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Jorge Luis Borges (1978), A Rosa de Paracelso 1 ________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________ Site web: http://livros.myht.org - Última atualização: 04/10/2013 12:05 Jorge Luis Borges (1978) « A Rosa de Paracelso » CBC, ONCE (Grabación de la obra en cinta magnetofónica; [1992]; transcripción en este formato, Dic. 30, 2000; 11:10) Traduzido para o português em dezembro de 2011 por: Miraldo Antoninho Ohse, Correio eletrônico: [email protected] Site web: http://livros.myht.org/ Blogs: http://dicasdelivrosvirtuais.blogspot.com/ http://estudandoalinguaespanhola.blogspot.com/

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Literatura

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Page 1: Jorge Luis Borges a Rosa Paracelso Blog Dicasdelivrosvirtuais.blogspot.com

Jorge Luis Borges (1978), “ A Rosa de Paracelso ” 1

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Site web: http://livros.myht.org - Última atualização: 04/10/2013 12:05

Jorge Luis Borges (1978)

« A Rosa de Paracelso »

CBC, ONCE

(Grabación de la obra en cinta magnetofónica; [1992]; transcripción en este formato,

Dic. 30, 2000; 11:10)

Traduzido para o português em dezembro de 2011 por:

Miraldo Antoninho Ohse,

Correio eletrônico: [email protected]

Site web:

http://livros.myht.org/

Blogs:

http://dicasdelivrosvirtuais.blogspot.com/

http://estudandoalinguaespanhola.blogspot.com/

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Jorge Luis Borges (1978), “ A Rosa de Paracelso ” 2

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Em sua oficina, que abarcava as duas salas do porão, Paracelso pediu a seu deus: a seu deus

indeterminado, que lhe enviasse um discípulo.

Entardecia. O escasso fogo da lareira produzia sombras irregulares. Levantar-se para acender a

lamparina de ferro, era trabalho demasiado.

Paracelso, distraído pela fadiga, esqueceu-se de sua súplica. A noite havia apagado os empoeirados

alambiques e o atanor, quando bateram à porta... O homem, sonolento, se levantou.

Subiu a pequena escada de caracol e abriu uma folha de suas portas.

Entrou um desconhecido. Também estava muito cansado. Paracelso lhe indicou um banco. O outro

se sentou e, esperou.

Durante um tempo, não trocaram uma palavra.

O mestre foi o primeiro que falou.

- Recordo caras do ocidente e caras do oriente; disse, não sem certa pompa.

- Não recordo a tua. Quem és o que deseja de mim?

- Meu nome é o de menos – replicou o outro.

- Três dias e três noites tenho caminhado para entrar em tua casa. Quero ser teu discípulo. Trago-te

todos os meus haveres.

Sacou um saco largo e estreito e virou sobre a mesa. As moedas eram muitas, e de ouro. Fez isso

com a mão direita.

Paracelso lhe havia dado as costas para acender a lâmpada. Quando deu a volta, observou que na

mão esquerda, segurava uma rosa. A rosa, o inquietou.

Recostou-se. Juntou as pontas dos dedos e disse:

- Me crês capaz de elaborar a pedra que troca todos os elementos em ouro; e me ofereces ouro. Não

é ouro o que busco. E se o ouro de importa, não será nunca meu discípulo.

- O ouro não me importa. Respondeu o outro. Estas moedas não são mais que uma prova de minha

vontade de trabalho. Quero que me ensines a arte. Quero percorrer a teu lado o caminho que conduz

à pedra.

Paracelso disse, com lentidão:

- O caminho é a pedra. O ponto de partida é a pedra. Se não entendes estas palavras, ainda não

começou a entender. Cada passo que darás é a meta.

O outro o mirou com receio. Disse com voz distinta:

- Mas há uma meta?

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Paracelso se riu.

- Meus detratores, que não são menos numerosos que estúpidos, dizem que não. E me chamam um

impostor. Não lhes dou a razão. Mas não é impossível que seja uma ilusão. Sei que há um caminho.

Houve um silêncio, e disse o outro:

- Estou pronto a percorrê-lo contigo. Ainda que devamos caminhar muitos anos. Deixa-me cruzar o

deserto; deixa-me divisar ao menosi desde longe a terra prometida, ainda que os astros não me

deixem pisá-la. Quero uma prova antes de empreender o caminho.

- Quando? Disse com inquietude Paracelso.

- Agora mesmo; disse com brusca decisão o discípulo.

Haviam começado falando em latim. Agora, em alemão. O rapaz elevou a rosa no ar.

- É bem conhecido, disse, que podes queimar uma rosa e fazê-la ressurgir da cinza por obra de tua

arte. Deixa-me ser testemunha desse prodígio. Isso te peço e te darei depois minha vida inteira.

- És muito crédulo, disse o mestre. Não há necessidade de credulidade; exijo a fé.

O outro insistiu.

- Precisamente, porque não sou crédulo, quero ver com meus olhos a aniquilação e a ressurreição da

rosa.

Paracelso a havia tomado e ao falar brincava com ela.

- És crédulo, disse; dizes que sou capaz de destruí-la.

- Ninguém é incapaz de destruí-la, disse o discípulo.

- Estás equivocado, crês porventura que algo pode ser devolvido ao nada? Crês que o primeiro adão

no paraíso pode haver destruído uma só flor, ou uma folha de erva?

- Não estamos no paraíso, disse teimosamente o rapaz. Aqui, de baixo da lua, tudo é mortal.

Paracelso se havia posto em pé.

- Em que outro lugar estamos? Crês que a Divindade pode criar um lugar que não seja o paraíso?

Crês que a tristeza é outra coisa que ignorar que estamos no paraíso?

- Uma rosa pode se queimar, disse com provocação o discípulo.

- Ainda resta fogo na lareira, disse Paracelso. Se arremessar esta rosa às brasas, crerias que foi

consumida e que a cinza é verdadeira. Digo-te que a rosa é eterna e que somente sua aparência pode

mudar. Bastar-me-ia uma palavra para que a vejas de novo.

- Uma palavra! , disse com estranheza o discípulo.

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- O atanor está apagado e estão cheios de pó os alambiques. Que farias para que ressurgisse?

Paracelso o mirou com tristeza.

- O atanor está apagado, repetiu. E estão cheios de pó os alambiques. Neste trecho de minha longa

jornada, uso outros instrumentos.

- Não me atrevo a perguntar quais são; desse o outro com astúcia e com humildade.

- Falo daquilo que usou a Divindade para criar os céus e a terra e o invisível paraíso em que

estamos; e que o pecado original nos oculta. Falo da palavra que nos ensina a ciência da cabala.

O discípulo disse com frialdade:

- Te peço a graça de me mostrar a desaparição e a aparição da rosa. Não me importa que operes

com alquitarasii ou com o verbo.

Paracelso refletiu; ao fim disse:

- Se eu o fizesse, dirias que se trata de uma aparência imposta pela magia de teus olhos. O prodígio

não te daria a fé que buscas. Deixa, pois a rosa.

O jovem o mirou, sempre receoso. O mestre alçou a voz e lhe disse:

- Ademais, quem és tu para entrar na casa de um mestre e exigir-lhe um prodígio? Que tens feito

para merecer semelhante dom?

O outro replicou, tremulamente.

- Já sei que não tenho feito nada. Peço-te em nome dos muitos anos que estudei a tua sombra; que

me dixes ver a cinza e depois a rosa. Não te pedirei nada mais! Acreditarei no testemunho de meus

olhos!

Tomou com brusquidão a rosa encarnada que Paracelso havia deixado sobre a escrivaninha e

arremessou nas chamas. A cor se perdeu; só ficou um pouco de cinza. Durante um instante infinito,

esperou as palavras e o milagre.

Paracelso não se havia alterado.

Disse com curiosa simplicidade:

- Todos os médicos e todos os boticários de Basiléia afirmam que sou um enganador. Talvez

estejam certos... E aí está a cinza que foi a rosa que não o será.

O rapaz sentiu vergonha.

Paracelso era um charlatão ou um mero visionário. E ele, um intruso. Havia franqueado sua porta e

o obrigava agora a confessar que suas famosas artes mágicas eram vãs.

Ajoelhou-se e lhe disse:

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- Tenho obrado imperdoavelmente. Tem-me faltado a fé que o senhor exige dos crentes. Deixa que

continue vendo a cinza. Voltarei quando for mais forte e serei teu discípulo. E no fim do caminho,

verei a rosa.

Falava com genuína paixão. Mas essa paixão era a piedade que o inspirava o velho mestre; tão

venerado, tão agredido, tão insigne; por tal razão, tão vazioiii

.

Quem era ele? Johannes Grisebach, para descobrir com mão sacrílega, que de trás da máscara, não

havia nada. Deixar-lhe as moedas de ouro, seria uma esmola. Retomou-as ao sair.

Paracelso o acompanhou até o pé da escada e lhe disse: que em casa, sempre seria bem-vindo.

Ambos sabiam que nunca voltariam a ver-se.

Paracelso ficou sozinho.

Antes de apagar a lâmpada e de sentar-se na poltrona surrada, virou o tênue punhado de cinza na

mão côncava e disse uma palavra em voz baixa:

- A rosa, ressurgiu!

i Nota do tradutor: siquiera, no original.

ii Aparelho primitivo de destilação.

iii Nota do tradutor: hueco, no original.