jornal atelier real01

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Atelier Real Set/Out 2009 atelier real Set/Out 2009 www.atelier-real.org © Tehnica Schweiz, Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.

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Atelier Real Set/Out 2009

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Falso cobrador de facturas

Um agressor ainda não identifi cado cobrou dinheiro a várias famílias no dia 20 de Março de 2003, declarando ser um cobrador de facturas de electricidade, e que quem lhe pagasse pessoalmente teria um desconto de 20%. Segundo informações da polícia, o homem não identifi cado cometeu abusos semelhantes em mais duas outras cidades. Suspeita-se o jovem da fotografi a de ter cometido a fraude.

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Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.

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Atelier Real Set/Out 2009

O Atelier Real é uma iniciativa da RE.AL, estrutura que está a tran-sitar do modelo de companhia de autor(es), que vigorou desde a sua fundação, para uma estrutura mais aberta, vocacionada para a progra-mação de objectos experimentais e de iniciativas ligadas à investigação artística.

Este movimento acontece por es-tarmos convencidos que o modelo em que se coloca a fi gura do autor no epicentro da actividade de uma estrutura, fazendo-a girar única e exclusivamente em torno das suas necessidades, já não traduz a forma como os artistas criam, se encon-tram e colaboram actualmente. So-bretudo, não refl ecte a forma como se geram parcerias, cumplicidades e relações com outros artistas ou investigadores, e mesmo críticos, espectadores ou programadores. As artes e as políticas culturais sempre se desenvolveram tendo em consi-deração a existência de um produto acabado, a ser consumido mais tar-de ou mais cedo, por mais ou menos pessoas. É uma lógica legítima mas que desvirtua, a nosso ver, uma ou-tra vertente fundamental da criação artística: o trabalho continuado de refl exão e de experimentação, inde-pendentemente das pressões e dos interesses do mercado.

O facto de comemorarmos 20 anos de actividade em 2010 serve de referência simbólica para nos repo-sicionarmos, e a programação de-senvolvida através do Atelier Real, que este primeiro número anuncia e divulga, é um importante passo nessa direcção. Esperamos assim

deslocar o centro de gravidade da actividade da RE.AL, que se tem centrado sobretudo na criação ar-tística e na difusão de obras, para o espaço ocupado pela "investigação nas artes" [research in the arts] – ex-pressão de Henk Borgdorff que se refere a uma modalidade de investi-gação que não assume separação entre sujeito e objecto e que não quer saber de distâncias entre o investigador e a prá-tica artística. Pelo contrário, a própria prática artística constitui uma com-ponente essencial não só do processo de pesquisa mas também dos seus resulta-dos. Esta abordagem, fi naliza o autor, baseia-se na compreensão de que nas artes não existe diferença fundamen-tal entre teoria e prática [1].

Será esse o objectivo do Atelier Real: colocar em perspectiva a ri-queza dos questionamentos que atravessam a criação contemporâ-nea em geral, bem como gerar novas ideias, confrontos e diálogos entre práticas e pensamentos, proporcio-nando ao público a experiência de outros modos de percepção.

Esse é, aliás, um pensamento her-deiro do trabalho de experimentação artística iniciado nos anos 1990 pela RE.AL, com projectos pioneiros na área da transdisciplinaridade (dos quais se destacam o LAB/Projectos em Movimento, entre 1993 e 2006) e será a partir desse espírito que o Atelier Real se afi rmará como espa-ço de trabalho e de fruição artística, onde a programação não será mol-dada a partir de espectáculos mas de propostas artísticas. Propostas essas que serão consideradas simul-taneamente como meios de refl exão

sobre a sociedade contemporânea e como objectos de mediação entre o público e o trabalho dos artistas.

A programação do Atelier Real, até fi nais de 2010, foi desenhada a partir de dois eixos transversais: o primeiro consiste na programação de um ciclo de 8 eventos em torno do tema Restos, rastos e traços, que se propõe refl ectir sobre as práticas de documentação na criação contem-porânea. Concretamente, debruçar-se-á sobre estratégias artísticas que se desenvolvem tendo como pre-missa documentar (um)a realidade. O segundo consiste num programa de residências artísticas que culmi-nam na apresentação dos materiais resultantes da investigação e das ex-perimentações realizadas, de forma a dar a conhecer os questionamen-tos que atravessam um processo de pesquisa artística.

Entre os eventos do ciclo e os re-sultados das residências teremos, no Atelier Real, a apresentação de um projecto por mês. Esta rotina parece-nos ser a condição neces-sária para estimular o encontro e o debate, objectivos últimos do nosso trabalho.

David-Alexandre GuéniotDirecção artística do Atelier Real

João FiadeiroDirecção artística da RE.AL

[1] Excertos do artigo de Henk Borgdorff , The Debate on Research in the Arts, consul-tável em:http://www.ahk.nl/fileadmin/download/ahk/Lectoraten/Borgdorff_publicaties/The_deba-te_on_research_in_the_arts.pdf (03.09.2009).

Uma breve introdução ao Atelier Real

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Restos (de processos): se defi nir-mos o resto como a parte inutilizada, a parte que sobra de um processo de fabricação/criação, a "documenta-ção dos restos" consistirá em refl ec-tir sobre o uso (e o não-uso), a uti-lidade e/ou inutilidade desses exce-dentes, bem como sobre a natureza

voluntária ou involuntária do resto enquanto resultado de uma escolha artística ou da ausência dela. Quer isto dizer que no contexto artístico abordaremos o resto (e os seus "do-cumentos") enquanto parte inexplo-rada de uma obra já constituída ou em curso de criação.

Interessa-nos assim promover uma refl exão prática sobre as po-tencialidades artísticas do resto tal como existe, por exemplo, ao nível do cinema experimental, com fi l-mes que só usam materiais encon-trados ou fi lmados por anónimos (found footage). Mas interessa-nos também refl ectir sobre a relação que o artista estabelece com os ma-teriais ou as suas "proto-obras" que fi caram inacabadas, abandonadas ou esquecidas.

Rastos (de fi cções): de manei-ra geral, o rasto pode ser defi nido como o que fi ca de uma actividade num dado local e num dado tempo. A “documentação do rasto” consiste então em mostrar os indícios dessa actividade, transformando/materia-lizando esses indícios em vestígios, e organizando-os de forma a re-constituir uma realidade comple-ta ou parcialmente desaparecida, parcial ou totalmente inventada. O documento-rasto constitui-se assim como uma mostra, ou como um ex-tracto a partir do qual é possível (re)constituir/(re)inventar a acção ou a realidade que originou o rasto. Em relação às práticas artísticas na arte contemporânea, a noção de docu-mento-rasto tem sido trabalhada na sua vertigem documental (simulta-neamente manifestação e prova), descontextualizando documentos de uma realidade pré-existente ou criando documentos de uma reali-dade imaginada, ou seja, criando uma espécie de arqueologia de um mundo ausente, ou de falsifi cação

de um mundo presente. O mesmo é dizer que a prática da documenta-ção na criação contemporânea pode também ser vista como motivo e móbil do processo criativo, processo no qual o que constituía a pesquisa preliminar de um trabalho artístico passou a defi nir a própria matéria e a predeterminar a forma do objecto artístico.

Traços (de realidades): por defi -nição (numa abordagem tradicio-nal, analógica), o documento é um traço. O documento recebe a inscri-ção de um acontecimento, ou seja, transporta um signifi cado, preserva uma informação, constitui-se en-quanto testemunho de algo. A "do-cumentação" dos traços consiste em recolher e exibir documentos que comprovam a existência e a realida-de de um acontecimento. No entan-to, a documentação dos traços le-vanta a questão da intencionalidade dos documentos. À semelhança do documento fotográfi co (e do uso da legenda), o documento-traço cons-titui-se enquanto prova material de um acontecimento (isto aconteceu), mas é também a manifestação de referências estéticas, sociais, ideo-lógicas… que o documento absorve da sociedade e transporta com ele. Neste sentido, o "documento-traço" constitui-se enquanto marcador de uma representação da realidade social e política, onde o que não é mostrado é tão importante como o que é mostrado.

David-Alexandre Guéniot

Da documentação de um processo de criação à realização de trabalhos artísticos que usam protocolos de arquivamento para se constituir em realidade fi ccional, e passando por propostas que questionam a forma do documentário em termos artísticos, os termos restos, rastos e traços permitem dinamizar as noções de documento e de documentação através de uma abordagem pluri e transdisciplinar, bem como abrir a compreensão e a análise do tema a especulações teóricas e artísticas. Neste sentido, um tal conjunto de termos serve mais como catalisador de refl exão (ou seja, de "poetização da problemática") do que como mote assertivo e exacto sobre as propostas que se esperam para o ciclo. Representam sobretudo hipóteses de trabalho, já que a distinção entre restos, rastos e traços se revela na prática quase impraticável... já que cada um dos termos parece implicar sempre os outros, interferir constantemente com os outros.

ciclo Restos, rastos e traços: Práticas de documentação na criação contemporânea

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Atelier Real Set/Out 2009

MANUAL DE INSTRUÇÕESAo longo dos próximos meses, se-rão organizadas 7 residências ar-tísticas para receber, desenvolver e apresentar projectos artísticos originais ligados ao tema da docu-mentação. Essas residências artís-ticas são essencialmente de natu-reza experimental. Ou seja, o que é apresentado no fi nal da residência são os resultados práticos de uma investigação e de experimenta-ções acerca do tema Restos, rastos e traços e da problemática práticas de documentação na criação con-temporânea. Essas apresentações não são produtos ou objectos (tal como um espectáculo ou uma ex-posição), mas propostas artísticas, plataformas de refl exão e de ques-tionamento mediadas por "objec-tos artísticos parciais". Pretendem potencializar um diálogo entre as diferentes práticas artísticas e as várias abordagens adoptadas e apresentadas ao longo do ciclo, para resolver as questões levanta-das pela sua problemática. A for-ma de apresentação é livre. Depen-dendo dos conteúdos da proposta, pode apresentar-se sob a forma de uma conferência, de uma perfor-mance, um fi lme, uma exposição de documentos e/ou de obras, uma publicação ou qualquer outro tipo de suporte ou de experiência.

Os participantes foram seleccio-nados através do envio de propos-tas. No total, foram enviadas mais de 170 propostas, das mais diver-sas origens geográfi cas, bem como de (quase) todas as disciplinas ar-tísticas. Os artistas seleccionados recebem, para além de um espaço de trabalho, de material técnico e das condições logísticas pro-porcionadas pelo atelier real, um apoio fi nanceiro para a realização das suas propostas.

O ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contempo-rânea tem início no dia 26 de Setembro com a apresentação de dois pro-jectos, em estreia nacional, convidados especialmente para o lançamento/inauguração do ciclo:O Tehnica Schweiz Project, dos artistas húngaros Gergely László & Ráko-

si Péter, será apresentado às 18h; o projecto NAME Readymade, de Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša, artistas da Eslovénia, Itália e Croácia respectivamente, será apresentado às 21h30. Nesse dia, será possível jantar no atelier real, a partir das 20h00, de forma a poder ver os dois projectos.

Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša, Waiting for JJ (Los AngelesInternational Airport/LAX/), Los Angeles, 2007

Digital Photography, 2448x3264 px. Courtesy: artists.

Lançamento do ciclo: 26 de Setembro

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É preciso imaginar três artistas por-tugueses que já tivessem represen-tado Portugal na Bienal de Veneza; que já tivessem actuado em festivais de dança ou de teatro de renome internacional; que tivessem sido objecto de exposições antológicas em centros culturais nacionais e internacionais. Três artistas que, depois de se terem inscrito no Par-tido Socialista Português, mudas-sem ofi cialmente os seus nomes para José Sócrates e que, a partir daí, vivessem, casassem, pedissem empréstimos e assinassem planos de poupança reforma em nome de José Sócrates. Três artistas chama-dos José Sócrates que aparecessem em cerimónias ofi ciais, em inaugu-rações de exposições ou em catálo-gos ao lado de Pedro Almodóvar, de Wong Kar Wai, de Anne Teresa De Keersmaeker, do Wooster Group, ou ainda de Bruce Nauman ou Nan Goldin. Que assinassem o Manifes-to Por Uma Cultura Para o Século XXI [1] com os seus nomes intercalados entre o do José Miguel Rodrigues, da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, e o do Luís Miguel Cintra, actor e encenador, a reivindicar que uma política cultural

digna desse nome deve – até por impe-rativo constitucional – permear todas as restantes áreas de acção do Gover-no. Que concorressem a uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian ou um apoio pontual da Direcção Geral das Artes. É preciso imagi-nar que esses 3 artistas portugueses, de repente, só responderiam pelo nome de José Sócrates – deixando em aberto o enigma dessa mudança de nome.

A conferência-demonstração NAME Readymade apresenta um percurso através das diferentes eta-pas do projecto artístico NAME Re-adymade, focando os aspectos des-poletados pelo gesto de mudar de nome levado a cabo por três artistas eslovenos que em 2007 mudaram ofi cialmente os seus nomes, com os devidos certifi cados e selos, para o nome do primeiro ministro eslove-no da altura, da direita liberal con-servadora: Janez Janša.

Quando os três artistas mudaram os seus nomes para Janez Janša, adopta-ram de facto uma posição crítica em re-lação ao estado. Em relação ao governo esloveno, no qual até há pouco tempo todas as funções pareciam verdadeira-

mente ocupadas por uma única pessoa – Janez Janša. (...) Através da multi-plicação do nome Janez Janša, a fun-ção do primeiro-ministro adquiriu, no âmbito desta acção artística específi ca, uma posição semelhante à das latas de sopa Campbell nas obras de Andy Wa-rhol. Zdenka Badovinac, NAME Readymade, Outubro 2008 [2]

Todos os projectos de Janez Janša, as suas vidas privadas e públicas, numa palavra, toda a vida de cada um deles passou desde então a ser vivida com este nome.

(...) o gesto encontra-se – a partir deste momento – em processo constan-te: será semioticizado em conexão com cada novo trabalho artístico e apresen-tação pública, por isso tomará alguns aspectos nunca vistos em outras formas de afi rmação subversiva.Rok Vevar, Večer, 1 de Setembro 2007 [3]

Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša conduzem-nos através de uma série de acções artísticas, políticas, administrativas e mediáticas que desempenham, com uma atenção particular para a sua última exposi-

ção intitulada NAME Readymade.As obras apresentadas nesta expo-

sição (bilhetes de identidade válidos, passaportes, cartões multibanco e cartões de crédito, cartas de condu-ção, certifi cados de nascimento e de casamento, e assim por diante) são geradas pela própria realidade. Na história da arte, não existiam tais ready-mades. Documentos pessoais como bilhetes de identidade, passa-portes, cartões da segurança social, cartões de crédito, etc., não podem simplesmente comprar-se nas lo-jas, ser contextualizados, virados do avesso, expostos e produzidos como ready-mades. Para os obter temos que iniciar um processo: é preciso dar início a um processo adminis-trativo para os adquirir.

O uso de documentos pessoais como objectos de exposição é sem dúvida um caso liminar; explora certas fronteiras. É liminar no sentido em que não é cla-ro se um tal uso de documentos pessoais respeita ou não os direitos que adquiri-mos quando nos emitiram esses docu-mentos. Não podemos queimar docu-mentos porque é um delito criminoso, mas será que podemos usar documentos para fi ns artísticos? Isso não é, por cer-

Atelier Real, 26 de Setembro, 21H30 (Entrada livre)

de Janez Janša, Janez Janša, Janez Janša (Eslovénia)

NAME Readymade

[apresentação em Inglês] Os espectadores podem jantar no atelier real a partir das 20h00.

Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea

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to, algo que uma pessoa séria faria para justifi car uma perseguição em nome do estado; mas quer dizer que toda a gen-te sabe que vocês não trazem os vossos documentos convosco, ou seja, que não estão a usá-los em conformidade com as condições pressupostas na sua emis-são. Até um banco pode anular os vos-sos cartões se descobrir que os andam a usar de forma inapropriada. Estão a pisar uma zona a que não chamaria propriamente ‘perigosa’, mas que con-sidero suspeita. Isto faz precisamente parte do risco a que antes me referia. Podemos ver aqui várias coisas que poderiam desenvolver-se a partir daí. Bem vistas as coisas têm que fazer um esforço especial para descobrir como é que a segurança vai funcionar durante a exposição. Expor gráfi cos numerados de 1 a 100, cobertos por uma companhia de seguros, é uma coisa completamente diferente. Duvido que uma companhia de seguros viesse a lançar uma política de segurança relativa ao valor funcio-nal dos documentos expostos, da mes-

ma maneira que lançaria um seguro de viagem – um tal seguro exigiria a emis-são de novos documentos. Para além do mais, o que também é interessante é o facto de esses documentos serem obras de arte, ready-mades. O original de Fountain perdeu-se, partiu-se, e Du-champ fez outros, assinou-os de novo e até fez uma versão em miniatura para a sua malinha; mas vocês não podem fazer novos documentos, que só podem ser feitos por uma organização acredi-tada chamada estado, com o seu minis-tério do interior. Mas o próprio minis-tério não pode funcionar ilegalmente e reproduzir esses documentos como obras de arte, por exemplo. E depois? Eles só são obras de arte na medida em que são igualmente documentos autên-ticos. Aqui atingimos uma contradição – a contradição própria ao mundo da arte.

Um ready-made enquanto obra de arte é algo não autêntico; é a prova de uma falta de autenticidade: com um re-ady-made, a ‘aura’ desaparece. Só que

no vosso caso a condição que possibilita esse ready-made é a sua autenticidade no quotidiano – a sua credibilidade e autenticidade. Se alguém comprasse essa obra de arte estaria a comprá-la como autenticidade, juntamente com o seu valor funcional de ‘ready-made’.” Lev Kreft, "Name as Readymade",

Uma entrevista com Janez Janša,

Janez Janša e Janez Janša, NAME

Readymade, Outubro 2008 [4]

Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša mergulham em pleno centro das suas próprias realidades e da re-alidade espacial e temporal na qual trabalham. Nesta proposta usam procedimentos típicos em arte: a transformação, tradução, represen-tação e mímica. Invertem o esque-ma relacional clássico entre a arte e a vida, tal como se desenvolveu no século XX. No século passado, a arte é redefi nida através da entrada da realidade em contextos artísti-cos, sem mediação (a tal ponto que

Badiou pôde defi nir o séc. XX como paixão pelo real), enquanto Janša, Janša e Janša visam o contrário, de forma a que os seus métodos pene-trem profundamente nas suas vidas materiais e nas vidas do seu enqua-dramento imediato.

(...) o gesto absolutamente subtil e ao que parece despretensioso de três artis-tas mudando os seus nomes para Janez Janša, afecta fundamentalmente o es-paço artístico e mais largamente o es-paço social e político. Talvez possamos daqui aprender uma lição, a saber que as grandes criações artísticas se encon-tram por vezes em gestos mínimos apa-rentemente marginais.Jela Krečič, Delo, 29 de Dezembro 2007 [5]

[1] http://umaculturaparaoseculoxxi.blogspot.com (27 de Julho 2009). [2] NAME Readymade - THE BOOK. Museum of Modern Art Ljubljana, Outubro 2008. Au-tores: Amelia Jones, Catherine Soussloff , Zdenka Ba-dovinac, Antonio Caronia, Janez Janša, Janez Janša, Janez Janša, Tadej Kovačič, Jela Krečič, Lev Kreft, Blaž Lukan, Aldo Milohnić, Misko Šuvaković. 208 pp. INGLÊS. www.aksioma.org/name_book. [3] Diário es-loveno. [4] cf. [1]. [5] Diário esloveno.

Janez Janša, Signature (Copacabana), Rio de Janeiro, 2008. Foto: Janez Janša. Cortesia: Maska.

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Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea

A situação nos Estados Unidos, por exemplo, é diferente, tal como po-demos constatar se lermos a entra-da da Wikipedia para mudança de nome (1 de Outubro 2007). A Amé-rica tem um sistema legal comple-xo que regulamenta a mudança de nome, e a decisão encontra-se no poder discricionário do tribunal. Uma vez que se trata de um domí-nio não só legalmente incontorná-vel mas também, frequentemente, de entretenimento, valerá a pena termos em conta alguns exemplos ilustrativos. Nos Estados Unidos, os nomes mudam-se geralmente por razões políticas, mais transparentes do que as que estão em jogo no caso que nos interessa. Por exemplo, o fi lho do famoso activista social Ab-

bie Hoff man mudou de nome para america Hoff man, com a primei-ra letra de America em minúscula, para sublinhar o seu patriotismo não chauvinista. Num outro caso, o candidato Byron Looper mudou de nome – por razões relacionadas com a sua pré-campanha – para Byron Low Tax Looper; enquanto a mu-dança de nome pode tê-lo ajudado a obter a posição de assessor dos im-postos, o assassínio de 1998 pôs um fi m abrupto a essa ascensão políti-ca. Por razões políticas menos am-biciosas mas não menos motivadas, um homem chamado Rob mudou de nome para Free Rob Cannabis, enquanto um outro se chama pre-sentemente Nigel Freemarijuana, e um outro ainda adoptou o nome Go-

veg.com para promover um website vegetariano. A pessoa cujo nome é Kentucky Fried Cruelty.com dispen-sa comentários, tal como o homem que teve de pagar uma multa de 20 livras injustamente imposta e mu-dou de nome para Yorkshire Bank PLC Are Facist Bastards [Yorkshire Bank PLC São Cabrões Fascistas]. Também podíamos mencionar o tipo que se chamava David Fearn, mas cujo novo nome inclui os títulos de todos os fi lmes de James Bond... Isto tudo para dizer que a mudança de nome tem um lugar especial que depende das (várias) estratégias e está relacionada com as razões da nomeação. O anonimato é um prin-cípio pré-identitário, mas adoptar um pseudónimo equivale a adoptar uma identidade criptográfi ca. Uma alcunha confere ao alcunhado uma identidade brincalhona e protésica, que – dependendo da escolha do nome – pode ocasionar várias asso-ciações com o nome do seu porta-dor.

"The Janez Jansa Project" de Blaz Lukan, in NAME Readymade. Museum of Modern Art Ljubljana, Outubro 2008.

Afi nal o que é uma mudança de nome? Em termos legais, é um direito civil para o qual virtualmente não existem quaisquer restrições formais na Eslovénia [1]. Resulta portanto da decisão completamente pessoal do indivíduo, que é legalizada por uma instituição ofi cial [2].

[1] A resposta ofi cial à questão colocada a um corpo administrativo esloveno no portal e-uprava, em 3 de Outubro 2007 – sobre se existe, por exemplo, uma lista de nomes para os quais os cidadãos não podem mudar os seus nomes – confi rma: “Uma tal lista não existe.” Há contudo uma declaração num capítulo da página de e-uprava intitulada A Questão da Regula-mentação relativamente à Mudança de Nome, no Portal Estatal da República da Eslovénia, que diz: “O

nome é um direito pessoal de cada cidadão. Todas as pessoas são obrigadas a utilizar o seu nome. O nome consiste num nome próprio e num nome de família. O nome pode ser mudado. [...] As decisões relativas à mudança de nome são tomadas pelo corpo adminis-trativo ao qual foi apresentado o requerimento. [...] Quando o nome é mudado, todos os documentos pes-soais utilizados para fi ns de identifi cação têm que ser mudados. O nome anterior pode ser verifi cado através

de um certifi cado de nascença.” (http://e-uprava.gov.si/e-uprava?2did=110&sid=147; 25 de Setembro 2007).[2] Verifi cam-se restrições nos casos de indivíduos en-volvidos em processos legais; não se pode mudar para o nome de uma pessoa famosa com a intenção de obter benefícios ou de troçar; não é possível adoptar um nome protegido por direitos de autor ou que seja insultuoso, etc.

The more we are,the faster we willreach the goal!… quanto mais indivíduos com o nome Janez Janša houver, mais depressa podemos atingir o objectivo de esvaziar o sujeito, a sua de-subjectivização e o estabelecimento do significante vazio. O objectivo – mais ou menos des-conceptualizado, colateral – do acto de mudar de nome é então, neste caso, de minar o poder real ideológico, económico e político do portador, e isto implica desistir da sua própria identidade pessoal, íntima, artística ou pública.

"The Janez Jansa Project" de Blaz Lukan, in NAME Readymade. Museum of Modern Art Ljubljana, Outubro 2008. p. 22

David-Alexandre Guéniot

Entre todas as interpretações pos-síveis [1], o projecto NAME Rea-dymade pode (também) defi nir-se como performance invisível ou como obra de arte em estado per-manente de “potência”. Uma obra que se manifestaria de vez em quando, por intermédio de pro-cessos burocráticos ou mediáticos, através da simples transubstancia-ção do nome JANEZ JANŠA num suporte qualquer. Como uma assi-natura deposta sobre os objectos, que imediatamente os transfor-maria – pela magia do readymade duchampiano – em obras de arte. Mas também podemos conside-rar que os objectos transformados pela matriz nominativa JANEZ JANŠA não são apenas obras de arte, mas também indícios de um crime mais vasto, as provas de uma conspiração ou de uma en-cenação artística. Os documentos que vêm provar a materialidade da aventura nominal experiencia-da por Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša, e que expõem os tra-ços irrefutáveis da fi cção crítica [2]

denominada “Janez Janša”, que os artistas fi zeram emergir na reali-dade. E a forma como essa fi cção, pela lógica narrativa e refl exiva que lhe é própria, desafi a certos mecanismos sociais, e principal-mente a ordem biopolítica, buro-crática e mediática, que preside (entre outras coisas) ao controle e à gestão da identidade dos indiví-duos. NAME Readymade toma en-tão dimensões heróicas de aventu-ras identitárias, de interrogações e debates entre fi cção e realidade, de terreno de jogos e confrontações, onde a arte pretende rivalizar com a política de igual para igual.

[1] Sobre este aspecto, consultar o já referido livro NAME Readymade, Moderna galerija / Museum of Modern Art Ljubljana 2008, disponível no Gabine-te de Leitura do atelier real. [2] Crítica nos dois sen-tidos do termo: experiência limite da mistura entre a arte (pública) e a vida (privada), mas também ex-periência cívica de uma tomada de consciência das lógicas de controle dos indivíduos (da sua função, identidade e história) pelo estado.

Uma aventura nominal

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BiosJanez Janša (1964 Rijeka, Croácia) é escritor, encenador de performances interdisciplina-res, e intérprete. Estudou sociologia e encenação teatral na Universidade de Ljubljana, na Es-lovénia, e teoria da performance na Universidade de Antuérpia, na Bélgica. Encenou Camillo - Memo 1.0: Construction of Theatre no Piccolo Teatro de Milão, Itália, em 1998. Drive in Camillo inaugurou a Bienal Europeia de Arte Contemporânea, Manifesta 3, em 2000. As suas peças recentes incluem We are all Marlene Dietrich FOR, uma performance para soldados em missões de paz (com Erna Omarsdottir); uma reconstrução da peça de 1969, Pupilija, Papa Pupilo, and the Pupilecks – Reconstruction, em 2006, e Slovee National Theatre em 2007. Foi intérprete no projecto de improvisação At the Table, comissionado por Meg Stuart, e realizou uma série de performances piloto em torno do estatuto da performance nas sociedades neoliberais, sob o título Program!. O trabalho de Janez Janša inclui igualmente obras de arte visual, multimédia e performance, nomeadamente The Cabinet of Memories, uma sessão de doação de lágrimas; The First World Camp (com Peter Šenk), um projecto artístico e de investigação interdiscipli-nar; a performance interactiva Miss Mobile; a acção de reconstrução Mount Triglav on Mount Triglav e o projecto interdisciplinar Signature Event Context (ambos com Janez Janša e Janez Janša). Janša comissiona frequentemente workshops interdisciplinares através da Europa e dos EUA, e fundou (juntamente com Mare Bulc) P.E.A.C.E. – Peacekeepers’ Entertainment, uma organização de intercâmbio artístico e cultural. Publicou vários ensaios sobre arte e tea-tro contemporâneos, incluindo um livro sobre o artista e fazedor de teatro fl amengo Jan Fa-bre. Trabalhou como editor chefe da revista de artes performativas Maska entre 1999 e 2006, e editou uma antologia de teoria do teatro contemporâneo, uma antologia de teoria da dança contemporânea, e vários outros títulos. Desde 1999 que é director da organização sem fi ns lucrativos Maska, com base em Ljubljana, na Eslovénia, que gere actividades de publicação, de produção e de educação. Janez Janša (1970 Bergamo, Itália) é um artista conceptual, intérprete e produtor, que se formou na Academia de Belas Artes de Milão, em Itália. O seu trabalho tem fortes conota-ções sociais e caracteriza-se por uma abordagem intermédia. É co-fundador e director de Aksioma, Instituto de Arte Contemporânea de Ljubljana, e o início da sua actividade artís-tica em 1996 deu-se com a instalação urbana I Need Money to Be an Artist, que foi primeiro apresentada em Ljubljana, na Eslovénia, e depois em Veneza, Itália. Em 2001, elaborou (com I. Štromajer) Problemarket.com – the Problem Stock Exchange, uma plataforma virtual na qual as acções de companhias com problemas são negociadas. No ano seguinte, Janša produziu machinaZOIS, um patrono electromecânico que apoia fi nanceiramente artistas e produções artísticas. Em seguida deu início ao desenvolvimento de DemoKino – Virtual Biopolitical Agora, um parlamento virtual, que através de parábolas fílmicas da actualidade dá aos votantes a oportunidade de decidir sobre assuntos que estão a tornar-se na essência da política moder-na – as questões da vida. Em 2005, Janša elaborou a plataforma RE:akt!, que analisa o papel dos media na manipulação da percepção e na criação de mitos históricos (pós-)modernos e de mitologias contemporâneas. Uma parte desta plataforma corresponde ao projecto Mount Triglav on Mount Triglav de Janez Janša, Janez Janša, e Janez Janša. Paralelamente a estes projectos sociopolíticos, Janša investigou o campo da realidade virtual e das tecnologias de neuro-feedback, e entre 2000 e 2002 desenvolveu e interpretou (com Darij Kreuh) Brainscore – Incorporeal Communication, uma performance para dois operadores actuando num ambiente de realidade virtual através das suas incarnações. Entre 2004 e 2007, dirigiu o projecto Brain-loop, uma plataforma de performance interactiva que permite navegar através de um espaço virtual imaginando simplesmente comandos motores específi cos. Janez Janša é igualmente co-editor (com Ivana Ivković) da antologia de texto e imagem DemoKino – Virtual Biopolitical Agora, publicada por Maska e Aksioma em 2005.Janez Janša (1973 Ljubljana, Eslovénia) representa a nova geração de artistas que proble-matiza o campo da pintura através do uso de imagens dos media e de uma relação livre com vários processos tecnológicos. O seu principal interesse não é tanto expandir o campo da pin-tura; interessa-lhe mais a ideologia inerente à própria pintura. Janez Janša desconstrói a fun-ção social da pintura e a posição do observador. Os temas das suas pinturas têm geralmente uma conexão com os media, especialmente o fi lme, que continua a modelar a sua percep-ção da actualidade. A exposição mais radical do seu trabalho teve lugar na Bienal de Veneza 2003, quando pendurou as suas pinturas nas casas de proprietários temporários. Os quadros tinham câmaras embutidas que transmitiam à galeria imagens em tempo real. Tratava-se de pinturas da série intitulada Terror=decor, que analisa a forma como tanto as imagens artísti-cas como as imagens dos media, especialmente as imagens modernas, se transformam em decoração ao serviço do capitalismo.

Mais informações sobre o projecto NAME Readymade, consultar:http://www.aksioma.org/jj/http://www.aksioma.org/name/http://www.maska.si/en/productions/visual_intermedia/name_readyma-de/http://www.aksioma.org/name_book/index.html

1Janez Janša, Janez Janša and Janez Janša002199616 (Identity Card)Ljubljana, 2007Print on plastic, 5,4 x 8,5 cmCourtesy: aksioma2Janez Janša, Janez Janša and Janez Janša002199341 (Identity Card)Ljubljana, 2007Print on plastic, 5,4 x 8,5 cmCourtesy: aksioma

3Janez Janša, Janez Janša and Janez Janša002293264 (Identity Card)Ljubljana, 2007Print on plastic, 5,4 x 8,5 cmOriginal lost; 2nd version:002359725 (Identity Card)Ljubljana, 2008Print on plastic, 5,4 x 8,5 cmCourtesy: aksioma

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Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea

Role Play Assassino

Em Maio de 2005, um dos membros de um grupo de seis no autocarro N°21, no segundo bairro de Budapeste, agrediu um jovem com um objecto afi ado, su-postamente uma espada. O jovem foi operado. Segundo o seu testemunho, o gang vestia "roupa militar variada", incluindo uniformes tanto da Primeira Guerra como da Segunda. A seguir ao crime, o agressor e os seus cúmplices fu-giram do local a pé. O delinquente é um homem de 25 anos com cabelo escuro, rosto estreito e barba arredondada, ves-tindo um blusão de cabedal e botas da tropa. O gang incluía igualmente um jo-vem de cerca de 24 anos de idade, com um capacete de aço verde, um casaco verde do exército húngaro e botas da tropa. Os membros do grupo levavam dois escudos de madeira, um redondo e outro em forma heráldica, duas espadas e uma faca do exército.

Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.

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Atelier Real Set/Out 2009

Tehnica Schweiz é, desde 2004, o nome do projecto de colaboração entre Gergely László & Rákosi Péter. Esta dupla de fotógrafos tem vindo a desenvolver projectos originais inspirados em processos de recons-tituição de realidades presentes ou passadas. Interessam-se pelo poten-cial político da fotografi a enquanto médium: enquanto ferramenta de propaganda, de manipulação e de falsifi cação, bem como meio de do-cumentação, de arquivo e de pesqui-sa infi nita. Os seus trabalhos rara-mente se apresentam como simples séries de fotografi as, e as estratégias artísticas a que recorrem variam consideravelmente. Tais estratégias implicam frequentemente que os ar-tistas atravessem a experiência de lu-gares e de comunidades específi cas, e se integrem em contextos culturais alheios para realizar as suas obras. Outras vezes trabalham a partir de notícias triviais, acontecimentos de todos os dias. No entanto, o que de-fi ne o seu trabalho é mais o processo do que o resultado fi nal.

Para além de apresentar alguns dos seus trabalhos fundadores, tais como Group-photo in Lak (2005-2006) e Identikit (2007), Gergely László & Rákosi Péter apresentarão também mais detalhadamente dois projectos mais ambiciosos, que se encontram ainda em processo: Ga-rage project e Jad Hanna project.

Garage project toma como ponto de partida um subúrbio da cidade de Dunaújváros (a 50 km a sul de Budapeste), em cujas ruas (agencia-das numa grelha perfeita) existem cerca de 1200 garagens. Essas gara-gens, construídas no fi nal dos anos 1960 para os trabalhadores de uma fábrica de metalurgia, pólo econó-mico principal da cidade, são actu-almente um sítio onde os homens se encontram para escapar à vida familiar, ou onde a cena cultural al-ternativa se pode afi rmar. Cada uma dessas garagens esconde segredos, espaços privados, hobbies e profi s-sões. O projecto dos artistas consis-tiu, até ao momento, em 3 etapas/projectos complementares: a reali-

zação de um levantamento fotográ-fi co (o mais exaustivo possível) dos interiores das garagens existentes; a criação de interiores que imaginam, juntamente com amigos e familia-res, poder encontrar por trás das portas fechadas de uma garagem e, por fi m, a organização de um Garage Festival, em Setembro de 2008, com a participação da quase totalidade das bandas amadoras locais (que ensaiam em garagens) e com o alu-guer de 5 garagens que foram trans-formadas em museu, cinema, palco livre, escritório do festival e bar.

O Jad Hanna project tem a sua origem no Kibbutz Jad Hanna, em Israel, ofi cialmente inaugurado no dia 10 de Abril de 1950 e construído por jovens húngaros sobreviventes do Holocausto. Alguns familiares de Gergely László faziam parte dos fundadores do Kibbutz e fazem par-te da centena de pessoas que ainda lá vivem. O artista visitou-os 3 ve-zes ao longo dos últimos 15 anos, tendo-se gradualmente tornado testemunha da transformação e do

lento desaparecimento do Kibbutz. Consciente desse facto, começou a debruçar-se sobre a organização sis-temática dos arquivos fotográfi cos do comité do Kibbutz, adicionando-os às fotografi as e à documentação que pôde encontrar através das suas ligações familiares (correspondên-cia, jornais do Kibbutz, formulários ofi ciais, etc.).

Ao mesmo tempo, esta recolha serve também de casting para as cenografi as, os adereços, as perso-nagens, os fi gurinos e a localização de um fi lme em preparação, que en-volverá as várias comunidades que vivem actualmente em Jad Hanna (kibbutzniks, colonos da Cisjordâ-nia, refugiados sudaneses e traba-lhadores imigrantes da Tailândia). O fi lme evocará cenas de uma peça de teatro gravada há alguns anos por altura da celebração da festa judaica de Purim, e introduzirá igualmente cenas reconstituídas de momentos chave dos últimos 50 anos da exis-tência de Jad Hanna, interpretadas pelos actuais habitantes do kibbutz.

TEHNICA SCHWEIZ PROJECT

Atelier Real, 26 de Setembro, 18H00 (Entrada livre)[apresentação em Inglês]

de Gergely László & Rákosi Péter (Hungria)

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Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea

Identikit, 2007"Os desenhos Identikit foram produzidos a partir de descrições fornecidas pelas testemunhas de uma cena de crime. São solicitados pelo inspector da polícia judi-ciária para facilitar a identifi cação de um criminoso. Os desenhos são realizados à mão ou recorrendo a software apropriado, por especialistas formados para o efeito (ar-tistas policiais).

Essas imagens baseiam-se normalmente nas declara-ções de várias testemunhas oculares. Não pretendem fazer o retrato robot do delinquente, mas salientar ca-racterísticas específi cas do seu rosto e/ou corpo. A ideia

subjacente não é apenas encontrar o delinquente, mas alargar a procura a todas as pessoas susceptíveis de cor-responder à descrição, a partir da qual poderão ser con-sideradas suspeitas.

Contactámos a ZSARU [ver caixa], a revista da polícia húngara, para obter os desenhos que foram publicados nos últimos 5 anos. Fizemos uma selecção. Para cada desenho procurámos um modelo com características semelhantes às da pessoa desenhada. Fizemos retratos dessas pessoas com uma câmara fotográfi ca de grande formato (4”x5”)." Gergely László & Rákosi Péter

Mais informações sobre Tehnica Schweiz, consultar:

http://www.photolumen.hu/lgrp/http://www.pocproject.com/

Tehnica Schweiz é membro do POC [Piece of Cake], colectivo de fotógrafos europeus, desde 2007.

Contrariamente a muitas re-vistas da polícia na Europa e em todo o mundo, não circula apenas no âmbito da força policial, mas encontra-se à disposição do gran-de público em qualquer quiosque. Os seus leitores não são apenas ou maioritariamente polícias, mas qualquer pessoa que se interesse pelo trabalho da força policial.

O objectivo da revista é infor-mar e ao mesmo tempo divertir, cobrindo casos reais de crime, in-vestigações, e os vários aspectos do trabalho de um polícia hún-

garo, incluindo os membros das equipas especiais. A revista Zsaru cobre igualmente com frequência histórias de crime no estrangeiro, casos de crime organizado, e infor-ma os leitores sobre as actividades desenvolvidas por organizações policiais internacionais. Normal-mente trata também de questões de prevenção do crime, aconse-lhando os leitores. Para além de artigos profi ssionais à semelhança dos que tratam de armas e da ciên-cia forense, publicamos também entrevistas com celebridades, re-

ceitas, palavras cruzadas, artigos sobre moda e mesmo sobre vinhos. A Zsaru segue uma longa tradição de revistas policiais na Hungria. A primeira do género – Közbizton-ság (‘Segurança Pública’) – apare-ceu em 1869. A Zsaru – que antes se chamava Magyar Rendõr (‘Po-lícia Húngaro’) saiu pela primeira vez em Janeiro de 1992, a seguir às mudanças de democratização na Hungria e na Europa do Leste.

Fonte: http://www.zsaru.hu

Zsaru (Polícia) é a revista oficial semanal da força policial húngara, editada pelo Quartel General da Polícia Nacional.

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Atelier Real Set/Out 2009

O Preço de uma Vida

O quartel-general da polícia de Esztergom andava à procura de um suspeito desconhecido, que no dia 27 de Agosto de 2000 assassinaram a Sra F. Gy (71) com vários golpes de faca. O assassino levou duas pulseiras, três colares e cinco anéis em ouro, um par de brincos, um relógio de senhora e um gravador de cassetes Grundig.

O Ladrão dos Gritos

O quartel-general da polícia do segundo bairro de Budapeste procura o homem que fi gura no desenho, por roubo. No dia 1 de Outubro de 2002, por volta das 8h15, roubou a mala da empregada de uma das lojas da Rua László, no segundo bairro. Fugiu do local a correr. Segundo os testemunhos de casos anteriores, o método bem estabelecido do ladrão consiste em lançar um grito forte e inarticulado enquanto rouba, para assustar assim a vítima.

Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.

Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.

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Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea

O Homem Aranha em Zugló

A policia de Zugló procura o homem não identifi cado da imagem, que entre Março e Maio de 2002 pilhou pessoas idosas em várias ocasiões, nas proximidades de Zugló. O “Homem Aranha”, completamente mascarado de preto, trabalhava após o crepúsculo. O seu método era cair sobre as vítimas, atirando-se por exemplo de pontes para pedestres. Os idosos assustados e sem defesa eram presas fáceis para ele, e por isso podia facilmente escapar-se com os sacos ou com os casacos deles.

Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.

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Dinheiro para troco

O quartel-general da polícia de Dabas abriu um processo contra um delinquente não identifi cado. O homem que falava alemão fl uentemente apareceu pela tarde do dia 20 de Janeiro de 2003 na boutique Fashion Magic, e escolheu uma quantidade de peças no valor total de 124 900 forints. O malfeitor colocou sobre o balcão 12 notas de 10 000 forints e 5 de 2 000, antes de embalar a mercadoria num saco de compras às riscas.Entretanto, sem que ninguém notasse, conseguiu trocar o molho de notas por 13 de 200 forints e uma de 2 000, e saiu. O malfeitor não identifi cado causou assim um prejuízo de 120 300 forints.

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Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.

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Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea

Nos seus fi lmes de fi cção, Peter Wa-tkins utiliza técnicas geralmente associadas a um estilo documental (comentários em voz off , entrevis-tas, câmara ao ombro...). Baralhan-do as fronteiras entre a fi cção e o documentário, cria “documentários fi ctícios” ou “fi cções documentais”, que questionam a legitimidade e a credibilidade das informações tal como são produzidas pelos media. É que Peter Watkins não pretende apenas criar um efeito estilístico gratuito; ao contrário, propõe-se subverter a relação do espectador com as representações audiovisu-

ais, de forma a nela introduzir uma margem crítica. Os fi lmes de Wa-tkins propõem sempre uma “versão não ofi cial” de certos temas da nos-sa história contemporânea, que fo-ram (e ainda são) sistematicamente marginalizados, se não simplesmen-te ocultados por razões políticas (o nuclear, a guerra, a repressão poli-cial). Denunciam a formatação das estruturas narrativas dos telejornais e dos fi lmes hollyoodianos sob um mesmo modelo a que Watkins cha-ma “Monoforma”, e o paradoxo do artifício fi ccional, que se encontra tão bem integrado nos nossos hábi-

tos de recepção que passa desperce-bido. Watkins parece assim recordar subtilmente ao espectador, a forma como a ideia de representação é não só uma noção estética, mas tam-bém política. Já que as imagens au-diovisuais que o espectador recebe não representam apenas um ponto de vista sobre o mundo, mas parti-cipam nesse mundo formando-o, informando-o e transformando-o. E a questão é a de saber se essas imagens representam “este” mundo no qual vive “este” espectador.

Gabinete Audiovisual: Peter Watkins

Uma retrospectiva dos filmes do realizador em DVD

Atelier Real, todos os dias da semana, 12h00 às 18h00 (ENTRADA LIVRE)

PETER WATKINS Inventor de um género cinematográfico: a docuficção

La Commune (Paris 1871) de Peter Watkins, (1999). Foto: Corina Paltrinieri. DR.

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Atelier Real Set/Out 2009

La Commune (Paris 1871) de Peter Watkins, (1999). Foto: Corina Paltrinieri. DR.

Os fi lmes de Peter Watkins sempre perturbaram o sistema estabelecido, nomeadamente pelas suas escolhas formais subversivas e pelos seus te-mas abertamente políticos (contra o nuclear e a violência policial, a favor da paz...). Culloden (Inglaterra, 1964), a sua primeira longa-metra-gem, será, a par com Edvard Munch (Dinamarca, 1973), dos seus únicos fi lmes a conhecer um sucesso jun-to do público e da crítica, e a bene-fi ciar de uma exploração e difusão normais. A partir do seu segundo fi lme, o realizador estará sistema-ticamente sujeito aos ataques de uma parte da imprensa e dos media, independentemente do país onde decorram as fi lmagens: Inglaterra, Estados Unidos, Suécia, Noruega, Dinamarca, Austrália, ou França. The War Game (1965), que trata dos perigos das armas nucleares, é in-terditado pela BBC durante mais de vinte anos, em consequência de prováveis pressões do governo britâ-nico. Punishment Park, fi lmado nos Estados Unidos em 1970, é retirado dos cinemas quatro dias após a sua saída em Nova Iorque, em conse-quência da indignação da imprensa conservadora americana, que recu-sa as suas críticas à política interior repressiva do presidente Nixon. The Gladiators (1969) relata a criação de “Jogos da Paz” em Estocolmo; com-bates mortais entre soldados de dife-rentes países para desviar os instin-tos agressivos do Homem. Filmado

na Suécia, o fi lme é violentamente atacado desde a sua saída, tal como o serão na Dinamarca The Seventies People (1974) e Evening Land (1976), que abordam o suicídio dos jovens e os métodos repressivos da polícia dinamarquesa.

Em 1979, o Instituo Sueco do Ci-nema retira-lhe um projecto sobre August Strindberg que lhe tinha encomendado (após dois anos e meio de pesquisa e de escrita), mas que Watkins acabará por realizar em 1992 no âmbito de um curso de produção de vídeo leccionado num liceu de Estocolmo. The Freethinker (fi lme de 4h35, dividido em três partes) não benefi ciará contudo de nenhum apoio à sua difusão. Entre 1983 e 1986, Watkins fi lma The Jour-ney em doze países diferentes, um fi lme pacifi sta de 14 horas que ne-nhuma organização televisiva acei-tará emitir.

Em 1999, La Commune marca o seu retorno a uma encenação que tinha abandonado em 1994. Este projecto de 5h45 será fi nalmente emitido en-tre as 22h e as 4h da manhã pelo ca-nal franco-alemão Arte, co-produtor que se recusará, ao contrário do que tinha pretendido, a "desarrumar a sua grelha de programas".

Alexandre Labarussiat

www.critikat.com/Peter-Watkins.html (22 de Novembro 2006)

Um cineasta malditoComparo frequentemente a nar-rativa hollywoodiana a uma pista de montanha russa, ao longo da qual os sentimentos do espectador são posicionados cuidadosamente, para uma viagem predeterminada e cuidadosamente guiada. Os carris correspondem à estrutura narra-tiva, movendo-se para cima e para baixo numa série previsível de altos e baixos emocionais – as acalmias e os clímaxes de uma história. A Mo-noforma funciona como grelha siste-mática reguladora que acompanha o espectador, controlando sempre a velocidade do input emocional, e a quantidade de espaço que é permiti-da para refl ectir.

Compreendemos assim que a pre-missa segundo a qual os fi lmes (inclu-sive os documentários) construídos de acordo com este sistema são ‘en-tretenimentos’ neutros, apolíticos, não ideológicos e inofensivos, é um mito absoluto. Um mito cuidadosa-mente alimentado – exactamente da mesma maneira que o mito da ‘ob-jectividade’ é perpetuado pelos res-ponsáveis editoriais que controlam a transmissão de notícias na televisão.

Peter Watkins, Role of American MAVM, Hollywood and the Monoform In: http://pwatkins.mnsi.net/hollywood.htm (Julho de 2009)

A Monoforma

http://pwatkins.mnsi.net

O livro Media Crisis de Peter Watkins está disponível no Gabinete de Leitura (tradução em Francês).Mais informações sobre o livro, consultar o website da editora Hominsphéres: http://homnispheres.info/article.php3?id_article=38 (Agosto 2009)

Media crisis de Peter Watkins, tradução de Patrick Watkins (Paris, Homnisphères, [2004] 2007, 247 p. Collection Savoirs Autonomes).

Mais informações sobre Peter Watkins, consultar:

Gabinete Audiovisual e Gabinete de Leitura Em complemento às apresenta-ções e às aberturas públicas que os artistas em residência podem proporcionar ao público, o Atelier real disponibiliza, durante tudo o ciclo, um Gabinete audiovisual e um Gabinete de leitura – dois espaços de consulta em livre aces-so, onde os interessados podem consultar materiais audiovisuais e livros relacionados com o tema do ciclo, inclusive os que foram utilizados ou referenciados pelos participantes na elaboração das suas propostas.

O Gabinete audiovisual desen-volve também uma programação própria relacionada com o tema da documentação. Disponibiliza retrospectivas (em DVD) de cine-astas e artistas que trabalham a partir de uma postura documen-tal e numa refl exão crítica sobre o género documentário.

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As residências artísticas promo-vidas pelo atelier real obedecem a uma lógica em que se propõe ao ar-tista um distanciamento e um reposi-cionamento perante o seu trabalho e modo de operação habitual. As re-sidências proporcionam um tempo de suspensão num processo criati-vo e um espaço de refl exão sobre os motivos que atravessam e animam a construção de uma obra.

As modalidades desse distancia-mento e reposicionamento variam em função da fase em que se encontra

o artista no seu percurso profi ssio-nal mas sobretudo da fase em que se encontra o processo criativo de um projecto em concreto. Pode encon-trar-se numa fase ainda preliminar de pesquisa e de especulação, a tac-tear intuições, ou numa fase já mais avançada de realização, a precisar de um tempo curto e intenso para fazer um exame do percurso desen-volvido e medir os eventuais desvios ocorridos até o momento. Pode ain-da encontrar-se numa fase de pré-produção, onde se dão os primeiros

contactos com colaboradores, onde acontece uma primeira aproxima-ção à matéria, onde se improvisa e testa arranques através exercícios soltos.

São projectos de artistas ou de es-truturas que vão directamente ao encontro das linhas programáticas que o atelier real quer promover. São escolhidos em função de um conhecimento prévio do trabalho e do desejo do(s) artista(s) em ser acolhido(s) em residência. Essas re-sidências são escolhidas tendo em

vista a apresentação, no fi m da re-sidência, do resultado proveniente da investigação efectuada durante a residência ou de uma conferência-demonstração mais alargada sobre a obra do artista convidado.

O programa de residências artís-ticas tem apresentações públicas regulares de dois em dois meses, in-tercaladas com as apresentações do ciclo Restos, rastos e traços.

Do projecto "Fedón" de Jesús Barranco. Foto de Ana Zaragoza. DR.

RESIDÊNCIAS ARTÍSTICAS

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Atelier Real Set/Out 2009

Bio PATRICIA CABALLERO

Formada em Dança Contemporânea entre Cádis (Conservatório Profi ssional de Dança), Madrid (Estúdios Profi ssionais de Dança Con-temporânea Carmen Senra) e Barcelona (Con-servatório Superior de Dança) e com um vasto percurso autodidacta nas artes plásticas.

Actualmente frequenta a licenciatura de Coreografi a e Técnicas de Interpretação de Dança no Conservatório Superior do Instituto de Teatro de Barcelona, dando uma atenção

especial ao departamento de teoria e estética. Dada a falta de estímulo por parte do centro, co-funda e organiza este ano a primeira edição do ciclo auto-gerido “Setmana Deformativa”. Uma programação paralela à programação ofi cial da escola, com mesas redondas sobre pedagogia e produção artística, propostas de motivação (workshops, encontros com artis-tas e intervenções no edifício) e mostras de trabalhos. Este ciclo conta com a colaboração desinteressada de 25 artistas, pensadores, pro-gramadores, investigadores, animadores e re-

presentantes de assembleias, colectivos, etc.Desde 2003, a título de laboratório pessoal,

tem desenvolvido projectos de pequeno forma-to que investigam nas fronteiras entre a acção, a intervenção urbana, a dança conceptual e a instalação – “Desequilibrios”, “Retaguardias”, “Psicastenia Legendaria”, “Amalgam”, “Ver-de”, “Paradiástole”, “50Hz”, “Como congelar fantasmas” e “Simulacro de simulacros” – e contam com a colaboração de fotógrafos, vide-astas, escritores, dramaturgos e intérpretes.

PATRICIA CABALLERO ESPANHA [em residência de 14 de Setembro até 31 de Outubro]

mas sim um enquadramento no qual se possam abrir linhas interconecta-das de investigação. Por isso também não defi no nenhum formato concreto, prefi ro deixar que ele se coloque, numa segunda fase de composição, ao serviço da evolução e das possíveis transforma-ções do enquadramento em questão. Quer dizer que tudo poderia concluir-se tanto com uma peça teatral como com uma intervenção, uma instala-

ção, um livro, ou várias destas opções, ou podia até nem se concluir.

Não procuro nenhuma estética, ela surgirá como consequência. Procuro sim uma ética baseada na aceitação e na paciência, que me informa que os meus desejos e tentações só serão úteis se fi zer o esforço tensional de distan-ciar-me deles.

Proponho-me testar intuições, retê-las, reescrever perguntas, ordená-las e

guardar apenas as necessárias; e esta-belecer assim um ponto de onde partir. Parece-me oportuno atingir um nível zero a partir do qual seja possível en-contrar alguma singularidade; chegar à posição niilista de querer activamen-te o próprio ‘nada’.

Quase impossível…

Padeço de uma intensa e obsessiva in-clinação para o impossível. Para não acabar esmagada em lugares apocalíp-ticos, resigno-me a apresentar o meu desajeitado esforço para alcançá-lo, tentando afastar-me das suas possíveis formas de representação ou ilusionis-mo, e esperando obter como inevitável e necessário fracasso, simulacros, ob-jectos, lugares ou conceitos do ‘nada’.

Situo-me em princípio num ponto de partida sóbrio e tangível, no qual o ‘nada’ (ou o seu substituto) é o que já existe, evitando qualquer tipo de pseu-do-necessidade.

Por um lado, procuro a perplexida-de. Procuro a ideia de submissão, de me perder num lugar sem nele desem-penhar nenhum papel aparentemente activo; sem deixar qualquer rasto.

Por outro lado, considero necessária a produção de ‘vazio’, em todos os sen-tidos. Considero necessário dar lugar ao lugar; toda a área desocupada se desmantela; todo o ocupante faz par-te de um emaranhado de ocupantes. Considero necessário criar hiatos que separem os ocupantes uns dos outros, as acções umas das outras.

Patricia Caballero, Maio de 2009

Atelier Real, 31 de Outubro, 18H00 (Entrada livre)

Do projecto "Fedón" de Jesús Barranco. Foto de Ana Zaragoza. DR.

Patricia Caballero foi convidada pelo Atelier Real no âmbito de uma parceria com La Porta (www.laportabcn.com), em Barcelona. La Porta é uma das raras estruturas in-dependentes de produção e de pro-moção da dança contemporânea em Espanha, cujo trabalho é, desde 1992, apoiar e promover – muitas ve-zes contra a corrente institucional – as sucessivas gerações de jovens criadores. Assim sucedeu nos anos 1990, com os criadores seminais da "dança contemporânea espanhola" (agora quase toda no exílio), com coreógrafas como La Ribot, Olga Mesa, Mónica Valenciano ou Olga de Soto. Nos últimos anos, La Por-ta tem desenvolvido um trabalho exemplar tanto a nível local como nacional, enquanto alternativa ao conservadorismo que preside aos festivais e outras estruturas de programação e/ou formação coreo-gráfi cas em Espanha. Criou vários eventos, festivais, ciclos e publica-ções com artistas e teóricos cujas refl exões e abordagens ultrapassam a mera etiqueta de "dança" ou de "dança contemporânea", proporcio-nando uma verdadeira relação críti-ca com o mundo da criação contem-porânea que se pratica hoje, dentro e fora de Espanha.

Intenções, intuições e tentações: procurar o nada

Não me precipito a considerar, nesta primeira fase de pesquisa, nada que tenha a ver com a criação de uma peça,

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Projectos seleccionados

Catarina Simão (Portugal)

Fora de campo é um projecto sobre o arquivo de cinema de Moçam-bique: uma investigação artística sobre os actos de transformação po-lítica das imagens e em especial as que constituem o arquivo de cinema

Moçambicano. Trata-se de fazer a história social de um arquivo de imagens políticas, circunscrito a um período de pura ideologia militante pró independência, que no seu tem-po interessou às cabeças pensantes dos três movimentos de vanguarda no cinema do século passado: Jean Rouch (‘Cinéma Vérité’), Jean-Luc Godard (‘Nouvelle Vague’) e Ruy Guerra (‘Cinema Novo’).

Alexandra Ferreira & Bettina Wind (Alemanha/Portugal)

Ao longo da nossa pesquisa no ar-quivo de Mousonturm em Frank-furt, no início deste ano, encontrá-mos uma cassete vídeo de ‘Xavier Le Roy by Jérôme Bel’, de 2001. As elevadas expectativas geradas pelo facto de termos descoberto uma relí-quia no vasto e disperso arquivo do centro de performance, caíram por terra assim que começámos a ver a cassete VHS: era quase impossível reconstruir a performance, devido ao limitado ângulo da câmara, à inexistência de som, e à má qualida-de da VHS e da própria fi lmagem. Só quando começámos a refl ectir sobre documentações e sobre a rela-ção delicada que têm com as obras de arte, é que nos apercebemos que o nosso achado no arquivo se podia afi -nal transformar numa verdadeira descoberta... O nosso interesse pelo material de documentação deve-se particularmente à sua resistência a uma reconstrução ‘fi el’ ao aconte-cimento, ao mesmo tempo que tanto as fi lmagens da performance como a entrevista [a sua documentação] evocam uma atmosfera de autentici-dade e de ‘objectividade’.

Simon Bowes (Reino Unido)

Em Julho de 2008 voltei à terra da minha família para poder viver po-bre e beligerante, e fazer o trabalho que tinha andado a adiar devido a obrigações relacionadas com um es-tudo intenso e prolongado. Fundei uma companhia com o meu pai, que tem 74 anos. Denominámo-nos ‘Kin-gs of England’ [Reis da Inglaterra] e ao espectáculo demos o título ‘Where We Live & What We Live For’ [Onde Vivemos & Para Que Vivemos]. [...]

O processo de investigação criou muito daquilo a que poderíamos chamar ‘excedente’, revelando deta-lhes esparsos sobre a minha família através das gerações e até um passa-do distante. Mas enquanto fazedor, este processo de descoberta desperta o meu interesse pela maneira como a performance ao vivo pode abor-dar a questão da documentação, da maneira como os documentos são performativos, de como encenar in-tervenções no espaço do arquivo, e do que fazer com os restos, com as ques-tões não respondidas, as questões sem resposta, e as questões impossíveis de perceber...

Noé Sendas (Alemanha/Portugal)

‘Processo: Quem é Noé Sendas’. Par-tindo de uma prática corrente de abrir processos sobre determinados autores ou personagens/narradores fi ccionados, vou abrir um processo com o seu nome, onde pretendo exa-minar o seu processo criativo e de pesquisa, utilizando o seu ‘modus operandi’. No entanto, o meu objec-tivo não é o de me cingir a um estudo da informação reunida e do seu tra-balho realizado; proponho-me ir ao encontro de uma experiência senso-rial directa com o autor, sob a forma de um interrogatório.

Paula Caspão & Valentina Desideri (França/Itália/Portugal)

As práticas de documentação, nas suas diferentes modalidades e impli-cações, têm no projecto ‘HOW-TOs’ uma função de verdadeiros ‘agentes dramatúrgicos’. ‘HOW-TOs é uma colecção meia coreográfi ca meia in-fi nita’ que explora a elasticidade dos ‘modos de fazer coisas’ em diferentes

O grande interesse que o convite à apresentação de propostas suscitou traduziu-se numa difi culdade (e res-ponsabilidade) acrescida à selecção dos projectos. A variedade das abor-dagens do tema, das dinâmicas de-senhadas para as residências, e das disciplinas artísticas abrangidas pe-las propostas fl exibilizou os nossos critérios de avaliação, que se foram assim formando em função das pró-prias propostas.

No processo de selecção, tivemos em conta não só a qualidade ar-tística intrínseca à proposta, mas também a pertinência da realidade escolhida enquanto assunto a docu-

mentar, bem como a originalidade dos processos a desenvolver para se aproximar dessa realidade, de for-ma a questioná-la simultaneamen-te. Fomos igualmente sensíveis, enquanto responsáveis de progra-mação, à possibilidade de criar uma dinâmica geral que evite a repetição de conteúdos, assim como a unifor-mização dos modos de usar a resi-dência.

Tomámos igualmente em consi-deração o importante número de propostas, razão pela qual decidi-mos prolongar o ciclo até o fi nal de 2010, de forma a podermos acolher dois projectos suplementares.

RESULTADOS DO CONVITE À APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS PARA O CICLO Restos, rastos e traços: Práticas de documentação na criação contemporâneaRecebemos mais de 170 propostas para o ciclo Restos, rastos e traços: Práticas de documentação na criação contemporânea, vindas não só de Portugal mas também da Alemanha, da Áustria, da Bélgica, da Croácia, de França, de Espanha, de Inglaterra, de Itália, dos Países Baixos, da Roménia, da Sérvia, da Ucrânia, dos EUA, da Austrália, da América Latina e da África do Norte.

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Atelier Real Set/Out 2009

Do projecto "Where We Live & What We Live For" de Simon Bowes / Kings of England

áreas de actividade: cinema, gastro-nomia, literatura, economia, histó-rias de animais, drama, geografi a, ciências neurológicas, artes várias e situações quotidianas de diversos formatos. Se é certo que recorremos a práticas de arquivo, gerando taxo-nomias e categorias, o nosso objectivo não é fabricar um Arquivo que cap-ture itens numa classifi cação está-vel. O que nos move é antes o desejo de fazer surgir dinâmicas relacionais capazes de iniciar diálogos impro-váveis entre práticas heterogéneas, tanto as existentes como as ‘ainda por existir’. Por isso aparecerão nes-ta colecção compartimentos ainda sem conteúdo, compartimentos es-peculativos ( fi ccionais), como can-teiros para ‘adivinhar’ restos, rastos e traços de relações futuras, ou docu-mentos do que ainda não aconteceu. Já que a fronteira entre o aconteci-mento e o documento não é tão clara como parece.

Rémy Héritier (França)

Se a performance existe apenas o tempo que dura a sua performativi-dade, o que resta são apenas traços. (...) Desde há alguns meses, consi-dero o meu trabalho como uma série de documentos: todas as secções que compõem as peças são documentos, tal como as próprias peças. Esta mu-dança na denominação do material de trabalho e do próprio trabalho não é uma modifi cação formal com o objectivo de promover um novo jargão artístico. É uma mudança de natureza. Na minha perspectiva, é um passo pessoal em frente na con-sideração de uma obra de arte como contribuição.

Rogério Nuno Costa (Portugal)

Na maioria das vezes, o fi lme é mais importante que o ‘making of’; ou-tras vezes, raras, o ‘making of’ con-segue ser mais importante que o fi l-me. A mim interessa-me ultrapassar esta duplicidade, porque quero que o ‘making of’ seja, de facto, ‘o’ fi lme. Neste sentido, assumo esta fase fi nal do projecto [‘A Oportunidade do Es-pectador’, plataforma de discussão teórico-prática sobre as dimensões da participação e do compromisso do espectador perante uma obra] como um momento de infl exão teórica novo e autónomo, quase como se o processo de documentação do projecto fosse, de facto, independente do projecto.

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Sábado 26 de Setembro 18h00 Lançamento do Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea

Tehnica Schweiz Project de Gergely László & Rákosi Péter (Hungria),Estreia nacional.Uma conferência-demonstração dos autores acompanhada de projecções em vídeo e em slides (em inglês, sem tradução).

21h30 Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea

NAME Readymade de Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša (Eslovénia), Estreia nacional. Uma conferência-demonstração dos autores acompanhada de projecções em vídeo (em inglês, sem tradução). Jantar no atelier real, em companhia dos artistas, a partir das 20h00

Sábado 31 de Outubro 18h00 Programa Residências artísticas do Atelier Real

Patricia Cabalero (Espanha)Uma apresentação do(s) resultado(s) de uma residência artística que ocorreu entre 14 de Setembro e 31 de Outubro.

Próximas apresentaçõesSábado 28 de Novembro18h00 Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea

Fora de campode Catarina Simão (Portugal) Sobre o arquivo de cinema de Moçambique

Sábado 12 de Dezembro 18h00 Programa Residências artísticas do Atelier Real

Sete Tele & Rachel Arianne Ogle (Austrália)Uma apresentação do(s) resultado(s) de uma residência artística que ocorreu entre 24 de Novembro e 12 de Dezembro.

Programa

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RE.AL | Produtora Direcção geral e artística: João Fiadeiro Artistas representados: João Fiadeiro, Cláudia Dias e Gustavo Sumpta Direcção de produção: Sofi a Campos Gestão fi nanceira e administrativa: Cláudia Nunes Secretariado: Alaíde Costa Contabilidade: Saldo Certo/Rui Silva Assessoria jurídica: Duarte Gorjão Henriques Limpeza: Rita Guimarãeswww.re-al.org [email protected]

Atelier Real | Programação e residência de artistas Direcção artística: David-Alexandre Guéniotwww.atelier-real.org [email protected]

Programa Editor: David-Alexandre Guéniot Tradução e revisão (inglês, francês, português): Paula Caspão Grafi smo: Linda Romano Textos e imagens, copyright dos autores.

A RE.AL é uma estrutura fi nanciada pelo Ministério da Cultura / Direcção Geral das Artes

Atelier Real

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T (+351) 21 390 92 55 F (+351) 21 390 92 54

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Autocarros nº60, 706, 727, 794 (paragem Conde Barão / Av. D. Carlos I) Eléctricos nº25 (paragem Conde Barão), nº28 (paragem R. Poiais S. Bento ou Cç. Combro) Metro Linha Verde, Linha Azul: Estação Baixa-Chiado: saída Largo do Chiado. Comboio Linha de Cascais: Estação Santos.