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Jogos Eletrônicos e a Propagação de Arte e Cultura no Brasil Bruno Pereira Lisboa Charles Jônatas Oliveira de Souza Universidade Federal de Juiz de Fora Índice Introdução 1 1 Okami, uma releitura do folclore o- riental 2 2 ICO, uma nova dimensão para o Sur- realismo 3 3 Shadow of the Colossus e a reafir- mação de um estilo 4 4 Assassin’s Creed II e a ambientação virtual do renascimento 6 5 Castlevania Symphony of the Night, uma antiga lenda marcada por grandes estilos 8 Conclusão 9 Bibliografia 10 Introdução R ECENTEMENTE no Brasil, jogos eletrônicos foram inseridos na regula- mentação dos segmentos culturais previstos no § 3 o do art. 18 e no art. 25 da Lei n o 8.313 1 , de 23 de dezembro de 1991. Sendo 1 Também conhecida como lei Augusto Rouanet, que permite à pessoas jurídicas e pessoas físicas apli- carem até 4% e 6% respectivamente, do que deveria ser pago no imposto de renda, a projetos culturais. assim, investimentos feitos na produção de jogos poderão ser deduzidos do imposto de renda, o que contribui para a evolução da área no país. O Brasil mostra-se pouco presente tanto na produção de jogos quanto como ícone cultural explorado nos títulos. Raramente o país é retratado como ambiente de jogo, e as poucas representações são em sua maioria parciais, como por exemplo, estádios de futebol ou favelas comumente representadas em FPS 2 ’s. Em contra- partida existe um número considerável de personagens brasileiros presentes em jogos e apenas uma pequena parcela deles é ficcional. Segundo o banco de dados do site Giant Bomb 3 , cerca de 95% destes personagens estão diretamente ligados a prática de alguma atividade esportiva, como o futebol e alguns estilos de luta, mais es- pecificamente a capoeira. O folclore e outros elementos históricos do Brasil ainda não são devidamente abordados nos jogos, o país 2 A sigla “FPS” se origina do termo em inglês “First Person Shooter”, podendo ser traduzido como “jogo de tiro em primeira pessoa”. 3 Giant Bomb é um site que hospeda um banco de dados relacionado à jogos eletrônicos, sendo consi- derado um dos maiores de sua categoria.

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Jogos Eletrônicos e a Propagaçãode Arte e Cultura no Brasil

Bruno Pereira LisboaCharles Jônatas Oliveira de Souza

Universidade Federal de Juiz de Fora

ÍndiceIntrodução 11 Okami, uma releitura do folclore o-

riental 22 ICO, uma nova dimensão para o Sur-

realismo 33 Shadow of the Colossus e a reafir-

mação de um estilo 44 Assassin’s Creed II e a ambientação

virtual do renascimento 65 Castlevania Symphony of the Night,

uma antiga lenda marcada por grandesestilos 8

Conclusão 9Bibliografia 10

Introdução

RECENTEMENTE no Brasil, jogoseletrônicos foram inseridos na regula-

mentação dos segmentos culturais previstosno § 3o do art. 18 e no art. 25 da Lei no

8.3131, de 23 de dezembro de 1991. Sendo1Também conhecida como lei Augusto Rouanet,

que permite à pessoas jurídicas e pessoas físicas apli-carem até 4% e 6% respectivamente, do que deveriaser pago no imposto de renda, a projetos culturais.

assim, investimentos feitos na produção dejogos poderão ser deduzidos do impostode renda, o que contribui para a evoluçãoda área no país. O Brasil mostra-se poucopresente tanto na produção de jogos quantocomo ícone cultural explorado nos títulos.Raramente o país é retratado como ambientede jogo, e as poucas representações são emsua maioria parciais, como por exemplo,estádios de futebol ou favelas comumenterepresentadas em FPS2 ’s. Em contra-partida existe um número considerávelde personagens brasileiros presentes emjogos e apenas uma pequena parcela delesé ficcional. Segundo o banco de dadosdo site Giant Bomb3, cerca de 95% destespersonagens estão diretamente ligados aprática de alguma atividade esportiva, comoo futebol e alguns estilos de luta, mais es-pecificamente a capoeira. O folclore e outroselementos históricos do Brasil ainda não sãodevidamente abordados nos jogos, o país

2A sigla “FPS” se origina do termo em inglês“First Person Shooter”, podendo ser traduzido como“jogo de tiro em primeira pessoa”.

3Giant Bomb é um site que hospeda um banco dedados relacionado à jogos eletrônicos, sendo consi-derado um dos maiores de sua categoria.

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é estereotipado nos poucos jogos em queaparece, quase sempre sendo representadocomo um lugar paradisíaco, ou como umafavela que se mistura à uma floresta.

Desde a década do ano de 1990, é possívelreproduzir ainda que de forma simplista, e-lementos gráficos com um determinado nívelde verossimilhança. As personagens e oscenários em alguns casos ganharam maiordetalhamento, proporcionando uma maiorimersão para o público. Colunas, pin-turas, vitrais, tapeçarias, relevos e esculturastornaram-se mais reais e constantes nas pro-duções da época citada. Os jogos eletrôni-cos mostraram-se um novo meio de propa-gação de arte e cultura, proporcionando aosjogadores um contato sensorial com diversosestilos de movimentos artísticos, vertentesarquitetônicas e características típicas de de-terminadas culturas de diferentes épocas.Segundo Ivan Bystrina, “Os jogos têm fi-nalidade de nos ajudar na adaptação à reali-dade, além de facilitar sobremaneira o apren-dizado, o comportamento cognitivo4” (Byst-rina Ivan, 1995: 15). Os jogos nem sem-pre se comportam apenas como uma fonte deentretenimento, podendo adquirir um caráterdidático, histórico, político, cultural e social.

A seguir serão evidenciados os recursosutilizados pelos desenvolvedores na tenta-tiva de criar ou reafirmar aspectos artísti-cos e culturais nos jogos eletrônicos, ana-lisando enredo e recursos audiovisuais, ob-servando suas aplicações no desenvolvi-mento dos mesmos.

4Ivan BYSTRINA 1995: 15, Tópicos de semióticae cultura.

1 Okami, uma releitura dofolclore oriental

Okami foi lançado em Setembro de 2006para Playstation 2, desenvolvido pelo estú-dio Clover e distribuído pela Capcom. Nojogo a trama se desenvolve baseada em umatradicional lenda xintoísta do Japão, ondeo jogador controla a deusa do sol “Amate-rasu” na forma de um lobo (uma das for-mas atribuídas a ela pelos humanos). Ojogo utiliza personagens provenientes do fol-clore oriental, reproduzindo suas caracterís-ticas mais marcantes, sendo em vilões ou empersonagens secundários. Além dos deusesxintoístas, diversas outras lendas são abor-dadas durante o enredo, como a presençados doze animais do horóscopo japonês.Dentre inimigos, locais e artefatos, o títuloreúne cerca de trinta e sete referências àslendas e dogmas do budismo e do xintoísmo,desde os mais populares, como Jirai Gumo5

aos menos conhecidos, como o Okikurmi6.Okami também aborda o mito da criação doarquipélago do Japão, envolvendo os deusesIzanagi e Izanami e todo o processo que deuorigem as primeiras terras e aos primeiroshumanos que as habitaram.

O enredo rico em cultura, juntamente comos recursos utilizados para representá-lo, tor-nam Okami um jogo com uma experimen-tação estética homogênea. A jogabilidadee os elementos audiovisuais dialogam deforma harmônica, todos se baseiam em ca-racterísticas da cultura oriental, mais especi-ficamente asiática. A representação gráficado universo de Okami tem como base duas

5Demônio metade aranha e metade mulher.6Figura semidivina que ensinou aos primeiros hu-

manos os ofícios da pesca, caça e agricultura, além deensiná-los a como utilizar o fogo.

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técnicas de pintura, o Sumiê7 e a Aquarela,ambas reproduzidas através da renderizaçãoem Cel Shading8. O resultado final é asensação de uma pintura oriental em movi-mento. A trilha sonora do jogo foi produzidautilizando instrumentos da cultura japonesa,como o shamisen (instrumento de três cor-das) e diferentes tipos de taiko (tamboresjaponeses).

Dentre os diversos equipamentosdisponíveis para o jogador está incluídoum pincel denominado (na versão ocidentaldo jogo) “Celestial Brush”, ao ativá-loa tela de jogo se transforma em umaespécie de washi9, onde o jogador podelivremente desenhar, embora o principalobjetivo desta ferramenta seja representargrafismos específicos ensinados no decorrerdo jogo. Cada grafismo resulta em umaação diferente, e o jogador deve utilizá-losadequadamente para resolver os desafiosapresentados pelo jogo, como por exemplo,ao desenhar um círculo em uma área do céuo jogador pode transformar a noite em diafazendo o Sol nascer, o mesmo grafismofeito em árvores secas, pode fazê-las flo-rescerem. Esta experiência torna-se aindamais imersiva na versão lançada posterior-mente para o console Nintendo Wii, ondeo jogador deve simular os movimentos dopincel com o controle do videogame.

7Técnica criada por monges budistas durante a di-nastia Sung no período entre 960 e 1274. Sua essênciaé a representação em preto e branco da forma, sinte-tizando de maneira simples o seu conceito principal.Comumente utilizada em pinturas religiosas.

8Técnica aplicada a gráficos 3D que tem como ob-jetivo simular a aparência de desenhos.

9Papel produzido a partir do principal alimento noJapão, o arroz.

2 ICO, uma nova dimensão parao Surrealismo

ICO, desenvolvido pela Sony Computer En-tertainment (SCE) está entre os primeirosgrandes títulos da segunda geração de vídeogames, lançado no final de setembro do anode 2001 exclusivamente para o Playstation2. Diferente dos demais jogos desenvolvidosneste período, ICO não tinha como objetivocriar uma atmosfera realista, mas sim cons-truir um mundo surreal onde o próprio am-biente se comporta como uma personagemna trama, originando um clima denso devidoao diálogo estabelecido entre os cenários eos efeitos sonoros. A personagem principalé um menino que nasceu com uma anoma-lia que faz com que dois chifres cresçam naparte lateral de sua cabeça. Esta anomaliaera considerada uma maldição pelos habi-tantes de sua vila e tudo o que acontecia deruim era associado ao garoto. Quando Icocompletou doze anos de idade, os líderes desua vila decidiram abandoná-lo nas ruínasde uma antiga torre com o intuito de apagarsua existência e assim livrá-lo da maldição.Após ser deixado na torre, Ico em um estadode instabilidade mental vê uma figura femi-nina embebida em luz, após retomar seussentidos, ele percebe que a sua visão erareal e ela estava em sua frente, neste mo-mento o jogo introduz Yorda, uma princesaatormentada por figuras humanoides feitasde sombras, também aprisionada na torre.Após estes acontecimentos, o enredo do jogotorna-se incerto, passivo de várias interpre-tações. Yorda e Ico não falam o mesmo i-dioma, os diálogos entre eles se concretizamde forma primitiva, mas eficaz, tal adversi-dade aproxima as duas personagens. Conse-quentemente, uma intensa relação afetiva é

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estabelecida, Ico é capaz de afastar as som-bras que perseguem Yorda, e ela é capaz deativar mecanismos da torre para que ambospossam avançar em sua fuga da torre. O jogoalterna entre a solução de “puzzles10” inseri-dos no cenário e batalhas contra os seres queassombram Yorda.

Fumito Ueda, o idealizador do jogo, op-tou por retirar todos os elementos de inter-face, criando o que ele chamou de “subtrac-ting design11”, com o intuito de aprofundara imersão do jogo. Para Ueda o jogadordeveria apenas se ocupar de solucionar osproblemas e manter a princesa segura. Uedae seu produtor Kenji Kaido, reuniram umapequena equipe formada por dois progra-madores, quatro artistas e um designer parao desenvolvimento de ICO, evidenciando apreocupação de Fumito Ueda em manter ocaráter artístico do jogo. As versões japone-sas e europeias foram lançadas com umacapa desenhada pelo próprio Ueda, que ad-mitiu ter se baseado na obra de Giorgio deChirico12, “The Nostalgia of Eternite”. ParaFumito a pintura do artista surrealista tinhaas qualidades estéticas mais adequadas paraa construção do mundo de ICO. A trilhasonora do jogo segue a linha do “subtrac-ting design”, composta apenas por sons e e-lementos do próprio ambiente, como sons depássaros, tochas acesas e em alguns momen-tos apenas a respiração das personagens.

10Quebra-cabeças.11Design subtrativo.12Possivelmente as últimas três letras do so-

brenome do pintor italiano originaram o nome da per-sonagem principal e consequentemente o título dojogo.

3 Shadow of the Colossus e areafirmação de um estilo

Conhecido como a prequela de ICO, Shadowof the Colossus é considerado um marco daindústria dos jogos eletrônicos. Tambémdesenvolvido por Fumito Ueda e produzidopor Kenji Kaido, o jogo faz uso de elemen-tos característicos criados anteriormente emICO, desde as características estéticas en-contradas nas personagens (aparência e figu-rino) às características presentes na ambien-tação.

Lançado no ano de 2005 pela Sony Com-puter Entertainment Shadow of the Colos-sus foi produzido sob um criterioso métodode desenvolvimento, Ueda selecionou cercade dois artistas de um grupo de quinhen-tos, pois somente estes dois correspondiamaos padrões desejados por ele e ainda assimas artes conceituais tiveram de ser refeitaspor várias vezes até alcançarem a estéticaapropriada para o universo de Shadow of theColossus. Na parte técnica, Kaido exigiu dosprogramadores uma física realista, tanto daparte de Wander13 quanto da parte dos Colos-sus (gigantes que Wander deve enfrentar paraatingir seu objetivo), os movimentos deve-riam ser fluídos e naturais, de maneira queWander respondesse às reações dos Colos-sus do modo mais realista possível, tais quaisos gigantes deveriam agir da mesma forma.O objetivo dos produtores era criar uma at-mosfera que evidenciasse a solidão de Wan-der. Os cenários, constituídos por grandesmontanhas, vales, desertos, florestas, lagose ruinas assumem uma natureza que oprime

13Nome atribuído ao protagonista, pois deriva dapalavra em inglês "Wanderer"que significa viajante,mas oficialmente na versão ocidental o nome do pro-tagonista não é revelado.

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a personagem. O jogo conta com um idio-ma criado especificamente para ele, e na ver-são ocidental as legendas utilizadas foramescritas em inglês arcaico. A trilha sonora,considerada por boa parte do público, até osdias atuais uma das mais fantásticas dos jo-gos, foi considerada pela revista ElectronicGaming Monthly (EGM) a melhor trilhasonora do ano de 2005.

A narrativa do jogo possui elementos ca-racterísticos dos contos de fadas14, emborao enredo seja mais incerto que o de ICO.Mínimas informações são reveladas sobreo passado e origem das personagens, por-tanto pouco pode se afirmar com exatidãosobre a história. Sendo assim para escrevero breve esclarecimento da trama, que segueadiante, foi necessário coletar informações apartir de experiências pessoais de jogo. Oherói Wander foge de um grupo de homenslevando consigo o corpo de uma donzela euma antiga espada. O motivo da fuga é o sa-crifício da donzela em nome de uma supostamaldição existente em seu destino, e Wan-der deseja trazê-la de volta à vida. Baseadoem uma lenda o herói rouba a antiga espada,um artefato que servirá como um meio de

14Segundo Schneider & Torossian 2009: 132-148, “Os contos de fadas distinguem-se das demaishistórias infantis por características como o uso demagia e encantamentos, um núcleo problemático e-xistencial no qual o herói ou a heroína busca sua re-alização pessoal e, finalmente, a existência de ob-stáculos a serem enfrentados pelos heróis, (Caldin,2002; Oliveira, 2001, Radino, 2003 Turkel, 2002).Para Bettelheim (1980), é característica desses con-tos a presença de um dilema existencial de formasucinta e categórica, Cashdan (2000) afirma que oconto de fada tem quatro etapas; a travessia, a viagemao mundo mágico; o encontro com o personagem domal ou o obstáculo a ser vencido; a dificuldade a sersuperada; e a conquista (destruição do mal); a cele-bração da recompensa.”

guiá-lo até às terras perdidas onde acredita-se existir uma entidade chamada Dormin, ca-paz de controlar as almas dos mortos. PorémDormin deixa claro que o desejo de Wanderpoderia lhe custar muito caro e o jovem de-veria derrotar dezesseis criaturas chamadasde "Colossi". Segundo a entidade, as cria-turas não poderiam ser derrotadas por mor-tais, mas de posse da antiga espada, o jovemtinha uma possibilidade de concluir seu ob-jetivo. Obcecado em sua jornada, Wanderparte em busca dos dezesseis Colossus.

Assim como em ICO o jogo conta comuma interface minimalista, porém não tãosubtrativa como no título anterior. O extensocenário serve de carga argumentativa para oconceito do "herói solitário"e sua única com-panhia é Agro, um cavalo robusto que servede apoio na locomoção e também em com-bate. Devido à falta de interação com ou-tras personagens, um forte laço é criado en-tre Wander e seu fiel companheiro, tal qualvisto em ICO, onde o protagonista e a per-sonagem Yorda se aproximam de uma formasimilar, sem diálogos, apenas com interaçõesno decorrer do jogo.

Segundo a lenda a terra em que Dorminhabita havia sido abandonada devido às e-nergias negativas acumuladas naquela regiãoem função da presença dos Colossus. Aúnica referência de localização é um mapaque divide sutilmente o cenário em qua-drantes, setorizando as diversas áreas daregião. O jogador deve seguir uma sequen-cia, só podendo enfrentar o segundo colossodepois de derrotar o primeiro. A antiga es-pada serve de referência para a localizaçãodo próximo desafio, guiando o protagonistaatravés da luz refletida em sua lâmina, umadas características presentes em ICO e tam-bém em Shadow of the Colossus é a ilumi-

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nação que interage com o ambiente, a espadade Wander funciona somente em locais emque a luz se faz presente.

Os Colossus são uma espécie de exten-são do conceito de "ambiente vivo"presenteem ICO, porém esta ideia é aplicada deforma literal em Shadow of the Colossus,em alguns confrontos os gigantes realmentefazem parte do cenário. Esteticamente osColossus são formados de elementos orgâni-cos (pêlos, grama, musgos), inorgânicos (pe-dras) e fragmentos arquitetônicos. Tais frag-mentos, se assemelham com a arquiteturaencontrada nas ruínas de civilizações sul-americanas (mais especificamente os Maiase os Astecas), mas também possuem elemen-tos particulares suficientes para serem con-siderados parte de um estilo próprio.

4 Assassin’s Creed II e aambientação virtual dorenascimento

Assassin’s Creed é uma das maiores fran-quias da desenvolvedora e publicadoraUbisoft. O primeiro título da série foilançado no ano de 2007, e seu enredo e jo-gabilidade foram aprimorados desde então.Com um ciclo de desenvolvimento consi-deravelmente “rápido” para jogos do gênero,já foram acrescentados mais de sete títulos àfranquia, desde seu lançamento até os diasatuais, distribuídos em diferentes platafor-mas, consoles de mesa; computadores; con-soles portáteis e celulares.

A trama do jogo é rica em acontecimen-tos históricos e conta a história de DesmondMiles, um bartender que é capturado poruma grande corporação, e posteriormente éforçado a usar um aparelho chamado “A-

nimus”. Pode-se dizer que o Animus é agrande força motriz de todos os jogos dasérie e seu funcionamento se baseia na teo-ria da “memória genética”. O objetivo doAnimus é interpretar de forma virtual memo-rias contidas dentro do código genético dousuário. Sendo assim, o sujeito que o usaé capaz de “navegar” com algumas limi-tações dentro de um ambiente criado vir-tualmente através de informações contidasem seu DNA, logo é possível ter acesso àmemórias dos ancestrais do usuário. Porémo Animus é incapaz de interpretar sozinho demaneira clara todas as memórias, é precisoque o usuário “lembre” do ocorrido para queassim possa acontecer a “sincronização” cor-reta da interpretação virtual desejada. O jogose vale das limitações do dispositivo Ani-mus para mascarar suas próprias limitações,como por exemplo, os locais que o jogadornão pode acessar, são códigos genéticos queo Animus não foi capaz de interpretar, ou nocaso do primeiro título, o Animus não era ca-paz de sincronizar memórias dentro de ambi-entes aquáticos, sendo assim o jogador eraimpedido de entrar na água, tal ato resul-tava na “dessincronização” do dispositivo,resultando na tela de “game over”. Além deservir como base para a ambientação e limi-tações do jogo, o Animus também serve parajustificar os elementos de interface, como oacesso aos mapas, indicador de notoriedade,possibilidade de navegar por memórias jásincronizadas dentre outros. Tudo está dire-tamente ligado ao aparelho, e os elementosde navegação servem para guiar o jogadordurante o uso do mecanismo.

Somando a carga argumentativa pre-sente nas personagens e nos acontecimen-tos históricos com o advento do Animus ficamais fácil de convencer o jogador de que o

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que está se passando na trama é algo real.Assassin’s Creed II o segundo título da série,se passa no século XV, mais precisamente noperíodo entre 1476 e 1499 e tem como planode fundo Florença, Toscana, Forlì, a cordi-lheira dos Apeninos, a vila de Monteriggionie a cidade de Veneza, cada cidade represen-tada de acordo com a arquitetura referenteao período em que o jogo se passa. Den-tre as construções apresentadas, foram re-produzidas de maneira fiel cerca de centoe noventa e quatro marcos históricos pre-sentes nas regiões em que o jogo se ambi-enta, dentre elas, o Coliseu; a basílica deSanta Maria del Fiore; a Cappella Sistina ea basílica de San Pietro (representada aindaem construção); além de prédios diretamenteligados ao comércio ou outras atividades dacidade, como bordéis e tabernas. O jogadortem acesso ao interior de boa parte destasconstruções, como por exemplo, na basílicade Santa Maria del Fiore, é possível visi-tar a cúpula no topo da construção, o inte-rior da igreja foi reconstruído com granderiqueza de detalhes, sendo possível obser-var a decoração do piso de mármore, o posi-cionamento dos bancos da nave, e os deta-lhes das sancas que decoram o teto. O jogoainda fornece ao jogador, as informações re-ferentes ao local, como a data de início e tér-mino da construção, uma breve história so-bre a origem do lugar, incluindo a entidadeque financiou a obra; artistas envolvidos emsua elaboração; o arquiteto que fez o projetoe em alguns casos o arquiteto que a finali-zou além, de citar quais movimentos artísti-cos podem ser encontrados na arquitetura daconstrução.

Como parte da realidade da narrativa, As-sassin’s Creed II incorpora figuras históri-cas reais, sendo algumas delas Leonardo Da

Vinci; Níccolò Machiavelli; Catarina Sforza;Lorenzo de’ Medici e até mesmo figuras re-ligiosas como o Papa Alexander VI (RodrigoBorgia). O jogo expõe todo o conflito exis-tente entre a família Pazzi e a família Medicie o jogador assume um papel fundamentalno desenvolver deste confronto. Leonardoda Vinci se destaca entre estas figuras, poiso personagem principal, revive as memóriasde Ezio Auditore, que acaba se tornandoamigo íntimo do renomado artista do re-nascimento. É comum para o jogador visitardiversos ateliês de Da Vinci, acompanhandoparte do trabalho do artista, fica claro queLeonardo desenvolvia outros tipos de con-hecimentos enquanto pintava, como por e-xemplo seus estudos anatômicos. O jogadorchega ainda a ter a oportunidade de experi-mentar uma das maquinas voadoras proje-tadas por Leonardo. Além deste contato di-reto com o artista, em algumas cidades, exis-tem mercantes voltados especificamente paraartigos de arte, e é possível adquirir obrasde renomados pintores da época, totalizandovinte e nove quadros distintos. Ao adquiriros quadros, o jogador tem acesso à uma in-terface similar à aplicada nas construções,com uma breve explicação da obra, o ano emque foi feita e obviamente seu autor.

Assassin’s Creed II transmite uma pe-quena parcela do que foi o renascimento,deixando claro, a importância que a artetinha no século XV. Seja através de pin-turas ou da arquitetura, fica claro que ojogo carrega um grande conteúdo cultural,voltado especificamente para a Itália, apre-sentando até mesmo o idioma Italiano comouma opção de áudio, fornecendo ao jogadorum contato com a língua italiana do modocom que ela era falada no século XV e apre-

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sentando também tradições e acontecimen-tos históricos.

5 Castlevania Symphony of theNight, uma antiga lendamarcada por grandes estilos

No ano de 2010, o Museu Nacional de Arteda Romênia (MNAR) realizou na cidade deBucareste uma exposição com o objetivode mostrar a origem histórica e o desen-volvimento da lenda de Drácula, a partir dequadros provenientes até mesmo do séculoXVI, objetos de guerra e de decorações.Lendas relacionadas a vampiros são popu-lares nesta região da Europa e são repas-sadas de gerações para gerações. É evidenteque a lenda de Drácula tornou-se univer-sal, escritores como Byron e Bram Stoker,em seu aclamado romance “Drácula”, uti-lizaram tais histórias para a construção desuas obras. Desenvolvido e distribuído pelaKonami no ano de 1997 para o Playstation1 e em 1998 para o Sega Saturn exclusiva-mente no Japão, o jogo Castlevania Sym-phony of the Night também é capaz de eter-nizar esta relíquia cultural da Europa orientalcom grande mérito.

Em Castlevania Symphony of the Night,o jogador assume o papel de Adrian Faren-heights Tepes, filho da humana Lisa e deConde Drácula, sendo assim um meio vam-piro. Lisa sempre defendia os humanos eeducou Adrian desta maneira, porém ela foicondenada à morte na fogueira pelos hu-manos que repudiavam Drácula. Adrian de-senvolve um grande ódio por seu pai ao verque ele nada fez para impedir a morte desua mãe e muda seu nome para Alucard(Drácula, lendo-se de trás para frente), o con-

trário de seu pai. Nos jogos da franquiaCastlevania, existe o clã de caçadores devampiros, denominado Belmont, eles têm amissão de derrotar o Conde Drácula que re-nasce a cada século. Para cumprir esta tarefa,o chicote lendário chamado Vampire Killer15

é passado de geração para geração entre osBelmont. Em um dos jogos antigos da série,mais especificamente Castlevania III: Dra-cula’s Curse lançado em 1989 no Japão e em1990 na América do Norte para o NES (Nin-tendo Entertainment System), Alucard auxi-liou um dos membros do clã caçador de vam-piros a derrotar Drácula. Após esse eventoAlucard entrou em um sono profundo a fimde suprimir seus poderes de vampiro her-dados de seu pai. Symphony of the Nightinicia-se com a batalha entre Richter Bel-mont e Conde Drácula no fim do séculoXVIII. Quatro anos após cumprir seu obje-tivo, Richter desaparece de maneira incom-preensível. Alucard tem o presságio de quealgo ruim está acontecendo e desperta de seulongo sono de 300 anos, e sai em direção aocastelo de Drácula, conhecido como Castle-vania, com o intuito de destruí-lo.

O design das personagens de Clastleva-nia Symphony of the Night foi desenvolvidopela ilustradora e artista conceitual japonesaAyami Kojima. O jogo também é conhecidopela riqueza de detalhes presentes nos grá-ficos, principalmente as personagens. Nelasé possível encontrar características presentesnas vestimentas e estilos de cabelos prove-nientes da Europa em séculos passados. Apersonagem Lisa é um bom exemplo disto.Os inimigos presentes no castelo de Dráculaexpressam bastante personalidade em suas

15Original do idioma em inglês podendo sertraduzido como “Matador de Vampiros”.

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ações e grande parte deles foram retiradosda literatura, de folclores e mitologias, comopor exemplo, o Malachi, que é uma refer-ência à entidade cósmica chamada Ctuhlhu,criada pelo escritor Howard Philips Love-craft, aparecendo pela primeira vez em suaestória The Call of Cuthlhu. O jogo uti-liza um sistema gráfico 2D, as personagensrealizam movimentos fluidos e harmoniosos,toda essa naturalidade foi algo incomum emjogos produzidos nesta mesma época.

Os cenários presentes em CastlevaniaSymphony of the Night são inspirados nos es-tilos Gótico e Renascentista. Novamente ojogador pode se deparar com uma imensidãode detalhes, os artistas se preocuparam coma questão da simetria e unidade. No jogopodem ser vistas estátuas em diversas poses,onde nota-se o desejo de representar a anato-mia do corpo humano de maneira idealizada.Nas salas de transições entre dois cenáriosdiferentes, existe um grande arco decoradocom dois anjos que se entreolham, seus cor-pos foram desenhados de forma idealizada esuas vestimentas marcam bastante a anato-mia. Colunas são comumente presentes noscenários, muitas delas ricas em decorações.Relevos, símbolos religiosos e vitrais tam-bém são presenças marcadas nas áreas dojogo. Apesar de Symphony of the Nightser composto por um plano bidimensional,técnicas 3D foram aplicadas nos segundosplanos, com a intenção de criar uma ilusãode mudanças de perspectivas.

A trilha sonora foi criada pela compo-sitora Michiru Yamane. As músicas con-seguem construir uma atmosfera única nojogo, elas dialogam de uma maneira muitopeculiar com os elementos presentes emCastlevania e conseguem traduzir o universode Symphony of the Night. Órgãos, pia-

nos, violinos e guitarras são alguns dos ins-trumentos utilizados nas músicas do jogo.Um grupo chamado The Castlevania Con-cert vem realizando concertos musicais, e-xecutando músicas de diversos jogos da fran-quia, inclusive Symphony of the Night, tendoMichiru Yamane como participação espe-cial.

ConclusãoAssim como o cinema e a fotografia, osjogos eletrônicos a princípio, não foramvistos como um meio de expressão artís-tico/cultural, porém gradativamente a so-ciedade passou a enxergar o potencial destasmídias. Em um jogo podem ser inseri-dos elementos da literatura; do folclore; damúsica; do cinema; da fotografia; da arte eda história, além de elementos contemporâ-neos ou traços que acabaram se perdendocom o tempo, como novas gírias ou outrostermos linguísticos atribuídos a um idiomaem um determinado momento.

Durante as análises foi possível notar queos jogos eletrônicos têm assumido um im-portante papel na transmissão de conhe-cimento, como por exemplo, um jogadorde determinada região pode entrar em con-tato com elementos culturais de localidadesdiferentes, em alguns casos pode-se haveruma interação direta entre os jogadoresatravés de sistemas on-line. Porém, a propa-gação de cultura ainda não é igualitária, en-quanto algumas culturas são constantementeabordadas (recebendo até mesmo determi-nado prestígio), outras são deixadas de ladoou são apresentadas de forma estereotipada.Com a alteração da lei Augusto Rouanet, épossível que mais jogos abordando outrasvertentes da cultura brasileira sejam produzi-

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dos em território nacional, beneficiando opolo de jogos eletrônicos e contribuindo coma propagação da arte e da cultura brasileiraem outras regiões do mundo.

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