Laryssa Custódio de França frequentou aulas de música na escola du-rante o ensino básico, mas confessa que na época não tinha muito jeito para os instrumentos de so-pro (um dos que ela teve contato durante as au-

las), e, apesar disso, não desistiu da música. “O teclado foi o primeiro passo para sonhar em tocar piano – sonho que realizei posteriormente. E ser-viu para começar a ver o mundo de forma mais musical e buscar mais conhecimento” lembra.

Laryssa destaca ainda que a música a aju-dou na concentração e a entender algumas ma-térias com uma sensibilidade maior, algo muito importante para os estudantes que enfrentam provas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que exigem do aluno uma visão de mun-do mais abrangente e uma maior interpretação, mas que não era cobrado em outras provas tão

importantes para o futuro dos estudantes.Em Sergipe, assim como em boa parte do

Brasil, a Lei nº 11.769 não é cumprida por todas as escolas. Na rede pública, as aulas de música es-barram no fato de que elas são ministradas como um conteúdo dentro da disciplina de Artes e não como uma matéria obrigatória isolada, além da ausência de professores, falta de estrutura ade-quada e instrumentos musicais. Já na rede priva-da de ensino, diversas escolas acompanham a re-sistência de alguns pais, e somente aquelas com um modelo pedagógico diferenciado incluem a disciplina em sua grade curricular.

Entendo que existem vários benefícios com o estudo da música ou ter contato com algum instrumento musical para as crianças, porém a felicidade e satisfação que o processo de aprendizado e execução de uma música traz é sem dúvida o maior benefício, para a criança não importa se ela toca a música muito bem no final.

(Afonso Ramalho, professor de música)

Por que o ensino de música é importante para as crianças? Escolas reforçam uma cultura de resistência aos seus benefícios a não cumprirem a LEi nº 11.769

Julia [email protected]

O pequeno Matheus Morais (5) frequenta as aulas de bateria fora da escola há cinco meses

Julia Freitas

Julia Freitas

27

10 principais benefícios que a música proporciona as criançasJennifer Cristina

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ContextoEdição 50 Maio/2016

28 MUNDO

MEDO É O SENTIMENTO DA INCERTEZA. É MAIS AMEA-ÇADOR QUANDO DIFUSO,

DISPERSO, NEBULOSO, DESVINCULADO, DESANCORADO, FLUTUANTE, LÍQUIDO. É IMPREVISÍVEL E SEM CONTORNOS, QUANDO NOS ATERRORIZA SEM QUE HAJA UMA EXPLICAÇÃO PLAUSÍVEL. É O VISÍVEL SEM RESPOSTA”.

Essa descrição sobre o sentimento talvez mais difuso em todos os pontos do planeta é da Professora do Curso de Artes e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Fede-ral do Tocantins (UFT), Karylleila Andrade Klin-ger, no artigo ‘O medo líquido em Bauman: leitu-ras possíveis’. Mas para constatar que os diversos tipos de medo (como da morte, do fracasso fi-nanceiro, da falta de poder ou de recursos natu-rais provedores de necessidades básicas ou frívo-las) são a raiz dos principais conflitos mundiais no século XXI, não é necessário ser sociólogo ou ávido estudante de história contemporânea. Os noticiários bombardeiam diariamente os lares com acontecimentos trágicos, atos de terroris-mo, crises políticas, pandemias, guerras civis.

Talvez como resposta a todos esses aconteci-mentos, cerca de 850 pessoas representantes de todos os continentes se reuniram entre os dias 1 e 3 de abril em Castel Gandolfo, na Itália, no congresso intitulado “OnCity – redes de luz para abitar o planeta”, com o intuito de difundir ini-ciativas de diálogo e ação que já estão mudando aos poucos a realidade nas cidades e países mais afetados. O evento foi organizado pelo Movi-mento dos Focolares, por meio do Movimento Humanidade Nova, jovens por um Mundo Uni-do, a Organização Não Governamental Ação por um Mundo Unido (AMU) e a associação interna-cional New Humanity, que são quatro expressões dos Focolares empenhadas na construção da fra-ternidade em nível social, entre os jovens e de-mais gerações, cidadãos comuns, comunidades e povos.

O Contexto UFS teve a oportunidade de es-tar presente nesse evento e acompanhou todo o programa, que começava a cada dia com um giro das principais notícias do mundo, seguido por experiências de iniciativas de mudanças conta-das pelos participantes. Pela tarde, divididos por grupos de línguas, os presentes podiam partici-par de workshops que se propunham a encontrar soluções aos principais problemas por meio de conversas e trocas de experiências. Foi assim com o tema do meio ambiente, a questão dos refugia-dos na Europa e do terrorismo, por exemplo. Para trazer um pouco das experiências compartilha-das no evento, seguem abaixo três entrevistas com pessoas de países, culturas e religiões diver-sas, que muitas vezes sem perceber, vão além do medo e, como resposta ao mal, desempenham com maestria o seu papel de cidadão e construtor da fraternidade.

O Congo e a voz que não se calaO sorriso largo, a gargalhada contagiante e a

simplicidade de Micheline Mwendike são só a ce-reja do bolo de toda a sua personalidade. Ativista social e política no seu país, República Democrá-tica do Congo, na África, ela conta todos os feitos dos seus 31 anos de vida com uma humildade im-

pressionante, sem nenhuma pretensão de ser re-conhecida como líder ou exemplo para ninguém. Sem pessimismo algum, ela conta que os 20 anos de guerra civil no Congo é motivo de cansaço para os jovens de sua geração, que já cresceram dentro do conflito, e que não raro, sentem difi-culdade em encontrar uma saída, não têm acesso a um dos bens mais preciosos: a verdade dos fa-tos, como se fazem todas as coisas em seu país.

O Congo, que é um país riquíssimo em bio-diversidade (estando atrás apenas do Brasil) e de minerais utilizados na fabricação de celulares, por exemplo, é ao mesmo tempo um dos países mais pobres do mundo, figura em penúltimo lugar do ranking de todos os países quando se refere à distribuição de renda. De acordo com a ativista, as áreas onde existe mais abundância de minerais preciosos coincidem com aquelas onde a guerra é mais violenta.

“Quando eu quis fazer alguma coisa, eu e meus companheiros não ficamos muito tempo tentando achar intelectualmente respostas para a pergunta ‘por que existe a guerra?’, no fim das contas é difícil saber as verdadeiras razões, os re-ais protagonistas. Existem muitas partes envol-vidas: locais, nacionais e internacionais”, conta Micheline. Segundo ela, em um determinado momento, a energia que poderia estar sendo usa-da para propor mudanças era utilizada somente para a crítica, quando se tentava identificar os bons e maus sujeitos envolvidos. “A rítica não muda nada, o que muda, e disto eu sou convicta, é a ação”, pondera. Assim, resolveram começar pelas pequenas coisas.

Primeiramente, identificaram os problemas a nível individual e perceberam que não existia o acesso a água, trabalho, eletricidade nas casas ou escola para todos. Depois do susto por percebe-rem que existiam tantas demandas, focaram no primeiro problema e procuraram soluções para fazer com que a água chegasse a todas as casas dos povoados. Lembraram do lago que existia

próximo a sua cidade, Goma, e, depois de pes-quisas, descobriram que a água não chegava por um problema elétrico, não havia força necessária para fazer com a água se deslocasse dali. “Primei-ro fomos à associação da água, eles nos manda-ram para a associação da eletricidade, e no fim descobrimos que era também um problema po-lítico, por uma questão de interesse egoísta dos políticos. Fizemos então as denúncias, e a cam-panha continua, mas pelo menos sabemos qual é o problema”. Ela comemora o fato de que o parla-mento da sua cidade começa agora a discutir esse argumento, que antes era colocado de lado nas propostas governamentais.

Embora os frutos concretos desse trabalho ainda não sejam visíveis, Micheline é tranquila e defende: “A mudança não está nos resultados. É a ação que é mais importante. Se você esperar so-mente os resultados, vai se cansar antes que eles cheguem. Faço a minha parte como cidadã da República Democrática do Congo, e se não dei-xo um resultado concreto, deixo um fundamento para uma solução, um caminho.

Se não chegaremos lá, fiz a minha parte”. Ela diz que não trabalha para si, mas para a sua ge-ração e para aqueles que virão, e que o apego aos resultados poderia ser inclusive uma questão de vaidade. “Se não vejo o fruto, pelo menos vejo a árvore que plantei, para mim isso é o mais im-portante”.

Além da questão da falta de água, Micheline e seus amigos começaram campanhas de cons-cientização que mudasse a visão popular que identifica os sujeitos responsáveis pela guerra (um único ou poucos sujeitos) para qual é o pro-blema. Visão esta que é muito semelhante à que temos hoje no Brasil. Segundo Micheline, essa forma de pensar, individualizando os problemas e associando-os a determinadas pessoas, ao in-vés de somar forças, divide as pessoas que são mais favoráveis a um ou outro, e isso gera ainda mais conflito. “Se você mata uma pessoa achando

Medo: um trampolim para a mudança Experiências da Síria, Itália e Congo durante evento que reuniu 850 pessoas na Itália.

“Uma cidade não basta”. Multidão de várias cores, culturas e religiões prestigia o evento.

Gustavo Monteiro

Gustavo [email protected]

29

Abir Elkhaqi - 21 anos

Questões locais, problemas globais: o que o Brasil pode aprender com Micheline, Abir, Antonella e Pascal

Mesmo se o Brasil não enfrenta uma guerra civil como no Congo, onde milha-res de pessoas são mortas violentamente por questões ideológicas, as ideologias no Brasil dividem as pessoas de forma quase tão cruel, porém velada.

Com as polêmicas envolvendo corrup-ção na política, as energias são gastas ten-tando classif icar as pessoas em golpistas e não golpistas e os políticos em menos ou mais corruptos.

A frase de Miche-line parece então res-soar: “A crítica não muda nada”.

É preciso um olhar mais amplo, que, ao invés de per-sonif icar os proble-mas, seja capaz de identif icar suas ra-ízes para, só assim, pensar e trabalhar por mudanças, assim como fez ela e seus amigos, quando na-davam num mar de opiniões e incerte-zas, fruto do desco-nhecimento dos fa-tos.

E o desconhe-cimento parece ser também a raiz da in-tolerância religiosa.

A noção de alte-ridade da f ilosofia, que busca colocar-se no lugar do outro, ser o outro, pode ser

que ela é o problema, você matou uma pessoa e o problema ainda continuará existindo”, explica ela, ao sublinhar a importância dessas campa-nhas informativas nos bairros e universidades, que servem também como uma forma de educar civilmente os jovens. Mas claro que essas iniciati-vas não eram bem vistas pelos poderosos do país. Muitos de seus amigos foram presos, e atualmen-te dez deles ainda estão na cadeia. E é com um sorriso tímido, como quem sente um pouquinho de orgulho e ainda acha graça da situação, que Micheline admite: “Eu também fui presa a alguns anos atrás”. Ela foi abordada no meio de uma das manifestações do grupo durante a comemoração da independência do país com relação ao seu co-lonizador, a Bélgica, que, diga-se de passagem, só aconteceu na década de 60. Ela conta que essa festa é uma data estratégica do governo, que faz mostrar toda a sua força e superioridade nas ruas. Por oito dias, foi interrogada incansavelmente e acusada dos piores crimes em uma prisão espe-cial.

Dormiu ao relento em uma arte interna do lugar, pois não havia celas para mulheres, e por isso foi picada por mosquitos em todo o rosto. Ainda sorrindo, quase paradoxalmente, ela diz o que sentiu: “Um vazio de vida, o sentimento pior que já senti na minha vida”.

Porém, com as suas próximas palavras, o sor-riso não parecia mais um paradoxo, e era perfei-tamente justificável. No meio de toda a escuridão existencial, Micheline percebeu que mais uma vez não poderia estar parada, e se voluntariou como cozinheira da prisão, ao ver que a comida era de péssima qualidade. “Para mim não havia a categoria ‘inimigo’, eram todos ‘seres humanos’ que precisavam ser amados”. Foi assim que, de-pois de muitas interrogações, sem mais nem me-nos, Micheline foi solta. Uma semana depois, em uma entrevista na rádio local, para surpresa de todos, ela continuou a defender as mesmas cau-sas e falar sem economia sobre as verdades acerca de todos os problemas do país, mesmo sem in-tenção.

Ela, que atualmente estuda Ciências Políti-cas em uma universidade da Itália, revela que não tem sequer alguma ambição de se tornar política quando retornar ao Congo, ou publicamente re-conhecida ali. “O ativismo para mim é uma voca-ção, não faço por mim, mas pelo meu país. Não me considero em nenhum momento indispen-sável, todos são indispensáveis. A ambição pelo reconhecimento faz com que você trabalhe para si e não pelo outro”, conclui.

O Islamismo de paz na ItáliaAbir Elkhaqi tem 21 anos e asceu na Itália.

Descontraída, conversa e tira brincadeiras como qualquer outra jovem. Se a conhecêssemos em um encontro às cegas, de olhos fechados, não notaríamos nenhuma peculiaridade, a não ser seu caráter exemplar. Porém, o que a distingue de todas as outras garotas é que a diferença de Abir não está apenas na sua personalidade, seus gostos e preferências, ou seja, tudo aquilo que é interno e que para ser conhecido é preciso de tempo, conversa e interesse sincero de conhe-cimento. Basta abrir os olhos e o seu véu salta à vista. Abir não herdou apenas as características físicas dos seus descendentes marroquinos, mas também sua religião.

Muçulmana convicta, ela lembra que, sobre-tudo após os ataques terroristas de Paris no início de 2015, muitas de suas amigas que dividem a fé islâmica não puderam nem mesmo sair de casa, pois a pressa em achar culpados e classificá-los como maus e terroristas era tanta que chegaram a ser agredidas nas ruas. Segundo ela, na Itália existe menos conhecimento e mais ignorância,

não sabem o que seja “o verdadeiro Islã”. “Nossa saudação, ‘Salam’, quer dizer paz.

Não dizemos ‘oi’, dizemos ‘paz’. Nosso livro sa-grado diz que quem mata uma alma é como se ti-vesse matado a humanidade inteira e, do mesmo modo, quem salva uma alma é como se tivesse salvado a humanidade inteira”. Assim, Abir des-creve a sua religião, baseada na paz, ao passo que lamenta a deturpação desses valores por uma parte que, segundo ela, não é nem mesmo uma minoria: aqueles que se propõe a fazer atos ter-roristas. “Não são verdadeiros muçulmanos para mim”, diz ela.

Abir e suas amigas poderiam muito bem continuar em casa, trancadas, com medo. Po-rém, o desejo de que todos conhecessem a verda-de sobre a sua religião foi o motor das suas ações quando começaram a ir às escolas de Roma falar sobre o Islã e organizar manifestações, muitas delas feitas em parceria com o Movimento dos Focolares, para mostrar que também são contra a violência e qualquer tipo de terrorismo. Não faltaram campanhas informativas no Facebook, presentearam com livros sobre a religião muçul-mana aos interessados. Tudo para que saíssem da superficialidade dos julgamentos rápidos a res-peito de outras religiões e culturas, fato que tam-bém é comum no Brasil.

Em 13 de dezembro de 2015, algumas pesso-as do mesmo grupo de Abir foram à Praça São Pedro junto a cristãos amigos provenientes dos

Focolares durante um pronunciamento do Papa com uma faixa onde estava escrito: “Cristãos e muçulmanos juntos: construtores da paz”. De acordo com Abir, essas inciativas são estratégias para conscientizar e informar ao grande público que também eles, os muçulmanos, querem um mundo pacífico, sem violência e terrorismo.

“Quando, por exemplo, um cristão na No-ruega matou uma multidão de estudantes em uma universidade, não foi dito ‘todos os cristãos são violentos’. Foi uma pessoa, um louco. De-pois, quando se fala da Itália, não se diz ‘todos os italianos são mafiosos’, mas ‘existe máfia na Itália’. Não porque um é, todos são”. Abir usa essa mesma lógica como mensagem para defender os seguidores do Islã, e foi justamente isso que a im-pulsionou a expandir os horizontes e levar essa informação a todos. Durante o festival apoiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) que reunia milhares de jovens provenientes de mais de 120 países, o Living Peace, na cidade do Cai-ro no Egito, em 2015, Abir e uma companheira foram representando o Islamismo. Segundo ela, as pessoas se impressionavam ao perceber que eram pessoas normais. O próximo Living Peace será organizado aqui no Brasil no segundo emes-tre e Abir já se prepara com atividades para arre-cadar fundos e levar todas as mensagens de paz para as terras tupiniquins. “Nos encontramos por lá?”, com essa pergunta Abir se despediu da entrevista.

uma primeira chave para resolver o pre-conceito entre católicos, protestantes e candomblecistas, por exemplo; seguida pela abertura ao diálogo sincero. Enquan-to que a Síria, com toda a sua complexi-dade, faz ref letir em qual a democracia que queremos, e de quem são os nossos problemas, ou seja, a quem cabe o papel de resolvê-los.

Arquivo Pessoal

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ContextoEdição 50 Maio/2016

30 RELIGIÃO

COM A AJUDA DE DEUS, PELA MINHA FAMÍLIA, PELO POVO BRASILEIRO, PELOS EVANGÉLICOS DA NAÇÃO TODA...”, bradava o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) em seu

discurso durante a votação pela abertura de processo de impeachment da presidente da república, Dilma Rousseff. Menções a Deus e referências à religião, que permearam as justificativas de alguns deputados, incomoda-ram e sacudiram a internet. Foram 58 citações a Deus na fala de 50 depu-tados federais, tendo sido, portanto, um dos termos mais citados durante a votação. O deputado Patrus Ananias (PT-MG) desabafou em seu discurso que “jamais vi e ouvi tantas afrontas ao segundo mandamento da lei de Deus” – aquele que prega que não se deve tomar o nome de Deus em vão. Isso trouxe à tona uma antiga e inconciliável discussão: até que ponto fé e política devem se envolver em um Estado laico como o Brasil?

De acordo com o censo de 2010 sobre religiões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 64,6% da população brasileira se define como Católica Apostólica Romana. Em seguida, 22,2% dos brasileiros se declaram evangélicos, 2% espíritas, 0,3% integram a Umbanda e o Can-domblé, 8% afirmam não ter religião, 2,7% possuem outras religiosidades e 0,1% não sabe ou não declarou. Fruto dos vários processos imigratórios que aconteceram em território brasileiro, a miscigenação cultural foi respon-sável pela diversidade religiosa do país. O Brasil possui um Estado Laico e, por isso, apresenta a separação do Estado, Igreja e a liberdade de culto religioso.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Brasil pos-sui 35 partidos políticos em atividade que representam as mais variadas orientações ideológicas. O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Progressista (PP), o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) estão entre os grupos com o maior número de filiados.

As frentes parlamentares, ou bancadas, unificam os interesses comuns entre os membros dos poderes legislativos, independente do partido polí-tico que fazem parte. Esse fenômeno une os parlamentares em função de interesses pessoais, seus ou de seus apoiadores, interesses econômicos e políticos. Na tentativa de representar segmentos religiosos, foram forma-das, por exemplo, a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, a Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana, a Frente Parla-mentar Para a Liberdade Religiosa do Congresso e a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.

Para Carlos Ramalhete, licenciado em Filosofia clássica pela Universi-dade Católica de Petrópolis e em Cultura e Civilização Francesas pela Uni-versidade de Nancy, deveria existir, num sistema de governo que se preten-de democrático, como o nosso, uma representação política proporcional de tendências e interesses políticos, não de “religiões”. “Em alguns casos, a religião de uma pessoa pode levá-la a preferir, neste ou naquele ponto, esta ou aquela solução, mas isso será sempre algo pontual. A religião é muitíssi-mo maior que a política representativa, que continuaria existindo mesmo se todos fossem da mesma religião”, explica.

Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião (PPGCR/UFS), Rodorval Ramalho não enxerga nenhum segmento religio-so prejudicado na vida política brasileira, tendo todos, segundo ele, ampla liberdade de opinião e associação. Para o professor, é dever do Estado laico garantir o pluralismo religioso. “O Estado não pode privilegiar nenhuma religião, mas também não pode “derrubar o Cristo Redentor” para parecer laico”, lembra. Ele menciona que, na tradição ocidental, a primeira menção ao Estado laico veio do próprio Cristo, quando este disse: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. “A ação dos cristãos não impede nenhuma outra ação religiosa na política”, diz.

Agnóstico, Renato Silva, estudante de Engenharia Eletrônica da Uni-versidade Federal de Sergipe, reconhece que, como boa parte dos brasileiros

é cristã, é natural que seus representantes também apareçam em maior quantidade em comparação aos demais. O problema, segundo o estudante, é que, mesmo que eles tenham sido eleitos pelos vo-tos dos cidadãos com o mesmo credo, é preciso que eles representem a todos. “Dar privilégios a certo grupo e agir em prejuízo de outros é errado e dano-so à liberdade de crença e à democracia que foi tão recentemente obtida”, afirma. Embora seja consti-tuída, em sua maioria, por líderes pertencentes às igrejas pentecostais, que apresentam uma maior agressividade em evangelizar, a bancada evangé-lica pretende representar os interesses das igrejas evangélicas como um todo. Assim como a banca-da católica, esta tem como pautas a obstrução da ampliação da legalização do aborto, da criminali-zação da homofobia, da união civil homoafetiva, da flexibilização de leis sobre drogas e da ideologia de

Fé e política: uma relação indissolúvel?

gênero. Os líderes destas frentes, que atuam em de-fesa da família e da moral cristã, se unem para atra-sar ou rejeitar projetos que, de alguma forma, vão de encontro às suas doutrinas. As demais bancadas lutam contra a intolerância e em defesa do direito à liberdade religiosa.

Em 2006, dos 513 deputados federais, 32 eram evangélicos. Em oito anos, esse número cresceu para 75, um aumento de aproximadamente 134%. Unindo-se a três senadores, o número de represen-tantes da bancada evangélica supera o de outras importantes representatividades, como a bancada feminina.

Em 2010, o Partido Social Cristão (PSC) e o Partido da República foram os grupos que mais ele-geram evangélicos, seguidos do Partido Republica-no Brasileiro (PRB), do PMDB, do PSDB e do PT. Entre as figuras mais conhecidas e emblemáticas que representam essa bancada estão o então presi-dente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o Pastor Marco Feliciano (PSC-SP). Confira abaixo como os segmentos religiosos com mais fiéis no país orientam seus fiéis na vida polí-tica.

Vertentes cristãsDe acordo com Josadac Bezerra dos Santos,

professor do Departamento de Ciências Sociais

Cada vez mais delicado, o embate entre os dois campos, volta e meia, gera polêmica e volta a ser pauta de discussão

Grace Araújo de [email protected]

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da Universidade Federal de Sergipe (DCS/UFS), a participação da bancada evangélica na Câmara dos Deputados tem sido, por um lado, bastante mal vis-ta por setores mais esclarecidos do segmento evan-gélico, mas tem sido razoavelmente bem aceita em setores conservadores e fundamentalistas. Segun-do o professor, não há diferenças significativas (ou mesmo não significativas) e nem qualquer restrição a leigos e pastores participarem da política em car-gos eletivos por parte das variadas denominações evangélicas.O catolicismo, por outro lado, embora estimule os leigos a participarem da vida política, proíbe os religiosos a assumirem tal responsabili-dade.

Em 2013, durante um encontro com estudantes do Colégio Jesuíta da Itália, ao responder à pergun-

apoiaram os militares e uns poucos faziam a crítica. Porém, o momento de maior intervenção religiosa na política partidária foi o apoio massivo da Igreja Católica na construção do Partido dos Trabalhadores”, explica.

EspiritismoPara Rivaldo Savio De Jesus Lima, espírita e professor do Departamen-

to de Psicologia (DPS), as vertentes religiosas não costumam aconselhar os leigos e religiosos na vida política. “Pelo menos não aconselhando de forma educativa com uma visão crítica. De fato, muitas correntes religio-sas ‘encaminham’ seus fiéis para uma visão unilateral de interesse da sua congregação religiosa. Acredito que se faz necessário incluir o fiel na so-ciedade, mostrando caminhos para que esse fiel, também cidadão, possa ter uma atuação ampla e consciente do seu papel na sociedade”, explica o professor.

O “fenômeno Chico Xavier” foi um dos responsáveis pelo crescimento de 65% do Espiritismo em 10 anos. A religião, segundo Lima, “ganhou es-paço na mídia e influenciou fortemente nossa sociedade, porém ainda não tem forte representatividade em termos políticos”. O professor lembra que a Federação Espírita do Brasil (FEB) tem se debruçado sobre a relação da fé com a política. Sua editora, segundo o pesquisador, tem lançado alguns livros sobre o atual momento que o país vive. “A obra Espiritismo e polí-tica, de Aylton Paiva, visa conscientizar o leitor quanto a real e crescente oportunidade de influência da Doutrina Espírita sobre a ordem social.

O autor procura demonstrar que o aspecto filosófico do Espiritismo tem muito a ver com a política, já que esta deve ser a arte de administrar a sociedade de forma justa”, afirma Lima. “A importância da política na vida do espírita, não se volta para uma política de cunho partidário, mas sim para estimulá-lo, influenciar e transformar a sociedade, organizando práticas de caráter solidário e justo, buscando um equilíbrio social. O es-pírita, como qualquer cidadão, tem o dever de participar da vida social, cultural e política de seu país, tendo livre arbítrio para escolher suas me-lhores opções eleitorais, olhando sempre o lado da sociedade”, explica.O papel das religiões foi importantíssimo no processo de redemocratização do país. Ele afirma que elas trouxeram aos cidadãos “uma visão de solida-riedade, de paz social, de comunidade participativa, de cidadania plena”. Para o professor, a classe política deve ter uma visão mais humana da so-ciedade e mais espiritualizada das relações sociais.

CandombléFernando José Ferreira Aguiar, professor universitário e sacerdote candomble-

cista, explica que o Candomblé, religião diaspórica afro-brasileira, diferentemente das religiões judaico-cristã-ocidentais, não intervém nas escolhas dos seus adep-tos e iniciados, mas exige apenas o a manutenção do culto ancestral e o cumpri-mento das obrigações rituais, não intervindo, portanto, nas orientações civis e políticas de seus membros.

Sergipe, segundo ele, ainda não possui representatividade do Candomblé na política local, mas já existe uma articulação interna, desde as últimas eleições, que pretende lançar um nome para representar, no campo político, as comunidades tra-dicionais de terreiro.

Conforme Aguiar, para que nenhuma religião fosse privilegiada na esfera política “bastava apenas que o estado efetivasse a laicidade e asseverasse a dignidade de todos os segmentos sem privilegiar uns em detrimento de outros e que favorecesse no campo político a negação da intervenção teleo-lógica e teológica dos segmentos religiosos aonde uns interferem na condi-ção de direito dos demais”. Ainda que um consenso entre ambas as partes es-teja longe de chegar, o país pode comemorar os pequenos passos que tem dado e que já abriram espaço para uma maior representatividade, tornando o debate mais plural e buscando garantir a liberdade religiosa para seus cidadãos.

ta de um jovem, o Papa Francisco recordou de um ensinamento importante da Igreja Católica sobre a participação dos leigos na política: “Temos que nos envolver na política, porque ela é uma das formas mais altas de caridade”. Para o Pontífice, a política está “suja” porque os cristãos não se envolveram nela com espírito evangélico. “É fácil colocar a culpa nos outros, mas e eu, o que faço?”, perguntou. Segue res-posta na íntegra:

Chiara Lubich, fundadora do Movimento Fo-colare, definia a política como “o amor dos amores”. Para ela, existe uma verdadeira vocação política, “um chamado pessoal que emerge das circunstâncias e fala através da consciência”, cuja resposta “é antes de tudo um ato de fraternidade: age-se por algo de pú-blico, que diz respeito aos outros, querendo o bem deles como se fosse o próprio”.

O Catecismo Jovem da Igreja Católica (YOU-CAT) nos diz que “é uma missão especial dos cris-tãos leigos empenhar-se na política, na sociedade e na economia com o Espírito do Evangelho, do amor, da verdade e da justiça. Para tal, a Doutrina Social da Igreja oferece-lhes uma clara orientação”.

Para Rodorval, a Igreja Católica, por exemplo, teve um papel importante na redemocratização do país, embora, segundo ele, tenha se comportado de maneira ambígua durante o regime militar. “Os pro-testantes também se dividiram. Alguns segmentos

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ce C

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ContextoEdição 50 Maio/2016

32 RELIGIÃO

A construção da cultura Daimista em SergipeUm processo de autoconhecimento através do Santo Daime

DISTANTE 3KM DO CENTRO DE SÃO CRISTÓVÃO, NO POVOA-DO DE CAMPO DO MARINHO,

SE ENCONTRA O PARAÍSO, PELO MENOS PARA OS DAIMISTAS.

Para acessar o lugar é preciso esforço e de-terminação para atravessar um caminho que é sinuoso, cheio de altos e baixos e esburacado. No entanto, a perseverança desemboca em um sítio, o Santa Ana. No local situa-se o Céu de São Cristóvão.

No Céu se é recebido por Luke e Ahow, dois cachorros que logo se animam com a presença de visitantes e demonstram com uma aproxima-ção para o afago a hospitalidade que é repetida por seus donos, Sérgio Lima e Flávia Santana. Olhar ao redor do sítio é uma oportunidade de conhecer diversas árvores, são roseiras, coquei-ros, mangueiras, limoeiros, bananeiras, pitan-gueiras, bambuzais, jaqueiras etc. Entre tantas espécies que provêm frutos estão o cipó de Jagu-be e a folha Rainha, que provêm o chá enteóge-no, termo que vêm do grego e significa gerador da divindade eterna, que é o mais importante sacramento dessa religião brasileira.

A doutrina eclética do Santo Daime foi fundada por Raimundo Irineu Serra, conheci-do como Mestre Irineu. Depois de ter ingerido o chá sagrado, através de um xamã de origem Inca, na Amazônia (o chá possui uma histó-ria milenar e seu uso foi relatado em diversas tribos da américa latina), o seringueiro de São Vicente Ferrer, no Maranhão, teve uma visão. Ele viu uma virgem, Nossa Senhora da Concei-ção, e ela o incumbiu de semear as novas dou-

Entrada do sítio Santa Ana

Alisson [email protected]

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Sérgio Lima que é psicólogo, mestre em ciência das religiões, e professor do núcleo de ciências da religião da Universidade Federal de Sergipe (UFS), foi um dos fundadores do pri-meiro grupo do Santo Daime em Sergipe. Em 2005, junto com dois amigos “fardados” (ex-pressão usada para se referir aos membros), de-cidiu iniciar os estudos sobre a doutrina daimis-ta no estado. “Em algum tempo começamos a nos reunir, na minha casa na Farolândia, para estudar os hinos e aspectos da ritualística dai-mista, dando origem à Luz de Cristal, primeiro grupo nascido no estado. ” O grupo posterior-mente se dissolveu e hoje em terras sergipanas existem duas comunidades daimistas, a Igreja

Aqueles que se sentem atraídos e que dese-jam tomar o Daime precisam passar por uma en-trevista prévia, de preferência com um fardado que trabalhe com saúde mental. No caso do Céu de São Cristóvão duas pessoas atendem a essas recomendações, Sérgio (dirigente) e Fernanda Cohin, ambos são psicólogos. Pergunta-se na en-trevista se o interessado na religião possui algum diagnóstico de transtorno mental, se faz uso de psicotrópicos, se já alucinou alguma vez na vida e por quais motivos ele gostaria de fazer parte da religião.

Entre os entrevistados estava o estudante de Engenharia Eletrônica, Carlos Eduardo Maia, 20 anos. Ele tomou conhecimento da religião atra-vés de pesquisas realizadas na internet e decidiu conhece-la. O estudante foi impulsionado pela busca do autoconhecimento depois do faleci-mento da irmã. “Eu senti a necessidade de estar mais ligado com a natureza, com a espirituali-dade. Eu não acreditava em nada, depois do que aconteceu eu senti que existia algo a mais e eu queria entrar em contato com ele. ”, explica.

Após a entrevista o dirigente passa as doutri-nas e aconselhamentos deixados por mestre Iri-neu. É preciso que o seguidor da religião se abs-tenha de sexo e bebidas alcoólicas três dias antes e depois da ingestão do chá.

Além disso se aconselha que se tenha uma alimentação mais leve no dia e se use roupas cla-ras durante os trabalhos, evitando o preto e o ver-melho. Segundo Amon Cohin, um dos mais anti-gos fardados do Céu de São Cristóvão, também é preferível, evitar comidas que possuam tiramina, como por exemplo queijos, carnes defumadas e carne vermelha.

Folha Rainha

Contato com o Sagrado e os TrabalhosRespeitando-se as regras e levando em

consideração os conselhos é possível ingerir o sacramento em um dos trabalhos cerimo-niais. Em todos eles se ingere o Santo Daime. O chá é produzindo através da cerimônia de feitio, onde vários fardados produzem o chá. Os homens cuidam do cipó e as mulheres das folhas. Este trabalho não é feito no Céu de São Cristóvão, mas sim em uma comunidade em Palmas, Tocatins. Amon explica: “Falta gente para conseguir realizar o trabalho, fa-zer o chá demanda muitas funções. Além dis-so, o cipó e a planta ainda não estão prontos para serem colhidos.” A expectativa é que em cinco anos o número de fardados aumenta-rá o suficiente e as plantas também estarão prontas.

Com a quantidade trazida de Palmas é possível realizar os trabalhos do ano todo. Existem alguns. Os hinários são os trabalhos mais longos e mais importantes. São realiza-dos em ocasiões especiais, nas datas de natal, nas festas de reis e de Nossa Senhora da Con-ceição, todas datas iguais às do calendário cristão. Neste trabalho, os daimistas se co-locam a dançar e cantar os hinos compostos por mestre Irineu. Ao todo são 126 hinos. A cerimônia dura entre 10 e 12 horas. Existem também os trabalhos de cura e as santas mis-sas. O primeiro é voltado a cura espiritual e

Cruz de Caravaca

o segundo é realizada para que se reze pelas almas dos conhecidos que já partiram.

O contato com o Daime possui um po-der bastante transformador. Alex Favoretti, 27 anos, estudante de medicina veterinária, nasceu em uma família de classe média em São Paulo e cresceu sob lógica do consu-mismo. Formou-se em Sistemas de Infor-mação e ganhava bastante dinheiro com o serviço. “Ainda que eu tivesse carro novo, dinheiro, me faltava algo.”

O estudante sofreu bastante com o es-tresse e chegou a ter gastrites e a pesar 126 kg, hoje pesa 76. “Com tudo isso comecei a buscar, a me espiritualizar e me perguntei se a criança que eu fui gostaria do adulto que eu me tornei. ” Nessa busca pela espi-ritualização, ele encontrou o Daime.

“Tive uma sensação de equilíbrio, de estar realmente conectado com a natureza e um sentimento de que somos todos um só. Diferente da minha visão capitalista/individualista da adolescência. ” Ele tomou pela primeira vez em Sorocaba, no Céu Sa-grado e depois decidiu abandonar tudo e mudar-se para Sergipe. Desde então, fre-quenta o Céu de São Cristóvão.

A bebida enteógena, também modifi-cou a vida do enfermeiro de 43 anos, Jack-son Desidério. Nascido em Xique-xique, na Bahia, tomou o Daime pela primeira vez em 2007, na cidade paulista de Bertioga. “Já tive grandes transformações positivas. A bebida sagrada faz a gente se enxergar. Ob-servar nossos defeitos e qualidades.” Con-tudo, não são todas as pessoas que aceitam a religião daimista. Existem casos de des-criminação e preconceito com relação às pessoas que a seguem.

Alguns afirmam que os seguidores são ma-lucos e drogados, no entanto, para os daimistas se trata apenas de falta de conhecimento da re-ligião e um menosprezo por aqueles que esco-lheram o mais diferente do geral e padronizado. Sérgio define a experiência com o enteógeno: “É uma benção plantada no jardim da criação capaz de retirar os véus da dualidade do nos-so olhar e razão, fazendo-nos reconhecer nossa essência mais sublime, nossa ascendência divi-na. “

A experiência com o enteógeno é vista, principalmente, como uma oportunidade de autoconhecimento. O chá é uma divindade que facilita o contato entre a consciência e aquilo que está além dela. Desta forma o Santo Daime representa uma chance de aprendizado e escla-recimento.

Talvez por esse motivo, as espécies utiliza-das para a produção do chá sejam conhecidas na cultura cabocla, como “plantas professoras”.

Alisson Castro

Alisson Castro

trinas. Desta forma o homem negro que viria a ser chamado de Alto Santo começou seus traba-lhos espirituais em Rio Branco, Acre. Mestre Iri-neu é considerado fundador da religião, os seus ensinamentos e as doutrinas passadas por ele são seguidas até hoje. Em sua vida ele compôs os hi-nos que são entoados nas cerimônias realizadas por seus seguidores.

Entre outras coisas, o mestre proibiu o pro-selitismo da religião, por este motivo também surgiu o nome Daime. Segundo ele, o Daime é para todos, mas nem todos são para o Daime. O nome está ligado ao rogativo “dai-me”, como um

pedido de esclarecimento, paz, amor, etc.Sérgio Lima, dirigente do Céu de São Cris-

tóvão, explica: “É por isso também que não se deve convidar ou oferecer daime para nin-guém, o encontro com o daime deve nascer de um chamado pessoal, uma vontade nascida ou sentida no coração daqueles que nos procu-ram em busca de luz, amor, autoconhecimen-to em sua jornada terrena, por terem sentido o clamor desse chamado e a possibilidade de encontrar respostas nessa escola de conheci-mentos espirituais nascida da f loresta amazô-nica. ”

Altar onde fica exposta a bebida Sagrada

Flor da Rainha e o Céu de São Cristóvão. O úl-timo foi criado também por Sérgio, em 2011, no sitio Santa Ana, onde ele morava até novembro de 2015.

Simbolismo e AconselhamentoA cultura daimista é marcada por uma gran-

de ecleticidade, porém dois símbolos cristãos se destacam: a estrela de Davi e a Cruz de Cara-vaca. A estrela de seis pontas, símbolo deixado pelo mestre Irineu para designar os fardados, simboliza o contato entre a terra e o céu, entre o terreno e comum com o divino. Já a cruz com dois braços significa parúsia de Cristo, ou seja, o retorno do Salvador vivo. Outros símbolos fo-ram incorporados como as palavras: harmonia,

amor, verdade e justiça. Elas podem ser encon-tradas no salão onde os trabalhos são realizados. Outro aspecto importante dentro do universo daimista são as cores azul, branco e verde que simbolizam a ligação da religião com a nature-za. No sítio onde acontecem as cerimônias se tem o cuidado com a preservação ambiental, os banheiros que estão sendo construído através de mutirões, são feitos com bambu e barro, as telhas são feitas de materiais recicláveis e cadei-ras quebradas são reaproveitadas para a cons-trução de vasos sanitários, os próprios seguido-res da religião reformam o local. Este cuidado com o meio ambiente está também evidente em alguns hinos entoados durante as cerimônias.

Alisson Castro

Alisson Castro

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P.S. Apesar de tudo isso que te mostrei, caro amigo...

eu ainda tenho esperanças de que dias melhores virão.

Atenciosamente,

Aracaju.