john le carré - uma verdade delicada

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros, disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivros.Info ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel.

  • Outras obras do autor publicadas pela Editora RecordO espio que sabia demaisO espio que saiu do frio

    Sempre um colegialA garota do tambor

    A vingana de SmileyUma pequena cidade da Alemanha

    O peregrino secretoA casa da Rssia

    Um espio perfeitoO gerente noturno

    Nosso jogoO alfaiate do PanamO morto ao telefone

    Um crime entre cavalheirosSingle & Single

    Amigos absolutosO canto da missoO jardineiro fiel

    O homem mais procuradoNosso fiel traidor

  • Traduo deHELOSA MOURO

    2013

  • CIP-BRASIL. CATALOGAO NA PUBLICAOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    L467uLe Carr, John, 1931-

    Uma verdade delicada [recurso eletrnico] / John Le Carr ; traduo Helosa Mouro. - 1. ed. - Rio de Janeiro :Record, 2013.

    recurso digitalTraduo de: A delicate truthFormato: ePubRequisitos do sistema: Adobe Digital EditionsModo de acesso: World Wide WebISBN 978-85-01-10157-0 (recurso eletrnico)1. Romance ingls. 2. Livros eletrnicos. I. Mouro, Helosa. II. Ttulo.

    13-06524CDD: 823

    CDU: 821.111-3Ttulo original em ingls:

    A Delicate TruthCopyright David Cornwell, 2013Texto revisado segundo o novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo, no todo ou em parte, atravs de quaisquer meios. Os direitos morais do

    autor foram assegurados.Editorao eletrnica da verso impressa: Abreus SystemDireitos exclusivos de publicao em lngua portuguesa somente para o Brasil

    adquiridos pelaEDITORA RECORD LTDA.Rua Argentina, 171 Rio de Janeiro, RJ 20921-380 Tel.: 2585-2000,que se reserva a propriedade literria desta traduo.

    Produzido no BrasilISBN 978-85-01-10157-0Seja um leitor preferencial Record.

    Cadastre-se e receba informaes sobre nossos lanamentos e nossas promoes.Atendimento e venda direta ao leitor:

    [email protected] ou (21) 2585-2002.

  • Para VJCNenhum inverno h de abater o florir da primavera

    Donne

  • Se algum diz a verdade, certo que, cedo ou tarde, ser descoberto.Oscar Wilde

  • 1No segundo andar de um hotel ordinrio na colnia da Coroa britnica de Gibraltar, um

    homem magro, gil, no fim da casa dos 50, dava voltas incessantes por seu quarto. Emboraagradveis e evidentemente honradas, suas feies muito britnicas indicavam uma naturezacolrica que estava chegando ao limite de sua tolerncia. Um palestrante inquieto, poderamospensar ao ver a postura curvada de leitor, o passo nervoso e o topete errante de cabelosgrisalhos que tinham de ser repetidamente disciplinados com gestos rpidos do pulso ossudo.Certamente no teria ocorrido a muitos, nem mesmo em seus sonhos mais fantasiosos, que setratava de um funcionrio pblico britnico de mdio escalo, fisgado de sua mesa num dosdepartamentos mais prosaicos do Ministrio das Relaes Exteriores de Sua Majestade paraser despachado numa misso secreta de aguda sensibilidade.

    Como ele insistia em repetir para si mesmo, s vezes quase em voz alta, seu primeironome supostamente era Paul; o segundo, no exatamente difcil de lembrar, era Anderson. Seligasse a televiso, apareceria: Seja bem-vindo, Sr. Paul Anderson. Por que no desfrutar deum aperitivo de cortesia antes do jantar em nossa Cantina Lorde Nelson! O ponto deexclamao no lugar da interrogao, mais apropriada, era uma fonte ininterrupta de irritaopara seu lado pedante. Ele estava vestido com o roupo branco do hotel, que vinha usandodesde seu encarceramento, exceto quando tentava em vo dormir ou quando uma s vez partiu para o andar de cima numa hora antissocial para comer sozinho num bar na cobertura,dominado pelas emanaes do cloro de uma piscina que ficava num apartamento de terceiroandar do outro lado da rua. Como a maior parte das coisas no quarto, o roupo muito curtopara suas longas pernas fedia a fumaa de cigarro velho e purificador de ar de lavanda.

    Enquanto dava voltas, ele expressava seus sentimentos sem rodeios para si mesmo, sem ashabituais restries da vida oficial; ora crispando o rosto com franca perplexidade, oraencarando o espelho de corpo inteiro aparafusado ao papel de parede xadrez. De vez emquando, falava sozinho em busca de alvio ou encorajamento. Quase em voz alta, tambm?Que diferena fazia quando estava enfurnado no quarto vazio, sem ningum para ouvir alm deuma fotografia colorizada de nossa jovem e amada rainha montada num cavalo marrom?

    Em uma mesa de plstico jaziam os restos de um sanduche que ele declarou morto logo nachegada e uma garrafa abandonada de Coca-Cola quente. Embora lhe fosse duro, no sepermitiu beber nada de lcool desde que tomou posse daquele quarto. A cama, que aprendeu adetestar como nenhuma outra, era grande o suficiente para seis, mas tudo que precisava fazerera se esticar nela para que suas costas comeassem a mat-lo. Por cima havia uma radiante

  • colcha de seda sinttica carmim e, sobre a colcha, um celular de aparncia inocente que,segundo lhe garantiram, estava alterado at o mais alto grau de criptografia; embora eletivesse pouca f nestas coisas, s lhe restava acreditar que era verdade. Cada vez que passavaao lado do aparelho, seu olhar se fixava nele com um misto de censura, ansiedade e frustrao.

    Lamento lhe informar, Paul, que voc estar totalmente incomunicvel, salvo para finsoperacionais, ao longo de toda sua misso, ele avisado pela laboriosa voz sul-africana deElliot, seu autoproclamado comandante de campo. Caso uma infeliz crise aflija sua belafamlia durante sua ausncia, eles transmitiro suas preocupaes ao departamento deauxlio de seu gabinete, a partir do qual ser feito contato com voc. Estou sendo claro,Paul?

    Est, Elliot, aos poucos est.Alcanando a exagerada janela panormica do outro lado do quarto e atravs das cortinas

    encardidas de fil, ergueu o rosto fechado para o lendrio rochedo de Gibraltar, que,desbotado, crispado e remoto, devolvia a careta como uma viva carrancuda. Por hbito eimpacincia, examinou mais uma vez o relgio de pulso desconhecido e o comparou com osnmeros verdes no rdio-relgio ao lado da cama. O relgio era de ao batido com ummostrador preto, um substituto para o Cartier de ouro que ele ganhou de sua amada esposa no25 aniversrio de casamento, pela fora da herana de uma das muitas tias falecidas dela.

    Espere um minuto! Paul no tem esposa nenhuma! Paul Anderson no tem esposa, notem filha. Paul Anderson a porra de um eremita!

    No d para voc usar isso, d, meu caro Paul? dissera uma mulher maternal deidade semelhante sua algum tempo antes, na manso suburbana de tijolos prxima aoaeroporto de Heathrow onde ela e sua colega idntica o prepararam para o papel. No comessas lindas iniciais gravadas nele, no? Voc teria que dizer que surrupiou o relgio dealgum casado, no teria, Paul?

    Partilhando da piada e mais determinado que nunca a ser um sujeito til segundo suaprpria concepo, ele assiste enquanto ela escreve Paul num adesivo e tranca seu relgio deouro com sua aliana de casamento num cofre, por aquilo que ela chama de o perodo.

    *Primeiro de tudo, como eu vim parar neste fim de mundo, pelo amor de Deus?Eu pulei ou fui empurrado? Ou foi um pouco dos dois?Descreva, por favor, em algumas voltas bem-delineadas pelo quarto, as exatas

    circunstncias de sua improvvel jornada desde a abenoada monotonia ao confinamentosolitrio num rochedo colonial britnico.

  • * Ento, como vai sua querida esposa, pobrezinha? pergunta a pedra de gelo ainda no

    aposentada do Departamento Pessoal, agora rebatizado grandiosamente como RecursosHumanos sem nenhuma razo conhecida pela humanidade, aps convoc-lo ao seu altivorecinto sem uma palavra de explicao numa noite de sexta, quando todos os cidados de bemesto correndo para casa. O dois so velhos adversrios; se tm alguma coisa em comum, osentimento de que restam pouqussimos de seu tipo.

    Obrigado, Audrey, nada pobrezinha, fico feliz em dizer responde ele com acasualidade entusiasmada que finge em tais encontros de vida ou morte. Querida sim, maspobrezinha no. Ela continua em remisso completa. E voc? Sade de ferro, imagino?

    Ento voc pode deix-la sugere Audrey, ignorando a pergunta educada. Meu Deus, no! Em que sentido? conservando resolutamente o tom de brincadeira. Neste sentido: ser que quatro dias supersecretos no exterior, num clima salubre, talvez

    possivelmente chegando a cinco, seriam de algum interesse para voc? Na verdade, seriam possivelmente de considervel interesse, obrigado, Audrey. Nossa

    filha adulta est morando provisoriamente conosco, ento o momento no poderia ser melhor,considerando que por acaso ela doutora em medicina em seu orgulho, ele no resiste aeste adendo, mas Audrey no parece muito impressionada com as realizaes de sua filha.

    Eu no sei do que se trata e no tenho por que saber diz ela, respondendo a umapergunta que ele no fez. No andar de cima h um jovem e dinmico subministro chamadoQuinn, de quem voc talvez tenha ouvido falar. Ele gostaria de v-lo imediatamente. Caso ahistria no tenha chegado a voc l nos confins das Contingncias Logsticas, ele novo,recm-adquirido da Defesa; no exatamente uma recomendao, mas isso.

    Do que diabos ela est falando? claro que ouviu a notcia. Ele l jornais, no? V otelejornal da noite. Fergus Quinn, MP,* Fergie para o mundo, um valento escocs, umaautoproclamada bte intellectuelle do estbulo do New Labour. Na televiso, controverso,beligerante e alarmante. Alm disso, se orgulha de ser o flagelo da burocracia de Whitehall uma virtude louvvel vista de fora, mas nada reconfortante caso voc seja um burocrata deWhitehall.

    Voc diz agora, neste minuto, Audrey? o que eu acredito que ele queira dizer com imediatamente.A antecmara ministerial est vazia, a equipe j saiu h muito. A porta ministerial de

    mogno, slida como ferro, est entreaberta. Bater e esperar? Ou bater e abrir? Ele faz umpouco de ambos, e escuta:

  • No fique a parado. Pode entrar, e feche a porta atrs de voc. Ele entra.A massa fsica do jovem e dinmico ministro est espremida num smoking preto-azulado.

    Ele est parado com um celular grudado na orelha, diante de uma lareira de mrmore comcelofane vermelho fazendo o papel de fogo. Em pessoa, como na televiso: robusto, depescoo grosso, com cabelos ruivos de corte rente e olhos rpidos, ambiciosos, embutidosnum rosto de pugilista.

    Atrs dele ergue-se um retrato de 3 metros de altura de um fundador imperial do sculoXIX em suas calas justas. Por um instante sarcstico provocado pela tenso, a comparaoentre os dois homens to diferentes irresistvel. Embora Quinn exaustivamente alegue ser umhomem do povo, ambos fazem o bico de insatisfao dos privilegiados. Ambos apoiam o pesodo corpo numa perna e o outro joelho dobrado. Estaria o jovem e dinmico ministro prestes alanar um ataque punitivo contra os odiados franceses? Em nome do New Labour, censurar ainsanidade das turbas revoltosas? Ele no faz nenhuma das duas coisas; com um spero Ligodepois, Brad ao celular, marcha para a porta, tranca-a e d meia-volta.

    Ouvi dizer que voc um experiente membro do Servio, verdade isso? comeaQuinn em tom acusatrio e em seu sotaque de Glasgow cuidadosamente preservado, aps umainspeo da cabea aos ps que parece confirmar seus piores medos. Cabea fria, seja l oque isso signifique. Vinte anos circulando por terras estrangeiras, segundo os RecursosHumanos. Alma discreta, no se abala com facilidade. um currculo e tanto. No que eunecessariamente acredite no que me dizem por aqui.

    So muito gentis responde ele. E voc est pendurado. No banco de reservas. Com as barbas de molho. A sade de

    sua esposa segurou voc um pouco, est correto isso, por favor? Mas s nos ltimos anos, ministro no exatamente grato por banco de reservas , e

    no momento tenho bastante liberdade para viajar, fico feliz em dizer. E seu trabalho atual ...? Refresque minha memria, por favor.Ele est prestes a faz-lo, enfatizando suas muitas responsabilidades indispensveis, mas

    o ministro o interrompe com impacincia: Tudo bem. Esta a minha pergunta. Voc j teve alguma experincia direta com

    servio secreto de inteligncia? Voc pessoalmente adverte ele, como se houvesse outroele, menos pessoal.

    Direta em que sentido, ministro? Misses secretas, o que voc acha? S como consumidor, infelizmente. E um consumidor ocasional. Do produto. No dos

  • meios de obt-lo, se essa a sua pergunta, ministro. Nem mesmo quando voc estava circulando naquelas terras estrangeiras que ningum

    teve a bondade de enunciar para mim? Tristemente, os cargos exteriores tendiam a ser amplamente econmicos, comerciais ou

    consulares explica ele, recorrendo aos arcasmos lingusticos que utiliza sempre que sesente ameaado. Obviamente, de tempos em tempos, houve acesso a um ou outro relatriosecreto; nenhum de alto nvel, apresso-me em esclarecer. Temo que isto seja tudo que h paracontar.

    Mas o ministro parece momentaneamente encorajado por essa falta de experinciaconspiratria, pois um sorriso de algo como complacncia cruza suas feies largas.

    Mas voc tem um par de mos firmes, certo? Inexperientes, talvez, mas firmes apesarde tudo.

    Bem, gosto de pensar assim modestamente. O CT j passou pelo seu caminho? Perdo? Contraterrorismo, homem! J cruzou seu caminho ou no? dito como se a um idiota. Temo que no, ministro. Mas voc se importa? Sim? Com o que exatamente, ministro? to atencioso quanto lhe possvel. Com o bem-estar de nossa nao, pelo amor de Deus! A segurana do nosso povo, onde

    quer que ele venha a estar. Nossos valores fundamentais em tempos de adversidade. Tudobem, nossa herana, se prefere assim usando a palavra como uma alfinetada antiTory. Voc no um liberal enrustido de pulso mole que guarda ideias secretas sobre o direito dosterroristas de explodir a porra do mundo em pedaos, por exemplo.

    No, ministro. Creio que posso dizer com certeza que no sou murmura.Mas, longe de partilhar de seu constrangimento, o ministro o aumenta: Pois bem. Se eu lhe dissesse que o projeto extremamente delicado que tenho em mente

    para voc envolve privar o inimigo terrorista dos meios de lanar um ataque premeditado emnossa terra natal, voc no tiraria o corpo fora na mesma hora, presumo.

    Ao contrrio. Eu ficaria... bem... Voc ficaria o qu? Grato. Privilegiado. Orgulhoso, na verdade. Mas um pouco surpreso, obviamente. Surpreso com o que, afinal? como um homem insultado. Bem, no cabe a mim perguntar, ministro, mas por que eu? Tenho certeza de que o

  • Ministrio dispe de um bom nmero de pessoas com o tipo de experincia que o senhor estbuscando.

    Fergus Quinn, homem do povo, afasta-se rumo janela da sacada e, com o queixoagressivamente erguido acima da gravata-borboleta, e com o elstico da gravata se projetandodesajeitadamente dos rolos de carne em sua nuca, contempla o cascalho dourado do HorseGuards Parade ao sol do entardecer.

    Se eu lhe dissesse ainda que, pelo resto de sua vida natural, voc no revelar, porpalavras, aes ou quaisquer outros meios, o fato de que determinada operao decontraterrorismo chegou a ser cogitada, quanto mais executada olhando em tornoindignadamente, em busca de uma sada do labirinto verbal em que se meteu , voc seanima ou brocha?

    Ministro, se o senhor me considera o homem certo, ficarei feliz em aceitar o encargo,seja ele qual for. E o senhor tem minha solene garantia de discrio permanente e absoluta insiste ele, corando um pouco por irritao ao ver sua lealdade atirada na mesa e investigadadiante de seus prprios olhos.

    Ombros curvados ao melhor estilo Churchill, Quinn permanece emoldurado pela janela dasacada, como se esperando impacientemente que os fotgrafos terminem seu trabalho.

    Existem certas pontes que tm que ser cruzadas anuncia ele severamente para oprprio reflexo. H um certo sinal verde que precisa ser dado por algumas pessoasbastante cruciais, subindo a rua ali apontando sua cabea de touro na direo de DowningStreet. Quando conseguirmos... se conseguirmos e no antes disso, voc ser informado. Apartir da, e durante o tempo que eu julgar apropriado, voc ser meus olhos e ouvidos nocampo. Nada de dourar a plula, est entendendo? Nada daquelas enrolaes ou atenuantes dasRelaes Exteriores. No sob a minha gesto, obrigado. Voc me dar a informao direta,exatamente do jeito que v. A viso fria, atravs dos olhos do velho profissional que estouacreditando que voc . Est me ouvindo?

    Perfeitamente, ministro. Estou ouvindo e entendo exatamente o que est dizendo suaprpria voz, falando como se de uma nuvem distante.

    Voc tem algum Paul em sua famlia? Perdo, ministro? Jesus Cristo! uma pergunta bastante simples, no ? Tem algum homem em sua

    famlia chamado Paul? Sim ou no. Irmo, pai, sei l? Nenhum. Nenhum Paul em vista, creio. E nenhuma Pauline? A verso feminina. Paulette, ou coisa assim?

  • Definitivamente no. E quanto a Anderson? Nenhum Anderson por perto? Nome de solteira, Anderson? Novamente, no do meu conhecimento, ministro. E voc est razoavelmente em forma. Fisicamente. Uma caminhada pesada em terreno

    acidentado no vai amolecer seus joelhos como poderia afligir alguns outros por aqui? Caminho energicamente. E sou um jardineiro entusiasmado da mesma nuvem

    distante. Espere por um telefonema de um homem chamado Elliot. Elliot ser sua primeira

    indicao. E Elliot seria nome ou sobrenome, eu me pergunto? Ele se ouve indagar

    pacificamente, como se falando a um manaco. Como vou saber, porra? Ele est operando em total sigilo sob a gide de uma

    organizao mais conhecida como Ethical Outcomes. Gente nova na rea e j l no topo comos melhores do ramo. Eles me do garantia de aconselhamento especializado.

    Perdo, ministro. Qual ramo seria esse, exatamente? Iniciativa privada na defesa. Por onde voc tem andado? a bola da vez hoje em dia.

    A guerra foi privatizada, caso voc no tenha notado. Exrcitos profissionais permanentes soum lixo. Pesos-pesados, subequipados, um brigadeiro para cada dzia de soldados em campoe custam os olhos da cara. Experimente passar alguns anos na Defesa, se no acredita em mim.

    Oh, eu acredito, ministro alarmado com esta dispensa em massa das armasbritnicas, mas mesmo assim ansioso por agradar ao homem.

    Voc est tentando vender sua casa. Certo? Harrow ou cercanias. Harrow, est correto. Agora mais que surpreso. Norte de Harrow. Problemas de dinheiro? Ah, no, longe disso, fico feliz em dizer! exclama ele, grato por ser reconduzido

    terra, mesmo que apenas momentaneamente. Eu tenho alguns fundos meus e minha esposarecebeu uma herana modesta que inclui uma propriedade rural. Planejamos vender nossa casaatual enquanto o mercado est em alta e viver com mais simplicidade at fazer a mudana.

    Elliot dir que quer comprar sua casa em Harrow. Ele no dir que da Ethical nem denenhum outro lugar. Ele viu os anncios na vitrine do corretor de imveis ou em algum outrolugar, examinou por fora, gostou, mas h questes que precisa discutir. Ele vai sugerir umlocal e uma hora para um encontro. Voc deve aceitar o que quer que ele proponha. assimque essa gente trabalha. Mais alguma pergunta?

    Ele chegou a fazer alguma pergunta?

  • Enquanto isso, voc banca o homem totalmente normal. Nenhuma palavra a ningum.Nem aqui no Ministrio, nem em casa. Est bem compreendido?

    Nada compreendido. Nada com p ou cabea. Apenas um sincero e perplexo sim paratudo e nenhuma lembrana muito clara de como ele voltou para casa naquela sexta noite apsuma revigorante visita a seu clube na Pall Mall.

    *Curvado diante do computador enquanto a esposa e a filha papeiam alegremente na sala ao

    lado, Paul Anderson escolhe resultados da busca por Ethical Outcomes na internet. Voc quisdizer Ethical Outcomes Incorporated de Houston, Texas? Por falta de outras informaes,sim, ele quis.

    Com nossa novssima equipe internacional de pensadores geopolticos dequalificao nica, ns da Ethical oferecemos anlises inovadoras, intuitivas erevolucionrias de avaliao de riscos para grandes instituies empresariais egovernamentais. Na Ethical, ns nos orgulhamos de nossa integridade, nossaapropriada diligncia e nossas capacidades cibernticas de ltima gerao.Proteo pessoal e negociadores para situaes de cativeiro disponveis em carterimediato. Marlon responder suas questes pessoais e confidenciais.Endereo de e-mail e caixa postal tambm de Houston, Texas. Nmero de telefone gratuito

    para suas questes pessoais e confidenciais a Marlon. Sem nomes de diretores, oficiais,conselheiros ou pensadores geopolticos de qualificao nica. Nenhum Elliot, nem primeironome nem sobrenome. A scia majoritria da Ethical Outcomes a Spencer Hardy Holdings,uma empresa multinacional cujos interesses incluem petrleo, trigo, madeira, carne,desenvolvimento imobilirio e iniciativas sem fins lucrativos. A mesma holding tambmpatrocina fundaes evanglicas, escolas religiosas e misses bblicas.

    Para mais informaes sobre a Ethical Outcomes, digite sua senha. No possuindo talsenha e assaltado por uma sensao de invaso, ele abandona suas pesquisas.

    Uma semana se passa. A cada manh durante o caf, ao longo de todo o dia no escritrio, acada noite quando chega do trabalho, ele banca o Homem Totalmente Normal como instrudo eespera pelo grande telefonema que pode vir ou no, ou que vir quando menos se espera: oque acontece no incio de certa manh enquanto sua esposa dorme devido medicao e eleest arrumando a cozinha com sua camisa xadrez e cala cotel, lavando a loua do jantar dodia anterior e dizendo a si mesmo que realmente precisa dar um jeito naquele gramado dosfundos. O telefone toca, ele atende, exclama um alegre Bom dia e Elliot, que, obviamente,viu o anncio na vitrine da corretora e est seriamente interessado em comprar a casa.

  • S que o nome no Elliot, mas Illiot, graas ao sotaque sul-africano.*

    Seria Elliot um membro da novssima equipe internacional de pensadores geopolticosde qualificao nica? possvel, embora no aparente. No escritrio vazio de umatransversal esburacada dos Paddington Street Gardens onde os dois homens se encontramapenas noventa minutos mais tarde, Elliot usa um sbrio terno de passeio e uma gravatalistrada com pequenos paraquedas. Anis cabalsticos adornam os trs dedos mais gordos desua mo esquerda manicurada. Ele tem um crnio lustroso, pele morena e de poros grandes, e perturbadoramente musculoso. Seu olhar, ora interrogando seu convidado com piscadelassedutoras, ora desviando-se para as paredes encardidas, sem cor. Seu ingls falado toelaborado que daria para pensar que ele est no meio de um exame de preciso e pronncia.

    Extraindo um passaporte britnico quase novo da gaveta, Elliot lambe o dedo esolenemente vira as pginas.

    Manila, Cingapura, Dubai: estas so apenas algumas das belas cidades onde vocparticipou de conferncias de estatstica. Voc compreende isto, Paul?

    Paul compreende isto. Se um indivduo intrometido sentado ao seu lado no avio perguntar o que o leva a

    Gibraltar, diga que mais uma conferncia de estatstica. Depois disso, mande-o cuidar daporra da vida dele. Gibraltar tem uma cena forte de jogos de azar on-line e nem tudo limpeza. Os chefes do jogo no gostam que seu pessoalzinho fale fora de hora. Agora precisoperguntar, Paul, muito sinceramente, por favor, voc tem alguma preocupao relacionada sua cobertura pessoal?

    Bem, talvez apenas uma preocupao, na verdade, Elliot, sim, eu tenho admite ele,aps a devida considerao.

    Diga l, Paul. Fique vontade. s que, sendo britnico e um funcionrio externo que circulou um pouco por a...

    entrar num territrio britnico primrio como outro britnico, bem, um pouco buscando apalavra , um pouco vago demais, para ser franco.

    Os pequenos olhos circulares de Elliot se voltam para ele, fitando-o sem piscar. Quero dizer, eu no poderia ir como eu mesmo e ver no que d? Ambos sabemos que

    tenho que ficar na encolha. Mas se acontecer, ao contrrio de nossos melhores clculos, queeu de fato tope com algum que conheo, ou, mais ao ponto, algum que me conhece, ento aomenos eu posso ser quem sou. Isto , eu. Em vez de...

    Em vez do que exatamente, Paul?

  • Bem, em vez de fingir ser um falso estatstico chamado Paul Anderson. Quero dizer,como algum vai acreditar numa historinha dessas se sabe perfeitamente quem eu sou? Isto ,honestamente, Elliot sentindo o calor subindo ao rosto e vendo-se incapaz de det-lo , oGoverno de Sua Majestade tem uma imensa sede dos trs poderes em Gibraltar. Para no falarde uma presena substancial das Relaes Exteriores e uma estao de escuta tamanhofamlia. E um campo de treinamento das Foras Especiais. s um sujeito que no previmossurgir do nada e me abraar como um colega de longa data e eu estarei... bem, dedurado. E,por falar nisso, o que sei eu de estatstica? Coisa nenhuma. No minha inteno questionarsua percia, Elliot. E claro que eu farei o que for preciso. S estou perguntando.

    Esta a soma total de suas inquietaes, Paul? pergunta Elliot, solcito. Claro. Absolutamente. S levantando a questo. E desejando no ter levantado, mas

    como diabos atirar a lgica pela janela?Elliot umedece os lbios, franze a testa e, num ingls cuidadosamente fraturado, responde

    da seguinte forma: Paul, um fato que, contanto que voc mostre seu passaporte britnico e no chame

    ateno para si em nenhum momento, todo mundo em Gibraltar vai cagar para quem voc .No entanto: sero suas bolas diretamente na linha de fogo se nos depararmos com o pior doscenrios, que meu dever moral considerar. Tomemos o caso hipottico de que a operaoseja abortada de um modo no previsto por seus planejadores especializados, dos quais meorgulho de fazer parte. Eles talvez perguntem: houve um informante? E eles comearo aquestionar: e quem era aquele babaca acadmico chamado Anderson que se enclausurava numquarto de hotel lendo livros dia e noite? Onde esse Anderson pode ser encontrado numacolnia do tamanho da porra de um campo de golfe? Se essa situao viesse a surgir, suspeitoque voc ficaria realmente grato de no aparecer como a pessoa que na realidade. Felizagora, Paul?

    Feliz como pinto no lixo, Elliot. No poderia estar mais feliz. Totalmente fora de meuelemento, tudo vago como um sonho, mas firme com voc. Contudo, percebendo depois queElliot parece um pouco incomodado e temendo que a preleo detalhada que est prestes areceber comece com uma nota dissonante, ele tenta um pouco de aproximao:

    Ento, onde um cara altamente qualificado como voc se encaixa nesse esquema decoisas, se posso perguntar sem ser invasivo, Elliot?

    A voz de Elliot adquire a solenidade do plpito: Eu sinceramente agradeo a voc por essa pergunta, Paul. Sou um homem de armas; a

    minha vida. Lutei em grandes e pequenas guerras, principalmente no continente da frica.

  • Durante essas empreitadas, tive a sorte de encontrar um homem cujas fontes de intelignciaso lendrias, para no dizer sobrenaturais. Seus contatos em todo o mundo falam com elecomo nenhum outro, no seguro conhecimento de que usar a informao no fomento dosprincpios de democracia e liberdade. A Operao Vida Selvagem, cujos detalhes agoradesvelarei para voc, foi obra dele.

    E a orgulhosa declarao de Elliot que puxa a pergunta, talvez bajuladora, mas bvia: E possvel perguntar, Elliot, se este grande homem tem um nome? Paul, voc agora famlia, e ser cada vez mais. Portanto, eu direi sem rodeios que o

    fundador e fora motriz da Ethical Outcomes um cavalheiro cujo nome, na mais estritaconfidencialidade, Sr. Jay Crispin.

    *Voltando a Harrow num txi preto.Elliot diz: A partir de agora, guarde todos os recibos. Pague ao taxista, guarde o recibo.Pesquisemos Jay Crispin na internet.Jay tem 19 anos e vive em Paignton, Devon. Ela garonete.J. Crispin, fabricante de vernizes, comeou a vida em Shoreditch em 1900.Jay Crispin faz testes com modelos, atores, msicos e bailarinos.Mas de Jay Crispin, a fora motriz da Ethical Outcomes e crebro orquestrador da

    Operao Vida Selvagem, nenhum vislumbre.*

    Parado mais uma vez diante da exagerada janela de sua priso hoteleira, o homem que temde se chamar Paul proferiu uma exaustiva srie de palavres impensados, de uma maneiramais contempornea do que era seu hbito. Merda depois puta merda. Depois maismerdas, disparados numa tediosa saraivada na direo do celular sobre a cama e terminandocom um apelo Toca, seu filho da puta, toca apenas para descobrir que, em algum lugardentro ou fora de sua cabea, o mesmo celular, no mais mudo, trinava em resposta com seuenlouquecedor tralal, tralal, tralal-lal.

    Ele permaneceu na janela, congelado pela incredulidade. Deve ser o grego gordo ebarbado do quarto vizinho, cantando no chuveiro; so aqueles amantes safados do andar decima: ele est gemendo, ela est gritando, e eu estou ficando alucinado.

    Depois, tudo que queria no mundo era dormir e acordar quando a coisa estivesseterminada. Contudo, no instante seguinte j estava na cama, grudando o celular criptografadocontra a orelha, mas, por algum sentido aberrante de segurana, sem falar.

    Paul? Est me ouvindo, Paul? Sou eu. Kirsty, lembra?

  • Kirsty, a assessora temporria na qual ele nunca ps os olhos. A voz era a nica coisa queele conhecia dela: vvida, imperiosa, e o resto dela apenas imaginado. s vezes se perguntavase estava detectando um sotaque australiano camuflado para combinar com o sul-africanode Elliot. E s vezes se perguntava que tipo de corpo aquela voz podia ter e, em outras, se elarealmente chegava a ter um corpo.

    Ele j sentia o tom aguado, o ar de portento daquela voz. Ainda est bem por a, Paul? Sim, muito, Kirsty. Voc tambm, imagino? Pronto para um pouco de observao de aves noturnas, com corujas como

    especialidade?Parte da pattica fachada de Paul Anderson era a ornitologia como passatempo. Ento esta a atualizao. Todos os sistemas a postos. Hoje noite. O Rosemaria

    deixou o porto rumo a Gibraltar h cinco horas. Aladdin fez reserva no chins da QueenswayMarina para seus hspedes a bordo, para um grande jantar fechado esta noite. Ele vaidesembarcar os passageiros l e depois zarpar sozinho. Seu encontro com Punter confirmadopara onze e meia da noite. Que tal se eu busc-lo em seu hotel exatamente s nove horas?Seriam nove em ponto. Sim?

    Quando me encontro com Jeb? Talvez logo, Paul retrucou ela, com aspereza adicional sempre que o nome de Jeb

    era mencionado entre eles. Est tudo marcado. Seu amigo Jeb estar esperando. Vista-separa os pssaros. No faa check-out. De acordo?

    Tudo j est combinado h dois dias. Traga seu passaporte e sua carteira. Arrume bem suas coisas, mas deixe-as em seu

    quarto. Entregue a chave na recepo como se fosse voltar tarde. Quer ficar nos degraus dohotel para que no tenha que fazer hora no saguo e ser observado pelas excurses de turistas?

    timo. Vou fazer isso. Boa ideia.Isso tambm j estava combinado. Espere por um Toyota azul quatro por quatro, lustroso, novo. Aviso vermelho no para-

    brisa do lado do passageiro dizendo conferncia.Pela terceira vez desde que chegou, ela insistiu que comparassem relgios, o que ele

    considerava uma precauo desnecessria nesses tempos digitais, at que percebeu que estavafazendo a mesma coisa com o relgio de cabeceira. Uma hora e 52 minutos para sair.

    Ela desligou. Ele estava de volta solitria. Sou eu mesmo? Sim, sou. Sou eu, o par demos firmes, e elas esto suando.

  • Olhou em volta com a perplexidade de um prisioneiro, fazendo um balano da cela que setornou seu lar: os livros que trouxe consigo e dos quais no conseguiu ler nenhuma linha.Simon Schama sobre a Revoluo Francesa. A biografia de Jerusalm por Montefiore: a essaaltura, em circunstncias melhores, ele teria devorado os dois. O manual de aves doMediterrneo que o obrigaram a trazer. Seus olhos deslizaram para sua arqui-inimiga: APoltrona que Fedia a Mijo. Ele passou metade da noite anterior sentado nela, depois que acama o expulsou. Sentar-se nela mais uma vez? Oferecer-se outra sesso de Labaredas doinferno? Ou talvez o Henrique V de Laurence Olivier poderia fazer um trabalho melhor empersuadir o Deus das Batalhas a fortalecer o corao de seu soldado? Ou que tal outra sessode porn softcore censurado pelo Vaticano, para fazer circular o velho sangue?

    Escancarando o guarda-roupa bambo, pescou a mala verde de rodinhas coberta deetiquetas de viagens de Paul Anderson, e se ps a enfiar nela a tralha que formava aidentidade fictcia de um estatstico e observador de aves itinerante. Depois ele se sentou nacama, vigiando enquanto o telefone criptografado recarregava, porque tinha um medoincontornvel de que o celular o deixasse na mo no momento crucial.

    *No elevador, um casal de meia-idade usando palets verdes perguntou se ele vinha de

    Liverpool. Infelizmente, no vinha. Mas era parte do grupo? Temo que no: que grupo seriaesse? Mas quela altura sua voz pomposa e o figurino excntrico para atividades ao ar livreforam o bastante, e eles o deixaram em paz.

    Chegando ao trreo, adentrou um ruidoso e efervescente burburinho de humanidade. Entreenfeites de fita verde e bales, um letreiro luminoso proclamava o Dia de So Patrcio. Umacordeo gania msica folclrica irlandesa. Homens e mulheres robustos danavam com seuschapus verdes da Guinness. Uma bbada com o chapu torto agarrou sua cabea, pregou-lheum beijo nos lbios e disse que ele era seu garotinho lindo.

    Entre empurres e pedidos de desculpas, lutou para abrir caminho at a entrada do hotel,onde um grupo de hspedes esperava por seus carros. Respirou fundo e captou os aromas delouro e mel misturados fumaa de combustvel. Acima dele, as estrelas enevoadas de umanoite mediterrnea. Estava vestido como fora instrudo a se vestir: botas resistentes e noesquea seu anoraque, Paul, o Mediterrneo fica fresco noite. E, fechado com zper sobreseu corao no bolso interno do anoraque, o celular supercriptografado. Podia sentir o pesodele no mamilo esquerdo o que no impediu que seus dedos fizessem sua prpria checagemrpida.

    Um reluzente Toyota quatro por quatro se juntou fila de carros que chegavam, e sim, era

  • azul, e sim, havia um cartaz vermelho dizendo conferncia no para-brisa do lado dopassageiro. Dois rostos brancos na frente: o motorista, homem, de culos, jovem; a moa,compacta e eficiente, saltando como uma navegadora, escancarando a porta lateral.

    Voc o Arthur, certo? exclamou ela no melhor sotaque australiano. No, eu sou o Paul, na verdade. Ah, certo, voc o Paul! Desculpe por isso. Arthur na prxima parada. Eu sou a

    Kirsty. um prazer conhec-lo, Paul. Pode entrar agora mesmo!Frmula de segurana combinada. Tpico excesso de produo, mas tudo bem. Ele entrou

    e se viu sozinho no banco de trs. A porta lateral bateu e o quatro por quatro embicou entre ascolunas brancas do porto, ganhando a rua de paraleleppedos.

    E este aqui o Hansi apresentou Kirsty por cima do ombro. Hansi parte daequipe. Sempre alerta, no , Hansi? o lema dele. Quer dizer ol ao cavalheiro, Hansi?

    Bem-vindo a bordo, Paul saudou o Sempre-Alerta Hansi, sem virar a cabea. Podiaser uma voz americana, podia ser alem. A guerra est privatizada.

    Passavam por entre altos muros de pedra e ele absorvia cada imagem e somimediatamente: o alarido do jazz de um bar no caminho, os casais de ingleses obesos tragandobebidas livres de impostos em suas mesas ao ar livre, o ateli de tatuagem com o torsodesenhado acima do jeans de cintura baixa, o salo do barbeiro com os penteados dos anos1960, o velho curvado com um quip empurrando um carrinho de beb e a loja delembrancinhas vendendo estatuetas de galgos, danarinas de flamenco e Jesus e seusdiscpulos.

    Kirsty se virou para examin-lo sob as luzes passantes. Seu rosto ossudo, sardento desdeas orelhas. Cabelos escuros e curtos enfiados no chapu de safri. Nada de maquiagem e nadano fundo dos olhos: ou nada para ele. A mandbula se enfiou na curva do brao enquanto ela oinspecionava. O corpo indecifrvel sob o volume de um colete revestido para o ar livre.

    Deixou tudo em seu quarto, Paul? Como lhe dissemos? Tudo embalado, como voc disse. Incluindo o livro de pssaros? Incluindo o livro.Entram numa ruela escura, varais pendurados acima. Janelas decrpitas, reboco

    desmoronando, grafites ordenando FORA BRITS! De volta ao turbilho de luzes da cidade. E voc no fez check-out do seu quarto? Por engano ou algo assim? O saguo estava apinhado. Eu no conseguiria fazer check-out nem se tentasse. E quanto chave do quarto?

  • Na droga do meu bolso. Sentindo-se um idiota, ele largou a chave na mo aberta de Kirstye viu que ela a repassou para Hansi.

    Estamos fazendo o circuito, certo? Elliot disse para mostrar a voc os fatos doterritrio, para que tenha a imagem visual.

    timo. Estamos indo para Upper Rock, por isso vamos tomar a Marina de Queensway no

    caminho. Aquele o Rosemaria l longe. Ele chegou h uma hora. Est vendo? Estou. ali que Aladdin sempre ancora e aquela sua escadaria exclusiva para o cais. Alm

    dele, ningum tem permisso de us-la: ele tem interesses imobilirios na colnia. Ainda esta bordo e seus convidados esto atrasados, ainda se arrumando antes de descer costa para ojantar fechado no chins. Todo mundo admira o Rosemaria, ento voc pode fazer o mesmo.Apenas parea relaxado. No h nenhuma lei que diga que voc no pode dar uma olhadarelaxada num superiate de 30 milhes de dlares.

    Seria a excitao da caada? Ou apenas o alvio de estar fora da priso? Ou era a simplesperspectiva de servir a seu pas de uma forma com que nunca sonhou antes? Fosse o que fosse,uma onda de fervor patritico o dominava medida que sculos de conquista imperialbritnica o recebiam. As esttuas de grandes almirantes e generais, os canhes, fortes,basties, as decrpitas placas de alerta contra ataques areos direcionando nossos estoicosdefensores ao abrigo mais prximo, os guerreiros ao estilo gurkha montando guarda combaionetas fixas do lado de fora da residncia do governador, os guardas em seus uniformesbritnicos largos: ele era herdeiro de tudo aquilo. At as tristes fileiras de lanchonetes fishand chips construdas dentro de elegantes fachadas espanholas eram como um regresso ao lar.

    Um vislumbre rpido de canhes, memoriais de guerra, um britnico, um americano. Bem-vindo a Ocean Village, um infernal vale de prdios com varandas de vidro azul imitando asondas do mar. Entrando numa pista particular com portes e uma guarita, nenhum sinal deguarda. Abaixo, uma floresta de mastros brancos, uma cerimoniosa entrada acarpetada paracarros, uma fileira de butiques e o restaurante chins onde Aladdin reservou seu jantarfechado.

    E ao mar em todo o seu esplendor, o Rosemaria, completamente aceso por luzes de fbula.As janelas no andar do meio, apagadas. As janelas do salo, translcidas. Homenscorpulentos perambulando entre mesas vazias. Junto dele, ao p de uma escada de embarquedourada, uma sofisticada lancha com dois tripulantes em uniformes brancos esperando paratransportar Aladdin e seus hspedes para a terra.

  • Aladdin basicamente um polons mestio que assumiu cidadania libanesa explicava Elliot na pequena sala em Paddington. Aladdin o polons que eu pessoalmenteno gostaria de encontrar num corredor, para usar um trocadilho. Aladdin o maisinescrupuloso mercador da morte na face da terra, acima de todos, e, alm disso, tambmamigo ntimo da pior escria da sociedade internacional. O principal item em sua lista so osManpads, at onde sei.

    Manpads, Elliot? Vinte deles na ltima contagem. ltima gerao, muito durveis, muito letais.Um momento para o sorriso careca e superior e o olhar escorregadio de Elliot. Um Manpad , tecnicamente, um sistema de defesa area individualmente porttil, Paul,

    Manpad sendo o que eu chamo de um acrnimo.** Como uma arma conhecida pelo mesmoacrnimo, o Manpad to peso-leve que uma criana poderia manej-lo. Por acaso, tambm o item exato se voc est cogitando derrubar um avio de linha desarmado. Essa amentalidade desses assassinos de merda.

    Mas ser que Aladdin tem isso consigo, Elliot, os Manpads? Agora? Na noite? A bordodo Rosemaria? pergunta ele, bancando o inocente porque disso que Elliot parece gostarmais.

    Segundo as fontes confiveis e exclusivas de nosso lder, os Manpads em questofazem parte de um inventrio de venda um pouco maior, compreendendo antitanques e lana-foguetes top de linha, e rifles de assalto das melhores marcas sados dos arsenais de Estadosde todo o mundo do mal conhecido. Como no famoso conto de fadas rabe, Aladdin escondeseu tesouro no deserto, por isso a escolha do nome. Ele informa seu paradeiro ao licitantevencedor quando e somente quando fecha o negcio, neste caso ningum menos que o prprioPunter. Me pergunte qual o objetivo do encontro entre Aladdin e Punter e eu respondereique foi marcado para definir os parmetros do negcio, as condies do pagamento em ouro ea inspeo final da mercadoria antes da entrega.

    *O Toyota deixou a marina e manobrava por uma rotatria gramada de palmeiras e amores-

    perfeitos. Meninos e meninas prontos, todos a postos relatava Kirsty num tom montono por

    seu celular.Meninos, meninas? Onde? O que eu perdi? Ele deve ter feito a pergunta em voz alta: Dois grupos de quatro observadores sentados no chins, esperando o grupo de Aladdin

    aparecer. Dois casais de transeuntes. Um taxista e dois motoqueiros para quando ele se retirar

  • da festa recitou ela, como a uma criana que no estava prestando ateno.Eles partilharam um silncio difcil. Ela pensa que sou suprfluo para os requisitos. Ela

    pensa que sou o ingls tapado e careta que caiu de paraquedas para criar dificuldades. Ento quando eu vou me encontrar com Jeb? insistiu ele, no pela primeira vez. Seu amigo Jeb estar pronto e esperando por voc no ponto de encontro conforme

    planejado, como eu lhe disse. Ele a razo de minha presena aqui disse em voz alta demais, sentindo sua ira

    crescendo. Jeb e seus homens no podem entrar sem que eu d o sinal verde. Esse foi ocombinado desde o incio.

    Estamos cientes disso, obrigada, Paul, e Elliot est ciente disso. Quanto mais cedovoc e seu amigo Jeb se encontrarem e as duas equipes estiverem comunicadas, mais cedopoderemos resolver essa histria e ir para casa. Ok?

    Ele precisava de Jeb. Precisava dos seus.O trfego sumiu. As rvores eram mais baixas aqui, o cu maior. Ele contou os marcos

    histricos. A Igreja de So Bernardo. A Mesquita de Ibrahim-al-Ibrahim, com seu minareteiluminado de branco. O santurio de Nossa Senhora da Europa. Cada um deles gravado emsua memria aps folheadas inconscientes no guia encardido do hotel. Ao mar, uma armadailuminada de cargueiros ancorados. Os garotos ao mar vo operar a partir do navio-me daEthical, dissera Elliot.

    O cu desapareceu. Este tnel no um tnel. a passagem de uma mina desativada. umabrigo antiareo. Vigas tortas, paredes malfeitas de bloco de concreto e rocha bruta cortada.Faixas de olhos de gato correndo no teto, marcas rodovirias brancas seguindo o mesmoritmo. Emaranhados de cabos pretos. Uma placa dizendo perigo: deslizamento de pedras!Buracos, filetes de gua marrom transbordada, uma porta de ferro levando a Deus sabe onde.Teria Punter passado por aqui hoje? Estaria ele parado atrs de uma porta com um de seusvinte Manpads? Punter no apenas alto preo, Paul. Nas palavras do Sr. Jay Crispin,Punter estratosfrico: Elliot novamente.

    Como o portal de entrada para outro mundo, pilares surgem quando eles saem dasentranhas da Rocha e aterrissam numa estrada cortada no penhasco. Uma rajada de ventobalana a carroceria, uma meia-lua aparece no alto do para-brisa e o Toyota sacode beirado acostamento. Abaixo deles, luzes de assentamentos costeiros. Alm deles, as montanhasnegras da Espanha. E ao mar, a mesma armada imvel de cargueiros.

    S as laterais ordenou Kirsty.Hansi baixou os faris.

  • Desligue o motor.Ao som do murmrio furtivo das rodas no asfalto esfarelado, eles rolaram para a frente.

    Adiante, uma fina lanterna vermelha piscou duas vezes, depois uma terceira vez, maisprxima.

    Pare agora.Eles pararam. Kirsty escancarou a porta lateral, deixando entrar uma rajada de vento frio e

    o rudo constante dos motores ao mar. Do outro lado do vale, nuvens iluminadas pelo luar seacumulavam sobre as ravinas e rolavam como a fumaa de uma pistola ao longo do topo doRochedo. Um carro acelerou para fora do tnel atrs deles e varreu a encosta com seus faris,deixando uma escurido mais profunda.

    Paul, seu amigo est aqui.No vendo nenhum amigo, ele deslizou pelo banco at a porta aberta. Diante dele, Kirsty

    estava inclinada para a frente, puxando o encosto do assento como se mal pudesse esperarpara coloc-lo para fora. Ele comeou a baixar os ps ao cho e ouviu o grasnado de gaivotasinsones e o cricrilar dos grilos. Duas mos enluvadas se projetaram da escurido para firm-lo. Atrs delas surgiu o pequeno Jeb, com o rosto camuflado brilhando sob a balaclava puxadapara cima e uma lanterna presa testa como um olho de ciclope.

    bom v-lo de novo, Paul. Experimente estes para ver se o tamanho est bom murmurou ele em sua suave cadncia galesa.

    E mais do que bom ver voc, Jeb, devo dizer respondeu entusiasmado, aceitandoos culos de viso noturna e agarrando a mo estendida de Jeb. Era o mesmo Jeb de sualembrana: um homem compacto, calmo, dono de si.

    E a, hotel legal, Paul? Pocilga total e absoluta. Como o seu? Venha dar uma olhada, cara. Tudo modulado. Pise onde eu pisar. Devagar e tranquilo.

    E se voc vir uma pedra rolando pense rpido e se abaixe, na hora.Era uma piada? Ele sorriu de qualquer maneira. O Toyota estava descendo a colina, dever

    cumprido e boa noite. Ele ps os culos e o mundo ficou verde. Pingos de chuva trazidos pelovento se batiam como insetos diante de seus olhos. Jeb galgava a colina frente, com alanterna de mineiro na testa iluminando o caminho. No havia nenhuma trilha exceto onde elepisava. Estou de volta ao campo das perdizes com meu pai, lutando para atravessar arbustosde 3 metros de altura, com a diferena de que esta encosta no tem arbustos, apenasobstinados tufos de capim da praia que insistiam em se agarrar a seus tornozelos. Algunshomens voc conduz e outros voc segue, costumava dizer seu pai, um general aposentado.

  • Bem, com Jeb, voc segue.O terreno se aplainou. O vento cedeu e voltou a correr, levantando a poeira consigo. Ele

    ouviu o rudo de um helicptero acima. O Sr. Crispin fornecer cobertura total ao estiloamericano, proclamara Elliot, em tom de orgulho empresarial. Mais completa do que vocjamais precisar saber, Paul. Equipamento altamente sofisticado ser padro para tudo, emais, um avio Predator no tripulado para fins de observao no est de forma algumaacima do oramento operacional do Sr. Crispin.

    A subida se torna mais ngreme agora, o terreno composto em parte de pedras despencadase em parte de areia arrastada pelo vento. Agora seu p acerta um parafuso, um pedao de umahaste de ao, uma ncora de capa. Num momento com a mo de Jeb espera para mostrar aele , uma extenso de rede de conteno de metal que ele teve que transpor.

    Voc est indo muito bem, Paul. E os lagartos no mordem, no aqui em Gib. Chamamde lagartixas aqui, no me pergunte por qu. Voc um homem de famlia, no? E ao obterum espontneo sim: Ento quem voc tem, Paul? Com todo o respeito.

    Uma esposa, uma filha respondeu ele, sem flego. A menina mdica pensando ah, Cristo, esqueci que eu era Paul e solteiro, mas dane-se. E voc, Jeb?

    Uma esposa maravilhosa, um menino, 5 anos na semana que vem. Primeiro da turma,espero que seja como a sua.

    Um carro emergiu do tnel atrs deles. Ele fez meno de se agachar, mas Jeb o segurouna vertical com um aperto to forte que ele engasgou.

    Ningum vai nos ver a menos que a gente se mova, entende? explicou ele com omesmo murmrio gals confortvel. Faltam 100 metros e bastante ngreme agora, mas no problema para voc, tenho certeza. Um pedao em zigue-zague e chegamos. Somos s eu eos trs garotos como se no houvesse nada de que se envergonhar.

    E era de fato bastante ngreme, com arbustos e areia solta, e outra rede de conteno paracontornar, e a luva de Jeb esperando caso ele tropeasse, coisa que no fez. De repente,chegaram. Trs homens com uniformes de combate e fones de ouvido, um deles mais alto queo restante, descansavam sob uma lona impermevel, bebendo em canecas de lata e observandotelas de computador como se assistissem ao futebol de sbado tarde.

    O esconderijo estava inserido na estrutura de ao de uma rede de conteno. Suas paredeseram de folhagem e arbustos entrelaados. Mesmo a poucos metros de distncia, sem Jeb paragui-lo, ele poderia ter passado batido por ali. As telas dos computadores estavam presas sextremidades de tubulaes. Era preciso espiar dentro dos tubos para v-las. Algumas poucasestrelas enevoadas cintilavam atravs do emaranhado do teto. Alguns feixes do luar brilhavam

  • sobre o armamento, de um tipo que nunca tinha visto. Quatro mochilas de equipamentoestavam alinhadas ao longo de uma parede.

    Ento este Paul, rapazes. Nosso homem do Ministrio murmurou Jeb entre ofarfalhar do vento.

    Um por um, cada homem se virou, tirou uma das luvas de couro, apertou sua mo fortedemais e se apresentou.

    Don. Bem-vindo ao Ritz, Paul. Andy. Shorty. Ol, Paul. Ento, conseguiu subir numa boa?Shorty porque ele meia cabea mais alto que o restante deles: por que mais? Jeb lhe

    entrega uma caneca de ch. Adoado com leite condensado. Uma fenda de mira lateral eraemoldurada por folhagem. Os tubos dos computadores estavam fixados abaixo da fenda demira, permitindo uma viso desimpedida desde a encosta at o litoral. sua esquerda, osmesmos montes negros da Espanha, agora maiores e mais prximos. Jeb o conduz a olhar atela do lado esquerdo. Uma sequncia de imagens de cmeras escondidas: a marina, orestaurante chins, o Rosemaria e suas luzes fericas. Elas mudam para uma trmula filmagemcom uma cmera de mo dentro do restaurante chins. O equipamento ao nvel do cho. Daextremidade de uma mesa junto janela da sacada, um imperioso gordo de 50 anos, numpalet nutico e penteado perfeito, gesticula a seus comensais. sua direita, uma morena commetade da sua idade e cara amarrada. Ombros nus, seios vistosos, colar de diamantes e umaboca torcida.

    Aladdin um encrenqueiro do cacete, Paul confidenciava Shorty. Primeiropassou um sermo em ingls no matre porque no tem lagosta. Agora a amiguinha leva o seuem rabe, sendo ele polons. Fico surpreso por ele no perder a cabea com ela, pela formacomo ela est se comportando. como estar em casa, no, Jeb?

    Venha aqui um minuto, Paul, por favor.Com a mo de Jeb em seu ombro para gui-lo, ele d um passo largo para a tela do meio.

    Imagens areas e terrestres se alternam. Seriam cortesia do avio Predator no tripulado queno estava de modo algum acima do oramento operacional do Sr. Crispin? Ou do helicpteroque ele ouvia pairando acima? Um terrao de casas brancas com deques de madeira na frente,situado na beira das falsias. Escadarias de pedra para a praia separando as casas. Asescadas desciam at uma estreita meia-lua de areia. Uma praia pedregosa cercada porpenhascos irregulares. Postes de rua com luzes laranja. Uma pista com cerca de metal levandodo terrao para a principal estrada costeira. Nenhuma luz nas janelas das casas. Nenhuma

  • cortina.E atravs da fenda, o mesmo terrao a olho nu. Vai ser tudo demolido, viu, Paul explicava Jeb em seu ouvido. Uma empresa do

    Kuwait vai instalar um complexo de cassinos e uma mesquita. por isso que as casas estovazias. Aladdin, ele um dos diretores da empresa kuwaitiana. Pois bem, pelo que andoudizendo a seus convidados, ele tem uma reunio privada esta noite com o desenvolvedor. Issovai ser muito lucrativo. Concentrando os lucros para eles mesmos, segundo sua amiguinha.Ningum imaginaria que um homem como Aladdin seria to tagarela assim, mas ele .

    Gosta de aparecer explicou Shorty. Tpico de uma porra de um polons. O Punter j est dentro da casa, ento? perguntou ele. Digamos que, se est, ns no o avistamos, Paul, vamos colocar dessa forma

    respondeu Jeb no mesmo tom de conversa, constante e deliberado. No de fora, e notemos cobertura l dentro. No houve a oportunidade, segundo nos dizem. Bem, no d parapr escutas em vinte casas de uma s vez, d? Acho que no, nem mesmo com equipamento dehoje. Talvez ele esteja instalado numa casa e passar a outra para o encontro. No sabemos,sabemos? Ainda no. esperar para ver e no entrar l at que possamos saber quem estamospegando, especialmente se estamos procurando um chefo da al Qaeda.

    Ele recorda instantaneamente a confusa descrio de Elliot para a mesma figura furtiva:Eu basicamente descreveria Punter como o tpico mercenrio jihadista por excelncia,

    Paul, para no dizer o tpico fantasma. Ele evita todos os meios de comunicao eletrnica,incluindo celulares e e-mails de aparncia inofensiva. Para Punter s serve mensagem deboca em boca, e um mensageiro por vez, nunca o mesmo duas vezes.

    Ele poderia vir a ns de qualquer lugar, Paul explicava Shorty, talvez para provoc-lo. Das montanhas de l. Pela costa espanhola num pequeno barco. Ou poderia chegarandando sobre as guas, se quisesse. No mesmo, Jeb?

    Jeb concorda vagamente. Jeb e Shorty, o mais alto e o mais baixo dos homens da equipe:uma atrao de opostos.

    Ou chegar do Marrocos passando bem debaixo dos narizes da guarda costeira, no ,Jeb? Ou colocar um terno Armani e voar na classe Club com um passaporte suo. Ou fretarum iate particular, que o que eu faria, francamente. No sem antes encomendar de antemomeu menu especial com a recepcionista altamente atraente de minissaia. Dinheiro paraqueimar, isso Punter tem, segundo nossa incrvel fonte top de linha, no , Jeb?

    Do lado do mar, o terrao escuro como breu era ameaador em contraste com o cunoturno; a praia, uma negra terra de ningum, rochedos escarpados e um turbilho de ondas.

  • Quantos homens na equipe do mar? perguntou. Elliot no parecia saber ao certo. Ele nos disse oito respondeu Shorty, falando por cima do ombro de Jeb. Nove

    quando eles voltarem para o navio-me com Punter. o que esperam acrescentousecamente.

    Os conspiradores estaro desarmados, Paul, Elliot dizia. Este o grau de confianaentre uma dupla de canalhas totais. Nada de armas, nada de guarda-costas. Ns entramosna ponta dos ps, pegamos nosso homem, samos na ponta dos ps, nem sequer estivemos l.Os garotos de Jeb empurram da terra, a Ethical puxa do mar.

    Lado a lado com Jeb mais uma vez, ele viu os dois cargueiros atravs da fenda de mira edepois olhou para a tela do meio. Um cargueiro estava afastado dos companheiros. Umabandeira panamenha se agitava no mastro. No convs, sombras passavam entre os guindastes.Um bote inflvel pendia sobre a gua, dois homens a bordo. Ele ainda os observava quando ocelular criptografado comeou a cantarolar sua melodia idiota. Jeb o arrancou de sua mo,baixou o som, e o devolveu.

    voc, Paul? Paul falando. Aqui o Nove. Certo? Nove. Me diga se consegue me ouvir.E eu serei o Nove, entoa solenemente o ministro, como uma profecia bblica. No serei o

    Alfa, que est reservado para nosso edifcio-alvo. No serei Bravo, que est reservado paranossa localizao. Serei o Nove, que o cdigo designado para seu comandante, e vou mecomunicar com voc atravs de um celular especialmente criptografado e engenhosamenteligado a sua equipe operacional por meio de uma rede expandida de RTP, o que, para suainformao, significa Rdio Transmissor Pessoal.

    Ouo alto e claro, Nove, muito obrigado. E voc est em posio? Sim? D respostas curtas a partir de agora. Estou sim. Seus olhos e ouvidos. Certo. Me diga exatamente o que pode ver de onde est. Estamos no alto da encosta observando diretamente as casas abaixo. No poderia ser

    melhor. Quem est a? Jeb, os trs homens dele e eu.Pausa. Voz masculina abafada ao fundo.O ministro mais uma vez: Algum tem alguma ideia do motivo por que Aladdin no saiu do chins ainda?

  • Eles comearam a comer tarde. Espera-se que ele saia a qualquer minuto. tudo o queficamos sabendo.

    E nenhum Punter a vista? Voc est absolutamente certo disso? Sim? A vista ainda no. Tenho certeza. Sim. A mnima indicao visual, por mais remota que seja... a menor das pistas...

    possibilidade de um avistamento...Pausa. O RTP expandido est falhando, ou Quinn que est? ... Eu espero que voc me informe imediatamente. Entendido? Vemos tudo que voc

    v, mas no de forma to clara. Voc tem o olhar direto. Sim? J de saco cheio do atrasona transmisso: Vista total, porra!

    Sim, verdade. Vista total. Olhar direto. Eu tenho o olhar direto.Don lhe cutuca o brao para chamar sua ateno.No centro da cidade, uma van de passageiros costura seu caminho atravs do trfego

    noturno. Leva uma placa de txi no teto e um nico passageiro no banco traseiro, e um olhar o suficiente para que ele saiba que o passageiro o corpulento e exaltado Aladdin, o polonsque Elliot no gostaria de encontrar num corredor. Ele est segurando um celular ao ouvido e,como no restaurante chins, gesticula pomposamente com a mo livre.

    A cmera que o segue sacode, agitada. A tela fica em branco. O helicptero assume,aponta para a van, lana um halo acima dela. A cmera terrestre em perseguio retorna. Umcone de telefone pisca no canto esquerdo do alto da tela. Jeb entrega um fone de ouvido aPaul. Um polons falando com outro. Eles se revezam nas gargalhadas. A mo esquerda deAladdin encena um espetculo de marionetes na janela traseira da van. As piadas masculinaspolonesas so substitudas pela voz desaprovadora de uma tradutora.

    Aladdin est falando com o irmo Josef em Varsvia diz com desdm a voz damulher. conversa vulgar. Esto falando da namorada de Aladdin, a mulher que ele tem nobarco. O nome dela Imelda. Aladdin est cansado de Imelda. Imelda tem uma boca grandedemais. Ele vai abandon-la. Josef precisa visitar Beirute. Aladdin vai pagar pela viagemdesde Varsvia. Se Josef for a Beirute, Aladdin vai apresent-lo a muitas mulheres que voquerer dormir com ele. Agora Aladdin est a caminho de visitar uma amiga especial. Amigaespecial secreta. Ele ama muito essa amiga. Ela vai substituir Imelda. Ela no carrancuda,no vaca, tem seios muito bonitos. Talvez ele compre apartamento para ela em Gibraltar. uma boa notcia para impostos. Aladdin tem que ir agora. A amiga secreta especial estesperando. Ela o deseja muito. Quando ela abrir a porta, estar completamente nua. Aladdinordenou isto. Boa noite, Josef.

  • Um momento de perplexidade coletiva, quebrado por Don. Ele no tem tempo para transar, porra sussurrou, indignado. Nem mesmo ele.Ecoado por Andy, igualmente indignado. O txi virou para o lado errado. Por que caralhos ele fez essa merda? Sempre d tempo para transar corrigiu-os Shorty firmemente. Se Boris Becker

    pode engravidar uma garota dentro de um armrio ou coisa parecida, Aladdin pode dar umarapidinha a caminho de vender Manpads para seu colega Punter. apenas lgico.

    Ao menos isso era verdade: a van, em vez de virar direita, em direo ao tnel, virou esquerda, de volta para o centro da cidade.

    Ele sabe que estamos em cima murmurou Andy em desespero. Merda. Ou mudou a porra da ideia. Don. Ele no tem ideias, meu caro. O que manda a cabea de baixo. Shorty.O monitor ficou cinza, depois branco, depois um negro fnebre.

    CONTATO TEMPORARIAMENTE PERDIDO

    Todos os olhos em Jeb enquanto ele murmura as suaves cadncias galesas ao microfoneem seu peito.

    O que voc fez com ele, Elliot? Pensamos que Aladdin era gordo demais para sumir.Atraso e esttica acima da escuta de Don. A voz sul-africana queixosa de Elliot, baixa e

    rpida. H alguns conjuntos de apartamentos com estacionamentos cobertos l embaixo. Nossa

    leitura de que ele entrou em um e saiu por outro diferente. Estamos investigando. Ento ele sabe que vocs esto em cima. Jeb. Isso no ajuda, no , Elliot? Talvez ele esteja ciente, talvez seja hbito. Por gentileza, no me encha o saco. Certo? Se fomos descobertos, ns vamos para casa, Elliot. No vamos cair numa armadilha,

    no se eles sabem que estamos chegando. J vimos esse filme, obrigado. Estamos velhosdemais para isso.

    Esttica, mas nenhuma resposta. Jeb novamente. Voc no chegou a pensar em colocar um rastreador no txi, pensou, Elliot? Talvez ele

    tenha trocado de veculo. Ouvi dizer que isso s vezes acontece, aqui e ali... V se foder.Shorty, em seu papel de camarada e defensor indignado de Jeb, tirando o microfone. Eu definitivamente vou dar um jeito em Elliot quando isso acabar anunciou para o

    mundo. Vou ter uma palavrinha tranquila, razovel e em particular com ele, e vou botarnaquele rabo sul-africano, um fato. No vou, Jeb?

  • Talvez v, Shorty respondeu Jeb calmamente. E talvez no, tambm. Ento cale aboca, pode ser?

    *A tela voltou vida. O trfego noturno se resume a alguns carros, mas nenhum halo paira

    acima de uma van errante. O celular criptografado est vibrando de novo. Voc consegue ver algo que ns no conseguimos, Paul? em tom acusador. Eu no sei o que voc pode ver, Nove. Aladdin estava conversando com o irmo,

    depois mudou de direo. Todos aqui esto perplexos. Ns tambm estamos. Pode acreditar nisso.Ns? Voc e quem mais, exatamente? Oito? Dez? Quem esse que sussurra em seu

    ouvido? Que lhe passa bilhetinhos, ao que parece, enquanto voc fala comigo? Que faz comque voc mude de ttica e recomece do zero? o Sr. Jay Crispin, nosso suserano da guerracorporativa e provedor de inteligncia?

    Paul? Sim, Nove. Voc tem o olhar no local. Me d um relatrio, por favor. Agora. A dvida parece ser se Aladdin se deu conta do fato de que est sendo seguido. E

    aps um momento de ponderao: E tambm se ele vai visitar uma nova namorada queaparentemente instalou aqui em vez de comparecer a seu encontro com Punter cada vezmais impressionado com a prpria confiana.

    Movimentao. O som se corta. Os sussurros novamente em ao. Conexo cortada. Paul? Sim, Nove. Espere um pouco. Fique a. Tem algumas pessoas aqui que precisam falar comigo.Paul espera. Pessoas ou pessoa? Ok! Assunto resolvido. O ministro Quinn em voz aberta agora Aladdin no est,

    repetindo, no est a ponto de comer ningum, nem homem nem mulher. Isso um fato. Estclaro? sem esperar por resposta. O telefonema que acabamos de ouvir para o irmo foium disfarce para confirmar seu encontro com Punter por linha aberta. O homem na outra pontano era o irmo. Era o intermedirio de Punter. Hiato para mais conselhos de bastidores. Ok, era o armador. Ele era o armador de Aladdin insistindo na palavra.

    A linha emudece de novo. Para mais conselhos? Ou o RTP no to expandido quanto foipropagandeado?

    Paul?

  • Nove? Aladdin estava apenas dizendo a Punter que est a caminho. Dando um alerta. Temos

    isto direto da fonte. Por favor, passe para Jeb imediatamente.Foi o tempo de passar a Jeb imediatamente antes que o brao de Don se erguesse

    novamente. Tela dois, capito. Casa sete. Cmera da orla. Luz na janela do trreo esquerda. Venha c, Paul. Jeb.Jeb est acocorado ao lado de Don. Agachando atrs dos dois, ele espia entre as duas

    cabeas, a princpio incapaz de distinguir que luz deveria ver. Luzes danavam nas janelas dotrreo, mas eram reflexos da frota ancorada. Removendo seus culos de viso noturna earregalando os olhos ao mximo possvel, ele v o replay da janela do trreo na casa nmerosete em close.

    Apontando para cima como uma vela, uma espectral lanterna atravessa a sala. carregadapor um fantasmagrico brao branco. As cmeras terrestres registram a histria. Sim, l est aluz novamente. E o brao-fantasma se tinge de laranja pelas lmpadas de sdio ao longo darua de acesso.

    Ele est l dentro, ento, no ? Don, o primeiro a falar. Casa sete. Trreo.Acendendo uma merda de lanterna porque no tem energia eltrica. Mas ele soaestranhamente hesitante.

    Oflia Shorty, o erudito. Em sua porra de camisola. Vai se jogar noMediterrneo.

    Jeb se ergue ao mximo que o teto do esconderijo permite. Ele puxa sua balaclava,fazendo dela um cachecol. espectral luz verde, seu rosto camuflado de repente parece umagerao mais velho.

    Sim, Elliot, tambm vimos. Tudo bem, concordo, uma presena humana. Presena dequem, j outra questo, creio eu.

    O sistema de som expandido est realmente apagado? Por um s fone de ouvido, ele ouvea voz de Elliot em modo beligerante:

    Jeb? Jeb, preciso de voc. Est a? Na escuta, Elliot.O sotaque sul-africano muito forte agora, muito didtico: Minhas ordens, recebidas h cerca de um minuto precisamente, so de colocar minha

    equipe em alerta vermelho para embarque imediato. Estou tambm instrudo a retirar meusrecursos de vigilncia do centro da cidade e concentr-los no Alfa. A abordagem ao Alfa ser

  • coberta por veculos estticos. Seu destacamento descer e se posicionar de acordo. Quem disse que vamos, Elliot? Esse o plano de batalha. Unidades terrestres e martimas convergem. Jesus, caralho,

    Jeb, voc esqueceu suas ordens? Voc sabe muito bem quais so minhas ordens, Elliot. Elas so o que eram desde o

    incio. Encontrar, apreender e finalizar. No encontramos Punter, vimos uma luz. Nopodemos apreend-lo se no o encontramos, e no temos uma IPO digna desse nome.

    IPO? Embora ele deteste siglas, vem a iluminao: Identificao Positiva. Ento no h finalizao e no h convergncia insiste Jeb com Elliot, no mesmo

    tom constante. No at que eu concorde, no haver. No vamos atirar uns nos outros noescuro, muito obrigado. Confirme que est entendido, por favor. Elliot, voc ouviu o que eudisse?

    Ainda sem resposta, quando Quinn retorna s pressas. Paul? Aquela luz dentro da casa sete. Voc viu? Voc tinha o olhar direto? Tinha. Sim. Direto. Uma vez? Acredito que vi duas vezes, mas indistintamente. o Punter. Punter est l. Neste minuto. Na casa sete. Aquele era Punter segurando

    uma lanterna, atravessando a sala. Voc viu o brao. Bem, viu, no? Voc viu, pelo amor deDeus. Um brao humano. Todos ns vimos.

    Ns vimos um brao, mas o brao est sujeito a identificao, Nove. Ainda estamosesperando que Aladdin aparea. Ele est perdido e no h nenhuma indicao de que esteja acaminho daqui. E trocando olhares com Jeb: Tambm estamos esperando por provas deque Punter est no recinto.

    Paul? Ainda aqui, Nove. Estamos replanejando. Seu trabalho manter as casas plena vista. A casa sete em

    particular. Isso uma ordem. Enquanto ns replanejamos. Entendido? Entendido. Se voc vir a olho nu qualquer coisa fora do comum que as cmeras talvez tenham

    perdido, preciso saber instantaneamente. Some e retorna. Voc est fazendo umexcelente trabalho, Paul. No vai passar despercebido. Diga a Jeb. Isso uma ordem.

    Eles parecem tranquilizados, mas ele no se sente calmo. O truque de desaparecimento deAladdin lanou seu feitio pelo esconderijo. Elliot talvez esteja reposicionando suas cmeras

  • areas, mas eles ainda esto buscando na cidade, fechando aleatoriamente em carros perdidospara depois abandon-los. Suas cmeras em terra ainda oferecem ora a marina, ora a entradado tnel, ora extenses da estrada costeira vazia.

    Vamos logo, bicho feio, aparea! Don, ao ausente Aladdin. Muito ocupado trepando, o tarado Andy, para si mesmo.Aladdin prova dgua, Paul, insistira Elliot do outro lado de sua mesa em Paddington.

    Ningum pe um nico dedo em Aladdin. Aladdin prova de fogo, prova de balas. Esse o acordo solene que o Sr. Crispin fechou com seu valiosssimo informante, e a palavra doSr. Crispin a um informante sagrada.

    Capito Don novamente, desta vez com os dois braos para cima.Um motociclista serpenteia ao longo da pista de servio, lanando seu farol de um lado a

    outro. Sem capacete, apenas um keffiyeh preto e branco tremulando em torno do pescoo. Coma mo direita ele conduz a moto, enquanto a esquerda segura o que parece ser um saco.Sacudindo a sacola enquanto avana, exibindo, aparecendo, olhem para mim. Magro, cinturade vespa. O keffiyeh mascara a parte inferior do rosto. Quando ele entra no nvel do terrao, amo direita solta o guido e se ergue numa saudao revolucionria.

    Chegando ao fim da pista de servio, ele parece prestes a entrar na estrada costeira, rumoao sul. De repente, vira para o norte, a cabea projetada frente acima do guido, o keffiyehflutuando s suas costas e, acelerando, dispara rumo fronteira espanhola.

    Mas quem se preocupa com um motociclista desenfreado num keffiyeh quando seu sacopreto espera como um pudim de ameixa no meio da pista de servio, diretamente diante daentrada que leva casa de nmero sete?

    *A cmera se aproxima do objeto. A cmera o amplia. E amplia novamente. um saco plstico preto de jardim, amarrado com um barbante ou rfia. um saco de

    lixo. um saco de lixo com uma bola de futebol ou uma cabea humana ou uma bomba dentro. o tipo de objeto suspeito que, se voc visse abandonado por a numa estao ferroviria,avisaria a algum, ou no, dependendo do quo tmido voc fosse.

    As cmeras competiam para chegar a ele. Em velocidade vertiginosa, tomadas areas seseguiam a closes no nvel do solo e imagens da grande angular do terrao. Ao mar, ohelicptero baixara acima do navio-me como proteo. No esconderijo, Jeb clamava pelasimples lgica:

    um saco, Elliot, isso que sua voz galesa em seu tom mais suave e persistente. Isso tudo que sabemos, entende? No sabemos o que tem dentro, no podemos ouvi-lo,

  • no podemos sentir o cheiro, podemos? No h fumaa verde saindo dele, nenhum fio ouapndice que possamos ver, e eu tenho certeza de que voc tambm no pode. Talvez sejaapenas um garoto fazendo um bico para a me... No, Elliot, eu no acho que vamos fazer isso,muito obrigado. Acho que vamos deix-lo onde est e deixar que ele faa o que quer que tenhasido trazido aqui para fazer, se voc no se importa, e vamos continuar esperando at que issoacontea, assim como estamos esperando por Aladdin.

    Este silncio eletrnico ou humano? Foi tomar seu banho semanal sugeriu Shorty entre os dentes. No, Elliot, no vamos fazer isso retrucou Jeb, a voz muito mais dura. Ns

    enfaticamente no vamos entrar em campo para uma olhada mais de perto dentro daquelasacola. No vamos interagir com o saco de maneira nenhuma, Elliot. Isso pode ser exatamenteo que esto esperando que a gente faa: querem nos tirar da toca caso estejamos por perto.Bem, ns no estamos por perto, estamos? No por uma isca dessas, no mesmo. O que outro bom motivo para deix-la quieta.

    Outro silncio, mais longo. Ns temos um acordo, Elliot continuou Jeb com pacincia sobre-humana. Talvez

    voc tenha esquecido. Uma vez que a equipe de terra tenha fixado o alvo, e no antes, nsvamos descer o morro. E sua equipe marinha, vocs vo entrar do mar, e juntos vamosterminar o trabalho. Esse foi o acordo. Voc detm o mar, ns detemos a terra. Bem, o sacoest na terra, no? E ns no visualizamos o alvo, e eu no estou interessado em ver nossasrespectivas equipes entrando num prdio escuro de lados opostos, sem que ningum saibaquem est l ou no esperando por ns. Tenho que repetir isso, Elliot?

    Paul? Sim, Nove. Qual a sua opinio pessoal sobre aquele saco? Me diga imediatamente. Voc compra

    os argumentos de Jeb ou no? A menos que o senhor tenha um melhor, Nove, sim, eu compro firme, mas

    respeitoso, pegando seu tom emprestado de Jeb. Poderia ser um aviso para que Punter suma. Ento, que tal essa? Algum pensou nisso

    a do seu lado? Tenho certeza de que pensaram nisso muito profundamente, como eu tambm pensei.

    No entanto, a sacola poderia muito bem ser um sinal para Aladdin, para inform-lo de que seguro vir. Ou poderia ser um sinal para ficar longe. A mim parece pura especulao namelhor das hipteses. Muitas possibilidades juntas, na minha opinio concluiu ele com

  • ousadia, at acrescentando: Nas circunstncias presentes, a posio de Jeb me pareceeminentemente razovel, devo dizer.

    No me passe sermes. Todos esperem at que eu d retorno. Claro. E nada dessa porra de claro!A linha cai num silncio de pedra. Nenhum rudo de respirao, nada de sons de fundo.

    Apenas um longo silncio no celular apertado cada vez mais contra a orelha.*

    Jesus, puta que pariu! Don, com fora total.Mais uma vez, esto todos os cinco espremidos na fenda de mira quando um carro grande

    com faris altos dispara para fora do tnel e corre para o terrao. Aladdin em sua van,atrasado para seu compromisso. No. o Toyota azul quatro por quatro, sem a placa deconferncia. Desviando da estrada da costa, entrando aos solavancos na pista de servio erumando direto para o saco preto.

    Ao se aproximar, a porta lateral desliza para trs, revelando Hansi e seus culos aovolante e uma segunda figura indefinida, mas poderia ser Kirsty inclinada no limite daporta aberta, com uma das mos agarrada maaneta como prpria vida e a outra esticadapara o saco. A porta do Toyota bate novamente. Recuperando velocidade, o quatro por quatrocontinua para o norte e se perde de vista. O saco de pudim de ameixa se foi.

    O primeiro a falar Jeb, mais calmo que nunca. Isso que eu acabei de ver era seu pessoal, Elliot? Pegando o saco com tudo? Elliot, eu

    preciso falar com voc, por favor. Elliot, acho que voc est me ouvindo. Preciso de umaexplicao, por favor. Elliot?

    Nove? Sim, Paul. Parece que o pessoal de Elliot acabou de pegar o saco fazendo o melhor possvel

    para soar to racional quanto Jeb Nove? Voc est a?Com atraso, Nove volta, e estridente: Ns tomamos a deciso executiva, caralho! Algum tinha que tomar, certo? Tenha a

    bondade de informar a Jeb. Agora. A deciso est definida. Tomada.Ele some novamente. Mas Elliot retorna com fora total, conversando com uma voz

    feminina de sotaque australiano ao fundo e relatando sua mensagem triunfal para o restante daplateia:

    O saco contm provises? Obrigado, Kirsty. O saco contm peixe defumado: ouviu

  • isso, Jeb? Po. Po rabe. Obrigado, Kirsty. O que mais temos nesse saco? Temos gua.gua com gs. Punter gosta de gs. Temos chocolate. Chocolate ao leite. Aguarde umsegundo, Kirsty, obrigado. Por acaso voc ouviu essa, Jeb? O filho da me estava l o tempotodo, e seus colegas o alimentavam. Ns vamos entrar, Jeb. Eu tenho minhas ordens aqui naminha frente, confirmadas.

    Paul?Mas quem fala no o ministro Quinn, codinome Nove. Este o rosto semienegrecido de

    Jeb, os olhos brancos como os de um minerador, apesar de serem castanhos. E a voz de Jeb,firme como antes, apelando a ele:

    No deveramos fazer isso, Paul. Vamos atirar em fantasmas no escuro. Elliot no sabeda missa a metade. Acho que voc concorda comigo.

    Nove? Que diabos voc quer agora? Eles vo entrar! Qual o problema agora, homem?Jeb o encara. Shorty o encara por cima do ombro de Jeb. Nove? O qu? O senhor me pediu para ser seus olhos e ouvidos, Nove. Eu s posso concordar com

    Jeb. Nada do que vi ou ouvi sugere entrar neste estgio.O silncio deliberado ou tcnico? De Jeb, um firme assentimento. De Shorty, um meio

    sorriso de desprezo, talvez por Quinn, por Elliot ou simplesmente por tudo. E do ministro, umchilique tardio:

    O homem est l, porra! Ele some de novo. Volta. Paul, escute com ateno. Isso uma ordem. Ns vimos o homem em traje rabe completo. Vocs tambm viram. Punter. Ldentro. Ele tem um garoto rabe para trazer gua e comida. Que diabos mais Jeb quer?

    Ele quer provas, Nove. Ele diz que no h provas suficientes. Eu tenho que dizer, sintoexatamente o mesmo.

    Outro assentimento de Jeb, mais vigoroso que o primeiro, mais uma vez apoiado porShorty e depois pelo restante dos companheiros. Os olhos brancos de todos os quatro homenso observam atravs de suas balaclavas.

    Nove? Ningum ouve ordens por a? Posso falar? Ento fale logo!Ele falar para que fique registrado. Est pesando cada palavra antes de pronunci-la:

  • Nove, minha opinio que, sob qualquer padro razovel de anlise, estamos lidandocom uma srie de suposies no comprovadas. Jeb e seus homens aqui tm grandeexperincia. Sua viso de que, do jeito que est, nada faz um sentido slido. Sendo seusolhos e ouvidos em campo, eu tenho que dizer que partilho da viso deles.

    Vozes fracas ao fundo, depois novamente o silncio profundo, morto, at que Quinnretorna, estridente e petulante:

    Punter est desarmado, caralho. Esse era seu acordo com Aladdin. Desarmado e semescolta, cara a cara. Ele um terrorista de alto escalo plantado numa montanha de dinheiro ecom uma carga de informaes inestimveis para ser arrancada dele, e est parado l,esperando para ser agarrado. Paul?

    Ainda aqui, Nove.Ainda aqui, mas olhando para a tela do lado esquerdo, como todos. Para a popa do navio-

    me. Para a sombra prxima sua lateral. Para o bote inflvel pousado na gua. Para as oitofiguras agachadas a bordo.

    Paul? Passe para Jeb. Jeb, voc est a? Eu quero que vocs ouam, vocs dois. Jeb ePaul. Os dois esto ouvindo?

    Esto. Ouam. Eles j disseram que esto ouvindo, mas tudo bem. Se a equipe de mar

    agarra o alvo e o leva para o barco e para fora das guas territoriais at as mos dosinterrogadores, enquanto o seu bando est a com a bunda na cadeira em cima desse morro,como vocs acham que isso vai pegar? Jesus Cristo, Jeb, eles me disseram que voc era chato,mas pense no que tem a perder, cara!

    Na tela, o inflvel no est mais visvel ao lado do navio-me. O rosto camuflado de Jebdentro de sua frgil cobertura de l como uma antiqussima mscara de guerra.

    Bem, no h muito mais a dizer sobre isso, h, Paul? Eu acho que no, no depois quevoc disse tudo que havia para dizer? indaga ele em voz baixa.

    Mas Paul ainda no disse tudo, ou no para sua satisfao. E mais uma vez, de certo modopara sua surpresa, ele tem as palavras prontas, nenhum tropeo, nenhuma hesitao.

    Com o devido respeito, Nove, no h, em minha opinio, um caso suficiente para que aequipe de terra entre. Ou qualquer outra equipe, alis.

    Seria este o silncio mais longo de sua vida? Jeb est agachado no cho, de costas paraele, ocupando-se de uma mochila de equipamentos. Atrs de Jeb, seus homens j esto de p.Um deles Paul no sabe bem qual tem a cabea baixa e parece estar rezando. Shortytirou as luvas e est lambendo um dedo de cada vez. como se tivessem recebido a mensagem

  • do ministro por outros meios, mais ocultos. Paul? Senhor. Tenha a bondade de notar que eu no sou o comandante em campo nesta situao.

    Decises militares so provncia exclusiva do soldado de mais alta patente em campo, comovoc sabe. No entanto, eu posso sugerir. Voc, portanto, informar a Jeb que, com base nainteligncia operacional diante de mim, eu sugiro, mas no ordeno, que ele far muito bem emcolocar a Operao Vida Selvagem em execuo imediata. A deciso de faz-lo ,naturalmente, s dele.

    Mas, tendo pescado o sentido da mensagem e preferindo no esperar pelo resto, Jeb jdesapareceu na escurido com seus companheiros.

    *Tirando e colocando os culos de viso noturna, Paul fixou os olhos na escurido, mas no

    viu mais sinal de Jeb e seus homens.Na primeira tela, o bote inflvel estava chegando praia. As ondas lambiam a cmera,

    rochas negras se aproximando.A segunda tela estava morta.Ele foi para a terceira. A cmera fechou sobre a casa sete.A porta da frente estava fechada, as janelas ainda sem cortinas e sem luz. Ele no via

    nenhuma lanterna fantasma sustentada por uma mo coberta. Oito homens mascarados e depreto estavam saltando do bote inflvel, um puxando o outro. Agora, dois dos homens estavamajoelhados, direcionando suas armas a um ponto acima da cmera. Trs outros homenspassaram pela lente da cmera e desapareceram.

    Uma cmera se virou para a estrada costeira e o terrao, passando pelas portas. A porta dacasa sete estava aberta. Uma sombra armada montava guarda junto a ela. Uma segunda sombraarmada deslizou para dentro; uma terceira sombra, mais alta, deslizou em seguida: Shorty.

    Quase no mesmo momento, a cmera pegou o pequeno Jeb com seu caminhar de mineradorgals, desaparecendo pela escadaria de pedra iluminada que dava na praia. Acima do soprodo vento se ouviu um som de cliques, como domins caindo: dois pares de cliques, e depoismais nada. Ele pensou ter ouvido um grito, mas estava concentrado demais para ter certeza.Foi o vento. Foi o rouxinol. No, foi a coruja.

    As luzes nos degraus se apagaram e, depois delas, as lmpadas laranja de sdio nos postesao longo da pista de servio. Como se pela mesma mo, os dois monitores restantes seapagaram.

  • No comeo, ele se recusou a aceitar aquela simples verdade. Ps os culos de visonoturna, tirou-os, depois voltou a coloc-los e mexeu nos teclados dos computadores, tentandoobrigar as telas a voltar vida. Elas no aceitaram.

    Um motor perdido rosnou, mas poderia tanto ser uma raposa como um carro ou o motor depopa de um bote. Em seu celular criptografado, ele digitou 1 para contatar Quinn e recebeuum longo apito eletrnico. Saiu do esconderijo e, finalmente esticando-se sua verdadeiraaltura, abriu os ombros ao ar da noite.

    Um carro saiu em alta velocidade do tnel, apagou os faris e cantou pneu at parar beira da estrada costeira. Por dez minutos, doze, nada. Depois, da escurido, surgiu a vozaustraliana de Kirsty chamando seu nome. E depois dela, a prpria Kirsty.

    O que diabos aconteceu? perguntou ele.Ela o empurrou de volta ao esconderijo. Misso cumprida. Todos em xtase. Medalhas para todo mundo disse ela. E quanto a Punter? Eu disse que esto todos em xtase, no disse? Ento eles o pegaram? Levaram-no para o navio-me? Voc d o fora daqui agora e pare de fazer perguntas. Eu vou lev-lo at o carro, o

    carro vai lev-lo ao aeroporto, como planejamos. O avio est esperando. Tudo est no lugar,tudo maravilha. Vamos agora.

    Jeb est bem? Seus homens? Eles esto bem? Animados e felizes. E quanto a todas essas coisas? Ele se refere s caixas de metal e aos computadores. Essas coisas vo desaparecer em trs segundos no mximo, assim que ns

    conseguirmos fazer voc desaparecer daqui. Agora ande.Eles j estavam tropeando e escorregando para o vale, sob o aoite do vento da costa e o

    murmrio dos motores ao mar, mais altos at que o prprio vento.Um enorme pssaro talvez uma guia saiu s pressas do matagal sob os ps dele,

    gritando sua fria.Em dado momento, ele caiu de cabea sobre uma rede de conteno partida e foi salvo

    apenas por um arbusto.Depois, da mesma forma repentina, eles se viram parados na estrada costeira vazia, sem

    flego, mas milagrosamente ilesos.O vento baixou, a chuva cessou. Um segundo carro parou junto deles. Saltaram dois

    homens de botas e roupas esportivas. Com um aceno de cabea para Kirsty e nada para ele, os

  • homens partiram num trote em direo ao morro. Vou precisar dos culos disse ela.Ele lhe passou os culos. Tem algum documento com voc? Mapas, qualquer coisa que pegou l de cima?No tinha. Foi um triunfo. Certo? Nenhuma vtima. Fizemos um timo trabalho. Todos ns. Voc

    tambm. Certo?Ele disse Certo em resposta? J no importava. Sem outro olhar em sua direo, ela j

    se afastava no rastro dos dois homens.Notas:

    * MP: Membro do Parlamento. (N. da T.)** Acrnimo para Man-portable air-defence system. (N. da T.)

  • 2Em um domingo ensolarado no comeo daquela mesma primavera, um funcionrio

    britnico das Relaes Exteriores, 31 anos e com potencial para grandes feitos, estava sentadosozinho mesa externa de um humilde caf italiano no Soho londrino, preparando-se pararealizar um ato de espionagem to escandaloso que, se detectado, custaria sua carreira e sualiberdade: a saber, o confisco de uma gravao em fita, ilicitamente feita por ele mesmo, doGabinete Privado de um ministro da Coroa, a quem era seu dever servir e aconselhar com omximo de suas considerveis habilidades.

    Seu nome era Toby Bell e ele estava completamente sozinho em suas contemplaescriminosas. Nenhum gnio do mal o controlava, nenhum pagador, provocador ou manipuladorsinistro com uma mala de notas de 100 dlares estava espera na outra esquina; nenhumativista com mscara de esqui. Nesse sentido, ele era a criatura mais temida do mundocontemporneo: um decisor solitrio. De uma iminente operao clandestina na colnia daCoroa britnica de Gibraltar, ele no sabia nada: ao contrrio, esta inebriante ignorncia foi oque o levou a seu presente momento.

    Ele tampouco era talhado para ser um fora da lei em aparncia ou por natureza. Naqueleexato momento, premeditando seu projeto criminoso, ele continuava a ser o cara que seuscolegas e patres viam: decente, esforado, um tanto desgrenhado, compulsivamenteambicioso e emanando inteligncia. Tinha porte robusto, no particularmente bonito, com umemaranhado de cabelos castanhos e rebeldes que ficavam eltricos assim que escovados. Erainegvel que havia certa gravidade nele. Educado em ensino pblico, sendo o talentoso filhonico de artesos religiosos da costa sul da Inglaterra que no conheciam nada de polticaalm do Partido Trabalhista, sendo o pai um luminar da taberna local, e a me, uma mulherrechonchuda e feliz que falava constantemente de Jesus , Toby lutara para entrar noMinistrio das Relaes Exteriores, primeiro como secretrio e depois, por meio de aulasnoturnas, cursos de lnguas, exames internos e dois dias seguidos de testes de liderana, emsua atual e cobiada posio. Quanto ao Toby, nome que, pelo som, poderia coloc-lo maisalto na escala social inglesa do que sua provenincia merecia, era derivado de nada maiselevado que a devoo de seu pai por so Tobias, cujas maravilhosas virtudes filiais estoregistradas nas antigas escrituras.

    O que impulsionara e ainda impulsionava a ambio de Toby era algo que ele malquestionava. Seus colegas de escola desejavam apenas ganhar dinheiro. Que ganhassem.Embora a modstia o impedisse de dizer com todas as letras, Toby queria fazer a diferena

  • ou, como havia colocado a seus examinadores com certo constrangimento, participar nadescoberta da verdadeira identidade de seu pas num mundo ps-imperial e ps-Guerra Fria.Dada sua mentalidade, ele h muito j teria varrido o sistema de ensino privado da Gr-Bretanha, abolido todos os vestgios de privilgios e colocado a monarquia para passear. Noentanto, mesmo abrigando estes pensamentos sediciosos, o lutador dentro dele sabia que seuprimeiro alvo era subir no sistema que sonhava em libertar.

    E quanto fala embora neste exato momento ele no falasse com ningum alm de simesmo? Como linguista nato, com o amor de seu pai por cadncias e uma quase sufocanteconscincia das marcas registradas da lngua inglesa, era inevitvel que ele abandonassediscretamente os ltimos vestgios de seu sotaque de Dorset em favor do ingls mdio adotadopor todos aqueles decididos a no ter suas origens sociais definidas por esses resqucios.

    Com a alterao na voz veio uma mudana igualmente sutil em sua escolha de roupa.Consciente de que atravessaria a qualquer momento as portas do Ministrio das RelaesExteriores dando todas as mostras de estar vontade no meio governamental, ele vestia calascqui e uma camisa com um boto aberto e um palet preto amorfo, para dar aquele toquede formalidade no oficial.

    O que tambm no estava aparente para qualquer olhar exterior era que, apenas duas horasantes, a namorada com quem vivia havia trs meses deixara seu apartamento em Islingtonjurando nunca mais v-lo novamente. De alguma maneira, entretanto, este trgicoacontecimento no conseguiu derrub-lo. Se havia uma ligao entre a sada de Isabel e ocrime que ele estava prestes a cometer, talvez se encontrasse em seu hbito de passar infinitashoras insone, meditando sobre suas preocupaes impublicveis. certo que, em intervalosao longo da noite, eles discutiram vagamente a possibilidade de uma separao; mas, em todocaso, era algo que ultimamente faziam com frequncia. Ele presumiu que, quando a manhchegasse, ela mudaria de ideia como sempre, mas desta vez cumpriu com a palavra. Nohouve gritos nem lgrimas. Ele telefonou para um txi, ela fez as malas. O txi chegou, ele aajudou a descer com as malas. Ela estava preocupada com seu terno de seda na lavanderia.Ele pegou o recibo com ela e prometeu envi-lo. Ela estava plida; no olhou para trs, aindaque no resistisse a uma palavra final:

    Sejamos francos, Toby, voc tem sangue de barata, no? com o que ela partiu,supostamente para a casa da irm em Suf