jorge luis borges-caderno san martín (pdf)(rev)

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Jorge Luis Borges-Caderno San Martín (PDF)(Rev)

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    JJJOOORRRGGGEEE LLLUUUIIISSS BBBOOORRRGGGEEESSS

    http://groups.google.com/group/digitalsource

    PASSE O MOUSE

    D.Source

  • Este livro: Caderno San Martn , parte integrante da coleo:

    JJOORRGGEE LLUUIISS BBOORRGGEESS OOBBRRAASS CCOOMMPPLLEETTAASS VOLUME 1

    1923-1949 Ttulo do original em espanhol: Jorge Luis Borges Obras Completas

    98-3272 Copyright 1998 by Maria Kodama Copyright 1998 das tradues by Editora Globo S.A.

    1a Reimpresso-9/98 22 Reimpresso-1/99 32 Reimpresso 12/99

    Edio baseada em Jorge Luis Borges Obras Completas,

    publicada por Emec Editores S.A., 1989, Barcelona Espanha.

    Coordenao editorial: Carlos V. Fras

    Capa: Joseph Llbach / Emec Editores

    Ilustrao: Alberto Ciupiak

    Coordenao editorial da edio brasileira: Eliana S

    Assessoria editorial: Jorge Schwartz

    Preparao de textos: Maria Carolina de Arajo

    Reviso de textos: Flvio Martins, Levon Yacubian,

    Luciana Vieira Alves e Mrcia Menin

    Projeto grfico: Alves e Miranda Editorial Ltda.

    Fotolitos: GraphBox

    Agradecimentos a Antonio Fernndez Ferrer, Maite Celada, Ana Cecilia Olmos,

    Blas Matamoro, Fernando Paixo, Daniel Samoilovich e Michel Sleiman

    Agradecimentos especiais a lida Lois

    Direitos mundiais em lngua portuguesa, para o Brasil, cedidos

    EDITORA GLOBO S.A.

    Avenida Jaguar, 1485

  • CEP O5346-9O2 Tel.: 3767-7OOO, So Paulo, SP

    E-mail: [email protected]

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edio pode ser utilizada ou reproduzida em qualquer meio ou forma, seja mecnico ou eletrnico, fotocpia, gravao

    etc. nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a expressa autorizao da editora.

    Impresso e acabamento:

    Grfica Crculo

    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte Cmara Brasileira do Livro, SP Borges, Jorge Luis, 1899-1986.

    Obras completas de Jorge Luis Borges_ volume 1 / Jorge Luis Borges. So Paulo : Globo, 1999.

    Ttulo original: Obras completas Jorge Luis Borges. Vrios tradutores.

    V. 1. 1923-1949 / v. 2. 1952-1972 / v. 3. 1975-1985 / v. 4. 1975-1988 ISBN 85-25O-2877-O (v. 1) / ISBN 85-25O-2878-9 (v. 2) ISBN 85-25O-2879-7 (v. 3) / ISBN 85-25O-288O-O

    (v. 4.)

    1. Fico argentina 1. Ttulo. ndices para catlogo sistemtico

    1. Fico : Sculo 2O : Literatura argentina ar863.4

    2. Sculo 2O : Fico : Literatura argentina ar863.4 CDD-ar863.4

    CADERNO SAN MARTN Cuaderno San Martn

    Traduo de Josely Vianna Baptista

  • NDICE

    Caderno San Martn - 1929 Prlogo Fundao mtica de Buenos Aires Elegia dos portes Ao correr das lembranas Isidoro Acevedo A noite em que no o velaram no Sul Mortes de Buenos Aires I. La Chacarita II. La Recoleta A Francisco Lpez Merino Bairro Norte O Paseo de Julio

  • CCAADDEERRNNOO SSAANN MMAARRTTNN

    As to an occasional copy of verses, there are few men who have leisure to read, and are possessed of any music in their souls,

    who are not capable of versifying on some ten or twelve occasions during their natu-

    ral lives: at a proper conjunction of the stars. There is no harm in taking advantage

    of such occasions.

    E. FITZGERALD. Numa carta a Bernard Barton (1842).

  • PRLOGO

    Falei muito, falei demais, sobre a poesia como brusco dom do Esprito, sobre o pensamento como atividade da mente; vi em Verlaine o exemplo de puro poeta lrico; em Emerson, de poeta intelectual. Creio agora que em todos os poetas que merecem ser relidos ambos os elementos coexistem. Como classificar Shakespeare ou Dante?

    No que se refere aos exerccios deste volume, notrio que aspiram segunda categoria. Devo ao leitor algumas observaes. Diante da indignao da crtica, que no perdoa que um autor se arrependa, escrevo agora "Fundao mtica de Buenos Aires" e no "Fundao mitolgica", j que a ltima palavra sugere macias divindades de mrmore. As duas sees de "Mortes de Buenos Aires" - ttulo que devo a Eduardo Gutirrez - imperdoavelmente exageram a conotao plebia de La Chacarita e a conotao aristocrata de La Recoleta. Penso que a nfase de "Isidoro Acevedo" teria feito meu av sorrir.

    Alm de "Llaneza", "A noite em que no Sul o velaram" talvez seja o primeiro poema autntico que escrevi.

    J. L. B.

    Buenos Aires, 1969.

  • FUNDAO MTICA DE BUENOS AIRES

    E foi por este rio de modorra e de barro que as proas vieram fundar minha ptria? Deviam ir aos trancos os barquinhos pintados por entre os aguaps de sua corrente zaina.

    Pensando bem na coisa, vamos supor que o rio fosse ento azulado, como oriundo do cu com sua estrelinha rubra para marcar o stio em que Juan Daz jejuou e os ndios comeram.

    O certo que mil homens e outros mil chegaram por um mar com a largura de umas cinco luas e ainda povoado de sereias e endragos e dessas pedras-ms que enlouquecem a bssola.

    Fincaram alguns ranchos trmulos pela costa, dormiram assombrados. Isso - dizem - foi no Riachuelo, mas so desses embustes que se forjam na Boca. Foi numa quadra inteira e em meu bairro: Palermo.

    Uma quadra inteira, mas do lado do campo exposto s madrugadas e chuvas e suestadas. Essa quadra parelha que persiste em meu bairro: Guatemala, Serrano, Paraguay, Gurruchaga.

    Um armazm rosado como o verso de um naipe brilhou e em seus fundos conversaram um troco; o armazm rosado floresceu num compadre, dono da esquina agora, j ressentido e duro.

    O primeiro realejo surgia no horizonte com seu porte queixoso, a habanera e o gringo. Na certa o barraco j falava de YRIGOYEN, um piano mandava tangos de Saborido.

    Uma tabacaria incensou como uma rosa o deserto. A tarde mergulhara em ontens, os homens partilharam um passado ilusrio. S faltou uma coisa: a calada defronte.

    Parece-me histria o comeo de Buenos Aires: julgo-a to eterna como a gua e o ar.

  • ELEGIA DOS PORTES A Francisco Luis Bernrdez

    Bairro Villa Alvear: entre as ruas Nicaragua, Arroyo Maldonado, Canning e Rivera. Muitos terrenos baldios ainda existem e sua importncia reduzida. MANUEL BILBAO: Buenos Aires, 19O2.

    Esta uma elegia dos portes retos que alongavam sua sombra na praa de terra. Esta uma elegia que recorda um longo esplendor merencrio que os entardeceres davam aos baldios.

    (At nas passagens havia cu bastante para toda uma felicidade e as paredes eram da cor das tardes.) Esta uma elegia de um Palermo traado com vaivm de lembrana e que se esvai na pequena morte dos esquecimentos.

    Moas comentadas por uma valsa de realejo ou pelos condutores do Klaxon insolente da linha 64, sabiam nas portas a graa de sua espera. Havia ocos de cactos e a margem hostil do Maldonado - menos gua que barro na estiagem - e descaradas veredas em que flamejava o namoro e uma fronteira de apitos de ferro.

    Houve coisas felizes, coisas que s existiram para alegrar as almas: o canteiro do ptio e o andar balanado do compadre.

    Palermo do princpio, tu possuas

  • umas quantas milongas para fazer-te valente e um baralho crioulo para esquecer da vida e alvoradas eternas para saber a morte.

    O dia era mais longo em tuas veredas que nas ruas do centro, porque aos buracos fundos se afeioava o cu. Carroas de flanco sentencioso cruzavam tua manh e nas esquinas eram suaves os armazns como se espera de um anjo. De minha rua nos altos ( coisa de uma lgua) vou procurar lembranas em tuas ruas noturnas. Meu assobio de pobre penetrar nos sonhos dos homens que dormem.

    Essa figueira que surge sobre a mureta se afina com minha alma e mais grato o rosado firme de tuas esquinas que o das nuvens suaves.

    CURSO DAS LEMBRANAS

    Minha lembrana do jardim de casa: vida benigna das plantas, vida corts de misteriosa e lisonjeada pelos homens.

    A mais alta palmeira daquele cu e estncia de pardais; parra firmamental de uva preta, os dias de vero dormiam tua sombra.

    Moinho colorado: remota roda laboriosa no vento, honra de nossa casa, porque nas outras o rio ia sob a sineta do aguadeiro.

    Poro circular da base que tornavas vertiginoso o jardim,

  • dava medo entrever por uma frincha teu calabouo de gua sutil.

    Jardim, diante da grade cumpriram seus caminhos os sofridos carreiros e o carnaval berrante aturdiu com insolentes blocos.

    O armazm, padrinho do malvolo, dominava a esquina; mas tinhas canaviais para fazer lanas e pardais para a orao.

    O sonho de tuas rvores e o meu ainda se confundem na noite e a extino da urraca deixou um medo antigo em meu sangue.

    Tuas poucas varas de profundidade se transformaram em geografia; um topo era "a montanha de terra" e uma temeridade seu declive.

    Jardim, eu cortarei minha orao para seguir sempre lembrando: vontade ou acaso de dar sombra foram tuas rvores.

    ISIDORO ACEVEDO

    verdade que ignoro tudo sobre ele - salvo os nomes de lugar e as datas: fraudes da palavra - mas com temerosa piedade resgatei seu ltimo dia, no o que outros viram, o seu, e quero me distrair de meu destino para escrev-lo. Afeito conversa portenha do truco, alsinista e nascido do lado bom do Arroyo del Medio, fiscal de frutos do pas no antigo mercado do Once, no terceiro distrito,

  • lutou quando Buenos Aires o quis em Cepeda, em Pavn e na praia dos Corrales.

    Mas minha voz no deve assumir suas batalhas, porque ele as travou num sonho essencial. Porque como outros homens escrevem versos, meu av fez um sonho.

    Quando uma congesto pulmonar o estava arruinando e a febre inventiva falseou-lhe a face do dia, reuniu os documentos ardentes da memria para forjar seu sonho.

    Isto aconteceu numa casa da rua Serrano, no vero abrasado de mil novecentos e cinco. Sonhou com dois exrcitos que entravam na sombra de um combate; enumerou os comandos, as bandeiras, as unidades. "Agora os chefes esto parlamentando", disse em voz que se ouviu, e quis se levantar para v-los.

    Recrutou gente do pampa: viu terreno quebrado para que a infantaria pudesse aferrar-se e plancie arrojada para que o arranque da cavalaria fosse invencvel. Fez uma ltima leva, reuniu os milhares de rostos que o homem sabe, sem saber, com os anos: rostos de barba que devem estar desmaiando em daguerretipos, rostos que viveram junto ao seu na Puente Alsina e em Cepeda. Naquela poca saqueou para essa visionria rebelio que sua f pedia, no que uma fraqueza lhe imps; juntou um exrcito de sombras portenhas para que o matassem.

    Assim, no quarto que dava para o jardim, morreu num sonho pela ptria.

    Em metfora de viagem me contaram sua morte; no acreditei. Era um menino, ainda no conhecia a morte, eu era imortal; procurei-o durante dias pelos quartos sem luz.

  • A NOITE EM QUE NO SUL O VELARAM A Letizia lvarez de Toledo

    Pelo passamento de algum - mistrio cujo desconhecido nome possuo e cuja realidade no abarcamos - h at o alvorecer uma casa aberta no Sul, uma casa ignorada que no estou destinado a rever, mas que me espera esta noite com tresnoitada luz nas altas horas do sono, consumida por noites em claro, diferente, minuciosa de realidade.

    Para sua viglia que gravita em morte caminho por ruas elementares como lembranas, pelo tempo exuberante da noite, sem mais vida audvel que os vadios do bairro junto ao armazm apagado e algum assovio perdido no mundo.

    O andar lento, na posse da espera, chego quadra e casa e singela porta que busco e me recebem homens constrangidos seriedade que viveram a poca de meus antepassados, e nivelamos destinos no aposento arrumado que d para o ptio - ptio que est sob o poder e na integridade da noite e dizemos, porque a realidade maior, coisas indiferentes e somos apticos e argentinos no espelho e o mate compartilhado mede horas vs.

    Comovem-me as midas sabedorias que em todo falecimento se perdem - hbito de alguns livros, de uma chave, de um corpo entre os outros. Eu sei que todo privilgio, embora obscuro, da linhagem do milagre e muito o de participar desta viglia, reunida ao redor do que no se sabe: do Morto, reunida para acompanhar e guardar sua primeira noite na morte.

    (O velrio gasta os rostos; nossos olhos esto morrendo no alto como Jesus.) E o morto, o incrvel? Sua realidade est sob as flores diferentes dele e sua mortal hospitalidade vai nos dar uma lembrana a mais para o tempo e sentenciosas ruas do Sul para merec-las devagar e brisa obscura sobre a fronte que se volta e a noite que nos livra da maior angstia:

  • a prolixidade do real.

    MORTES DE BUENOS AIRES

    I

    LA CHACARITA

    Porque a entranha do cemitrio do sul foi saciada pela febre amarela at dizer basta; porque os tugrios fundos do sul lanaram morte sobre a face de Buenos Aires e porque Buenos Aires no pde encarar essa morte, golpes de p te abriram na ponta perdida do oeste, atrs das tempestades de p e do barro pesado e primitivo que moldou os quarteadores. Ali s existia o mundo e os costumes das estrelas sobre umas chcaras, e o trem saa de um galpo em Bermejo com os esquecimentos da morte: mortos de barba desabada e olhos desvelados, mortas de carne desalmada e sem magia.

    As trapaas da morte - suja como o nascimento do homem - continuam multiplicando teu subsolo e assim recrutas teu cortio de almas, tua guerrilha clandestina de ossos que caem no fundo de tua noite, to enterrada quanto as profundezas de um mar.

    Uma dura vegetao de restos desolados investe contra teus paredes interminveis cujo sentido perdio, e as margens, convencidas de mortalidade, apressam sua vida quente a teus ps em ruas transpassadas por um lampejo plido de barro ou se atordoam com desgosto de bandonees ou com balidos de cornetas insossas no carnaval. (A sentena inaltervel do destino que dura em mim eu ouvi nessa noite em tua noite

  • quando a viola na mo do ribeirinho disse o mesmo que as palavras, e elas diziam: A morte vida vivida, a vida morte que vem; a vida no outra coisa que a morte que se mostra.)

    Macaco do cemitrio, La Quema gesticula adventcia morte a teus ps. Gastamos e adoecemos a realidade: 21O carroas infamam as manhs, levando a essa necrpole de fumaa as coisas cotidianas que contagiamos de morte. Cpulas desengonadas de madeiras e cruzes no alto se movem - peas pretas de um xadrez final - por tuas ruas e sua enfermia majestade vai encobrindo as vergonhas de nossas mortes. Em teu disciplinado recinto a morte incolor, oca, numrica; se reduz a datas e a nomes, mortes da palavra.

    Chacarita: desaguadouro desta ptria de Buenos Aires, encosta final, bairro que sobrevives aos outros, que sobremorres, lazareto que ests nesta morte, no na outra vida, ouvi tua palavra de caducidade e no acredito nela, porque tua prpria convico de angstia ato de vida e porque a plenitude de uma s rosa maior que teus mrmores.

    II

    LA RECOLETA

    Aqui a morte briosa, a recatada morte portenha, a consangnea da duradoura luz venturosa do trio do Socorro e da cinza minuciosa dos braseiros e do fino doce de leite dos aniversrios e das fundas dinastias de ptios. Combinam bem com ela essas velhas douras e tambm os velhos rigores.

    Tua fronte o prtico valoroso e a generosidade de cego da rvore

  • e a dico de pssaros que aludem, sem conhec-la, morte e o rufo, endeusados de peitos, dos tambores nos enterros militares; teu dorso, os tcitos cortios do norte e o paredo das execues de Rosas. Cresce em dissoluo sob os sufrgios de mrmore a nao irrepresentvel de mortos que se desumanizaram em tua treva desde que Mara de los Dolores Maciel, menina do Uruguai - semente de teu jardim para o cu adormeceu, definhada, em teu descampado.

    Mas eu quero demorar-me no pensamento das flores leves que so teu comentrio piedoso - cho amarelo sob as accias de tua encosta, flores iadas para comemorar em teus mausolus e no porqu de seu viver belo e adormecido junto s terrveis relquias dos que amamos.

    Falei do enigma e direi tambm sua palavra: as flores sempre vigiaram a morte, porque ns, homens, sempre soubemos de um modo incompreensvel que seu existir adormecido e belo o que melhor pode acompanhar os que morreram sem ofend-los com soberba de vida, sem ser mais vida que eles.

    A FRANCISCO LPEZ MERINO

    Se te cobriste, por deliberada mo, de morte, se tua vontade foi recusar todas as manhs do mundo, intil que palavras rejeitadas te solicitem, predestinadas impossibilidade e derrota.

    S nos resta ento falar da desonra das rosas que no souberam demorar-te, da afronta do dia que te permitiu o balao e o fim.

    O que nossa voz poder opor ao que a dissoluo, a lgrima, o mrmore confirmaram?

  • Mas h ternuras que nenhuma morte torna menores: as ntimas, indecifrveis notcias que a msica nos conta, a ptria que condescende com figueiras e poo, a gravitao do amor, que nos justifica.

    Penso nelas e penso tambm, amigo escondido, que talvez, com a imagem preferida, trabalhamos a morte, que j a conhecias de sinos, menina e graciosa, irm de tua aplicada letra de colegial, e que terias gostado de distrair-te nela como num sonho.

    Se isto verdade, e se quando o tempo nos deixa permanece em ns um sedimento de eternidade, um gosto do mundo, ento tua morte leve, como os versos em que sempre ests nos esperando, e assim no profanaro tua treva estas amizades que invocam.

    BAIRRO NORTE

    Esta a declarao de um segredo proibido pela inutilidade e pelo descuido, segredo sem mistrio nem juramento que s o por indiferena: hbitos de homens e anoiteceres o possuem, resguarda-o o esquecimento, que o modo mais pobre do mistrio.

    Um dia este bairro foi uma amizade, um argumento de averses e afetos, como as outras coisas do amor; essa f persiste apenas nuns fatos distanciados que vo morrer: na milonga que recorda as Cinco Esquinas, no ptio como uma rosa firme sob os muros crescentes, no letreiro desbotado que ainda diz La Flor del Norte, nos rapazes de violo e carteado do armazm, na memria estancada do cego.

    Esse amor disperso nosso esmorecido segredo.

  • Uma coisa invisvel est perecendo no mundo, um amor no maior que uma msica. O bairro nos afasta, as sacadas atarracadas de mrmore no nos defrontam o cu. Nosso afeto se acovarda em tristezas, outra a estrela de ar das Cinco Esquinas.

    Mas sem rudo, e sempre, em coisas incomunicadas, perdidas, como as coisas sempre esto, na seringueira com seu estriado cu de sombra, na vasilha que recolhe o primeiro e o ltimo sol, perdura este fato diligente e amistoso, essa obscura lealdade que minha palavra est declarando: o bairro.

    O PASEO DE JULIO

    Juro que foi sem pensar que voltei rua da alta feira repetida como um espelho, das grelhas com a trana de carne dos Corrales, da prostituio oculta pelo mais distinto: a msica.

    Porto mutilado sem mar, afunilado bafo salobre, ressaca que aderiste terra: Paseo de Julio, embora minhas lembranas, antigas at a ternura, te saibam nunca te senti ptria.

    S guardo de ti uma deslumbrada ignorncia, uma incerta propriedade como a dos pssaros no ar, mas meu verso de interrogao e de prova e para obedecer ao entrevisto.

    Bairro com lucidez de pesadelo ao p dos outros, teus espelhos curvos denunciam o lado feio dos rostos, tua noite aquecida em bordis pende da cidade.

    s a perdio forjando um mundo com os reflexos e a deformao deste; sofres de caos, adoeces de irrealidade,

  • te empenhas em jogar com cartas marcadas a vida; teu lcool move pelejas, tuas gregas manuseiam invejosos livros de magia.

    Por ser vazio o inferno ser espria tua prpria fauna de monstros e a sereia prometida por esse cartaz morta e de cera?

    Tens a terrvel inocncia da resignao, do amanhecer, do conhecimento, a do esprito no purificado, apagado pelos dias do destino, que ora branco de muitas luzes, ora ningum, s cobia o presente, o atual, como os homens velhos.

    Atrs dos muros de meu subrbio, as carroas rudes rezaro com os varais em riste para seu impossvel deus de ferro e de p, mas, que deus, que dolo, que venerao a tua, Paseo de Julio?

    Tua vida fez um pacto com a morte; toda felicidade, por existir, j te adversa.

    ***

    http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros

    http://groups.google.com/group/digitalsource

    D.Source Este livro foi digitalizado e distribudo GRATUITAMENTE pela equipe Digital

    Source com a inteno de facilitar o acesso ao conhecimento a quem no pode pagar e tambm proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras. Se quiser outros ttulos nos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, ser um prazer receb-lo em nosso grupo.