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Jorge Luis Borges S O N E T O S

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Jorge Luis Borges Sonetos Completos PTBR-libre

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Jorge Luis BorgesS O N E T O STraduo Luciano DutraViamo, M.CM.XC.VII FLORIANPOLIS, M.M.II

El hacedor [1960]

Xadrez [I]Plantados na gravidade, os jogadores Sujeitam lentas pedras. O tabuleiro Amanhece-os em seu seio certeiro Sobre o qual digladiam-se duas cores.Ao centro florescem msticos rigores Das formas: homrica torre, ligeiro Cavalo, armada rainha, rei matreiro, Sinuoso bispo e pees pechadores.Quando os jogadores sejam s passado [Polvilho na ara do tempo acumulado] certo: no haver findado este rito.Sussurra o zfiro o sopro desta guerra Cujo assombro o cosmo inteiro em si encerra. Afeito ao outro, este jogo um infinito.

Xadrez [II]Rei mimoso, torto bispo, intestina Rainha, torre prtica e peo domado: Sobre o branco-e-preto, quem os obstina, Empenham-se em ferrenha luta armada.Desconhecem-lhes a mo assinalada Aos bares que sujeitam seu destino. No se sabe que af mais desvairado Vem dar azo a tal rigor peregrino.O enxadrista prisioneiro tambm, Disse-o Omar, do tabuleiro que convm: Ebrneas noites, dias de alabastro.Deus ao enxadrista, e este pedra, anima. De p e tempo, de nsia e dor, de cor e rima, Que deus depois de Deus deixa este rastro.

Susana Soca [III]Com pio amor, admirava os dispersos Matizes do entardecer, pois adorava Confundir-se em meio melodia brava E na durao sui generis dos versos. Nada de vermelhos bvios; ao invs, Cinzas tramaram sua sorte delicada, Afeita s finas distines e adestrada Nas artes dos meios-tons e do talvez. No ousando irromper no complexo Labirinto, espreitava, meio distncia, s feies de correrias e de nsias, Igual quela outra senhora dos reflexos. Deuses que habitam para alm do rogo Entregaram-na a este tigre, o Fogo.

A chuva [IV]Eis que a tarde ficou limpa, e de repente, que j cai a velha chuva minuciosa. Cai e caiu, pois a chuva uma coisa Que ocorre no passado, indubitavelmente.Quem a ouve cair por certo recupera O tempo em que uma sorte venturosa Lhe revelou aquela flor chamada rosa E os extico matizes de uma quimera.A mesma chuva que embaa os cristais Alegrar, nalgum subrbio perdido, As uvas pretas de certos parreiraisNum ptio hoje inexistente. mido Poente que me traz a voz ressuscitada De meu pai, por tanto tempo ansiada.

efgie de um capito dos exrcitos de Cromwell [V]No usurparo de Marte as muralhas A este, que Salmos do Senhor inspiram, De outra luz, e de outro tempo, se admira O olhar, espantado de tantas batalhas. A mo aferra-se afoita aos ns da espada. Na ento verde campina grassa a guerra. A sombra do bosque em si tudo soterra: A Bretanha, cavalo e glria da jornada. Capito, todos os afs so desenganos. O arns e toda a faina so vanglrias. O homem um s dia na vasta histria E a tua Ins morta j faz muitos anos. O ferro que h de ferir-te j est forjado, E ests, igual a todos ns, condenado.

A um velho poeta [VI]Andas pelos prados de Castela E mal o percebes. Um complexo Versculo de Joo o teu nexo E quase no notas a amarela Queda do sol. A tnue luz delira E em ocidentais confins j se debate Essa lua debochada e escarlate Que talvez o reflexo da ira. Ergues o olhar a esquadrinh-la. Tua Memria leva e traz o desenho De algo que foi e j no . O cenho Se abate, mas segues teu caminho agreste Sem lembrar-te do verso que escreveste: Tinha por lpide a sanguinolenta lua.

Blind pew [VII]Longe do mar e da formosa guerra, Que assim o amor de suas perdas gava, O bucaneiro cego agora assolava Os terrunhos sendeiros de Inglaterra. Alcagetado pelos perdigueiros, Esparro dos pivetes do povoado, Dormia um azedo e perturbado Sono no negro p do travesseiro. Sabia que em distantes praias douro Possua o seu recndito tesouro, Blsamo de sua contrariada sorte. Tambm a ti, noutras paragens douro, Te aguarda, imperturbvel, teu tesouro, A vasta e vaga e inevitvel morte.

Aluso a uma sombra de mil, oitocentos e noventa e pouco [VIII]Nada. Apenas o punhal de Juan Muraa. Ele s, na tarde cinza, estanca a histria. No sei porque pelas tardes me acompanha Tal assassino, pois de o ver no tive a glria. Palermo era ainda mais baixo. Amarela A murada da penitenciria ressaltava Bairros e arrabaldes ao redor. Bravas Regies onde o vil punhal ainda desvela. O punhal herico. A feio se apagou, E daquele sujeito gaiato, cujo ingente Ofcio era a coragem, nada mais restou Alm de uma sombra e do ao fulgente. Que o tempo, que ao mrmore consome, Poupe deste Juan Muraa o rijo nome.