jogos de computador e cinema

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Este trabalho foi realizado no âmbito do projecto: INFOMEDIA - Aquisição de Informação em Novos Medias (PTDC/CCI/74114/2006), 2008-2010, promovido pelo CICANT - Centro de Invesgação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e contou com o Financiamento da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia

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jogos de computador

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Este trabalho foi realizado no âmbito do projecto:

INFOMEDIA - Aquisição de Informação em Novos Medias (PTDC/CCI/74114/2006),2008-2010, promovido pelo CICANT - Centro de Invesgação em ComunicaçãoAplicada, Cultura e Novas Tecnologias da Universidade Lusófona de Humanidadese Tecnologias e contou com o Financiamento da FCT - Fundação para a Ciência eTecnologia

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EDITOREdições Universitárias Lusófonas1ª edição, 500 exemplares, 2009

CAPAFilipe Costa Luz

PAGINAÇÃOFilipe Costa Luz

COLECÇÃOImagens, Sons, Máquinas e Pensamento

DIRECTOR DA COLECCÇÃOManuel José Damásio

IMPRESSÃO E ACABAMENTOArlindo Silva Artes Grácas, Lda.??????????

DEPÓSITO LEGAL???????????????/??

ISBN978-972-8881-71-9

Reservado todos os direitos de acordo com a legislação em vigor

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Para Joana, à Soa e ao Pedro,a minha esperança para o futuro.

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4 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

Introdução

Agradecimentos

Esta página teria de ser uma lista inndável de agradeci-mentos, mas tentando não correr o risco de tornar esta folhanuma página caóca de amizades e familiares Facebook , gos-taria de começar por salientar o persistente apoio dos meuspais a quem lhes devo tanto. À Inês e Marta por aturarem as

loucuras do irmão. À Avó Marta pela cumplicidade única comos netos e, claro, por ser um dos pouco felizardos no mundopor saber o que é “o arroz doce”.

Este trabalho foi possível graças ao inesgotável apoio doprofessor Luis Filipe B. Teixeira na orientação do meu mestra-do. Agradecimento também muito especial à UniversidadeLusófona, com especial destaque a Manuel José Damásio,que tanto espaço e movação nos dá para podermos evoluirprossionalmente.

Dedico também este livro aos fantáscos colegas e amigosFilipe R. Vale, Luís Alegre e Rui Pereira Jorge

Obrigado especial á equipa do MovLab, João Abrantes, José

Dinis, Vasco Bila, Ivo Roupa, Bruno Telésforo pela enriquece-dora experiência de descobrir todos os dias novos movospara trabalhar.

Por úlmo, ao primo Vasco Durão que parlhou comigo oseu Spectrum 48K ao qual sem ele a minha experiência em jogos teria sido muito menos interessante, como também ogosto por músicas e lmes “esquisitos”. 

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5FILIPE COSTA LUZ

Índice

Prefácio .................................................................................Introdução ............................................................................

Capítulo I - Memória e interfaces Digitais1.1 Digitalização da memória ............................................1.2 Informação hipermedia e novidades do digital ...........1.3 Do hipertexto aos mundos virtuais ..............................

1.4 Hibridismo ou transparência nos novos médias ..........

Capítulo II - Experiências no reino do virtual2.1 Do virtual em geral ........................................................2.2 Denições do virtual .....................................................2.3 Atracção pelo virtual .....................................................2.4 Transformação e livre arbítrio nos jogos ......................2.5 Interacvidade ..............................................................

2.7 Agentes, Jogadores ou Ciborgues? ...............................

Capítulo III - Avatares como janelas indiscretas3.1 Comandar o jogo .........................................................3.2 Primeiro Avatar ............................................................3.3 Avatar como máscara para o “meu mundo”...................3.4 Avatares, espectadores e reexos..................................3.5 Papel do avatar nos jogos de computador......................

Capítulo IV - Jogadores ou Espectadores?4.1 Presença e Imersão ......................................................4.2 Perdidos no espaço ......................................................4.3 Jogos digitais: Narravas e Espectáculo .......................4.4 Presença em jogos digitais: Transformação, Imersão eAgenciamento ....................................................................4.5 Ponto de vista do Jogador ............................................

Conclusão ..............................................................................Bibliograa .............................................................................

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6 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

Introdução

A opacidade transparente do(s) ecrã(s)

Luís Filipe B. Teixeira

Immersion is undoubtedly key to any understanding of the

development of the new media. Though the concept appears

somewhat opaque and contradictory.

Olivier Grau

No mundo contemporâneo, desde que nos levanta-mos até que nos deitamos, estamos rodeados de impres-sões e sinalizações comunicacionais grácas e digitais, de ummodo omnipresente. Mesmo que em constante mutação, so-bretudo por via do exponencial desenvolvimento tecnológicodos úlmos tempos e do que este acarreta, quer em termosde forma quer de conteúdos, os modos de comunicação grá-

ca e digital em que estamos imersos e que ulizamos a cadamomento, por um lado, sintezam e transmitem informaçõesde vária ordem; por outro, são o espelho (opacamente trans-parente) de aspirações culturais e morais de uma qualquersociedade e tempo histórico, numa palavra, do seu Zeitgeist .

A originalidade do texto que a seguir se irá ler assen-ta, precisamente, no enquadramento reexivo que se propõefazer, baseado na experiência práca de Filipe Luz, em torno,desde logo, do modo como essa transparência e imersão sãoconstruídos tecnologicamente e angidos, comparavamen-te, e de modo migrado e híbrido, com outros médias anterio-res aos ambientes digitais (essencialmente, aos livros e aoslmes). Se nos lembrarmos que, essencialmente, o conteúdode qualquer (nova) tecnologia passa, inevitavelmente, pelareformatação da tecnologia anterior, mesmo que em novos

suportes1

, trata-se de invesgar, nas suas diversas dimensões1 Desde a invenção da escrita que, por exemplo, fonecamente, se re-

congura a oralidade (ver, a este respeito, em especial: Walter Ong(2003), Orality and Literacy: The technologizing of the word , London:Routledge; Eric Havelock (1963), Preface to Plato, Cambridge, Massa-chussets and London, Harvard University Press; e, sobretudo, Eric Ha-

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7FILIPE COSTA LUZ

e implicações, desde logo, a parr do problema da digitaliza-ção da memória, quer em que consiste esta «alucinação elec-trónica» (expressão que vai buscar a Gibson no seu Neuro-

mante), contemporaneamente, massicada pelos videojogose jogos digitais, bem como pelos primeiros passos do cinemadigital, nas suas diversas metamorfoses e gurações; quer ascategorias que a suportam, ontológica e realmente, desde asvárias denições de «virtual» (capítulo I). De seguida, a ree-xão passará pela (fundamental) noção de avatar (capítulo III),

até ao próprio conceito de imersão (incluindo a sensação de presença sica) nas suas várias acepções (com base nas cate-gorias estudadas por Janet Murray2  de transformação, imer-

são e agenciamento), desde a produzida pelos conteúdos li-terários (em suporte de ecrã-papel), passando pela lmica,até aos dos jogos de computador (capítulo IV), analisando equesonando a(s) diferença(s) de ponto-de-vista entre leitor,espectador e jogador.

Com efeito, a terceira revolução promovida pelo mun-do digital veio alterar, quer a ‘invenção da escrita’ quer omodo como esta é xada e transmida, quer ainda a da pró-pria pograa, levando à dissolução de muitas das fronteirase limites criavos e de interacção/mediação, nomeadamentee por exemplo, em termos da possibilidade de integração demodelos e de realidades comunicacionais mulmediácas(ilustração, som, imagem em movimento), num novo ‘pro-duto’, passando pelo próprio jogo de perspecva (2D/3D)e de representação, a que não será alheio, evidentemente,o desenvolvimento, igualmente exponencial, sobretudo naúlma década, dos sowares  e ferramentas informácasdisponíveis. Esta soscação digital leva, por um lado, a um

velock (1996), A musa aprende a escrever: Reexões sobre a oralidade

e a literacia da Anguidade ao presente, Lisboa, Gradiva; M. McLuhan

(2008), Compreender os meios de comunicação: Extensões do Homem,Lisboa, Relógio d’Água; e M. McLuhan (1967), A galáxia de Gutenberg:

 A formação do homem pográco, São Paulo, Companhia Editora Na-cional).

2 Janet Murray (1997), Hamlet on Holodeck: The future of narrave in

Cyberspace. New York: Free Space, 97-182

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8 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

Introdução

esbamento, em muitos dos contextos, entre o virtual e oreal (sendo, por vezes, dicil estabelecermos a fronteira ondeum acaba e começa o outro); por outro, à própria manipula-ção do real, por exemplo, alterando e aperfeiçoando digital-mente o que, em termos do real, é considerado da ordemdo imperfeito (e será preciso invocar o papel da manipulaçãode imagens digitais, po  photoshop, nas suas variadas apli-cações, que têm originado alguns casos estudados sobre o

impacto das imagens adulteradas nos médias?). Ora, o livro que agora se apresenta de Filipe Costa Luzsobre Jogos de computador e Cinema, e que aqui se introduz,parndo de uma Dissertação de Mestrado em Ciências da Co-municação cuja realização seguimos de perto, percorre, comrigor bibliográco todos estes caminhos hermenêucos ten-tando, no labirinto da complexidade do pensamento e pul-sar da cultura digital, em que o Minotauro se esconde a cada

esquina, captar o o de Ariadne (qual avatar?) que lhe ser-ve de suporte, procurando, assim, «saídas» teorécas parao hibridismo em que a cultura mediáca contemporânea setransformou. Com este livro, Filipe Costa Luz consegue, atépela experiência concreta que já possui de confronto e uli-zação destas tecnologias, quer pela sua formação de base naárea do Design, e, mais recentemente, como responsável davertente de animação e modelação 3D do laboratório de Mo-

vlab existente na Universidade Lusófona de Humanidades eTecnologias, quer ainda, last but not the least , fruto de longasdiscussões de pontos de vista que manvémos ao longo des-ses meses, apresentar uma visão geral, rigorosamente infor-mada, do contexto universal em que se realiza e constrói essatal opacidade transparente do(s) ecrã(s), por via da mediação

digital como jogo (tulo inicial da dissertação), agora alte-

rado para um âmbito mais amplo de Jogos de computador ecinema.

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9FILIPE COSTA LUZ

Introdução

«A palavra escrita é uma imagem, é uma gura»William Burroughs

«Como deveríamos compreender a relevância cultu-ral do design de interfaces no mundo de hoje?», quesonaSteven Johnson. Foi em 1968, que Douglas Engelbart fez des-pertar o mundo para a materialização do espaço-informação, já tão desejado desde os tempos do poeta grego Simónides.O princípio de manipulação directa aqui introduzido mostroua possibilidade de cartografar ideias de uma forma totalmen-te visual. Progressivamente, começou-se a entender que oscomputadores poderiam servir para fazer algo mais do que

manipular sequências binárias, construindo a ideia de umamáquina de representação simbólica, que lida com imagens,texto e ícones, revolucionando totalmente a tradicional ideiadas máquinas como objectos mecânicos de causa-efeito.

O aparecimento das interfaces grácas de computa-dor veio sugerir a possibilidade de habitar um novo espa-ço, deixou de ser uma visão mais simples da máquina comoprótese que potencia as limitações humanas, para passar aexisr uma saída para outro universo, onde a carne se pa-rece diluir digitalmente. O cursor do rato é um avatar ondea mente é transportada numa nova paisagem e o corpo sedesloca para uma nova ordem de representação, onde o realse dissolve com o arcial.

Assim, pretendemos analisar o papel do avatar nos jogos de computador e tentar perceber como contribui para

a sensação de presença no espaço que o rodeia. Como pode-mos senr imersão através de um avatar gráco, textual ouda imagem perspecvada na primeira pessoa?

A questão surgiu ao vericar que ulizadores de sof-

twares de edição de imagem, mais concretamente. alunos de

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10 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

Introdução

disciplinas de computação gráca que ulizam sowares de

3D, facilmente se afastam dos objecvos inicialmente pro-postos. Exploram o soware em novos percursos, tal comoacontece no jogo Grand The Auto Vice City  (Rockstargames,2003), onde os objecvos idealizados no jogo não são neces-sariamente os do jogador. O efeito de imersão que o uliza-dor sofre, leva-o a explorar esse novo universo numa espéciede alucinação electrónica Gibsoniana onde cria as suas pró-

prias narravas, senndo presença sica no espaço, nas ac-ções que decorrem ou, no prazer da interacção.

Um dos reexos é a fusão a que hoje assismos de tãodisntas disciplinas, como programação informáca, design,estéca ou ciências sociais, em cursos superiores, em pro- jectos prossionais ou meios arscos. Os seus intervenien-tes recorrem às mais variadas técnicas para livremente criar.Com o auxílio da tecnologia digital, mais concretamente dosambientes imersivos que ulizam som, vídeo, imagens ou re-velam objectos, os arstas podem transportar o espectadorpara uma experiência sensorial totalmente diferente do for-mato tradicional da arte plásca, onde a produção da obrade arte depende agora da Virtualidade, Actualidade, Variabi-lidade, Hibridação e Conecvidade (Cruz, 1990, pp.149-154).

Estudando algumas obras no campo da arte, cinema

e jogos de computador, pretendemos observar como na ex-periência de intermediação homem-máquina pode ser gera-da sensação de presença (e imersão) e como esta pode sercategorizada

Parece-nos claro que a distância do espectador ao“quadro”1, ou a liberdade que aparentemente lhe é fornecida,são factores determinantes para que a interacção possa gerar

1 Segundo as regras da geometria descriva, o “plano de quadro” é de-nido por um espaço imaginário onde é representada a perspecva.«Esta representação reúne o conjunto dos pontos em que os raios vi-suais vindos do olho (ponto de vista) e que passam pelos pontos deinteresse do objecto interseccionam o plano do quadro.» Ver Robert W.Gill, Desenho de Perspecva, p.23

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sendo de presença na acção ou no espaço. Assim sendo, seobservarmos os sistemas imersivos, como as tecnologias deRealidade Virtual, percebemos que elas procuram afastar oulizador da experiência do mundo sico, na exploração deum novo, tal como, no período do renascimento italiano seprocurou através da perspecva, a experiência do espaço re-presentado no plano do quadro.

«Immersion is undoubtedly key to any understanding

of the development of the new media, even though the con-cept apperas somewhat opaque and contradictory» (Grau,2003, p.13). Segundo Olivier Grau, a relação entre distânciae imersão não é clara. A imersão pode ser um processo men-tal de uma alteração de estado de espírito, sendo caracteri-zada pela diminuição da distância que nos permite envolveremocionalmente numa determinada paisagem ou ocorrên-cia. Deste modo, podemos compreender as semelhanças queexistem entre um fresco do período barroco com um moder-no sistema de Realidade Virtual: os objecvos e técnicas uli-zadas, têm muitas semelhanças, disnguindo-se como princi-pal diferença a capacidade que o espectador tem de interagircom o meio envolvente.

A imersão torna-se um elemento incontornável na de-nição de novos médias, sendo as propriedades transparen-

tes de cada técnica, uma das suas principais estruturas. Anali-sando as chamadas “novas tecnologias”, facilmente nos aper-cebemos das poucas inovações que apresentam. Elas recupe-ram médias ou técnicas angas para, melhor compreendidas,serem aceites pelos seus potenciais ulizadores através deuma nova interface. Se por um lado o desenvolvimento dosnovos médias procura torná-los mais poderosos, com fortescaracteríscas hipermédia, por outro, também mais acessí -veis e adaptados aos ulizadores (transparência do média).

Se compararmos a técnica de desenho analógico comdesenho digital, percebemos claramente que as suas nature-zas, embora diferentes, são demasiado híbridas para que se

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12 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

Introdução

possa disnguir uma fronteira bem delineada. Enquanto nopapel registamos manchas de cor, no formato digital, dese-nhamos tramas de pixéis2. Se o trompe l’oeil , através da dilui-ção das pinceladas, pretendia esconder o pincel, as técnicasde  An-aliasing objecvam camuar a natureza rendilhada(aliasing) que os pixéis geram nas imagens digitais.

São técnicas semelhantes ulizadas em muitos supor-tes: No ponto de cruz, foi desenvolvido o meio-ponto para

poder melhorar os degradês de cor; os mosaicos romanos,através de cores muito próximas, procuravam diluir as linhasrígidas que o seu formato rígido gerava; o fresco, “O triunfode Santo Inácio de Loiola”, que Andrea Pozzo pintou na igre- ja de Santo Inácio de Loyola (Roma), propunha a “elevaçãoaos céus” através da representação em perspecva cónica deponto-de-fuga central (Punto stabile) e de pinceladas diluídasna técnica trompe l’oeil ; nos jogos de computador procura-sedesfocar a linha de horizonte que a perspecva digital gera,através de efeitos atmosféricos (nevoeiro).

Estes são exemplos, de como a tentava de gerartransparência nos médias ulizados, procuram fortalecer aspropriedades do próprio média. Como veremos no desenvol-vimento deste trabalho, a transparência e imersão são duascaracteríscas fundamentais que cooperam na construção

de ambientes digitais.Deste modo, neste livro procuramos mostrar como a

imersão num ambiente digital, é essencial para as sensaçõesde “senr-se presente” num jogo, “ser-se levado” numa his-tória ou “ser envolvido” numa acção; como a transparênciaé um conceito fundamental para que o média possa desapa-recer numa determinada acção, porém, como a angir? Seatravés do cinema podemos aproximar-nos da acção atravésdo ponto de vista que o realizador escolheu, por outro lado,

2 O Pixel  (Picture Elements) é a informação base de uma imagem digital.É o resultado do cálculo binário, sendo visível apenas no processamen-to gráco, a impressão no ecrã. Não existem curvas, círculos ou esferasno mundo digital, apenas a ilusão das mesmas. Tudo são pixéis!

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uma má representação dos actores (opacidade do média)

pode afastar-nos do drama que é retratado. No cinema, nãointeragimos directamente com a história que é contada, mastal como num jogo de computador, podemos perder a noçãodo tempo real e, por conseguinte, perder momentaneamen-te a consciência do mundo que sicamente nos rodeia.

Na sala delle Prospeve, Baldassare Peruzzi, tentouiludir o espectador através de perspecvas pintadas em fres-

cos; a técnica faux terrain fundiu a escultura com pintura demodo a sugerir a terceira dimensão das obras retratadas3; aestereoscopia4 desenvolveu-se a parr do séc. XVIII, atravésde Sir David Brewster até ao preciso momento que a RV a ab-sorveu como uma das suas tecnologias essenciais para que,através de espaços realiscamente programados, possamimergir o ulizador num simulador próximo do Holodeck   einuenciar o seu estado de consciência. Segundo a descriçãode Michael Hein, o Holodeck  era um espaço virtual realísco,capaz de proporcionar interacção através de comandos devoz e onde habitavam seres arciais totalmente indisnguí -veis da sua verdadeira natureza. O Holodeck  permia simularregressos ao passado para os tripulantes da famosa nave En-

terprise, com o intuito de os entreter no decorrer das viagensespaciais (Hein, 1998, p.214).

A imagem que o lme Star Trek – The Next Generaon (Gene Roddenberry, 1987) criou do Holodeck , a transparên-

3 Destacamos  Adorazione dei pastori e della Crocissione  (1517-1524)de Gaudenzio Ferrari como um dos registos mais importantes destatécnica de representação que pretendia iludir o espectador através dafusão de representações coloridas em duas e três dimensões.

4 A visão binocular, ou estereoscopia, dene-se pela capacidade quetemos de interpretar o universo que nos rodeia com a sensação de

profundidade. Os sistemas de Realidade Virtual recorrem a hardware especíco (óculos 3D) para poderem projectar imagens disntas paracada olho. Outra técnica semelhante – anáglifo – proporciona o efeitode profundidade ao recorrer a óculos com ltros de cor diferenciadospara cada olho (geralmente azul para olho direito e vermelho para oesquerdo) no momento que se interpreta imagens anaglícas.

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14 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

Introdução

cia do Game pod  no lme Existenz (Cronemberg, 1999), ou aergonomia da wire do lme Strange Days (Kathryn Bigelow,1995) colocam a fasquia muito alta para o que poderá ser umsimulador de um mundo arcial no futuro.

Se a esteroscopia andou afastada do mundo de enter-tenimento, hoje é uma moda em crescimento que irá ser ba-nalizada para o uso domésco, logo o modo de criarmos um jogo, lme ou anúncio de TV será orientado para espectáculo

e menos para o lado narravo.A Realidade virtual, por ser projectada em estereos-

copia com som stereo e, por vezes com aplicações de retroac-ção tácl, objecva iludir o “imersante” no sendo de “estarem”, porém não pretendemos ulizar como objectos de estu-do tecnologias com demasiados aparatos mecânicos5 e pou-co massicados comercialmente. Neste livro ulizámos comoobjecto de estudo conteúdos projectados em lmes, jogosou livros, para que no nal fosse possível analisar como podeser senda imersão num plano que se encontra afastado doulizador, que não manipula as imagens transmidas ao cé-rebro em estereoscopia, ou seja, que o método de projecçãoseja semelhante à de um conteúdo literário, lme ou jogo decomputador. Nestes três exemplos, existe sempre um supor-te sico (livro, televisão ou computador), que é mediado sem

recurso a óculos especiais e, durante o período de leitura,visionamento ou jogo, a distância do observador ao plano deprojecção é sempre o mesmo.

Assim, que semelhanças existem entre estes médias?Que técnicas migram de uma aplicação para a outra? Comopodemos ser envolvidos pelo espaço narrado num livro, vi-sionado num lme ou que interagimos num jogo de compu-

5 Referimo-nos aos pesados e complexos wearable computers ou Head-

mounted Displays, que inclusive o seu inventor Ivan Sutherlan o intu-lou de Espada de Demôcles por precisamente todo o aparato tecnoló-gico sugerir a iminente decapitação do ulizador. Ver Ivan Sutherland,“The Ulmate Display” in Mulmedia, From Wagner to Virtual Reality ,pp.252-256.

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tador? Como podemos nos senr presentes sicamente numambiente digital, envolvidos pela história que é contada ou,concentrados apenas numa determinada acção?

Decidimos então intular este livro como “Jogos deComputador e Cinema: narravas, avatares e efeitos” porqueao longo deste texto iremos explorar como os jogos de com-putador permitem fornecer ao jogador um espaço e aparen-te livre arbítrio para que seja “realmente” possível habitar

o espaço digital; encarnar personagens através de máscaras(avatar) e senr a ansiedade tão caracterísca das narravase espectáculo cinematográco.

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JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 1

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JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 1

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1.1 Digitalização da memória

«Os computadores podem ser poderosas ferramentas decomunicação não só para projectos especícos, mas como

estruturas do pensamento»Ted Friedman

Será possível alguma vez cartografar o nosso pensa-mento e guardar a nossa memória?

Desde a existência do homem e da invenção da lingua-gem (uma das primeiras inovações humanas) que a tecnolo-gia se apresenta como um problema central para o progres-so da nossa comunicação. Quando vivemos numa época emque o homem está em acva transformação, onde a carnese funde com tecnologia e vivemos simultaneamente numafronteira entre os mundos real e arcial, é necessário com-preender melhor como os universos virtuais, tais como as in-terfaces de computador, ao recorrerem aos nossos sendosampliam as capacidades naturais do homem.

A memória é assim algo de tão importante ao pontodos angos gregos a considerarem uma endade sobrena-

tural ou divina. A deusa da memória Mnemosyne, mãe dasmusas que protegem as artes e a história, dava aos homensa possibilidade de voltar ao passado e lembrá-lo para as co-munidades, possibilitando assim o poder de imortalizar, atra-vés do arsta ou historiador, a sionomia, os gestos, os actosou as palavras de um humano. O desenvolvimento de técni-cas para registar informação é uma constante desde a nossahistória, porém nem sempre de uma forma consensual nemequilibrada. É bem conhecida a posição de Sócrates sobre aescrita, indicando que esta iria fazer com que os homens nãorecorressem tanto à memória e, por conseguinte, se esque-

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19FILIPE COSTA LUZ

cessem mais facilmente das acções vividas1.  Simónides cou famoso pelos seus “palácios de me-

mória” através do conto “De Oratore” de Cícero (Yates, 2000,pp.17-41). Esta é uma lenda onde Simónides foi convidadoao castelo do rei Céos para fazer um poema em sua home-nagem. O poeta decidiu, numa primeira parte, louvar o reie, na segunda, homenagear os deuses Castor e Polux. Apóso recital do poema, quando Simónides pediu o pagamento,

o rei disse que só pagaria metade, pois a segunda parte de-veria ser cobrada aos deuses. Um pouco mais tarde foi dadaa mensagem a Simónides que estavam dois adolescentes àsua espera fora do castelo, porém quando chegou ao exteriornão encontrou ninguém. Nesse momento o castelo desabou,matando o rei e todos os seus convidados.

Os Deuses pagavam assim a sua dívida, deixando as fa-mílias das vímas desesperadas por não reconhecerem oscorpos mulados que se encontravam junto aos destroçosdo castelo. Simónides lembrava-se das pessoas segundo osespaços por onde nha passado, desse modo conseguiu re-produzir o percurso que fez e idencar os mortos. Assim secriou a “arte da memória”2, sendo denida como um palácioonde colocamos imagens, ou palavras, para ao passarmos or-denadamente pelas suas divisões, recordarmos as coisas. O

método de Simónides baseava-se na parcularidade humanade a memória visual ser muito mais duradoura que a textual,

1 «Escrever é, em si mesmo, uma tecnologia que pretende registar e pre-servar a memória de uma experiência e um “estado de alma”(…)». LuísFilipe Teixeira salienta como Platão (Fedro) deniu o alfabeto, caracteri-zando-o como uma téchné, que se sobrepõe à rememoração que o diá-logo e a conversação maiêucas possibilitam. Ver Luís Filipe B. Teixeira,Hermes, pp.120-146.

2 «And this experience sugested to the poet the principles of the artof memory of which he [Simónides] is said to have been the inven-tor. Nothing that it was through his memory of the places at which theguests had been sing that he had been able to idenfy the bodies,he realized that orderly arrangement is essenaly for good memory.»Francis Yates, op. cit., p.17.

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JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 1

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proporcionando, no nosso quodiano, uma maior facilidadepara decorarmos caras do que nomes.

O que Simónides revelava, seiscentos anos antes deCristo, era a ideia de espaço-informação, apenas pré-mate-rializado pela primeira vez em 1968, quando Doug Engelbart,numa conferência em São Francisco, fez a demonstração doprimeiro rato de computador que, segundo Steven Johnson,rompeu totalmente com a tradicional visão da máquina como

prótese humana, para ser um espaço pronto a ser habitado,explorado onde vale a pena viver (Johnson, 1997, pp.11-41).O que Engelbart apresentou à espantada plateia em 90 mi-nutos não foi um “simples” soware com interface de janelaspara controlar um computador à distância (cerca de 40km)mediando a comunicação entre duas pessoas, mas sim umnovo conceito de comandar objectos no ecrã sem recorrera comandos de texto. O princípio arborescente de organiza-ção em janelas a que hoje estamos familiarizados através do“Windows” tornou-se possível a parr deste momento, poiso protópo de Engelbart, permia manipular a informaçãode um modo visual através de um apêndice mecânico, o ratode computador com feedback das nossas acções mediantedisplays sonoros e visuais.

Despertou-se assim o desenvolvimento da interface

gráca de computadores a parr dos anos 70, graças aos tra-balhos desenvolvidos nos laboratórios da Xerox em Palo Altoe, mais tarde, no MIT. O ecrã de DOS que obrigava os uliza-dores a dominar essa linguagem de sintaxes em monitoresa preto e branco e a duas dimensões começava a ser subs-tuído por janelas de manipulação de dados num espaço tri-dimensional. A capacidade demonstrada por Simónides nãoé comum à maioria das pessoas, porém todas sabem intui-vamente deslocar-se e organizar-se num espaço moldado àsua semelhança. Steve Jobs percebeu esta caracterísca dohomem e deniu a metáfora da lógica do trabalho num es-critório para representar tarefas comuns na interface gráca

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do Macintosh3.É natural que a associação do ambiente de trabalho

no ecrã de computador seja discuvel, pois a desarrumaçãoque existe numa secretária, com documentos de vários tra-balhos em curso, facilmente se estende à desktop poluindo-ade um modo totalmente caóco, com inúmeros ícones quenos obrigam por vezes a organizá-los perdendo tempo úl detrabalho. No entanto, para percebermos o que realmente de

revolucionário aconteceu, é necessário recuarmos até 1964,ano em que McLuhan publicou o livro Understanding Media.Segundo este autor, “o meio é a mensagem” que, de umaforma muito resumida, signica que se pretendermos trans-mir uma informação, para a comunicar estamos totalmentedependentes do próprio média. Neste momento, o compu-tador deixa de ser visto como uma simples ferramenta, mascomo um meio para comunicar, ou seja, uma transformaçãosimbióca do homem e da máquina. Alan Kay4 entendeu avisão de McLuhan como algo revolucionário, pois posicio-nava o computador como um novo meio para o padrão detoda a civilização. Enquanto todos se entusiasmavam com asnovidades tecnológicas, preocupando-se com a opmizaçãoe micro-produção dos sistemas electrónicos, não percebiamque a grande revolução ocorria porque pela primeira vez o

computador podia ser visto como uma máquina de represen-

3 A metáfora da escrivaninha fornece uma maior transparência na tarefaque o ulizador pretende executar, escondendo as complexas ligaçõesbinárias que verdadeiramente ocorrem. Ver Rob Swigart, «A Writer’sDesktop» in The Art of Human Computer Interface, pp.135-141.

4 Alan Kay fundou o Xerox PARC na década de setenta onde desenvolveucom o seu assistente Adele Goldberg, um soware orientado por objec-tos que originou a invenção do design gráco de interfaces. O protópo

do Smalltalk  intulado como a dynamic medium for creave thought ,o Dynabook, pretendia sintezar o maior número possível de médiasatravés de uma interface única. O Dynabook  foi a primeira idealizaçãode uma interface gráca de computador a poder sugerir ao ulizadorcomo manipular e gerar informação. Ver Alan Kay, “User interface: Apersonal view” in The Art of Human Computer Interface, pp.191-207.

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CAPÍTULO 1

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tação simbólica que opera em tempo real.Alan Kay foi uma das peças fundamentais para o de-

senvolvimento da interface gráca do computador, pois eranecessário compreender que a relação homem-máquina eramediada agora por um monitor de computador. Os proble-mas de design que ocorrem entre o homem e os seus ob- jectos técnicos precisavam igualmente de ser resolvidos. Senum martelo o cabo é a interface para acção de pregar, os

problemas de ergonomia no uso e compreensão da acçãonão são muito diferentes. Se é necessário perceber atravésda visão como se usa um martelo, é igualmente válido que ainformação disponibilizada num monitor seja “usável”5.

Deste modo, o design de interface não se dá apenas anível ergonómico, mas também a nível semióco, dado queo design trabalha com símbolos, sendo então uma acvida-de de representação simbólica que está inuenciada pelocontexto que a rodeia. Se no manuseamento de objectos doquodiano, técnicos ou naturais, existe um feedback senso-rial em tempo real, o design das interfaces grácas de com-putador teve de compreender esta factualidade para evoluir,revolucionando o modo como comunicamos. Estas interfa-ces, que poderiam ser chamadas de “palácio de memória”,connuam a ser opmizadas ano após ano desde o inovador

protópo Memex.Vannevar Bush escreveu em 1945 o argo “As we may

think”6  para a revista Atlanc Monthly, onde apresentou,no “Memory Extender” (Memex), a visão de uma máquinade pequenas dimensões capaz de manipular informação desom, imagens ou texto. Preocupado com o crescimento ex-

5 No estudo das interfaces é frequente ulizar-se o termo “usabilidade”

para caracterizar a qualidade interacva de um objecto na relação ho-mem-máquina. Ver Nielsen, Jakob & Norman, Donald A., Usability On

The Web Isn’t A Luxury , hp://www.informaonweek.com /773/web.htm

6 Ver Vannevar Bush, “As we may think” in Mulmedia: From Wagner to

Virtual Reality, pp.141-159.

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ponencial de informação eléctrica, Bush idealizou um sistemacapaz de associar dados semelhante à mente humana, que secaracteriza pela capacidade de seleccionar informação numateia complexa de associações e não de um modo de indexa-ção hierárquico como acontece nos computadores. O Memexseria, simultaneamente, um arquivo e uma biblioteca onde ainformação seria manipulada por joysck, teclado, microfo-ne, ecrã e impressora.

O Memex nunca foi implementado nos contornos tec-nológicos que Bush idealizou. Porém, a ideia de tentar apre-sentar uma forma de armazenar e organizar dados de modoa que permisse a qualquer invesgador recuperá-los e u-lizá-los de maneira rápida ou eciente, foi revelada para aposterioridade. A ideia de criação de ligações a documentose parlha de informação a diversos ulizadores é claramen-te a noção essencial do hipermédia. No Memex, a associa-ção dos textos, imagens ou sons gravados em microlmes,seria efectuada por indexação de informação às pesquisasefectuadas pelos ulizadores. Do mesmo modo que mental-mente organizamos ideias, ou fazemos anotações em livros,Bush idealizou este sistema de armazenamento e pesquisa,contribuindo para que a denição de hipertexto, tal como aconhecemos actualmente, pudesse ser registada por Ted Nel-

son em 1963 através do projecto Xanadu. Literary machinesfoi um protópo de hipertexto desenvolvido muito mais tar-de (1981), onde uma rede interminável de textos literários eciencos poderiam ser disponibilizados em tempo real.

Porém, ainda faltava algo de muito importante paraque a interacção homem-máquina pudesse aproximar-se deuma fase mais avançada (visto que hoje, cerca de 60 anos de-pois de “As we may think”, não evoluímos tanto como estesengenheiros e matemácos imaginaram que iria acontecer),referimo-nos naturalmente ao anteriormente citado inventode Douglas Engelbart, o mouse, criado no seu próprio labora-tório de invesgação (Augmentaon Research Center).

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Fig.03 - Interface lme Minority Report (Philipe Dick, 2002)

Fig.01 e 02 - Interface do Mac Lisa (1983) e Windows 3.11 (1992)

Fig.03 - Memory Extension (Vannevar Bush, 1945)

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Fig. 06 - PDP-1 (Programmed Data Processor)

Fig. 05 - Jogo SpaceWar (MIT, 1962)

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CAPÍTULO 1

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Para se entender a grande revolução que se deu coma apresentação de Engelbart é necessário vericar que ospoucos computadores existentes nesse período não nhammonitor, as interfaces grácas limitavam-se aos complexospainéis luminosos da mainframe e a interacção homem-má-quina era semelhante à de um motor de grandes dimensões,ou seja, os operadores inseriam dados na linguagem da má-quina através da inserção de cartões perfurados, cabos ou

tas magnécas em computadores como o ENIAC (1946) ouMARK I (1949)7. O rato de computador viria a ser comercia-lizado muito mais tarde, na década de 80, através da Apple.

Cerca de dezoito anos mais tarde do argo de VannevarBush, o conceito do Memex começava aqui a ser revelado re-volucionando os computadores contemporâneos que repre-sentavam os dados processados através de cartões de me-mória com um considerável desfasamento de tempo. Surgiuem 1960, quando apresentado o PDP-1 (Programmed DataProcessor) desenvolvido pela Digital Equipment Corporaon,o primeiro computador a poder ser usado em tempo real.Esta máquina tornou-se célebre por apresentar o primeiro jogo de computador8, o soware SpaceWar. De igual modo,

7 O computador Harvard  Mark  I (1944), desenvolvido na universidadede Harvard (Atlanta), caracterizava-se por ser programado através da

inserção de cabos num painel de ligações. A interface homem-máquinasituava-se dentro da máquina onde o código era inserido.

  Presper Eckert e John Mauchly construíram em 1946 o ENIAC ,um computador que ulizava uma tecnologia por tubos de vácuo, pro-cessando dados a uma velocidade mil vezes superior à que o MARK Iangia. Mais tarde, John Von Neumann (responsável pelo desenvolvi-mento da bomba de hidrogénio) introduziu a ulização de cartões per-furados para o processamento de dados no modelo EDVAC  (ElectronicDiscrete-Variable Automac Computer). Ver Chrisan Wurster, Compu-

ters: An Illustrated Story , pp.19-23.8 Space War  foi o primeiro jogo a ser desenvolvido como uma aplicação

informáca, porque anos antes, William Higinbotham inventou o quemuitos consideram o primeiro jogo de vídeo, no entanto, desde 1951que Ralph Baer desenvolveu diversas aplicações lúdicas para televisão.Ver hp://www.pong-story.com e hp://www.ralphbaer.com/

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inovou na apresentação da informação num ecrã onde podiaser jogado o SpaceWar através de joyscks, como tambémna possibilidade de escrever uma carta para posteriormenteimprimir (Wurster, 2002).

Os computadores eram agora uma nova prioridade dedesenvolvimento tecnológico, onde se procurava diminuir otamanho dos transístores e, simultaneamente, aumentar asua capacidade. O aparecimento do PDP-8, sucessor do PDP-

1, marcará para sempre a história dos computadores pesso-ais, pois a sua reduzida dimensão e a ausência de circuitos ar-refecidos numa sala à parte como acontecia nos modelos an-teriores, permiam uma portabilidade jamais imaginada. Aomesmo tempo que aparecia a mini-saia, surgia igualmente ominicomputador, por outras palavras, o personal computer.

1.2 Informação hipermedia e novidades do digital

«Can Machines Think?»Alan Turing

Sir Thomas Browne usou, em 1646, o termo computer,do lam computare, para referir-se àquele que desenha ta-belas para proceder a cálculos matemácos. Se o desenho éuma tecnologia e o papel o espaço onde os cálculos se virtu-alizam em resultados, existem aqui muitas semelhanças en-tre os interfaces (médias) ulizados no trabalho analógico oudigital.

A ulização de diferentes disposivos na manipulação,armazenamento e difusão de informação através de médiana forma de uma mensagem, exisu desde os primórdios dacomunicação humana. As pinturas nas cavernas foram ummédia de interacção comunicacional humana: contaram-se

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CAPÍTULO 1

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feitos através de inovadoras técnicas para que um especta-dor passivo pudesse descodicar a mensagem. Este po desuporte tecnológico evoluiu até à massicação da impressãoem papel, porém a interacção com o leitor, mesmo através depinturas, rádio, imagens em movimento ou televisão mante-ve-se muito pouco interacvo9 até ao aparecimento do su-porte digital. Os computadores foram revolucionários nestepreciso ponto pois, pela primeira vez, se vislumbrou a possi-

bilidade de um objecto técnico poder ser um meio capaz deembeber vários outros e transmi-lo para uma comunidadede ulizadores conectados por redes que permitem a inte-racção remota de informação através de interfaces digitais.

Esta remodelação que ocorre com a massicação doscomputadores nas performances da linguagem humana, re-sulta em novas formas de representação. Daí Steven Johnsonreferenciar a emergência de uma Cultura de Interface, poroutras palavras, a cultura de um novo mundo de pessoas eseres digitais hiper-conectados entre si. Não podemos cingira interface a um local de mediação simples, a uma televisãonum visionamento de uma série ou a uma página impressade caracteres num livro. Segundo Johnson, a interface é umespaço programado para um conjunto de ferramentas, o -cios, pessoas e seres arciais que conectados por regras,

governam esse pequeno mundo como um modo de arte ele-vada.

Conceber uma interface é muito semelhante à concep-ção de um jogo, porque em ambos os casos é disponibilizadoum espaço programado, onde foram imaginados pelo pro-gramador caminhos que um ulizador possa experimentarremotamente. A interface é um espaço de telepresença10,

9 Aceitamos a interacvidade de um livro, na medida em que interagi-mos com as páginas e texto para o acto de leitura. No entanto é ampla-mente reconhecida a capacidade de interacção entre um homem e umcomputador. Ver Sally Mcmillan, Exploring Models of Interacvity from

Mulple Research Tradions: Users, Documents, And Systems.10 Brenda Laurel descreve o termo de telepresença como a mediação

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tal como um jogo de computador, um palco de teatro ou umecrã de televisão. Neste momento não pretendemos entrarnos domínios de imersão num espaço digital, propomos ape-nas salientar a importância do designer da Interface, quesegundo Laurel, deve ser nivelada por outras prossões, talcomo coreógrafos, escritores ou arquitectos, visto que quemconcebe uma interface cria um pequeno mundo hiperme-diado a nível sensorial ao ponto de orientar ou controlar os

comportamentos dos seus habitantes através de caminhospré-programados.

 A mulmédia digital afasta-se do modelo estabelecido,porque incorpora médias tradicionais independentes numúnico sistema (Paker e Jordan, 2001) o que signica que osformatos estandarzados vão afectar as comunicações di-gitais. Se por um lado as novas tecnologias aparentementerevelam algo novo, por outro, elas são maioritariamente di-gitalizações de processos analógicos ou tradicionais. As me-táforas ulizadas nas interfaces grácas de computador sãoo reexo de funções analógicas que agora são mediadas digi-talmente. Com esta armação pretendemos salientar o factode o termo “novas tecnologias” ser massivamente mal em-pregue, fruto de uma “excitação tecnológica” tão úl para omercado de hardware e soware.

A novidade maior do digital é a diluição de noçõescomo fronteiras, espaço, estado sólido ou líquido e a possi-bilidade de operar imediata e imersivamente mul-conexõesde informação. Os computadores apresentam-se então comouma nova cultura de transparência, ou seja, um espaço hi-per-conectado de informação manipulável onde as interfa-ces tendem a desaparecer. Podemos dizer que a “cultura dainterface” é uma cultura onde o computador se torna umser adquirido, dado que as aplicações digitais intermediadas

imersiva num espaço digital que pressupõe a sensação de se estar -sicamente dentro desse espaço. Enquanto “presença” corresponde àpercepção natural no mundo sico, “telepresença” associa-se à per-cepção mediazada. Ver Brenda Laurel, Computer as theatre, 1991.

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CAPÍTULO 1

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por interfaces grácas ou espaços digitais, como a Realida-de Virtual, apresentam-se do modo mais transparente pos-sível, para que, como úlma interface para as nossas acções,apareça simplesmente o corpo. Objecva-se que o meio sejaapenas a mensagem.

Porém, quando falamos em novidades apresentadaspelo digital, temos de procurar se em tecnologias anterio-res não encontramos vesgios ou aplicações semelhantes

às que o digital parece apresentar. Hoje, quando ulizamossowares de modelação tridimensional, as plataformas parao desenho são semelhantes às tecnologias de representaçãoangas, mas com o verdadeiro incremento de poder associarinformação extra a cada risco que traçamos no acto de de-senhar. Comando atrás de comando, as aplicações orienta-das por objectos (Object Oriented Programing) registam emdiferentes camadas toda a informação gerada para atravésde vista esquemáca podermos visualizar ou editar os passosque acabamos de dar. Quando avaliamos trabalhos de alunosem disciplinas de pós-produção vídeo e 3D, basta abrirmosos cheiros para podermos compreender o seu raciocínio eagilidade técnica demonstrada. Consideramos esta a verda-deira revolução do digital, um novo po de trabalho editadopor camadas e transmido universalmente para poder ser

visualizado por qualquer pessoa que se encontra sicamen-te separada dos conteúdos desse projecto. A reulização detecnologias angas permite uma maior aceitação dos novosmédias e, por conseguinte, proporciona uma maior transpa-rência na comunicação por estarmos a ulizar técnicas quenos são muitas vezes aparentemente inatas.

A transparência confunde o ulizador das ligações maispróximas centrando-o no objecvo que pretende alcançar.Ao pregarmos um prego na parede, o martelo tende a “de-saparecer” quando o processo é repedo inúmeras vezes. Domesmo modo, o rato de computador é substuído pelo seuavatar, o cursor. A noção de transparência é quase total pois

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a nossa concentração procura posicionar o cursor num deter-minado ponto da interface e não reecmos que temos desegurar um objecto, movimentá-lo através da nossa mão epressionar um dos seus botões para comunicarmos.

A transparência do digital não pode ser consideradauma inovação, apenas uma caracterísca que foi ampliadaem relação às tecnologias mais angas. A transparência, ouimersão, já exisam anteriormente. Como exemplo mais co-

mum, a roupa que vesmos é senda como pele. Esta tec-nologia, com o intuito de proteger e ampliar a imagem docorpo, é totalmente transparente no quodiano até ao mo-mento que ocorre um acidente. Nesse instante, quando ne-cessitamos de a substuir compreendemos claramente quevesmos algo por cima da nossa própria pele.

Do mesmo modo, a transparência que se procura criarnas interfaces de sowares, jogos de computador ou Reali-dade Virtual, já era desejada em parentes analógicos destasnovas tecnologias. No século quinze, o movimento arscorenascensta Quarocento cou caracterizado por desenvol-ver um sistema de guração dos objectos representados emperspecva de modo a que o espectador casse totalmenteimerso no espaço da representação. Se na arquitectura, Fi-lippo Brunelleschi ulizou a luz para ligar os elementos ar-

quitectónicos distanciados, no desenho, Leon Basta Alberdenia a representação espacial através da perspecva có-nica, uma técnica onde todas as linhas convergem para ummesmo ponto. Chamado “ponto-de-fuga”, o centro da telaera o seu lugar (representando o innito) e altura coinciden-te com os olhos do espectador. Esse ponto de fuga reduzia aperspecva linear de Euclides de um modo monocular paraprovocar o maior efeito possível de imersão no espectador.Os pintores de tradição renascensta, como Caravaggio, pro-curavam a transparência colocando o espectador no centroda acção como se fosse uma experiência na primeira pessoae oferecendo a representação realista dos elementos através

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de luz, cor e linha diluída.Com agilidade técnica, o traço era escondido, porém

para se conseguir uma perspecva realista e uma interpre-tação de luz mais próxima do real foi necessária a ulizaçãode novas tecnologias. Muitas das funções históricas do olhohumano estão a ser substuídas por técnicas onde as ima-gens não se posicionam da maneira tradicional de como ob-servamos, ou nos apercebemos do mundo real (Crary, 1992,

pp.1-24). A digitalização do mundo real para uma nova ca-mada informacional sobre os objectos, pessoas ou ambien-tes, precisa de ser mediado por ferramentas ampliadoras dossendos naturais do homem.

A experiência do desenho através da câmara escura éum processo de individualização, no sendo que o observa-dor é isolado do mundo exterior, enclausurado num espaçoescuro, com a projecção de um pedaço único do mundo ex-terior (Crary, 1992, pp.38-39). Esta é a importante diferençaentre a experiência do desenho da perspecva e do desenhoatravés da câmara obscura. A técnica intromete-se entre oobservador e o seu alvo, ao ponto de o desconectar do mun-do real para o introduzir subjecvamente noutro espaço. Osregistos históricos não mentem esta armação, David Hock-ney mostra claramente, como muitos pintores erraram tecni-

camente a representação da perspecva ao ulizarem a câ-mara escura (Hockney, 2001, pp.86-99). O mesmo acontecese tentarmos desenhar, por exemplo, uma paisagem e recor-rermos à fotograa para fotografar os seus pormenores. Aoplanicarmos as fotograas reveladas da paisagem sob umamesa, percebemos que não conseguimos montar o puzzle,porque a distorção que as lentes provocam, mostram comocada fotograa é um extracto bem denido de uma determi-nada paisagem.

David Hockney procurou reproduzir as técnicas de vá-rios pintores para perceber qual a ligação da pintura a novosartefactos técnicos como as lentes, espelhos e câmaras es-

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curas. Até ao aparecimento da fotograa, a pintura procurao mimesmo da realidade, uma transparência que deixa defazer sendo quando surge a câmara de Niepce, pois a inven-ção da fotograa representa a perfeição da perspecva linear(Bolter & Grusin, 2000, p.25). O estudo de Hockney mostracomo a pintura ulizou espelhos e efeitos de lentes (câmaraescura) desde 1400 até 1870, momento em que Manet, Ce-zanne, entre outros, respondem ao realismo da fotograa e

apresentam movimentos arscos únicos da pintura.A fotograa é então o modo automáco para a repre-

sentação da perspecva linear, por outras palavras, é ummeio para a transparência da representação realista. Perce-bemos assim que a noção de transparência nos médias di-gitais não é uma inovação, mas sim mais uma caracteríscaque absorveu de médias angos.

As principais novidades do digital apresentam-se nosconceitos de crossmedia, na possibilidade de fundir váriosmeios, seres e espaços num só média. Signica que as fron-teiras se encontram diluídas numa nova natureza mulfa-cetada e uida que choca com a tradicional noção espacialeuclidiana. O território vive organizado numa infra-estruturaonde a telemáca é a chave da ligação, tornando rede e lugarem conceitos ínmos (Furtado, 2002, P.27)

A velocidade eléctrica que gerou a aldeia global deMcLuhan deu lugar ao “espaço de uxos” de Castells. O autordescreve, nesta expressão, como a mobilidade e uidez rede-nem todo o sendo de estabilidade que tradicionalmente seassocia ao espaço e ao lugar (Castells, 2001, pp.492-495). Arede digital que cobriu o globo permiu associar informaçãoaos objectos sicos, proceder à sua reprodução num univer-so paralelo de modo a ampliar a comunicação entre objectostécnicos e naturais. Com a agregação de todas as informa-ções num só objecto, gerou-se o termo mulmédia, ou seja,um novo conceito que (Packer e Jordan, 2001) é capaz de in-tegrar várias tecnologias e representações arscas de uma

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CAPÍTULO 1

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forma totalmente manipulável e hipermediada, através detrajectos explorados por ulizadores em ambientes digitais.

Em “Das Kunstwerk der Zukun”, Richard Wagner sa-lientava o facto de ser necessário combinar os diversos ramos

das artes, como a música, a pintura, a poesia, a dança ou aarquitectura, para se poder criar uma obra de arte total. Cho-cando com a ópera lírica contemporânea, este compositoralemão defendia que para se imergir num teatro musical eranecessário criar um produto completo de luz, som, imagem,representação e cenograa. Este é o princípio da RealidadeVirtual, ou seja, um ambiente imersivo mulmédia que re-vela um universo digitalmente criado para a interacção de

pessoas, objectos e seres digitais. No famoso teatro Festpie-lhaus (Bayreuth, Alemanha) Wagner procurou captar a aten-ção do espectador através de som surround, efeitos de luz,escondendo a orquestra como também revitalizando a arqui-tectura dos teatros gregos. A fusão de todas as artes para aconstrução de uma obra de arte completa, ou Gesamtkuns-

twerk  como o próprio a deniu, engloba parte do conceito de

mulmédia.A presença de meios de representação disntos numamesma obra remonta a um passado muito mais distante. En-tre os séc. VIII e XI, na arte chinesa, a caligraa, a pintura e apoesia fundiam-se nas “três perfeições” do arsta. Este con-

Fig. 07 - Relação entre realismo e abstracto na arte(David hockney, 2001)

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ceito denia que o arsta poderia expressar-se por diferentestécnicas para procurar um momento arsco, tal como o po-eta Dick Higgins na década de sessenta defende o happening como um movimento de “Fusão Conceptual” de diversos mé-dias. Higgins sugeriu que os arstas poderiam ulizar qual-quer média, objecto ou experiência para serem incorporadosno processo arsco.Higgins deniu então o termo Intermé-dia para estabelecer um movimento sem fronteiras ou regras

para a mistura de diversos médias na concepção de um novomeio. Fundindo a palavra escrita com som, imagem, repre-sentação e movimento, os poetas convergiam então para adigitalização da poesia numa lógica de hipermédia anteven-do-se assim o conceito de hipertexto11  através de uma po-esia “intermediada”. Higgins pergunta se a Intermédia deveser catalogada como um movimento arsco ou como umainovação irreversível comparável à do desenvolvimento damúsica instrumental, como se fosse uma interface de comu-nicação arsca e não apenas mais um movimento das artes.

Neste panorama de experiências hipermediadas em re-des, torna-se mais evidente a colaboração entre a máquinae o homem no processo criavo. «The hope is that, in nottoo many years, humans brains and compung machines willbe coupled together very ghtly, and that the resulng part-

nership will think as no human brain has ever thought andprocess data in a way not approached by the informaon-handling machines we know today» (Licklider, 2001, p.57).

Licklider percebeu o enorme potencial criavo queexiste no diálogo homem-máquina devido à imediatez eexibilidade que o processamento digital pode oferecer aoulizador. Novamente, a possibilidade de cartografar pensa-

11 A imagem de hipertexto pode ser comparada à de uma teia mole-cular, onde inúmeras ligações conectam em simultâneo pontos afasta-dos. Após a visão de Vannevar Bush (Memex ), do hiperlink  de DouglasEngelbart, Ted Nelson regista o termo hipertexto. Ver Ted Nelson, “AFile Structure for the Complex, the Changing, and the indeterminate”in The New Media Reader , pp.133-146.

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mentos em tempo real num ecrã de computador é algo ex-traordinário e francamente impulsionador para um novo pode comunicação intermediado por arte e ciência. A noção detéchnê  de Aristóteles, onde não existe diferenciação entrearte e ciência, é uma evidência nos dias de hoje, onde nãoexiste trabalho arsco com um desnível acentuado entre aparcipação de um arsta e de um engenheiro. Billy Klüver12 tenta defender que a parcipação de um engenheiro num

projecto arsco é totalmente necessário, porque se segun-do McLuhan a tecnologia é uma extensão do nosso sistema,não podemos separar a tecnologia das nossas vidas nem doprocesso criavo. Klüver pretende claramente sugerir que aulização de engenheiros por parte dos arstas vai esmularuma nova imagem da tecnologia, fornecendo novas possibili-dades do seu uso na vida quodiana para o futuro.

Para ilustrarmos a ideia de Klüver, podemos observar oexemplo da tecnologia da escrita, pois esta absorveu médiasangos, como a oralidade e o desenho, para se posicionarcomo um novo média. Este acto que Bolter e Gruisin chama-ram de remediaon, tornou-se mais agressivo na época digi-tal, devido à possibilidade das tecnologias digitais poderemcombinar mais velozmente outras técnicas em novas maisabrangentes (Bolter & Gruisin, 2000, pp.21-62). Naturalmen-

te, o nascimento destes novos médias só é possível na uli-zação de variados recursos, ao ponto de ser fundamental aulização de especialistas de todas as áreas.

12 «I will argue that the use of the engineer by the arst is not only un -avoidable but necessary.», Billy Klüver, “the Great Northeastern PowerFailure”, in Mulmendia from Wagner to Virtual Reality, p.35.

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1.3 Do hipertexto aos mundos virtuais 

«Mas que tais formas de comunicação sejam execu-tadas automacamente, que se prolonguem à quase tota-lidade do planeta e que constuam um médium, isso já é

seguramente uma nova conguração da experiência.»António Machuco Rosa

A materialização de um texto interacvo de leitura não-linear, depende sempre da ulização de diversos meios e, porconseguinte, do saber-fazer de várias prossões.

O que é intrigante no hipertexto é a possibilidade de al-teração da leitura tradicional, estendendo oportunidades desaltar de link em link na procura de novos argos ou conhe-cimentos (Schneiderman, 1998, p.556). Esta não-linearidade já exisa nos livros tradicionais, porém a diferença essencialencontra-se na mediação e no mapeamento da leitura. Ray-mond Queneau publicou centenas de ras de papel no seulivro cent mille millhards de Poèmes, cada uma com uma fra-se, para que o leitor pudesse criar “cem mil poemas” a parrde conteúdos pré denidos, ou seja, “hiperligando” as ras, o

leitor poderia innitamente navegar por poemas.George Landow e Paul Delany deniram hipertexto

como um corpo desfragmentado em vários membros conec-táveis directamente entre si, transformando o texto numacomplexa rede de unidades textuais que podem ser explora-das livremente de um modo não hierárquico mas centraliza-do (Landown & Delany, 2001). Signica que quanto maior for

o número de ligações entre as palavras de um texto, maiorpoderá ser a conecvidade entre os extremos proporcionan-do a lógica de um “mundo pequeno”13. «But it can also pro-13 A própria World Wide Web é hoje constuída por uma estrutura em

Link , ou seja, um conjunto de nós (páginas web) hiper-conectados que,segundo António Machuco, a evidência da sua evolução pode ser estu-

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JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 1

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vide a revelaon, by making visible and explicit mental pro-cesses that have always been part of the total experience ofreading»14.

A escrita em hipertexto propõe ao autor imaginar o per-curso do leitor segundo a ordem e relação entre os links para,de uma forma mapeada (vista esquemáca), ampliar a ex-periência da leitura tradicional através do recurso a diversossendos como a visão, a audição ou o olfacto15. O hipertexto

foi a esperança de um novo género literário, propondo atra-vés de cortes e montagens a possibilidade de o leitor poderconstruir uma narrava diferente de outro leitor de um mes-mo hipertexto.

«E agora o que querem fazer?» quesona BenjaminWoolley, «a escolha é vossa». O autor propõe o corte das pá-ginas do seu livro em vários pedaços para, desfragmentado,poder-se criar um novo texto (Woolley, 1997, p.196). Com aajuda dos computadores, através do acesso e manipulaçãoda digitalização da informação, torna-se mais acessível a des-truição de uma narrava, construindo uma nova a parr dos

dada a através da teoria matemáca dos grafos.Essa teoria consiste na existência de uma rede composta por nós que

se encontram ligados (ou não) entre si. Deste modo, saltando de nóspara nós, facilmente nos deslocamos de um extremo da rede para ou-tro. Assim explica-se como na Internet é possível deslocarmo-nos tão

rapidamente de um ponto do globo para outro, por ser baseada nestesistema po “mundo-pequeno”. Segundo Machuco Rosa, Barabási e osseus colaboradores introduziram o modelo dos grafos livres de esca-la que pretende explicar que as distribuições po a rede WWW , nãopartem de nós xos, mas sim de nós aleatórios que preferencialmentese vão conectando (links) e, por conseguinte, se mapeando na rede.Quanto mais ligações um nó possui, maior a probabilidade de vir a ad-quirir mais ligações. Tornar-se-ão cada vez maiores graças ao crescentenúmero de links apontados a si. Ver A. Machuco Rosa, Internet – Uma

História, pp.39-6114 George Landow e Paul Delany, op. cit. , p.228.15 A consola Sensorama desenvolvida Morton Heilig em 1965 recorria a

sendos como a visão, tacto ou olfacto, para a construção desta máqui-na que seria o “cinema do futuro”. Ver Morton Heilig, The Cinema ofthe Future” in Mulmedia from Wagner to Virtual Reality , pp.239-251.

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pedaços existentes. Signica que o hipertexto pode permiruma liberdade aparente de construção de novos conteúdos,quando estes são excertos espalhados pelo espaço digitalsem que se possa associar sempre o autor dos mesmos.

William Burroughs propôs um método de escrita, os cut-ups, para a destruição do controlo da narrava. Alterando assequências que um autor propõe, o conteúdo da mensagempode ser alterada profundamente, ao ponto de nos perder-

mos em palavras ou guras sem que se consiga prosseguirnarravamente (Burroughs, 2003). Quando navegamos empáginas de Internet, é frequente sermos reencaminhadospara novos conteúdos quando escolhemos as ligações dispo-níveis, sem que sejamos saciados do objecvo principal danossa pesquisa.

Tristan Tzara experimentou uma técnica nova para fa-zer poesia que consisa na desfragmentação de um poemaem linhas, cortando o papel, para posteriormente misturartodos os pedaços num chapéu. Ao rerar pedaço a pedaço,construía-se um novo poema. Quando frequentei o ensinosecundário experimentei este jogo adicionando desenhosàs frases construídas. Um colega escrevia uma frase, outrodesenhava-a para preenchermos por completo o pedaço depapel disponível, criando assim uma narrava a parr des-

tas sucessivas frases e desenhos. Muitas vezes construíamosconteúdos percepveis, porém com maior frequência o re-sultado era negavo.

Michael Joyce desenvolveu um sistema capaz de unirtextos, estruturando-os para navegar entre eles intuladoStoryspace. A parr do conto O Jardim dos caminhos que se

bifurcam de Jorge Luís Borges, Joyce criou um romance inte-racvo onde os leitores poderiam seguir inúmeros caminhosà sua escolha. O aspecto posivo é a liberdade que o uli-zador tem de navegar, com a possibilidade de alcançar des-nos, pré-programados é certo, mas inesperados. Não temque seguir necessariamente as direcções de um guia, apenas

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descobrir novos caminhos, porém o ulizador pode facilmen-te perder-se num labirinto de frases e desinteressar-se total-mente da viagem que vivencia.

Quando lemos um livro, o autor propõe um espaço e anossa imaginação irá reconstruir através da experiência ad-quirida ao longo da nossa vida. A história é o meio para acção, porém se reramos todo o contexto narravo, o leitorpoderá não conseguir descodicar a informação e perder-se

num espaço totalmente indenido. Deste modo, quando fa-lamos de um romance interacvo, estamos a referirmo-nos aum romance em que podemos escolher ou alterar os cami-nhos? Se escolhemos caminhos, signica que o autor propõeuma narrava arborescente e pré-programada que permiteuma liberdade aparente do ulizador optar por direcções aseguir. Este princípio é igual ao mapa do “velhinho” e bási-co jogo Outrun (SEGA, 1991)16, se queremos que o ulizadorsinta uma maior liberdade no jogo, é necessário criar uma ár-vore mais complexa, mais variada, para angirmos um maiornúmero de desnos possíveis.

Por outro lado, se podemos alterar os caminhos signi-ca que o leitor é o próprio conceptor da narrava e esseé o princípio que Woolley propõe. Ao destruirmos o seu li-vro em pedaços, alterando a sua ordem e escrevendo novas

linhas, podemos criar algo novo. Hoje, quando os jogos decomputador já não nos encantam pelo realismo gráco domundo representado, os produtores de jogos oferecem ago-ra a possibilidade do jogador criar os seus próprios universose personagens. Os jogos são cérebros de inteligência ar-cial que podem ser transportados para qualquer cenário, as-

16 Outrun foi desenvolvido pela SEGA em 1991 e foi um enorme suces-

so nas consolas de jogos. Todos os salões de jogos adquiriram estasmáquinas angindo um enorme retorno no invesmento, pois o jogooferecia uma ópma jogabilidade (há quinta tentava o jogador já do-minava o Ferrari) e um mapa com seis nais disntos angíveis atravésdas escolhas de direcção que o jogador fazia nas encruzilhadas do per-curso (nota: hp://outrun.org/new/index.html).

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sim sendo, o processamento do jogo é feito num local quese conecta ao nosso computador para “carregar” (load ) oscenários a um servidor de Internet onde estão alojadas aspersonagens. Quando compramos o jogo World of Warcra(Blizzard, 2004) recebemos quatro cd’s com apenas o espa-ço do jogo. Para o jogar precisamos de estar conectados àInternet, porque é lá que vivem todos os outros avatares demilhões de ulizadores e outros tantos seres digitais. Outros

 jogos, como o Half Life 2 (Sierra, 2004), Doom III (id, 2001)ou Counter Strike (Sierra, 2003), permitem que os jogadorespossam alterar a extensão dos limites do jogo se ulizaremum soware qualquer de modelação 3D para a concepçãotridimensional dos cenários ou personagens, se possuírem osprotocolos para a ligação compavel entre os dados geradose o processador do jogo17. Podemos criar mundos, convidar jogadores e, com éca ou sem éca, fazer o que mais dese- jarmos no limite possível da programação.

A interacvidade nos jogos é elevada porque permite atransformação dos conteúdos. Nos chamados lmes interac-vos, nós não fazemos parte da história, apenas podemos es-colher planos, ou caminhos pré denidos. Tal como nas rasde Oulipo18, sem alterar as frases fornecidas, criamos novos“poemas”, sugerindo assim o texto interacvo. Não quere-

mos referir os problemas de autoria que aqui se levantam,direccionamo-nos para as possibilidades de anexar outros

17 O processador de jogo é algo que não podemos editar, no entanto, os jogos de computador disponibilizam cheiros que podem ser editados,como por exemplo a informação visual das personagens de jogo (Skins),o cenário, entre outros.

18 OULIPO (Ouvroir de Liérature Potenelle) é a constuição de um gru-po de escritores e matemácos, onde se destacam Raymond Queneau,

François Le Lionnais, Claude Berge, Georges Perec, and Italo Calvino.Queneau é o autor do livro “Cent Mille Milliard de Poèmes” que con-siste num conjunto de 10 sonetos nos quais, cada uma das 14 linhasque os compõem, se encontram separadas para permir cem mil mi-lhares (1014) de diferentes poemas. Ver Raymond Queneau, Cent mille

millards de poèmes, 1961. Ver também hp://www.oulipo.net/

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Fig.08) OutRun (SEGA, 1991)

Fig.09) World of Warcra (Blizzard, 2004)

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Fig.11) Grand The Auto: Vice City (Rockstar Games, 2002)

Fig.10) HalfLife2 (Valve, 2004)

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médias aos tradicionais textos. Possibilitando os cut-ups, en-riquecendo os conteúdos com imagens, sons ou cheiros, osulizadores da Internet são jogadores num espaço digital.Este foi o sonho hipermédia revelado no Memex de Vanne-var Bush, que hoje se estende aos jogos de computador ese pretende associar ao mundo real através da ampliação daRealidade Virtual para a Realidade Aumentada. A Hipermédiaaproxima-se da nossa maneira natural de sintezar a infor-

mação que é recebida através da interacção dos nossos sen-dos, ampliando as nossas capacidades de memória numavisão da organização mental de Simónides.

Por outro lado, com a capacidade de parlhar a infor-mação em rede digital, a Hipermédia permite o trabalho cor-poravo se o modo de aprendizagem, leitura ou escrita foruniversal. Os designers de interfaces têm de preparar os con-teúdos para a massiva e simultânea interacção de ligações,provando mais uma vez que é necessário integrar o maiornúmero de especialistas nas áreas requisitadas para a con-cepção de qualquer projecto contemporâneo. 

Se cruzamos diferentes técnicas e saber-fazer numaúnica interface, torna-se pernente a compreensão das raí -zes das diferentes tecnologias dos novos médias. Como ob-servamos anteriormente, no meio digital é tendência comum

a velocidade de aperfeiçoamento dos angos médias paranovas actualizações, de modo a procuram relacionar-se deuma forma cada vez mais abrangente em aplicações hiper-mediadas, ampliando as capacidades das técnicas mais obso-letas. Assim sendo, os hipermédia herdam propriedades detecnologias de representação que procuram suplantar (comoé o exemplo da imprensa, pintura ou fotograa) recongu-rando-as em novas tecnologias digitais (jogos de computa-dor, realidade virtual, Internet, entre outras). Signica entãoque a compreensão dos novos médias implica uma análisecuidada ao processo de mediação e remediação que hojeocorre (Bolter & Gruisin, 2000).

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1.4 Hibridismo ou transparência nos novos médias

«Remediaon did not begin with the introducon of digitalmedia. We can idenfy the same process throughout thelast several hundred years of Western visual representa-

on.»J. D. Bolter e Richard Grusin

Referimos anteriormente como a pintura de Caravaggioprocurava o realismo através da representação de luz, pin-celadas diluídas e ponto-de-fuga segundo as regras da pers-pecva renascensta na tentava de colocar o espectador“dentro” do espaço da representação. Esta foi uma forma deprocurar a transparência dos médias ulizados até que sécu-los mais tarde a invenção da fotograa surge como uma téc-nica para mostrar o mundo tal como ele é, uma reproduçãodo real. Porém, uma das tecnologias ulizadas na construçãoda máquina fotograa - a câmara escura (Câmara Obscura) – já nha sido usada também na pintura para se conseguiruma maior aproximação à imagem real. Este é um exemplode “remediação” na tentava de esconder a ulização de mé-dias angos e na procura da transparência, ou seja, no acto

de negação da própria mediação que ocorre.Tanto nos novos como os angos médias se procurou

a transparência (immediacy ) de modo a criar a ilusão que oespectador habitaria um novo espaço. Nos livros do períodomedieval procurou-se ilustrar o texto com letras capitularesmuito trabalhadas gracamente para ilustrar e concentrara atenção do leitor, tal como hoje se elaboram banners depublicidade apenas com palavras escritas para melhor atrairos cibernautas. A transparência consegue-se através de umarelação “natural” na conexão homem-máquina, ou seja, ad-quirida. Se numa escrivaninha guardamos chaves ou docu-mentos organizados em diferentes gavetas que acedemos

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directamente num painel, torna-se mais compreensível umainterface de computador representada metaforicamentecomo um contador onde guardamos os nossos documentos.Logo, se um novo média se apropria de propriedades de ou-tro, a experiência de pintar numa tela deverá ser confrontadacom o acto de pintar num soware como Adobe Photoshop.

Para o melhor ou para o pior, as comparações surgemimediatamente, porém na maior parte das vezes a aversão

aos médias digitais sobrepõe-se por estes serem muito maisagressivos na ulização hipermediada de ferramentas que osseus antecessores. A parr do momento que um computadoroferece centenas de ferramentas para desenhar e se introme-te entre o desenhador e o desenho através de um interfacepré-programado, a relação é muito menos transparente. Napintura tradicional, escolhemos um pincel e pintamos livre-mente até ao momento em que trocamos de pincel ou cor.Com o domínio da técnica dá-se a transparência dos meiostecnológicos ulizados até ao instante da ruptura, quandoum pêlo de pincel ca embebido na nta por exemplo. Numprograma como o Photoshop, à interacção das ferramentasdisponíveis é hipermediada e pré denida. Quando escolhoum pincel tenho de o congurar o que me obriga a conheci-mentos adicionais, o pintor digital precisa dominar o fabrico

de pincéis digitais. Esta não é seguramente uma obrigaçãodo pintor tradicional, pois basta-lhe adquirir os pincéis quedesejar.

Os novos médias pretendem ser sempre uma evoluçãodos anteriores o que pressupõe uma presença mais forte dassuas ferramentas, mas mantendo sempre a transparênciacomo principal objecvo. A RV é um ambiente imersivo, oque pressupõe que as interfaces usadas sejam totalmentetransparentes. Apesar da ulização de um Head Mounted

Display   (HMD) ser pouco transparente, as imagens geradascom elevada qualidade gráca e projectadas em estereosco-pia para o nosso cérebro dão a oportunidade do ulizador

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experimentar um mundo digital na primeira pessoa. No lmeStrange days (Kathryn Bigelow, 1995), os ulizadores da Wireulizavam um capacete muito mais ergonómico que os actu-ais, porém é Cronemberg que no lme eXistenZ (1999) nosindica uma ligação orgânica para um novo mundo indisnguí -vel do original19.

Com a tecnologia actual é ainda dicil uma transpa-rência total que muitos entusiastas da RV procuram, pois

os mundos virtuais deverão ser espaços imersivos que pres-supõem total transparência na interacção, signicando queestes universos devem ser “naturais” onde a única interfaceseja o próprio corpo. A RV é assim uma interface que pro-cura conectar todos os sendos humanos num único médiatotalmente transparente onde se subentende a eliminaçãoda própria mediação, ou seja, uma contradição que Grusin eBolter deniram como Double Logic of Remediaon.

Num jogo digital de corridas de automóveis, procura-sedar a noção que o jogador está mesmo sentado no cockpitdo automóvel. Hoje já é possível adquirir baquets de compe-ção com efeitos de force-feed-back  (retroacção)20 para criar

19 No lme Strange Days, Lanny Nero (Ralph Finnes) é um vendedor desonhos. Através de uma tecnologia de realidade virtual (RV), os seusclientes podiam experimentar sensações vividas por outras pessoas

através de um capacete virtual que os conectavam à rede (wire). Planossubjecvos introduzem o espectador na simulação de RV proposta pelolme. Por outro lado, Cronemberg afasta-se deste thriller  (ou lme decção cienca) e propõe-nos um problema muito mais interessante:«Are we sll in the game?».

  eXistenZ , para além de uma demonstração do que a RV e os jo-gos de computador poderão vir a ser um dia, é um lme paradigmá-co, no sendo que nos apresenta um problema sob a transparência. O

 jogo “eXistenZ ” apresentado por Allegra Geller (Jennifer Jason Leigh)

proporciona experiências onde não é possível disnguir o real do ar-cial. A ilusão é de tal modo completa, que Cronemberg projecta para oespectador a mesma sensação de desnorteio. Após visionarmos o lmenão percebemos quando começou o jogo, nem se alguma vez acabou.

20 A noção de retroacção ( feedback ) nasce na década de 40 com a ci-bernéca através dos desenvolvimentos de Norbert Wiener no MIT.

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CAPÍTULO 1

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sensações realíscas de condução extrema através do tacto.O som é surround , a imagem pode ser projectada em grandeformato para uma tela e a interacção com o espaço do jogofaz-se através de um conjunto de pedais e volante. Com o re-alismo gráco21 de um jogo como o Colin McRae 2004 (Code-masters, 2003) ou Grand Turismo 4 (Sony, 2005), a sensaçãode imersão é elevadíssima.

O conceito de “dupla remediação” de Bolter e Grusin

reforça a preocupação em adicionar o maior número de hi-permediações (hipermediacy ) do modo mais transparentepossível num único suporte. O jogo de computador prometecolocar o jogador dentro do automóvel para se obter a expe-riência de conduzir, tal como num soware 3D disponibilizadiversas ferramentas para simular técnicas de construção ar-quitectónicas, logo a transparência que ocorre nestas acçõessão devidas a puras hipermediações. Ben Shneiderman u-liza o exemplo de condução de um automóvel para explicaro princípio de “Manipulação Directa” que ocorre na mani-pulação de dados mediados por computador (Shneiderman,1998, pp.185-197). Quando conduzimos um carro, as nossasacções tornam-se totalmente transparentes, pois “apenas”nos transportamos de um local para outro. A acvidade tor-na-se adquirida, não reecmos o processo de engrenar uma

Neste período visava-se conceber máquinas capazes de analisar a in-formação do meio envolvente e responderem aos esmulos através decomportamentos programados. Ver Nobert Wiener, «Men, Machines,and the World About» in The New Media Reader , pp.65-72; Ver tam-bém Philippe Breton e Serge Prolux,  A Explosão da Comunicação, pp.100-110.

21 Bolter e Grusin diferenciam “photorealism” de “lmic realism” paraprocurarem uma maior clareza nos termos ulizados. Uma imagem ge-rada por computador pode ser fotorealísca, termo ulizado por um

fotograma ser uma imagem só. Tal como na fotograa, uma animaçãorealizada por computador gera uma sucessão de fotogramas, ou seja,um único lme. Se o parente de uma imagem digital é a imagem analó-gica, a fotograa, é igualmente válido que para o lme digital esteja olme analógico, assim sendo, se ulizamos a denição “fotorealismo”devemos especicar também o termo “lmo realismo”.

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mudança tal como não pensamos os passos no acto de ca-minhar. Os nossos pensamentos centram-se num nível supe-rior à mediação que ocorre nesta relação homem-máquina.A transparência apenas se dilui no momento em que ocorreuma circunstância adversa e nos obriga a vericar os meca-nismos da acção. É nesse momento que nos deparamos coma primordial acção que decorre e o média se torna totalmen-te opaco.

Esta é a contrariedade que o conceito de Remediaon revela. Se por um lado procuramos a transparência dos mé-dias para criar imersão (immediacy ) na comunicação huma-na, por outro, enriquecemo-la sucessivamente de mais liga-ções (hipermediacy) para ampliar a qualidade da mensagem.Se observarmos o exemplo do portal Sapo, assiste-se à hiper-mediação de conteúdos de modo a concentrar numa páginade Internet, o maior po de informação possível, para que oulizador se sinta livre e possa ouvir, ver, ler ou senr as men-sagens. A hipermediação é possível, pois o suporte oferecetexto, som e imagens de um modo tecnologicamente muitoconcentrado, mas o mais importante, é que a informação éelaborada (ou remediada) sob as técnicas do jornalismo im-presso em jornal, de publicidade de outdoors (reulizadasnos pop-ups), entre outros, de modo a que a experiência do

média tradicional seja transposta para o média digital.Uma tecnologia híbrida, o Sensorama de Morton Heilig,

não deve ser esquecida, pois foi a primeira tentava de mas-sicação de máquinas para jogos de vídeo imersivos. O Sen-sorama foi um jogo do po arcada, comparável com o Outrun(SEGA, 1991), que se inspirou no Cinerama e em lmes deestereoscopia, para proporcionar ao jogador uma sensaçãode imersão mediada pelos principais sendos que, segundoHeilig, iria ser o futuro do cinema22. O Sensorama deve ser

22 «Each basic sense will dominate the scene in roughly the same propor-on we found them to have in man. That is, sight, 70%; sound, 20%;smell, 5%; touch, 4%; and taste, 1%.» Ver Morton Heilig, “The Cinemaof the Future”, in Mulmedia: From Wagner to Virtual Reality , p.249.

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CAPÍTULO 1

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Fig.12) StrangeDays (Kathryn Bigelow, 1995)

Fig.13) Elephant (Gus Van Sant, 2000)

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Fig.15) Projecção em estereoscopia

Fig.14) Sensorama (Morton Heilig, 1962)

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considerado como o principal protópo para o espaço cúbicode RV intulado de Cave23, pois pela primeira vez um jogo decomputador procurava intrometer-se do mesmo modo queum arsta pretende controlar uma audiência ao fornecer ailusão e sensação que os espectadores se encontram real-mente nesse espaço - a experiência na primeira pessoa. O jogo e as suas regras não são o mais importante, pois apenasse baseavam numa viagem de mota pelas ruas de Manna-

than. Interessa sim salientar o modo como Heilig pretendiacriaro efeito de imersão, promovendo um novo cinema mulsen-sorial através de hipermediação.

Vericando que o mundo real é uma complexa teia deligações sensoriais conectáveis em níveis altos ou mais bai-xos, Heilig procurou desenvolver um produto capaz de in-teragir niveladamente com o sistema nervoso humano, poreste ser a base da percepção humana. Se eliminarmos partesdo sistema nervoso, como a visão, a apreensão do mundodiminui, do mesmo modo que um sujeito sobre o efeito dedrogas ca com uma noção deturpada da realidade. SegundoHeilig, quando experimentamos a vida real, somos tocadospor inúmeras ligações a todos os níveis sensoriais, logo estedeverá ser o princípio para o “cinema do futuro”, ou seja,

a hipermediação total do cinema. «Open your eyes, listen,smell, and feel – sense the world in all its magnicent colors,depth, sounds, odors, and textures – this is the cinema of the

23 CAVE  (Cave Automac Virtual Environment ) é um espaço cúbico ondesão projectadas imagens para, através de óculos especiais (Head Moun-

ted Display ), nos senrmos presentes num espaço arcial. O nomerefere a alegoria da caverna de Platão ( A República) no sendo quepara lá das faces do cubo, existe um espaço imenso para explorar. A

CAVE foi desenvolvida por Thomas di Fan, Daniel Sandin e CarolinaCruz-Neira, nas universidade de Illinois (Chicago) e apresentada publi-camente na Siggraph  em 1992. Para juscar o desenvolvimento daCAVE, é imprescindível não ignorarmos o Sensorama de Morton Heilig,o The Ulmate Display  de Ivan Sutherland ou o Videoplace de MyronKrueger. Ver Michael Hein, Virtual Realism, pp.26-32.

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future!»24 O Sensorama foi mais que um jogo. O facto de conduzir-

mos uma mota com visão na primeira pessoa, ou plano sub- jecvo como é conhecido no cinema, permia uma imersãovisual muito próxima da realidade. Enquanto um quadro daRenascença elaborado segundo a perspecva cónica procu-rava a imersão com o auxílio do mimesmo da representa-ção, o realismo era aqui explorado ao nível da experiência.

Tal como num lme, onde é dado adquirido que as perso-nagens são ccias, representam pessoas imaginárias, maso realismo é transmido na representação da acção e nosconteúdos tratados. Será a experiência que temos da vidaquodiana que poderá proporcionar maior imersão numanarrava cinematográca. Um guião mal elaborado gera tan-ta opacidade quanto uma explosão exagerada ou como umbigode posço de fraca qualidade numa personagem.

No caso de um jogo de computador, o realismo daexperiência é mais importante que o realismo dos grácosconstruídos quando se procura garanr uma maior imersãodo jogador. É mais importante a qualidade da condução numsimulador do que o tratamento gráco do espaço que se ha-bita. Este é um assunto que trataremos com mais atençãonos capítulos II e IV, mas que importa desde já referir por

ser uma das maiores preocupações de Heilig no desenvolvi-mento do Sensorama. Seguindo a esmava que os sendosocupam diferentes percentagens na percepção humana, o ci-nema do futuro deveria, segundo este autor, procurar “hiper-conectar-se” sensorialmente de modo a deixar de ser “artevisual” para ser “arte de percepção”. Este nome de “cinema

24 O lme interacvo I’m your man (Bob Bejan, 1992) reforça a diferença

entre lme e jogo de computador. A interacvidade limita--se à escolhade um caminho a seguir (36 opções), enquanto num jogo somos muitomais livres, podemos interagir com o espaço ou personagens que ro-deiam, comunicando face a face. Nunca, num jogo de computador, asimagens se repetem, ao contrário de um lme. Ver hp://www.village-voice.com/news/9833,bunn,372,8.html.

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de futuro” é pouco interessante, pois pressupõe um “cinemade passado”, obsoleto e provavelmente morto, o qual nãoaceitamos nem pretendemos aqui invesgar. Porém, se ana-lisarmos a expressão no campo meramente tecnológico, sur-gem aplicações interessantes que têm sido implementadasprogressivamente nas salas de cinema. Se o Sensorama apre-sentava som estéreo, as salas hoje estão equipadas com somsurround; o tacto é também já uma alternava para lmes do

género aventura, terror ou documentário em salas equipadascom cadeiras com tecnologia force-feed-back.

Quando introduzirmos o cheiro, o sabor e o livre arbí -trio, provavelmente já não estaremos a falar de cinema, serácinema interacvo25? Instalação arsca? Jogo? Mais umavez estamos a falar da experiência proporcionada que é to-talmente diferente num jogo, num happening ou num lmee que provavelmente dene o nível de imersão em cada umdestes médias. Interessa então reter deste projecto de Heilig,a importância do recurso dos sendos humanos para criarum maior nível de imersão como da “remediação” que estatecnologia apresentava. A imersão está dependente da for-ma como a informação é transmida e na capacidade queo espectador tem de descodicar a mensagem. Veja-se oexemplo do cinema: no período pós-Lumière, já que não po-

demos chamar de cinema, como hoje é conhecido, aos lmesdos irmãos Lumière, Grith procurou criar uma narrava ci-nematográca através da escala de planos. Opôs-se à tradi-cional visão renascensta, aos lmes de um só plano onde anarrava se desenvolve num espaço recuado, tal como acon-tece no teatro onde o espectador se encontra demasiado25 É muito importante a disponibilidade do espectador para se senr pre-

sente na realidade ccional do teatro. Antonin Artaud ulizou a expres-

são realidade virtual para defender que uma obra se «materialize emouro» o espiritual e a imaginação do espectador. Porém, nas salas decinema actuais, com som surround , imagens realistas em grande pro-

 jecção e cadeiras com reacções sicas de retroacção ( force feedback),projectam com maior intensidade o espectador para o centro da tela.Ver Antonin Artaud, O teatro e o seu duplo, 1989.

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distante para poder senr o ambiente ccionado. «As inova-ções grithianas são contemporâneas do cubismo – com afragmentação do objecto e com a mulplicidade do ponto devista – e da desarculação do espaço renascensta na pintu-ra.» (Viveiros, 2003, p.30) Grith, ao aproximar o espectadordas personagens e objectos, através de planos mais aproxi-mados (grande plano), mostra a representação dos actores,as suas expressões e os seus movimentos em pormenor. São

os enquadramentos fotográcos que ampliam a narrava etransmitem melhor o drama proposto.

Segundo estes princípios, Benoît Sokal criou o jogo decomputador Siberia II (MC2,2005), procurando oferecer umaaventura que se aproximasse à estéca cinematográca. Oscenários foram cuidadosamente desenvolvidos com a mes-ma preocupação que se elabora uma paisagem de um lme,para que o jogador possa experimentar uma aventura de ummodo mais distante que num jogo onde os planos são ape-nas subjecvos. Este é um exemplo claro de remediação, poisas técnicas e princípios estécos provêem de outros médias,como a pintura, a fotograa ou o cinema. No jogo Siberia IIhá uma preocupação enorme com a ambiência dos cenáriosporque estes ocupam um espaço maior do que no cinema.Aqui os planos podem ser muito mais demorados e o jogador

é quem controla o tempo. Sokal procurou a intensidade quea luz oferece sobre as paisagens, para criar espaços esteca-mente mais poderosos, tão importantes como os ambientesfuturistas de Metrópolis (Fritz Lang, 1927), os espaços ccio-nais de HR Giger nos primeiros lmes da saga Alien (RidleySco, 1979) ou as composições maepainng de ChrisanLorenz no The Fih Element (Luc Besson, 1997).

Esta aventura gráca é então um jogo de aventura, poTomb Raider (Eidos, 2005) que recorre a técnicas cinemato-grácas, com uma curiosa inuência da montagem do cine-ma para uma maior imersão na história que se vai desenro-lando. Se por um lado o tempo do jogo é real, assemelhando-

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se às teorias do movimento realista no cinema (Bazin, 1992),de outro modo a escala de planos previamente montados(montagem pré-programada) dão uma maior expressão ao jogo apesar do corte que ocorre na troca de planos. Enquan-to Bazin via o cinema como a verdade da fotograa, numanecessidade de representar o real, onde qualquer corte à no-ção de espaço-tempo era condenável, Eisenstein procuravaa exploração da montagem com o intuito claro de acelerar

o tempo linear. A ulização de diversos planos, que por si sósão cortes desfragmentados do espaço da acção, tornam-seum elemento único (a narrava) através da montagem ci-nematográca. Assim, este jogo procura no seu tempo úl,mostrar um espaço lmico captado por câmaras que seguemos princípios de montagem, na ulização de planos-sequên-cia e enquadramentos que visam aproximar o jogador do seuavatar e dos restantes elementos do jogo.

Se ignorarmos que o lme “A Corda” (Alfred Hitchcock,

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1948) foi integralmente lmado num interior de um aparta-

mento, as semelhanças com este jogo são extraordinárias.Este lme cou famoso por ter sido realizado num únicoplano sequência, porém os princípios da montagem cinema-tográca encontram-se bem demarcados com a inclusão dediferentes planos (gerais, aproximados, …) de uma determi-nada acção.

A montagem de Pudvovkin, discípulo de Eisenstein,

procurava a determinação de processos psicológicos no es-pectador (Viveiros, 2003, p.30), em vez de reproduzir deta-lhadamente toda a realidade como Bazin desejava, de modoa reduzir ao essencial e ao caracterísco. O jogo Siberia II éentão comparável, no sendo que Sokal escolheu determina-dos planos para centrar o espectador no essencial da acçãoque o seu avatar vivencia, ilustrando o ambiente com profun-das paisagens para criar a sensação que se habita um espaçode género “fantásco”. 

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2.1 Do virtual em geral

«There’s a place where you are going,

You ain’t never been before»

  Beck

Na Internet, jogos de computador ou interfaces digitais,as viagens que fazemos nesse espaço digital, o ciberespaço,

são intuladas de “trajectos virtuais”. O termo foi vulgarizadoao ponto de hoje reconhecermos “cidades virtuais” onde su-

postamente conhecemos “amigos virtuais” que estudam em“universidades virtuais”.

De um modo massivo, a palavra virtual é empregue

como sendo oposta ao real. No senso comum, dizemos queum objecto virtual é aquele que existe num computador e,

erradamente, denimos com demasiada clareza que todo oobjecto digital é virtual, sendo caracterizados com “um con-

ceito de” virtualização tudo o que se relaciona com compu-

tadores.Neste momento, para abordarmos um estudo sobre a

sensação de presença que um espaço de interacvidade di-

gital pode exercer no ulizador, torna-se essencial adoptaruma denição para o termo virtual.

  A Internet foi o meio para vulgarizar em larga escala

de senso comum o termo virtual, com a agravante que na

década de sessenta, Sutherland apresentou uma máquina

capaz de proporcionar a experiência em “mundos virtuais”,o Ulmate Display . Marie-Laurie Ryan salienta a importância

da Internet na banalização deste termo, pois antes desta serimplementada, a capacidade da virtualização do digital foi

associado, de modo infeliz, ao conceito de Realidade Virtualintroduzida por Sutherland”.

O projecto de Sutherland fantasiou a possibilidade de

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literalmente habitarmos mundos arciais, modelados di-gitalmente em três dimensões com tecnologias mulsen-soriais, interacvidade total para podermos imersivamentesenrmo-nos realmente dentro desse espaço. Esta foi segu-

ramente uma revolução enorme por ser possível através de

um disposivo mecânico (head mounted display ), movimen-

tar a cabeça e connuar dentro do mesmo espaço. O termovirtual começou então a ser muito ulizado no desenvolvi-

mento deste po de aplicações imersivas onde se pressupõea telepresença do ulizador. O aspecto fundamental que dis-

ngue a telepresença neste po de ambientes imersivos deoutros não imersivos, po jogo de computador ou cinema,é precisamente essa oportunidade de girar a cabeça, movi-

mentarmos todo o nosso corpo e connuarmos dentro damesma paisagem.

Curiosamente, Sutherland intulou o seu capacete de“a espada de Demôcles”, por parecer que a decapitação doulizador estaria iminente. Se por um lado a possibilidade deinteragir e nos movimentarmos num espaço provocava sen-

sações de imersão, por outro, o excesso de hardware e com-

plexas ligações que constuíam este capacete criavam muitaopacidade nesta relação homem-máquina que pretendia ser

o mais transparente possível.

A ideia de telepresença foi um desao para os meiostecnológicos, na década de cinquenta ambicionou-se a repre-

sentação do real através da projecção em estereoscopia1 de

lmes. O Cinerama, tecnologia que se baseava na projecção

de imagens para três ecrãs, foi um passo imediato por au-

mentar o ângulo de visão do espectador de uma forma tec-

nicamente muito simples. Hoje, evoluiu-se para o Omnimax ,

o mesmo princípio, mas sob uma projecção esférica para,

com som surrond, procurar integrar os espectadores no cen-

tro da acção. Em todo o caso, como nem no Cinerama ou no

1 Como já referimos anteriormente, as imagens estereoscópicas são en-

viadas diferenciadamente para cada olho, sendo construída a imagem

nal no cérebro, gerando a sensação de profundidade (3D).

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CAPÍTULO 2

Omnimax , o ulizador necessita de ulizar qualquer po dedisposivo visual para descodicar a imagem, ao contráriodos sistemas de RV, não proporcionou a ulização do termovirtual neste po de projecções.

Em suma, na esfera digital aceita-se que os ambientesimersivos sejam chamados de simuladores ou ambientes vir-

tuais devido à sua raiz tecnológica. Porém, para ulizarmosaqui este termo, é necessário mais rigor na denição de vir-

tual.

2.2 Denições do virtual

«A fotograa benecia de uma transferência de reali-dade da coisa para a sua reprodução.»André Bazin

Em primeiro lugar, a emologia desta palavra provémdo lam virtus  que signica “força” ou “potência” (Peters,1983, p.59). «Na acepção losóca, é virtual o que só existe

em potência e não em acto, o campo de forças e problemastende a resolver-se numa actualização.»(Lévy, 2000, p.51)Lévy segue a denição de Deleuze apontando uma disnçãoentre real e virtual. O real está totalmente constuído, nãosofre de mutações na sua essência ou natureza, assemelhan-

do-se a um objecto possível. O possível não existe em simul-tâneo com o real por ser a potência do real ou, por outras

palavras, a virtualização do real. Se o possível é semelhanteao real, a disnção entre ambos centra-se na existência. Opossível existe em potência e não em acto, desse modo, não

podemos dizer que o virtual se opõe ao real, mas sim ao ac-

tual que é o contrário do possível.

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Aristóteles disnguiu o actual do potencial exempli-

cando que um carvalho existe na sua semente (Peters, 1983,p.73). Este é o exemplo clássico de virtualidade, que relacio-

na o actual com o seu oposto, o virtual, pois a ligação entre

ambos é potencial, é uma relação onde está implícito o de-

senvolvimento da própria existência. Assim o virtual (semen-

te) não se opõe ao real (carvalho), pelo contrário, é a potên-

cia do actual. Assim, o real é a actualização do virtual.

Percebemos então que o actual e o virtual estão inter-ligados numa relação intrínseca com o real, assim como pa-

rece haver semelhanças entre virtual e possível. No objectopossível está intrínseca a probabilidade de um objecto exisrou não exisr. Objecto possível é aquele que pode vir a sermaterializado, enquanto que o objecto virtual, aquele que

potencia o actual, encontra-se numa dimensão diferente por

possibilitar a alteração de um objecto já existente.Esta é uma diferença muito importante que deve ser es-

clarecida. Segundo Deleuze, a constuição do actual encon-

tra-se enraizada no virtual ao ponto de coexisrem, enquantoque o possível está claramente afastado temporalmente do

objecto que potencia (Deleuze, 1980). «O que está na génesedo virtual é, assim, absolutamente real; porque está ligado

ao actual: o actual é a actualização do virtual, sendo que o

virtual é o próprio processo de produção do actual.»2 Assim,o virtual tem a matéria do actual, enquanto que o possível é

um processo imaginário desmaterializado. Apesar do virtualse poder actualizar em formas diferentes, tal como “objectospossíveis”, ele pertence ao actual e de um modo cíclico, elepode actualizar-se frequentemente.2 «A própria denição do real é: aquilo de que é possível fornecer uma

reprodução equivalente.» (Jean Baudrillard, A troca simbólica e a mor -

te, p.127) A replicação digital de um mundo real, quando simuladorealiscamente, pode diminuir a diferença entre real e arcial se ainteracção for efectuada em tempo real. A “actualidade” do mundo di-gital potencia interacções, tal como o mundo real, não signicando queseja um mundo virtual por ter sido concebido virtualmente, ou seja, no

desenvolvimento que após processados materializaram esse espaço.

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64 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

Segundo esta orientação, aceitamos que muitos dos

processos mediados por computadores sejam virtuais. Numsoware de 3D, quando simulamos um projecto arquitectó-

nico, manipulamos diversos elementos digitais que devem

ser considerados virtuais. Não por exisrem num espaço di-gital, mas por serem objectos que sofrem diversas mutações

até angirem uma forma nal que está assim totalmente de-

pendente da sua génese, ou raiz. O desenho de uma planta

arquitectónica é a representação de um espaço a construir,a edicação da planta num modelo digital a três dimensõesé um processo posterior ao desenho inicial que o actualiza

num objecto 3D. Mais tarde, quando aplicarmos materiais,vamos conseguir visualizar o objecto digital totalmente cons-

tuído, no que curiosamente pode ser, uma replicação de umobjecto real ou de outro que por enquanto apenas existe ain-

da em potência.Deparamo-nos então com diversos problemas: Se a li-

nha é um objecto que potencia uma forma (desenho de umaplanta arquitectónica), ou seja, por si só a representação da

planta é a actualização do nosso pensamento cartografado

em desenho; de outro modo, no processo de fabrico do lápis,

ou no decorrer da programação do soware de desenho, foi

virtualizado o processo do operador traçar uma linha. Assim,

a linha desenhada no papel ou num computador é o produtoactual de um processo de virtualização.

A linha é neste momento um objecto real, apesar de

não se esgotar a capacidade virtual do real, ou seja, a linha

(objecto real) vai originar um desenho de uma planta arqui-tectónica (objecto em processo de realização), que por suavez irá ser a referência por desenho de uma futura constru-

ção arquitectónica.Podemos compreender então que o objecto real é ac-

tual, no sendo que o actual é o culminar do processo defabrico (virtualização) de um objecto em real. «In contrastto the predictable realizaon of the possible, the mediaon

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between the virtual and the actual is not a determinisc pro-

cess but a form-giving force.» (Ryan, 2001, p.35) De facto,podemos entender que a relação do virtual com o actual é

ilimitada, pois existem inúmeras actualizações possíveis de

uma endade virtual. A planta actualizou-se no pensamento,no desenho representado no ecrã, na impressão em papel e

nas fundações da casa.Segundo Ryan, o virtual e o actual diferem porque: (1)

como foi referido anteriormente, a relação é de um (virtu-al) para muitos (actual); (2) esta transição é fruto de umatransformação irreversível. A semente deu lugar ao carvalho,sendo impossível o regresso à sua forma inicial. (3) Não seencontram num mesmo espaço. «O virtual é uma endade“desterritorializada”, capaz de engendrar várias manifesta-

ções concretas em diferentes momentos e lugares determi-

nados, sem que ela própria esteja no entanto ligada a um

local ou a um período de tempo determinado.» (Lévy, 2000,p.51) A “semente” deixa de exisr para ser substuída pelo“carvalho”, ele é a virtualização que existe na “semente” oque faz subentender uma clara separação temporal entre

os dois, mas obviamente numa relação intrínseca. Por outrolado, a própria palavra “semente” pode ser pronunciada emqualquer lugar o que lhe confere uma enorme liberdade es-

pacial por não estar conectada a espaço ou momento preci-so. A palavra é então uma endade virtual, sendo actualizadano momento da sua pronunciação, provando que ela é real,

que existe.Assim, segundo Lévy, o virtual existe sem lá estar e for-

nece uma fonte inesgotável de actualizações. (4) Ryan fazuma úlma disnção entre virtual e actual, porque a palavra“semente” actualiza-se em espaços totalmente diferentes, oque confere ao virtual a possibilidade de diferentes actuali-

zações.Se nos basearmos em exemplos do cenário digital, se-

guindo o caso da planta arquitectónica, percebemos que a

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66 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

digitalização da informação virtualiza-se num desenho digi-

tal. Os dados inseridos podem ser transportados para outroqualquer computador, conferindo a liberdade espacial atrás

descrita que possibilita que o desenho seja um objecto virtu-

al no outro computador. Ele não se encontra lá, mas existe defacto. A um nível mais inferior, a informação – o desenho – éa representação, ou actualização, de uma linguagem diferen-

te (código binário) inacessível ao ser humano. Deste modo,

podemos dizer que a informação binária é virtual no sendoque a sua descodicação se materializa mais tarde num ecrãde computador ou papel impresso.

2.3 Atracção pelo virtual

«As imagens de máquinas assemelham-se cada vez mais às

imagens de pessoas, ao passo que as imagens de pessoas

assemelham-se cada vez mais às imagens de máquinas»

Sherry Turkle

A possibilidade de habitar simultaneamente dois espa-ços, o virtual e o real, de comunicar aqui e ali ao mesmo tem-

po amplia de forma muito agressiva o nosso poder comunica-

cional. A descoberta de novos mundos foi sempre uma cons-

tante da humanidade (Giane, 1998). Hoje o presente é emgrande parte o reexo de descobertas angas de tal modoque a compreensão da própria história é fundamental para

perceber transformações que podem vir a ocorrer. A “culturada interface” que Steven Johnson propõe é precisamente oreexo de uma tentava para a compreensão do próprio in-

divíduo que julgamos hoje estar diluído em fronteiras muito

difusas entre real e virtual.

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As recentes gerações de crianças nasceram num am-

biente onde as chamadas “novas tecnologias” se intromete-

ram agressivamente no quodiano prossional e familiar daspessoas. Os computadores, microprocessadores e todo o pode aplicações informácas invadiram o mundo ao ponto dese considerar que uma nova “esfera tecnológica” se apode-

rou do mundo sico. Profundamente enraizado à superciedo globo terrestre, uma camada de redes envolveu o homem

e as suas sociedades. «Não estamos a viver numa aldeia glo-bal, mas em domicílios sob medida, globalmente produzidos

e localmente distribuídos.» (Castells, 2002, p.449).Castells procura salientar o poder dominador dos mass

medias devido à técnica ser o meio para controlar a comu-

nicação, um ponto privilegiado para manipular interessada-

mente o mundo3. Esta possibilidade de criarmos “cavernasplatónicas” ou mundos “Metrópolis” não é o verdadeiro pro-

blema que tentamos tratar aqui, porém é seguramente um

reexo dos interesses na interacção homem-máquina indi-cando que a relação da tecnologia com o homem connua aproduzir fantasmas ou outros monstros.

Vivemos num mundo pós-natural onde os objectos téc-

nicos e objectos naturais estão totalmente conectados por-

que o homem, ser técnico, habita-o interagindo no mundo

natural. Os objectos naturais não se podem assim libertar doalcance da técnica, como os objectos técnicos não podem es-

capar à determinação das leis da natureza (Rodrigues, 1997).Esta fusão é diariamente ampliada pelos sucessivos avançostecnológicos que garantem uma superior transparência no

decorrer de acções do quodiano. A ergonomia do design

3 Brenda Laurel sugere que a RV não é um espaço passivo de entreteni-

mento, mas um lugar de representação livre onde interagimos com oambiente para criar narravas exclusivas. Por outras palavras, um espa-

ço limitado por programação e hardware que promove uma liberdade

aparente iludindo o imersante que “se transformou” num ser que digi-talmente habita o espaço representado. Ver Brenda Laurel, Computer

as Theatre, p.184.

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68 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

dos componentes arciais que usamos diariamente escon-

de este contacto do ser técnico com o ser natural tornado as

nossas acções cada vez mais inatas apesar das complexas co-

nexões e automasmos que usamos. «A técnica tende assimpara a constuição de um mundo humano cada vez mais àimagem naturalizada do mundo da linguagem natural, tan-

to na sua estrutura como no seu modo de funcionamento.O mundo técnico torna-se, por conseguinte, impercepvel à

medida que vai assimilando o mundo natural, incorporando-se ao próprio ser biológico.» (Rodrigues, 1997, p.92)

Este é um acto de remediaon, por precisamente as no-

vas tecnologias absorverem as anteriores para esconderem

as verdadeiras interacções que ocorrem, tornando mais aces-

sível a mediação digital aos adultos. No entanto as criançaspertencem hoje a uma “geração do botão” que as encantacom a possibilidade de domínio sob a acção de ligar-desligar.A informação úi em objectos cross-med ia , po telemóvel,que se tornaram modelos para os primeiros brinquedos.

Nas primeiras palavras, os bebés de hoje introduzem

o “tátá” (telemóvel) e ligam/desligam mais facilmente umatelevisão do que encaixam uma peça de lego. Este é segura-

mente um forte exemplo de como as novas tecnologias digi-

tais se intrometeram no nosso quodiano e encantam devido

à capacidade hipermediada que oferecem.Os jogos de computador tornam-se então o perfeito

modelo de estudo para tentar compreender o que Steven

Johnson chamou de “cultura de interface”. «O poder domi-nador dos jogos de vídeo, o seu fascínio quase hipnóco, é opoder dominador do computador.» (Turkle, 1997, pp.58-59)Segundo Turkle, as experiências no acto de jogar ajudam a

compreender esse forte poder atracvo que os computado-

res apresentam. Enquanto a televisão “oferece conteúdos”,os jogos de computador fornecem um espaço para interagir

e modicar. Existe uma espécie de “transformação” no factode imergirmos no espaço de jogo, pois a ansiedade e o prazer

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69FILIPE COSTA LUZ

são alimentados “por detrás” do ecrã, em pequenos mundosinteracvos através de um reexo – o avatar.

2.4 Transformação e livre arbítrio nos jogos 

«Os monstros, felizmente, existem não para nos mos-trar o que não somos, mas o que poderíamos ser.»

José Gil

Murray dene precisamente esta capacidade de nostransformarmos num elemento do mundo virtual (ou jogo)

como uma das principais razões para a sensação de prazerdo jogador (Murray, 1997, pp.154-182). A possibilidade quetemos de modicar o nosso avatar, ou nome em chats, re-

presenta o mais simples poder de transformação que o com-

putador pode oferecer, porém, num segundo nível, com o

auxílio de novas tecnologias, como a Realidade Virtual porexemplo, podemos interagir progressivamente com maior

variedade de elementos nos espaços digitais.

Tal como num mundo textual po Chat ou numa co-munidade virtual po Acve Worlds ou Second Life, pode-

mos denir pormenorizadamente o espaço ou a sionomiados parcipantes. No jogo Tekken 4 podemos ser um de vin-

te avatares e combater todos os outros de forma especí-

ca (limitada pelas caracteríscas de cada personagem), talcomo no World of Warcra   (Blizzard, 2004), podemos ser

um mago, dragão, Minotauro e experimentarmos sensaçõesnecessariamente disntas. Diferentes porque, se cada ava-

tar usa tecnologias ou utensílios disntos, a experiência detransformação é desigual. Não nos referimos a uma maior oumenor capacidade de embebermos a essência de cada per-

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70 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

sonagem, mas sim à experiência resultante das acções dispo-

níveis para cada uma delas. Se a personagem com forma deMinotauro é um guerreiro e se o Mago é mágico, toda a expe-

riência resulta das caracteríscas individuais de cada avatar.Se no primeiro temos de desenvolver técnicas de combate e

aperfeiçoarmos as nossas armaduras e poder militar, no se-

gundo exemplo temos de descobrir como podemos ser cada

vez mais poderosos através de magia.

Quanto mais elaborado for o mundo virtual e o livre ar-bítrio das personagens, maior vai ser a possibilidade do jo-

gador encarnar o Avatar. «The more realized the immersiveenvironment, the more acve to be within it.» (Murray, 1997,p.126) Murray pretende salientar uma caracterísca dos am-

bientes digitais que outros médias não podem disponibilizar,

que é esta capacidade de interagir com o meio envolvente

recebendo o  feedback  das suas acções. Se numa página deInternet clicarmos num link , imediatamente visualizamos

uma nova página e senmos atracção por este poder quenos é disponibilizado. Janet Murray ulizou o termo agency  

(agenciamento) para referir-se à liberdade de interacção como conteúdo que é fornecida ao ulizador, sendo evidente quenuma narrava cinematográca ou literária, o mesmo podernão possa ser absorvido. Não é verdade que não se possa

senr a sensação de transformação na leitura de um livro,numa peça de teatro ou num lme4, porém não se pode acei-

tar a possibilidade de agency   como acontece nos jogos de

computador. «Agency is the sasfying power to take mean-

ingful acon and see the results of our decisions and choic-

es.» (Murray, 1997, p.126) O que signica que quando clica-

mos num ícone de uma interface digital esperamos que algo

aconteça e nesse momento senmos a sasfação, ou poder,do retorno da nossa acção. Segundo Murray, o agenciamento

4 No caso do cinema interacvo, apenas assismos a narravas pré-denidas e a determinados momentos podemos optar por caminhosdiferentes, porém sabemos claramente que apenas estamos a escolher

ns diferentes sem que possamos alterar os seus detalhes.

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fornece a parcipação acva do ulizador num sistema. Essacapacidade de aparente livre arbítrio, mesmo independen-

temente da informação a que se acede, fornece prazer na

interacção. Quando tal não acontece, se as opções da inter-

face forem demasiado limitadas, a sensação de inquietante

mal-estar é imediata.A experiência na mediação digital é sedutora pelo facto

de podermos interagir em sistemas hipermediados, navegan-

do por ligações, espaços, ou narravas sempre com a possi-bilidade de voltarmos atrás. A possibilidade de repermos asacções sucessivamente é algo muito próprio destes sistemas,

tal como os jogos digitais, que fornecem por um lado o prazer

de aprender a lidar com sistema e por outro, aperfeiçoar a

manipulação com o processo de repeção. É frequente, nos jogos de vídeo, os jogadores optarem por descobrir como se

 joga, sem recorrer aos manuais e, gradualmente, vão tentan-

do desvendar como se pode ganhar.A manipulação do avatar em perfeito agenciamento en-

volve o jogador nos eventos do jogo. O facto de se manipularum avatar num conteúdo fortemente narravo, pode propor-cionar a sensação que realmente nos transformamos na pele

que vesmos digitalmente. Como veremos mais adiante, os jogos têm de ser analisados com propriedades narravas que

lhes pertencem e que são fundamentais para a capacidadede transformaon.

Esta é uma caracterísca exclusiva dos ambientes inte-

racvos onde o realismo da representação gráca dos jogosnão é o elemento mais importante para esta capacidade de

transformação que Murray sugere, pois tanto nos jogos dadécada de oitenta como nos mais evoluídos de hoje, a atrac-

ção e “vício” poderão ter valores muito idêncos. Se num am-

biente interacvo podemos senr prazer na navegação, signi-ca que a experiência em si é agradável independentementedos conteúdos ou espaços. O poder de atracção dominadordo computador, fruto da capacidade de agenciamento que

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72 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

muitos jogos mesmo que pouco ou nada desenvolvidos gra-

camente, atraem inúmeros jogadores como se pode compro-

var com o impressionante desenvolvimento deste mercado

na década de oitenta. Pong (Atari, 1976), um dos primeiros jogos de consola e um dos factores responsáveis pelo boom 

do mercado de jogos no Japão (Masuyama, 2002, pp.34-42),apresentava uma interface parecida com a impressão em pa-

pel de uma base de dados, porém o veloz  feedback  das ac-

ções de jogo contribuiu para o enorme sucesso deste jogo.«The game [Pong] suggested new formal and cultural

purposes for digital technology.» (Bolter & Gruisin, 2000,p.90) Na década de 70 os computadores manipulavam sím-

bolos e imprimiam caracteres em colunas de informação

para aplicações prossionais, quando nesse mesmo períodosurge este jogo capaz de revolucionar a imagem dos compu-

tadores que na época, divergentemente, se construía. Apesarde uma interface monocromáca constuída por apenas 6elementos (dois números com pontuação do jogo no topo,uma linha de pontos a dividir o ecrã em dois campos para

cada jogador, um ponto – a bola – e duas barras vercais quecomandadas por joyscks reenviavam a bola, como num jogo

de ténis, para o adversário) o Pong era jogado num frenécoritmo criando um enorme prazer na acção de jogar. O prazer

da simulação deste jogo era mediado pela primeira vez poruma máquina que foi comercializada em grande escala.

O Pong  é uma espécie de Ténis ou Ping-pong sem re-

correr às mesmas regras ou desenvolvimento normal destes

 jogos. É um jogo de ricochete que, através de uma interac-

ção muito fácil para um jogador iniciado, o torna um jogador

experiente ao m de duas pardas. Auxiliado a uma rapidezmuito própria deste po de jogos (acção de jogar), envolve-se hipnocamente o ulizador no ecrã de televisão na sualuta contra o adversário.

Não podemos dizer que neste jogo existe propriamente

uma capacidade de transformaon, apenas um elevado valor

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de agency . A rapidez a que o jogador está sujeito obriga-o a jogar de uma forma menos reecda, concentrando-se total-mente na posição da bola. Com o auxílio do joysck , respon-

de em velozes reexos, ao ponto de entrar no efeito hipnó-

co atrás descrito, que é seguramente a imersão no jogo atra-

vés de um enorme sendo de prazer e, ao mesmo tempo, deansiedade. Estas sensações tão próprias destes géneros de jogos, reectem a transparência do média ulizado no mo-

mento que os jogadores movimentam de modo simultâneoo corpo sico e o corpo digital na “patéca” esperança dealcançar a bola mais velozmente.

Reduzidas grande parte das limitações tecnológicas deoutrem, os jogos de computador podem hoje oferecer muito

mais que um espaço bidimensional, para envolver o jogador

de uma forma sensorialmente muito mais poderosa. O  fee-

dback   tácl dos  joyscks  seria, no Pong, uma solução inte-

ressante para ampliar ainda mais a sensação de nos trans-

formarmos na nossa extensão ao espaço de jogo (a raquetaneste exemplo) como hoje acontece na maioria dos jogos

comercializados para a Playstaon. Porém, o “poder domi-nador” dos computadores que Turkle salienta acontece tam-

bém porque «os jogos de vídeo são algo que fazemos à nossa

cabeça, um mundo em que entramos e, até certo ponto, algo

em que nos “transformamos”» (Turkle, 1989, p.59).Aceitamos tal armação porque para vencer qualquer

 jogo é preciso sempre algo mais do que conhecer as regras

do jogo e denir previamente todas as jogadas para com otreino devido as aplicar. Os monstros do jogo MS. Pac-Man 

movimentam-se sempre da mesma maneira, sempre com o

mesmo objecvo, porém mesmo com o total conhecimen-

to do raciocínio da máquina e com uma elevada destreza, o

 jogador está sempre sujeito a que a certo momento necessi-

te de improvisar e, conando na sua coordenação, resolverproblemas que não foram inicialmente previstos. No jogo dexadrez podemos, de uma forma mental, prever os movimen-

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74 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

tos de peças do adversário, porém ninguém pode virtuali-

zar todos os passos que realmente vão acontecer. Num jogopo Supermario  (Nitendo, 1985) já sabemos devidamenteo percurso a seguir, porém é pouco provável que o consiga-

mos cumprir como inicialmente o previmos. Deste modo, emqualquer jogo, existe sempre o momento em que temos de

improvisar para seguirmos rumo aos nossos objecvos e, porconseguinte, com maior ou menor intensidade, somos atraí-

dos pela interacvidade da simulação.

2.5 Interacvidade

«Ceci n’est pás une pipe»René Magrie

O exemplo da interacvidade que ocorre na mediaçãode sistemas digitais entre ulizadores, máquinas e agentes,revela uma relação de acções, ou desejos, que mistura de

uma forma muito agressiva virtual com real. «De facto tudo

ocorre no lance, mas no imaginário o lance funde-se imedia-tamente com o jogo.» (Miranda, 1998, p.187)  Bragança de

Miranda refere-se aqui à capacidade que a arte tecnológicatem de fusão absoluta, pois a interacvidade depende da co-

necvidade, da simulação, do tempo real ou do  feedback  e,

por conseguinte, tudo depende da relação das acções e não

das regras. A interacvidade é então uma palavra-chave na

relação de um ulizador com o sistema a que está conectado,ou do jogador com o espaço do jogo, porém «interacvity isnot unique to new media»5. McMillan procura mostrar como5 Ver Sally J. McMillan “Exploring Models of Interacvity from Mulple

Research Tradions: Users, Documents, And Systems”, hp://web.utk.edu/~sjmcmill/Research/interacvity2.doc

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75FILIPE COSTA LUZ

o conceito de interacvidade imergiu de uma longa tradiçãode conecvidade entre pessoas, objectos e ambientes, queé necessário compreender devidamente para que se possa

explorar em profundo o conceito da interacvidade em apli-cações de novos médias.

De um modo geral, a interacvidade descreve uma ac-

va relação entre dois agentes. Em engenharia informácaesta denição adequa-se perfeitamente, enquanto em enge-

nharia mecânica poderíamos sugerir como interacção, doismateriais em acva fusão. «The basic model that the socio-

logical interacon concept stems from is thus the relaon-

ship between two or more people who, in a given situaon,mutually adapt their behavior and acons to each other.»(Jensen, 1998). 

Jogos digitais e sowares  são reconhecidos como sis-

temas complexos por precisamente terem sido construídos

para suportar inúmeras acções e consequente retorno entre

ulizadores-sistema. Existe interacvidade em diferentesníveis segundo a informação que uí numa interacção (Cra-

wford, 1997). «Quanto mais próximo alguém está de mim,quantos mais laços o ligam a mim, maior é o número de in-

formações que correm entre nós, ou seja os discursos e as

respostas que oscilam entre nós» (Flusser, 1998, p.25). A

existência (quandade) de ligações torna um sistema interac-vo e a qualidade das ligações aumenta a sua interacção. Ainteracvidade num jogo existe porque é possível interagircom os elementos do jogo, que respondem às nossas acções

criando então o processo de interacção entre agentes, objec-

tos e jogadores.Se observarmos o jogo Pong, percebemos que é muito

reduzida a interacção entre jogadores, tal como é a interac-

ção que existe entre a audiência e o teatro. Alexander Aitkin,para disnguir a interacvidade que existe entre os exemplosatrás descritos deniu “Interacve Entertainment” e “Data-Intensive Interacve Entertainment” (Aitkin, 2004). Num

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76 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

espectáculo ou num evento desporvo a audiência podeinuenciar o comportamento dos eventos que ocorrem, aocontrário do cinema tradicional onde a interacvidade se re-

sume à disponibilidade que a plateia demonstra para senra narrava, o som e a imagem. Na segunda denição, Aitkinprocura incluir todos os médias que permitem a intromissão

de agentes exteriores, como o jogador ou leitor. Num jogotextual, po The Hitchhiker’s Guide To The Galaxy  (Infocom,

1987), permite-se que o leitor passe a ser jogador e textual-mente possa interagir com o sistema. O facto deste jogo sermuito limitado a interacção possível é igualmente reduzida,

logo resulta num sistema pouco interacvo e, por conseguin-

te, dicilmente será possível sensação de prazer na jogabili-dade.

Sem nos preocuparmos numa análise de pormenor sob

este conceito, aceitamos então que a interacvidade é umatributo de comunicação pessoa-pessoa, que pode ocorrer

através de mediação informáca, mas não signicando queseja aceitável dizer simplesmente, que os novos média sejam

interacvos. Primeiro, é necessário compreender a falta derigor temporal que caracteriza o termo “novos médias”, poistodo percurso humano foi revelando diferentes e modernos

meios comunicacionais. Posteriormente, é importante per-

ceber o que os faz interacvos e compreender que a inte-racvidade tem signicados diferentes para cada ulizadorem diferentes contextos. Assim, parmos de ponto assenteque a interacvidade está presente nas ferramentas digitaise que a sua clara compreensão permite aos programadores

criar ambientes cada vez mais expandidos para a interacção

homem-máquina. Os novos média permitem a ulização deferramentas hipermediadas para comunicar com um maior

controlo na construção e difusão das mensagens, por outras

palavras, a interacvidade apresenta-se como uma ferra-

menta essencial para possibilitar a liberdade de ulização deum sistema, mas como se percebe, ela é também um instru-

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mento de controlo por ser previamente programada.Esta é seguramente uma das vantagens dos compu-

tadores em relação à comunicação tradicional, por precisa-

mente serem capazes de cruzar inúmeros médias num só,

controlando ecazmente os conteúdos e os seus desnatá-

rios. Porém, o que nos interessa focar é esta capacidade hi-permediada que os computadores possuem e como ela se

torna encanta-doramente hipnóca para os ulizadores. Na

navegação online, os cibernautas “saltam” de ligação em li-gação a velocidades impressionantes devido à distribuição

de informação ser apresentada em conteúdos gracamentebem construídos, atraindo o ulizador para navegar de formamuito pouco linear. Se começou a explorar assuntos sobredesporto, é provável que quatro ou cinco links após esteja a

consultar outro assunto totalmente diferente.Começa-se a revelar que a transparência da mediação

homem-computador provoca o efeito de imersão na leitura

dos conteúdos. O tempo parece passar mais lentamente, es-

tando os sendos cada vez menos atentos para a relação ex-

terior, ou seja, dilui-se progressivamente a apreensão que o

ulizador tem do meio sico.A transparência na hipermediação (hipermediacy ) dá-

se de uma forma tão clara como conduzir um automóvel.

Este exemplo que Shneiderman usa para a manipulação di-recta, é totalmente aplicável, porque se nos deslocamos de

um lugar para outro sem tomarmos a total consciência que

conduzimos um automóvel, o mesmo acontece ao lermos vá-

rios jornais online em simultâneo. Saltamos de página em pá-

gina sem reecrmos as acções de manusear o rato de com-

putador, o teclado ou as hiperligações (Shneiderman, 1998,pp.185-206). Esta diluição da verdadeira relação homem-má-

quina contribui para uma maior atracção pelas ligações que

se apresentam no ecrã de computador por precisamente as

propriedades essenciais dos ambientes digitais serem pro-

gramados para convidar o ulizador a interagir e criar os seus

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78 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

percursos.O mesmo acontece nos jogos de computador, em que

o jogador é incitado, ora por narravas cinematográcas, oupor elementos no espaço do jogo para “se movimentar” edescobrir novos caminhos, novos poderes. No jogo Wolfstein

3D, o primeiro a fornecer integralmente a perspecva na pri-meira pessoa, as passagens secretas são sugeridas através

de tapeçarias, quadros ou ranhuras diferentes nas paredes

que limitam o espaço. O jogador, ávido por completar os di-ferentes níveis do jogo com aproveitamento total, “desloca-se” velozmente pelo espaço à procura de pormenores quepossam sugerir mais uma área escondida para no nal ser sa-

ciado, não pela riqueza ou armas que encontrou, mas por ter

descoberto tudo o que estava omisso no espaço que visitou.Este é um po de ansiedade que é gerado na viagem por es-

tes mundos virtuais, que desperta uma sensação muito forte

de imersão, por precisamente o jogador focar todas as suas

atenções na acção que presencia, na arquitectura que obser-

va e por dominar totalmente o modo como se movimenta

remotamente. Este estado de aparente hipnose, através daperda de noção do espaço real e tempo linear, dilui a media-

ção mecânica que ocorre – a ulização do teclado e rato decomputador – por, precisamente, o jogador estar totalmente

concentrado na acção principal que ocorre.

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79FILIPE COSTA LUZ

2.6 Agentes, Jogadores ou Ciborgues?

«The skin is not a straighorward simple covering of ourinteriority. The issue is more complex.»

Alicia Imperiale

Assismos então à tradição histórica dos jogos de com-putador na tentava para eliminar as fronteiras entre jogadore espaço de jogo, sendo claro que as novas tecnologias, cada

vez mais úteis na fusão e manipulação de diversos médias,

são uma ferramenta ecaz para criar um maior realismo nes-

ta interacção, ou, por outras palavras, na sensação de “estarpresente”. Lah procura argumentar que uma simbiose ci-borgue entre computadores e humanos ocorre num primeiro

nível através da experiência de jogar, onde os jogos de vídeo

são a ligação que ocorre da transposição da nossa vida social

e tecnologias informácas para os espaços virtuais e vindou-

ras tecnologias (Lah, 2003, pp.151-170). Como já referimosanteriormente, a atracção pelas máquinas, ou novas tecnolo-

gias, foram sempre uma caracterísca do homem. O “velhi-nho” Frankenstein de Mary Shelly encontra-se notavelmente

actual, pois as manipulações genécas que fazem prever o“aperfeiçoamento” da raça humana escondendo num “mons-

tro assustador” um futuro “encantador”. «Os monstros, fe-

lizmente, existem não para nos mostrar o que não somos,

mas o que poderíamos ser.» (Gil, 1994, p.10) Enquanto JoséGil procura salientar a crise que o homem contemporâneoenfrenta quanto à sua própria humanidade, noutro contexto

totalmente diferente, pretendemos salientar como o avataré um ponto de vista na terceira pessoa das nossas acções no

espaço de jogo. Esta experiência de transcorporização resultada sistemáca tentava dos jogos de vídeo, em toda a suahistória, de aproximar sica e mentalmente o jogador do es-

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80 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

paço de jogo para que de um modo tácl possa interagir “di-

rectamente” no jogo. Os jogos de computador ensinam a pensar como eles,

proporcionando um nivelamento entre raciocínio natural

e arcial (Friedman, 2005). Pensar como a máquina podecriar a ilusão que estamos a comunicar com seres semelhan-

tes num processo incrementa potencialmente a noção de

“estar presente” nesse espaço de interacção.

No Pac-Man precisamos de compreender como a “má-quina pensa” para com destreza técnica a poder vencer. Nossimuladores de mundos complexos, como o Civilizaon, po-

demos antecipar muitas jogadas do computador pela capaci-

dade de entendermos o raciocínio arcial do jogo. Quandosomos surpreendidos, temos de criavamente solucionar oproblema e é precisamente através do agenciamento que, a

ilusão deste processo comunicacional entre homem-compu-

tador, se torna mais forte.No jogo Wolfstein 3D, devido à fraca inteligência ar-

cial deste jogo, os soldados inimigos deslocam-se para trás e

para a frente numa linha imaginária até ao momento que nos

aproximamos demasiado e somos detectados. Percebendoesta limitação do jogo, alteramos a nossa maneira de jogar

e cuidadosamente nos movimentamos de um espaço para

outro para, à distância, abater todos os soldados inimigos.Mas como veremos mais adiante, os jogos apresentam hoje“motores de inteligência arcial” muito mais completos emcharacters (personagens arciais do jogo) que vivem inde-

pendentemente, se relacionam com os seus semelhantes ou

com o jogador quando necessário no desenrolar das acções

do jogo.Segundo Lah, apreender a lógica da programação para

construir jogos de computadores, onde podemos incluir ou-

tro po de espaços digitais como sowares  com interface

gráca, revelam uma consciência ciborgue que Ted Friedmanindica como uma extensão humana dos processos compu-

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tacionais (Fiedman, 2005). Não se trata apenas de entender

a máquina, mas sim de trabalhar corporavamente com elapara criar. Se, por um lado, o jogador sucessivamente se equi-pa com armas num desejo insaciável de upgrade tecnológico,

por outro, o criador de jogo funde-se criavamente com pro-

gramação e hardware para produzir espaços jogáveis.«The monitor guides us into (a perceptual and corpo-

real) interacon with the computer and, as a technologized

form of vision, it becomes a component and extension of thebody; it replaces our body, or rather extents its capacies,and becomes both a representaon and source of bodily ex-

perience, thus creang a hybrid condicon resonant with thecyborg.» (Lathi, 2003, p.164)

Lah, observando que os jogos disponibilizam a escolhade um avatar feminino ou masculino, fornecem a possibilida-

de de indiferenciação do género sexual do jogador no acto de

 jogar, tal como Donna Haraway argumenta a presente fusãomista de carne e hardware num ser híbrido – o ciborgue –que em vez de separar o ser natural do arcial, procura umaforma radical de acoplamento de géneros e matéria. Enquan-

to Haraway procura salientar uma revolução políco-socialna emergência de um mundo ciborgue6, Lah defende que os jogos são o reexo da atracção pela tecnologia, ou por outras

palavras, «our cyborg desires» (Lathi, 2003, p.166).Nos jogos arcada po Tekken Tag Tournament 4 (Nam-

6 «The cyborg is a condensed image of both imaginaon and materialreality, the two joined centres structuring any possibility of historical

transformaon. In the tradions of ‘Western’ science and polics--thetradion of racist, male-dominant capitalism; the tradion of progress;the tradion of the appropriaon of nature as resource for the produc-

ons of culture; the tradion of reproducon of the self from the re-

econs of the other - the relaon between organism and machine hasbeen a border war. The stakes in the border war have been the territo-

ries of producon, reproducon, and imaginaon.» Donna Haraway, “ACyborg Manifesto: Science, Technology, and Socialist-Feminism in theLate Tweneth Century”, Donna Haraway, hp://www.stanford.edu/dept/HPS/Haraway/ CyborgManifesto.html

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82 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

co, 2005), podemos escolher vários pos de avatares, mascu-

linos ou femininos, porém, não consideramos que este exem-

plo seja a evidência de uma experiência social ou racial, ape-

nas alternavas que o jogo oferece para poder experimentarvários pos de acções. Este jogo disponibiliza 20 lutadorescada um com golpes diferenciados. As nossas escolhas jus-

cam-se apenas pela adaptação ao lutador escolhido, pela sua

imagem estéca ou outro po de caracterísca (raça, idade,

especialidade, entre outros). O mesmo acontece quando es-colhemos uma equipa de futebol e seus jogadores no jogo

PES 2008  (Konami, 2007). Porém, noutros jogos, é possívelequipar o nosso avatar com próteses que podemos adquirir

ao longo do jogo, permindo “correr mais depressa”, “des-

truir com maior ecácia”, “respirar debaixo de água”, entreoutros.

No jogo Colin Mcrae 4 (Codemasters, 2003) ou Gran Tu-

rismo 4 (Sony, 2005), os veículos podem sofrer alterações demodo a tornarem-se mais ecazes para as corridas. A possibi-lidade destes upgrades oferecem maiores garanas para me-

lhores resultados, mas também espelham o interesse em no-

vas tecnologias, tal como acontece no momento em que con-

seguimos adquirir novas armas no Grand Teh Auto Vice city  

(Rockstar Games, 2003) ou no jogo Half Life 2 (Sierra, 2003) e

nos tornamos massivamente mais violentos. Os criadores de jogos, há muito perceberam como é fundamental sasfazero jogador com a possibilidade de upgrade tecnológico do seu

avatar. O jogador é convidado a treinar os seus movimentos,reacções aos obstáculos, tal como a adquirir novas armas,

protecções ou motores mais potentes.Por úlmo, existe um factor muito importante para jus-

car as ideias de Lah e de Friedman, que é seguramente ofacto de para vencermos a máquina temos de “pensar comoela”. Num jogo não digital, como Golfe, Ténis ou MotoCross,somos seres ampliados por tecnologia, desde a roupa aos

utensílios acoplados, o que nos confere um corpo cheio de

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próteses que amplia as nossas capacidades naturais numa

relação transparente da ulização de técnica (desde a inte-

gração dos tacos de golfe, à tensão de cordas da raquete ou

ao po de pneus escolhidos).Esta total adaptação à técnica funde o homem com as

ferramentas ulizadas, tal como a moto e o piloto são umconjunto único totalmente interdependentes. O homem tor-

na-se um ser ampliado de tecnologia arcial no momento

em que está totalmente concentrado nos objecvos, esque-cendo-se momentaneamente que usa uma mota e “apenas”se desloca rumo à meta.

Se comparamos com tecnologias informácas, conside-

ramos que na mediação digital esta fusão é muito mais forte

devido à intromissão da programação nas interfaces disponí-

veis. É frequente iludirmo-nos que combatemos a máquina,porque num nível muito escondido, a programação foi feita

por um “adversário” que procurou virtualizar todas as opçõesdo ulizador, ou jogador, para posteriormente lhe “respon-

der”.Existe assim um “jogo virtual” do programador ao idea-

lizar o maior número de probabilidades que pode oferecer ao

 jogador e em simultâneo como o pode limitar. Mentalmenteo programador jogou, tal como um webdesigner   imagina a

navegação do ulizador do seu site. Porém, a grande dife-rença entre o jogo tradicional e o digital encontra-se no facto

do segundo ser intermediado por programação e hardware o

que lhe confere uma camuada intromissão de muitos agen-

tes. Seguindo o exemplo do webdesigner , ele tem de com-

preender a tecnologia para poder disponibilizar a informa-

ção, de preferência de um modo original concebido através

de novas programações.Assim, a criação de uma página de Internet é a cons-

trução de um “mundo habitável” no sendo que será “visi-tada” por cibernautas e, por conseguinte, um espaço para se jogar. Imaginando a possível “viagem” num site a construir,

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84 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

este programador vai criar regras de manuseio (botões) e dis-

ponibilizar informação (prémios, ou feedback ). No momentocriavo e técnico de concepção do site existe então esta fasede jogar com futuros comportamentos do ulizador e com aslimitações de hardware e soware disponíveis.

Num jogo de golfe as maiores interferências são de

natureza climatérica e de diculdade do campo de jogo. Acompeção faz-se primeiro num nível pessoal e, posterior-

mente, com os adversários. No entanto, tal como na constru-ção de um site ou na concepção de um jogo de computador,

quem desenhou o campo de golfe teve de imaginar todas as

trajectórias possíveis de forma a dicultar a progressão dos jogadores através de declives no terreno, buracos de areia

(bunkers), lagos arciais ou árvores. Deste modo, o jogadorprecisa de treinar para conhecer o campo de jogo e depois

esperar por estar em “boa forma”, por um clima favorável eadversários acessíveis. Num jogo de computador po arcada(Colin Mcrae, Golf PGA Tour, ou Tetris) o mesmo acontece,

porém em jogos de Futebol ou Paintball , podemos conhecer

o espaço em pormenor, mas sermos surpreendidos sempre

que passamos no mesmo lugar. Tal acontece porque o espaçode jogo está habitado por outros agentes que se adaptam à

nossa forma de jogar ou reagem de forma aparentemente

imprevisível.7 «We call these new creatures – these digital “person-

alies” – agents.» (Johnson, 1997, P.176). Os agentes revo-

lucionam as interfaces de computador, criando um novo pa-

radigma para a comunicação homem-máquina. Um espaçohabitado de seres arciais que aprendem com a interacçãohumana parece darem personalidade ao soware. Laurelrefere-se a agentes como aqueles que iniciam uma acção

7 Como mais adiante descreveremos, o soware endorphin 2.5 da Na-

tural  Moon permite a integração de inteligência arcial através decomportamentos com que se programam as personagens digitais com

o objecvo de criar maior realismo e fornecer mais livre arbítrio a estesagentes.

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85FILIPE COSTA LUZ

para denir como o agenciamento na acvidade homem-computador pode ser representado pela interacção de agen-

tes humanos, arciais ou mistos, comparando com a acçãoque ocorre entre actores de uma peça teatral (Laurel, 1991,pp.40-48).

Os agentes são aplicações digitais (algoritmos de inte-

ligência arcial) dedicados a uma exclusiva função, o quesignica que têm as suas ideias predenidas agindo indepen-

dentemente para o desempenho de uma função (Smith et al.,1994, pp.54-67). Por outras palavras, os agentes desempe-

nham tarefas para nos serem delegadas, po uma secretáriavirtual, que através de um avatar aparece para nos dar uma

determinada informação. Podem também agir livremente edesempenhar as funções que lhe foram atribuídas, por exem-

plo, os robôs que começam a proliferar no mercado japonês,como empregadas de limpezas arciais, devem ser conside-

rados agentes no ambiente quodiano por poderem acva-

mente a desempenhar a sua função sem receberem qualquer

ordem. Simplesmente habitam o espaço e quando detectamqualquer po de sujidade no chão podem aspirar, do mesmomodo que num jogo de computador, personagens habitam

o espaço livremente até ao momento que interagimos com

elas e recebemos o retorno do contacto efectuado.

Se analisarmos o processador de texto mais ulizado,o Microso Word , reparamos que nas úlmas versões estesoware detecta o perl de cada ulizador e memorizandoas suas operações mais frequentes, opmiza os menus parao ulizador. Se clicarmos no menu “Ficheiro” (ou “File” ), ve-

ricamos que funções pouco ou nada ulizadas estão es-

condidas, o que simplica a pesquisa nas operações que oulizador quodianamente efectua. Se porventura um dianecessitarmos escolher uma das outras funções, precisamos

clicar no ícone inferior, representado na forma de seta, para

expandir o menu. Este é um agente do soware que não tem

aparência visual, está escondido na programação, mas acvo

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86 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

permanentemente (Tveit, 2001). Os agentes são uma cons-

tante nos sowares actuais por serem uma ferramenta es-

sencial que procura antecipar as acções que o ulizador efec-

tua para o ajudar nas suas operações na mediação digital.Os agentes apresentam propriedades próprias dis-

nguidas como: autonomia, por desempenharem funçõescontroladamente sem a directa intervenção humana ou de

outros agentes (Jennings et.al. 1996); devem responder a

elementos terceiros sempre que estes os contactem, masmantendo os seus objecvos individuais como regra, o quelhes confere a sua autonomia, apdão social e capacidade deadaptação ao meio envolvente, respondendo às transforma-

ções que possam ocorrer; Por úlmo, os agentes não devemser previsíveis no desempenho das suas tarefas exibindo sen-

do de oportunidade para surpreender oulizador.Enquanto no jogo Wolfenstein 3D poderíamos, por “cál-

culos de balísca”, lançar uma granada prevendo o tempode lançamento, de deslocação do adversário e esperar que

no momento da detonação o soldado esvesse perto. Hoje,muitos dos jogos deste género, como o Medal of Honor ,

estão preparados para reagir às nossas acções. Se agirmoscomo no Wolfenstein 3D, o soldado detecta de onde veio a

granada e tenta proteger-se. A parr desse momento tenta

eliminar-nos para poder regressar em segurança ao seu pos-to original. Se, por outro lado, o surpreendermos com o lan-

çamento de uma granada para a área onde ele se encontra,

como esta arma precisa de alguns segundos para se detonar,

pode dar-se o caso do adversário perceber que tem tempo

para a reenviar para o local de onde foi lançada.A programação dos jogos evolui tanto desde o Wolfens-

tein 3D que neste exemplo o soldado estuda o momento e

conforme o seu grau de inteligência escolhe a melhor alter-

nava: Fugir, proteger-se, pegar e lançar a granada, ou sim-

plesmente pontapeá-la de volta.Este é um dos exemplos do incremento da inteligência

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arcial o que proporciona um repertório mais amplo de in-

teracção no jogo e, por conseguinte, uma maior transparên-

cia na relação homem-máquina8. As experiências com agen-

tes arciais tornam-se cada vez mais semelhantes à com jo-

gadores reais, tanto na aparência sica com na comunicaçãoque ocorre entre ambos.

A inteligência arcial que equipa estes seres é frequen-

temente ulizada nos jogos de guerra para combatermos ad-

versários com opções de escolhas cada vez mais ampliadas,ou para simular guerras com milhares de soldados, como no

cinema se ulizam personagens arciais (characters) para

simular ambientes “monumentais”. Nos grandes épicos docinema, tal como Ben-Hur (MGM, 1959), foi necessário con-

tratar milhares de gurantes para as cenas de rodagem. Ac-

tualmente, uliza-se “programação genéca”, baseada emalgoritmos que simulam comportamentos segundo o princí-

pio de evolução de espécies de Darwin, para que aplicações

informácas consigam resolver problemas que possam surgirda sua própria programação (Koza et al., 2005).

Quando o cinema começou a recorrer a técnicas digitais

para simulações de guerras, ulizou-se sowares de modela-

ção e animação 3d, como o Soimage, para representar mo-

vimentos dos guerreiros. Não exisa aqui qualquer po de

interacção entre agentes, apenas foram representados solda-dos modelados em 3D e, do mesmo modo que uma criançabrinca com dois bonecos, simulou-se por animação prévia o

combate. Na trilogia Lord of the Rings (Warner Bros, 2001-2003) as simulações foram efectuadas de forma totalmentediferente. Construíram-se personagens em 3D, atribuiu-secomportamentos sicos e grau de inteligência, para após asua disposição no espaço poderem organizadamente desem-

penhar as funções que lhes foram atribuídas.A simulação torna-se muito mais realísca porque a

8 O realismo é tal que marines norte-americanos treinam-se em sistemasde RV baseados em jogos de guerra, como o counter ske. Ver SimonPenny, “Representação, Actualização e Éca da Simulação”, pp.57-61.

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88 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

Fig16) Captura de movimentos no MovLab (universidade Lusófona)

Fig.17) Soware Endorphine (Natural Moon)

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probabilidade de ver soldados a efectuar os mesmos mo-

vimentos pré-programados é menor, como a própria orga-

nização da batalha torna-se mais real quando os soldados

que desempenham a função inicial proposta, adaptam-se às

novas condições e respondem ao meio. Por exemplo, quan-

do um soldado elimina outro, vai procurar mais adversários

para combater. No primeiro lme, The Fellowship of the Ring 

(Warner Bros, 2001), surgiram curiosos erros de programação

devido à “sintaxe” anteriormente referida. Na programaçãoinicial previu-se um vector de deslocação para cada soldado

o que provocou que quando conseguiam eliminar um adver-

sário avançavam nessa direcção à procura de outro. Comopor vezes já não se encontravam mais soldados à sua frente,

eles simplesmente corriam pelo terreno fora, até saírem de

cena. Corrigida a programação, os soldados reorganizavam-se e procuravam os adversários mais próximos.

Como se pode imaginar, torna-se muito mais fácil e

muito mais realísca, criar uma cena com milhares de sol-dados. Os sowares Endorphin 2.5 e Massive9 são frequen-

temente ulizados nesta indústria, por permirem fornecercomportamentos a personagens 3D para posterior interac-

ção. O facto de podermos ter controlo dos seus movimentosatravés de programação com visualização em tempo real e de

poder transportar os dados gerados para um soware de 3D,podemos iludir o espectador com realismo lmico. No jogoPES 2008 procurou-se a perfeição dos movimentos através da

captura de movimentos de futebolistas prossionais10, no En-

dorphin 2.5 atribuem-se comportamentos para dar aparentelivre arbítrio aos seres arciais. Ambos os casos proporcio-

9 Ver hp://www.naturalmoon.com/pages/products.htm e ver tambémhp://massivesoware.com/

10 É frequente neste po de jogos recorrer-se a sistemas de mooncapture para capturar movimentos de futebolistas prossionais paraaplicá-los nas acções dos jogos. Ver hp://movlab.ulusofona.pt e vertambém Lee, Chai, Reitsma, Hodgins, & Pollard, Interacve Control of

 Avatars Animated with Human Moon Data, 2002, hp://www.ri.cmu.edu/ pubs/pub_4361.html 

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90 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 2

nam o realismo sico dos movimentos, se aliarmos a qualida-

de gráca e uma narrava cheia de eventos que possam serdespoletados com a nossa interacção, teremos seguramente

um sistema complexo de elevada simulação realísca.A programação deixa de se limitar à criação de um es-

paço totalmente denido, onde o programador de uma for-

ma estratégica e virtualmente lúdica, projecta um espaço

para o ulizador experimentar e posteriormente criar. Não

se trata apenas de “pensar como a máquina” mas de pensarcom a máquina. No acto de criar um site, soware ou jogo de

computador, os programadores conscientes das limitações

técnicas, envolvem-se em programação e, em tempo-real,

testam-na através de diversos agentes. Nunca é um trabalhoque parte de uma folha branca de papel, ou da primeira sin-

taxe de programação, pois o computador é uma ferramenta

infestada de agentes que se intrometem neste processo de

comunicação.«Are we using the computers, or are the computers us-

ing us?» (Maeda, 2003, pp.168-171) Pensando os ciclos (lo-

ops) de programação, John Maeda quesona até onde irá ocomputador sem a nossa directa interacção. Máquinas quefuncionam em ciclos constantes, que lhes foram fornecidas

capacidades para memorizar, podem ser consideradas autó-

nomas, de natureza arcial, mas fruto da tecnologia huma-na.

A comunicação hipermediada por sowares é assim a

imagem ciborgue que Friedman refere, por fundir a máquinacom o homem, tanto no momento da programação, como da

interacção, aumentando as ligações que ocorrem nos médias

ulizados (Reas, 2003, pp.172-191). Veja-se o projecto Robo-

sonic (Random Based Sounds Assisted by Robots)11, onde um

grupo de músicos pretendem explorar as possibilidades de

manipulação de sons num contexto de realidade aumentada

(AR) através da ulização de robôs. Ulizando o comporta-

11 Ver hp://www.myspace.com/robosonicmovlab

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mento aleatório dos robôs, num espaço circunscrito para amodulação em tempo real de duas caracteríscas do som: aamplitude e a frequência, acrescenta-se a possibilidade de

interacção com os robôs dando a oportunidade ao ulizadorde manipular a interface sica,alterando o comportamentodos robots e, por conseguinte, o resultado sonoro produzi-

do. Em Robosonic, pretende-se demonstrar que através deagentes, programação de aleatórios e manipulação directa ,

se pode gerar empaa na interacção e angir resultados so-noros especícos, diceis de reproduzir de outra forma devi-do aos ciclos innitos que a interacção promove (Luz, 2009).

Assim sendo, se analisarmos o papel dos agentes nos

 jogos digitais percebemos que são fundamentais para o rea-

lismo da simulação, conferindo um maior grau de diculdadedo jogo e, por conseguinte, um mais amplo número de possi-

bilidades que o jogador e o computador têm para comunicar

entre si.

Fig.18) Robosonic (MovLab, 2009)

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CAPÍTULO 3

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94 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

3.1 Comandar o jogo

«The computer itself, even without any fantasy content, is

an enchanted object»

Janet Murray

Como observámos anteriormente, agentes são seres

que permitem uma interacção mais ampla com o computa-dor e que podem gerar inesperadas interacções por serem

programados por outros agentes, ao contrário de “sintaxes

mais rígidas”, como foram ulizadas no passado.A ilusão de realismo que tais agentes podem simular,

vão permir uma melhor experiência de interacção, porqueaumentam as possibilidades de agenciamento. Assim, notrabalho cooperavo em rede ou nos jogos de computador,podemos interagir com universos que se regem por regras

próprias, semelhantes às relações predominantes no mun-

do sico, sendo o ponto de vista do ulizador/jogador umdado essencial para a imersão nestes sistemas (Wright et al.,2002). Se em jogos po Civilizaon estamos colocados num

ponto de vista superior e assismos às transformações queocorrem nesse mundo, num jogo mediado por avatares visu-

alizado na primeira ou terceira pessoa pode-se gerar maiorimersão.

A diferença encontra-se entre “olhar para” e “olhar atra-

vés de”, pois, como já referimos, a possibilidade de “assisra”, gera uma experiência totalmente diferente de “parciparacvamente em”. Um dos factores principais é a questão dapresença no meio digital. A experiência de jogar imersiva ouremotamente é diferente e sem nos preocuparmos com as

questões de éca levantadas sobre a violência nos jogos decomputador, pretendemos analisar as diferenças de jogabili-

dade nas diferentes vistas.Se optarmos por um jogo po Colin Mcrae, Doom ou

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Tekken, apenas necessitamos de um joysck  e alguns botões.Se esvermos a jogar um sistema complexo, po Age of Em-

 pires ou Flight Simulator , somos obrigados a ulizar um tecla-

do. Estas são duas limitações, que actualmente não podemser alteradas nos géneros de jogos atrás descritos e que obri-

gam à ulização de interfaces mais opacos por estes fazeremparte do jogo.

No Flight Simulator  jogamos com a interface do avião

(painel de instrumentos), com a do jogo (mapas, rotas, en-tre outros) e, tal como no  Age of Impires, manipulamos os

elementos do jogo através dos botões disponíveis na interfa-

ce1. Nestes jogos pretende-se envolver o jogador através dainterface e de um ponto de vista superior (god’s view ). Inte-

ragimos simultaneamente na interface e no espaço de jogo,

como se fosse um modelo de realidade (mundo jogável) au-

mentada (informação adicional, que reveste os objectos de

forma visual)2.Segundo Laurie Taylor, o jogador interage como uma

força exterior ao mundo do jogo, em vez de uma força que éaccionada dentro desse mundo sob os seus objectos e agen-

tes (Taylor, 2002). A diferença centra-se no grau de percep-

ção que o jogador tem do mundo com que interage. Nesteponto de vista superior com perspecva isométrica ou, como

1 Esta é uma juscação para os jogos de computador serem mais diver-sicados que os de vídeo, pois permitem a ulização de um maior nú-

mero de disposivos em simultâneo (teclado, Joysck , rato de compu-

tador). Numa Playstaon seria muito complicado jogar Age of Impires,

ou no Counter Strike enviar mensagens .2 A Realidade Aumentada ( Augmented Reality  - AR) é uma variação da VE

(Virtual Environments) ou Realidade Virtual como usualmente é cha-

mada. Os Sistemas de AR são denidos por combinarem o espaço realcom o virtual, funcionarem em tempo real e, por úlmo, recorrerem a

técnicas de representação digital 3D. Os objecvos principais da AR vi-sam ampliar a percepção e interacvidade do ulizador no mundo real.Ver R. Behringer, G. Klinker e D. Mizell, Augmented Reality , 1999; Paul

Milgram, A Taxonomy of Mixed Reality Visual Displays, 1994 ; e Ronald

T. Azuma, Registraon Errors in Augmented Reality , hp://www.cs.unc.edu/~azuma/azuma_AR.html

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96 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

Fig.19) Jogo de Realidade Aumentada (MovLab, 2008)

Fig.20) Jogo de Realidade Aumentada (MovLab, 2008)

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Fig.22) 3D Monster Maze (NGS, 1982)

Fig.21) First Person View ( Wolfenstein 3D, id Soware)

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98 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

no Civilizaon, com representação bidimensional, o jogador

recebe a informação visual de tudo o que se passa no mun-

do simulado. De modo contrário, a perspecva na primeirapessoa, somente permite visualizar o campo de acção e, paranos orientarmos no espaço de jogo, temos de recorrer suces-

sivamente aos mapas disponíveis. Esta não é uma limitação,apenas um meio para situar e envolver o jogador no jogo.Nos FPS, o grau de imersão é diferente, é mais sica e menos

emova narravamente3. O prazer da jogabilidade num FPSdene-se pela liberdade de navegação no espaço e pelo res-

pecvo retorno de tal interacvidade.No SuperMario, estamos limitados a movimentar a vi-

sualização do espaço de jogo da esquerda para a direita deuma forma totalmente plana, sem desenvolvimento de pro-

fundidade. Mar Lah indica o recurso às três dimensõescomo a principal revolução dos jogos de computador por,

precisamente, poder-se simular a vista na primeira pessoa,

tentando que a perspecva com profundidade de campo pu-

desse atrair o jogador para o espaço representado.Da imagem distante com representação do avatar, o

 jogo Wolfstein 3D (id Soware, 1992) introduziu o ponto devista na primeira pessoa neste género de jogos. Jogar atravésdeste ponto de vista já nha sido apresentado em jogos de

outro género, como o jogo de carros 4D Sports Driver (Bro-durband Soware, 1990) ou no simulador de Voo  Apache

Strike  (Silicon Beach, 1987), porém a primeira tentava foidesenvolvida em 1981 pela JK Greye Soware através do jogo

monocromáco 3D  Monster  Maze  (NGS, 1982), porém é oWolfenstein  3D  que nos coloca verdadeiramente no centro

da acção, com feedback  do espaço envolvente e das acções

que decorrem. O jogo 3D Monster  Maze apresentava uma si-

mulação de perspecva demasiado arcaica para poder ter al-gum sucesso no ano em que foi comercializado. As limitações

3 A fronteira entre uma acção de jogar mais imersiva ou mais narravaé denida através do ponto de vista do jogador, como mais adiantereferimos (capítulo 4).

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99FILIPE COSTA LUZ

técnicas de hardware desse período não permiam este pode jogos, o que signica que a ideia foi inovadora e simul-taneamente desinteressante, não tendo contribuído para o

boom da indústria de jogos, ao contrário do grande sucessoque o Wolfenstein 3D alcançou.

Pela primeira vez, nos jogos de computador, assisu-seà sensação de estar presente noutro espaço, por ser possível

deslocar-nos senndo a profundidade de campo tão natural

do olho humano. Um mundo interagível (paredes, portas eobjectos), habitado por seres digitais (soldados nazis e cãesde guarda) aptos para nos eliminar, revelava o realismo que

as simulações digitais podem vir a angir um dia.A interface gráca do jogo não foi o mais importante,

apenas mostrava alguns grácos com valores de saúde ouquandade de munições. A arma seleccionada aparecia porbaixo com representação tridimensional, tal como se esvés-

semos a percorrer um espaço com uma arma verdadeira nas

nossas mãos. O Wolfenstein 3D foi o primeiro a apresentar o

espaço tridimensional, porém foi o Doom (id Soware, 1993)o jogo que se tornou num marco incontornável.

Este jogo ofereceu uma jogabilidade nunca antes vistae técnicas inovadoras para criarem maior atracção ao jogo. Ogrande sucesso comercial de Doom deve-se à ID ter pela pri-

meira vez conseguido aumentar verdadeiramente o nível deansiedade dos jogadores ao ponto de os deixar com náuseas

ou ritmos cardíacos demasiado acelerados quando os avata-

res deslocavam-se nos longos e desertos corredores. (Brycee tal. p.68).

A id  procurou o realismo gráco da simulação atravésda hipermediação de sons, imagens e da elevada interacção

entre jogador e espaço. A colocação da interface gráca do jogo permiu transmir com maior denição o estado desaúde do nosso avatar de modo que pudéssemos senr commaior intensidade as diculdades da “nossa personagem”.Por exemplo, quando “nos encontramos” demasiadamen-

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100 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

te feridos, ouvem-se sons de dor, o retrato do avatar muda

para expressão de sofrimento e, dependendo da gravidade

dos golpes que nos angem, pode ser representado sanguea jorrar do “nosso corpo”. Se, por outro lado, conseguimosrecuperar energia, a imagem altera-se para uma representa-

ção mais saudável. Quando “nos equipamos” com armas, elesorri com expressão maquiavélica.

Connua-se a evoluir neste sendo, veja-se como no

 jogo GTA Vicecity  não podemos estar sempre a correr, poisao m de um “pequeno sprint” camos cansados e só passa-

do o tempo de recobro é que podemos voltar a correr. Todasestas caracteríscas dos jogos devem ser consideradas comoadivas para o realismo da simulação, tal como acontece nomundo sico, quando num jogo de rua o cansaço acaba sem-

pre por vencer todos os jogadores. No entanto, neste génerode jogos é fundamental a simulação da perspecva humanapara criar a ansiedade de percorrer espaços de perigos imi-

nentes. Do mesmo modo que, em lmes de género terror, orealizador recorre frequentemente a planos “subjecvos” oua planos “de ponto de vista” no processo de montagem, para

intensicar o medo que se pretende provocar.A introdução da perspecva na primeira pessoa aproxi-

ma o mundo real com o ccional através da sensação de imer-

são e na consequente dissolução do monitor de computador.Mais uma vez se assiste à tentava de criar um média quepossa ser expresso e representado de uma forma totalmen-

te transparente. Como vimos no primeiro capítulo, os novosmédia procuram absorver caracteríscas de médias angosno conceito de “double logic of remediaon”, ou seja, parase tornarem mais adaptados e fortalecem-se nas referênciasdos angos médias tornando a sua mediação mais transpa-

rente (Bolter e Gruisin, 2000).Este duplo conceito de remediaon, parece salientar

que anal o média não interessa mas, pelo contrário, ele éa peça fundamental para que o jogador possa imaginar-se

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101FILIPE COSTA LUZ

“dentro do jogo”. Marie-Laure Ryan salienta que a transpa-

rência do média não é uma falta de propriedade que devaser camuada, mas uma importante e essencial capacidadepara criar a experiência de imersão. É o poder criavo e téc-

nico de um escritor que permite que o leitor transforme as

letras impressas em mundos reais, porém, segundo Ryan, é

também necessária a disposição do leitor para poder imergir

em espaços ccionais (Ryan, 2001, pp. 115-121).

Actualmente, para as grandes massas, o cinema aindaé o média com maior capacidade de imersão, porém os jo-

gos de computador avançam velozmente para se tornaremlíderes por adoptarem também vários pos de feedback  sen-

sorial. O som surround  já pode ser experimentado em casa

com um sistema po DVD home theatre porém, actualmen-

te, apenas os jogos de vídeo podem fazer forte concorrênciaa cinemas IMAX por já ser possível receber informação táclatravés de diversos disposivos mecânicos de retroacção.

No jogo Colin Mcrae o realismo da simulação e dos grá-

cos representados pode ecazmente transmir ao jogadoruma sensação de delírio como acontece nos sistemas imer-

sivos de RV. Tanto neste género de jogos como nos shoot-

them-all  é frequente perdermos a noção que sicamente nãopertencemos ao espaço de jogo e desviarmo-nos dos objec-

tos representados no ecrã de computador. Em momentosde maior stress, ou adrenalina, os jogadores movimentam o

corpo, “arrastam” o joysck , encolhem-se, assustam-se, por

“esquecerem-se” momentaneamente que se encontra à sua

frente um computador ou televisão.Porém, se compararmos com os jogos representados

numa vista superior, a imersão no espaço é menor, ou até

mesmo nula, mas é superior na história que é gerada. Pode-

mos ver um mundo a ser construído (Civilizaon) ou, simples-

mente, apreciar as relações entre agentes que aí acontecem

(Sims). Num jogo na terceira pessoa, podemos desfrutar dosnossos movimentos através do avatar, numa sensação de

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102 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

prazer narcisista.Devemos então idencar três pos disntos de vistas

nos jogos de vídeo: God’s View , First-Person view  e Third -Per-

son View .O jogo Colin Mcrae pode ser jogado na primeira e ter-

ceira pessoa, a escolha da vista pode denir o grau de imer-são no jogo. A vista na primeira pessoa, como vimos ante-

riormente, fornece as sensações de conduzir directamente

o automóvel, enquanto na opção de vista à distância (Third -Person View ) desfrutamos das imagens geradas no ambien-

te pela nossa condução. Do mesmo modo que no jogo GTA

Vice City  podemos escolher planos subjecvos ou visualizarà distância o impacto das nossas acções no meio envolventeatravés do avatar. Neste jogo, também somos espectadoresquando assismos a vídeos cinematográcos, que introdu-

zem os eventos futuros. Então, estamos a falar da simulaçãode imersão sica no espaço em oposição à imersão nos even-

tos que ocorrem. Os jogos First-Person Shooter (FPS) procu-

ram uma imersão sica, enquanto os restantes a imersão noseventos ou narravas do ambiente do jogo.

Através da perspecva na primeira pessoa o jogadorapercebe-se intuivamente do espaço, devido ao jogo tersido concebido para uma aproximação à visualização huma-

na, tornando-se mais natural (mais transparente) a mediaçãoatravés do ecrã. Temos de nos movimentar para podermosapreender o meio que nos envolve, por precisamente o jogo

simular o plano subjecvo de “nós próprios”. Este ponto devista é limitado no que se refere à representação do jogador

no espaço (Taylor, 2002), se optarmos pela vista na terceira

pessoa, podemos visualizar o ambiente em redor e imergirnas interacções do mundo envolvente. A representação nocentro do ecrã de um avatar por nós comandado, envolve-

nos nas acções que desempenhamos e como elas se reec-

tem nos objectos e outros agentes.No jogo GTA, quando conduzimos um automóvel, po-

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103FILIPE COSTA LUZ

demos simular a rotação da cabeça do avatar para a esquerda

ou direita e visualizar o espaço, tanto na vista na primeiracomo na terceira pessoa. Esta possibilidade permite ao joga-

dor visualizar o meio envolvente à distância ou, experimentaro espaço na primeira pessoa, reecndo-se numa maior ca-

pacidade de apreensão do espaço de jogo. Ao serem intro-

duzidos conteúdos cinematográcos no jogo, através de pe-

quenos lmes que descrevem a tarefa que o jogador deverá

realizar, a parcipação acva no jogo é eliminada totalmente.Do prazer de jogar, passamos à contemplação passiva de umconteúdo narravo.

Deste modo, o jogador oscila entre as sensações de

imersão no espaço, nos eventos que ocorrem e na história

principal do jogo4.Jogos de estratégia como o Civilizaon ou de raciocínio

como o Corel Chess (Corel, 2002) requerem um ponto de vis-

ta superior, porque a jogabilidade depende das acções que

ocorrem entre todos os agentes do jogo. Apenas podemossenr imersão no prazer de jogar, que neste género de jogossignica criar estratégias e ofensivas (militares ou não) para,de uma forma cartografada, podermos assisr ao desempe-

nho das nossas peças de jogo. Não se trata de movimentarum avatar como no GTA, mas de manipularmos parceiros ar-

ciais do jogo.Nos simuladores de mundos complexos, a interface é

mais que um simples painel de botões, é um parceiro do jo-

gador porque lhe disponibiliza a informação de tudo o queacontece no mundo simulado. Pensar e interagir como a má-

quina de uma forma progressivamente inata, fruto da trans-

4 A diferença de imersão nestas três situações depende de vários facto-

res que iremos explorar mais detalhadamente no capítulo 4. Neste pre-

ciso momento interessa apenas denir que o evento é parte integranteda história. Numa narrava, corresponde a uma das ocorrências da his-

tória que é contada, numa visão redutora da narrava, mas que nãopode ser de modo algum amputada. Seguindo os exemplos do jogo,o evento pode corresponder a um nível, ou a parte integrante (acção)

dele.

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104 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

Fig.23) First Person View(GTA Vicecity)

Fig.24) Third Person View(GTA Vicecity)

Fig.25) God View (GTA 2) Fig.26) Cinemac View(GTA Vicecity)

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105FILIPE COSTA LUZ

parência dos médias ulizados, torna o jogador-ulizadornum ser simbióco de técnica e natureza. Na perspecva dolme Blade Runner, o seguimento do processo histórico de“desnaturalização” do homem, com a digitalização do mundoe a possibilidade de conexão maior a diversos pos de arte-

factos, a fronteira entre homem e máquina corre o risco de

aparentemente se diluir por completo.Esta fusão é reecda no ecrã de computador através

do cursor do rato sob a forma de uma seta, ou no avatar deum jogo de computador. Em sistemas imersivos, como a RV,podemos ver na primeira pessoa um corpo ou interagir com o

espaço de uma forma visualmente transparente, sem repre-

sentação dos nossos membros, “apenas” manipulamos ima-

gens numa tentava de extensão mental do imersante. Estaconstante simbiose homem-máquina é o resultado do poder

atracvo dos mundos simulados (Turkle, 1997) que coloca oavatar na posição central deste estudo, qual o seu papel?

3.2 Primeiro Avatar

«Serão estas máscaras sombras de nós mesmos, -

guras para realizar o nosso desejo, vampiros de energia ou

 jogos de vídeo descartáveis?»Erik Davis

Quando Engelbart apresentou o mouse, vislumbrou-

se a possibilidade de manipular informações remotamente

organizadas segundo um modelo de gestão de informaçãosemelhante a um arquivo com gavetas, pastas e documen-

tos. O cursor do rato, visto inicialmente como uma extensãohumana, foi posteriormente avaliado como um poder para

reecr a imagem do seu ulizador. «De tanto vermos a nos-

sa imagem reecda no espelho das máquinas, acabamos

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106 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

por olhar para nós próprios duma forma diferente.» (Turkle,1997, p.11) A idendade está a fragmentar-se nas máscarasque experimentamos, transformando-se numa concepção

múlpla, fruto da diluição das fronteiras de cada persona-

lidade (Davis, 2002, pp.275-281). Os jogos exploram muitobem este desejo metamórco dos jogadores disponibilizandoinúmeros avatares, ou a possibilidade de construir um novo,sendo o ciberespaço local ideal para a distorção da nossa per-

cepção da realidade. Os actuais sowares de modelação tri-dimensional são ferramentas capazes de ajudar a construçãode objectos hiperrealistas, como objectos baseados em for-

mas não euclidianas ou fractais. Com posterior programação,é possível misturar todas as endades digitais e reais, numuniverso habitável. Não será coincidência que o mais famo-

so soware de modelação e animação 3D se chame Maya,

sugerindo a possibilidade de criar ilusão sob a autencidadedas imagens geradas.

Se, por um lado, estes jogos de computador projectamas nossas acções para um espaço diferente do real, através

de técnicas muito semelhantes à da vida real, que serão cer-

tamente a interacvidade e liberdade que possuímos para in-

teragir com o mundo (Murray, 1997, pp.126-153); por outro,permitem algo totalmente inovador que é a possibilidade de

repermos as nossas acções e observá-las posteriormente.Esta é seguramente uma capacidade comunicava que pa-

rece revolucionar a imagem que temos de nós próprios, por

conseguirmos experimentar novas acções e, através de repe-

ções, podermos aperfeiçoar técnicas desfrutando do prazerque ocorre na mediação digital. Veja-se como os computa-

dores, onde incluímos preferencialmente os jogos de vídeo,

permitem analisar os passos do jogador cuidadosamente.No jogo Pro Evoluon Soccer 4  (PES4), as repeções

procuram apenas rever uma brilhante jogada (golo), porém a

capacidade de treino que o jogo disponibiliza permite repero número de vezes que desejarmos uma mesma acção. Ob-

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107FILIPE COSTA LUZ

servamos o nosso avatar e com devido domínio do joysck ,

tentamos aperfeiçoar a nossa técnica.Os jogos Colin Mcrae 4  (Codemasters, 2003) e Gran

Turismo 4 (Sony, 2005), no modo de jogo arcada ou treino,permitem disponibilizar em simultâneo o nosso avatar (car-ro que conduzimos no preciso momento) e outro avatar adi-cional, o ghost   (imagem transparente do melhor resultado

que angimos no mesmo troço ou pista). Nestes jogos, os

ghosts  permitem aperfeiçoar a nossa técnica de jogar emtempo real, apercebermo-nos dos nossos erros (passado) e,

no imediato, tentarmos corrigi-los. Se na Fórmula 1 os pilotosprecisam da ajuda da telemetria para visualizar o seu desem-

penho em pista, nestes jogos podemos jogar contra as nossas

 performances anteriores e aperfeiçoar a nossa condução.

3.3 Avatar como máscara para o “meu mundo”

«A heteronímia é, assim, uma máquina de produzirmulplicidades e virtualidades (…)»

Luís Filipe B. Teixeira

Se o jogo nos conecta a outra realidade, não será erra-do pensarmos que os jogos são um média tecnológico para

experimentarmos outro universo (espaço de jogo) através de

uma máscara (avatar) que, quando vesda, nos conecta à ac-

ção que ocorre no jogo.«Quando atravessamos o ecrã para penetrarmos em co-

munidades virtuais, reconstruímos a nossa idendade do ou-

tro lado do espelho» (Turkle,1997, p.261). Através dos MUD’s,

podemos analisar como os jogadores experimentam diversas

personagens, camuando-se através de avatares de todos osgéneros e como essa acção inuencia o seu relacionamentocom os outros jogadores. Nos MUD’s, esta transcorporização

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108 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

que ocorre, é fruto da nossa capacidade imaginava, devidoà interface textual dos tradicionais MUD’s (LambdaMOO, …)e ao modo como é introduzida a informação.

Nos jogos que apresentam um avatar no centro do ecrã,

a idencação com a personagem é muito limitada. Este éum parceiro que pode inuenciar as acções do jogador ape-

nas pelo seu aspecto sico. Como no teatro, a máscara ves-

da, reecte-se nas acções dramácas do actor, porém é a

capacidade de ver na primeira pessoa que pode gerar maiorimersão na personagem que representamos ccionalmente.No teatro os actores estão sicamente por trás da máscara5.Nos jogos perspecvados na primeira pessoa, o ecrã simulaos nossos olhos e podemos ver através dele o espaço que

aparentemente nos rodeia. Com o uso de capacetes de visãoem estereoscopia (Head Mounted Displays) a imersão será

muito semelhante à do actor de teatro porque, independen-

temente dos diversos movimentos da cabeça, connuamossempre no mesmo “palco”.

No jogo Civilizaon ou Age of Impires, o jogador não se

idenca com os avatares representados porque o ponto devista superior (God’s View ) coloca-o como uma força externa

que controla os diversos agentes do jogo (Taylor, 2002, pp.1-12). Cada avatar é um membro de um grupo que o jogador

controla com o rato de computador, dando-lhe ordens paraaguardar, combater ou construir, não interferindo directa-

mente com o modo como ele desempenha cada uma destas

funções. São agentes que comandamos à distância, do mes-

mo modo que um “General” coloca soldados num mapa eespera resultados da estratégia que adoptou.

5 O actor, vesndo uma máscara, transforma-se noutra personagem.

Analisando o percurso heteronímico de Fernando Pessoa, Luís FilipeTeixeira relembra-nos que as máscaras têm idendades próprias, quequando “coladas à cara de um actor” manifestam o verso e o reverso

do mundo, ou seja, elas situam-se numa fronteira pouco denida entrehumano e divino. Ver Luís Filipe B. Teixeira, O Nascimento do Homem

em Pessoa, pp.21-45.

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109FILIPE COSTA LUZ

Porém, os jogos Third-Person View  disponibilizam inú-

meras ferramentas para personalizar o avatar. O facto dos jogadores requererem sucessivamente este po de ferra-

mentas signica que existe uma relação afecva com a re-

presentação visual do avatar. Será a possibilidade de vesrmáscaras, experimentar outras facetas e desfrutá-las o pra-

zer maior nos jogos de computador?Muitos dos jogos de computador, como o Half-Life 2

(Sierra, 2004), permitem apenas alterar a imagem do ava-tar através da edição digital de imagem. Na versão para  pc 

do jogo Grand The Auto III (Rockstar, 2002), os ulizadorespodem, através de um soware de imagem po Adobe Pho-

toshop, alterar o cheiro correspondente à skin (superciesque envolvem os avatares, objectos ou veículos) e, por con-

seguinte, redesenhar o seu aspecto. Alguns jogos de compu-

tador aceitam cheiros com informação tridimensional, paraserem ulizados como elementos do jogo ou avatares. É tam-

bém possível fazer o download  pela Internet de imensos ob-

 jectos, previamente modelados por uma enorme comunida-

de entusiasta por jogos de computador e de modelação 3D,

para ampliar o aspecto sico do nosso avatar. As empresastêm hoje a preocupação de desenvolver jogos que permitema personalização para cada jogador. Há muito que os jogos

deixaram de ser meras interfaces jogáveis, como o Pac-Man (Midway, 1981) ou o Lemmings (Ocean, 1990), para se torna-

rem num modelo de regras onde se possam editar, ou criar

novos jogos. Com a evolução das placas grácas, da progra-

mação e desenho tridimensional por computador, a indústriade jogos percebeu que tem um mercado muito interessante

na área dos Mul User Environments  (MUD’s, MOO’s) para

 jogos RolePlay .Jogos como o HalfLife, Doom ou Flight  Simulator  2004

(Microso, 2004), permitem a ulização da sua programação(Game Engine) em diferentes cenários 3D, de modo a que pe-

quenas ou grandes comunidades de jogos possam construir

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110 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

ambientes e, segundo novas regras denidas, criar novos ní -veis ou jogos diferentes. Existem diversas aplicações para po-

der aperfeiçoar ou transformar a aparência gráca dos jogosque são disponibilizadas gratuitamente na Internet. A comu-

nidade online do mais perfeito simulador de corridas de Fór-

mula 1, o Grand Prix 4 (Microprose, 2002), distribuiu-se por

diversos sites onde foram disponibilizadas as texturas paraas novas decorações dos carros ou publicidades dos circuitos

de Fórmula 1. As aplicações disponíveis gratuitamente onli -ne, permitem criar novas pistas ou alterar as  performances 

dos adversários. Por exemplo, para se poder simular o cam-

peonato de 2004, é possível alterar a potência de cada carroindividualmente ou denir o perl de cada piloto de modoa que o realismo da simulação possa ser o mais aproximado

possível.Para fazer este po de alterações apenas é necessário

tempo e conhecimentos elementares num soware de edi-

ção de imagem. Do mesmo modo, para alterar o jogo Half-

Life II (Sierra, 2005), a Valve disponibiliza o seu soware para

o fazer sem ser necessários elevados conhecimentos de mo-

delação ou em animação 3D.Na Universidade Lusófona, invesgadores do depar-

tamento de Psicologia, desenvolveram neste soware  um

ambiente tridimensional que simula as guerras de Portugalcontra as suas colónias na década de 60, para, com recur-

so a aplicações para ambientes imersivos (HMD e aplicações

tácteis), estudar os comportamentos de angos combatentesno “regresso” aos traumácos momentos que viveram. Umgrupo de três alunos do primeiro ano de Psicologia6, conse-

6 No Laboratório de Psicologia Computacional da Universidade Lusófo-

na, o Professor Doutor Pedro Gamito, lidera a equipa responsável pelo

desenvolvimento deste projecto, tendo pardo do zero a nível de re-cursos informácos. Com alguns computadores e alunos bolseiros deuma área diferente da informáca, conseguiram construir modelos (es-

paços de jogo) próximos dos ambientes que os soldados portugueses

enfrentaram no período das guerras coloniais. O hardware de ligação

fácil ( plug-and play ) e os sowares  com interfaces “amigáveis” con-

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111FILIPE COSTA LUZ

guiram desenvolver este protópo sem possuírem qualquerconhecimento de 3D ou de programação informáca. Esteexemplo espelha como pode ser fácil criar um modelo de

 jogo, apesar de seremos obrigados a recorrer a várias téc-

nicas: modelar objectos num soware  de três dimensões;opcionalmente, importar modelos 3D através da Internet;editar texturas em Adobe Photoshop e Valve Hammer ; para,

nalmente, no soware Valve, recorrer a este game engine 

usado para o Half-Life ou Counter Strike, para a experiênciade jogar em ambientes próprios.

3.4 Avatares, espectadores e refexos

«No espelho, teatros catóptricos à parte, sou eu que

escolho o enquadramento, mesmo quando espio os outros:basta que me desloque.»

Umberto Eco

O sucesso destas aplicações e a quandade imensa de jogos online revelam que é muito importante a idencação

do jogador no espaço do jogo. Simultaneamente, o avatarevoluiu com os jogos, permindo que o jogador se possa verreecdo no espaço de jogo.

Se comparamos com o cinema ou teatro, observamosque a imagem reecda do nosso corpo apenas existe nos jogos de computador. Nos lmes recorre-se a planos subjec-

vos para transmir as sensações da personagem, porémnunca foi ambicionado, nem será provavelmente possível

que algum dia possamos “habitar” o cinema como aconteceu

no lme “The Purple Rose of Cairo” (MGM, 1985)7. Porém,

tribuíram ecazmente para o sucesso que este projecto rapidamenteangiu.

7 Woody Allen procurou surpreender os espectadores ao diluir a dife-

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112 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

se pensarmos nos actores de teatro ou cinema, eles têm devesr uma máscara para poderem experimentar as vidas dassuas personagens e, por conseguinte, experimentarem imer-

sivamente um “avatar” nesse jogo de “faz-de-conta”. As se-

melhanças que existem entre a máscara e o avatar são muito

próximas por proporcionarem habitar um novo espaço, mas

deixando algo fora dele. A capacidade de nos mascararmosimplica o distanciamento do “nosso mundo” para a ligação

ao universo da máscara.No facto do jogador visualizar a sua representação no

ecrã, amplia-se na imagem do avatar, numa fusão dupla de

parcipação e visualização, a acvidade do acto de jogar(Rehak, 2003, pp.103-128). Rehak procura denir como es-

tratégia de qualquer jogo, um ambiente controlado por re-

gras, limites ou objecvos que através de interacção, iden-

cam o jogador na “história” que é gerada. Ulizando o termogrego diegesis, como uma história (narrava) que é revistaou recontada, Rehak dene o jogador como o “narrador” queconstrói a história, envolvendo-se nela, através de acva par-

cipação.Este conceito de diegesis é de facto importante se pen-

sarmos na imagem do avatar. Como os jogos de computadorreectem os movimentos do jogador de uma forma espelha-

da, mas não inverda (Eco, 1989, pp.11-44), podemos obser-var os “nossos” movimentos e acções através de perspecvasgerais, planos aproximados ou subjecvos. Esta imagem é re-

ecda e não projectada como no cinema, porque podemosescolher o enquadramento do mesmo modo que nos vemos

ao espelho. Deslocamo-nos e vemos mais, ao contrário da fo-

rença entre a fantasia e a realidade. Neste lme, a personagem TomBaxter (Je Daniels) saiu do espaço da tela e foi viver a “realidade” com

uma espectadora (Cecília). O “lme dentro do lme” é representado apreto e branco, marcando assim a clara fronteira entre ambos, porém

a natureza das personagens diluíu-se entre “real” e ccão. Ao procurarexperimentar a realidade, Tom Baxter procurava tornar-se real e aban-

donar denivamente o espaço onde vivia – o lme “A Rosa Púrpura doCairo”. Ver Irving Singer, Reality Transformed , pp.53-78.

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113FILIPE COSTA LUZ

tograa ou vídeo que oferecem imagens menos interacvas.Desde o seu início que no cinema, o espectador é o

ponto central do média (Cook, pp.322-333). A audiênciaidenca, interpreta, emociona-se ou imagina, através doconteúdo transmido. Ela deve ser considerada como a en-

dade que acvamente pode descodicar as imagens e sons,relacionando-as numa experiência pessoal. O modo como écontada uma história, tem de ser cuidadosamente manipu-

lada, para poder produzir imersão do espectador no médiaa que está conectado, tanto no desenrolar da narrava, narepresentação das personagens, cenários ou na manipulação

dos planos projectados.Um livro pode envolver o leitor viciosamente no texto,

porém, o cinema caracteriza-se por ser um hipermédia querecorre também a som, vídeo e retroacção para comunicar

com o espectador. Assim, o ponto de vista que os lmes for-

necem aos espectadores, é uma das questões fundamentais

do cinema e que deve ser comparada com os jogos de com-

putador, por estes absorverem diversas técnicas já há muito

projectadas nos lmes.Se na perspecva renascensta o ponto de fuga era

cuidadosamente colocado no centro da tela, no cinema esta

técnica é por vezes ulizada, tal como nos jogos de compu-

tador. Se nas pinturas de Caravaggio ou de Andrea Pozzo seprocurava representar realiscamente a acção ao ponto defazer imergir o espectador para o espaço da acção, nos FPS 

o avatar desaparece porque, supostamente somos nós que

habitamos o espaço representado. No cinema, por vezes, osrealizadores optam por projectar as imagens em planos sub-

 jecvos para que o espectador possa ser colocado no pontode vista de um determinado actor.

O cinema, para relatar um determinado evento8, recor-

8 Se um plano é estabelecido pela captura ininterrupta de um ângulo decâmara, os eventos se caracterizam por decorrerem numa determinadacena (espaço e acção) e serem lmados através de um ou mais planosde câmara. Deste modo, a sequência narrava pode ser denida numa

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114 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

re então a três pos disntos de planos: Objecvo, Subjecvoe Ponto de Vista (Mascelli, 1998, pp. 11-3). O plano objecvoprojecta as imagens como se assisssemos a um determina-

do evento sem parcipação acva. É um plano voyeur , que

coloca o espectador de um modo exterior à cena, num sen-

do que habita o espaço, para poder compreender tudo oque de facto acontece. No jogo Civilizaon, podemos dizerque a câmara colocada num ponto de vista superior (God’s

View ) corresponde ao plano objecvo, por sermos a endadeúnica que assiste a todos os acontecimentos que no planodecorrem.

Por outro lado, o plano subjecvo corresponde ao pon-

to de vista na primeira pessoa. Pretende-se induzir o especta-

dor na experiência pessoal que o actor, ccionalmente, viven-

cia. Neste plano, a câmara é colocada como se fosse os olhosdo actor, sendo muito comum nos lmes de terror devido àimportância de transportar o espectador para o espaço daacção. No lme Vergo (Hitchcock, 1958), Hitchcock recorrea esta técnica para mostrar as vergens que a personagem John “Scoe” Ferguson  (James Stewart), sofria. Para queesta técnica se torne mais transparente, o realizador projectauma sequência de planos que vão aproximando o espectadorao actor, até ao momento em que tentam transmir o clí -

max do evento num plano subjecvo. Iniciando a acção numplano Geral, os enquadramentos são reduzidos progressiva-

mente até ao plano nal, onde o operador de câmara altera adistância focal para simular o efeito de vergens, num planoo ponto de vista da personagem, ou seja, neste exemplo, um

plano subjecvo.ou várias cenas, num ou vários planos através da montagem de cada

um destes fragmentos de vídeo. A “montagem” é um processo de pro-

dução cinematográca que pode envolver o espectador na intriga, ounarrava que é contada, através de fragmentos de vídeo (com diferen-

tes pontos de vista). Segundo Eisenstein, quando a montagem junta osdiferentes fragmentos, o resultado nal é qualitavamente disnguívelde cada elemento analisado separadamente. Ver Sergei Eisentein, TheFilm Sense, New York, Jovanovich Inc, 1974, p.8.

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115FILIPE COSTA LUZ

O posicionamento das câmaras altera a posição doespectador, o que disngue claramente o cinema do teatro(Mascelli, 1998, pp.11-33). Nos jogos de computador, as se-

melhanças com o cinema são evidentes, pois os jogadores/espectadores, em ambos os médias, podem visualizar o es-

paço à distância ou imersivamente.Por úlmo, o plano “ponto de vista” é objecvo, porque

a câmara é uma endade transparente na cena (ao contrário

do plano subjecvo onde os actores podem olhar directa-mente para a câmara para senrmos que estão a comunicardirectamente connosco), mas é colocada de modo que fôsse-

mos uma endade presente e invisível no espaço da acção.Como vemos nas imagens seguintes, a câmara simula um lu-

gar intermédio entre o plano subjecvo e o objecvo.No lme Elephant  (MMV, 2003), de Gus Van Sant, o es-

pectador é colocado atrás dos estudantes armados e percor-

remos o espaço de um modo semelhante ao que acontece no

 jogo GTA ViceCity ou World of Warcra . Senmo-nos presen-

tes no espaço, mas não nos idencamos com as persona-

gens como acontece em Vergo ou no Doom.Benôit Sokal, no desenvolvimento do jogo Siberia II,

optou por uma estéca cinematográca tanto na construçãode ambientes como no modo como eles são “lmados”. Nes-

ta aventura, apenas interagimos com um avatar na terceirapessoa que acompanhamos através de travellings ou “planos

xos” de câmaras já denidas.Deste modo, este jogo de género aventura aproxima-

se muito do cinema porque “somos colocados” no ponto de

vista de espectador (planos objecvos9), bem “encostados à

9 Não pretendemos denir equivalências entre planos cinematográcose pontos de vista do jogador, porém, não devemos ignorar algumas se-

melhanças. O ponto de vista na primeira pessoa ou plano subjecvo,são técnicas que existem tanto nos jogos como no cinema, no entanto,

se analisarmos as juscações narravas para o recurso ao escalona-

mento de planos que ocorre no cinema clássico (desde Grith), per-

cebemos que não fazem sendo algum para o acto de jogar. Excluindoraridades como o Siberia II, os jogos de computador são maioritaria-

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116 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

Fig.27) Plano objecvo(Escala: Plano Geral)

Fig.28) Plano objecvo(Escala: Plano Médio)

Fig.29) Plano objecvo(Escala: Grande Plano)

Fig.30) Plano Subjecvo(Escala: Plano Geral)

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117FILIPE COSTA LUZ

nossa cadeira”, apesar de manipularmos uma personagemno ecrã. A cuidada construção dos cenários promove o des-

lumbramento do jogador, os diálogos abrandam um ritmo já

lento, proporcionando a cuidada reexão que torna possívelresolver os quebra-cabeças propostos no ritmo que desejar-

mos. Em detrimento de uma jogabilidade imersiva, este jogopropõe uma história para desvendar numa clara opção cine-

matográca de limitada jogabilidade.Contrariamente, no jogo Half-Life 2  vemos o cenário

na primeira pessoa, apenas a nossa sombra é reecda, po-

rém nos jogos Colin McRae ou GTA Vicecity, podemos optar

por várias câmaras e observar o cenário envolvente por di-ferentes pontos de vista. Estes jogos estão muito mais pre-

ocupados com a capacidade de interacvidade do jogadorno ambiente fornecido (agency ), dando-lhe um maior prazer

no acto de jogar mas, por vezes, tentam oferecer espectácu-

mente um mundo para livremente interagirmos através de um ponto

de vista denido. A escolha do ponto de vista, por parte do jogador,pode “apenas” provocar a proximidade ou o distanciamento ao espaço

do jogo.

Fig. 31 e 32) Plano Ponto de Vista (Escala: Plano Médio) e PlanoPonto de Vista (Escala: Plano Geral)Elephant (Gus Van Sant, 2003)

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118 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

lo ao jogador para que este possa desfrutar das suas acções

também na terceira pessoa. Se ao conduzirmos um carro emalta velocidade saltamos uma rampa, o jogo, num claro acto

de remediação do cinema, mostra a nossa peripécia em slow

moon e num plano contra-picado de forma a engrandecer

a manobra efectuada. Esta troca de planos de primeira paraterceira pessoa reduz a imersão no acto de jogar, afasta-nosdo cenário do jogo e coloca-nos claramente do outro lado do

ecrã a desfrutar das imagens geradas.Do prazer de jogar, momentaneamente passamos a

desfrutar da acção que desempenhamos contribuindo, não

para a sasfação que o agenciamento produz, mas sim parao prazer da jogabilidade. Estas imagens cinematográcas en-

grandecem as nossas acções e, de uma forma narcisista, sen-

mos prazer no acto de jogar.Excluindo as raras excepções, não é concebível imagi-

nar o jogo Civilizaon interagido na primeira pessoa, por se

perder a visão global dos acontecimentos. Não será viável um jogo reexivo como o Pac-man jogado também em FPS, como

seria totalmente desinteressante simuladores de vôo ou de

corridas de carro manipulados em vistas aéreas (God’s view),

pois o prazer da condução (simulação) diluir-se-ia totalmen-

te. De igual modo, no cinema torna-se dicil conceber o pra-

zer de assisr a um lme integralmente na primeira pessoa,porque supostamente é pretende transmir uma história enão sensações como em projectos de realidade virtual10. O l-me noir  de Robert Montgomery (1947) intulado Lade in the

Lake é um dos raros exemplos de uma narrava transmidaintegralmente na primeira pessoa. Neste policial, o realizador10 Os projectos de RV, de um modo geral, pretendem transportar o u-

lizador para outro espaço de representação. Por exemplo, a instalação

Placeholder  de Brenda Laurel, visava criar o efeito de imersão dos u-lizadores em personagens animais, sendo a experiência efectuada naprimeira pessoa através de um capacete digital (HMD). A posição dacâmara, mediada através do capacete, dependia das caracteríscas decada avatar (animal) escolhido, tal como os movimentos possíveis no

espaço. Ver Michael Hein, Virtual Realism, pp.68-74.

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119FILIPE COSTA LUZ

e também actor principal, na personagem de Philip Marlow,

dirige-se directamente para o espectador introduzindo-o naacção que se irá desenrolar. À medida que a narrava vai de-

correndo, o espectador é “transportado para os olhos” do ac-

tor principal e assiste na primeira pessoa os dramas da perso-

nagem. Esta viagem é por vezes interrompida por fragmentosintrodutórios onde somos colocados como um parceiro da

personagem principal que, olhos-nos-olhos, nos confronta.

Este inédito lme cou registado para a história do ci-nema, porém a originalidade de proporcionar a visão na pri-

meira pessoa, não vingou porque se perde a noção espacial

dos acontecimentos e, por conseguinte, o espectáculo que o

cinema pode proporcionar.Do mesmo modo, imagine-se jogos de computador

como o Grand  Tourism, Colin Mcrae ou Flight  Simulator , jo-

gados exclusivamente numa vista superior (god’s view ). Queaborrecimento!

A experiência na primeira pessoa é historicamente pro-

 jectada através da total diluição do média para a projecção

de um novo espaço. Se a perspecva cónica requer, comodado fundamental, a altura do observador, nos jogos de com-

putador, ou no cinema, coloca-se a câmara diante dos nossosolhos. Aparentemente, não existe nada a separar-nos do es-

paço projectado.Quando este efeito é bem conseguido, surgem sensa-

ções transmidas por esse ambiente que nos envolvem imer-sivamente. Estamos de tal modo concentrados na acção que,quando alguém nos confronta, senmos uma espécie de in-

quietante estranheza11. No jogo Shadow OOPs Red Mercury  

11 Como mais adiante referimos, esta sensação estranha que SigmundFreud deniu como Unheimlich, é revelada quando em determinados

momentos somos confrontados com algo inesperado que revela umanatureza diferente ou nos faz recordar uma sensação que “deveria es-

tar escondida”. Ver Luís Filipe B. Teixeira, Hermes, pp. 180-181. Ver tam-

bém Adam Bresnick, Prosopoec Compulsion: Reading the Uncanny in

Freud and Homann, hp://social.chass.ncsu.edu/wyrick/debclass /uncan.htm.

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120 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

(Atari, 2004), somos por vezes auxiliados por agentes digi-tais. Outras personagens dos jogos comunicam directamenteconnosco, olhos-nos-olhos, gerando essa estranha sensação,

porque estamos de tal modo idencados com o espaço e in-

trigas da acção, que achamos peculiar a arcialidade dessecontacto. Neste caso, achamos estranho porque percebemosque o outro sujeito é de natureza digital. Porém, quando es-

tamos totalmente imersos noutro espaço, através de um jogo

FPS ou de prolongados planos subjecvos num lme, quandoa câmara passa à frente de um espelho e revela outra face (dapersonagem da narrava com que estamos idencados), ochoque é imediato.

Podemos vericar que a reprodução da imagem sem-

pre criou uma inquietante estranheza, uma perturbaçãodiante do reexo que se assemelha a uma ilusão ou truquede feiçaria. Com a possibilidade de transportar, registar ereproduzir a imagem do espelho, a perturbação acentua-se.(Baudrillard, 1996, p.92). A replicação já cria perturbação,mas é muito mais assustador que um reexo se torne sin-

gular através dos seus gestos e que crie uma nova paisagem

paralela à qual estamos familiarizados.Este é o ponto de ruptura da imersão porque o efeito

de transparência, que a máscara pode oferecer (transforma-

on), é subitamente interrompido.No cinema, existem vários exemplos deste estranho

efeito. Destacamos quatro: No lme Lade in the Lake, quando

a “nossa” personagem se observa ao espelho, a sensação de

estranheza invade-nos devido à idencação com a persona-

gem gerada por sucessivos planos subjecvos ser, repenna-

mente, quebrada com o reexo do actor Robert Montgomery.No lme Holy Grail  (1975) dos Montypython, a noção

de estranheza é total quando o lme é invadido por elemen-

tos estranhos à narrava (polícias) que conscam as lma-

gens, prendendo todos os intervenientes e, abruptamente,

o lme acaba no imediato. Este “non-sense” afasta-nos to-

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talmente do enredo cómico, quebrando a narrava e, apesardos polícias não se dirigirem directamente para a câmara, sãointerpretados como agentes externos que reforçam a nossa

posição de espectadores.No lme Psycho  (1960), Alfred Hitchcock envolve-nos

de tal modo com a personagem principal que se torna uma

estranha surpresa o facto dela morrer a meio do lme. Fi-camos totalmente perplexos e desorientados por Hitchcock

cortar abruptamente as ligações emocionais que o especta-dor tem com o lme.

Como úlmo exemplo, destacamos o lme  Annie Hall  

(MGM, 1977) onde Woody Allen transforma um plano ob-

 jecvo em subjecvo ao pôr as personagens a falarem com oespectador. Quando, neste lme, assismos a uma discussãoentre dois actores que evocam Marshall McLuhan, a estra-

nheza é total quando a personagem principal (Woody Allen)se orienta para a câmara, dirige-se aos espectadores para juscar a sua teoria e sai temporariamente de plano parareentrar acompanhado pelo próprio McLuhan que valida osseus argumentos. Esta fusão de seres ccionais com reais ea importância imputada ao espectador, colocando-o no cen-

tro da intriga, provoca esta estranha sensação devido a este

reposicionamento do espectador, ou à opacidade do média.

Gostaríamos de concluir este ponto com um grácoque pode ilustrar a relação que existe entre os pontos de vis-

ta projectados no cinema ou nos jogos de computador com

conteúdos narravos ou imersivos:Como vericámos anteriormente, o posicionamento

das câmaras é uma técnica fundamental para transmir asensação de presença no espectador/jogador. O quadro re-

presentado, sistemaza a relação entre a opção dos planosescolhidos pelo realizador, ou programador, para que sejamtransmidos mais conteúdos ou mais sensações de presença.

Não temos dúvidas nos planos de carácter mais imer-

sivos, dado que a denição de um plano subjecvo (ou vista

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122 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

na primeira pessoa), pressupõe a “substuição” do ponto devista de uma determinada personagem (avatar), pelo espec-

tador (jogador). No extremo oposto à imersão, encontramosa narrava, sendo também aceite no universo cinematográ-

co que os planos objecvo e ponto de vista, são ulizadospara melhor transmissão narrava de acontecimentos, aocontrário de um plano subjecvo que pretende transmir asexperiências de uma personagem.

Os planos “ponto de vista”, menos frequentes que osanteriores, pretendem contar a história aproximando o es-

pectador da acção. Se é verdade que a escala de planos é aferramenta mais ulizada para mostrar ao espectador por-menores de uma acção, recorre-se também ao plano ponto

de vista, para sugerir a visão de uma personagem mas, com

o intuito de aproximar o espectador sicamente à acção demodo a que os factos sejam apresentados como num plano

objecvo. Como já referimos anteriormente, a diferença prin-

cipal entre um plano subjecvo e um plano ponto de vista, nocinema, encontra-se no facto de no primeiro o espectador

ser transportado para a acção que se desenrola, ao ponto das

outras personagens se dirigirem directamente para a câmara,falando “com ela”.

Percebemos então que não é possível associar linear-

mente vistas de jogos de computador com planos cinema-tográcos. A narrava pode sugerir a sensação de imersão,mas como veremos no ponto 4 do próximo capítulo, ela en-

contra-se no extremo oposto ao agenciamento, ou agency  

segundo Sherry Turkle, tão caracterísco dos jogos. Uma dasprincipais denições de jogo é a liberdade de parciparmosnele, tanto Huizinga como Caillois são claros neste ponto. Anarrava, pressupõe “sermos levados” por um narrador querestringe a liberdade ao nosso poder imaginavo. (Caillois,1990, p.26 e Huizinga, 1980, pp.3-31). Abordamos esta par-cular questão no próximo capítulo, no entanto é necessáriocar desde já claro que o cinema e os jogos de computador

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123FILIPE COSTA LUZ

diferem radicalmente entre a questão de serem, ou não, con-

teúdos narravos.Se desejássemos associar os planos cinematográcos

com as vistas dos jogos de computador, surgiriam inúmerosproblemas na construção de uma conformidade linear. Ve-

 ja-se como no cinema, por exemplo, a vista superior (God’s

View ) é um plano objecvo quando o realizador pretendemostrar uma acção que ocorre numa paisagem, mas também

pode ser um plano subjecvo quando se simula a queda livrede um pára-quedista, ou um plano ponto de vista de uma

personagem12.Pretendemos salientar a importância que as vistas, ou

planos cinematográcos, têm com a narrava e com a imer-

são. Assim, descartamos totalmente a possibilidade de umaleitura vercal da g.35, entre pontos de vista nos jogos decomputador e planos ulizados no cinema. Apenas preten-

demos defender que a manipulação de planos no cinema,

ou a escolha de um ponto de vista num jogo, condicionam

a sensação de presença num jogo. Quanto mais perto es-

vermos do local da acção, melhor senmos o espaço e, demodo oposto, quanto mais longe esvermos do cenário de jogo, melhor idencamos todos os desenvolvimentos queestão a ocorrer no jogo.

Veja-se como num jogo de xadrez, a vista superior seencontra estáca e observamos toda a “história” que acon-

tece no desenrolar do jogo. No jogo Civilizaon a câmara é

12 Esta é uma técnica recorrente, os realizadores, através da montagem,provocam a idencação com as personagens através de uma determi-nada sequência de planos. Imagine-se uma sequência de dois planos:num primeiro plano, uma personagem que, num interior de um avião,

olha para a janela. De seguida, um segundo plano de escala menor,

onde é visível a personagem espreitar pela janela; por úlmo, observa-mos uma imagem aérea.

Segundo esta sequência, o úlmo plano é considerado um plano“ponto de vista” por ser supostamente o campo de visão da persona-

gem retratada.

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124 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

Fig.33) Alvy Singer (Woody Allen)conversa com Annie Hall (Diane

Keaton)

Fig.35) Alvy chama o “real” MarshallMcLuhan.

Fig.36) McLuhan clarica a sua tese.

Fig.34) Alvy dirige-se para o espectador.

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125FILIPE COSTA LUZ

Fig37) Third-Person View (GTA ViceCity) Fig38) First Person View (Colin McRae)

Fig39) Pontos de vista com maior ou menor informação narrava

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126 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

indiscuvelmente colocada neste mesmo ponto de vista, maspor vezes acompanhamos o desenrolar da história em movi-mentos laterais (panorâmicas superiores), visto que o espaçorepresentado ocupa uma área maior que o ecrã pode dispo-

nibilizar. Quando escolhemos uma cidade, desligamo-nos do“macro-mundo” (tudo o que acontece no planeta terra) para

interagir neste micro-mundo (o universo da cidade).Nos jogos de computador, todos os pontos de vista

envolvem o jogador de tal forma que se sente atraído pelomonitor, vai-se aproximando progressivamente para ver me-

lhor. Quando o jogo é interrompido com introduções cinema-

tográcas, como no GTA Vicecity , o jogador é transformado

imediatamente em espectador e, por conseguinte, encosta-

se totalmente à cadeira para se deliciar com o conteúdo nar-

ravo.Esta é a razão porque colocámos num extremo a narra-

va e no outro a imersão. Os jogos são espaços interacvosonde, através de três vistas disntas, podemos transformaro meio envolvente, enquanto o cinema clássico, como o co-

nhecemos, pressupõe a total ausência da interacvidade13.Assim, salvo raras excepções, como o jogo Siberia II, não se

aplica a denição de planos cinematográcos (e respecvoescalonamento) no acto de jogar um jogo de computador.

É o jogador que escolhe os enquadramentos através do re-posicionamento do seu avatar e, desse modo, os planos são

sempre “subjecvos” na medida que são o “ponto de vista”do jogador, apesar de vermos numa vista superior, na terceira

pessoa ou na primeira.

13 Naturalmente, se ignorarmos a interacvidade que existe entre a pro- jecção e o olho humano, ou entre o realizador e espectador. Referimo-nos à interacvidade entre objectos, espaços e seres, como ocorre nasrelações face-a-face.

Esta parcular relação entre narrava e imersão nos jogos de compu-

tador é analisada no ponto 4 do capítulo IV.

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127FILIPE COSTA LUZ

3.5 Papel do avatar nos jogos de computador

«There is no comparison between a mulplayerdeath-match (…) and a single-player game with AI oppo-

nents.»J. C. Hertz

No espelho, vemos a nossa imagem reecda e pers-

pecvamos o ponto de vista “na terceira pessoa” de “nóspróprios”. Reconstruímos o lugar que habitamos na ilusãoque também estamos “dentro” dele (Teixeira, 2004, pp.90-105), brincando à distância com a nossa imagem espelhada.Muito se tem evoluído desde o reexo na água até aos maisrecentes sistemas de captura de vídeo, do mesmo modo que

o avatar evoluiu tecnicamente desde o Space Invaders ao GTA

Vicecity .A imagem especular é historicamente perturbadora ao

ponto de hoje ser largamente debada a questão éca dos jogos de computador mais violentos. Porém, sem querer en-

trar em discussões paralelas, pretendemos salientar como o

recurso a avatares nos jogos de computador reectem o de-

sejo do jogador se teletransportar para o ambiente do jogo.A parr do momento que se evoluiu para os jogos on-

line, a capacidade de juntar milhares de jogadores na par-

lha de paisagens, objecvos e experiências poderá sugeriro “inconsciente colecvo” de Carl Jung no prazer de habitarmundos alternavos onde podemos ser qualquer coisa (Da-

vis, 2002, pp.256-262). Assim, o avatar tem o papel duplo derepresentar o “eu” numa perspecva mais escondida do egoe simultaneamente a promessa do “estar presente em”. Nãoterá sido por acaso a escolha do nome ID para a empresa res-

ponsável pelas séries Doom e Quake14.14 «O bom psicanalista dizia que nunca conhecemos directamente o id  

(nem gostaríamos de conhecê-lo), mas que podemos seguir as suas pe-

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128 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

Nestes jogos somos envolvidos através da perspecvana primeira pessoa, sendo apenas possível visualizar “as nos-

sas mãos” e arma que ulizamos, ao ponto da representaçãodo avatar ser aparentemente limitada à sensação de estar

presente nesse espaço. O enorme sucesso que estes jogosangiram revela um elevado prazer de jogabilidade resultan-

te da livre capacidade de interacção no espaço (imersão e

agency ) e do cariz violento que apresentam, assim, o nome

id  pode mesmo representar o monstruoso subconsciente dos jogadores.

O avatar é então a nossa representação visual no es-

paço que estende de uma forma sensorialmente muito e-

caz, o prazer no acto de jogar. Uma das maiores seduçõesdo jogo é o facto de ser fornecida acção num espaço onde

“somos entregues a nós próprios”, ao ponto de criarmos uma

relação muito imediata com o avatar ulizado (Turkle, 1997,pp.55-81). Se o avatar é uma reexão, estamos então a falarde uma percepção realísca, não da aparência mas do con-

trolo. A obediência do avatar às nossas ordens no teclado,mouse  ou  joysck , é de tal modo imediata ao ponto de se

tornar transparente e criar a aparência de estar presente noambiente de jogo. Interagimos realmente com os seres quehabitam o espaço do jogo. Com o processamento gráco em

tempo real e melhor representação fotorealista das imagensprocessadas, os jogos de computador envolvem os jogadores

imersivamente ao ponto dos comandos dados serem imedia-

tamente reecdos no ecrã. A velocidade da reacção cria ummaior efeito de agency  e é a principal razão de muitos joga-

dores preferirem os jogos de Playstaon aos de computador.Um jogo de computador requer hardware especíco para ser

gadas lamacentas através de lapsos, compulsões neurócas e sonhos,os quais Freud via como dramas internos que simultaneamente reali-

zavam e ocultavam os impulsos do inconsciente.» Ver Erik Davis, op.

cit., p.257. Ver também Luís Filipe B. Teixeira, “Jogo#2/Nível#1: Retratode um Mesmo (Homem) enquanto Outro: Breves notas sobre (ciber)Simulações lúdicas” in Hermes, pp.186-192.

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processado o que obriga os jogadores a fazerem sucessivosupgrades para poderem jogar as úlmas versões com a ui-dez desejada. Tal não acontece na Playstaon, ou  Xbox   da

Microso, por ser uma plataforma especíca para a qual os jogos de vídeo são programados.

Se, por outro lado, pensarmos nos jogos textuais, poMyst  (Cyan, 1991), Hitchhiker’s guide to the galaxy  (Infocom,1987) ou Harick  (Harick, 1997) o avatar é uma palavra pro-

 jectada no ecrã, desse modo a capacidade de imersão depen-de muito mais da criavidade e disponibilidade do jogadorpara se integrar nesses ambientes. « Adventure’s interface in-

vited players to imagine themselves as the observing/parci-pang “I” in a unfolding narrave and brought to gameplaya sensaon of rst-person experience.» (Rehak, 2003, p.105)Rehak pretende salientar que a sensação de estar sicamen-

te presente nestes ambientes “literários” depende da capaci-

dade do jogador em imaginar o espaço descrito. Na interfacedo jogo Hitchhiker’s guide to the galaxy , surge uma primeira

frase (“you wake up. The room is spinning very gently roundyour head. Or at least it would bee if you could see it whichyou can’t. It is pitch black”) que é respondida na segunda pes-

soa (“open light’s”, “stand up”, “leave room”) o que nos obri-

ga a pensar como o computador e a nos relacionarmos de um

modo muito mais elementar de como se comunicava com oHal9000 no lme 2001: A Space Odyssey (Warner Brothers,1968) de Stanley Kubrick. Assiste-se então a um trabalho co-

operavo entre homem e computador sugerindo que os jo-

gos de computador são uma ferramenta muito poderosa de

comunicação por precisamente fundirem o ulizador com amáquina. As emoções, ao contrário dos lmes Blade Runner

(1982) de Ridley Sco, 2001: A Space Odissey  ou Frankens-

tein  (1931) de James Whale, apenas se encontram do lado

humano porém, segundo Rehak, os mundos que criamos e aexperiência das máscaras que neles vesmos sob a forma deavatares, parece espelhar a nossa totalidade e, simultanea-

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130 JOGOS DE COMPUTADOR E CINEMA

CAPÍTULO 3

mente, a falta dela.O avatar é então uma gura que se intromete na re-

lação jogador-jogo com o duplo objecvo de permir ao jo-

gador habitar outro espaço e saborear outras experiências.Não é uma questão de idencação do jogador com o avatarrepresentado, mas sim a gracação que é fornecida pela ex-

periência de ser um habitante do jogo. Assim sendo, o pontode vista escolhido para o acto de jogar, deixou de ser uma

limitação tecnológica para ser uma opção mais transparen-te na absorção de prazer que a navegação, ou jogabilidadeoferece. Os jogos shoot-them-up  são frequentemente pro-

gramados para serem jogados na primeira pessoa, muitas ve-

zes até denidos como First-Person shooter , ao contrário dos

beat-them-all , onde o avatar se encontra sempre à mesma

distância do jogador.Esta diferença permite dois pos disntos de sensa-

ções: presença e duplicidade.Nos jogos perspecvados na primeira pessoa pretende-

se colocar o jogador de um modo imersivo, para uma trans-

parência na mediação e, por conseguinte, a sensação deestar presente. O avatar reduzido à visualização das mãos earmas que transportamos funciona como uma extensão in-

visível do jogador, enquanto noutros jogos, com imagem na

terceira pessoa, o avatar é o nosso parceiro, um duplo que re-ecte as nossas acções15. No jogo GTA San Andreas (Rockstar,2004) podemos conduzir o nosso avatar a um ginásio, para otornar mais musculado, ou por contrário, fazer com que estecoma muito fast-food  e se torne mais gordo. A aparência vi-sual do avatar reecte a empaa que o jogador tem por ele15 «Your avatar acts for you, and evolves in a manner that reects your

decisions». Ver Diane Carr evoca que quando se manipula um avatar

existe uma maior inquietante estranheza (unheimlich, segundo Freud),do jogador do que um espectador num lme. Tal acontece porque éo jogador que comanda o avatar como um veículo no espaço do jogo

tornando-o no nosso duplo. Diane Carr, «Play Dead: Genre and Af -fect in Silent Hill and Planescape Torment», hp://www.gamestudies.org/0301/carr/

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131FILIPE COSTA LUZ

e de certa forma condicionará a simulação no jogo. Não nosreferimos às performances do avatar que estando mais forte

consegue correr e combater com maior ecácia, mas à mo-

vação para a experiência de jogar. Stewart Woods16 evoca que

é argumentável que a escolha do avatar condicione o com-

portamento do jogador, pois se este ver um visual violentoé natural que as nossas acções se tornem mais agressivas do

que num FPS. O que signica que a relação do jogador com o

avatar é, em primeiro lugar, a atracção de ser capaz de fazerparte da experiência do jogo (uma relação ínma da expe-

riência de jogar) e, apenas numa segunda instância, poderáser a idencação pessoal com a representação gráca doavatar.

16 «Within videogames it is arguably the case that the depicon of acharacter (in combinaon with manipulave rules) results in implicitmovaons. Barbarians, it can be said, have an implied movaonto behave in a “barbaric” manner. Stewart Woods, «Loading the Dice:The Challenge of Serious Videogames», hp:/ /www.gamestudies.org/0401/woods/

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CAPÍTULO 4

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CAPÍTULO 4

4.1 Presença e Imersão

«By imersion, I means to focus mentaly on somethingother than the imediate surronding reality.»

Pierre Gander

Como vimos anteriormente, a capacidade de nos trans-formarmos e encarnarmos uma personagem do jogo, depen-de de diversos factores. Tanto o ponto de vista ulizado comoo agenciamento que a interacvidade dos sistemas pode for-necer, são elementos essenciais para que os médias uliza-dos se tornem transparentes e seja possível a sensação deestar presente no “outro lado”. A questão que se levanta écomo pode ser transmida a sensação de presença atravésda mediação digital? E a que mediação, ou interface nos re-ferimos? Será a imersão idênca nos jogos Doom, Civilizaon ou Siberia II?

Perder a consciência do mundo sico para sermos apa-rentemente transportados para um espaço digital signicaque o sendo da palavra “presença” seja semelhante em am-bos os espaços (Biocca & Delaney, 1995, pp.57-64). Morton

Heilig defende que o sendo de presença depende da expe-riência mulsensorial que se consegue transmir através domédia ulizado (Heilig, 1955, pp.240-251).

O conceito de presença emerge no meio tecnológicopor, precisamente, ser o ponto central para a concepção demédias interacvos e não-interacvos proporcionadores deimersão.

Jonathan Steuer, Frank Biocca e Ben Delaney (Biocca &Levy, 1995) denem presença como o resultado da imersãonum sistema, ou seja, a natural percepção “estar presente”num espaço (Steuer, 1995, pp.33-56), onde a pessoa per-de a noção do média que a “transporta” nessa experiência

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(Ijsselstein et al. 2000). Imersão é a qualidade da tecnologiapara criar a sensação de habitar outro espaço (Slater e Wil-dbur, 1997, pp.603-616). Deste modo, precisamos de disn-guir qual a relação entre imersão e presença para que possa-mos prosseguir o nosso estudo com total transparência nasdenições ulizadas.

Não podemos falar de sendo de presença sica numlivro, mas não está incorrecta a expressão comum de “nos

perdermos num livro”. Por outro lado, se pensarmos num sis-tema de Realidade Virtual a palavra presença faz todo o sen-do, porque os nossos movimentos sicos se reectem simi-larmente no meio envolvente (digital). O sendo de presençaé incrementado quando a tecnologia da mediação represen-ta o nosso corpo sico a interagir com os objectos digitais1.

Num conteúdo literário ou cinematográco, podemossenr emocionalmente o desenrolar das acções ou a experi-ência que as personagens vivenciam no conteúdo ccional,enquanto num jogo de computador (dependendo do pontode vista, conteúdos narravos e agenciamento) podemos, demodo semelhante, senr o efeito de presença, imergindo no

1 David Schloerb divide o sendo de presença imersiva em subjecvae objecva. Presença subjecva é a probabilidade de uma pessoa “sesenr” sicamente presente num determinado ambiente. Presença ob-

 jecva é, segundo Schloerb, a probabilidade do sendo de presença serealizar. Neste sendo, Lombard e Dilton disnguiram seis conceitos depresença para que a experiência em mundos virtuais possa ser conside-rada imersiva: Proximidade da comunicação entre indivíduos ( presence

as social richness); Realismo visual, sonoro ou tácl do media ulizado( presence as realism); a ideia de que algo “acontece aqui” ( presence

as transportaon); a sensação psicológica de sermos “envolvidos por”,( presence as immersion) ; o sendo de presença quando comunicamoscom um ser real que está camuado de ser arcial, ou seja, que se es-

conde atrás de uma máscara ( presence as social actor within medium);a ilusão que comunicamos com uma personagem real, quando de factoestamos a interagir com um ser arcial ( presence as medium as social

actor ). Ver David W. Schloerb, A quantave measure of telepresence,pp. 64-80. Ver também Lombard & Dion,  At the heart of it all: The

Concept of Presence, 1997.

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CAPÍTULO 4

espaço do jogo.«This is the same mental shi that happens when you

get wrapped up in a good novel or become absorbed in play-ing a computer game» (Pimentel & Teixeira, 1983, p.15).Quando um escritor consegue fornecer os meios para queum leitor sinta o drama representado, signica que a noçãodo mundo sico se dilui, do mesmo modo que quando joga-mos intensivamente parece que o tempo passa mais devagar

devido a estarmos totalmente embebidos no ritmo do jogo(Juul, 2001).

A sensação de presença noutro espaço, envolve neces-sariamente um processo de descorporização no meio sicoimediato e será conseguida sempre que a experiência nomeio alternavo for realísca (similar à sica) ou proporcio-ne prazer.

Imersão signica literalmente a capacidade de imergir,mergulhar, o que representa passarmos do meio atmosféri-co para um meio líquido. O corpo é o mesmo, porém, a sua performance poderá ser diferente devido às diferentes natu-rezas (resistência à interacvidade) de cada meio. As sensa-ções de mergulhar na água, assisr a um lme, “sermos leva-dos” para um conteúdo literário, são exclusivas, mas com umponto comum – proporcionam prazer. O que leva milhares

de jogadores online compulsivamente conectados a cenáriosdigitais (servidores) de aventuras, guerras, ou chats? «Andthey’ll stay – up to four hours each – because of the seduvequality of pure immersion» (Kim, 1998).

Imersão será o prazer de “estar presente”; “agency ” acapacidade de interagir de modo sensorialmente realíscono mundo envolvente; e “transformaon” a capacidade devesrmos e encarnarmos uma máscara2.

2 «Aquele que se mascara torna-se outro: não apenas no sendo emque seria outro, mas também que mostra a alteridade que o percorre.Paradoxalmente, a máscara não dissimula. Mas dá a conhecer aquiloque o rosto contém: o acto de vaguear do outro.» Patrick Baudry, “Damáscara ao invólucro: a liquidação do humano?”, 1990. Ver também

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A interacção entre estes três elementos pode provocara sensação de presença. Murray organizou hierarquicamenteos sub-capítulos Immersion,  Agency   e Transformaon  paraconceber a ideia de presença digital, por outras palavras, aporta de entrada para “o mundo encantado dos computado-res” (Murray, 1997).

As novas tecnologias podem sugerir “telepresença”, sig-nicando um estado subjecvo de presença, porque o imer-

sante está num espaço sico diferente do mental (Steuer,1995, p.36). Porém, se é verdade que se possa senr imersãono trabalho, a ouvir música, a jogar ou a ler um livro, é neces-sário denirmos como a imersão poderá juscar diferentesqualidades de presença, nos disntos médias que têm sidoretratados neste estudo.

Desse modo, é necessário aceitar as propriedadestransparentes que os novos médias apresentam, possibilitan-do a aparente conexão directa ao mundo representado. Os jogos digitais são espaços de representação através dos quaiso jogador interage através do ecrã. Ao contrário do cinema,pintura ou fotograa, os jogos digitais são espaços para si-multaneamente serem observados e “modicados”.

A experiência num jogo digital é necessariamente dife-rente do visionamento de um lme por ser possível interagir

com os objectos representados, receber retorno da interac-ção efectuada e reecr-se no envolvimento do ulizador nocontexto que experimenta. A transparência das interfacesesconde a interacção que ocorre através do ecrã de compu-tador, sendo este o conceito de manipulação directa funda-mental para permir que o jogador possa “habitar” o espaçorepresentado. Transparência a mais gera opacidade. Tantonum lme como num jogo digital, estamos afastados sica-mente dos médias, o que nos coloca em espaços diferentes.Porém, a possibilidade de agir com os objectos e agentes di-gitais, fornece consistência ao contexto representado e, por

Luís Filipe B. Teixeira, o Nascimento do Homem em Pessoa, pp.21-45

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CAPÍTULO 4

conseguinte, a aparente diluição da distância sica.Se a presença é fruto do sendo de “estar presente em”

(imersão) através de agenciamento ou transformação, signi-ca que as propriedades do média ulizado são importantespara este processo mental3. Claus Knudsen desenvolveu umprotópo de telepresença, para vericar como os ulizadorespoderiam senr-se presentes num espaço remoto através detecnologias hipermediadas com som, imagem vídeo e texto

(Knudsen, 2001). Knudsen vericou que o sendo de presen-ça dos intervenientes se deveu, essencialmente, à capacidadeque cada um teve de se envolver, visto que as acções possí -veis pelo sistema apresentaram diversos problemas técnicos,gerando muita opacidade na tecnologia ulizada. A dispo-nibilidade de cada ulizador é fundamental para a possibili-dade de vesr a máscara; a interacvidade do sistema paraoferecer mais controlo e, por conseguinte, livre arbítrio aosulizadores; e a possibilidade de todos os disposivos me-cânicos se tornarem transparentes são os três ingredientesfundamentais para a sensação de presença (Sheridan, 1992,pp.120-125).

Doutro modo, imersão espacial pode ser denida comoenvolvimento e realismo como os três factores principaispara a sensação de presença (Schubert et al., 1999). Estas

três condições essenciais são fruto da qualidade da experi-ência na imersão proporcionada por ambientes generosos;a transparência das interfaces (como ferramentas adquiridaspelo ulizador); a possibilidade de agenciamento; a capaci-dade que o sistema tem de fornecer antecipação ao uliza-dor; e acções que se desenvolvem ou vão sendo despoleta-das num contexto especíco (Straaten, 2000, pp.11-16).

3 Processo mental porque a presença noutro espaço implica necessaria-mente uma perda de consciência do meio envolvente através de umaalteração de estado psicológico, ou de um sonho ou de percepções me-diadas por tecnologia (como a RV ou o cinema). Ver W. Ijsselsteijn &G. Riva, Being There: The experience of presence in mediated environ-

ments, hp://www.vepsy.com/communicaon/book4/ 4_01RIVA.PDF

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Em ambos os casos, percebemos que as caracteríscasdo média são uma questão fundamental, para que numa se-gunda fase, o ulizador possa estar apto para “senr-se pre-sente em”. Mais uma vez é a ligação que opera como centrodo problema.

4.2 Perdidos no espaço

«Na fotograa o fora-de-campo é literal,no cinema é metafórico»

Philippe Dubois

Segundo Michael Hein, estamos divididos, fragmen-tados devido ao poder que nos foi concedido através da fu-são da tecnologia com a arte (Hein, 1998). Hein defende ainteracvidade como uma ferramenta para reconstruir ummundo de fragmentos através de ambientes digitais. A imer-são num sistema de RV proporciona a relação mulsensorialde pessoas e informação. Não é importante a integração de

imagens foto-realíscas para mimezar o mundo sico, o queemerge é a possibilidade de simular imersão semelhante àque acontece no mundo real.

A parr deste ponto, para compreendermos a imersãoemocional ou espacial num mundo digital, é necessário com-preendermos que a noção de espaço difere conforme a ex-periência de cada indivíduo. «No homem, o senmento doespaço está ligado ao senmento do Eu, que está por sua vezem relação ínma com o ambiente.» (Hall, s.d., p.77) O quesignica que a percepção do meio envolvente resulta em in-terpretações próprias da experiência dos indivíduos com osesmulos fornecidos pelo meio ambiente.

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CAPÍTULO 4

Vitor Papanek4 vericou que as tribos Inuit da zona cos-teira da Gronelândia possuíam uma extraordinária noção deespaço num local tão inóspito como as paisagens polares ecomo o corpo se adaptou a tais exigências sicas do ambiente.No Inverno, com constante neve, a linha do horizonte dilui-setotalmente numa imagem branca onde, aparentemente, nãose disngue céu de terra. Perde-se a noção de perspecva, decima ou baixo, de perto ou longe. Porém, estas adversidades

contribuíram para que estes povos se adaptassem ao terrenoe da mesma forma que um invisual amplia o sendo do tactoe da audição, os Inuit revelaram uma extraordinária capaci-dade de visão e orientação espacial.

A adaptação não se limitou a questões sicas, comoa redução do tamanho de todas as extremidades do corpo(para uma melhor conservação do calor), ou ao incremen-to de capacidades olfacvas e audivas. Papanek pediu a di-versos esquimós que desenhassem a costa sul da penínsulaonde se encontravam e a qualidade da representação foi sur-preendente quando comparada com cartograa efectuadapor tecnologia moderna, revelando uma enorme capacidademnemónica. Tal aconteceu porque, o que a nós nos pareceuma paisagem monotonamente branca e plana, é para umInuit um universo de informação à qual são totalmente sen-

síveis. Se alguns pormenores no mapa não foram bem repre-sentados, signica que essa área não lhes é importante, aocontrário de outras, ricas em pescado, que apresentavam umnível de detalhe geográco incrivelmente bem representado.Mapas esculpidos tridimensionalmente em osso de baleiapara se orientarem no terreno inóspito, mostrava mais umavez as capacidades extraordinárias de adaptação destas tri-bos.

4 Após ter estudado observações feitas nos anos quarenta sobre as tri-bos de esquimós Inuit, Papanek teve uma reduzida experiência, trintaanos mais tarde, na orla costeira da Gronelândia com o objecvo derecolher informações sob a adaptação destas tribos em meios muitoadversos. Ver Victor Papanek, Arquitectura e Design, pp.249-262

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O que de importante foi vericado, é o facto da noçãode espaço ser denida pela interacvidade, agenciamentoque a presença pode fornecer, reecndo-se na qualidadeda integração num ambiente. É a experiência de presençaque pode fornecer mais informação sob o espaço, devido aosesmulos que este nos oferece. Se, por exemplo, um escri-tor desejar escrever um romance passado em África, terá deviajar até esse connente, caso contrário, sem a experiência

da paisagem, do clima e do meio social, será impossível umarepresentação dedigna. Assim, o leitor vai poder imaginarou recuperar as sensações do espaço representado, o quemais uma vez indica que um universo não pode ser totalmen-te apreendido apenas de uma forma, visual ou textual, parase poder “estar presente em”. O sendo de presença é am-pliado sempre que se conjugarem de uma forma realísca omaior número de sendos num único média.

«A sua [humana] percepção do espaço é dinâmica por-que se encontra ligada à acção – ao que pode ser realizadonum dado espaço –, mais do que aquilo que pode ser vistopor contemplação passiva.» (Hall, s.d., p.135)

Assim, o espaço é denido pela interacção possível e si-multaneamente pela capacidade que tem de nos transformarnum seu habitante. Ryan resume o conceito de mundo como

um conjunto de objectos e indivíduos conectados (Ryan,2001, p.91); um ambiente habitável que possa ser compre-endido por observadores externos; um campo de acvidadedos membros que os habitam. Desse modo, para uma cla-ra percepção do meio envolvente, torna-se imperavo queexista um uxo informacional entre objectos e agentes desseespaço, em grande quandade (hipermediacy ) e qualidade(immediacy ).

Se analisarmos a experiência de um desporto como o“mergulho”, a mediação com o espaço (água) dá-se a um ní-vel essencialmente tácl ao ponto de actualmente ser muitodicil transmir essa sensação por meios digitais. O tacto tem

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CAPÍTULO 4

demasiada importância para as simulações digitais. A Plays-

taon 2 usa uma tecnologia de force-feed-back (Dualshock  2)que permite fazer vibrar os joyscks quando “somos” digital-mente angidos pelo espaço do jogo. Quando no jogo Colin Mcrae 4 damos um salto exagerado ou embatemos com umobstáculo, o joysck  treme proporcionalmente à “gravidade”dessa colisão.

O tacto oferece consistência ao mundo, é o que nos

faz ter a certeza que o habitamos. Só o tacto pode fornecerinformações parculares do mundo envolvente e é “ao to-que” que experimentamos o mundo. Veja-se como os bebéscolocam todos os objectos que o rodeiam na boca, pois sãoesses os seus “primeiros passos” na compreensão do meioenvolvente.

O espaço visual apresenta-nos à distância objectos domeio envolvente. A visão revela-nos informação sensorial-mente limitada do meio, sendo necessário recorrer a outrossendos para, experimentando, poder absorver mais sensa-ções. «Senmos sob os nossos pés as mudanças na supercie.Gostamos de espaços com soalhos de madeira rija adornadospor pequenos tapetes; por mais agradável que possa ser estecontraste visual entre madeira e têxteis, é ainda mais sedutorpara os nossos ouvidos quando o som dos nossos pés ou sa-

patos se torna um acompanhamento sonoro sempre diferen-te ao atravessarmos uma divisão.» (Papanek, 1998, p.91) Asexperiências que reramos do quodiano têm propriedadesmuito próprias que, quando confrontados com novas experi-ências em imagens, sons ou espaços sicos, podemos senr a“inquietante estranheza” de um nostálgico prazer: “Já esveaqui?”

Charloe Davies exibiu, em 1995, uma instalação emRealidade Virtual – Osmose – com o intuito adicional de pro-vocar um forte sendo de prazer na imersão de um espaçoarcial, através da simulação da experiência pessoal queexiste entre o homem e a natureza. Osmose apresentava um

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espaço panorâmico, com uma vertente mais profunda e ho-rizontal do que vercal. A deslocação num espaço não gra-víco, efectuava-se do mesmo modo que um mergulhadorse movimenta no meio subaquáco. Não com o intuito demimezar um ambiente marímo, mas de criar uma maiornoção de envolvimento, ou seja, um modo mais veloz de dei-xarmos o nosso corpo no mundo sico através da sensaçãode prazer que a falta de gravidade proporciona. Para que se

consiga imersão é necessária disponibilidade (concentração)do imersante e, como temos vindo a salientar, um certo graude conhecimento do meio representado ou o realismo que asimulação pode apresentar.

Neste preciso ponto, é preciso compreender que a re-lação entre imersão, presença ou telepresença, segundo asdescrições anteriores, não são de todo conclusivas para quepossamos compreender como se ange imersão no acto de jogar, experimentar um espaço, ler um livro ou assisr a umlme. São experiências demasiado disntas para que se pos-sa simplesmente ulizar a palavra imersão. O que é então aimersão?

Segundo os autores já citados, imersão é a sensaçãode presença num espaço alternavo, num processo de des-ligação do espaço que habitamos. Porém, quando jogamos

Doom, Siberia II ou Tetris, o sendo de imersão é o mesmo?De um modo simplicado, os autores anteriores de-

nem que quanto melhor for a parcipação (agenciamento) ea quandade de informação que ui entre ulizador-espaço,maior será a imersão. Como veremos mais adiante, tal arma-ção adequa-se a sistemas de RV, ou a jogos de género First-

Person Shooters  (FPS). No entanto, se pensarmos em con-teúdos narravos, tais denições não podem ser ulizadas:Uma narrava é um conteúdo que é previamente concebidopara “limitar” o leitor, por apenas ser possível interagir comas páginas de um livro, imaginar ambientes e personagensou senr as experiências narradas. Numa tentava de denir

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CAPÍTULO 4

imersão para géneros literários, Pierre Gander disngue trêselementos: (1) a total concentração no média (texto, som ouimagens); (2) a reconstrução mental do evento narrado; e (3)as alterações do estado emocional aos elementos da narra-va. Segundo Gander, imersão é um estado de espírito de umindivíduo que, totalmente absorvido por uma experiência,perde a percepção do meio exterior que o rodeia (Gander,1999). O média tem o duplo papel de transmir, de forma

transparente e reforçado, o conteúdo narrado. Quanto maiorfor a qualidade da informação, em imagens e sons 3D, me-lhor poderá ser a qualidade da imersão no espaço, porém, seo texto é um média tão limitado, como o leitor pode absorvermelhor a história?

A sensação de nos perdermos num livro é proporcio-nada pela familiaridade do conteúdo, ou pelo realismo domundo ccional, do mesmo modo que podemos considerarrealísca a representação cinematográca de actores, seresccionais que pertencem ao universo do ecrã (Ryan, 2001,p.89-99). Desse modo, Ryan disngue quatro categorias parao sendo de imersão na leitura: (1) Concentração no proces-so de leitura, o que signica a total transparência da po-graa, das regras gramacais, ou seja, a diluição do médiaulizado; (2) Capacidade de envolvimento emocional do lei-

tor na narrava; (3) O prazer que a leitura oferece, ou seja,o não reecdo êxtase de “sermos apanhados” na intriga; epor úlmo, (4) o vício.

Para o quarto ponto, Ryan divide este “descontrolo” doleitor em duas partes: Por um lado, o vício é detectado quan-do o leitor perde o prazer por absorver a informação dispo-nibilizada nos capítulos, virando ansiosamente página apóspágina, rumo ao desfecho da narrava.

Em segundo lugar, o leitor pode perder a noção queestá a ler um conteúdo ccional e não conseguir disnguirclaramente a cção do mundo real5.5 O livro “Código de Da Vinci” de Dan Brown preenche muitos destes

pontos, pois se, por um lado, o escritor orientou a narrava para o sus-

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Percebemos então que terá de exisr uma relação ín-ma do leitor com o espaço ccional para que seja possível aimersão, o que reecte alguma subjecvidade no sendo depresença que a cção possa provocar a cada leitor. O trabalhode Ryan torna-se incontornável devido a médias tão disntoscomo o cinema, jogos ou literatura terem inúmeros pontosde contacto, migrações e serem analisados sucessivamenteem conjunto, ao ponto de se dizer que “voei no lme”, “quei

redo na leitura” ou “conduzi um avião”.Ryan dene a presença num mundo textual como o re-

sultado de três caracteríscas disntas de envolvimento doleitor com a narrava: Imersão espacial, imersão temporal eimersão emocional.

No primeiro caso, Ryan refere a coincidência da infor-mação disponibilizada com a experiência do leitor, provo-cando o regresso ao espaço que lhe é familiar, por este seidencar com as descrições narravas. Tal como, por vezes,cheiros nos fazem recordar momentos nostálgicos, o textopode gradualmente envolver-nos na narrava, através dedescrições que possam recuperar experiências passadas.Num lme, imagem ou jogo, a visão é o sendo que podeprovocar igual sensação. O texto envolve mais lentamente oleitor, porém, este efeito de imersão pode ser do seu agrado,

fazendo com que se sinta incenvado a reler “a passagem”por diversas vezes.

Como imersão temporal, Ryan disngue o suspense queo leitor sente no decorrer da narrava. A liberdade de opçõesque, a história parece revelar, numa estrutura arborescentede probabilidades, gera o efeito de ansiedade do leitor e re-ecte-se no acelerar do ritmo da leitura rumo à conclusão.A imersão temporal requer a acumulação de informação danarrava e de todas as intrigas experimentadas.

Por úlmo, a imersão emocional indica as similares sen-

 pense, por outro, o conteúdo misturou factos reais com ccionais aoponto de provocar uma “histeria colecva” na visita dos espaços retra-tados.

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CAPÍTULO 4

sações que experimentamos na vida real e na leitura de umanarrava. Na vida real experimentamos desejos e feedbackda sua concrezação, nos conteúdos ccionais, as experiên-cias, apesar de manipuladas, afectam-nos sensorialmente domesmo modo. Choramos, rimos, receamos e desejamos.

4.3 Jogos digitais: Narravas e Espectáculo

«what happens in the interface between big screenand games console or PC?»

Tanya Krzywinska

As narravas são outra temáca largamente debadanos gamestudies, que mais uma vez envolvem jogos, litera-tura e cinema, que nos levariam para uma linha totalmentediferente das aqui traçadas. Porém, pretendemos adoptardenições que possam envolver as ligações aqui propostas,visto a narrava ser um conceito que reecte o modo comoorganizamos o mundo que vamos descobrindo e gerando

(Dinka, 2002, pp.27-41).Quando falamos de narravas em jogos de computador,

imediatamente associamos às introduções cinematográcas,ou à história que jusca a acção de jogar, de tal modo que oconceito de narrava esteja totalmente separado, sendo u-lizado apenas como um apêndice ao jogo.

Brenda Laurel escolheu a denição de intriga de uma

narrava, para ulizar o teatro como modelo para a interac-ção homem-computador (Laurel, 1991, p.67-99). Vendo oteatro como um pequeno mundo de interacção entre acto-res, dramaturgos, encenadores, cenógrafos, audiência, entreoutros, recorreu à “intriga” para observar como o desenrolar

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das acções são compreendidas pelos espectadores e comoestes se podem tornar parte integrante da narrava. As inter-faces representam um ambiente propício para que se possafazer tal comparação, pois, segundo Laurel, o computador éuma ferramenta de comunicação, que se interage de formadramáca, em vez da tradicional e passiva convergência deautor/leitor, devido aos “espectadores” poderem parciparacvamente na acção, “saltando para o palco” para criar no-

vas direcções, novas regras.O trabalho de Laurel é uma referência importante por-

que o design de Interfaces apresenta paradigmas semelhan-tes aos dos jogos de computador. A possibilidade de criar umespaço de representação, navegação e interacção para umou mais ulizadores é tão aplicável a sowares po Messen-

ger  e 3dsmax , como ao Doom ou ao Grand The Auto. Destemodo, os programadores e designers de interfaces devemconceber ambientes digitais como um espaço de interacçãoonde os ulizadores concebem percursos, história ou narra-vas diferentes num mesmo espaço.

«The sims creates narraves possibilies uniquely sui-ted to the digital medium» (Lantham, 2001) Latham procuraargumentar que os jogos de computador po Sims iniciaramo desenvolvimento de novos géneros narravos ao contrário

de outros que envolvem o jogador no espaço de jogo, poDoom  ou HalfLife, reduzindo as narravas a “simples” pas-seios por mundos digitais. Latham opôs-se assim à posiçãosob o hipertexto de Murray, como um média em crescentedesenvolvimento que reduz a liberdade do leitor devido àsligações limitadas que oferece. «The postmodern hypertexttradion celebrates the indeterminate text as a libertaonfrom the tyranny of the author and an armaon of therreader’s freedom of interpretaon» (Murray, 1997, p.133).Murray refere o hypertexto como um mundo pré-programa-do que apenas apresenta a ilusão de liberdade de escolhacomo se tratasse de um labirinto digital que não oferece nem

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CAPÍTULO 4

ponto de parda nem de chegada. Ao contrário de uma es-trutura arborescente, numa narrava aristotélica organizadacom princípio meio e m, as ligações são livremente conectá-veis numa estrutura rizomáca criando uma aparente deso-rientação e reecndo-se no desinteresse (ou perda de imer-são) do leitor/jogador.

Latham apresenta-se conante que a limitação queocorre por um mundo (hipertexto ou jogo) construído por

pontos livremente conectáveis entre si, é uma importantereferência para a liberdade (agency ) que pode exisr numespaço digital.

Nas séries Sims, as regras (limitações) são o real desaopara o jogador poder construir um personagem num mundosimulado, senndo sucessivamente agency   devido às apa-rentes liberdades de escolha e resultados das suas acçõesneste jogo limitado por regras. Assim, segundo Lathan, o querealmente acontece, é a construção de novas narravas, nãoprevistas, numa história pré-denida pelas regras do jogo6.Os jogos Sims são caracterizados como uma janela simuladade um mundo real. Uma das principais disnções, será o fac-to de aqui as regras não poderem ser violadas, mas será queos criadores deste jogo pensaram em tudo o que irá aconte-cer no acto de jogar?

Aarseth dá razão a Latham, porque quando Murray sereferiu às limitações da estrutura “narrava” nos jogos, a tec-nologia não revelava ainda a direcção para o modelo dos jo-gos de computador a que hoje assismos. Ulizando o termo“ergódico”, para denir narravas abertas, na lógica de textosdinâmicos como o OuLiPo, em que o leitor se torna aqueleque dene a narrava, Aarseth propõe uma importante dife-

6 Segundo as denições para jogo de Roger Caillois, um jogo é um siste-ma devidamente regulamentado. O jogo GTA Vicecity  dene regras es-senciais, porém os conteúdos podem ser ignorados. Somos mais livres,outra importante caracterísca de jogo, porque não estamos limitadosa percursos pré-denidos, o objecvo essencial não é vencer, mas sim,

 jogar. Roger Caillois, Os jogos e os homens, p.23-30

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rença entre a narrava linear e a estrutura ergódica dos jogosde aventura: Nas narravas, as acções desenvolvem-se pro-gressivamente através de eventos que ocorrem(event plane)e através de eventos que se vão revelando exclusivamentena interpretação do leitor ( progression plane). Nos jogos decomputador, Aarseth introduz um terceiro espaço narravo(negoaon plane) onde a intriga proposta choca com a in-triga gerada pela interacção dos jogadores e reecte-se em

eventos imprevistos pela narrava (Aarseth, 1997). Se experimentarmos jogar o Grand The Auto ViceCi -

ty  percebemos claramente que existem objecvos a cumprir,porém as missões que nos são entregues vão apresentandoas possibilidades imensas de interacção que existem nestemundo pré-programado. É disponibilizado no espaço de jogoseres dotados de inteligência arcial que procuram clara-mente provocar uma maior interacvidade entre jogador eseres arciais para que se consiga maiores níveis de agency ,transformaon  e imersão. Ao “habitar” o espaço do jogoapercebemo-nos que podemos criar histórias paralelas e ab-dicar dos objecvos propostos pelo jogo. Muitas vezes, “vi-vemos” horas nesse espaço, passeando de carro e usufruin-do da paisagem. Podemos fazer serviços de táxi, ser polícia,condutor de ambulância ou simplesmente fazer corridas de

moto pela cidade.Podemos optar também por atudes mais violentas e

lutar contra bandos na cidade, vender droga ou, por exemplo,atropelar apenas “sujeitos de calças azuis”. Este é o exemplode como podemos esquecer os objecvos do jogo, mas sobas suas regras, experimentar a liberdade que o meio nos ofe-rece e criar jogos paralelos. Se podemos experimentar nummundo limitado percursos diferentes vericamos que existeuma elevada capacidade de agency , porém dizer que este jogo conta ou cria narravas será um pouco despropositado.

Sempre que optamos por uma missão, assismos op-cionalmente a um vídeo introdutório que nos fornece as pis-

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CAPÍTULO 4

tas, objecvos e metodologia para a cumprir. Essa introduçãoé uma narrava, mas afasta-nos da capacidade de agency  atrás descrita.  Agency  é essencial para o jogo ser jogo, en-quanto a narrava é um elemento que fortalece o prazer de jogar, através da ambiência gerada e do “espectáculo” a quese assiste.

Para o estudo de jogos, Zimmerman tem o cuidado decolocar como questão se “o jogo de computador pode ser

examinado como uma narrava” e não se “o jogo de compu-tador é um média narravo” (Zimmerman, pp.154-163). Estadisnção parece-nos totalmente pernente devido à clarafronteira que existe entre espectador e jogador.

Um conteúdo narravo opõe-se a outro interacvo, po-rém não podemos dizer que um conteúdo narravo não sejainteracvo. A experiência de ler pode ser interacva, poissicamente estamos a mover páginas, seguramos um livro,porém não podemos interagir com o conteúdo, apenas seo destruirmos como Burroghs propõe com os cut-os ( Bur-roghs, 2003 ). Existem diversas interacções entre o leitor e olivro, mas não podemos armar que (apesar das descodica-ções de linguagem, símbolos ou texto, da imersão no conte-údo narravo, do prazer de sermos dominados pelo escritor)a narrava seja interacva, ou talvez, totalmente interacva.

No estudo dos jogos de computador, Jørgen Kirksætherprocura envolver a narrava por parecer claro que as acçõesdo jogo se assemelham a percursos narravos (Kirksæther,1998). Kirksæther afasta-se da estrutura aristotélica como aplataforma para jogos por precisamente o jogador ser muitasvezes obrigado “a andar em círculos” para conseguir passarpara o nível seguinte. No entanto, podemos considerar queessa fase pode ser envolvida no modelo de Aristóteles por serprecisamente o desenrolar da acção – o meio. É este o mo-mento do prazer, do jogo, que tal como numa obra literáriade aventura, o escritor envolve-nos em complexos enredos(intrigas) para criar um maior prazer na leitura. Do mesmo

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modo, os jogos de computador vão apresentando quebra-ca-beças, ou outro po de obstáculos, para ultrapassar e angiros objecvos do jogo.

Em muitos jogos de computador, durante ou após a in-trodução dá-se a “catástrofe” deixando o jogador no início dopercurso para progressivamente restabelecer a normalidade,tal como é frequente no cinema a história ser apresentadada mesma forma. Podemos concluir que os jogos podem ser

analisados como narravas, não signicando que eles neces-sariamente contem histórias. Enquanto no jogo Colin Mcrae não existem histórias para contar, apenas relatos da nossa ex-periência, no jogo Siberia II existe um conteúdo narravo quese vai desenrolando à medida que conseguimos progredir no jogo. Será que Siberia existe? Será que a nossa personagemconsegue lá chegar?

Como podemos observar, as narravas não são essen-ciais para o acto de jogar, na medida que se opõem ao livrearbítrio do jogo – a interacvidade. No entanto, são funda-mentais que o jogo possa desenvolver-se numa orientaçãonarrava ou, os objecvos propostos serem apresentadosem introduções narravas, para se poder enquadrar o jo-gador nos eventos em que o seu avatar está envolvido. Asnarravas apresentadas no jogo de computador incremen-

tam a imersão nas futuras acções do jogador, afastando-o doespaço digital do jogo, mas envolvendo-o emocionalmentena história que é contada. Assim podemos compreender aarmação de Ryan, na qual os jogos digitais são caracteriza-dos, não como um sistema narravo, mas como um sistemade orientação (matriz) narrava (Ryan, 1994).

Um conteúdo narravo num jogo de computador éapresentado visualmente, através de texto, lme, som ou amistura de ambos. Somos afastados imediatamente da ac-ção, é eliminada toda a capacidade de agency , não podemosinteragir, apenas passivamente absorver informação. Quan-do a acção é interrompida por um lme introdutório da acção

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CAPÍTULO 4

que se precede, imediatamente nos encostamos à cadeira erecebemos toda a informação para tentarmos descodicarcomo ultrapassar o próximo quebra-cabeças. A agency  forne-ce imersão através do prazer de jogar, as narravas permitemao jogador envolver-se na história que é contada através deentretenimento passivo.

Jesper Juul encontrou imensas semelhanças entre jogosde computador e histórias (narravas experimentais do séc.

XX), como também várias diferenças. Interessa-nos destacara análise que o autor faz sob a noção de tempo nos jogos decomputador (Juul, 2001). O tempo decorre de modo disnto,se nas narravas existe o tempo que se demora a contar “ooutro tempo” (da história), nos jogos de computador tal nãoacontece. O modo como somos envolvidos na história, ouambiente, é predominantemente desigual.

Para envolver a assistência na cena retratada num te-atro ou cinema, é fundamental o realismo da representaçãodos actores e cenário, sendo evidente que para ampliar oentusiasmo da plateia na acção que decorre, frequentemen-te oferece-se espectáculo com imagens na primeira pessoa,explosões ou outro po de exaltação. No entanto, podemosimaginar como seria aborrecido assisr a um lme integral-mente na primeira pessoa ou sem actores.

Tal não acontece nos jogos de computador.O teatro é um espectáculo que assismos que pode

iludir o espectador da verdadeira acção que decorre. Artauddefende que o teatro pode simular realiscamente o mun-do, quando proporciona ao espectador num plano interiorsensações ou idencações com os seus desejos. «E o queo texto pode ainda aproveitar da fala é a sua possibilidadede expansão para além das palavras, de desenvolvimento noespaço, de acção dissociante e vibratória sobre a sensibilida-de» (Artaud, 1989, p.88). Essa simulação realísca envolveemocionalmente o espectador com a história transmidasem exisr imersão sica no espaço retratado.

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De outro modo, os efeitos especiais no cinema são denatureza muito pouco realísca. As explosões, mesmo exa-geradas, a representação dos actores por vezes “forçada” oumonstros arciais (robôs) a vaguearem pelo espaço, propor-cionam espectáculo. Estas imagens sensacionalistas são in-troduzidas para gerarem entretenimento, para desfrutarmosmais. As técnicas de câmara-lenta, ulizadas no Max Payne (Remedy/GodGames, 2001) e nas cenas de guerra do Medal

of Honour  (Dreamworks/Electronic Arts, 1999) ou as repe-ções mul-câmaras no Colin Mcrae ou GT4, são, mais umavez, exemplos de como o cinema serve de referência para os jogos de computador.

Intuladas de “cinemacs”, estas técnicas cinemato-grácas são progressivamente mais ulizadas nos jogos decomputador com o intuito de enriquecerem a representaçãovisual dos jogos e consequente atracção dos jogadores. Paraserem concebidos desembarques de soldados de um modomais “espectacular”, Steven Spielberg parcipou no desen-volvimento do jogo Medal of Honour  para realizar determina-dos cinemacs do jogo, semelhantes ao seu lme “O resgatedo soldado Ryan” (DreamWorks, 1998).

Se muitos jogos, po Tetris, CorelChess ou PacMan têmmuito poucos ou nenhuns pontos de contacto com o cinema,

outros recorrem a técnicas cinematográcas como estratégiade mercado, porque como defendemos aqui os cinemacs não contribuem para o prazer de jogar, apenas para o prazerde desfrutar, pois este po de representações cinematográ-cas quebra o ritmo do jogo e a consequente sensação deimersão (King, 2002, pp.50-65).

As imagens espectaculares (explosões, saltos, percur-sos balíscos, entre outros) afastam o prazer da jogabilidadee podem alterar o po de imersão no jogo permindo geraro efeito “WOW” resultado do espanto ao sermos confron-tados com tais imagens ou experiências (Mactavish, 2002,pp.33-49). O facto destas cenas cinematográcas afastarem

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CAPÍTULO 4

o jogador do comando do jogo (agency ), colocando-o na po-sição de espectador desfrutando as cenas do mesmo modo aque assiste a um lme, pode não signicar o m da imersãodevido ao elevado valor de contemplação que estas imagenspodem oferecer. Se, por um lado, elas quebram o sendo depresença e com a sensação de prazer do acto de jogar, poroutro, o retorno visual ou sonoro, através de montagem e re-alização cinematográca, envolvem o jogador numa atude

passiva de êxtase.Turkle ao observar a relação sica que exisa entre os

 jogadores e máquinas, constatou que os jogos de vídeo setornavam numa obsessão por vezes demasiado agressiva sobo prazer de controlar e ser-se controlado (Turkle, 1989, pp.57-81). O facto de sicamente interagirmos com uma máquinaprovoca prazer nesta acção tecnológica. É precisamente estainteracvidade e acva parcipação que separa o cinemaactual dos jogos de computador. É o prazer de desfrutar osespaços cuidadosamente renderizados, que produz experi-ências mais profundas de agenciamento e, por conseguinte,maior nível de espanto (Turkle, 1989, p.46).

 Não nos pretendemos opor, ou defender, a inclusão desequências cinematográcas no decorrer da acção do jogo,ou das introduções narravas, porém é importante não es-

quecer que estas correm frequentemente o risco de se tor-narem repevas, aborrecidas e desiludirem totalmente os jogadores. Sempre que estes não conseguem completar osníveis e têm, por vezes, de os reper dez a vinte vezes paraconseguirem suplantar os obstáculos, tornam-se extrema-mente aborrecedoras as introduções narravas de cada ní -vel. É fundamental não esquecer que, para todos os efeitos, jogo é jogo e a jogabilidade é que conta.

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4.4 Presença em jogos digitais: Transformação, Imersão

e Agenciamento

«O espaço onde se colocam os que falam ao telefonenão é nem “próximo” nem “distante”, tal como as experiên-cias da imersão total, se colocam para além do “real” ou do

“imaginário”.»

José Bragança de Miranda

Se as narravas desempenham papel fundamental parase senr imersão num jogo de computador, o mesmo aconte-ce com a interacvidade ou com o ponto de vista do jogador.Assim sendo, torna-se necessário cartografarmos as relações

que existem entre a imersão, o agenciamento e a transforma-ção nos jogos de computador para, relacionando com outrosmédias, percebermos como induzir mais imersão no jogador,para fortalecer o prazer de jogar.

Parece-nos pernente recorrer a dois grácos7  repre-sentados por Julian Kücklick no argo “Literary Theory andComputer Games” (Kücklick, 2001).

Na gura 41, Kücklich classica os jogos de computador

em cinco géneros essenciais. Não nos interessa discur estaclassicação, porque não podemos afastar-nos do tema pro-posto e enveredar por outro totalmente disnto. No entanto,aceitamos esta classicação muito simplicada por ser muitopróxima de outro estudo muito importante desenvolvido porDavid Myers8.

7 Para melhor compreensão adaptámos alguns dos jogos

que retratámos anteriormente, na gura 42. 8 No argo “Computer Games Genres”, Myers procura na interacção

 jogador-jogo, o critério fundamental para a classicação geral dos jo-gos de computador, denindo seis categorias principais: Arcada (jogosde esmulo-resposta, o que Küklich deniu jogos de acção); Aventura(Quebra-cabeças de estrutura linear, onde somos obrigados a pensar

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CAPÍTULO 4

Fig.41 e 42) Adaptação dos quadros de Kücklich

Fig.43) Siberia II (Microids, 2004)

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O prazer de jogar Siberia II é muito semelhante à experi-ência de assisr a um lme de narrava linear. A ideia central,chegar à Sibéria, é o movo principal da história. Experimen-tamos os conitos gerados através de um avatar, que cinema-togracamente corresponde ao actor principal – aquele comque nos idencamos através da narrava. Este é um jogocategorizado no vérce superior, por a interacvidade sertotalmente limitada ao conteúdo narravo, reduzindo as op-

ções do jogador e obrigando-o a resolver os eventos externospara que a personagem principal (o nosso avatar) “resolva”o jogo. Como o jogo Siberia II obriga o jogador a seguir rigo-rosamente a construção da intriga para passar para o nívelseguinte, o envolvimento é mais emovo e, por conseguinte,menos espacial. Resulta numa maior imersão na história queé contada devido à proximidade deste jogo com o cinema oucom a literatura9. Por outro lado, no jogo Colin Mcrae, o joga-

como o computador, ou programador, para segundo a lógica do jogo,conseguir vencer); Simulação (baseados em sistemas complexos querequerem um perfeito domínio técnico da “máquina”); Role-Play   (as-sentes em mundos narravos ou contos fantáscos, segundo uma es-trutura de interacção cultural); Jogos de Guerra e de Estratégia.

Estes dois úlmos géneros são muito próximos por serem denidossob uma estrutura de compeção directa entre jogador e adversários.A diferença, segundo Myers, é denida pela possibilidade que o joga-

dor pode ter de escolher o adversário, porém, a fusão dos dois numúnico género (Estratégia), como J.C. Hertz optou no seu livro  Joysck

Naon, parece ser a referência mais correcta por, em ambos os casos,as opções dos oponentes terem sido previamente denidas pelos de-signers do jogo.

9 «The main character or protagonist is the focus of the narrave. Themain character has a goal which is powerfully opposed by the antago-nist (the greater the opposion the more heroic the main character), byassociates of the antagonist and the plot.» Ken Dancyger defende que

a narrava linear pretende associar o espectador com a personagemprincipal para, limitando-lhe a imaginação, poder ser conduzido numuniverso programado. Ao contrário de uma história de estrutura não-linear, onde diferentes personagens vivem enredos paralelos, de modoa que o espectador seja convidado a parcipar mais acvamente. KenDancyger, Non-linear Storytelling, p.2.

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CAPÍTULO 4

dor tem de agir de modo mais reexivo e claramente menos

reecdo. A imersão no espaço é maior porque ele interagedirectamente com os objectos, agentes ou espaço e recebe,em tempo real, o retorno das suas acções.

Kücklich apresenta-nos um segundo quadro, que adap-támos10 na gura seguinte:

Segundo este quadro, a mediar transformação, imersãoe agenciamento, encontramos narrava, interacvidade e li-

vre arbítrio. Signica que um conteúdo narravo envolve o jogador nos eventos que ocorrem, “transformando-o” numapersonagem da acção. A narrava é o meio para envolver o jogador emocionalmente com as intrigas da acção, para queele possa senr os acontecimentos ccionais que ocorrem. Sepor outro lado um jogo oferece um espaço “totalmente” livrepara interagir, po Colin  Mcrae  ou Doom, as sensações do jogador assemelham-se ao acto sico de conduzir um auto-móvel ou percorrer um labirinto. Para se induzir o sendo depresença, tal como acontece numa projecção Imax  ou cine-

rama, o ponto de vista ulizado tem de ser necessariamentena primeira pessoa. Nestes sistemas, a câmara é colocada emplano subjecvo, como se fosse os olhos do espectador, parafazer com que o jogador sinta o espaço sicamente, pois aescolha da posição da câmara aproxima ou afasta a audiência

da acção (Mascelli, 1998, pp11-23).Antes de analisarmos a importância da escolha dos pon-

tos de vista do jogador/espectador, é importante compreen-der que a gura 10 não é de todo conclusiva para o estudoque estamos a desenvolver. Presença é uma palavra demasia-damente vasta para tão diversas sensações de imersão queum espectador pode senr no visionamento de um lme, ouque um jogador pode experimentar no espaço de jogo. No

10 Seguindo as denições de Murray, não entendemos a opção do au-tor em ter trocado a palavra “transformaon” por “rapture”. ComoKücklich não juscou a troca, ulizando rapture do mesmo modo queMurray conceptualizou transformaon  para a imersão em jogos decomputador, decidimos optar pela original.

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entanto, este gráco não deve ser ignorado porque estabe-

lece relações directas entre os termos retratados. A narravaé oposta ao agenciamento, porque a liberdade de escolha éantagónica à estrutura linear ou não-linear do conceito denarrava. Quanto mais interacção ocorre, mais opaco se tor-na o média e, desse modo, o poder de nos transformarmosnuma personagem da acção dilui-se na mediação. A imersãono acontecimento que ocorre pode igualmente desmoronar-

se, se exisr muita liberdade para a conexão a diferentes es-paços, objectos ou agentes.

A sensação de presença num lme ou num jogo decomputador, depende então do modo como é manipuladae transmida a informação. Já referimos anteriormente aimportância das propriedades híbridas (remediaon), hiper-médias e transparentes dos médias para a imersão num sis-tema digital. Salientámos a importância da interacvidade,dos agentes, do prazer que a simulação fornece (agency   etransformaon) e do papel da perspecva renascensta nodesenvolvimento dos novos médias, por conduzir o especta-dor, no espaço representado. Deste modo, o ponto de vistaulizado, é uma técnica também narrava que, no cinemaou jogos de computador, incrementa a sensação de presen-ça dos jogadores, ou espectadores. O poder atracvo de um

 jogo de computador depende então:- da imersão fsica no espaço que as sensações próxi-

mas de tacto fornecem através da interacvidade na manipu-lação de objectos representados realiscamente através desom, gravidade11 ou reexos.

- da imersão temporal na acção que ocorre, ou seja,no evento imediato que precisa de ser resolvido através de

11 Sowares  como o 3dsmax , Maya ou Soimage  (para o desenho decenários, objectos e personagens) ou Virtools  (para a construção dosmundos virtuais através de programação) recorrem a simulações realís-cas de sica, como forças gravícas, colisões ou objectos uidos, paraprogramar cenários digitais que, interagindo em tempo real, possamsimular o mundo sico que experimentamos no quodiano.

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CAPÍTULO 4

Fig.44) Relação entre Transformação, Imersão eAgenciamento (Julian Kücklick, 2001)

Fig.45) Relação entre pontos de vista e níveis desensação de presença no jogo.

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manipulação directa, para que se possa prosseguir rumo àresolução dos objecvos gerais do jogo.

- da imersão emocional, que a história e eventos quenela ocorrem permitem gerar, reecndo o prazer de experi-mentar o desenvolvimento da história através de um ou maisavatares.

Deste modo, denimos imersão no espaço, imersão naintriga (temporal) e imersão na história (emocional) como as

três principais caracteríscas da sensação de presença num jogo de computador. Concluímos que para se senr presen-te num ambiente digital é necessário um conjunto de condi-ções12 para que estes médias possam envolver o ulizador noespaço ou na interacção.

4.5 Ponto de vista do Jogador

«eXistenZ is not just a game,it’s an enrely new game system»

Allegra Geller (Jennifer Jason Leigh)

Tanto no cinema, como nos jogos de computadores, oponto de vista é a ligação principal do ulizador ao espaçorepresentado. O modo como perspecvamos o espaço é umaforma limitada para melhor o compreender. Várias perspec-vas permitem a percepção mul-angular do espaço, o quesignica que planos gerais revelam mais informação, enquan-

12 Já as referimos anteriormente, porém destacamos novamente o realis-mo, a imersão espacial, a disponibilidade de vesr a máscara, a possi-bilidade de agenciamento, a experiência, a transparência da técnica, aperspecva e a capacidade de envolvimento na história que é contadacomo os principais factores para a sensação de imersão em ambientesdigitais.

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CAPÍTULO 4

to planos apertados podem detalhar melhor, parte dessa in-formação. O ponto de vista escolhido é assim limitador e am-pliador simultaneamente, ao ponto dos programadores, oudesigners, denirem o ângulo de visão para provocar maioresníveis de imersão aos ulizadores.

Enquanto na literatura o sendo de presença é induzi-do através de técnicas narravas, reecndo a transparênciado média ulizado (o texto escrito), no cinema a escolha dos

planos projectados é fundamental para a imersão na históriaque o realizador quer contar. Os jogos de computador, de-pendendo do género, arculam-se entre técnicas narravas,cinematográcas ou lúdicas, para produzirem melhor sensa-ção de imersão no jogo, sendo então o ponto de vista esco-lhido o factor essencial para denir imersão sica, temporalou emocional.

Ao vericarmos que a escolha de enquadramento deum plano num lme pode manipular o sendo da história,revelando apenas o conteúdo que o realizador quer mostrar,parece-nos igualmente verdadeiro que a posição de câma-ra num jogo de computador, limita os diferentes géneros deimersão no jogador. Ulizamos a imagem seguinte para rela-cionar a imersão proporcionada pelos jogos com cada pontode vista ulizado:

Pareceu-nos pernente não esquecer o espectáculo oua idencação com o avatar na representação deste gráco.Os efeitos cinemacs, que anteriormente referimos comoessenciais para criar entretenimento no acto de jogar, sãoprojectados com maior denição numa distância intermédia.Se no jogo GTA Vicecity , ao conduzirmos um carro, preten-demos dar um salto numa das rampas, se optarmos pela câ-mara na primeira pessoa não nos apercebemos claramenteda altura, distância ou “piruetas” que conseguimos angir. Omesmo acontece numa vista superior, assim sendo, a escolhade um plano intermédio permite um maior deleite na peri-pécia efectuada. De modo geral, quando assismos a uma

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perseguição automóvel num lme, para se criar uma maiornoção de velocidade aproximam-se as câmaras do automóvel(plano subjecvo ou grande plano), se ocorre um acidenteinteressa perceber como ele se reecte no ambiente (planogeral). Se ocorrer uma explosão a escolha de um plano ge-ral é a mais indicada porque nos apercebemos melhor dasimplicações e, simultaneamente, não estamos afastados osuciente ao ponto de eslhaços do automóvel poderem vir

“nos embater” directamente. Se esvermos envolvidos nanarrava ou determinado evento da história, a sensação depresença é gerada pela proximidade da câmara e o “prazer daexperiência” pelo resultado visual da explosão.

Se, neste exemplo, a explosão angir uma magnitudeexagerada, é frequente recorrer-se a vistas aéreas para serrevelada toda a zona destruída. Assim, de planos subjecvosa planos gerais se vai relatando os acontecimentos de umadeterminada sequência e, como retratamos anteriormente,cada escalonamento de plano, envolve o espectador imersi-vamente na história, no enredo ou no espaço (Mascelli, 1998,p.12).

Nos jogos de computador, na vista mais distante (God’s

View ) podemos observar vários eventos em simultâneo.Apercebemo-nos melhor da história que é desenvolvida e in-

teragimos directamente através da interface de jogo. Todosos botões ou informação ampliada são ferramentas poucotransparentes, pois objecvam intrometer-se entre jogador eespaço de jogo. A interface é um agente que se destaca, nãocomo a ampliação sica do jogador, mas como um elementoautónomo que nos dá informação sob todos os acontecimen-tos que vão ocorrendo e, simultaneamente, fornece ferra-mentas que têm de ser apreendidas para se poder vencer o jogo. O domínio da interface é um jogo dentro de outro jogo.

Na gura 11, denimos a vista God’s View (GV ), comoaquela que pode fornecer uma maior imersão na história porser a única capaz de revelar vários, ou todos, os eventos em

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CAPÍTULO 4

simultâneo.No extremo oposto, se o ponto de vista (First-Person

View ) se encontra no espaço de jogo, no meio de todos osagentes, é natural que a capacidade da visão seja limitada. Àmedida que percorremos o espaço é que o podemos mental-mente tentar reconstruir. Esta é a razão porque os FPS optampor disponibilizar um mapa com as áreas do jogo e a referên-cia da nossa posição espacial. Naturalmente, para dicultar

a acção do jogador, esses mapas apenas são cartografados àmedida que o nosso avatar vai percorrendo e descobrindo oespaço de jogo.

Se no jogo GTA Vicecity  esvermos a combater contraum gang de 30 elementos, a opção de câmara na primeirapessoa não é a mais indicada porque não conseguimos situartodos esses elementos. No mundo real, quando conduzimosum carro, porque recorremos aos espelhos retrovisores?

Optar pela vista third-person view  (TPV )13, dá-nos maisinformação pelo ambiente imediato ao nosso avatar. A per-cepção sob uma determinada acção é maior, permite agen-ciamento igual à FPV  e um maior controlo sob o retorno dasnossas acções no espaço de jogo. Estas são as razões prin-cipais que juscam a escolha da vista na terceira pessoacomo a ideal para o acto de jogar. Ela afasta-nos sicamente

do jogo, mas oferece-nos um parceiro – o avatar.Assim, o ponto de vista escolhido pelo jogador, ou pro-

gramador, é o meio fundamental para que se possa senrpresença num jogo de computador. O processo de jogo (de-senrolar da acção através de diferentes pontos de vista) vaifortalecer o sendo de presença na história, no espaço ou na13 Referimo-nos como vista na terceira pessoa aquela que segue o avatar

que comandamos a uma distância denida. É muitas vezes chamada de

third-person view trailing, porque somos arrastados através do nossoavatar. No cinema esta vista é por vezes representada como plano pon-to de vista. Muito frequente em perseguições automóvel, quando umhelicóptero lma um determinado carro por trás, ou quando alguémcorre num corredor e a câmara o persegue para senrmos o espaçosem perdermos a idencação com o personagem.

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acção. Se no cinema os realizadores projectam de diferentespontos de vista os eventos de uma narrava, nos jogos, osprogramadores limitam parcialmente a visão do jogador paratentarem transmir certos acontecimentos previstos no jogo.Porém, a grande diferença dene-se por um lme tradicio-nal ser um conteúdo narravo (não interacvo) e o jogo umespaço onde o jogador se pode movimentar e interagir. Des-se modo, a escolha do ponto de vista, que frequentemente

é uma opção do jogador, permite a personalização de cada jogo para que este se sinta mais confortável no acto de jogar.Através de mul-câmaras, a jogabilidade permite fazer comque o jogador sinta melhor (imersão) a história, os eventosou as acções.

Assim, para os jogos de computador em geral, não fazsendo outro po de vistas, com aproximação ao escalona-mento de planos ulizados no cinema, porque não se pre-tende contar uma história de determinada maneira, apenasfornecer um espaço para a interacção acontecer. Se é verda-de que Benôit Sokal, no jogo Siberia II, recorreu ao cinemapara criar um “jogo cinematográco”, não signica que osplanos ulizados sejam uma regra a considerar para o estudodos jogos de computador. Assim como variações de regras nocinema, como Woody Allen fez no lme  Annie Hall   (MGM,

1997), não devem ser consideradas como regra geral no ci-nema clássico. Assim, a mediação dos jogos de computadoré efectuada visualmente apenas através das três vistas des-critas na gura 11 que imersivamente envolvem o jogadorprogressivamente em cada espaço, enredo ou acção do jogo.

Laurie Taylor, preocupando-se exclusivamente como aimersão se relaciona com o ponto de vista dos jogos de com-putador, deniu apenas dois pos de imersão: Diegec im-

mersion  (imersão na experiência de jogar) e Intra-Diegec

immersion (imersão na experiência do jogo). Taylor defendeque estas duas denições operam por vezes em simultâneonum mesmo jogo, sendo o ponto de vista escolhido o meio

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CAPÍTULO 4

essencial para conectar a experiência de jogar com a do jogo.Por outras palavras, por diegec immersion, Taylor denea experiência “sica” de jogar na primeira pessoa (FPV ), ouseja, o prazer de jogar equivale ao prazer de assisr a um l-me, ou ler um livro. Porém, a possibilidade que o jogador temde interagir com a história que é contada, ou de criar novasnarravas através dos pontos de vista TPV   ou God’s View ,Taylor disngue como intra-diegec immersion, por ser um

envolvimento com o espaço e acção de jogo que não aconte-ce num lme ou num livro.

Esta redução da imersão num jogo de computador adois ramos únicos, parece-nos um corte demasiado radical.Seguindo o caminho que aqui tentamos traçar, não nos pare-ce viável fundir dois pontos de vista tão disntos como TPV  e GV  num único po de imersão e afastar a vista na primeirapessoa do sendo de presença nos eventos do jogo.

Como observamos na g.11, cada vista tem caracterís-cas predominantes, no entanto, podem estender- -se a do-mínios de outras. A vista na terceira pessoa pode aproximaro jogador do espaço de jogo. Nos simuladores de automóveis(Colin Mcrae ou GT4), é frequente vericarmos os jogadoresa movimentarem o seu corpo para os lados na tentava ab-surda de “pressionarem o carro” à trajectória ideal apesar de

comandarem o automóvel “à distância”. Na vista na primeirapessoa senmos a aproximação dos outros carros através desom, de contactos ou das imagens reecdas nos espelhos.Se, numa determinada corrida, olhamos para o gráco da pis-ta na interface do jogo, podemos comparar a nossa posiçãocom a dos nossos oponentes, o que signica que nos afastá-mos momentaneamente da FPV  para observarmos em GV  oque acontece no jogo. Este é um exemplo da fusão de vistasnuma única, o que muitas das vezes se reecte na perda deconcentração do jogador, virtualizando um acidente. Defen-demos que a sensação de estar presente num espaço parale-lo depende do ponto de vista escolhido. A determinada dis-

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tância do observador ao espaço representado, pode envolvero espectador com maior ou menor intensidade.

Aceitamos que o plano subjecvo, ou a câmara na pri-meira pessoa, sejam os pontos de vista ideais para promovertais sensações presença. No entanto, não signica que num jogo FPS, não se possa senr a inuência do mundo do jogoou dos eventos que localmente ocorrem. Do mesmo modo,que a vista na terceira pessoa também transmite sensações

sicas “de estar presente”, como acontece no cinema com os“planos ponto de vista”.

Assim, afastamo-nos do sendo de presença associadoa duas vistas que Laurie Taylor uliza, porque segundo o nos-so estudo, os três pos de vistas mais frequentes (FPV, TPV

e God’s View ) têm, por vezes, fronteiras pouco rígidas, maspropriedades bem denidas. Como indicámos anteriormente(ver ver g. 39), cada vista, determina essencialmente umasensação especíca de presença: - imersão sica no espa-ço (sensação de “estar presente em”), imersão temporal noevento que ocorre (prazer no agenciamento de uma deter-minada tarefa) e imersão emocional na história (deleite deexperimentar um jogo angindo os objecvos denidos).

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Conclusão

Conclusão

«[Games] It is a pleasure of control,

but also aof being controlled»

Andrew Mactavish

Uma conclusão de trabalho pressupõe um ponto deparda e um percurso, ou ligação de dois pontos, o inicial eoutro nal. Não signica, porém, que a parda seja efectuadade um momento estáco ou em movimento. Também nãopodemos armar que o ponto nal se revele sucessor aoponto de parda. Aqui, tentámos traçar linhas fundamentaisque pudessem convergir num, ou para um, ponto central.Sempre que necessário procurámos se nas ramicações nãose encontravam anal as linhas principais, porque facilmentenos apercebemos que as linhas se cruzavam no início, depoisse afastavam para novamente voltarem a se cruzar.

Ao procurarmos pensar as ligações que levariam um jogador a senr-se presente num sistema complexo (jogode computador), de imediato procurámos traçar linhas deorientação para não nos dispersarmos num assunto tão

abrangente. Se por vezes estas linhas desenhavam labirintos,escondendo “o outro lado”, a nossa persistência levou-nosanal num percurso em forma de funil, denindo uma visãomais completa das ideias propostas inicialmente.

Pareceu então pernente que, para procurarmosentender como é possível senr presença num ambientedigital, o jogo de computador seria o média indicado para serestudado. Como os jogos assentam num suporte informáco,foi necessário idencar algumas caracteríscas essenciaisdos computadores, tal como a sua forte componente

hipermédia, a organização de informação de forma visuale interacva, ou a capacidade de processar informação

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virtual em tempo real. O passo seguinte foi imediato; Se ocomputador organiza a informação do mesmo modo queo nosso cérebro associa ideias, então como se relacionao homem com a máquina? A interacvidade com sistemasinformácos gerou uma aparente fusão de carne com silício,hoje temos de pensar “como” e “com” a máquina, ao pontode por vezes tornar-se muito difusa a fronteira entre real earcial.

Como vimos no nosso estudo, esta “poeira” napercepção da real natureza da interacvidade, que ocorreentre pessoas e produtos da técnica, não nasceu com oscomputadores. São produtos escassos de novidade, “apenasbrilhantemente” absorvem técnicas angas para, de umaforma digital, oferecerem novas possibilidade no manuseio

das ferramentas e, por conseguinte, ultrapassarmos os

horizontes de hoje. A fusão total de médias, a interacçãode modo transparente, com se cada nova técnica fosseadquirida, dilui o nível de percepção do espaço que habitamosculminando numa sensação sica, temporal ou emocionalde estarmos presentes noutro lugar. Para compreendermosmelhor o sendo de presença, vericámos como se poderáangir maior imersão num espaço mediado à distância.

Ao contrário dos sistemas de Realidade Virtual, que

transportam as imagens captadas pela nossa visão para outroambiente, totalmente arcial, procurámos no média jogode computador as relações que existem entre interacvi-dade, conteúdos, distância, transformação e máscaras. Domesmo modo, vericámos que existem muitas semelhançasentre jogos de computador, cinema e conteúdos narravos,porque ambos recorrem a técnicas de imersão à distância.Enquanto os jogos são intermediados por teclados, joyscsou monitores, os lmes por projecções enormes e os livrospor um suporte mais limitado em interacvidade, no entanto,nenhum dos exemplos que escolhemos como objecto deestudo, manipulam a visão em estereoscopia ou por imagens

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Conclusão

de anáglifos.Ao longo do nosso estudo fomos vericando que para

se senr imersão num sistema po jogo de computadoré necessário que exista uma comunicação realísca entre jogador e jogo. Não nos referimos aos grácos, sons ouconteúdos, mas sim à qualidade da ligação que opera entreos dois. Se um jogo for concebido gracamente de formahiperreal, não signica que seja possível senr presença na

histria, acção ou espaço representado. Por outro lado, épossível senrmos presença emocional num drama relatadopor seres ccionais (personagens de cinema).

É a capacidade realísca de interacção com o média quenos fará senr presentes emocionalmente nos eventos ouhistria que ocorre. Se a ligação for semelhante às conexõesdo quodiano, com disponibilidade do jogador, poderá serangida presença no espaço, na acção ou na histria do jogo.

Para senrmos presença sica num jogo de computadoré necessário que o média forneça um maior realismosensorial, principalmente a nível do tacto. Quando assismosa um lme, os planos subjecvos procuram transportar oespectador para o centro da acção, substuindo o actor. Éfrequente vermos a plateia desviar-se de objectos que sedirigem violentamente para a câmara, tal como num jogo

de computador nos tentamos desviar de obstáculos do jogoatravés de movimentos absurdos do nosso corpo. Esta éuma clara evidência que a fronteira entre o espaço sico e oespaço do jogo, é por vezes ultrapassada emocionalmente,vericando-se então deturpação na percepção do espaçoque realmente habitamos.

O nosso estudo levou-nos a entender que a escolhado ponto de vista é um factor essencial para manipular osendo de presença do jogador no espaço, acção ou histria.Do mesmo modo que a escolha de planos cinematográcosé fundamental para encaminhar o espectador nos percursosdenidos pelo realizador. A sucessiva troca de pontos de

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vista no decorrer do jogo, promove diferentes sensações depresença. Aliada a uma maior interacvidade cada vez maistransparente, o que Gruisin e Bolter deniram de double logic

of remediaon, a fronteira entre espaço de jogo e espaço realtorna-se mais difusa.

Não podemos determinar que um jogo de computador,sem o auxílio de extensões sicas para os nossos sendos,como culos em estereoscopia, disposivos de retroacção

tácl, ou através de aromas, possa transportar o jogador paraoutro espaço como retratado nos lmes eXistenZ  e Strange

Days, mas aceitamos que a ilusão que estamos realmentea conduzir um automvel ou a combater um indivíduo, sejaprogressivamente mais forte.

No espaço mais imediato, os nossos olhos encontram-se sempre distantes dos objectos reais, é a experiênciamulsensorial que dene a percepção do que nos rodeia,ou que nos conecta de modo remoto ao prprio universoque habitamos. Se algum dia um sistema digital ofereceruma interface semelhante à do nosso corpo, talvez o perigoretratado no lme eXistenZ  se torne real.

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