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Instituto Brasiliense de Direito Público Mestrado Acadêmico em Constituição e Sociedade Fichamento da obra Democracia e Desconfiança – uma teoria do controle judicial de constitucionalidade, de John Hart Ely

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Page 1: John Hart Ely - Democracia e Desconfiança

Instituto Brasiliense de Direito Público

Mestrado Acadêmico em Constituição e Sociedade

Fichamento da obra Democracia e Desconfiança – uma teoria do controle judicial de constitucionalidade, de John Hart Ely

Brasília, 22 de maio de 2013

Page 2: John Hart Ely - Democracia e Desconfiança

S U M Á R I O

Capítulo I – A sedução do interpretacionismo

Capítulo II – A impossibilidade de um interpretacionismo preso às cláusulas constitucionais

Capítulo III – Descobrindo os valores fundamentais

Capítulo IV – Controlando o processo de representação: a Corte como árbitro

Capítulo V – Desbloqueando os canais da mudança política

Capítulo VI – Facilitando a representação das minorias

Conclusão

F I C H A T É C N I C A

Disciplina: Jurisdição e Interpretação

Professor: Ney Bello

Aluno: Marcos Abreu Torres

Fichamento da obra: Democracia e Desconfiança – uma teoria do controle judicial de constitucionalidade / John Hart Ely; tradução Juliana Lemos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, 345 p.

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Capítulo I – A sedução do interpretacionismo

Interpretacionismo: os juízes que decidem as questões constitucionais devem limitar-se a fazer cumprir as normas explícitas ou claramente implícitas na Constituição escrita.

Não interpretacionismo: os Tribunais devem ir além desse conjunto de referências e fazer cumprir normas que não se encontram claramente indicadas na linguagem do documento.

O que os distingue é a insistência em que os atos dos poderes políticos só sejam declarados nulos a partir de uma inferência cuja premissa inicial seja claramente perceptível na Constituição.

Havia indícios (na década de 1970 nos EUA) de que o interpretacionismo estava passando por um momento de apelo popular, levando quem antes apenas era observador das decisões judiciais a se incomodar com o interpretacionismo, mas Hart descarta isso, dizendo que a Corte sempre teve a tendência interpretacionista.

Para os interpretacionistas, é preciso que as decisões principais sejam adotadas por representantes eleitos. Como os juízes não são eleitos, o controle judicial do não interpretacionismo choca-se com a legitimidade democrática. Isso faz até sentido em uma nação como os EUA, onde a democracia representativa é a principal característica da forma de governo e um ideal da sociedade americana.

Uma maioria totalmente livre para agir é coisa perigosíssima, mas daí para se justificar que uma Constituição não escrita, por parte de autoridades não eleitas, seja a resposta adequada em uma República democrática, é um salto muito grande.

Para livrar uma minoria da tirania majoritária, a Constituição deve assegurar direitos fundamentais, que são legitimados pelo próprio povo, através dos seus representantes diretos. Assim, quem controla o povo não são os juízes, mas a Constituição – o que significa que, na verdade, o povo controla a si mesmo. Essa conclusão é compartilhada tanto pelos interpretacionistas como pelos não interpretacionistas.

Capítulo II – A impossibilidade de um interpretacionismopreso às cláusulas constitucionais

Hart mostra a preocupação com Constituições antigas, escritas por pessoas que já faleceram há séculos. Assim, exigir quóruns qualificados para emendar a Constituição é não respeitar a vontade do povo.

Aplicar a Constituição significa partir de premissas que estão explícitas ou claramente implícitas no seu texto. A Constituição contém várias disposições que nos convidam a ir além de seu sentido literal, ie nos convidam a nos tornarmos, até certo ponto, não interpretacionistas.

Nem sempre será possível saber exatamente o que pretendiam os legisladores quando elaboraram um texto normativo (exemplo: qual a extensão de nato na Constituição americana?). Um dos únicos indícios confiáveis é a linguagem do dispositivo que aprovaram.

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O devido processo

No passado, era pacífico o entendimento de que essa cláusula se referia ao direito a um procedimento justo, razoável. Com a aquisição de um conteúdo substantivo implícito em seu anúncio, os juízes passam a procurar maneiras de limitar a abrangência de sua própria autoridade.

Para Hart, ainda que limitada apenas a garantir que o procedimento seja razoável, essa cláusula não perde sua importância, pois o Judiciário ainda poderá ser severo na observância dos aspectos formais do processo.

Privilégios ou imunidades

Os cidadãos de outros estados deverão ter o tratamento igual que cada Estado garante aos seus cidadãos nativos. A partir dessa cláusula, se entendeu que um cidadão nativo também merecia tratamento igual ao que o Estado de origem garantia aos seus demais cidadãos, o que ajudou a eliminar o preconceito que os negros sofriam.

A igual proteção

A cláusula da igualdade, para ter sua eficácia máxima garantida, demanda critérios além da mera racionalidade. Obviamente, nem todo tratamento desigual por parte dos Estados pode ser proibido – é o tratar os iguais de forma igual e os diferentes de forma diferente.

Seu conteúdo – exatamente quais desigualdades são toleráveis, e sob quais circunstâncias – não será encontrado em nenhum trecho de seus termos nem nas ponderações dos que a escreveram.

Assim como na cláusula dos privilégios e imunidades, aqui também Hart diz que se trata de uma autorização bastante ampla para que se julgue a validade das decisões governamentais.

A igual proteção e o governo federal

Essa cláusula não se aplica ao governo federal, mas em um julgamento a Corte foi entendido que a cláusula do devido processo incorpora a cláusula da igual proteção, pois seria impensável que a Constituição impusesse ao governo federal um dever menor do que o que foi atribuído aos Estados.

Hart não se convence da conclusão desse julgamento, pois, como já citado, a cláusula do devido processo se refere mais aos aspectos procedimentais, não de substância.

Nona emenda (“a enumeração de certos direitos na Constituição não será interpretada de modo que se neguem ou se diminuam outros retidos pelo povo”)

Interpretada literalmente, confere respaldo a qualquer argumento, o que virou motivo de piada no meio jurídico.

A Constituição americana não enumera os direitos, como faz a CF Brasil no art. 5º, e uma das razoes para isso era o receio de que uma lista, por maior que fosse, não preveria todos os direitos garantidos aos cidadãos pelo Estado, correndo o risco de deixar alguns importantes de fora.

Segundo Madison, o objetivo da nona emenda era obstar tanto a autorização de poderes não expressos quanto a depreciação dos direitos não enumerados. Assim, a emenda tinha intenção de

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deixar claro que, não obstante os direitos garantidos nas oito emendas anteriores, o Congresso poderia criar outros, assim como também poderiam os legisladores estaduais.

Capítulo III – Descobrindo os valores fundamentais

Tem predominado no meio acadêmico a seguinte opinião sobre a impossibilidade de se cumprir à risca o interpretacionismo: a Suprema Corte, para dar conteúdo às disposições abertas da Constituição, deve identificar e impor aos poderes políticos os valores que são realmente importantes ou fundamentais; “é impossível que os tribunais controlem a constitucionalidade da legislação sem fazer escolhas difíceis e reiteradas entre valores substantivos concorrentes, ou mesmo entre conceitos políticos, sociais e morais inevitavelmente controversos”.

Os valores próprios do juiz

Quando se “descobriu” que os juízes eram humanos e, portanto, em vários contextos, tinham a predisposição, consciente ou não, de inserir seus valores pessoais em seus argumentos jurídicos, a comunidade científica se dividiu.

Há tempo o judiciário deixou de ser uma instância apenas declaradora de direitos e dependente dos demais poderes, para se tornar uma instância autônoma, com vontade própria e capacidade de mudar os rumos da política, da economia, dos valores morais da sociedade etc.

O direito natural

As teorias jusnaturalistas caracterizam-se por uma singular falta de clareza, o que pode ser uma vantagem (você pode invocar o direito natural para defender o que quiser) ou uma desvantagem (todos sabem disso).

Nossa sociedade não aceita a noção de um conjunto de princípios morais objetivamente válidos e passíveis de serem descobertos; pelo menos não aceita um conjunto que sirva para derrubar as decisões de nossos representantes eleitos.

A razão

O fato de que o direito é uma ciência que coloca seus aplicadores em contato com as demais ciências não quer dizer que as compreendamos por completo. Hart crê que outros cientistas (filósofos, teólogos, historiadores etc) têm mais capacidade de discernir sobre a boa e a má filosofia moral, mas, dentre as instituições do Estado, os tribunais são as mais bem equipadas para emitir juízos morais.

Apesar de nos parlamentos também existir juristas, os juristas dos tribunais, por estarem em situação de imparcialidade no julgamento, estão em um ambiente mais seguro para fazer juízos morais.

A tradição

A tradição é uma fonte óbvia para suprir direitos fundamentais, mas o problema está na sua delimitação: tradição de qual país, qual povo, qual época, da maioria, de Jesus Cristo?

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O apelo à tradição não parece compatível nem com a teoria básica do controle popular nem com o espírito das disposições relativas ao controle sobre as maiorias - invocar tradições passadas para limitar decisões presentes.

Consenso

Harry Wellington: “A tarefa da Corte é determinar o peso dos princípios na moral convencional e converter os princípios morais em princípios jurídicos, ligando-os ao corpo do direito constitucional”.

Um apelo ao consenso, ou a um consenso temperado com os valores do juiz, pode fazer algum sentido no contexto do common law, em que a Corte preenche as lacunas do Legislativo. Nesses casos, as cortes devem tentar combinar uma boa estimativa de opinião popular com um julgamento segundo a consciência.

Há duas razoes para se buscar no consenso o conteúdo das disposições abertas da Constituição: (i) proteger os direitos da maioria, para que a legislação realmente reflita os valores populares – nesse caso, o Legislativo teria melhores condições de realizar essa tarefa d que o Judiciário; ou (ii) proteger os direitos dos indivíduos e das minorias contra as acoes da maioria – [aí o Judiciário teria melhores condições? Hart não responde a isso].

Prevendo o progresso

Controlar a geração de hoje pelos valores dos seus netos é tao inaceitável quanto controlá-la pelos valores dos seus avós.

Ao prever o futuro, os juízes moldam o presente, o que se trata unicamente da imposição dos valores próprios dos juízes. Foi exatamente isso que os teóricos dos valores fundamentais prometeram que não fariam.

Capítulo IV – Controlando o processo de representação: a Corte como árbitro

Diante do que foi dito até agora, Hart mostra-se perplexo: uma abordagem interpretacionista se mostrou incapaz de manter-se fiel ao espírito evidente de certas disposições Entretanto, quando buscamos fontes externas de valores para preencher a textura aberta da Constituição, nada encontramos.

Por isso Hart abandona a tentativa de preencher a textura aberta da Constituição através de valores, e diz não ser preciso procurar além da Corte presidida pelo juiz Warren (época em que a Corte ficou conhecida pelo ativismo ou intervencionismo judicial).

A nota de rodapé a Carolene Products

O modo de agir da Corte de Warren ficou famoso por uma nota de rodapé transcrita no julgamento USA vs. Carolene Products, na qual diz ser função da Corte manter a máquina do governo democrático funcionando como deveria, garantir que os canais da participação e da comunicação políticas permaneçam abertos, e também que a Corte deve se preocupar com o que a maioria faz faz com as minorias (leis afirmativas).

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O governo representativo

Antes de um sistema de representação, o sistema de governo que existia colocava em conflito explícito os interesses dos governantes e dos governados, como as monarquias, vg. A ideia de um governo formado por cidadãos “comuns”, eleitos pelo povo, era assegurar que no exercício do poder os governantes saberiam fazer as melhores escolhas pro povo, e também que os governantes não iriam aprovar leis que os prejudicariam no futuro, quando deixassem os cargos e voltasse a ser “pessoas do povo”.

O empoderamento do governo central teve como fim impedir que facções locais assumissem o controle. E também no plano federal, a divisão dos três poderes, de modo a evitar que uma facção assumisse um desses poderes e controlasse todos (p. 106/107). Mas isso tudo não foi suficiente para garantir uma proteção efetiva às minorias.

A “representação virtual” foi um modo de se aceitar que as minorias se sentissem representadas pelos representantes eleitos pela maioria, afinal as cláusulas da igualdade e da imunidade/privilégios os protegeria – se uma decisão tomada pela maioria fosse prejudicial à minoria, seria também à própria maioria.

Hart apesenta 3 argumentos e favor de uma abordagem do controle judicial de constitucionalidade que seja orientada pela noção e favoreça a representatividade: (i) a Constituição tem sido vista como um documento garantidora de direitos, mas mais no aspecto processual do que material (garantir que houve processo). As vezes em que o Legislativo tentou encampar direitos materiais na Constituição, houve fracasso, chegando até mesmo à negação desses direitos, na prática. Por isso, concluir-se que a preservação dos valores fundamentais não é uma tarefa própria da Constituição e do direito constitucional; (ii) uma abordagem do controle judicial de constitucionalidade que promova a representação – em contraposição a uma abordagem que busque proteger valores – é compatível com os pressupostos implícitos do sistema americano de democracia representativa, pelo contrário, apoia-os plenamente; e (iii) tal abordagem envolve tarefas para as quais podemos sensatamente que os tribunais, sendo especialistas em questões de processo e estando à margem do jogo político, estão mais bem qualificados e situados para executar do que as autoridades políticas.

A natureza da Constituição norte-americana

Para Hart, a Constituição deve expressar a ideia de que a melhor garantia de justiça e felicidade (valores) não está na tentativa de defini-las para todo o sempre, mas sim na postulação de processos governamentais pelos quais suas dimensões possam ser especificadas no decorrer do tempo.

E era isso que a versão originária americana fazia, mas que veio sendo parcialmente desfigurada ao longo das emendas seguintes. Mas a maioria dos valores que foram enxertados na Constituição não sobreviveu; alguns foram revogados por emendas (escravidão, após uma guerra sangrenta; Lei Seca etc), outros pelo Judiciário.

Nunca foi intenção do poder constituinte originário americano fazer uma Declaração de Direitos; até os valores protegidos no documento inicial (liberdade, livre expressão etc), eram dirigidos, na verdade, a garantir transparência nos processos e decisões políticos.

A liberdade, valor supremo do povo americano, sempre foi perseguida pela Constituição, mas não a prevendo como um valor substancial, e sim garantindo que os interesses de todos serão

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representados, efetiva ou virtualmente, e que os processos de aplicação das leis as casos individuais não serão manipulados se modo a permitir discriminações

Juiz Linde: “a Constituição não deve prescrever resultados legítimos, mas sim processos legítimos – assim ela poderá servir a várias gerações”.

Democracia e desconfiança

Não é justo dizer que o governo está funcionando mal só porque discordamos de suas decisões Numa democracia representativa, as determinações de valor devem ser feitas pelos representantes eleitos. O mau funcionamento ocorre quando (i) os incluídos bloqueiam os canais de mudança política para continuar incluídos e deixar os excluídos onde estão; e (ii) os representantes ligados à maioria põem em desvantagem alguma minoria.

Para Hart, os representantes eleitos são as últimas pessoas a quem devemos confiar a identificação de qualquer uma dessas situações acima. Os juízes, no entanto, estão à margem do sistema governamental e não precisam se preocupar com a permanência no cargo (vitalício). Isso não lhes dá um canal de acesso aos valores genuínos do povo, mas lhes dá condições de avaliar objetivamente se os representantes estão efetivamente representando os interesses daqueles que deveriam estar.

Capítulo V – Desbloqueando os canais da mudança política

O controle judicial às restrições impostas pelo Congresso às liberdades deve envolver, no mínimo, a eliminação de tudo que for desnecessário para a promoção de um interesse do Estado. Esse tipo de controle recebe diversos nomes:

amplitude excessiva: a proibição sob exame impõe uma restrição significativa a um direito inconteste, e o faz não sem razão, mas por um motivo relativamente insignificante;

perigo certo e iminente: quando a gravidade do mal, atenuada na razão direta de sua improbabilidade, justifica tamanha invasão da liberdade de expressão, ie, se ela for necessária para evitar o perigo.

Black dizia que as palavras jamais podem ser proibidas de se dizer (speech), mas quando as palavras veem acompanhadas por gestos ou ameaças (como uma multidão que enfurecida quer linchar alguém) aí não são objeto de proteção constitucional.

Hart conclui, sobre as restrições à liberdade de expressão, que toda tentativa de ponderar a ameaça representada pela comunicação de um ponto de vista diferente há de misturar-se inevitavelmente com as predisposições ideológicas daqueles que fazem a avaliação e também com a autoconfiança ou a paranoia que caracteriza determinada época.

As restrições à liberdade de expressão podem até estar protegendo alguma coisa, mas certamente não estarão protegendo o modo de vida americano.

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Rumo a um processo legislativo transparente

A escolha popular pouco significará se não soubermos o que nossos representantes estão fazendo. Assim, Hart assevera que os objetivos das normas devem estar nelas expressos ou que sejam registrados de alguma forma que possam ser apresentados aos tribunais, quando necessário.

A exigência de que o objetivo seja especificado num preâmbulo ou em outro trecho da própria lei pode, à primeira vista, parecer mais adequada para impedir que os legisladores escapem de responder por seus atos. Na verdade, essa exigência poderia impor mais tempo nas discussões para aprovação das leis (quais objetivos e como devem constar), bem como inviabilizar algumas leis por falta de consenso dos seus objetivos. (Aqui no Brasil os parlamentares são obrigados a justificar os projetos – nos regulamentos também temos nos consideranda a sua justificativa)

Hart não acredita que a colocação de objetivos nas leis seja importante ou eficaz, e concluir que a melhor maneira de ser transparente é, de fato, legislando.

Para que o próprio Legislativo se encarregue de legislar

O EUA tem enfrentado uma onda de delegação legislativa ao Executivo, muitas vezes baseada numa “má vontade” dos legisladores de enfrentar assuntos mais complicados, seja por questão de comodidade, seja por segurança (para não se comprometerem com decisões polêmicas), delegando o risco para o Executivo, que suprirá a omissão através de burocratas não eleitos).

Contra o argumento de que a complexidade e instabilidade do mundo moderno inviabilizam leis detalhadas, Hart diz que os parlamentares dispõem de assessores técnicos, podem contratar um especialista ou têm garantida a assistência técnica dos especialistas do Poder Executivo, além do que, ser contra a ampla delegação legislativa não quer dizer que o Legislativo deve aprovar leis complexas e que esgotem os assuntos – apenas se exige que as leis orientem decisões políticas.

Uma das razões por que nossas assembleias são construídas sobre uma base ampla é que esperamos que se forme um certo consenso para que ó então o Estado possa agir - “a ideia de que são os especialistas que devem decidir quando os representantes do povo estão indecisos ou não chegam a um consenso é um argumento a favor do paternalismo e contra a democracia” (Wright).

Capítulo VI – Facilitando a representação das minorias

Sabemos que a Constituição não garante absolutamente a todos o direito a um tratamento igualitário sob todas as leis, mas a tarefa da Corte é observar o mundo tal como ele é e verificar se o tratamento desigual conferido pela lei tem razão de ser, ou se o que existe é um bloqueio a representação efetiva das minorias.

Motivação legislativa e administrativa

Por mais difícil que seja na prática, a Corte deve analisar as causas que motivaram o legislador a fazer determinadas escolhas, e poderá anular a lei que for aprovada com base em motivos inconstitucionais, ainda que a lei em si não seja. Mas nada impede que o legislador aprove novamente a mesma lei, invocando causas diferentes desta vez.

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Um exemplo que Hart dá de motivo inconstitucional de uma lei foi ocorreu no Alabama: uma lei estadual redesenhou os limites de um Município, excluindo a área onde vivia a comunidade negra.

Às vezes não é o conteúdo de uma decisão que a torna inconstitucional, mas os motivos que levaram a autoridade a tomá-la.

Seria uma tragédia se a Corte expandisse sua consciência cada vez maior da pertinência da motivação e passasse a adotar a noção completamente equivocada de que a negação de um direito constitucional não será importante se não for intencional.

Classificação suspeita

A constitucionalidade de uma classificação que privilegie determinado segmento não poderá ser defendida se o seu objetivo ou o seu motivo for contrário a algum preceito constitucional.

Teoria do encaixe perfeito: a classificação aparentemente discriminatória poderá deixar de sê-la se encaixar-se perfeitamente na meta visada pela autoridade competente; além disso, a meta a ser alcançada deve possuir algum grau de plausibilidade – exemplo, a separação entre prisioneiros negros e brancos em uma cadeia.

Deixar um grupo em desvantagem essencialmente porque não gostamos dele é certamente a mesma coisa que negar a seus membros a igual consideração e respeito, especificamente por atribuir um valor negativo ao seu bem-estar. No entanto, deixar em desvantagem mil pessoas que um critério mais individualizado excluiria, com base na impressão de que apenas 500 se encaixam na descrição, é negar às demais cuja existência desconhecemos sei próprio direito à igual consideração e respeito.

O problema é saber como a Corte deve proceder para identificar tais situações. Para Hart, ela deve observar não somente o produto legislativo, mas também o processo que o gerou, visando identificar fatores que sugiram a possibilidade de que o Legislativo tenha errado em sua suposição

A proteção especial às mulheres no passado justifica-se porque não havia representação feminina; hoje, como a mulher pode votar e se candidatar, podendo portanto representar e ser representada por outras mulheres, uma proteção especial não se justifica mais, ainda que proporcionalmente a representação masculina seja muito maior que a feminina.

“Os direitos processuais” à moda das minorias

A doutrina da não delegação legislativa ao judiciário (retira o poder discricionário dos juízes) serve não apenas para assegurar que as decisões sejam tomadas de modo democrático, mas também para reduzir a probabilidade de que, na prática, um conjunto diferente de regras seja aplicado àqueles que têm menos poder.

Em grande parte, as unidades políticas do EUA foram fundadas por pessoas que escaparam de ambientes que consideravam opressivos, daí porque a liberdade de locomoção sempre foi considerada um direito fundamental na história americana.

Essa história deveria influenciar os demais direitos das minorias que se sentem oprimidas, bem como deve nortear julgamentos que ponham em questão eventuais restrições a grupos minoritários.

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Conclusão

Hart indaga se seria razoável que a Corte se limitasse a analisar apenas o processo legislativo, sem adentrar no mérito/substância da decisão, e diz que se assim ocorresse, a Corte poderia, em tese, admitir que o Holocausto não teria violado as normas constitucionais.

Hart responde que o sistema jurídico deve ser preparado para enfrentar questões como essa, e que um acontecimento como o Holocausto só é concebível numa democracia porque envolve tipicamente a vitimização de uma minoria separada e isolada.

Se deixássemos que o direito constitucional fosse definido por leis hipotéticas que jamais serão aprovadas, ele se deformaria inevitavelmente; o direito constitucional existe para aquelas em que o governo representativo se torna suspeito, não para aquelas em que sabemos que ele é digno de confiança.