jornal coletivo sÓ - quarta edição, outubro de 2008

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- Edu Viola (psicodelia brasileira) - Sessão literária, Revolução Russa - Os primeiros anos do Joelho de Porco (rock nacional) - Ktzat Acheret (progressivo, avant-gard israelense) - Artigo sobre Freddie Hubbard (jazz-fusio, jazz-funk) - Reportagem Simplão de Tudo - Especial de três página do Terreno Baldio (rock progressivo nacional)

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só | quarta edição, outubro de 2008, distribuição gratuita

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Abaixo o tédio musical! assim anunciamos a quarta edição de nosso jornal. Este número desvenda o un-derground paulistano dos anos 70 através da figura de Edu Viola e da primeira fase do Joelho de Porco. Os sopros de Freddie Hubbard dividem espaço com o arrojo do grupo israelense Ktzat Acheret. Mais uma de nossas cobertu-ras traz a festa de seis anos do Simplão Camping Rock Bar, retiro que abrigou dúzias de malucos e música de qualidade.O especial com o Terreno Baldio relembra o surg-imento do grupo e repercurte sua celebrada volta aos palcos. Estendendo o leque cultural do co-

letivo só, apresentamos uma nova sessão: com só-letrado, indicações e críticas literárias passam a fazer parte de nosso menu.Com um mês de atraso este número foi fei-to em meio a preocupações diversas, mas o resultado final tem como único intento sepultar os problemas e agradar nossos leitores.

Agradecimentos: Amarílis Gibelli, Dió-genes Burani (Moto Perpétuo e O Bando), Roberto Lazzarini e João Kurk (Terreno Baldio), Rodolfo Ayres Braga (Joelho de Porco), Shlomo Ydov (Ktzat Acheret), Edu Viola, Marcelo Bacha, Grace Lagôa, An-dré Cristóvam e Fábio Zaganin, Movimento Psicodália, toda turma do Rock da Canta-reira, Carlos e Kátia Suarez e aos nossos anunciantes.

EXPEDIENTE:ANDRÉ MAINARDI (comercial, reportagem e textos)CHUCK DEDO AMARELO (arte e comercial)LUCAS RODRIGUES DE CAMPOS (comercial, dia-gramação, edição, reportagem e textos)TATIANE KLEIN (revisão)As matérias não creditadas são de autoria de André Mai-nardi e Lucas Rodrigues de Campos

Contato: [email protected], 9899-6785, 2218-0796

ERRATA: Na capa do número anterior, ed-ição e data corretas são “terceira” e “julho de 2008”, respectivamente. Na 11ª página, seção Udigrudi, o nome da banda Saunofl ex foi grafado incorretamente.

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chumbo”, tocou guitarra e viola no lendá-rio grupo Sindicato com Ricardo Petraglia e no Alpha Centauri com mestre Dinho Gonçalves, um dos grandes nomes da per-cussão brasileira. Em 1980 lança seu LP em Brasília “O Direito ao Avesso”, no teatro Galpão. De 1980 a 1985, ainda em Brasília, trabalhou como autor e diretor em vários espetáculos com elenco da cidade: “A Hora e a Vez do Jumento” de Orlando Tejo; “Os Interesses Criados”, de Jacinto Beneventti, “Uma Tragédia Atual”, de Peterson Diesel, e outras duas do mesmo autor: “O Último Rango” e o “Pau do Homem”. Regressa a São Paulo em 1986, dirige o musical “Os Últimos Dias de Robson Crusué”, de Je-rome Savari. Funda então, com o maes-tro Tadeu Passarelli e a arquiteta e artista plástica Lourdes Calheir,o grupo Toda Ópera, ofi cina permanente de construção de instrumentos musicais e instrumentali-zação para o teatro, quando promovem um fórum de debates sobre a língua nacional

cantada, dando origem a vários espetáculos e congregando elencos variados: “Bandeira em Pessoa” com Mário nos lábios, ópera “Café” e “Meu Tiête”de Mario de An-drade. Do encontro em 2000 com o poeta Rodolfo de Souza Dantas nasce a ofi cina Orquestra Mário de Andrade, encontro entre música, poesia e artes plásticas, com dança, em busca da cidadania.

Atualmente Edu vive com sua esposa, a ir-landesa Maureen e com sua parceira artísti-ca Lou Callheiros em uma centenária casa no bairro do Paraíso onde sempre morou e trabalhou; palco de inúmeras farras, ensaios e gravações musicais transformado hoje na Fundação Cultural “Constança Guedes”, em homenagem a sua mãe. Ele ainda con-tinua tocando, compondo músicas e trilhas sonoras, se dedicando a invenção, conserto e restauração de relíquias como a coleção de violas e fl autas de Mario de Andrade.

Você já ouviu falar de Edu Viola? Os mais de trinta e cinco anos de carreira deste cantor, compositor, liutáio - con-strutor de instrumentos musicais, escola italiana. - e descendente de índios cariri, se confundem com a história do under-ground e da vida cultural paulistana. Vale lembrar que compilar, catalogar e levar ao conhecimento de um grande público todo o acervo de Edu seria um desafi o homérico até mesmo para pesquisadores experimentados.

Eduardo Rodrigues de Oliveira e Silva é de origem humilde. O pai era artesão e a mãe, uma mulher que adorava can-tar - que foi amiga de Mário de Andrade, cantou para Villa-Lobos e deu aulas para Milton Nascimento. “Quando eu era menino minha mãe me escolheu pra ser cantor”, conta Edu, explicando que era assim que mestre Mozart recomendava que se fi zesse, o aprendiz deveria ser es-colhido na mais tenra idade. A falta de

especialização com algum instrumento fez com que ele se lançasse no ofício de liutáio. “São meras ferramentas. Ser cantor me ti-rou o medo dos instrumentos.”

Além de exercer o curioso ofício de in-ventar e construir instrumentos ele é autor e diretor musical, compõe para cinema e tv. Transita pelos meios musical e o teatral, tendo trabalhado com os maestros Paulo Herculano e Jamil Malufi ; diretores como Ademar Guerra, Silney Siqueira e Bibi Fer-reira; atores como Sônia Braga, Lima Du-arte, Paulo Autran e Tônia Carrero; e músi-cos como Milton Nascimento, Hermeto Pascoal e Renato Russo.Gravou dezenas de compactos e LPs, conheceu os tropica-listas e se apaixonou pela guitarra elétrica. Lutou contra ditadura enquanto cursava arquitetura na USP, participou da famo-sa adaptação brasileira do musical Hair, fl ertou com os roqueiros por infl uência de Zé Brasil (músico, compositor e bateri-sta do Apokalypsis) e, ainda nos “anos de

Eu os vejo rindo, rindo, rindo...

por andré mainardi

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Rodávamos calmamente pelas desertas ruas do bairro do Paraíso. O motorista, apocalíptico, com um sorriso malicioso, dissertava acerca da figura do velho amigo. “Hoje vocês estarão entrarão em contato com o que havia de mais under-

ground na São Paulo dos anos setenta”.

Entramos numa travessa qualquer da Rua Tutóia, próxima às instalações do antigo DOI-CODI, e estacionamos em frente a uma simpática casinha branca de porta, janelas e portões caiados de verde cercada de um pequeno jardim à entrada. “É aqui!”, anunciava, enquanto Edu Viola vinha

ao nosso encontro acompanhado de um jovem e de uma mulher.

Um homem sexagenário, rosto duro, moreno, marcado e caprino, contornado por barbas e cabelos longos e grisalhados. Nos cumprimentou timidamente pondo à mostra seus dentes amarelados por lon-gos anos de militância tabagista. Trazia uma viola battenda debaixo do braço e nos convidou a entrar juntamente com seus dois acompanhantes. Adentramos uma pequena sala adornada de cande-labros, velhas estantes abarrotadas de imagens de santos, adereços e amule-tos indígenas além de toda a sorte de instrumentos musicais. Velhas violas e rabecas, cor de moldura de quadros antigos, guitarras elétricas, berimbaus e fl autas de todos os tipos e tamanhos empilhados à entrada e por toda sala em estrados e móveis de anamórfi ca irregularidade. Do lado esquerdo, tín-

hamos o corredor com dois cômodos à direita, provavelmente uma ofi cina, um

quarto de dormir e um banheirinho o qual, por alguma misteriosa razão, fomos

admoestados a “não trancar por den-tro” ao usar. Tal corredor nos levava à

vetusta cozinha semelhante a uma verdadeira tenda indígena. Uma grande mesa de madeira ao centro e cada vez mais objetos antigos e instrumentos musi-cais ímpares entulhados em uma confusão de cores e poeira temperadas com um forte odor de pimenta, incenso indiano, café torrado e adocicado aroma que indicava o uso recente de la yierba buena.

Nosso anfi trião nos jogava às mãos tutti quanti e ia contando a história de cada um daqueles cacarecos. — coisas curiosas como revistas dos anos vinte, baionetas e capacetes da datados da Revolução Cons-titucionalista, fl âmulas da FEB e instrumentos de sua própria invenção, como a fantástica Violé-trica, uma espécie de guitarra elétrica com braço de viola caipira adaptado, que ele utilizava nos tempos do Alpha Centauri. Café passado...Let’s roll another joint! Começava a noitada na casa do Edu Viola.

Cabeças feitas a rolar na névoa das intensas fumiga-ções, um maço de folhas secas pendia mumifi cado, da abóbada do recinto, oscilando levemente à brisa da noite, ao fosco clarão de uma só lampada elétrica ou de muitas ou de nenhuma. Ao centro diante da mesa Edu, na presença de nós roqueiros, atacava seus velhos rocks dedilhando com um cão danado, um violão Del Vecchio dos anos quarenta e balbuci-ando sem cessar, como um rabino velho a murmu-rar de forma blasfêmica os setenta e dois nomes de Deus. Melodias em harmonias modais, causos sobre espíritos antigos, guerreiros atemporais marchando para fora do plano astral invadindo nossas Trompas de Eustáquio.

Eu os vejo rindo, rindo, rindo...

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só-letrado

Longe de ser brilhante como As Vinhas da Ira de Steinbeck e muito me-nos de trazer as melhores chapas fotográfi cas de Capa, o livro, como sugere o título, é o retrato preciso da viagem destes dois in-trépidos correspondentes

do Herald Tribune, de New York, pela URSS do pós-guer-ra. Em quarenta dias percorreram a fria e neurótica capital Moscow, Leningrado, Stalingrado − devastadas pela fúria insana dos nazistas −, regiões agrícolas da Ucrânia e pela ensolarada Georgia, terra natal do ditador Stálin.

Mantendo cautelosa distância do Krêmlin, dos militares e da política internacional, o olhar clínico e imparcial do autor é lançado sobre o povo soviético comum, esmiuçan-do seus dramas, glórias, esperanças e sua ancestral descon-fi ança com estrangeiros e câmeras fotográfi cas, apesar da cortês hospitalidade. Escrita em tom ameno, a reportagem traz a sinistra exuberância das fotos de Robert Capa, um dos maiores fotojornalístas do século XX. Jonh Steinbeck publicou dezenas de reportagens, ensaios e romances entre eles Tortilla Flat de 1935 e In a Dubbious Battle de 1943, morreu em 1968, seis anos depois de ser agraciado com o prêmio Nobel de literatura. Capa lançou cinco livros de fotore-portagem, em sua maioria fotos das guerras que co-briu. Morreu ainda jovem, vítima de uma mina ter-restre, enquanto registrava o confronto na Indochina Francesa em 1952.

Um diário RussoJohn Steinbeck e Robert Capa, Cosac Naify

O Ano 1 da Revolução Russa Victor Serge, Boitempo

Como de costume, a Boitempo Editorial lança mais um livro que caracteriza uma vocação: O debate sobre os rumos da Esquerda em cima da recuperação de fatos e teorias vitais sem deixar de lado a contemporaneidade do tema.

A última empreitada da editora é a publicação de uma obra inédita de Victor Serge no Brasil sobre “O ano 1 da Revolução Russa”, relato vivaz do fato político de maior impacto do século XX. Serge, um dos militantes preteridos pela história vermelha, consegue transportar o leitor para as praças russas com narrativas emotivas e aliadas a uma escrita mais crítica - ao tratar das disputas e polêmicas que marcaram a ascensão do regime soviético, notado, entre outros, nos relatos sobre a Constituinte.

De editor do jornal Anarchie e cárcere acusado de insti-gar ações de uma quadrilha a secretário da Internacional Comunista, o autor fez o curso exemplar de um revo-lucionário, adquirindo uma formação baseada no anar-quismo. A herança dos tempos em que militou ligado a esta teoria política, por vezes, trazia indagações. Mas ao pisar no solo de lutas de 1919, teve a percepção de que o partido bolchevique respondia aos anseios do proletari-ado, fortalecendo a crença no sucesso da revolução.

Sempre leal às suas idéias, Serge não se deixou abater nem pela euforia de entusiastas como Trotski, nem pelo

pessimismo daqueles que romperam com a estratégia socialista. A sobriedade dos relatos, apoiados em documen-tos recuperados, e o tato com as palavras man-têm o já natural tom épico de alguns episó-dios da Revolução Russa; mas estes episódios não perdem a veracidade ou o peso histórico.

É assim que o autor consegue pintar o quadro, em suas próprias palavras, “verídico, vivo e ra-cional” que compreende os anos entre a tomada do Palácio de Inverno e a expansão da revolução para o centro europeu, período de maior êxito dos proletários na busca da constituição de uma nova sociedade.

O Ano 1 constitui um trabalho árduo de pes-quisa, que se alimentou não somente dos debates políticos: procura retratar o nascimento de uma nova dinâmica do cotidiano, por isso o autor reserva espaço para trazer à tona a casa, a edu-cação, a cultura do revolucionário. Esse esforço surge diante da importância em que se coloca a insurreição do proletário russo naquele Outubro e sua organização posterior, período fundamen-tal para o desenvolvimento do corpo soviético e subsídio para quem pretende compreender os dilemas do socialismo.

Resignado e profundamente preocupado com os traços totalitários do governo de Stalin, Vic-tor Serge, ao escrever este livro em 1930, sentia a necessidade de fazer uma historiografi a prole-tária capaz de “mostrar a maneira como os que fi zeram a revolução a entendiam e a entendem ainda hoje”; Uma tentativa de recuperar o corpo então dominado por uma cabeça contraditória, que sufocou qualquer possibilidade de um re-gime democrático na URSS, capaz de tentar apagar da história nomes fundamentais para o estabelecimento do processo revolucionário.

Dois registros diferentes e marcantes para a história socialista. do ascenso vitorioso em 1917, à megalomonia stalinista. Serge e Steinbeck desmistifi cam a idéia do “terror comunista” e, com relatos verídicos, expõem feridas, reconhecendo as virtudes do sistema.

andré mainardi

lucas rodrigues de campos

a estante do coletivo

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O Rock Matreiro do Joelho de Porco

Tico Terpins e Rodolfo

A Pompéia deveria ser tom-bada como patrimônio históri-co-cultural da cidade de São Paulo. Do grande centro difu-sor do rock paulistano, emer-giram Os Mutantes, Made in Brazil e Tutti-Frutti. Oswaldo Vecchioni conta que era raro uma “garagem não-eletrifica-da”; Um simples passeio pelo bairro denunciava a devoção roqueira e o amor pelas guitar-ras elétricas.

Rodolfo Ayres Braga, mais um

grande fanático pelas seis cordas, optou pelo contrabaixo diante da falta de in-strumentistas desse ofício, quando fun-dou, com Daniel Raar, o conjunto Os

Febris, em1967, ano em que o iê iê iê dominava as rádios e a cultura juvenil. Mais maduro, em 1972, Rodolfo apostou em uma sonoridade mais pesada: Island-ers – pré Terreno Baldio com Lazzarini e Kurk, ( ver matéria nesta edição) – e US-Mail, com o vocalista Percy Weiss.

Do rock quente às primeiras joelhadas

Ponto de encontro de músicos e aficio-nados por som, a loja Bip Bip, importa-dora que se transformou na renomada Transasom, foi palco do primeiro encon-tro entre o batera Próspero Albanese e Rodolfo, então representante comercial da loja, responsável por vender equipa-mento para os lendários grupos Blow Up e Stillus Set. Uma boa conversa e a paixão por rock pesado ligou rapida-mente os dois músicos. Estava armado o lance do Hot Rock que tinha como proposta um som a la Cream. As gui-tarras ficaram a cargo de Carlos Alberto Bogossiam, “O Bogô” dos Beatnicks, banda que gravou um compacto em 1968. A breve história do Hot Rock se resumiu a alguns ensaios e uma histórica apresentação no TUCA – dividindo o tablado com o Mona de Fábio Gaspa-rini e o exótico Makku Shark – que teve como atração a mais, o extravagante e pomposo visual dos caras, fiel retrato da época. A saída de Bogô pôs fim a banda e abriu espaço para o surgimento do primeiro Joelho, com Conrado Ruiz, multi-instrumentista amigo de Albanese ao piano e Gerson Tatini, declarado fã do Yes (Moto Perpétuo, mentor da ban-da-tributo Yessongs), como solista. Um parêntese deve ser reservado para Tico Terpins, figura ímpar, letrista de alma rebelde “sujeito que aparentava muita

experiência apesar da pouca idade”, lembra El Captain Braga.

Jucalemão; A taverna recebia periodica-mente a faminta turma de Próspero, a procura do Einsbein, receita germânica a base de jo-elho de porco. O baterista recordou o nome do prato, às pressas, antes de subir ao palco com um grupinho nos tempos de colegial. O desbundado nome casava perfeitamente com o recém nascido projeto. Em ritmo alucinante, a banda começou suas atividades; “Oito en-saios por semana” segundo Rodolfo. Com as bases do novo time prontas, Tatini consegue esquematizar com o selo Sinter, subdivisão ligada à Phonogram, a gravação de um com-pacto simples.

Arnaldo e Nona Sinfônia

Ao contrário do que reza a lenda, Arnaldo Baptista não produziu esse primeiro registro do Joelho de Porco; Presente no estúdio Scat-ena durante a sessão, o mutante chapadão, par-

após o lançamento oficial do disco sete po-legadas, no programa televisivo Almoço com as Estrelas, Tatini, cada vez mais fissurado em Chris Squire e cansado da guitarra, abandona o grupo. A entrada de Mozart Mello chegou a ser ventilada, mas quem ficou com o cargo foi o lendário Walter Baillot, in memorian, que acompanharia o Joelho na sua fase de maior sucesso comercial.

Com o Joelho na estrada

O gás novo oferecido pelos riffs de Waltão fez rapidamente o Joelho cair na estrada. Com esta formação, participaram, com Os Mutantes, do festival Primeira Colher de Chá em Cambe, ho-mérica “maconhada” onde a Repressão baixou, mas não teve meios para prender tanta gente. Ainda marcaram presença na Rádio Clube de Santos, fizeram uma curta temporada no Teatro Brasileiro de Comédia e, junto com o grupo Kapta e Tony Ozana, tocaram em um histórico festival no estádio Moringão, em Londrina. “Teve também um show com Os Mutantes e Sá, Rodrix e Guarabyra na Vila Belmiro, está-

ticipou da gravação e o tempo todo foi vítima das gozações do gru-po. “Ele era um bom sujeito... Bem intencio-nado. Apoiou bastante a gente naqueles tem-pos”. Com o cabelo bicolor e em profun-das viagens lisérgicas Arnaldo viu suas in-tenções transmutarem-se em engodo; Sua divertida participação resumiu-se à execução do tema principal da Nona de Beethovem ao final de “Fly Améri-ca”, atacada num gi-gantesco sintetizador Harpschord, especial para estudos de Músi-ca Eletrônica. A toccata foi encerrada com um bend e com o inevitável “apagão” do músico, que capotou no assoalho do estúdio. O lado B do disquinho foi preenchido com “Se você vai de Xaxado, Eu vou de Rock’n’Roll”. Logo

dio do Santos FC. Não chegamos a to-car porque não de-ixaram a gente usar o PA que era dos Mutantes. Ficamos bem chateados seria uma ótima opor-tunidade pra nós”, lamenta Rodolfo.

A agitada vida na estrada começou a gerar conflitos que culminaram com a saída de Conrado e a decisão de Ro-dolfo de partir para New Orleans no fi-nal de 1973, pondo fim à primeira fase de um dos princi-pais grupos do rock

tupiniquim. Os sobreviventes, Rodolfo, Con-rado e Próspero, atualmente, mantêm constante contato e cultivam esperanças de encontrarem espaço nas suas muitas ocupações para uma possível reunião do Joelho de Porco.

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NonamesIsradisc - 1974

Shlomo Gronich: Piano, Fender Rhodes, Orgão Hammond, Mellotron, percussão, vozes e arranjo de cordas.

Shem Tov Levy: Flautas, piano, bateria, percussão, vozes e aranjos de corda.Shlomo Ydov: Violões (folk e clássico), guitarras, contrabaixo, percussão, vozes e arranjos de corda.

c â m a r a d e e c o

Ktzat Acheret

Através dos 70, o fenômeno Sgt. Peppers ainda ditava regras no cenário pop ao redor do globo. Servindo-se de alucinógenos, con-tracultura e da receita “g eo rg emar t i ana” – mesclar rock’n’roll, Erudito a elementos da música e cultura locais – jovens do mundo inteiro construíram a história da música que marcou a década. Foi assim aqui no Brasil, com a Tropicália, na

que amadureceriam, três anos mais tarde, no Ktazt Acheret. Ao rodar na agulha o único LP gravado pelo trio, logo per-cebe-se uma sonori-dade Abbey Road, porém muito mais sofi sticada, com re-quintado tempero erudito-jazz-avant garde, funcionado como roupagem nova, catalisadora da música tradicio-nal judaica, sendo de

Alemanha, com o Krautrock, e até mesmo em países do bloco comunista como Cuba, Tchecoslováquia e Romênia. A coisa não foi diferente na Israel de 1974.

Após a traumática guerra do Yom Kippur, três prodigiosos multi-instrumentistas e ar-ranjadores, Shlomo Ydov, Shem Tov Levy e Shlomo Gronich, voltando do serviço mili-tar, reuniram-se e formaram o grupo que viria ser à pedra fundamental da pequena e tacanha cena progressiva na Terra Santa. Gronich, inveterado amante dos Beatles, gravou seu primeiro disco em 1971, antes da eclosão do “arranca-rabo” nas Colinas de Golã. Why Didn’t You Tell Me foi con-siderado o primeiro trabalho de música jovem de vanguarda no país. Este seria o grande laboratório para misturas sonoras

origem semita, com semelhanças nítidas de música árabe, mesmo não sendo modal. Durante a sequência, os vocais, em hebrai-co e inglês, são executados com dinâmica e perfeito equilíbrio. O instrumental é sin-fônico; A gama de sons usada nos arran-jos é grande e não há uma predominância de timbres datados como os do Fender Rhodes, Hammond ou Mini-Moog.

O grupo se dissolveu ao término das gravações, com a partida de Gronich para os EUA. Shlomo Ydov, argentino de ori-gem, se tornaria posteriormente o grande astro do pop israelense, emplacando vito-riosa e lucrativa carreira solo na “Terra das Doze Tribos”.

Ler discos, ouvir letrasLer discos, ouvir letrasLer discos, ouvir letrasLer discos, ouvir letrasLer discos, ouvir letrasHidratado por algumas cervejas

e uma dose de suco, num ambi-ente decorado por ares que esca-pam do meu controle e dançam numa valsa psicodélica, talvez funk. Recostado, em meio a um horizonte que não me pertence, de cômodos grandes e vazios. Situado num antro de senhores que passeiam com seus belos cães em busca de uma felicidade falida. A minha felicidade bus-co num vinil já estacionado na pick-up e no swing sincopado de um “negão” que acaricia seu trumpete, com êxtases que go-zam junto à toada de um baixo da marca Ron Carter, aqui sem amarras. O som remete aos que dormem logo em frente e são de fatos meus vizinhos - de forma fria, não tanto - a orquestra de Sebesky repousa em meus ou-vidos e acomoda as loucuras de uma gang jazzista, acuada, mas sensível e triste, amargurada de torturas e esperançosa de liber-tação.

Estou abaixo de um pôster de Che, ao lado de outro de Flo-restan e avisto Evo no mesmo formato. Certamente os músi-cos que idolatro não estão atrás de nenhum deles no quesito re-volução. O vazio de minha mente impede que consiga desenvolver,

ou melhor, criar sentido nestas parcas pala-vras, estou ao som da orquestra que ritma uma trilha obscura e sombria, com cordas e sopros chorados e que coroam as minhas ânsias. Há uma tentativa de tornar o aqui mais vivo, por enquanto tímida. O mais vivo traduz-se em conforto agudo, acompanha-do de Hubert Laws e sua fl auta. Surge um teclado, que deixa mágoa. Batidas de uma bateria singela. Liberta-se Freddie, o show é seu; você é o “First Light” – pára e per-mite a seus camaradas um pouco dela, a luz, com a paixão de teclas eletrônicas – Logo volta e domina com uma pseudo bossa, que trava e demonstra um percalço. As-susta-me, um buraco, um risco. Um passo para trás. Conserto mal-ajambrado para os que têm direito a concertar. Fim de morte anunciada – sopros em que falta ar, secos, como garganta velha. A orquestra, solene, acompanha o réquiem.

First Light, Freddie Hubbard

Ler discos, ouvir letras

andré mainardi

lucas rodrigues de campos

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p i n g ac a f ér o c k

v i o l as o mm a t o

por lucas rodrigues de camposcontribui; chuck dedo amarelo

cobertura

Impressionado com novas paisa-gens aparecidas na linha de trem desconhecida – do Brás até Rio Grande da Serra – ele constatou ser um “Hippie de Cimento” e da correria, espantandose com a mata atlântica rodeando poucas chá-caras, e alguns pólos industriais, quando rumou à Paranapiacaba.

Um “apartamentista” de 19 anos, meio mole, tomou coragem e foi ao encontro do legítimo registro contemporâneo da psicodelia. Ainda dentro de territórios met-ropolitanos/centrais (estação Rio Grande da Serra), encontrou o ilustrador viajante, em um agendamento sinérgico. O ônibus aportou logo no vilarejo símbolo do pro-gresso industrial do começo do século, uma hospedagem entre capital e litoral. “Parana-piacaba representa o panóptico” – teoriza um proto-sociólogo, rockeiro de profi ssão. O olho sobre a cidade aponta o casarão no ponto mais ao alto. Teoria testada pelo gru-po que aportava na vila, alvejado por um estúpido candidato a vereador com “dor na roela”, sem perder a pose coronelista. Da sacada inglesa, uma senhora emenda: “Esse é o sal de fruta Ênio”.

Sem guia fardado, mas com um viajante com três anos de estradas brasileiras nas costas, os pouco mais de 5 km não eram empecilho. Ponto de partida: Paranapia-caba; Ponto de chegada: Simplão de Tudo, em Mogi das Cruzes, próximo à sub-es-tação de Furnas, conhecida como Tijuco Preto. Qualquer tensão foi aliviada previa-mente, quando encontramos um grupo de Funiculeiros capitaneados por uma recente ex-militar.

Levemente fechada, a mata amenizava o calor. Com o tempo, o sol parecia en-raivecer - nos atingia as costas por entre os clarões abertos para as plantações de eucalipto, ameaça real do barões da celu-lose. A prova fi cava por contas dos montes

de entulho e terra, que pareciam desenhar uma trilha por entre subidas e descidas. Al-terado, mas não pela indústria do papel, um cânion surge e denuncia que ali havia um rio. O vale devia ter uns 20 metros de altura e os paredões recordavam a corrida de uma cachoeira.

Alguns metros a frente, uma aparente entrada de trilha dava numa pequena ca-choeira, quase piscina. Os ornamentos logo pintaram o terreiro de macumba. Para receber a comitiva, uma dúzia de velas, um cesto tombado junto à água e fl ores se es-palhando por ela; levantando a vista, restos de tecido e um quase vestido prendiam-se

aos galhos.Menos de um quilômetro, destino alcan-

çado. A pequena chácara é composta por um palco assentado na garagem, um bar, uma cozinha caipira com forno a lenha: tudo despencado num declive, espaço para mais uma piscina natural. O recolhimento veio em forma de música e todo ar ofereci-do pela Mata Atlântica nativa. Por volta de trinta barracas acolhiam uns cem malucos, reunidos a espera de boa música.

O cast atraiu o público e a atenção dos loucos por música. A seleção, na qual de-stacaram-se Cosmo Drah, Banda Vuô,

Mud Shark e Jazz CO (não confundir com o combo jazzístico da década de 70, e que ainda está na ativa, capitaneado por Ama-dor Bueno), foi convocada por Chris. A proprietária do Simplão Camping Rock Bar recebeu a romaria para comemorar seis anos de resistência rockeira, sempre ofer-ecendo um canto, goró e boa música.

O repertório hard progressivo do grupo COSMO DRAH abriu bem a noite. É a quarta vez que acompanho o grupo e o progresso e refi namento na execução dos tributos surpreende a cada apresentação. O equilíbrio dos integrantes Elton (baixo), Renato (bateria), Ziemmer (guitarras) e Ru-bens (vocal) é ponto destacável. Sinergia no palco e com o público que teve o privilé-gio de escutar versões de Captain Beyond, Aeroblues e Cactus. O quarteto prometia o lançamento do compacto com gravações inéditas e autorais no Simplão; o feito veio semanas depois. Para um afi cionado em música, a busca pelo material vale a pena: “Cosmo Drah”, “Mágica do Tempo” e “Nova Estação” são hard de qualidade, prova de que nostalgia na medida certa resulta em grandes trabalhos. A apresenta-ção do Cosmo Drah no Simplão e o lança-mento do compacto anunciam os galopes que a melhor banda de hard paulistana está prestes a dar.

Boa receita para fazer um rock agradável é disposição e coragem para executar re-pertórios pouco comuns e, porque não, tocar o que o público pede de vez em quando. Há momentos em que um “Toca Raul!” é respondido com classe: foi o que aconteceu com a BANDAVUÔ, grupo de Paranapiacaba que aposta no rock nacional. A Vuô interpreta o “maluco beleza” de for-ma visceral, rockeando mais suas músicas, realçando nas canções um peso até então imperceptível para este jornalista. Primav-era nos Dentes e Lua cheia foram a cereja do bolo; os “lados b” de Secos e Molhados foi mais um ponto alto da Vuô.

Ao vivo

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A cena mod invadiu Curitiba há al-guns anos; De repente virou uma febre camisetas listradas, terninhos e cabelos crescidos abaixo das orelhas. Mesmo ten-do surgido dentro desse frenesi, o Trem Fantasma foge a esse tradicionalismo, pegando aquela sonoridade de transição 69/70 de maneira despojada e adaptada a sua realidade. Formado por Leonardo Montenegro, (Guitarra e vozes), Rayman Juk, (Baixo e voz principal) e Yuri Vas-selai, (Bateria e vozes), no início deste anno domini, o trio logo entrou em plena atividade na capital e interior do Paraná, se apresentando sempre em locais inusi-tados. Um registro fonográfi co, com quatro músicas, já está sendo providen-ciado - O som do Trem em breve poderá ser ouvido nos trilhos da web – por en-quanto os udigrudentos na órbita do sÓ poderão conferir a performance da molecada através do You Tube, destaque para “Sua otária”, fazendo uma conexão mutantológica, e “Não precisei mais de ninguém” com seus riffs desbundados. http://www.fotolog.com/otremfantasma

udigrudi

O Coletivo viajou, através da web, até Moscou para falar desse ex-celente trabalho fusion. Fundado no fi nal do último século, o Infront, investe nas fórmulas “Frippianas” explodindo num prog instrumental com duas guitarras e sem sintetiza-dores; Sonoridade meio Red, meio King Crimson atual. Igor Uporov, (guitarra), Dmitri Chernishev, (gui-tarra), Alex Mshcheryakov, (baixo) e KS, (bateria) já acumulam a ex-periência de dois discos lançados e diversas resenhas positivas nos prog-sites ao redor do globo. Po-dem-se conferir seis músicas na pá-gina do Myspace; “Autumn Velvet”, “Invisibly Join” e “Mensura Zoli”, chamam a atenção pelo capricho composicional e são altamente re-comendadas.

http://www.myspace.com/infront

trêm fantasma

infront (Rússia)O Coletivo viajou, através da web, (Rússia)O Coletivo viajou, através da web,

por geraldo malta

Este maluco acaba de sair de um festival, e está vendo três labirintos. Ajude-o a encontrar sua

brisa matinal.Clariô

A escola psicodélica também tem seu rep-resentante na Cidade de São Paulo. Se há rótulo para a música esse é o que melhor defi ne o trio MUD SHARK. Erich Jones (Baixo / Voz / Violão), Alex Cabral (Bat-eria / Voz / Percussão) e Léo Chaves (Gui-tarra / Voz / Teclado) desenvolveram Mu-tantes, percorreram os caminhos londrinos do Cream e mostraram ao público como se dança rock. Erich Jones se esparrama no palco, e quem presenciou as cenas do baixista durante o show seguinte (Jazz CO) pode atestar essa afi rmação. No tocante à música, as viagens do trio são convidativas, com canções autorais que legitimam o rock brazuca. Durante a trip musical no Simplão, grupo e público elegeram a musa do Mud Shark: Dona Maria Joana, deve ter fi cado lisonjeada. A performance continuou no dia seguinte por parte de Léo e Erich que nas rodas de viola apresentaram embriões para versões de Genesis, fase Tresspass, e Mutantes, fase Tudo Foi Feito Pelo Sol.

O projeto jazzístico/experimental JAZZ CO, proveniente da zona leste paulistana, baseia-se na formação rotativa, dos inte-grantes e freqüências sonoras; Em trio de-sta vez, a confraria musical é iniciativa de André Martinelli. As polaróides sonoras geraram energia e sintonia com os rema-nescentes do começo da manhã, que antes da alvorada piraram com solos de bateria fritados , vísceras do contra-baixo acústico e boas bases na guitarra. Duas horas de som ininterruptos chamaram o sol que en-trou no palco anunciando a hora de achar um tanto de lenha, atiçar o fogo, largar a pinga com mel e passar um café.

Cantoria e igarapê atlântico reabasteceram o fôlego; café torrado, uns remendos ali-mentares, e cana sem adulteração serviram de excelente combustível para retornar ao pó da estrada. No retorno, os “Cadernos Viagem” foram escritos com Sá e Guara-bira, entoando a despedida do sol e o en-contro taciturno com a noite. A comitiva somou vinte pessoas, uma parada rápida e versos perdidos de Beatles e “Balada do Louco” – o vilarejo se chama Taquarassu, uma vila discreta, um lago, um casarão e a

Igreja no centro; Uma família coreana com-prou a região e a ocupa há 50 anos.

A cerveja no estaleiro Paranapiacaba acon-teceu por volta das 21h, horário de pegar o ônibus, seguido do trem; a locomotiva foi musicada pelo incidental encontro com Fernando, compositor ferroviário, e de sua amiga anglo-brasileira que fez a conexão da sÓ com terras londrinas.Acrescido com um pandeiro de origem desconhecida, a música tornou-se parte da viagem trazendo à tona Odair Cabeça de Poeta. Da estação Rio Grande da Serra até o Brás, o som imperou dentro dos vagões quebrando o gelo dos rostos transeuntes. Da estação da Luz para frente versos anunciavam que “tudo corre tão depressa, se você tropeça, não vai levan-tar”: o dia seguinte era uma segunda-feira.

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Islanders, do hard ao pro-gressivo

Divergindo da maioria dos grupos de baile da época que tinham em seu set músi-cas radiofônicas, o Islanders - formado por Rodolfo Ayres Braga e Joaquim Correa, além de Lazzarini e Kurk - se orgulhava de tocar o lado B dos discos importados que colecionavam. “No dia em que morreu o Hendrix a gente fez uma homenagem. Co-itado do cara que foi lá pra dançar”, nos diz entre risos Lazarini possuidor da coleção inteira de LPs do renomado guitarman, declaradamente sua maior infl uência, in-dependente de ser pianista. Kurk ressalta que importava os discos que não chegavam aqui, e ao rodar a bolacha logo procurava as músicas “mais ferradas” e que viriam a ser parte do set list dos Islanders.

Grande era a euforia entre os músicos freqüentadores de bailes como o do Círcu-lo Militar, que esperavam pra ouvir o mel-hor do hard e do progressivo - tal agitação já punha o Islanders no caminho da troca de sonoridade. “Tudo foi muito rápido de 72 a 76”, Lazzarini se refere às mudanças e assimilações de um som pesado, mas já experimental de Hendrix, rumo às sendas da fusão do rock, jazz e música erudita. Outro fator que direcionou tais mudanças foi a audição do álbum Three Friends do Gentle Giant, emprestado pelo baterista de um projeto de Egídeo Conde junto de João Kurk – um rock direcionado por Free

e Jeff Beck. A audição “era uma coisa dife-rente e me bateu muito forte. Ali eu quis me embrenhar no mundo progressivo”, recorda Kurk. Logo o guitarrista Mozart Mello e o baixista João Ascenção foram re-crutados junto a banda Fush; Deu-se asas a criatividade e iniciou-se o mito do Gentle Giant brasileiro!

Preparando o Terreno

Já como Terreno Baldio, o grupo fez parte do festival do Colégio Objetivo. “Eram seis bandas. Depois da gente ninguém mais quis tocar” lembra Lazzarini; “Não queríamos fazer um som na linha do Pink Floyd,com atmosferas e sintetizadores, o lance era tocar de verdade, usar contraponto, fuga e polirritmia.” Não só o publico do colé-gio se impressionou com as composições terrenistas; Césare Benvenuti, empresário italiano, estava na platéia e se apressou em convidar o grupo pra gravar um disco. “Os shows eram concorridos, a galera estava a fi m de algo diferenciado.” Distribuídos em três contos, a trajetória do ser vigilante e os traços do terreno baldio eram contadas: Aquelôo, Pássaro Azul e Terreno Baldio. “A gente queria fazer rock com substância, algo com começo, meio e fi m”. Os capítulos dos temas desenvolvidos pela banda neces-sitariam de, no mínimo, dois discos, sendo o debut um recorte dos três shows; Ficar-am de fora peças importantes como “Reló-gio de Sol”, “Velho Espelho” e “Aquelôo”,

Parafernália montada! Do outro da rua, a Igreja do Calvário, antiga ten-da, oferecia o cenário propício. Confusão de câmera, gravador, cabos, bloquinhos e laptop para iniciar a entrevista exclusiva com Roberto Lazzarini e João Kurk, teclas e voz do grupo mais vanguardista do prog nacional. Numa animada troca de idéias de duas horas, eles revelaram algumas das pitorescas histórias de seus 42 anos de amizade e da tra-jetória do Terreno Baldio da “bélle epoque” dos anos 70 até nossa atual

“belle merde”

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retomadas na regravação do primeiro dis-co em 94, com letras em versão inglesa, e contando com a contribuição do blueseiro André Christóvam na transcrição.

Naquela época era grande a procura de empresários e produtores por bandas que faziam rock em português, visando atender a demanda do novo mercado que surgia. Correndo atrás de um contrato, Césare es-quematizou uma gravação no então novo e bem equipado estúdio Pirata, de Auri-no Araújo, fazendeiro irmão de Eduardo Aráujo.“Mesmo em meio a dúvidas faltei numa prova de Resistência de Materiais na faculdade de Engenharia para participar das sessões de gravação”, conta Lazzarini que chegou a formar-se na área. O disco foi

gravado dentro dos padrões setentistas: ao vivo em 4 canais e com poucos overdubs. Quem operou a mixagem foi Alan Krauss, (Space Patrol, ver sÓ # 1), “um gênio, um crânio”, segundo Lazarini. Na música Lou-curas de Amor, “faça-me sofrer, mais uma vez”, um aparente delay programado surge nas repetições de “uma vez”; Aparente, pois esse efeito foi produzido a partir de corte e colagem nas fi tas de rolo, manual-mente. A “bolacha” saiu pelo selo Pirata Gravações Musicais e Benvenuti não pode assinar a produção por problemas contrat-uais (na época ele trabalhava para a Conti-nental), quem fi gura no encarte é Arnaldo Sarcomani mesmo sem ter tido participa-ção no primeiro álbum do grupo.

A apresentação do Teatro 13 de Maio é tida como pedra fundamental na carreira do prog-grupo. “Sempre tivemos boa média de público, e nem tínhamos Inter-net, a divulgação era no boca a boca.” se envaidece Kurk. Com a casa lotada e su-per produção de fi gurino e efeitos visuais cuidadosamente preparados pela própria banda, se desenvolveu o show Aquelôo. Os desenhos do mítico vigilante do terreno bal-dio, projetados no palco, eram uma grande inovação e a fi lipeta contendo o programa da noite, feita de papel de seda, tornou-se

rara, ao ser sumariamente consumido pela “turma da fumaça”.

Em Iacanga, nosso Woodstock, o Terreno recebeu a regalia de ser uma das atrações principais, junto com Os Mutantes, O Som Nosso de Cada Dia e Apokalypsis. A celeb-ração do sol suprimindo a chuva torrencial se deu nas primeiras horas do sábado, se-gundo dia de festival, um momento mágico - muito citado pelos dois velhos compan-heiros – que superou toda a precariedade do evento. João Kurk aliava dois momen-tos importantes da sua vida, de Fusca ele e sua recente esposa rumaram à Iacanga com Lazzarini, proprietário do pequeno “beatle”. Nos bancos da frente do automóvel João e a mulher repousavam em lua de mel, até

Festival de águas Claras e Teatro 13 de Maio: shows fundamentais!

Fruto das pesquisas folclóricas de Lazzarini e da fantasia de Orlando Beghelli, a temática do segundo disco do Terreno gira em torno do folclore brasileiro. Boatos de que foi con-cebido na intenção de ser trilha sonora do Sítio do Pica-pau Amarelo foram desconfi rmados pela banda. A entrada de Rodolfo Ayres Braga, a“capitão das quatro cordas”, adicio-nou mais balanço na turma. As melodias típicas contribuíram para transformá-lo em trabalho de Música Popular Brasileira, assimilando grupos como Quinteto Violado e A Barca do Sol. Um grande número de overdubs desnuda os arranjos esmerados de um grupo em fase de transição, porém atento à excelência musical; “Caipora”, “Saci Pererê”, “As Amazonas”, retratam bem o período.

Além das Lendas Brasileira1977, Continental

Terreno Baldio1975, Pirata

Qualquer crítico desprovido da síndrome de inferioridade brasileira reconhece este como um dos registros fundamentais do mundo conhecido como rock progressivo. A opulenta seqüência é apenas cinqüenta por cento do vasto set do gru-po naqueles anos. Gravado em quatro canais por Alan Krauss, que segundo a lenda, operou som em Woodstock, o disco traz o repertório que caracteriza o som do Terreno. “Pássaro Azul”, “Grite”, “Água que Corre”, “Este é o Lugar” compõe maior parte do show atual. O disco foi regravado em 1994 em inglês; Mais uma vez Cesare Benvenuti cuidou (e desta saiu nos créditos), da produção em seu estúdio na Itália, e as adaptações das letras fi caram a cargo de Kurk e do bluesman André Cristóvam; As novidades são as músicas Aquelôo e Elder Mirror, engavetadas desde 1976. Até o fi nal deste ano, o selo Rock Symphony, deve prensar mais 1.000 cópias da primeira versão do álbum, relançada em 2003.

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serem alertados por “umas pancadas no vi-dro” de Peninha Schimidit, já que era hora de levantar acampamento. Doze pessoas em comitiva partiram pra Agudos, o capitão da romaria foi João. A pequena cidade era reduto de familiares do vocalista sendo a ge-ladeira real intenção do Terreno Baldio e sua trupe, que a deixaram vazia.

Mais uma vez Benvenuti aparece na história do grupo e os leva para gravadora a Conti-nental em 1976. Conseguindo lançar um gru-po que fi zesse sucesso ele teria mais espaço dentro da empresa para trabalhar com gru-

pos mais arrojados, de praxe, o Terreno en-trou nesta última categoria. Falar da mitologia brasileira foi projeto de Lazarini que pesqui-sava, na época, o tema. Dentro da banda, as mudanças eram profundas. A urgência de mesclar o som progressivo com elementos da música brasileira e a saída de João Ascenção, substituído por Rodolfo Ayres Braga, eram difi culdades a ser superadas para a realização do segundo registro. Orlando Beghelli, escri-tor indicado pela gravadora, ajudou no desen-volvimento das letras do disco, nomeado por Kurk. O processo de gravação em 16 canais, no Vice Versa, abriu novas possibilidades de arranjos e overdubs, confundindo os rapazes, acostumados aos 4 canais. Mesmo não sat-isfeitos com o resultado da mixagem fi nal, Kurk e Lazarini apreciam o disco que ainda

teve participação de Nelson Gerab no violino, Fabio Gasparini no cello e Claudio Bernardes no baixo acústico.

Segundo disco na mão, e seis meses de espera pra um show de lançamento. O empresário de Belchior, Jorge Mello, se encarregou de trabal-har com o Terreno Baldio, o fato imprevisível foi o cantor - até então desconhecido - ter es-tourado junto de Elis Regina em “Como nos-sos pais”; o resultado disso foi o sumiço de Jorge e o conseqüente arquivamento do mate-rial de Além das Lendas Brasileiras. Tanto tem-po parado não prejudicou o bom lançamento do disco, ocorrido no Teatro Ruth Escobar, auxiliado pelo empréstimo dos equipamentos de Eduardo Araújo. Existe um registro do es-petáculo, em fi ta K7, guardado com Rodolfo Braga, que comprova a qualidade do mesmo.

Marcante, o concerto recebeu convidados de pompa: “Puta som hein, garotos?”, reagiu Elis Regina frente ao arquitetado som.

Ainda divulgando o LP, fecharam com um empresário da Traipú Produções uma série de shows com os Tarântulas, um grupo de samba e Lee Jackson, que “era um cara que fazia um rock bem chocolate”, palavras de Lazzarini. A “salada sonora” e a junção de diferentes tribos resultava num desagrado geral, mas rendeu divertidas histórias, esta uma lembrança de João Kurk: “Certa vez tocamos no Clube Alemão de Pirituba, na platéia, tinha uma moça dançando Quando as coisas ganham vida, que é uma música que não dá nem pra bater o pé, tamanha a mudança das fórmulas de compasso.

Muito Além das Lendas Brasileiras

30 anos depois...O sonho de por o grupo novamente na estrada e produzir material novo não é velado pelos integrantes do Terreno. “A gente tem vontade de voltar

a trabalhar com grupo, mas temos constantes problemas com horário; A coisa vai ter que ser devagar.” , confessa Kurk. Lazzarini trabalha como produtor musical da Rede Record, Mozart é diretor do conservatório Souza Lima e Kurk viaja todo estado com seu trabalho cover, pouco tempo so-bra para ensaiar as complicadas composições o que não impediu o grupo de realizar dois excelentes shows três decênios depois da grande época:Na Virada Cultural, (resenhado na edição passada), o Terreno realizou “um concerto épico”, nas palavras de Kurk e Lazzarini, “onde todos

estavam imbuídos”. Sem tocar juntos desde o show de 94, no Centro Cultural São Paulo, comprovaram sua competência aprontando o repertório com apenas cinco ensaios. Concerto com direito a entortada nos headbangers que se embasbacaram com o som progressivo.

Teatro, público totalmente rockeiro, “toca Raul”, expectativa. A Biblioteca Cassiano Ricardo, na zona leste da cidade, perdia-se numa nostálgica atmosfera. O equipamento e equipe de som não contribuíram com o show. A caixa do baixo parou de funcionar, quase não

se ouvia o violino durante grande parte do show e João Kurk não tinha retorno. Pouco preparados - avaliação de Kurk e Lazzarini -, o grupo não deixou dúvidas de suas qualidades mesmo com tantas adversidades, “Emerson, Lake and Palmer? Conheci

um melhor hoje!” afi rma um alcoolizado fã, entre cusparadas e apertando efusivamente as mãos do tecladista.