joelia bezerra de morais - universidade estadual do maranhão

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS CURSO DE HISTÓRIA JOELIA BEZERRA DE MORAIS MEMÓRIAS DA VILA: a Ponte Juscelino Kubitschek e o processo de emancipação da Vila Paranaidji (1961/1982). São Luís 2012

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Page 1: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

CURSO DE HISTÓRIA

JOELIA BEZERRA DE MORAIS

MEMÓRIAS DA VILA: a Ponte Juscelino Kubitschek e o processo de emancipação da Vila

Paranaidji (1961/1982).

São Luís

2012

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1

JOELIA BEZERRA DE MORAIS

MEMÓRIAS DA VILA: a Ponte Juscelino Kubitschek e o processo de emancipação da Vila

Paranaidji (1961/1982).

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de História da Universidade Estadual

do Maranhão para obtenção de grau em

História Licenciatura Plena.

Orientadora: Prof.ª Dra. Júlia Constança

Pereira Camelo

São Luís

2012

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JOELIA BEZERRA DE MORAIS

MEMÓRIAS DA VILA: a Ponte Juscelino Kubitschek e o processo de emancipação da Vila

Paranaidji (1961/1982)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de História da Universidade Estadual

do Maranhão para obtenção de grau em

História Licenciatura Plena.

Aprovado em:___/___/___

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dra. Júlia Constança Pereira Camelo – Orientadora

Universidade Estadual do Maranhão

1º Examinador

2º Examinador

São Luís

2012

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3

Aos estreitenses...

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus, meu criador, meu Pai, meu amigo, minha vida, minha certeza.

Quero Te louvar Senhor enquanto viver, enquanto tiver fôlego...

Aos meus pais João Batista de Morais e Joelina de Morais pela vida, pela

educação, por não ter medido esforços para minha formação. Amo vocês, agradeço a Deus

por ter me concedido pais maravilhosos e oro para que lhes conceda muitos anos de vida.

Aos meus irmãos Josué de Morais, Joel de Morais e Joabe de Morais, os homens

da minha vida. Que Deus abençoe a todos.

Ao meu marido Cássio Mendes que muito me ajudou na concretização desse

trabalho. Obrigada pelos acompanhamentos nas pesquisas, principalmente nas cidades

Carolina e Imperatriz, pelas idas às bibliotecas, as entrevistas, a UEMA para resolver

problemas burocráticos. Obrigada por tudo! Agradeço a Deus por ter me dado esse homem

maravilhoso, e que em breve venham os frutos do nosso amor. Te amo!

Agradeço também a Adeci Campos, uma segunda mãe que Deus colocou na

minha vida. Tive sorte de ter uma sogra incomparável.

Aos meus amigos do curso de História (noturno 2005), Elizabeth, Nayara,

Geciene, Uslan, Isabel, Mariza, Anilte, Vanessa, saudades de todos vocês, vivemos momentos

inesquecíveis. Agradeço também os professores do curso que contribuíram para minha

formação, em especial a professora Júlia Constança pela orientação. Obrigada professora! Sua

orientação foi valiosa e me fez acreditar que tudo daria certo.

Aos amigos que me acolheram durante os dois anos que morei na cidade de

Estreito (MA), em especial à irmã Maria Vieira, Jessilene Vieira e o seu pai seu Dacruz

Vieira, obrigada por vocês te me recebido em sua casa nos momentos que mais precisei, e ter

me tratado como filha. Deus os abençoe grandemente, só Ele para pagar o que fizeram por

mim.

Agradeço também à Maria José Milhomem, Maria Brito, Ana Flávia Ayres,

Tinara Bueno, Serlige Leite, Keilane Cutrim, Emerson, Euziléa Gonçalo, Euseli Coutinho,

Mara Vilar, Terezinha, Allysson, Marlene, Karine, Lourival, Adriana, Tancredo, Francinete,

Marli e Bruno, e todos do Fórum “Aristides Lobão” da cidade de Estreito que porventura não

fora citado. Agradeço a todos, foi muito bom o tempo que passei com vocês, estão em meu

coração.

Não posso deixar de agradecer aos senhores e senhoras da cidade de Estreito que

me receberam em suas casas e me falaram de suas vidas sem hesitarem. São eles: seu Valmir

Page 6: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

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Siebra Vilar, Sebastiana Salviano Vilar, Maria de Lourdes Marinho, Pedro Lúcio das Chagas,

Genésia Vieira de Jesus Góis, José Rocha Reis, Gessione Fronte Franco, Ernane dos Santos

Barbosa, Jaci Santos, Izailda Rodrigues Silveira, Sebastião Pereira, Raimundo Tavares da

Silva e Manoel Leal Parrião. Obrigada! Sem vocês esse trabalho não existiria.

À Geogiana Parrião pelas idéias, pela amizade, pelas conversas no final do dia. És

especial amiga. Nós passamos por muitas coisas juntas, mas graças a Deus Ele nos deu a

vitória.

À minha amiga Sandra Leite por ter me ajudado nos momentos de desespero na

finalização desse trabalho. Obrigada! Deus abençoe.

Ao pesquisador Adalberto Franklin, por ter respondido meus email, e ter

concedido obrar raras como a Belém- Brasília (1967) de Orlando Valverde e Catharina

Vergolino Dias, bem como Meu pé de tarumã florido (1997) de Waldemar Gomes.

Ao jornalista Carolinense Waldir Azevedo Braga, diretor da Folha do Maranhão

do Sul, pelas indicações de pesquisa.

Enfim, a todos que me ajudaram de todas as formas na concretização desse

trabalho, manifesto o meu MUITO OBRIGADA.

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A melhor maneira de saber a história de um

povo é o ouvindo contar.

Narradores de Javé (Eliane Caffé, 2003)

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RESUMO

O presente trabalho visa analisar através da oralidade e da memória, o significado econômico

e social da Ponte Juscelino Kubitschek para os moradores da vila Paranaidji, atual cidade de

Estreito (MA), bem como discutir de que maneira as transformações causadas pela construção

da ponte criaram condicionantes para a posterior emancipação da vila, tendo em vista a

propagação de um discurso “modernizante”, que definiu novas maneiras de olhar, pensar e

agir da pequena comunidade, constituindo nos moradores a idéia de pertencer a uma cidade

“progressista”, fato que ainda pode ser observado até os dias de hoje.

Palavras-chave: História oral. Rodovia Belém- Brasília. Ponte Juscelino Kubitschek. Vila

Paranaidji. Emancipação política.

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ABSTRACT

This paper aims to analyze through orality and memory, the social and economic significance

of JuscelinoKubitschek Bridge to the dwellers of Paranaidji borough, now the town of

Estreito (MA), and also discuss how the changes caused by construction of the bridge created

constraints for subsequent emancipation of the borough, with a view of the propagation of a

"modernizing" speech, which defined new ways of looking, thinking and behave of this small

community, providing in the inhabitants the idea of belonging to a "progressivist" city, a fact

that can still be observed until the present day.

Keywords: Oral history. Rodovia Belém-Brasilia. Juscelino Kubitschek. Bridge Paranaji

borough. Politic emancipation.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Mapa do Traçado da Rodovia Belém – Brasília ................................... 23

Figura 2 Bernardo Sayão administrando a derrubada de uma árvore ................. 24

Figura 3 Juscelino Kubitschek visitando o desmatamento para construção da

Belém-Brasília ......................................................................................

25

Figura 4 A Chegada da Caravana de Integração Nacional em Brasília .............. 26

Figura 5 Mapa do Sul do Maranhão .................................................................... 29

Figura 6 Ponte Juscelino Kubitschek (antes e depois) ........................................ 33

Figura 7 Jornal Diário da Manhã de 24 de Janeiro de 1961 ............................... 42

Figura 8 Juscelino Kubitschek em Imperatriz ..................................................... 42

Figura 9 Jornal Pequeno de 29 de janeiro de 1961 .............................................. 43

Figura 10 Fotografia da ponte de Estreito em 1960 .............................................. 45

Figura 11 Caminhão improvisado carregando gado em 1960 ............................... 49

Figura 12 Jornal Diário da manhã de 13 de janeiro de 1960 ................................. 53

Figura 13 Jornal Diário da Manhã de 26 de janeiro de 1960 ................................ 53

Figura 14 Crianças posando com o primeiro jipe da cidade de Estreito ............... 55

Figura 15 Meninos tomando banho no Rio Tocantins em 2008 ........................... 56

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Censo demográfico do Estado do Maranhão ............................................... 49

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LISTA DE SIGLAS

RODOBRÁS Comissão Executiva da Rodovia Belém – Brasília

SPVEA Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia

NOVACAP Companhia Urbanizadora da nova Capital

CAM Correio Aéreo Militar

FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 113

1. O GOVERNO DE JUSCELINO KUBITSCHEK (1956-1961) .................................... 17

1.1 JK e o Nacional Desenvolvimentista ............................................................................ 17

1.2 A Rodovia Belém-Brasília e a Integração Nacional .................................................... 20

1.3 O urbanismo modernizante da Belém-Brasília ........................................................... 26

2. A PONTE JUSCELINO KUBITSCHEK: a arquitetura inovadora do governo de JK no

sertão maranhense ................................................................................................................ 28

2.1 O local escolhido ........................................................................................................... 28

2.2 A Construção da ponte: a glória da Engenharia Nacional ........................................... 301

3. PASSAGEM PARA O MODERNO: a inauguração da Ponte JK e o seu significado para

os moradores da Vila Paranaidji ........................................................................................... 35

3.1 O sentimento de urbanidade: as transformações ocorridas na Vila (1961/1982) ........... 45

3.2 O plebiscito de 1982: a vitória da Vila ........................................................................... 57

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 64

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 66

APÊNDICES ....................................................................................................................... 70

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INTRODUÇÃO

Estudar a região Sul do estado do Maranhão é uma tarefa difícil, pois temos a

preocupação de “sempre olharmos para as dinâmicas metropolitanas, no circuito superior, e

não para o Brasil profundo” (DOWBOR apud FLANKLIN, 2008, p.11), ainda mais em se

tratando de um município recentemente criado, cujo nome só se tornou conhecido devido à

instalação em seu território de uma Usina Hidrelétrica (UHE), em andamento desde 2002.

Apesar de hoje existirem diversos trabalhos monográficos sobre a história

regional sertaneja, durante muito tempo houve uma grande lacuna desse tipo de história na

historiografia do Maranhão. O sul do estado não era estudado em sua especificidade, sendo

incorporado a uma história oficial à qual não pertencia. “O discurso historiográfico, ao

generalizar para todo o Maranhão, uma história que se restringe apenas a determinadas

regiões, tendeu a uniformizar diferentes espaços historicamente constituídos” (CABRAL,

1992, p. 20).

Por conta disso, a “identidade histórica maranhense foi construída a partir de um

referencial que contemplou apenas as áreas com origem no litoral, constituindo-se numa visão

homogeneizadora da história maranhense”. (CABRAL, 1992, p. 20). Sendo assim, o que

sabíamos sobre a História do Maranhão era a “historieta de São Luís” (REIS FILHO, apud

COELHO, 1979, p. 8).

O município de Estreito (MA) possui apenas 29 anos, e sua história em quase

nada se liga a São Luís, muitos moradores nem conhecem a capital do estado. Antigamente a

“terra da promissão” para os estreitenses era o estado do Pará, especificamente as cidades de

Belém e Marabá.

Nesse contexto, esta pesquisa torna-se benéfica e imprescindível, na medida em

que contribuirá para o desenvolvimento de um material histórico da cidade de Estreito, visto

que não existe nenhum trabalho com essa pretensão.

O interesse pelo tema surgiu durante o período em que morávamos na cidade,

quando, conversando com os moradores mais antigos, observamos o carinho com que falavam

sobre a ponte Juscelino Kubitschek e como eles atribuíam a ela o desenvolvimento da cidade.

Em entrevistas com alguns moradores, todos disseram que a ponte foi a

“salvadora” de Estreito, que sem ela a cidade não seria nada. Além disso, percebemos que,

quando falavam na emancipação da cidade, a memória dos moradores se voltava para a ponte,

como se ela tivesse alguma relação histórica.

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Daí surgiram os seguintes questionamentos: Como foi a construção da ponte JK?

Qual a reação da população mediante essa construção? Quais as transformações que ela

causou na antiga vila? De que maneiras essas transformações influenciaram no processo de

emancipação da vila ao ponto de atrelarem a inauguração da ponte, em 1961, a emancipação,

em 1982? São essas perguntas que pretendemos responder ao longo do texto.

Devido às lacunas deixadas pela falta de documentação, o que tornou essa

pesquisa bastante desafiadora, optou-se pela metodologia da história oral. Como a construção

da ponte Juscelino Kubitschek e o processo de emancipação da cidade foram acontecimentos

recentes, muitos moradores participaram do evento histórico e puderam contribuir com a

nossa pesquisa relatando suas experiências vividas naquele período.

Ressaltando que, o fato de utilizarmos a história oral como método, não significa

que a vemos somente por esse conceito, como se ela fosse apenas um simples procedimento

histórico. Compartilhando com a definição de Lozano (2006, p. 16), história oral é

Mais do que uma decisão técnica ou de procedimento; que não é a depuração técnica da entrevista gravada; nem pretende exclusivamente formar arquivos orais;

tampouco é apenas um roteiro para o processo detalhado e preciso de transcrição da

oralidade; nem abandona a análise à iniciativa dos historiadores do futuro. Diria que

antes um espaço de contato e influência interdisciplinares; sociais, em escalas e

níveis locais e regionais; com ênfase nos fenômenos e eventos que permitam,

através da oralidade, oferecer interpretações qualitativas de processos históricos.

Assim, longe de fazer um debate teórico sobre o status da história oral, se é uma

fonte, uma disciplina, uma técnica ou método histórico, pois acreditamos “que sua definição

está intrinsecamente relacionada com a pesquisa que se quer desenvolver” (MAGALHÃES;

BRAYNER, 2001, p. 181). O nosso objetivo é interpretar o passado recriado pela memória1

dos moradores da antiga vila Paranaidji, a fim de entender o contexto do objeto analisado.

Dessa forma, através da oralidade2, conhecemos diversos discursos do evento

histórico investigado, os quais foram decompostos e interpretados, pois, como diz Thompson

(1992, p. 288), “a realidade é complexa e multifacetada; e um mérito principal da história oral

é que, em muito maior amplitude do que a maioria das fontes permite que se recrie a

multiplicidade original de pontos de vistas”.

Para conseguir essas fontes orais e iniciarmos a pesquisa proposta, foram

entrevistados moradores mais antigos da cidade de Estreito (MA) que vivenciaram alguns

eventos históricos do período como: o crescimento do povoado até se tornar vila (1948), a

1 Conjunto de atividades cerebrais (psíquicas) que permite ao indivíduo a capacidade de armazenar, conservar e

atualizar informações representadas como passados (LE GOFF, 1990, p. 419). 2 Componente central da história oral é a maneira pela qual a memória é transmitida (ZANONI apud ARAÚJO, 2005, p.116).

Page 16: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

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construção da ponte Juscelino Kubitschek (1958) e inauguração (1961), bem como a

emancipação da vila da cidade de Carolina (1982).

Como a cidade é pequena e o número de idosos é bem resumido, não tivemos

dificuldades de localizá-los. No total foram realizadas treze entrevistas, sendo oito no Bairro

chamado Beira-Rio, um dos mais antigos da cidade, próximo da ponte e do rio Tocantins. As

demais foram feitas na área central do município.

As pessoas que participaram das entrevistas, na época do evento ocupavam as

mais variadas funções, eram donas de casas, lavradores, artesãos, boiadeiros, comerciantes,

farmacêuticos, atravessadores de gado, funcionários públicos e pescadores. Pessoas comuns

que, sem hesitar, nos revelaram suas experiências passadas. Como diz Bosi (1994 apud

SOUSA, 2006, p. 2), “a recriação do passado é feita por pessoas simples, testemunhas vivas

da história”.

Com o objetivo de elucidar a temática abordada, foi aplicado um questionário

com os moradores que foram escolhidos na cidade, sendo que as perguntas do questionário

sofreram modificações de acordo com as novas questões tocadas por eles. A entrevista

dirigida, conhecida como temática, foi necessária à medida que a história pessoal do narrador

só nos interessaria se estivesse ligada ao nosso objeto de estudo. Segundo Alberti (2005, p.

61).

O objeto de uma entrevista temática, tal qual considerada aqui, não constitui a

trajetória de vida do entrevistado, e sim uma parte de sua vida: aquela estreitamente

vinculada ao tema estudado. Seu depoimento é solicitado na medida em que possa contribuir para o estudo de determinado tema, e assim as perguntas que lhes serão

dirigidas terão o objetivo de esclarecer e conhecer a atuação, as idéias e as

experiências do entrevistado enquanto marcadas por seu envolvimento com o tema.

Depois de gravados, os depoimentos foram transcritos e analisados, sendo

confrontados com os demais depoimentos e fontes, pois “toda evidência, escrita ou oral, que

remonte a uma única fonte deve ser encarada com reserva; deve-se buscar uma corroboração

para ela” (VANSINA apud THOMPSON, 1992, p. 307).

Esse procedimento é necessário porque ao rememorar3, o narrador não traz o

passado como ele realmente aconteceu, mas o resignifica a partir da experiência do presente.

Sendo assim, por se posicionar no presente, a visão que o entrevistado apresenta

hoje não é a mesma de quando aconteceu o evento.

3 Rememorar não é apenas voltar ao passado, é trazer à tona a sensibilidade adormecida pelo tempo, é

questionar, a partir das experiências do presente os sentidos do passado, é a possibilidade de reavaliar e vivenciar

novas experiências (FERREIRA, 2010, disponível

em:<http://www.encontro2010.historiaoral.org.br/resources/anais/2/1270424312_ARQUIVO_NARRATIVASD

EVELHOSCEGOSEMSOBRAL.pdf>.

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Assim, ao criar objetos de estudos a partir da oralidade, a história oral contribui

para a produção de novos conhecimentos históricos. Dessa forma, a prática da história oral

não se resume exclusivamente a constituição de acervos orais, mas auxilia o historiador a

compreender o mundo que está a sua volta, preenchendo muitas vezes lacunas deixadas pela

documentação escrita.

O recorte temporal (1961-1982) foi escolhido pelo fato de representar um período

em que houve grandes transformações no âmbito econômico e social na vila Paranaidji

causadas pela construção da ponte Juscelino Kubitschek que logo depois seria chamada de

“[...] orgulho da engenharia nacional” (FLANKLIN, 2008, p. 125). A ponte foi inaugurada no

dia 29 de janeiro de 1961, fato histórico que impactou a vida da comunidade local e imprimiu

um novo ritmo de vida, favorecendo a posterior emancipação em 12 de maio de 1982.

O trabalho foi organizado em três capítulos. No primeiro discutimos o governo de

Juscelino Kubitschek a partir da implantação do programa nacional desenvolvimentista,

analisando a construção da rodovia Belém-Brasília e o urbanismo modernizante resultante da

mesma.

No segundo, trabalhamos a construção da Ponte Juscelino Kubitschek na vila

Paranaidji, apresentando os aspectos socioeconômicos e culturais da sociedade local.

O terceiro capítulo traz a análise do significado da ponte para os moradores da

vila, bem como as transformações nos aspectos urbanísticos e no cotidiano da população,

analisando ainda como essas transformações contribuíram para o processo de emancipação da

vila em 1982.

E no final, apresentados os resultados obtidos a partir das pesquisas realizadas.

Page 18: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

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1. O GOVERNO DE JUSCELINO KUBITSCHEK (1956-1961)

1.1 JK e o Nacional Desenvolvimentista

Nascido em Diamantina no dia 12 de setembro de l902, o médico urologista

Juscelino Kubitschek (o JK), foi prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais,

assumiu a presidência do Brasil em janeiro de 1956 depois de lutar contra os opositores do

seu governo que tentavam impedir sua posse, dentre eles as forças conservadores e os

antigetulistas.

Durante o seu governo (1956-1961), JK pretendia colocar em prática o slogan

“cinquenta anos em cinco” propagado em sua campanha política, cujo objetivo era aumentar a

produção industrial brasileira em apenas cinco anos. Para Moreira (2003, p. 157), JK

pretendia.

[...] governar estritamente dentro dos limites constitucionais e democráticos; acelerar o desenvolvimento econômico, implantado novas indústrias e prometendo fazer em

cinco anos o que levaria cinquenta; integrar a nacionalidade, antiga aspiração

herdada dos portugueses, construindo a nova capital e estradas que da floresta

amazônica, das chapadas do Oeste e das grandes cidades litorâneas convergiam até

Brasília, no Planalto Central do país. Resumia seu governo com as idéias de

movimento, ação e desenvolvimento.

A ideia era acelerar a industrialização e o crescimento econômico do Brasil para

tornar o país uma nação próspera. Esse projeto político de JK ficou conhecido como nacional

desenvolvimentista, “[...] cuja ideologia ofertava o ‘desenvolvimento nacional’ como algo de

todos e para todos, cujo resultado final seria a transição do Brasil para o mundo das nações

ricas, modernas e portadoras do bem estar-estar social” (MOREIRA, 2003, p. 165).

Para concretizar seu projeto desenvolvimentista o novo presidente lançou mão de

um amplo programa econômico chamado de “Plano de Metas”, “a mais sólida decisão

consciente em prol da industrialização na história econômica do país” (LESSA apud COSTA,

1991, p. 52). O plano constituía-se de metas entre os setores de energia, transporte,

alimentação, indústria de base e educação.

O programa de governo de JK assumiu integralmente a “linguagem do

desenvolvimento”. Mais conhecido como “Plano de Metas”, o programa era, na

realidade, um documento essencialmente econômico. Dividia-se em 30 metas,

distribuídas entre os setores de energia (metas 1 a 15), transporte (metas 6 a 12),

alimentação (metas 13 a 18), indústria de base (metas 19 a 29) e educação (meta 30)

(MOREIRA, 2003, p.159).

Page 19: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

18

Além dos investimentos nesses setores, JK incluiu entre as metas a construção de

Brasília, a nova capital federal, considerada por ele a “meta síntese” do seu governo. Brasília,

símbolo da agitação desenvolvimentista da época, foi projetada pelo arquiteto Oscar

Niemeyer e pelo urbanista Lúcio Costa, que introduziram na arquitetura brasileira novas

formas de trabalhar o aço e o concreto armado, tornando a “[...] construção de Brasília uma

das mais importantes experiências arquitetônicas e urbanística do século XX” (REIS FILHO,

2006, p. 97).

Como o Brasil não tinha recursos próprios para financiar o programa, JK emitiu

papel-moeda e estimulou a instalação de grandes multinacionais no país, principalmente as

que produziam bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos. A iniciativa do presidente

contrariava o movimento da classe nacionalista, que até então apoiava sua plataforma política.

A classe era formada por sindicalistas, políticos, estudantes e intelectuais, e não aceitava a

participação do capital internacional na economia brasileira, o que propiciou o rompimento do

grupo com a política “nacionalista” de JK em 1960.

A abertura ao capital estrangeiro, modelo econômico que também foi utilizado por

Getúlio Vargas, ressaltava uma contradição existente na política de JK embasada no programa

nacional desenvolvimentista.

O governo de JK tinha um caráter ambíguo, na medida em que se mostrava nacionalista quando procura fomentar o progresso por iniciativa estatal ou toma

medidas que visam proteger o nosso trabalhador e consumidor nacional;

francamente antinacional quando, para atrair para o nosso país o capital estrangeiro

do qual faz depender o desenvolvimento do país (cujo o mérito atribui-se a si) se

dobra a todas as imposições daquele capital (NETO apud MOREIRA, 2003, p. 174).

Apesar das críticas, Juscelino Kubitschek colocou em prática seu plano de metas,

que segundo ele iria “aumentar o padrão de vida do povo, abrindo oportunidades de melhor

futuro” (KUBITSCHEK apud CARDOSO, H., 2005, p.181). É certo que o plano econômico

de JK não aumentou o padrão de vida da maioria dos trabalhadores brasileiros, mas trouxe

grandes transformações no campo industrial e urbano da época.

Diversas multinacionais foram implantadas no Brasil atraídas pelos incentivos do

governo. Automóvel, rádio, toca-discos, geladeira, máquina de lavar, enceradeira, dentre

outros, passaram a fazer parte da lista de compras da classe média, que ficava encantada com

as novidades vindas da maioria das vezes da indústria americana, que passou a influenciar

fortemente o estilo de vida do povo brasileiro. Sem falar do surgimento dos supermercados e

“Shoppings”, duas principais áreas de lazer que se desenvolveram no período.

Page 20: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

19

Além das empresas estrangeira, JK fez grandes investimentos nas empresas

estatais como a Petrobrás, nas siderurgias e na construção de estradas. Vários aglomerados

urbanos surgiram, e se desenvolveram. Assim, “[...] com a industrialização acelerada e a

urbanização rápida vão criando nova oportunidade de vida, oportunidade de investimento e

oportunidade de trabalho” (NOVAIS; MELLO, 2006, p.581). No governo de JK

[...] a sociedade estava em movimento. Movimento de homem e mulheres que se

deslocavam de uma região a outra do território nacional; de trem, pelas novas estradas de rodagem, de ônibus ou amontoados em caminhões paus-de-arara.

Movimento de uma configuração de vida para outra, movimento de um emprego

para outro, de uma classe para outra, de uma camada social para outra. (MOREIRA,

2003, p. 585).

Movimento também na produção cultura, que nessa época foi intensa nos países

desenvolvidos ou os que estavam em desenvolvimento, como por exemplo, o Brasil. Esse

período ficou conhecido, no Brasil, como anos dourados, que correspondem à década de 1950

até a de 1960.

Durante os anos dourados os brasileiros se encantaram com o surgimento da

televisão, do cinema hollywoodiano, que divulgavam os costumes norte-americanos trazendo

novidades como a calça jeans, o hot-dog, o hambúrguer e a coca-cola. Na música, a juventude

deixava os bailes tradicionais e se divertia com o balanço do rock’n’roll de Elvis Presley e

Chuck Berry.

Os artistas brasileiros também contribuíram com essa ebulição cultural, na classe

média surgiu a Bossa Nova, estilo musical criado por Vinícius de Morais e pelos músicos

Tom Jobim e João Gilberto, a música era uma mistura do samba brasileiro com o jazz

americano, a novidades alcançou o mercado internacional a partir de 1962. Nasceu também o

cinema novo de Gláuber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, cuja principal característica era

retratar a realidade brasileira, colocar em cena o cinema-verdade.

Mas os benefícios gerados pelo desenvolvimento econômico durante o governo de

JK não foram sentidos pela maioria da população brasileira, a industrialização ficou

concentrada em São Paulo e Rio de Janeiro, e para os pobres, adquirir uma televisão ainda era

um sonho de consumo.

A inflação devido à emissão de papel-moeda para sustentar o Plano de Metas do

seu governo; a dívida externa; as diferenças regionais; a falta de uma reforma agrária; as

desigualdades sociais e alta concentração de renda nas mãos da minoria foram os principais

motivos que fizeram com que o Brasil continuasse subdesenvolvido, mesmo depois do

Page 21: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

20

acelerado crescimento industrial proporcionado pelo programa nacional desenvolvimentista

de Juscelino Kubitschek (MOREIRA, 2003).

Para a historiadora Ana Maria Ribas Cardoso (2005), a ideologia do programa

nacional desenvolvimentista era uma argamassa que modelava o discurso do poder, através do

programa o presidente introjetava na memória coletiva a crença de que o progresso e os seus

benefícios poderiam ser igualmente compartilhados por todo conjunto da sociedade. JK queria

implementar o programa sem traumatismos sociais e ameaças à ordem estabelecida.

JK conseguiu colocar em prática seu “[...] plano político, firmado na

industrialização, consumismo e na consolidação urbana” (BAHIA, 2004, p.2), graças à

estabilidade política adquirida com seus discursos bem articulados, próprio de um político

populista. Sua ideologia desenvolvimentista trouxe para “[...] grande parte dos brasileiros a

sensação de que faltava uns poucos passos para finalmente nos tornamos uma nação

moderna” (NOVAIS; MELLO, 2006, p. 561).

Mas, até o final do seu mandado não foi isso o que aconteceu, o desenvolvimento

chegou para poucos. “O país desse modo, a despeito de toda aceleração e crescimento da

economia, não ingressou no bloco dos ‘países desenvolvidos’, permanecendo nos limites da

história de pobreza e de desigualdades sociais” (MOREIRA, 2003, p. 191), que o caracteriza

até os dias de hoje.

1.2 A Rodovia Belém-Brasília e a Integração Nacional

Desde os primeiros séculos da colonização brasileira houve uma preocupação com

a integração do território nacional, principalmente com os que faziam parte da região

amazônica, que até então estavam isolados pelos grandes domínios florestais, cuja

comunicação só era possível pela navegação do rio Tocantins e Araguaia. Como diz Valverde

e Dias (1967), “[...] o isolamento e a precariedade dos transportes fluviais fazia da região

Amazônia, barrada pelo tremendo obstáculo da selva, uma região tipicamente colonial”.

(VALVERDE; DIAS, 1967, p. 329).

Vários políticos brasileiros tentaram amenizar o problema da comunicação

investindo no sistema de transporte ferro-fluvial, alternativa que apresentou resultados

mínimos, pois criou apenas ligações precárias, sem falar que esse tipo de transporte tinha

custos elevados para a sua implantação e os governantes eram poucos persistentes em suas

iniciativas. Por conta disso, o centro do país, e os vales do Tocantins e Araguaia

especificamente, continuaram com sua economia isolada do restante do país, fato que

Page 22: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

21

prejudicava o crescimento da economia nacional. “Havia uma necessidade de ocupar, povoar

e valorizar economicamente essa região” (COSTA, 1991, p. 50).

Foi no governo de Juscelino Kubitschek com a construção de Brasília, a nova

capital federal, juntamente com a implementação do “cruzeiro rodoviário”, formadas pelas

rodovias Rio – Belo Horizonte – Brasília; Brasília – Belo Horizonte - São Paulo; (via

Anhanguera) Belém – Brasília, Acre – Brasília, Goiânia – Brasília e Fortaleza – Brasília, que

o plano integracionista ganhou mais impulso. Essas e outras totalizavam quase 6.000 km de

estradas federais feitas durante o governo de Juscelino Kubitschek (MOREIRA, 2003)

A medida visava ligar Brasília4, que estava sendo construída no Planalto Central,

uma área distante e isolada do litoral, as outras regiões do Brasil, bem como eliminar uns dos

fatores que impediam o desenvolvimento industrial brasileiro: a falta de comunicação entre os

estados. As rodovias iriam interligar as regiões industriais, as áreas produtoras de matérias-

primas, e os centros consumidores.

Sendo construída na parte central do Brasil, a nova capital Federal representou a:

[...] implantação de um poderoso “posto de vanguarda” para o norte e o oeste do

país, regiões que o Estado vinha tentando capturar a algumas décadas. Como

verdadeiro pólo ou nó de articulação inter-regional, deslocou para a imensa

hinterlândia (território situado atrás de uma costa marítima ou de um rio) parte das atenções governamentais, dos segmentos privados da economia e da opinião pública

[...]. Enquanto esta era construída, vias de acesso para o sul, leste e nordeste e vias

de penetração para o norte e oeste eram abertas, todas convergindo para um mesmo

ponto (COSTA, 1991, p. 54).

A implantação do projeto rodoviário pelo presidente JK também foi influenciado

pelo desenvolvimento da indústria automobilística. No seu governo foram implantadas onze

montadoras, a Fábrica Nacional de Motores, a Ford, a General Motors, a Internacional

Harvester, a Mercedes-Benz, a Scania Vabis, a Vernag, a Toyota, Volkswagem, a Willis e

Dauphine-Renault (NOVAIS; MELLO, 2006, p. 591). Sendo que a construção das rodovias foi

beneficiada pela existência do Fundo Rodoviário Nacional, criado em 1946, e da Fundação da

Petrobrás, criada em 1957, que produzia o asfaltamento necessário para a abertura das

estradas.

Assim, através do sistema rodoviário, Juscelino Kubitschek integrou os espaços

geográficos com dificuldades de comunicação e de economia atrasada, com as regiões

industrializadas do sul, o que proporcionaria a ampliação do sistema capitalista baseada na

lógica do mercado internacional. Como diz Costa (1991, p. 54), “[...] Não se tratava de um

4 A ideia de construir Brasília no Planalto Central não é originária da política de JK. Desde o século XIX

políticos brasileiros visavam a transferência da capital para essa região, mas apenas JK colocou em prática tal

iniciativa.

Page 23: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

22

plano para o território (o que é óbvio), mas de um plano para a expansão capitalista do país

em sua etapa industrial”.

A política integracionista do presidente JK ficou conhecida pelos políticos

ruralistas do Congresso Nacional como a “Nova Marcha para o Oeste”, fazendo referência ao

presidente Getúlio Vargas que, no período do Estado Novo (1937 – 1945), incentivou a

população a ocupar os vazios demográficos da região da Amazônia e do Centro-Oeste, a

investida ficou conhecida como “Marcha para Oeste” 5.

Segundo Valverde e Dias (1967) foi no governo de Getúlio Vargas que começou a

construção da atual rodovia Belém – Brasília a primeira estrada a passar pela região

amazônica. O trecho inicial foi construído em 1941 a 1944, ligando Anápolis a Ceres no

Goiás. Sua construção foi decorrente da criação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás,

administrada pelo então engenheiro Bernardo Sayão Carvalho Araújo que logo estendeu a

estrada até a cidade de Uruaçu.

Juscelino Kubitschek, que tinha o intuito de promover a “conquista interna” do

território brasileiro, utilizou-se das poucas picadas e estradas já existentes para iniciar a

ligação rodoviária entre a nova capital do país e o norte do Brasil. Com a construção da

rodovia Belém – Brasília, e das outras rodovias de integração citadas anteriormente, JK

conseguiu desviar a atenção do país do litoral e levá-la ao centro, novo pólo do poder.

A construção da rodovia Belém- Brasília, juntamente com a nova capital federal,

foi uma das atitudes mais audaciosas do governo de Juscelino Kubitschek, pois parte dela foi

construída numa região totalmente inexplorada da região amazônica, que anteriormente só se

comunicavam por meio da navegação de rios, principalmente o Tocantins e o Araguaia. Por

conta disso, o próprio presidente chegou a chamá-la de “autêntica epopéia do século XX”

(KUBITSCHEK apud BRITO, 2009, p. 77). Nessa região havia uma:

[...] dificuldade de escoar a produção e o ônus que se tinha com os desvios das

cachoeiras, desestimulava em proporções a dinâmica econômica regional. [...] o

trecho que saía do rio Tocantins era feito à cavalo e muitas vezes à pé por entre a

vegetação do cerrado, que proporcionava bom rendimento à caminhada e pouco

risco de ataque de onça, mas em contrapartida, aumentava o risco do ataque de

cobras (cascavel e jararacuçu). Na mata do norte da região, era grande a dificuldade

para se orientar em meio a imensidão da floresta. (BRITO, 2009, p. 75).

Com 2.070 km, a rodovia Belém- Brasília, que também é chamada de BR 14, é

formada por várias rodovias federais, dentre elas a BR 153, BR 010, BR 226 e a BR 060.

5 Projeto de colonização viabilizado pelo Estado Novo após a crise de 29, que pretendia criar uma economia no

interior do Brasil, a fim de sustentar as crises sulistas, mantendo a hegemonia dessa região sobre as demais. [...]

O resultado foi apenas algumas colônias agrícolas nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás.

(CHAVES, 2009, p. 74)

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23

Atravessa o leste do Pará, o sudeste do Maranhão, Tocantins, Goiás e o sudoeste do Distrito

Federal. Sua construção começou em 1958, e parte dela foi inaugurada em 1960. (SANCHES,

2003).

Figura 01 – Mapa do traçado da Rodovia Belém-Brasília (trecho inicial/Belém e final/Brasília). Destaque (ponto

vermelho) para a cidade de Estreito (MA), fronteira entre o Maranhão e Tocantins, onde foi

construída a Ponte Juscelino Kubitschek.

Fonte - http://www.google.com.br/search?hl=ptBR&q=MAPA+DA+BELEBRASILIA&um=1&ie=UTF8&tbm

=isch&source=og&sa=N&tab=li&biw=1366&bih=576&sei=m20PUJbYO4iK8QTzm4HgCA

Para formalizar a execução da rodovia Belém – Brasília, foi criada a Comissão

Executiva da Rodovia Belém – Brasília (RODOBRÁS), através do decreto de Lei n° 43.710,

essa autarquia ficaria subordinada à Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia

(SPVEA). Para liderar o empreendimento, o presidente escolheu o engenheiro agrônomo

Bernardo Sayão de Araújo6, diretor da Companhia Urbanizadora da nova Capital

(NOVACAP), empresa estatal que liderou a construção de Brasília. (VALVERDE; DIAS,

1967).

6 Bernardo Sayão, o herói do desbravamento das selvas brasileiras e amigo do presidente Juscelino Kubitschek,

morreu numa área denominada “Ligação”, na base de Imperatriz, abatido por uma árvore que ele mesmo

mandara derrubar (FLANKLIN, 2008, p. 120). Em homenagem a Sayão a rodovia Belém-Brasília também pode

ser chamada rodovia “Bernardo Sayão”.

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24

Figura 02 - Bernardo Sayão administrando a derrubada de uma árvore para a construção da Belém-Brasília

Fonte – SANCHES, 2003.

Devido a grandiosidade a obra foi dividida em 2 frentes de trabalho, “[...] uma

saindo de Goiás para o Pará, outra, vindo do Pará para Goiás” (BRITO, 2009, p. 77). O trecho

paraense foi o mais complicado, tanto para a construção, como para o abastecimento dos

trabalhadores, que vinham de diversos pontos do país, como relata Valverde e Dias (1967, p.

331).

Problema sério constituía o abastecimento da turma de pioneiros: enquanto eles

estavam internados na mata, acendiam fogueiras em determinados ponto para que,

vendo a fumaça, pilotos e teco-teco lhes atirassem os alimentos. Êstes eram jogados

dentro de sacos e constavam geralmente de feijão, arroz, farinha e enlatados. Consta-

se que houve casos de fornecedores apressados jogarem galinhas e porcos vivos do

avião. [...] A abertura da estrada dentro da hiléia foi, conforme se vê muito mais

árdua, mais demorada, de tal modo que a junção das turmas de construção, uma vinda do norte, outra do sul, deu-se dentro da floresta amazônica, no lugar que

recebeu o nome simbólico de ligação.

Para sua construção foram contratadas diversas empresas empreiteiras, o valor da

obra não se sabe ao certo, pois o tempo de JK “[...] foi o apogeu da irresponsabilidade fiscal”

(COUTO, 2009, p. 122). A corrupção envolvida na construção dessa importante via de

integração nacional, bem como na construção de Brasília, era digna de uma CPI, muitas

negociatas foram realizadas (AQUINO apud CHAVES, 2009, p. 74). Na nova capital,

[...] corriam rios de dinheiro público. Gastos colossais, impressionante quantidade e diversidade de obras, controle interno precário, controle externo distante. No

começo nem banco havia, tudo era pago com dinheiro vivo [...]. Diziam os

adversários que até material de construção eram trazidos de avião, a custo

Page 26: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

25

exorbitante. Denunciavam roubalheira e escândalos, armavam investigação

(COUTO, 2009, p. 122).

Segundo o autor, por conta disso, Juscelino Kubitschek recebia muitas críticas dos

seus opositores políticos, além de considerarem a Belém-Brasília um empreendimento

impossível de ser realizado, devido às barreiras naturais impostas pela floresta amazônica.

Jânio Quadros apelidou-a de “estrada das onças”, Carlos Lacerda dizia que a mesma ligaria o

“nada a lugar nenhum”.

Figura 03 - Juscelino Kubitschek visitando o desmatamento para a construção da rodovia Belém-Brasília. Pela

imagem percebemos as dificuldades que os trabalhadores enfrentaram para vencer a barreiras impostas pela Floresta Amazônica.

Fonte - http://patrickroberto.blogspot.com.br/2010_01_01_archive.html.

Apesar das dificuldades, a floresta foi vencida, e no dia primeiro de fevereiro de

1960 a Belém-Brasília foi inaugurada, mas sua pavimentação só aconteceu doze anos depois,

no governo do presidente Médice (1969 – 1973). A viagem da “Caravana de Integração” 7,

formada por políticos, jornalistas e empresários, que saíram das regiões norte, sul, leste e

oeste do Brasil para assistir em abril de 1960 às cerimônias de inauguração da nova capital

federal, estreou essa importante via histórica.

7 A intenção da Caravana era mostrar a interligação do país por rodovia e a convergência para o Planalto Central,

desde o norte, sul o leste e o oeste, também que as distâncias poderiam ser vencidas pelos veículos produzidos na

nascente indústria automobilística nacional. Os empresários do setor juntaram colunas com cerca de cinquenta

unidades cada, eram Romisetas, DKM, jipes, caminhonetes, caçambas, caminhões e ônibus. A maior Caravana

saiu do norte, para percorrer 2.250 quilômetros de chão bruto, de Belém à Brasília (BENEVENUTO, 2010,

disponível em http://blogdojovino.blogspot.com.br/2011_04_01_archive.html).

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26

Figura 04 - A chegada em Brasília da Caravana de Integração Nacional em 02 de fevereiro de 1960.

Fonte - Disponível em http://ihgdf.blogspot.com.br/2010/01/caravana-de-integracao-nacional.html

1.3 O urbanismo modernizante da Belém-Brasília

A construção da rodovia Belém – Brasília foi um dos passos decisivos para

romper o velho isolamento das regiões norte e centro-oeste do Brasil, integrando-as

definitivamente a comunidade brasileira.

Se esta não tivesse sido construída o Estado não passaria hoje de um imenso território mesopotâmico, situados em sua maior parte entre os rios Araguaia e

Tocantins, isolado do sul do país e sem saída para o norte, a não ser por água como

antigamente (GOMES apud BRITO, 2009).

O empreendimento de JK trouxe grandes mudanças no contexto urbano brasileiro,

surgiram inúmeros povoados e cidades que, com o tempo, adquiriram características

urbanísticas8 modernas, típicas de grandes centros capitalistas, como a cidade de Imperatriz

(MA), que, com a construção da rodovia, desenvolveu-se em todos os setores. Como mostra

Coelho Neto (1979, p. 168).

Efetivamente a Belém-Brasília, passando pela cidade, mudou o seu destino, pois é

de agora em diante um novo centro de povoamento para o trabalho, para a

agricultura e a pecuária, para a indústria e o comércio, ponto avançado de uma

civilização nova. Inquieta-se assim o ambiente. Surgem ruas e abrem-se avenidas.

Projeta-se a construção de uma nova cidade a partir de 1960.

8 Entendemos como urbanismo, “o conjunto de regras aplicadas aos melhoramentos das edificações, do

arrumamento, da circulação e do descongestionamento das artérias públicas. É a remodelação, a extensão e o

embelezamento de uma cidade, levados a efeito, mediante um estudo metódico da geografia humana e da

topografia urbana, sem descuidar das soluções financeiras” (LEME, 2005, p. 22).

Page 28: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

27

A rodovia rompeu o isolamento que a séculos predominava no norte do Goiás,

cidades como Gurupi, Alvorada do Tocantins, Talismã e Miranorte nasceram, formando uma

nova malha urbana, e outras se reurbanizaram, um exemplo típico é a cidade de Araguaína,

que adquiriu características consideradas modernas para a época, com a introdução do

automóvel, da energia elétrica, geladeira, rádio, telégrafos e outras inovações do mundo

capitalista.

Um fator essencial que contribuiu para o desenvolvimento das cidades e

aglomerados urbanos foi o movimento de migração. Com a facilidade de deslocamento

proporcionado pela construção da rodovia, várias pessoas, principalmente empresários,

fazendeiros, madeireiros, vindos em geral do sul do país, se transferiram para as cidades

recém-criadas a procura de investimentos, ou então incrementavam centros urbanos já

consolidados como as cidades de Brasília e Goiânia.

Além da movimentação de pessoas a rodovia proporcionou também uma

movimentação de mercadorias, entre as regiões desenvolvidas do sul, com as

subdesenvolvidas do norte, como afirma Valverde e Dias (1967, p. 343).

O comércio entre os mercados do sudeste e Belém, através da BR 14, teve

características de verdadeira explosão, com um intercâmbio típico do que se

processa entre uma área desenvolvida e outra subdesenvolvida. Para o norte vão

produtos industriais diversos, como veículos (automóveis novos, zero quilômetro),

tratores, geladeiras e outros eletrodomésticos [...]. Para o sul circulam: produtos

agrícolas e extrativos regionais, como arroz, pimenta, madeira, borracha (em látex e em pelas), castanha, algodão e resina [...].

Sendo assim, o projeto da rodovia Belém-Brasília alcançou os objetivos do

presidente Juscelino Kubitschek, quais sejam o de integrar as regiões isoladas do Brasil aos

centros capitalistas, o que contribuiu para o processo de urbanização das mesmas, bem como

transformá-las em fornecedoras de matéria-prima. O objetivo era impulsionar a

industrialização da economia brasileira baseada no interesse do mercado internacional.

Mas apesar dos benefícios, a rodovia também trouxe problemas para algumas

regiões brasileiras, como os conflitos de terras no norte do estado, que predominam até os dias

de hoje. “O asfalto facilitou as comunicações e a valorização das terras, exacerbando a cobiça

dos grileiros que formaram verdadeiras quadrilhas para açabancar as terras dos índios e dos

posseiros” (FERRAZ apud CHAVES, 2009, p. 75).

Algumas cidades localizadas as margens do rio Tocantins que possuíam a

economia ligada à hidrovia, também foram prejudicadas por conta da construção da Belém-

Brasília. A cidade de Carolina, por exemplo, que tinha liderança regional no transporte fluvial

desde a década de 1930, sendo por isso considerada principal entreposto comercial para os

Page 29: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

28

estados do Maranhão, Goiás e Pará, entrou em decadência, assim como as cidades de Pedro

Afonso (TO) e Porto Nacional (TO).

2. A PONTE JUSCELINO KUBITSCHEK: a arquitetura inovadora do governo de JK

no sertão maranhense

2.1 O local escolhido

Durante a construção da rodovia Belém- Brasília apareceu um problema que teria

que ser solucionado para a obra poder prosseguir: a transposição do rio Tocantins9. Na divisa

do Maranhão com o Goiás o rio apresentava uma largura muito grande em sua extensão, fato

que impossibilitava a construção de uma ponte. Mas com estudos aéreos realizados, surge a

possibilidade em um determinado local onde o rio possuía um estreitamento acentuado em sua

vazão, apenas 130 metros (OLIVEIRA; REIS, 2006, p.21).

É a partir desse evento que entre em cena na história da integração nacional a

pequena vila localizada na mesorregião sul do estado do Maranhão, à margem direita do rio

Tocantins, entre os municípios de Porto Franco e Carolina. A vila, que se chamava Paranaidji,

que na língua Tupi-Guarani significa Rio-Estreito, devido a sua localização (hoje atual cidade

de Estreito-MA), se desenvolveu em um local que oferecia condições favoráveis para a

construção da obra, como ressalta Valverde e Dias (1967, p. 210).

O fator mais importante foi o seu sítio sobre rochas duras, basálticas, à margem

direita do Tocantins, num pequeno trecho em que êle abriu uma passagem estreita

entre as citadas rochas. Esses elementos naturais deram ao local a preferência para a

construção da ponte JK, sobre o Tocantins.

Mas há quem diga que a escolha da vila para abrigar essa importante construção

foi por conta de um incidente político, e não por causa da posição geográfica do local. A

ponte era pra ser construída entre Tocantinópolis e Porto Franco.

Um incidente político muda o local onde deveria ser construída a grande ponte sobre

o rio Tocantins. No projeto original, a dita ponte deveria ser construída entre as

cidades de Tocantinópolis e Porto Franco, passando pela “pedra do Braga”. Não se sabe o que houve ao certo, mas Sayão havia atravessado o rio e do outro lado teve

desentendimento com as autoridades de Tocantinópolis. Ele mesmo dissera-nos,

numa noite, que não mais se hospedaria naquela cidade “para não ser incomodado

por políticos”. E daí para frente ficou decidida a construção da ponte em Estreito, o

que, na realidade, tornava o projeto mais barato, dado a configuração geográfica do

9O tamanho do rio Tocantins mais divulgado é 2.400 km. Mas há quem lhe dê 2.500 km, 2.700 km² e os mais “precisos”, que registram 2.640 km e colocam o Tocantins entre os sete maiores rios brasileiros (seria o 8°) [...].

São seis os estados atingidos pela bacia do rio Tocantins: Goiás, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Pará e

Distrito Federal [...] (SANCHES, 2003, p. 196).

Page 30: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

29

rio Tocantins naquele local, formando um “estreito”, e assim foi feito. (PEREIRA,

1997, pag.108)

A história do povoado de Estreito que depois foi elevado à categoria de vila,

remota ao início do século passado, quando viajantes e comerciantes perceberam os

benefícios provenientes do rio Tocantins, que, além de contribuir para a agricultura de

vazante, formava nesse local um pequeno canal, o mais estreito de toda sua extensão.

Figura 05 - Mapa do Sul do Maranhão, em destaque a cidade de Estreito (MA)

Fonte – Ferreira (2007).

Esse ponto estratégico favorecia a travessia do rio no sentido Maranhão – Goiás, o

que contribuiu para a criação de um pequeno porto que serviria de apoio logístico para os

viajantes e comerciantes, como os que negociavam em Carolina (MA) e Boa Vista (atual

Tocantinópolis) e principalmente para transportadores de boiadas, que atravessavam o gado10

de um estado para o outro.

A abertura do porto colaborou para dinamização da economia local, que era quase

fechada, sufocada devido a falta de comunicação. Com o surgimento desse novo ponto

comercial, vaqueiros, nadadores, canoeiros, comerciantes e mercadores que passavam pelo

local fixaram residência, sendo o primeiro o comerciante Virgilio Franco11, transformando o

povoado de Estreito em um importante centro de comercialização. Bueno (2003, p. 37), relata

como aconteceu esse processo.

10Para o historiador Héctor Bueno o maior tráfego de boiadas era no sentido Goiás (atual Tocantins) – Maranhão para abastecer a região do Baixo Mearim (BUENO, 2003, p. 31) 11Alguns dizem que foi Virgilio Franco o fundador de Estreito, outros dizem que, por ocasião da chegada dos viajantes à parte estreita do rio, já tinham moradores numa localidade, localizada a 3 km, no Brejo do Pinto

(MELLO, 2010, p.6).

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30

A partir do momento que o Estreito se torna um ponto de travessia de rebanho

bovino e com a necessidade de permanência de nadadores e canoeira no local,

rapidamente se instalou os primeiros comércios destinados à venda dos produtos de

primeira necessidade: sal, arroz, querosene, etc. A temporada da travessia durava em

torno de cinco a seis meses. Durante este período, a boiada demorava em torno de

dez a quinze dias no povoado para atravessar, então, os vaqueiros se abasteciam de

gêneros alimentícios no comércio local, além de comprarem produtos dos moradores

[...].

A travessia de bovinos no rio Tocantins, portanto, foi um fator preponderante para

o crescimento do povoado no início do século XX. Sendo que a mesma era realizada de uma

forma bem primitiva por uma equipe de atravessadores, formada por nadadores e canoeiros.

Para tal atividade utilizavam barcos a remos, como canoas, botes, reboques e balsas.

O rio Tocantins também era aproveitado na agricultura de vazante. Nos períodos

de estiagem, suas margens ficavam cobertas por uma espécie de húmus, o que tornava as

terras férteis propicia para o plantio de alguns vegetais, como feijão, abóbora e melancia.

Além da plantação, o rio fornecia uma diversidade de peixes para os ribeirinhos, o

que tornava a pesca uma atividade constante no povoado. Lembrando que a mesma era apenas

de subsistência, para o consumo diário da pequena população, não tendo um caráter

comercial.

Como observamos, o inicio do povoado de Estreito está diretamente ligado a esse

importante rio brasileiro que, além de fornecer os alimentos necessários à sobrevivência dos

ribeirinhos, era uma alternativa para conter o isolamento e intensificar os contatos comerciais.

A navegação dos rios que cortam o norte do estado (hoje Tocantins) pode até não ter

alcançado um resultado significativo em termos econômicos..., mas representou, por

um longo período, um meio de vida para as populações ribeirinhas, sendo

fundamental ao abastecimento de bens necessários à região como sal, ferramentas,

pólvora, utensílios domésticos, tecidos etc. e ao transporte dos excedentes que

consistiam principalmente de couros de gado, meios de sola, peles de animais

silvestres, fumo, algodão, cachaça, tapioca, rapadura etc. (OLIVEIRA apud SILVA;VINHAL, 2008, p.18)

Por conta do seu crescimento populacional e comercial, o povoado de Estreito foi

elevado à categoria de vila em 1948, através da Lei 269 de 31 de dezembro, com o nome de

vila Paranaidji, como citamos anteriormente. Passando a mesma a ser subordinada ao

município de Carolina (MA), uma cidade grande e desenvolvida.

E foi nessa vila do sertão maranhense, numa região isolada, esquecida pela

política regional, que o presidente Juscelino Kubitschek construiu mais uma das suas obras de

arte: a ponte sobre o rio Tocantins.

Page 32: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

31

2.2. A Construção da ponte: A glória da engenharia nacional

A ponte que liga o Maranhão ao antigo estado do Goiás, no trecho 010, foi um

grande desafio para a Comissão Executiva da Rodovia Belém- Brasília, pois a mesma deveria

ser feita e entregue a população até o fim do mandado do presidente JK, em janeiro de 1961.

Fato considerado impossível, pois a ponte seria construída em um lugar

totalmente inexplorado, desprovido de recursos, sendo Belém, que ficava no meio da selva

amazônica, o único centro econômico mais próximo. O isolamento da região, portanto,

apresentou imensas dificuldades para a construção da obra.

O abastecimento da obra seria muito difícil e todos os materiais deveriam vir do Rio de Janeiro, São Paulo, Goiânia e Recife. Todos os meios de transportes deveriam ser

utilizados ainda que onerosos. Em certos casos até o transporte aéreo poderia ser

mais vantajoso (VASCONCELOS apud SANCHES, 2003, p. 204).

Assim, para tornar a construção viável, foi necessária a implantação de uma pista

de pouso na vila Paranaidji, pois a mesma não tinha estrutura para abrigar os aviões de grande

porte que seriam enviados com materiais de vários estados para o abastecimento da obra.

Alem de transportes aéreos, utilizaram barcos e balsas.

A construção começou em 1958, e logo no seu início apresentou problemas. A

firma contratada alegou que não poderia entregar a obra a tempo, devido à complexidade do

empreendimento, o próprio presidente Juscelino Kubitschek interferiu na tentativa de

encontrar uma solução.

Iniciando a construção da ponte eis que o arco previsto ainda se achava na fase de

anteprojeto nos escritórios da firma E.BAUMAGART com sede no Rio de Janeiro,

verificou-se que a firma apresentava dificuldades na construção da ponte, a qual

pediu, mas 14 meses de prazo para a execução da obra, a contar de 1960. Mas a

Comissão Executiva da Rodovia Belém-Brasília (RODOBRÀS), que tinha

contratado a construtora, não podia mais esperar tanto tempo, devido ao prazo

combinado para a entrega da obra, isto é, até o fim do mandado do então presidente

Juscelino Kubitschek. Desse modo, o próprio presidente decidiu autorizar um reexame do problema, contratando outra firma de nome Sérgio Marques de Sousa

S.A Engenharia e Comércio. (REIS; OLIVEIRA, 2006, p. 21).

A nova firma escolhida deu andamento à obra, o engenheiro Sérgio Marques de

Sousa logo achou uma solução para abolir o arco previsto no projeto da antiga prestadora:

uma viga12 reta de 140m, com dois vão13 laterais de 53m cada. A ponte seria construída em

12Elemento estrutural de madeira, ferro ou concreto armado responsável pela sustentação de lajes. A viga transfere o peso das lajes e dos demais elementos (paredes, portas etc.) para as colunas (DICIONÁRIO DE

AQUITETURA, disponível em http://www.pinhalarquitetura.com.br/) 13Distância entre os pontos de apoio de uma cobertura (DICIONÁRIO DE AQUITETURA, disponível em http://www.pinhalarquitetura.com.br/).

Page 33: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

32

concreto armado14, que, “[...] juntamente com o aço e o vidro, constitui o repertório dos

chamados ‘novos materiais’ da arquitetura moderna”. (SANTOS, 2008, disponível em

http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/FAEC-84KQ4X).

Símbolo de progresso e desenvolvimento no início do século XX, o concreto

armado começou a ser utilizado no Brasil, de uma forma mais intensa, a partir de 1930, tendo

os arquitetos Lúcio Costa, Afonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Rino Levi, e Oscar Niemeyer,

seus principais propagadores.

Oscar Niemeyer, percebendo a flexibilidade do concreto armado, que pode

adquirir vários formatos, foi o primeiro a utilizá-lo em forma de curvas, cuja criatividade pode

ser vista na construção de Brasília (1960), a capital federal, na Igreja São Francisco de Assis

(1946), em Belo Horizonte e no Edifício Copan (1966), em São Paulo.

O concreto armado, portanto, viabilizou a construção de imensos prédios, pontes e

Igrejas, criando verdadeiras obras de arte, contribuindo para a formação de uma arquitetura

moderna, que transformou espaço urbano brasileiro a partir do século XX.

A ponte Juscelino Kubitschek, além de ser construída com esse elemento

modernizador, inovou com relação ao seu formato arquitetônico. O vão livre de 140 metros da

ponte foi o maior já construído na época, como mostra Flanklin (2008, p. 119):

A grande obra de arte era a ponte sobre o rio Tocantins, em Estreito, que deveria ter o maior vão livre central em viga de concreto dentre todas as já construídas no

mundo; um largo de 140 metros entre cada pilastra. Era também a primeira em que,

em território brasileiro, se dispensava totalmente o uso do escoramento

convencional. Seria a “glória da engenharia nacional”.

Por conta desse elemento arquitetônico a ponte Juscelino Kubitschek quebrou

recorde na engelharia mundial.

Em 1960, o Brasil construiu em plena selva uma ponte que tirou o recorde mundial

de vão em viga reta protendida da ponte dos Nibelungos sobre o (rio) Reno. Esta

ponte era o orgulho dos alemães que publicaram artigos em diversas revistas no

mundo inteiro enaltecendo o recorde de 1952: o maior vão do mundo em viga reta

de concreto, com 114 metros. Até 1960 nenhuma outra ponte do mundo conseguiu

igualar o feito dos alemães. Foi o Brasil que tirou a glória dos alemães, construindo

uma ponte de 140 metros de vão em um local não civilizado, de difícil acesso,

desconhecido do resto do mundo. E o fato continuou desconhecido até que o feito

foi exposto no 2° Simpósio Pan-Americano de Estrutura em 1964, em Lima.

(VASCONCELOS apud SANCHES, 2003, p. 204).

14 O concreto armado é um processo construtivo inventado na Europa em meados do século XIX. Ele consiste na

combinação do concreto – uma pasta feita de agregados miúdos e graúdos, cimento, areia e água, conhecida

desde a Antiguidade – com uma armadura de aço. A novidade está justamente na reunião da propriedade de

resistência à tração do aço com a resistência à compressão do concreto. (SANTOS, 2008, disponível em

http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/FAEC-84KQ4X).

Page 34: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

33

Como podemos perceber através da citação, a ponte surpreendeu não só por conta

dos seus 140 metros de vão livre que desbancou os alemães, mas por ter sido construída em

um local desconhecido, distante dos grandes centros urbanos. Sua construção foi uma guerra

do homem contra a mata impiedosa, região que desafiou os brasileiros durante muitos anos.

A construção da ponte representou “o coroamento de uma das mais admiráveis

batalhas travadas pelos técnicos e trabalhadores brasileiros com o propósito de assegurar a

ligação Norte – Sul através da selva desconhecida e só agora definitivamente vencida”.

(JORNAL DIARIO DA MANHÃ, 21 de janeiro de 1961).

Figura 06 - A ponte Juscelino Kubitschek (antes e depois). Suas colunas mostram a grandiosidade que foi a obra na época

Fonte – Sanches (2003, p.204).

Com esse grande feito empreendido pelo presidente JK, o atraso e o isolamento

chega ao fim na pequena vila Paranaidji, bem como no norte do estado Goiás. Maranhão e

Goiás foram ligados, trazendo grandes benefícios econômicos para o Brasil e contribuindo

para tão sonhada integração nacional.

Essa epopéia na selva fez do homem brasileiro um herói do pioneirismo nacional,

um desbravador que enfrentou todos os perigos da floresta para o engrandecimento do país.

Para os jornais maranhenses da época, a presença do homem no rio Tocantins é marcada pelo

heroísmo e coragem, e pela idéia de trabalho e progresso.

Pelo rio Tocantins passaram muitos desbravadores em missão pioneira, deixando

aqui e ali um marco de heroísmo e coragem e também um pouco da alma da pátria.

A penetração do homem brasileiro nesse rio, que liga os sertões de dois Estados, é

assinalada pela presença do trabalho e da ideia de progresso. À medida que região

cresce os seus problemas vão encontrando soluções. (JORNAL PEQUENO, 1961).

Page 35: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

34

Desenvolvimento que iria ser atingindo à custa da devastação da floresta

amazônica e de diversas tribos indígenas, pois nessa época não havia nenhum tipo de

consciência ecológica. Em nome do “progresso”, a selva brasileira daria lugar às estradas que,

segundo Juscelino Kubitschek, “desencantaria” Amazônia de sua prisão, retirando da pré-

história tão grande, tão obscura e tão importante zona de nossa Pátria”. (KUBISTCHEK,

1959, disponível em: http://www.brasiliapoetica.blog.br/site/). O presidente JK, em seu livro

de memórias, descreveu com muito orgulho a inauguração no processo de destruição da

floresta amazônica, que teve a sua participação.

Sentia-me orgulhoso da tarefa que me fora reservado. Dera ordem pra derrubar a

primeira árvore, e eu próprio iria fazer tombar a última (...). Sentado no trator,

aguardei que o tronco se imobilizasse. Em seguida, engrenei os lagartos e avancei

com determinação. O jatobá oscilou ainda, mas desta vez de forma diferente. Era

cambaleio que prenunciava a morte. (KUBITSCHEK, 1959).

E foi nesse contexto de destruição que a ponte Juscelino Kubitschek na vila

Paranaidji foi construída, que além de medidas históricas, surpreendeu pela quantidade de

material utilizado.

Para a construção da ponte, que possui 532, 70 m, vão central de 140 m, vão

laterais (dois) 53 m cada, largura total de 10 m, pista de rolamento 8,20 e dois passeios

laterais de 90 cm, foram utilizados 55.000 sacos de cimento, 4.500 m³ de areia, 5.800 m³ de

brita, 20.000 m² de tábuas, 450.000 kg de ferro CA-37, 147.000 kg de aço duro de 7 mm e

1.120 canos de ancoragem para tons (FLANKLIN, 2008, p. 119).

No dia 29 de janeiro de 1961, faltando 02 dias para o final do mandato do

presidente JK, a grandiosa ponte de Estreito foi inaugurada, sendo a última inauguração do

seu governo. Para Pereira (1997, p. 109), “foi a maior festa já acontecida em toda região

tocantina”, e teve participação de um convidado ilustre, o presidente do Brasil.

A inauguração da ponte movimentou a vida pacata dos moradores da vila, sendo

que a importância dessa construção não se mede apenas por sua expressão quilométrica, mas

pelas modificações que causará nas relações sociais da comunidade, criando novas maneiras

de pensar, agir, sentir e de se relacionar com o mundo. Sendo assim, a ponte não mudará

apenas o espaço geográfico escolhido, mas a sociedade que está a sua volta.

Isso acontece porque na rodovia passam pessoas que interagem com outras

pessoas e lugares. A vida pulsa ao redor dela, pois todo seu entorno e área de abrangência

passa a sofrer interferência da obra. Tudo está interligado, interagindo, vivo. A estrada,

portanto, passa a ser um corredor de vida pulsante (CURVO; SILVA; VIEIRA, 2009, p. 01).

Page 36: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

35

Diante do exposto, no próximo capítulo trabalharemos a relação da população da

vila Paranaidji com a ponte Juscelino Kubitschek. A idéia é tentar entender, através da

memória e da oralidade, o significado econômico e social dessa obra para os moradores, bem

como as transformações que a mesma causou na antiga vila e na vida cotidiana da população,

e como essas transformações criaram condicionantes para a posterior emancipação da mesma

no ano de 1982.

3. PASSAGEM PARA O MODERNO: a inauguração da Ponte JK e o seu significado

para os moradores da Vila Paranaidji

Analisando os depoimentos colhidos, verificamos que a maioria dos

entrevistados15 recebeu a notícia da construção da ponte Juscelino Kubitschek com surpresa,

eles não acreditavam que a obra pudesse ser realizada. Um dos motivos de tal descrédito era

por conta das barreiras provenientes da situação geográfica do local, a transposição do rio

Tocantins parecia algo impossível para os moradores da vila, como relatou a aposentada

Maria de Lourdes Marinho, de 72 anos, que na época trabalhava com olaria: “O povo achou

coisa demais, nunca pensaram que se pudesse fazer uma ponte atravessando o Tocantins, eles

não acreditavam” 16.

A dúvida em relação à construção somava-se também ao fato do local ser isolado

e distante da capital do estado, e também por não haver estradas e nem estrutura para abrigar

uma obra tão importante do governo federal. Sobre o isolamento da vila, o primeiro prefeito

de Estreito, Valmir Siebra Vilar, conhecido como “Ceará”, de 76 anos, comentou:

“Antes Estreito era pouco movimentado, parecia uma fazenda (...). Estreito,

Carolina, Tocantins era terra de doido, não tinha estrada de rodagem pra lugar

nenhum, era tudo pelo rio, motor grande, piqueno, canoa no remo” 17.

Segundo os dados do IBGE do ano de 1955, a população da vila era de 1.736

habitantes, dividido em uma área de 3.790, sendo que população vivia quase toda na zona

rural, em média 90% morava em localidades adjacentes, em fazendas distantes (MELLO,

2010, p. 6). Na parte central da vila, apesar de o local ser passagem de várias comerciantes e

boiadeiros, isso em determinado meses do ano, poucos fixavam residência.

A vila era tão pequena que se matava um boi e não tinha ninguém para comprar,

como relatou a dona de casa Jaci dos Santos, de 70 anos.

15Todas as entrevistas foram transcritas e estão nos apêndices do trabalho 16Entrevista gravada no dia 23/01/2011 17Entrevista gravada no dia 08/01/2011

Page 37: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

36

Estreito era tão pequeno que quando matava um gado o vendedor ia pra beira do rio

e soprava um búzio pra poder o povo da ilha, povo que morava na ilha, ir comprar

carne, pra saber que naquele dia tinha carne. Matava um gado e não tinha ninguém

pra comprar, por isso tinha que soprar um búzio para vim mais gente.18

A notícia da construção era comentado em Carolina (MA) 19, que nesse período

dominava politicamente a vila Paranaidji. Era com essa cidade que os moradores mantinha

suas relações comerciais, já que lá era o principal centro distribuidor de produtos vindos de

Belém, “a capital de todo o médio e alto Tocantins” (FRANKLIN, 2008, p. 101).

Belém e Marabá, nesse tempo, ocupavam a posição que hoje ocupa Rio Janeiro e

São Paulo. Quando se queria prosseguir nos estudos, era pra lá que os estudantes do sul do

Maranhão e Norte do Goiás seguiam. De lá “vinham todos os produtos industrializados,

tecidos, ferragens e até material de construção. Para lá iam, também os estudantes que podiam

prosseguir estudos em níveis mais elevados” (FLANKLIN, 2008, p.101).

O Pará, portanto, era a “terra da promissão”, da prosperidade, local onde os

sonhos poderiam ser realizados. E a cidade de Carolina não só aproximava os produtos desse

estado com os municípios da região tocantina, mas também trazia as notícias que ocorria nas

principais cidades brasileiras, já que nessa época inexistiam meios de comunicação.

As informações eram trazidas pelo Correio Aéreo Militar (CAM)20 pela rota

Belém-Brasília, a qual Carolina fazia parte. Esse serviço

Atendiam encomendas de coisas pequenas, como remédios e livros. Traziam eles

jornais das capitais [...]. Também as revistas em circulação no país vinham até aqui, como a bem impressa e versátil vida doméstica. Tudo isso, além do essencial: a mala

do correio e as encomendas enviadas (BARROS apud FRANKLIN, 2008, p. 86).

Foi através de Carolina que os moradores da vila ficaram sabendo sobre a

construção da ponte. “O povo de Carolina que era mais evoluído é que trazia a notícia. O

comerciante que ia pra lá comprar tecido, querosene, trazia a notícia. O povo rico de Carolina

tinha mais contato com outras cidades” 21, comentou dona Izailda Rodrigues Silveira,

aposentada de 70 anos.

18Entrevista gravada no dia12/06/2011 19 Desde 1935 teve início a avião comercial em Carolina. Nesse período Carolina, agregou todo o movimento de

transporte e comércio do médio Tocantins e sul do Maranhão, numa crescente demanda área de passageiros e

cargas, chegando a ter regularmente seis linhas em operação em seu aeroporto. (FRANKLIN, 2008, p. 85) 20 O Correio Aéreo Militar (CAM) serviço postal militar brasileiro iniciado em 1931, tem por objetivo integrar

as diversas regiões do país e permitir a ação governamental em comunidades de difícil acesso, possuindo

relevante papel social. É de competência exclusiva do governo federal e mantido pela Força Aérea Brasileira

através do COMGAR (Comando-Geral de Operações Aéreas), disponível em

http://www.fab.mil.br/acessoainformacao/index.php/faq?showall=&start=1. 21 Entrevista gravada no dia 15/06/2011

Page 38: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

37

Apesar das correntes informações, os moradores não davam muita confiança para

o assunto, pensavam que eram apenas boatos criados por mercadores e comerciantes. Só

foram acreditar quando começou a movimentação na vila de máquinas e pessoas, como

relatou seu Gessione Fronte Franco, funcionário público de 66 anos.

A ponte chegou no imprevisto, chegou de uma hora pra outra, não tinha meios de

comunicação. Só se soube da rodovia dois dias antes de chegar um trator em

Estreito. Ninguém acreditava que a ponte seria feita, foi tudo muito rápido, era um

sonho. Fazer uma ponte, estrada, como é que se faz isso?22

Analisando o depoimento do seu Gessione, percebemos o espanto da população

mediante a confirmação da construção e a curiosidade de saber como tamanha obra seria feita.

Era algo inacreditável, “um sonho” que estava sendo realizado. Acostumados com barcos e

motores para se locomoverem, agora ter-se-ia uma ponte, uma estrada. Só não sabiam como

seria construída, como passaria pelo rio.

Por conta disso, a chegada dos trabalhadores e dos veículos motorizados em 1958,

trouxe uma grande movimentação para a vila. Eram engenheiros, máquinas, trabalhadores de

diferentes lugares, aviões de pequeno e grande porte que traziam materiais de construção.

Enfim, “a cidade ficou movimentada, tinha muita gente, e ela era tão pequenininha” 23, relatou

dona Genésia Vieira de Jesus Góis costureira de 78 anos.

Os olhos da população assistiam atentamente as etapas da construção da ponte.

Habituados com as casas de adobe cobertas de palhas ficavam admirados com as colunas de

concreto armado que eram fincadas no solo. A novidade atraia visitantes de vários lugares,

todos queriam vê a moderna arquitetura do governo JK em terra maranhense.

O porto franquino Waldemar Gomes Pereira (1997) olhou a ponte ainda

inacabada, para ele, “era um milagre da arquitetura nacional que tinha se implantado no nosso

meio” (PEREIRA, 1997, p.109). A admiração da população mediante a arquitetura

diferenciada da ponte pode ser comparada com a dos moradores de São Luís nos anos 60,

quando foi construído primeiro prédio com apartamentos residenciais na avenida Oswaldo

Cruz: o edifício Caiçara.

Carvalho (1998 apud BARROS, 2001, p. 37), o primeiro síndico do Caiçara,

dizia:

[...] que tinha Alegria de ver o povo parar em baixo, parar na Rua Grande para olhar

o prédio admirado! Ninguém sabe a idéia de cada um, mas muita gente parava para

ver o prédio. Nós temos um conjunto residencial e lá nós víamos que o povo descia,

o povo vinha da periferia da cidade pra ver o prédio, pra ver a construção. O prédio

22 Entrevista gravada no dia 11/06/2011 23Entrevista gravada no dia 22/01/2011

Page 39: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

38

subindo, dez andares, foi um fenômeno na época, o primeiro prédio feito aqui (este

tipo de construção, não resta menor dúvida).

A população da vila estava se sentindo privilegiada por receber uma obra

essencial para a tão sonhada integração nacional, apesar de muitos nem entenderem o seu

significado. “Pra o povo a cidade estava de parabéns por ser escolhida pra ser feita a ponte.

Todo mundo queria a ponte, Tocantinópolis, Carolina, e ela foi feita no Estreito”, relatou

orgulhosamente a aposentada dona Maria de Lourdes Marinho24, já citada anteriormente.

Nas primeiras páginas do Livro do Tombo da Igreja Católica local, também

percebemos esse entusiasmo.

Estreito há vários anos era ponto de desobriga da Paróquia de Carolina afastada da

sede e pouco desenvolvida, mesmo assim, a partir de 1958, com o projeto da

construção da Rodovia Belém-Brasília, foi escolhida como ponto estratégico para a

realização da referida rodovia. Ainda, neste mesmo local, sobre o rio Tocantins,

ligando o Estado do Maranhão ao Estado Goiás, foi construída a gigantesca ponte, Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, obra prima da construtora Sérgio Marques de

Sousa25.

O privilégio foi maior quando os moradores souberam que na inauguração da

ponte a vila iria receber autoridades de várias localidades do país, e principalmente o

presidente Juscelino Kubitschek. Os preparativos para a festa deixavam a população agitada,

nunca tinham visto tanta movimentação de pessoas, jornalistas, estações de rádio, muitos nem

sequer conhecia o aparelho, embarcações e aviões.

Segundo seu José Rocha Reis, aposentado de 90 anos, antigo atravessador de gado

e um dos moradores mais antigos da cidade, os anúncios da vinda do presidente deixava a

população ansiosa. “Na inauguração veio gente do país inteiro. Tinha muita gente. Tinha

estação de rádio instalada na beira do rio que ficavam anunciando a chegada do presidente

deixando o povo tudo ansioso” 26.

Marinho (apud FRANKLIN, 2008, p. 126), que presenciou o evento, narra os

preparativos da festa para receber o presidente JK.

As máquinas trabalharam incessantemente para terminar a obra da pista de pouso,

que ao contrário de todas as outras da região seria toda pavimentada. Todos os dias

chegavam homens de Brasília, encarregados da preparação da cerimônia, outros para

prepararem o grande banquete que seria servido após a solenidade de inauguração da

obra. Gigantescos barracões de madeira foram construídos às pressas. Embarcações

subiam e desciam o rio, trazendo material de construção para o acabamento da

ponte. Outros barcos, subiam carregados de produtos importados como Whiskey

Cavalo Branco e outras preciosidades como o Vermouth Gancia, Cerveja Brahma

Boquiale em sacas com 60 garrafas, queijos especiais, comida em conserva e grande novidade para nós, crianças de Porto Franco: a famosa garrafa preta com letras

24Entrevista gravada no dia 23/01/2011 25Pesquisa realizada no Livro do Tombo da Igreja São Sebastião na cidade de Estreito no dia 07/01/2012. 26Entrevista gravada no dia 15/01/2011

Page 40: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

39

brancas do refrigerante Coca-cola. Tudo para serem servidos a população durante as

festividades

Nesta citação, percebemos que, além de matérias de construções para a finalização

da ponte, as embarcações trouxeram produtos que eram desconhecidos da população

sertaneja, como “Whiskey”, “Vermouth Gancia”, “cerveja Brahma” e o refrigerante “Coca-

cola”. Seu Raimundo Tavares da Silva, pescador de 70 anos, comentou que nunca tinha

tomado cerveja, e o fez pela primeira vez na festa da inauguração da ponte. “Os bares

vendiam mais era cachaça. Nunca tinha tomado cerveja, além de tudo, gelada.” 27

Mesmo com as novidades, o que a população queria mesmo era olhar o

presidente. Como podemos ver na fala do seu Gessione Fronte Franco.

[...] na inauguração da ponte veio gente de Carolina, Porto Franco, Filadélfia,

Tocantinópolis, Grajaú, tantos políticos como a população. Primeiro porque vieram

conhecer o presidente Juscelino e depois essa grande obra” 28.

JK era visto pelo sertanejo como um homem corajoso, um desbravador que estava

libertando a população norte e nordeste do Brasil do atraso e do esquecimento político. Por

conta dessa admiração, o senhor José Rocha Reis, citado anteriormente, queria que o nome da

atual avenida do comércio de Estreito, que se chama Tancredo Neves, fosse chamada de

Avenida Juscelino Kubitschek, e mostra-se revoltado pela falta de uma estátua do que para ele

foi o melhor presidente do Brasil.

O nome de Tancredo Neves na avenida do comércio é uma idéia sem rumo.

Tancredo Neves foi um grande homem, mas nunca veio no Estreito, ele nunca pisou

aqui. Cabia era o nome de Juscelino Kubitschek naquela avenida, deveria ter era

uma estátua bem no meio da praça29

Neste depoimento, percebemos o desejo de seu José Rocha Reis de eternizar a

imagem de JK através do nome na avenida e da construção de um monumento30 no meio da

praça. Ele não queria que o povo esquecesse os benefícios do homem que marcou a era do

desenvolvimento em Estreito, por isso teria que se fazer algo para que JK fosse lembrado

constantemente.

Para ele, o esquecimento desse grande político seria uma ofensa, uma vergonha, e

não parte da memória, pois como diz Brayner e Magalhães (2001), “a memória constitui-se de

lembranças e esquecimentos” (BRAYNER; MAGALHÃES, 2001, p. 187).

27Entrevista gravada no dia 23/06/2011 28Entrevista gravada no dia 11/06/2011 29Entrevista gravada no dia 15/01/2011 30Segundo Le Goff (2003), monumento “é tudo aquilo que pode evocar, perpetuar recordações” (LE GOFF, 2003, p. 525)

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40

Mesmo sem estátua ou nome de avenida, seu José não esqueceu o dia em que o

presidente chegou à vila para a inauguração da ponte. “Quando ele chegou cada um queria

bater palmas mais alto do que o outro” 31, comentou. Waldemar Pereira (1997), porto-

franquino que presenciou o evento, contou detalhes da cerimônia de inauguração que

emocionou a população de Estreito e todos os visitantes presentes.

O cerimonial de inauguração se desenrolou a partir do entardecer. Um gigantesco

palanque armado nas imediações da ponte acolheu as mais altas autoridades do país e ali estavam, também, os nossos representantes. Dicursos se sucederam e as salvas

e tiros e os fogos de artifícios iluminavam o céu tocantino [...] (PEREIRA, 1997, p.

109)

Nas pesquisas que realizamos, não conseguimos descobri os políticos

maranhenses que estavam presentes e discursaram nessa solenidade, como enfatizou o autor

na citação. No jornal Diário da Manhã do dia 24 de janeiro de 1961, achamos o nome de

apenas uma pessoa que estava na comitiva do presidente Juscelino no dia da inauguração,

qual seja Dr. Waldir Bouhid, superintendente da SPVEA e diretor da Rodobrás.

Dos entrevistados, a maioria nem sabia quem era o governador do Maranhão na

época, no caso Matos Carvalho. O único que falou com certeza sobre a vinda do líder do

estado foi o seu Gessione Fronte Franco. “O governador do Maranhão veio e discursou” 32,

mas não soube detalhar com clareza o acontecimento, pois no período ele tinha somente doze

anos.

Era como se a presença do presidente tivesse ofuscado a participação dos outros

políticos no evento. A população só tinha olhos para JK, e sentiram-se emocionados com o

discurso de despedida dele, que estava prestes a deixar o governo.

[...] JK finalmente falou ao povo: “Brasileiros do norte e do sul! Gente simples deste

sertão tocantino!...” E num improviso maravilhoso, descreveu a obra, as epopéias da

construção da rodovia e, finalmente: “Dentro de quarenta e oito horas já não serei

mais o vosso presidente... (enxugando as lágrimas com um lenço branco)... Todos os

brasileiros ficaram no meu coração!...”. Os aplausos romperam fortes, mas aquela

ovação foi acompanhada de lágrimas, choro popular e lenços brancos acenando [...].

(PEREIRA, 1997, p. 109).

Seu Ernane dos Santos Barbosa, aposentado de 75 anos, que ficou conhecido

como “Né da Farmácia”, pelo fato de ter sido o primeiro a colocar esse estabelecimento na

vila, relatou a primeira impressão da população quando JK chegou ao local, e a forma como o

mesmo a acolheu.

31Entrevista gravada no dia 15/01/2011 32Entrevista gravada no dia 11/06/2011

Page 42: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

41

O povo ficava tudo otimista, o pessoal gostava dele, ele era um destimido, não tinha

medo, ele vinha abraçava as pessoas, pegava nas mãos, não era como outros que

ficava com policiamento, tudo cercado. Ele vinha como nós, todo apaizana, ele era

muito bom, todo mundo gostava dele, o povo do interior tudo gostava dele, ele era

um homem trabalhador33

Ao dizer que JK “não era como outros que ficava com policiamento”, seu Ernane

estava fazendo referência ao presidente Castelo Branco, que esteve na vila no ano de 1973

para inaugurar o asfalto da ponte. Juscelino Kubitschek recebeu a população com mais

familiaridade que o presidente Castelo Branco, que veio cercado de policiais, como comentou

seu Sebastião Pereira, motorista de 69 anos, que na época da inauguração trabalhava alugando

pastos.

Na inauguração da ponte foi diferente quando Castelo Branco veio. Com JK ele

ficava no meio do povo, abraçando, pegando na mão de todo mundo. Com o

presidente Castelo Branco, quinze dias antes de vir pra cidade, já tinha polícia por

toda parte e quando desceu do avião, ninguém nem chegava perto, era polícia pra

todo lado34.

O carisma de JK impressionou a população que presenciou esse momento tão

importante na história da pequena vila Paranaidji. A despedida do presidente do local foi

marcada pela volta simbólica que o mesmo fez de jipe na ponte, dando assim mais um salto

para a tão almejada integração nacional.

Depois o presidente JK tomou um “jeep” e se dirigiu à obra para cortar a fita

simbólica, atravessando triunfalmente o rio Tocantins. Estava inaugurada a ponte de

Estreito. Daquele momento em diante, Goiás e Maranhão estavam ligados. A ponte

era o grande elo de união, responsável principalmente pela sonhada e agora

conquistada “integração nacional”. (PEREIRA, 1997, p.109).

A notícia da inauguração da ponte foi registrada em poucos jornais maranhenses.

No decorrer das nossas pesquisas encontramos apenas dois periódicos que publicaram um

texto simples sobre o acontecimento.

Um deles é o Diário da Manhã do dia 24 de janeiro de 1961 (Fig. n° 07). Nesse

jornal o autor destacou o dia da inauguração da ponte, que teria a presença ilustre do

presidente JK e de Waldir Bouhid, o qual citamos anteriormente. Aqui, a ponte é

engrandecida, sendo representada “como uma das maiores obras de arte do governo de JK,

pois media 140 de vão”.

33Entrevista gravada no dia 12/06/2011 34Entrevista gravada no dia 17/06/2011

Page 43: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

42

Figura 07 - Notícia sobre inauguração da ponte Estreito

Fonte - Arquivo Público do Estado do Maranhão.

Além disso, o autor enfatizou que as homenagens ao Presidente da República

“seriam tributadas na cidade maranhense de Imperatriz”. (JORNAL DIÁRIO DA MANHÃ,

24 de janeiro 1961).

Podemos ver essa homenagem na fotografia abaixo (Fig. n°.08), retirada do site

do Museu Virtual de Imperatriz (MA). Nela, o presidente aparece acompanhado pelo ex

prefeito desta cidade, Gumercindo Milhomem no dia 25 de janeiro de 1961, sendo

homenageado pelos presentes. No dia 29 do corrente ano, JK irá para Estreito inaugurar a

última obra do seu governo.

Figura 08 – Juscelino recebendo homenagem em Imperatriz (MA) Museu Virtual de Imperatriz.

Fonte - http://imperatrizimagens.blogspot.com.br/p/registros-historicos.html

Page 44: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

43

No jornal Pequeno de 29 de janeiro de 1961 (Fig. n°.09), apesar do texto sobre a

ponte aparentar ser longo, é destinado apenas um parágrafo sobre o assunto, sendo os outros

citados as epopéias da construção da rodovia Belém-Brasília.

Figura 09 - Fotografia do Jornal Pequeno noticiando a inauguração da ponte ligando os dois estados Maranhão e

Goiás.

Fonte - Arquivo Público do Estado do Maranhão.

Nesse jornal a inauguração é representada como a concretização de um velho

sonho português de ligar as duas região, o estado do Maranhão e Goiás. “Já foi inaugurada a

ponte sobre o histórico Tocantins, ligando Goiás ao Maranhão, e unindo ainda trechos da

rodovia Belém-Brasília, tornando realidade o velho sonho, já alimentado pelo capitão Pedro

Teixeira35 (JORNAL PEQUENO, 29 de janeiro de 1961).

Com o objetivo de encontrar outras fontes que descrevesse esse acontecimento,

recorremos a bibliotecas de algumas cidades do sul do Maranhão, no muncípio de Carolina e

Imperatriz, mas não obtemos êxito. As bibiotecas estavam desorganizadas e muitos jornais

antigos e obras raras já nem existem mais, como diz Coelho Neto, “[...] o maranhense destrói

tudo. Seu vandalismo é mais devastador do que o tempo e seus coloboradores”. (COELHO

NETO, 1979, p.09).

Mas mesmo com poucos registros sobre a ponte Juscelino Kubitschek na vila

Paranaidji, sua importância histórica tem que ser analisada, pois proporcionou uma visão de

mundo diferente para os moradores daquela localidade e, consequentemente, mudanças nos

costumes e nos hábitos do cotidiano.

35Militar português que em 1922 foi encarregado de abrir uma estrada que ligasse a capitania do Pará e do Maranhão (JORNAL PEQUENO, 29 de janeiro de 1961).

Page 45: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

44

A partir dessa construção, uma nova divisão simbólica nasceu na mentalidade da

população, o “antes” e o “depois” da ponte. Ela passou a ser um marco, um elemento

modernizador, ou seja, depois dela “o novo” veio a existir.

Isso aconteceu porque a chegada da ponte foi tida como fator de “progresso”,

“desenvolvimento”, palavras chaves da ideologia desenvolvimentista propagada pelo

presidente Juscelino Kubitschek, que foi introjetada no imaginário social não só da população

local, mas de todo país.

Dessa forma, a ponte foi associada pelos moradores da vila a ideia de

modernidade, não só por conta da utilização do concreto armado na construção da obra,

considerado um elemento inovador da arquitetura do século XX, mas na medida em que

serviu de porta de entrada para a formação de um cenário urbano próprio de cidades

desenvolvidas.

Como o termo moderno ou modernidade tem múltiplos significados, e como

nosso objetivo não é fazer uma análise dos conceitos filosóficos e epistemológicos do mesmo,

utilizaremos o que mais se aproximou da discussão proposta. Para isso, escolhemos o

conceito de Valdenira Barros (2001), que define moderno como “[...] um conjunto de

mudanças diretamente relacionadas às exigências do mundo capitalista”. (BARROS, 2001, p.

76).

Seja no contexto urbano, político, social, ou econômico, para os moradores da vila

essas mudanças estavam do outro lado da ponte, sendo ela um elo com o moderno, com o

futuro. Em contato com as regiões mais desenvolvidas, uma nova era iniciou para a população

da antiga vila. Era como se a partir daquele momento Estreito ressurgisse, começasse a

aparecer e principalmente, a fazer parte do Brasil.

Enfim, a ponte representou o fim do isolamento, do obscurantismo, e o marco foi

tão forte que, para a população, tudo que aconteceu antes, não é relevante, não merece ser

contado, como enfatizou seu Raimundo Tavares da Silva. “[...] ninguém nem fala de Estreito

da ponte pra trás, ninguém nem comenta” 36.

36Entrevista gravada no dia 23/06/2011

Page 46: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

45

Figura 10 - Imagem da ponte de Estreito depois de inaugurada em 1961.

Fonte - www.panoramio.com/photo/30673461?tag=FOTOS ANTIGAS DE ESTREITO-MA

3.1 O sentimento de urbanidade: as transformações ocorridas na Vila (1961/1982)

A inauguração da ponte Juscelino Kubitschek trouxe grandes transformações para

a vila Paranaidji, na medida em que possibilitou o transporte de pessoas e melhor escoamento

de mercadorias o que incrementou o comércio local. Provocou mudanças no contexto urbano,

bem como no ritmo de vida da população.

Antes da construção da ponte a população da vila vivia isolada, dependente de

transportes fluviais como botes, batelões, motores e vapores comandados por comerciantes de

Porto Nacional e Carolina que iam para Belém (PA), fazendo escalas em Estreito. Sendo essas

viagens perigosas, já que o espaço muitas vezes era divido entre mercadoria e tripulante como

ressaltam Silva e Vinhal (2008, p.10), quando falam sobre a navegação no rio Tocantins.

A navegação no rio além de precária era perigosa – as embarcações não eram

seguras nem confortáveis, pois normalmente a carga ocupava a maior parte do barco

e aos tripulantes restava se agasalhar onde pudessem encontrar espaço.

Além do perigo, esse tipo de transporte demorava, e muitas vezes nem aparecia.

“Não era toda vez que se podia ir, tinha os dias que os barcos passavam” 37, relatou seu

Gessione Fronte Franco, sobre a dificuldade na época para sair da vila.

Dona Genésia Vieira de Jesus Góis ressaltou ainda sobre como as pessoas faziam

para ser vistas pelas embarcações. “Quando se queria ir para Tocantinópolis ou Carolina, o

37Entrevista gravada no dia 11/06/2011

Page 47: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

46

povo levava um paninho branco pra poder balançar, pra só assim os barcos inxergarem de

longe e encostar” 38.

A situação piorava ainda quando alguém adoecia, sem médico na vila, os

moradores ficavam a mercê da sorte, esperando o motor passar. “Quando se ficava doente, era

um sofrimento, tinha que ir pra beira do rio esperar um transporte para ir pra Tocantinópolis,

pra fazer um tratamento era só lá que tinha médico” 39, ressaltou seu Ernane dos Santos

Barbosa, que uma vez alugou um motor para trazer um médico à vila a fim de realizar o parto

de sua esposa.

O problema do transporte também atrapalhava as crianças que queriam prosseguir

nos estudos. Gozando de apenas uma instituição de ensino primário, a Escola Rui Carvalho

(1954), as famílias que tinham mais dinheiros mandavam seus filhos para estudar fora, mas a

falta de condução não permitiu a continuidade. Como comentou seu José Rocha Reis em

entrevista

Pra estudar quem tinha dinheiro mandava os filhos para Tocantinópolis, Carolina, as escolas de lá era melhor, mas era tudo difícil, porque o motor demorava um dia e

meio a dois dias pra chegar 40.

Como podemos ver os moradores da vila sofriam para se locomover, sair do local.

Problema enfrentado não só pelos sertanejos maranhenses, mas por todo estado, que em pleno

início do século XX, viviam a depender das inconstantes vias fluviais ou senão a sofrer em

costas de animais, em viagens que duravam dias.

Nestas condições, o Maranhão continuava a ser, na frase incisiva de Fran Paxeco,

“um réprobo da viação acelerada, condenando à perpétua galé do transporte em

vapores ronceiros e em burros de cangalhas”. (VIVEIROS, 1992 apud FLANKLIN,

2008, p. 61).

O isolamento do sertão e a dificuldade do transporte podem ser percebidos no

relato de Ignácio Mourão Rangel, economista brasileiro, que descreveu a viagem de seu pai

José Lucas Mourão Rangel de São Luís para Imperatriz em 1921.

A viagem de São Luís a Imperatriz tomou-nos quase um mês, subindo o Rio

Mearim, de gaiola, até Vitória (atual Baixo Mearim), onde, em casa de amigos, ficamos esperando o batelão, onde nos instalaríamos por 18 dias, rebocados pela

lancha a vapor Anapuru, que lá se foi, largando os pedaços pelas coroas de areia,

enquanto nós entregávamos nosso sangue aos carapanãs, piuns, maruins e outros

bichos assim, que, como diziam os barqueiros, revezavam-se de quarto, como

soldados de guarda. Depois em Grajaú, na casa de outros amigos, chegou-nos a vez

38Entrevista gravada no dia 22/01/2011 39Entrevista gravada no dia 12/06/2011 40Entrevista gravada no dia 15/01/2011

Page 48: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

47

da catapora, em todas as crianças e, quando as coisas começaram a melhorar, vieram

sete dias de cavalo até Imperatriz (FRANKLIN, 2008, p.59).

Além de ser um obstáculo para a locomoção de pessoas, a ausência de transportes

foi um dos principais motivos da pobreza do sertão maranhense, mesmo sendo esta região

portadora de grandes riquezas. Como ressaltou Viveiros (1992).

Toda essa região está até certo ponto abandonada e empobrecida por falta de

transporte, tendo, entretanto, condições para enorme riqueza de gados e, segundo se

afirma, em minerais também .(VIVEIROS, 1992 apud FLANKLIN, 2008, p.62).

Portanto, os meios de transportes surgem como fator essencial para o crescimento

de uma região, sendo o assunto pauta de debates políticos ao longo dos anos. Isso acontece

porque:

[...] os meios de transportes favorecem o incentivo e a circulação das produções

agrícolas, o desenvolvimento comercial e industrial, a comunicação e o

relacionamento entre os lugares e pessoas. Portanto, o desenvolvimento econômico e

o bem-estar social de uma comunidade estão estreitamente ligados aos meios de

transportes (NASCIMENTO apud REIS; OLIVEIRA, 2006, p.19).

E foi a partir da abertura da estrada, e conseqüentemente do aperfeiçoamento dos

meios de condução, que a situação da vila Paranaidji começou a mudar. Com o fim do

isolamento e da falta de transporte, resultado da construção da ponte Juscelino Kubitschek, o

local passou por grandes transformações no contexto socioeconômico.

Acostumados com a lentidão característica do interior, logo no início da

construção, a vila ficou agitada, o que proporcionou crescimento e aquecimento comercial,

antes reduzido a produtos de subsistência.

Esse aumento foi por conta dos trabalhadores e engenheiros que vieram para a

construção da obra. Para abrigá-los, casas de telhas e barracões foram levantados. Um

acampamento foi montado ao lado do local onde seria ponte, dinamizando a região que até

então era território de pescadores e lavradores que lidavam com agricultura de vazante.

Para a construção da ponte e da rodovia Belém-Brasília, chegou um grande número

de trabalhadores e firmas empreiteiras. Estreito deu um passo gigante no desenvolvimento econômico e populacional41.

Percebendo a oportunidade econômica, os moradores e pessoas vindas de outras

regiões, montaram estabelecimentos comerciais. Seu Sebastião Pereira cita alguns que

surgiram na época.

41Pesquisa realizada no Livro do Tombo da Igreja São Sebastião na cidade de Estreito no dia07/01/2012.

Page 49: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

48

O senhor João Evangelista tinha um comércio surtido, sapatos e roupas; o do Chico

Brito, era só tecido; Manuel Parrião tinha uma mercearia de secos e molhados; seu

Virgílio Franco tinha um comércio, um dos primeiros que surgiu no local, seu

Gilberto tinha um hotel, que também era restaurante 42.

Antes da inauguração da ponte a maioria desses produtos, alimentos e vestuários,

eram comprados em Carolina, Porto Franco e Tocantinópolis. Muitas vezes fazendeiros que

iam comprar sal em Balsas traziam tecidos para vender na vila.

Além desses pontos comerciais, para distrair os trabalhadores surgiram cabarés,

“Pau Pega” e “Zefa Boa”, e mais tarde boates, “Carmozina” e “Califórnia”, tinha também

bares e botecos que vendiam cigarro e cachaça. “Nesse tempo era bom pra se vender as

coisas, tudo que se colocava vendia, porque era muita gente” 43, comenta dona Izailda

Rodrigues Silveira, sobre “o surto” econômico.

A situação econômica da vila melhorou ainda mais quando a ponte foi

inaugurada. Por ser ponto de passagem do norte e centro-oeste do país, a abertura da rodovia

proporcionou uma movimentação do transporte de cargas e passageiros, o que trouxe

dinamização do comércio local.

Um dos fatores que contribuíram para esse crescimento comercial foi a instalação

de um posto fiscal estadual, implantado após a inauguração da ponte, como enfatizou

Valverde e Dias (1967,p.211).

A situação fronteiriça do Estreito favorece, em certo aspecto, o comércio da cidade,

visto que caminhões são obrigados a se deter por muito tempo nas alfândegas estaduais. Os motoristas e passageiros são assim induzidos a comprar alimentos ou

bebidas.

Por conta dessa demanda surgem ao longo da rodovia, “[...] prestação de serviços

de apoio aos rodoviários como, oficinas mecânicas, borracharias, restaurantes e locais para

hospedagem” (SANCHES, 2003, p. 216). Estabelecimentos incomuns para um local que

anteriormente só existia algumas casas de palha.

O comércio informal também se desenvolveu no período, como ressaltou dona

Sebastiana Salviano Vilar, escrivã de 73 anos, que no período possuía um hotel e um posto de

gasolina.

Em todo lugar na Belém-Brasília que colocava-se um botequinho, seja de comida ou

bebida, enchia de gente. Surgiram vários quiosques de mulheres vendendo comida

42Entrevista gravada no dia 17/06/2011 43Entrevista gravada no dia 07/06/2011

Page 50: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

49

ao redor da estrada. As mulheres vendiam panelada, comida pro povo que ficavam

na rodovia, tinha também meninos que vendiam laranja, banana44.

Além de ser ponto estratégico para o crescimento do comércio devido sua

localização, fazendeiros perceberam a vila como lugar propício para ser centro de mudança de

transporte e encaixotamento do gado.

então, a função de centro de mudança de meio de transporte foi assegurada ao Desde

Estreito. As boiadas que vêm a pé, do sul de Maranhão, e as que vêm de ‘motor’, de

Pôrto Nacional, Miracema do Norte e Carolina, são de lá embarcadas de caminhão, em lotes de 10 e 14 reses (VALVERDE; DIAS, 1967, p. 210)

Seu Sebastião Pereira, explica como era feita essa atividade.

Eu tomava conta de um pasto, quando chegava os gados eles ficavam lá,viam do

sertão, Tocantins e ia pra Belém. Eu encaixotava os gados e recebia dinheiro do

aluguel do pasto e do encaixotamento45.

Abaixo (Fig. nº 11), imagem do embarque de gado na vila Paranaidji após a

inauguração da Ponte Juscelino Kubitschek.

Figura11 - Caminhão improvisado para carregar animais parado próximo ao posto fiscal estadual de Estreito,

Maranhão, no final de 1960, os primeiros anos da rodovia Belém-Brasília

Fonte - www.panoramio.com/photo/30673461?tag=FOTOS ANTIGAS DE ESTREITO-MA

A indústria também deu os primeiros passos nesse período, sendo a de cerâmica a

primeira a ser implantada na região. Iniciada em 1977 por Anésio Milhomem de Arruda, a

cerâmica SOTEL (tijolos e telhas), que foi beneficiada pela ponte, teve sua produção

destinada ao mercado externo, exportando para os estados do Tocantins e Pará (FONSECA;

PACHECO, 1999, p. 45).

44Entrevista gravada no dia 21/01/2011 45Entrevista gravada no dia 17/06/2011

Page 51: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

50

Surgiu também no período analisado, a Caixa Econômica Federal (1973),

primeiro banco a ser instalado na vila, funcionou até 1997. E a empresa Correios do Brasil.

A abertura da ponte Juscelino Kubitschek, não só promoveu uma movimentação

econômica, mas também populacional. Objetivando oportunidades de empreendimento e de

emprego, muitas pessoas vindas do nordeste, norte e sul do país apostaram na vila a procura

de uma vida melhor. Por conta disso, a população aumentou consideravelmente, conforme

quadro abaixo.

Ano População Aumento Percentual

1950 1.530 Habitantes --

1960 7.177 Habitantes 269%

1980 8.687 Habitantes 21%

Fonte: Biblioteca digital IBGE. Disponível em: http://www.biblioteca.ibge.gov.br

Analisando a tabela dos Censos demográficos dos anos 50, 60 e 80, podemos

notar um acentuado aumento populacional entre os anos de 50 e 60 (269%), período este que

coincide com o início da construção da ponte Juscelino Kubitschek.

O incremento demográfico, o aumento dos estabelecimentos comerciais, da

indústria, e outros fatores da vida urbana, trouxeram um novo ritmo de vida para a população

da vila. As ruas se multiplicaram e as construções de tijolos afastaram as de adobe.

Além disso, a presença do cinema, do aparelho de rádio e do automóvel,

elementos que, para os moradores, eram próprios de cidades desenvolvidas, foram aos poucos

incorporados ao cotidiano da população, fazendo-os acreditar no progresso, na melhoria de

vida.

Os filmes Hollywoodianos, que propagavam o moderno jeito americano de ser,

seja no modo de se vestir, na música ou na alimentação, contribuíram para aumentar o desejo

dos moradores de uma vida nova, progressista. Segundo seu Pedro Lúcio, aposentado de 76

anos, o cinema foi instalado na vila em 1961 pelo comerciante Chico Brito e ficou até 1975.

Em 1983 seu Pedro comprou e implantou novamente, encerrando-o posteriormente por causa

da chegada da televisão.

O cinema era uma distração para os moradores do local, assim como para os

trabalhadores que estavam concluindo a ponte. “Além de cabarés e bares os peão se divertia

no cinema. Era do Chico Brito. Era grande e bunito. Era muita gente que ia, namorar. Não

Page 52: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

51

tinha outro lugar pra ir, era a única diversão que tinha aqui”46, comentou seu Raimundo

Tavares da Silva.

Segundo ele, no cinema na época, a maioria dos filmes que passava era de faro

West. “O pessoal gostava de ‘Ringo vem pra matar’, ‘O último dos pistoleiros’. Tinha

também filme de terror” 47. Recorda saudosista seu Raimundo.

As seções do cinema, bem como outras notícias, eram propagadas por Antônio

Paraibano através do seu alto falante, o primeiro meio de comunicação da vila antes tinha

também o serviço de Telegrafo, mas funcionava precariamente. Seu Raimundo, explicou

como funcionava esse alto falante.

O alto falante era colocado de um lado e outro, num porte. Dava as noticias boa, ruim, ou alguma pessoa mandava colocar alguma música, declaração, mensagem pro

namorado. Mas tudo no dinheiro, no comércio. Você chegava lá e falava eu quero

procurar fulano de tal, ai não era num telefone, não tinha celular. Aí ele chamava,

fulano de tal, não sei quem ta te esperando em tal lugar e aí a pessoa ia48.

Como podemos ver, o alto falante era o único meio em que a população ouvia

músicas e as notícias que circulavam em outras localidades, e que chegavam à vila através de

mercadores e comerciantes, além de servir como telefone, transmissor de recados.

Com a abertura da rodovia, a população teve mais acesso ao seu primeiro meio de

comunicação depois do alto falante, o rádio. Fato que proporcionou uma maior velocidade na

transmissão da informação. Pois antes, “se acontecesse a morte de algum político só se sabias

depois de um ano, meses” 49, relatou seu Gessione Fronte Franco.

Dona Jaci dos Santos relatou o espanto quando viu o aparelho até então

desconhecido na casa do seu Virgilio Franco, que, segundo ela foi o primeiro a adquirí-lo.

O primeiro que eu conheci foi na casa do Virgilio, depois o Né comprou um. Eu

fiquei besta, boba, quando vi na casa do velho Xico aquele negócio ali falando,

quando eu olhei pro chão e vi aquele negocinho falando, falei: meu Deus que quer

isso? 50 (risos).

Assim, com a rodovia nasceu um novo padrão de velocidade na vila, não somente

em relação à informação, mas também ao encurtamento das distâncias, advindas da

introdução do transporte rodoviário, carro chefe da política desenvolvimentista de Juscelino

Kubitschek.

46Entrevista gravada no dia 23/ 06/2011 47Entrevista gravada no dia 23/ 06/2011 48Entrevista gravada no dia 23/06/2011 49Entrevista gravada no dia 11/06/2011 50Entrevista gravada no dia 12/06/2011

Page 53: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

52

Apesar de já terem visto um carro, segundo seu José Rocha Reis, o primeiro

caminhão entrou na vila em 1957, a utilização do mesmo passou a ser visto como uma grande

novidade. Isso porque os moradores eram mais acostumados com aviões de grande e pequeno

porte, presentes na cidade de Carolina, que na época possuía um aeroporto movimentado, e

fazia vôos constantes para o norte, centro-norte e sul do Maranhão. “Naquele tempo se fretava

um avião como se fretava um coletivo hoje” 51, ressaltou dona Genésia Vieira de Jesus Góis,

para demonstrar a facilidade de se contratar esse tipo de transporte.

Mas somente em 1960, na Caravana de Integração Nacional que estava vindo de

Belém com destino a Brasília, que os moradores tiveram a oportunidade de conhecer os mais

variados modelos daquilo que na época era o símbolo do mundo moderno. Diversos

automóveis aportaram na vila, aguçando a curiosidade da população. Seu Valmir Siebra Vilar,

contou-nos sobre o evento que deixou os moradores agitados.

A caravana passaram atravessando o rio através de uma balsa. Passaram o dia e uma

noite atravessando de balsa os carros, que eram cerca de 200. O Carlos Lacerda veio

junto nessa caravana, veio os chefões políticos de São Paulo, Belo Horizonte,

jornalistas. Carlos Lacerda criticava Juscelino. Mas o povo recebeu a caravana com

muita festa, bebida, frevor52.

Analisando a citação do seu Valmir, podemos dizer que, durante as nossas

pesquisas, não encontramos nada com relação à presença de Carlos Lacerda na Caravana de

Integração Nacional, que saiu do norte com destino a Brasília. Já a participação do

governador do Maranhão José de Matos Carvalho nessa caravana foi bastante enfatizada nos

jornais maranhenses da época.

No jornal Diário da Manhã do dia 26 de janeiro de 1960, foi relatado que a

Caravana, na qual fazia parte autoridades políticas, civis, militares e eclesiásticas, chegou a

Imperatriz no dia 25 de janeiro de 1960, encontrando-se com o governador José Matos

Carvalho que a aguardava a vários dias na cidade.

Chegou, hoje, em Imperatriz, no estado do Maranhão, a caravana nacionalista que

viaja para Brasília apenas em veículos da Mercedes Bens. Integravam a comitiva o

Dr. Waldir Boud, Superintendente da SPVEA, os cônsules dos Estados Unidos,

Japão, Portugal, diretores de jornais e rádios guajarinos, o presidente do Tribunal de

Justiça, e autoridades políticas, civis, militares e eclesiásticas. A comitiva encontrou-

se na cidade de Imperatriz, com o governador do Maranhão, Dr. José de Matos

Carvalho, que há dias se acha na região, devendo seguir viagem para Brasília, sempre por via terrestre [...].

51Entrevista gravada no dia 22/01/2011 52 Entrevista gravada no dia 08/01/2011

Page 54: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

53

Como viajou no sentido Carolina, Porto Franco, antes de ir a Imperatriz, o

governador fez uma parada em Estreito, onde conversou com funcionários e conheceu o

campo de obras da ponte que ainda estava em construção.

As onze horas, a comitiva à qual se reuniram o engenheiro da Rodobráz e o Sr. Rui

Carvalho, rumou para o Estreito Chegando ao Estreito o governador foi recebido

pelos funcionários da Rodovia, visitando os trabalhos da ponte e o escritório da

Rodobráz [...]. (DIÁRIO DA MANHÃ, 26 de janeiro de 1960).

Abaixo, imagens de dois jornais maranhenses que noticiaram a participação do

governador na Caravana de Integração Nacional.

Figura 12 - Notícia do Jornal DIÁRIO DA MANHÃ dia 13 de janeiro de 1960.

Fonte - Arquivo Público do Estado do Maranhão.

Fig. 13. Notícia do Jornal DIÁRIO DA MANHÃ dia 26 de janeiro de 1960

Fonte - Arquivo Público do Estado do Maranhão.

Como vemos, o governador do Maranhão nesse período foi à vila por duas vezes,

com a comitiva antes de ir para Imperatriz, e depois, quando se encontrou nesta cidade com a

Caravana e prosseguiu com destino a Brasília, cuja passagem para a nova capital Federal se

dava na divisa do Maranhão com o Goiás, ou melhor na vila Paranaidji.

Page 55: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

54

Apesar das duas viagens feitas pelo líder do estado à vila, a população do local

não o percebeu, enfatizando apenas os modelos dos carros e de como eles os surpreenderam.

“Naquele tempo carro era difícil” 53, comentou seu José Rocha Reis, pra justificar o motivo

pelo qual a caravana deixou a população tão alvoroçada.

Quando a ponte foi inaugurada, o transporte rodoviário começou a fazer parte do

cotidiano dos moradores da vila. A noção espaço-tempo foi redimensionada, na medida em

que esse tipo de transporte dinamizou a circulação de pessoas e mercadorias.

Com a celeridade, as viagens que duravam meses, passaram a ser feitas em

poucos dias. Ir a determinado lugar ficou mais fácil, pois diversas empresas de transporte

rodoviário começaram a surgir, sendo a primeira a “Expresso Braga”, como enfatizou Pereira

(1997, p. 110).

Todas as cidades servidas pela importante rodovia tiveram sua ascensão. Belém

ficou mais próxima de nós. Ir a Goiânia ou mesmo Brasília já não era tão difícil,

pois empresas de transporte de passageiros e de cargas pesadas já começaram a

disputar concessões. A primeira concessionária, com ônibus fazendo a linha Belém-

Brasília, foi o “Expresso Braga”, vindo depois outras empresas. Daí o apelido de

“expresso” – nome dado pelo povo para qualquer ônibus que chegasse: “ Vou de

expresso. Cheguei de expresso!”

A utilização do transporte rodoviário também facilitou a disponibilidade de

mercadorias vindas de toda parte do país, ocasionando mudanças no padrão de consumo da

população. Produtos até então incomuns na localidade, passaram a ser comprados pelos

moradores: roupas da moda, cerveja, refrigerante Coca-cola, eletrodomésticos, carros, e todo

tipo de novidade proveniente das regiões que eles consideravam mais desenvolvidas.

Sem falar que essa facilidade na circulação de mercadoria libertou a população da

vila do domínio da cidade de Carolina, centro econômico mais próximo, que revendia

produtos industrializados, às vezes a preços exorbitantes. “Antes, até pra comprar uma camisa

tinha que se ir à Carolina” 54, comentou seu Manoel Leal Parrião, de 73 anos.

Logo que inaugurou a ponte, alguns moradores se esforçavam para comprar um

automóvel, símbolo do poderio e status social da época. Seu Ernane dos Santos Barbosa, que

no período era proprietário da única farmácia do local, e por conta disso ganhava muito

dinheiro, foi o primeiro a comprar essa maravilha do mundo moderno.

Em entrevista, seu “Né”, como é conhecido, relatou como a população do sertão

se comportava diante da novidade.

53Entrevista gravada no dia 16/11/1921 54Entrevista gravava no dia 20/06/2011

Page 56: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

55

Eu fui a primeira pessoa a comprar um jipe aqui num Estreito. Quando chegava com

ele no sertão o povo ficava tudo com medo, parecia um comício, o carro ficava cheio

de gente ao seu redor, ficava em cima do carro, até nos pneus (risos). Comprei ele

em 1964 em Carolina55.

Situação parecida com a que aconteceu em Imperatriz, quando o primeiro

caminhão, apelidado de “Vitorino Freire” começou a circular na cidade.

Esse caminhão era usado nos serviços do município, mas também atendia a população carente no transporte de material para a construção, que antes era

carregado em carroça de boi e animais cavalares; o dono era o povo. A chegada

desse caminhão causou muita alegria à população. Todos queriam vê-lo de perto;

com muita razão, pois era o primeiro carro que rodava em Imperatriz (MOREIRA

apud FRANKLIN, 2008, p. 109).

Abaixo (Fig. nº 14), crianças posando com o jipe do seu Ernane Santos Barbosa

na ponte Juscelino Kubitschek.

Figura 14 -Na época os moradores gostavam de tirar fotos ao lado de elementos considerados moderno.

Fonte - Acervo particular do seu Ernane dos Santos Barbosa.

Assim, com a inauguração da ponte um novo conceito de espaço-tempo foi

concebido na vila Paranaidji. Em vez do rio, a população passa a ser guiada por um fator até

então considerado inovador, a rodovia, e a sofrer as influências desta.

Antes as populações se agrupavam principalmente às margens dos rios, o povoado tinha sua vida ligada ao ritmo das águas, com a travessia de boiadas e a dinâmica

econômica proveniente desta; agora com a rodovia recebe influência direta do

transporte rodoviário (BUENO, 2003, p. 35).

O espaço pacato e sem movimento, passa a dar lugar a um ambiente mais agitado,

com características mais urbanas. O centro comercial é formado próximo da ponte, e toda

movimentação não só econômica, mas também política e social passa a ser associada a ela.

55Entrevista gravada no dia 12/06/2011

Page 57: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

56

Dessa forma, comparando-a com Nevski56 de Marschal Berman (1994), podemos

dizer que ao redor da ponte Juscelino Kubitschek, se concentrou novidades vindas de outras

regiões do Brasil, construindo na mentalidade dos moradores da vila a idéia de pertencer a um

lugar “progressista”.

Por conta disso, por ser vista como pólo irradiador da “modernidade” e do

“progresso”, a ponte virou um ambiente de intensa sociabilidade, ponto de encontro de

pessoas das mais diferentes classes sociais. Seja pra brincar, conversar, namorar, admirar sua

estrutura, ou até mesmo fotografar, quando a sol esfriava e a noite chegava, era lá que a

maioria da população da vila se encontrava. Conforme relatou Dona Izailda Rodrigues

Silveira.

A diversão era passear na ponte de noite. Uns ficavam namorando, outros ficavam

andando pra lá e pra cá, era tão bom (suspira), era a distração da cidade, não tinha

outro lugar pra ir mesmo, pra passear. Lá pudia pegar um vento, sentar no corrimão

e pegar um vento, bater um papo57.

Abaixo (Fig. nº 15), fotografia recente (2008) de crianças brincando próximo à

ponte. No tempo que foi inaugurada pessoas pulavam de cima, e pilotos de aviões pequenos

se divertiam fazendo manobras radicais debaixo dela.

Figura 15 -Meninos tomando banho no rio Tocantins (2008)

Fonte - http://www.hiroshibogea.com.br/?p=3041

Enfim, a ponte Juscelino Kubitshek trouxe um novo ritmo de vida para população

da vila Paranaidji, na medida em que abriu as portas para elementos característicos da vida

urbana de cidades ditas desenvolvida.

56Na analise de Marschal Berman sobre a modernidade subdesenvolvida da Rússia nos fins do século XIX, Nevski é representada como uma rua que abriu no coração de um país subdesenvolvido, uma vista as promessas

deslumbrantes do mundo moderno, sendo ela uma vitrine das maravilhas da nova economia de consumo

(BERMAN, 1994, p. 245) 57Entrevista gravada no dia 15/06/2011

Page 58: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

57

Sendo assim, para os moradores a “ponte foi a salvação do Estreito” 58. Se não

fosse ela, “Estreito não seria nada” 59. Dona Maria de Lourdes Marinho descreveu os

benefícios que o local recebeu depois da inauguração da ponte.

A ponte trouxe muito benefícios para a cidade de Estreito: hotéis, hospital, médico,

posto de saúde, colégio. Depois da ponte as coisas só foram evoluindo, hospital

particular, colégio particular. Se não fosse a ponte como era que se tinha isso, ia-se

fazer alguma coisa em lugar que não tinha nada? Ninguém ia fazer investimento em

um lugar que não tinha futuro60.

Como podemos ver, para dona Maria de Lourdes, tudo aquilo que a cidade possui

até os dias de hoje é resultado da construção da ponte. Por conta disso, a ponte Juscelino

Kubitschek foi, e ainda é considerada pelos moradores do local, como um elemento

modernizador da cidade, capaz de levá-los cada vez mais ao progresso, ao desenvolvimento.

3.2 O plebiscito de 1982: a vitória da Vila

Desde quando se tornou vila subordina ao município de Carolina (MA) em 1948,

que os moradores da vila Paranaidji lutavam para conseguir autonomia. Com a inauguração

da ponte o sonho de libertação ficou mais próximo, pois a mesma proporcionou mudanças

econômicas e sociais que transformaram o contexto urbano local.

Antes de sua libertação em 1982, a vila teve uma primeira emancipação política

através da Lei estadual 1.304 do dia 27 de dezembro de 1954. A nova cidade recebeu o nome

de Presidente Vargas, homenagem ao chefe político que no mesmo ano cometeria suicídio.

Mello (2010, p. 6), narra os primeiros passos da cidade recém emancipada, bem

como o quadro político escolhido para administrá-la.

A cidade presidente Vargas surge com muita animação política e, no dia 3 de

outubro de 1955, os moradores têm a oportunidade de escolher seus representantes

por meio de eleições. O primeiro prefeito eleito foi o senhor Alexandrino Silveira

Milhomem, que tomou posse no dia 5 de fevereiro do ano seguinte. Foram eleitos

nove vereadores, sendo eles: Aarão Jorge, Alda Franco, Alexandre Gomes Silveira,

Almir Aguiar Milhomem, Antônio Valentim, Bento Parreão, Marcelino Moura,

Maria de Jesus Leal e o presidente da Câmara, o senhor Sinésio Abreu.

Mas os políticos de Carolina não queriam perder seu patrimônio e muito menos as

arrecadações da região, foi então que o prefeito de Carolina da época, Frederico Martins de

58Entrevista gravada com seu Gessione Fronte Franco no dia 11/06/2011 59Entrevista gravada com Sebastiana Salviano Vilar no dia 21/01/2011 60Entrevista gravada no dia 23/01/2011

Page 59: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

58

Azevedo, apelou para a procuradoria Geral da República alegando que a formação de

Presidente Vargas era uma atitude inconstitucional e altamente lesiva.

Em ofício enviado para o presidente da Câmara municipal da cidade, o prefeito

Frederico Martins de Azevedo explica porque não sancionou o projeto de Lei n°35 sobre a

criação do novo município.

[...] No uso das atribuições que me confere o artº 45. item II, da Lei nº 17, de

1.11.47, resolvi negar sanção ao citado projeto de Lei nº 35, pelas seguintes razões:

a - A população urbana do distrito de Paranaídji, de acordo com o recenseamento de

1950, é de 73 habitantes; a suburbana: 58 e a rural:1.407, quando a Lei orgânica do municípios (art.3º, item I) e a constituição do Estado (art. 85º. item I), exigem

população mínima de 10 mil habitantes.

b- renda anual, tanto municipal como estadual, é irrisoria, em confronto com o que

determina o item II do citado artigo 85 da constituição estadual.

c- referido distrito não conta com quinhentos eleitores para enviar representação a

Assembleia Legislativa Estadual, solicitando a creação do Municipio (Lei nº 17, de

1º de novembro de 1947, art., 2º).

d- Na sede do citado distrito, existem cerca de vinte casas, sendo apenas três

cobertas de telha, a saber – um prédio da Escola Rural, um pequeno mercado,

construído em minha administração, e a residência do Sr. Virgilio Franco, não

podendo, portanto, abrigar as repartições necessárias a sede de um município (Item

III do art. 3º da Lei Orgânica dos municípios) [...] Para salvaguardar o nosso patrimônio territorial, estou apelando para o Ex. Sr.

Dr. Procurador Geral da República na expectativa que nosso município não sofra tão

rude [...] (ilegível) 61

Como podemos ver, segundo a justificativa do prefeito de Carolina, o distrito

Paranaidji não tinha população suficiente para formação de um município, nem eleitores para

enviar representantes para a Assembléia Legislativa do Estado. Acrescenta ainda, que a renda

era irrisória e sua sede não tinha estrutura para abrigar as repartições públicas necessárias.

Por conta disso, em 10 de janeiro de 1958, através do Acórdão 242, o Supremo

Tribunal Federal decidiu que a Lei que criou o município Presidente Vargas era

inconstitucional. Sendo assim, a precoce cidade volta à posição de outrora, sendo reanexada a

Carolina, conservando o antigo nome Paranaidji, para a tristeza da população.

Devido à distância e a dificuldade de comunicação, desde o início, a

administração da vila foi feita de forma descentralizada pela prefeitura de Carolina, sendo

nomeados funcionários para desempenhar as funções de: “[...] (um) subprefeito; (um)

escriturário; (um) zelador do mercado; (um) zelador de rua; (um) carcereiro; (um) Delegado

[...]” 62.

61Ofício s/nº de janeiro de 1955 enviado pelo prefeito Frederico Martins de Azevedo para o presidente da Câmara municipal de Carolina (MA). 62Funções da subprefeitura de Estreito, conforme Projeto de Lei nº 20/71 aprovado pela Câmara Municipal de Carolina em 30 de novembro de 1971 que dispõe sobre o quadro permanente de servidores da prefeitura

municipal de Carolina.

Page 60: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

59

Para representar o prefeito de Carolina, foi nomeado no Estreito um subprefeito,

cargo de confiança, conquistado em tempos de campanha política, sendo que todos moravam

na região, dentre eles tomamos conhecimento de Manoel Leal Parrião, João Batista de Sousa,

Enésio, Genésio e Sidney Milhomem. A Função de subprefeito era a mais antiga, surgindo

outras de acordo com os interesses dos prefeitos Carolinenses eleitos.

A sede da Subprefeitura de Estreito, chamada de Agência Municipal, foi

improvisada em uma casa alugada. Neste local, o subprefeito nomeado seria encarregado de:

Art. 15 [...] executar ou fazer executar as leis, posturas e atos de acordo com a

instrução do prefeito; de arrecadar os tributos e rendas municipais dentro dos limites

de suas jurisdições; de superintender a construção e conservação de obras públicas,

estradas, caminhos municipais sobre a orientação técnica, contrôle e fiscalisação dos

órgãos centralizados da prefeitura; de executar os serviços públicos distritais e

correlatos e de coordenar as atividades executadas pelo diferentes órgãos da

prefeitura [...]63.

Apesar de muitas atribuições, seu Manoel Leal Parrião, que foi subprefeito em

Estreito no tempo da administração de Absalão Coelho em Carolina, comentou que, no

Estreito, “lá alguma vez fazia alguma coisa, muita vez, fazia um servicinho de abertura de rua,

pouca coisa, porque não tinha recurso, não tinha quase nada pra administrar, porque não tinha

nada, não tinha renda, não tinha nada” 64.

O descaso de Carolina deixava a população de Estreito revoltada. “O povo tinha

uma revolta, todo distrito tem raiva de sua sede. Eles fogem da responsabilidade, não querem

fazer nada” 65, acrescenta seu Manoel Leal Parrião. A subprefeitura, portanto funcionava de

forma precária, na medida em que Carolina não dava o apoio nem recursos necessários aos

subprefeitos.

Para seu Ernane dos Santos Barbosa, os políticos de Carolina só serviam para

pegar as terras de Estreito. Ação que aumentou ainda mais com o crescimento econômico do

local, devido à abertura da rodovia e a inauguração da ponte Juscelino Kubistschek. “Depois

da ponte, o comércio de Estreito cresceu e Carolina cresceu o olho, os prefeitos vinham e

tiravam os melhores lotes para venderem” 66, relatou seu Ernane.

Essa especulação em relação às terras da vila, segundo Valverde e Dias (1967p.

211), atrapalhava o desenvolvimento econômico local.

63Art. 15 da Lei nº [...] (ilegível), aprovada em março de 1967 pelo prefeito Jorge Lopes de Sousa que reorganiza

a estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Carolina. 64Entrevista gravada no dia 20/06/2011 65Idem 66Entrevista gravada no dia12/06/2011

Page 61: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

60

Muita gente de Carolina comprou terrenos aí, porém não os ocupou, esperando

valorização. Os preços dos lotes urbanos subiram, pôr isso, astronômicamente,

alcançando cerca de Cr$ 300.000 em 1965.

Percebendo o futuro promissor de Estreito, os administradores carolinenses

começaram a olhar mais a região, anteriormente desprezada, deixada em segundo plano.

Diversos Projetos de Lei foram aprovados na intenção de estruturar o novo pólo de

desenvolvimento que pertencia ao grandioso programa de integração nacional.

Assim, foram criados projetos para a instalação de um hospital pela Secretaria de

Saúde Pública do Estado do Maranhão67; para a construção do FUNRURAL (Fundo de

Assistência ao Trabalhador Rural)68; para a instalação de um Posto de Defesa Sanitária

Animal pertencente a Secretária de Agricultura do Estado do Maranhão69 dentre outros, que

enchiam as discussões das sessões plenárias .

O objetivo da criação de tantos Projetos de Lei estava diretamente ligado aos

interesses dos políticos carolinenses, como podemos ler na Mensagem nº 3/71 enviada no dia

4 de junho de 1971 pelo prefeito de Carolina Absalão Coelho para a Câmara de vereadores

desta cidade.

Como os senhores hão de notar, tais projetos, por sua natureza e finalidade,

assumem grande importância para o nosso município, particularmente para o distrito

do Estreito, principal polo de desenvolvimento de nossa comuna, enquadrando-se,

neste momento, no extraordinário programa de integração nacional do governo da

república. Devem, portanto, merecer a acolhida dos senhores vereadores, sempre

atentos e dedicados ao progresso do município de Carolina.

Como vemos, a intenção do prefeito era investir no distrito, que na época estava

passando por sua melhor fase econômica, por conta de sua posição no projeto político de

Juscelino Kubitschek. Fazia-se isso, não porque queria o desenvolvimento e o bem estar da

população do local, mas porque sabia que o crescimento do distrito promovia também o

progresso de Carolina.

Os moradores da vila sabiam da real intenção dos políticos de Carolina, e não

aceitavam a submissão imposta por eles, nem o fato de terem que pagar impostos para a

cidade. “O povo queria se libertar de Carolina eles ficavam com a renda toda da cidade. Os

postos fiscais davam muito lucro, e ia todo pra Carolina”70, ressaltou seu Sebastião Pereira,

mostrando indignação.

67Projeto de Lei nº 02/72 aprovado em 22 de março de 1972 pelo prefeito de Carolina José Olympio Barbosa 68 Projeto de Lei nº11/71 aprovado pela Câmara em 04 de junho de 1972 69Projeto de Lei nº 11/78 aprovada em 10 de março de 1978 pelo prefeito Genésio Gonçalves Maranhão 70Entrevista gravada no dia 17/06/2011

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61

Além disso, o povo estava cansado de resolver seus problemas nessa cidade.

“Antes se quisesse registrar um lote era em Carolina, se quisesse registrar uma criança era em

Carolina, se quisesse ir num banco era em Carolina. Tudo era em Carolina, tudo” 71, recorda

dona Izailda Rodrigues Silveira.

Com a mudança no contexto socioeconômico da vila, cresce ainda mais nos

moradores o desejo de emancipação. Para eles, Estreito já tinha adquirido características

típicas de cidades urbanas, e já podiam sustentar-se. Sem falar, que, com o advento da ponte

Juscelino Kubitschek, pertencente à rodovia Belém-Brasília, umas das estradas mais

importante do Brasil em termo de escoamento de mercadorias, os moradores esperavam um

futuro brilhante pela frente, marcado pelo progresso e desenvolvimento.

Para alcançar esse futuro promissor, o primeiro passo era libertar-se de

Carolina, já que todos os recursos conquistados por Estreito eram todos enviados para essa

cidade. A tarefa seria difícil, pois Carolina não iria liberar o único pólo de desenvolvimento

de sua comuna com facilidade.

O processo de emancipação da vila teve a participação de representantes

populares, como o senhor Valmir Siebra Vilar, Nermídio e Sidney Milhomem, dentre outros.

Mas a participação decisiva foi do deputado Sálvio Dino, na época do PSD, que entrou com o

Projeto de Lei nº 151 para a de criação do novo município.

O Plebiscito foi marcado para o dia 2 de abril de 1982, e contou com a maioria

absoluta da população. Segundo seu Gessione Fronte Franco, “no plebiscito o povo

compareceu em peso, todo mundo queria a emancipação, tinha umas duas mil pessoas nesse

plebiscito” 72. Alguns jornais maranhenses noticiaram o evento.

Começa a ser definido o processo de transformação, em município, do distrito do

Estreito, com a realização da consulta plebiscitária que vai definir se seus habitantes

desejam ou não a criação do município que será desmembrado do município de Carolina (JORNAL ESTADO DO MARANHÃO, 2 de abril de 1982).

O resultado desse evento político deixou a população muito satisfeita, festas foram

realizadas em vários lugares. “No plebiscito foi muita alegria, o povo saiu na rua gritando no

sol quente. Foi um dia inteiro de festa, no hotel do seu Gilberto, em bares” 73, disse dona

Maria de Lourdes Marinho em entrevista.

No Livro do Tombo da Igreja Católica local, também vemos as movimentações

festivas da população diante da idéia de emancipação, que, segundo o autor, durou mais de

um dia:

71Entrevista gravada no dia 15/06/2011 72Entrevista gravada no dia 11/06/2011 73 Entrevista gravada no dia 23/01/2011

Page 63: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

62

Hoje dia dois de abril com expressão muito forte, realizou o plebiscito, com maioria

absoluta, e vi pe. Luis de Assunção, neste três de abril tanto movimento, festas,

jogos, passeatas, gritos, animação, mesmo entre velhos em crianças74.

Assim, Através da Lei nº 4.416 de 12 de maio de 1982, sancionada pelo então

governador João Castelo Ribeiro Gonçalves é criado o novo município, com o topônimo de

Estreito, sendo ele, na época, o ducentésimo trigésimo segundo município do Maranhão.

O Mais novo município tem mais de 10 mil habitantes e sua renda anual é superior a

15 milhões de cruzeiro, o que corresponde a cinco milésimo da arrecadação do

estado do ano passado. Estreito passa ser constituído da sua sede e dos distritos de

São Pedro dos Crentes, São Bartolomeu e Venesa. (JORNAL ESTADO DO MARANHÃO, 11 de maio de 1982).

Somente após do Censo de 1980, quando ficou comprava a existência em Estreito

de mais de dez mil habitantes, e o fato de “ser o centro urbano que mais cresce no Estado,

tanto econômico como popularmente por ser cortado pelas estradas Belém-Brasília e

Transamazônica” (JORNAL PEQUENO, 12 de maio de 1982), que foi possível tomar o

sonho de Estreito realidade.

Para a população a emancipação foi uma das melhores coisas que aconteceram no

local, porque a partir daquele momento, eles teriam autonomia para eleger seus representantes

e administrar sua própria renda. Dona Izailda Rodrigues Siveira, relatou a satisfação de ser

liberta da ganância dos políticos carolinense e de poder ver a sua cidade administrar seus

recursos.

Toda renda da cidade era pra Carolina e não faziam nada pela cidade. Na cidade não

tinha nada. Tudo que tinha ia pra lá. E quando tinha eleição só elegia político de

Carolina. Então a cidade só servia para eleger eles e nós num ganha nada? Então

mancipação de Carolina foi boa, porque o que caísse seria pra cidade e não pra Carolina75.

Após a emancipação de Estreito, o governador nomeou como interventor da

cidade o Sr. José Olimpio Barbosa, que a administraria até que acontecesse a primeira eleição.

Com a eleição foi eleito o senhor Valmir Siebra Vilar (1983-1989), que ficou na

administração do município por seis anos. Depois foi sucedido por Edem Abreu (1989-1991;

1992-1993), este por João Duarte (1993-1997), depois Claro Moura (1997-2001), Benedito

Moreira (2001-2005) e José Lopes Pereira (2005-2008), que foi substituído por José Gomes

Coelho, o prefeito atual.

Apesar de não ter alcançado o futuro promissor almejado desde os tempos da

construção da ponte, a população de Estreito ainda se considera privilegiada por morar em um

74Pesquisa realizada no Livro do Tombo da Igreja São Sebastião na cidade de Estreito no dia07/01/2012. 75Entrevista gravada no dia 15/06/2011

Page 64: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

63

ponto estratégico, e possui uma ponte que recebe diariamente pessoas de diferentes regiões.

Até hoje, a ponte enche de orgulho a população estreitense, que ainda a considera um dos

principais fatores de desenvolvimento da cidade. “Sem essa ponte Estreito não seria nada,

não seria essa cidade” 76, ressaltou seu José Rocha Reis.

76Entrevista gravada no dia 16/11/2011

Page 65: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

64

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do trabalho buscamos analisar o significado da Ponte Juscelino

Kubitschek para os moradores da vila Paranaidji, pessoas que anteriormente viviam isolados

por conta da ausência de estradas de rodagem, e tendo como principais meios de transporte os

lombos de animais, barcos e lanchas, provenientes de outras regiões.

Durante a pesquisa, percebemos que, subordinados ao município de Carolina

desde 1948, os moradores da vila buscavam sua emancipação política e econômica, mas por

sua baixa renda, que segundo o prefeito de Carolina era irrisória, e pelo fato de não possuir o

número de eleitores suficientes, o sonho não pôde ser concretizado.

Notamos ainda que um dos principais motivos que contribuíram para o fraco

povoamento e baixo desenvolvimento econômico da vila foi a falta de comunicação. Por

causa da distância em relação à capital São Luís e com o restante do Estado, os contatos

comerciais restringiam-se às cidades da região tocantina, destacando-se Carolina, Boa Vista,

Porto Franco, Belém e Marabá.

Vimos que a realidade da pequena vila começou a mudar a partir de 1956, quando

sobe ao poder o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Com o intuito de promover o

crescimento da economia brasileira atrelada ao capital internacional, JK lançou mão de um

amplo programa econômico chamado de Plano de Metas, distribuídas entre os setores de

energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação.

As transformações foram resultado da construção da ponte Juscelino Kubitschek,

pertecente a rodovia Belém- Brasília. Com a construção, nasceu uma nova divisão simbólica

na mentalidade da comunidade de Estreito, o “antes” e o "depois" da ponte.

O “antes" significava terra isolada, esquecida pela política regional e nacional,

uma economia de subsistência, uma população pobre, subordinada aos mandos e desmandos

dos políticos Carolinenses. E o “depois”, que estaria relacionado com o “desenvolvimento”,

“progresso”, crescimento populacional, liberdade de ir e vir, uma economia forte e

diversificada, remodelamento do espaço urbano e, por fim, a emancipação política.

Finalmente, constatamos que a Ponte JK assumiu um significado especial para as

pessoas da comunidade local em Estreito, pois contribuiu para a construção de um novo

cenário urbano na vila Paranaidji. Os moradores consideram-na responsável por trazer o

desenvolvimento, tanto econômico quanto cultural e social à cidade. Segundo eles ainda, sem

Page 66: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

65

a ponte o povoado jamais teria sido emancipado, pois foi a ponte JK quem propiciou as

mudanças necessárias em áreas específicas como economia, transporte e comunicação.

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66

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Livro do Tombo pertencente à Igreja Católica de São Sebastião da cidade de Estreito (MA).

Ofício s/nº de janeiro de 1955 enviado pelo prefeito Frederico Martins de Azevedo para o

presidente da Câmara municipal de Carolina (MA).

Projeto de Lei nº 20/71 aprovado pela Câmara Municipal de Carolina em 30 de novembro de

1971 que dispõe sobre o quadro permanente de servidores da prefeitura municipal de Carolina

(MA)

Art. 15 da Lei nº [...] (ilegível), aprovada em março de 1967 pelo prefeito Jorge Lopes de

Sousa que reorganiza a estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Carolina (MA).

Projeto de Lei nº 02/72 aprovado em 22 de março de 1972 pelo prefeito de Carolina José

Olympio Barbosa

Projeto de Lei nº11/71 aprovado pela Câmara em 04 de junho de 1972

Projeto de Lei nº 11/78 aprovada em 10 de março de 1978 pelo prefeito Genésio Gonçalves

Maranhão

Mensagem nº 3/71 enviada no dia 4 de junho de 1971 pelo prefeito de Carolina Absalão

Coelho para a Câmara de vereadores desta cidade.

JORNAL “DIARIO DA MANHÔ, 13 de janeiro de 1960

JORNAL “DIARIO DA MANHÔ, 26 de janeiro de 1960

JORNAL "DIÁRIO DA MANHÃ", 26 de janeiro de 1960

JORNAL “DIARIO DA MANHÔ 21 de janeiro de 1961

JORNAL “DIARIO DA MANHÔ 24 de janeiro de 1961

JORNAL “PEQUENO”, 29 de janeiro de 1961

JORNAL "O ESTADO DO MARANHÃO", 2 de abril de 1982

JORNAL "O ESTADO DO MARANHÃO", 11 de maio de 1982

JORNAL" PEQUENO", 12 de maio de 1982

Page 68: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - ENTREVISTA 01

VALMIR SIEBRA VILAR

Valmir Siebra Vilar, conhecido como “Ceará”, 76 anos, oriundo da cidade do

Crato (CE), chegou em Estreito em 1959, onde primeiramente trabalhou vendendo rede e

revólver 38. Em 1982 seu “Ceará” teve um papel importante no processo de emancipação da

vila, sendo um dos principais organizadores do plebiscito o qual libertou a população do

domínio carolinense, sendo depois eleito o primeiro prefeito da cidade.

Em janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse trabalho, de

onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1- Quando o senhor chegou aqui em 1959 como era Estreito? Quantas pessoas

tinham?

Resposta: Só tinha duas casas na beira do rio. Antes Estreito era pouco

movimentado, parecia uma fazenda. Estreito, Carolina, Tocantins era terra de doido, não tinha

estrada de rodagem pra lugar nenhum, era tudo pelo rio, motor grande, pequeno, canoa no

remo.

2- O senhor sabe me dizer os nomes dos primeiros habitantes da cidade?

Resposta: Era o compadre Santos, a Perolina e o Virgilio Franco.

3- O senhor se lembra da situação econômica de Estreito, logo no início quando o

senhor chegou ?

Resposta: Aqui vivia só de pescar mesmo. Aqui vendia peixe pra Belém, aqui

vendia peixe pra Goiânia, aqui vendia peixe pra Fortaleza, pra São Paulo, pra todo lado. Aí

sabe como é a cidade de Estreito desenvolveu com a rodovia Belém-Brasília, desenvolveu

com a Norte-Sul e agora com a Barragem.

4- Quando começou a construção da ponte Juscelino Kubitschek?

Resposta. Em 1958 começou a fazer as barracas da ponte, os prédios da ponte né,

para os engenheiros, os coordenador, e aí começo a desenvolver o Estreito. A estrada ainda

vinha sabe aonde? Em Guaraí, em Araguaína já tava feito o pique. Mas quando chegou aqui

levou mais de dois anos pra construí a ponte. A ponte foi inaugurada em 21 de abril de 1961.

E aí não tinha terminado de construir a ponte, pra inaugurar botaram umas tábuas para o

presidente passar por cima, aí ele falou assim: “Povo do Maranhão, povo de Goiás, povo do

meu Brasil, hoje sou o presidente, amanhã já não sou o presidente, em 65 eu volto a ser

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presidente e vou fazer do Estreito uma brasilhinha”. Aí terminou ali, cortaram a fitinha e ele

foi embora.

5- Quantas pessoas participaram dessa construção? Dê uma estimativa.

Resposta. Olha era funcionário demais. Gente demais. É tanto que em 1958 eu

voltei de Carolina e não tinha onde ficar, depois eu fiz um barraco de pau e fiquei dentro.

Muita gente trabalhando. Gente do Ceará, que é o mais “lascado” que tem, da Paraíba, Rio

Grande do Norte, Pernambuco, Piauí. Caíram seis tratores dentro do rio, hoje tem seis tratores

lá.

6- E como foi o abastecimento para a construção dessa obra? Como os materiais

foram transportados?

Resposta. Esse abastecimento veio de caminhão para Miracema, pois de

Miracema pra aqui não tinha estrada, aí os batelões...que eram os barcos que trouxeram pra

cá. O material vinha de Volta Redonda, a maior fábrica de ferro do Brasil era Volta Redonda,

veio também de Goiânia, Belo Horizonte, de São Paulo veio pouca coisa, porque era mais

distante. Veio muita coisa do Rio de Janeiro, os engenheiros a maior parte era do Rio de

Janeiro. Uma parte veio de avião

7- Como foi a inauguração dessa ponte?

Resposta. Ah Na inauguração veio muita gente, de Imperatriz, Bacabal, Codó,

Brasília, Belém, Marabá. Gente de todo canto, mas de 200 jornalista...foi uma coisa

estrondosa. Depois minha filha teve uma grande festa no hotel do seu Gilberto... foi uma festa

muito boa, nós ficamo todo mundo bêbo, muita mulher, veio gente passou dois dias de festa,

eu matei muito boi pra todo mundo comer, arroz, feijão, macarrão, foi fervendo negócio

aqui... O Juscelino trabalhou muito... trabalhou muito porque, escute bem, ele trabalhou muito

porque Getúlio Vargas era um presidente que construiu Volta Redonda, e lá é terra do aço, e

tudo de aço, depois de ferro ele fez, e quando Juscelino entrou, olhou aquilo ali e depois

desenvolveu, por isso que Juscelino foi um presidente bom, agradeça ao Getúlio Vargas.

8- O que mudou em Estreito depois da construção da ponte?

Resposta. Olha o que fez crescer o Estreito primeiro foi a Belém-Brasília, segundo

a ferrovia Norte-Sul, terceiro a Barragem. Com a ponte as lojas tudo encheram de gente, gente

de um lado, gente do outro.

9- Como foi a passagem da Integração Nacional no Estreito? O senhor se lembra

desse evento?

Resposta. A caravana passaram atravessando o rio através de uma balsa. Passaram

o dia e a noite atravessando de balsa os carros, que eram cerca de 200. O Carlos Lacerda veio

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junto nessa caravana, veio chefões políticos de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,

jornalistas (...). Carlos Lacerdada critica Juscelino. Mas o povo recebeu a caravana com muita

festa, bebida frevor.

10- Como se deu o processo de criação da cidade de Estreito?

Resposta: Eu fui vereador de Carolina, o mais votado no município, e aqui era o

município de Carolina. E lá me convidaram pra mim ser vice-prefeito de Carolina, eu sou

muito bom de palanque. Aí eu fui pra Carolina, lá eu fui candidato a vice-prefeito, nós

ganhemos a eleição. Aí eu fui vereador de Carolina, vice-prefeito de Carolina, aí eu criei essa

cidade e fui candidato a prefeito e ganhei. Fui vereador de Carolina quatro anos, vice prefeito

de Carolina, seis anos, e prefeito de Estreito, seis anos. Fiz a recontagem do município e

nunca acabou, nunca acabou. Se o Estreito hoje é rico, agradeça aqui o doidão “Ceará”.

11- Como foi o plebiscito de 1982?

Resposta. Esse processo todo foi eu que fiz. Eu era muito influente na época,

como eu ainda sou hoje, aí a turma veio e disse: como o senhor é vice-prefeito de Carolina e

mora aqui no Estreito, nós vamos entregar toda coordenação do plebiscito a você. Aí eu

comecei a contar o povo do Estreito todinho. Aí Estreito virou cidade. Aí eu fiz o plebiscito, o

tribunal me deu dinheiro, aí eu fiz churrasco, festa, muito movimento, nós ganhemos. Nesse

época Estreito tinha 14 mil habitantes, mas pra fazer o plebiscito só deu dois mil novecentas

pessoas, mas deu pra passar. A população ficou feliz demais, três dias de festa, muita cachaça,

muita mulher. Aí o Estreito embalou, hoje ta uma cidade maravilhosa, com a Belém-Brasília,

com a Ferrovia Norte-Sul, com a Barragem, depois vem a Agrovia.

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APÊNDICE B - ENTREVISTA 02

SEBASTIANA SALVIANO VILAR

Sebastiana Salviano Vilar, esposa do senhor Valmir Siebra Vilar, 73 anos, oriunda

da cidade do Crato (CE), chegou a Estreito em 1962. Dona Sebastiana é a escrivã mais antiga

da cidade, onde hoje dirige o Cartório Extrajudicial de 1º Ofício. Nos primeiros anos da

rodovia Belém-Brasília, juntamente com o marido, montou um posto de gasolina, uma

churrascaria e um hotel para dar suporte aos primeiros motoristas que passavam pelo local.

Em janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse trabalho, de

onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1- Quando a senhora chegou aqui em 1962 como era Estreito?

Resposta. Quando cheguei aqui estavam terminando de construir a Belém-

Brasília. A Belém-Brasília consumia muito combustível, mas na cidade mesmo só tinha três

jipes. E quando colocaram o asfalto a gente colocou uma churrascaria e um posto de gasolina.

Aí veio enchente de 80 e levou tudo.

2-Como a senhora via a ponte Juscelino Kubitschek?

Resposta. Todo mundo que vinha ficava encantado com a ponte era iluminada,

com o motor de luz, depois acabou, nunca mais. Depois Walmir comprou uma Combi e os

meninos tudo piqueno [...]. Eu ganhei William em Tocantinópolis, e pra mim ir pra

Tocantinópolis era o maior medo do mundo em passar em cima dessa ponte, tinha medo da

ponte cair. Lá no Ceará não tinha rio com ponte não. Eu tinha medo. Walmir nadava dentro

desse rio, e eu ficava morrendo de medo. A população achava a ponte um encanto, porque a

ponte era muito grande, muito bonita, novinha né, só não tinha assalto.

Aí a gente ia pra Carolina, atolava na estrada, andava por dentro dos matos pra

poder chegar em Carolina, agora aqui sempre parece que foi mais evoluído, quando começou

a crescer não teve quem segurasse não.

3-A senhora acredita que a ponte contribuiu para o crescimento de Estreito?

Resposta. Sim porque em todo lugar na Belém-Brasília que colocava-se um

botequinho, seja de comida ou bebida, enchia de gente. Surgiram vários quiosques de

mulheres vendendo comida ao redor da estrada. As mulheres vendiam panelada, comida pro

povo que ficavam na rodovia, tinha também meninos que vendiam laranja, banana. Se tu vê o

movimento que a gente tinha nesse hotel aí, gente que vinha do Pará, eles vinham dormir no

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hotel aqui no Estreito. Estreito só cresceu por causa da ponte. A ponte foi a salvação de

Estreito.

Vinha gente de todo lugar depois que começou a chegar gente, o povo chegava e a

gente se entrosava com ele.

4-A senhora pode me dizer os estabelecimentos que surgiram depois da ponte?

Resposta. Depois da ponte, começou bem na esquina onde era o nosso posto,

colocaram um boteco do Guaresma, aí aqui mais em cima (apontando) colocaram outro

boteco...e aí foi começando, aqui acolá eles colocavam...o posto apurava muito dinheiro nessa

época [...], era um movimento bom, eu também tinha um auto-peças, vendia toda peça de

carro, quando chegava procurava eu já sabia onde é que tinha.

5- A Belém-Brasília era movimentada?

Resposta. A Belém-Brasília era movimentada, mais era caminhão, carro pequeno

era nas festas, mas era tanto carro velho. Os caminhões iam pra Belém, pra São Luís,

Teresina, os ônibus era transbrasiliana, depois começou Marajó, aí eles fazia a linha Belém-

Brasília, aí começou..foi chegando, chegando. Aí começaram a comprar Combi pra levar a

gente para Imperatriz, porque o povo andavam nas carrocerias dos carros.

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APÊNDICE C - ENTREVISTA 03

PEDRO LÚCIO DAS CHAGAS

Pedro Lúcio das Chagas, 74 anos, oriundo do Ceará, veio morar em Estreito em

1976. Nesse mesmo ano montou na cidade um cinema, sendo um dos principais pontos de

lazer na época.

Em janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse trabalho, de

onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1- Quando o senhor chegou aqui como era o movimento na ponte Juscelino

Kubitschek?

Resposta. Quem fez a estrada a Belém-Brasília foi Juscelino Kubitschek, a ponte,

o aeroporto foi ele que fez. Esse aeroporto aqui (apontando) era internacional, tinha 6 Km de

pista, descia avião de todo tipo carga, de carga pesada. O maquinário da Serra dos Carajás

desceu tudo aqui, trator dentro de um avião. Esse aeroporto era muito bom, foi muito bom. O

material da ponte que não era daqui de perto veio tudo de avião. Da Serra dos Carajás mesmo

desceu aqui todo tipo de máquina, você já ouviu falar da Serra dos Carajás? Pois é, lá veio

muita máquina, máquina que eu nunca tinha visto nem em retrato. A Belém-Brasília foi uma

coisa absurda, o Juscelino é grande mesmo.

2- Em que ano o senhor implantou um cinema aqui em Estreito?

Resposta. Eu trabalhava de sapateiro, mas quando cheguei aqui não deixaram eu

trabalhar aí eu comprei um cinema. O primeiro cinema daqui foi em 1961, no tempo da ponte,

que era do finado Chico Brito. O cinema era bom, era cinema grande mesmo, ficava na rua

Bernardo Sayão. Aí eu comprei o cinema passei um bocado de tempo, mas depois chegou a

televisão aí eu deixei de mão, ainda hoje eu tenho a máquina, mas ta parada. Passava filme de

bang-bang, do Didi passava tudinho, dava muito gente.

[...] O cinema foi de 1961 até 1975 que era do Chico Brito, aí ele fechou, depois

veio um senhor de São Luís, colocou esse cinema foi o que eu comprei em 1983 com um

compade meu, aí nós toquemos, mas aí chegou a televisão, porque em 83 começou a

televisão, aí não teve mais espaço pra gente.

3- Como era Estreito em 1976 quando o senhor chegou à cidade?

Resposta. O movimento era só uma feira dia de sábado. O movimento mesmo era

de carro, que era beira de estrada né, a cidade era pequena. Era pequena, mas vem crescendo,

sempre vem crescendo. Em 1969 foi construído uma Caixa Econômica, um Correio, só com a

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governabilidade, com a mudança de presidente tiraram a Caixa daqui e levaram para

Imperatriz, aí fracassou um pouco. O andamento do poder público é que nós não tivemos

sorte, prefeito aqui nós não tivemos sorte.

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APÊNDICE D - ENTREVISTA 04

MARIA DE LOURDES MARINHO MILHOMEM

Maria de Lourdes Marinho Milhomem, 72 anos, oriunda do Paraíso do Maranhão,

município de Porto Franco (MA), veio morar em Estreito em 1960, assistindo de perto as

transformações ocorridas na vila nesse período.

Em janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse trabalho, de

onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1. Como era Estreito em 1960?

Resposta. Quando cheguei aqui era só mato, era pouco morador. Estreito vivia da

oleria, num era cerâmica naquele tempo não, o povo cavava o barro e fazia tijolo na mão, era

tudo manual mesmo. O fundador do Estreito foi o Virgilio Franco, aí tinha a Joana Côrte, o

pessoal do Côrte, seu Gilberto.

2. Como foi a construção da ponte Juscelino Kubistchek?

Resposta. Meu marido trabalhou na construção da ponte, trabalhava de armador,

mas não era profissional não, era só ajudante. Todo mundo estava envolvido com essa

construção, precisava de muita mão de obra, e era manual naquele tempo, não era como hoje

que é máquina pra todo canto não [...]. Nessa construção veio muita gente de outros estados,

gente de longe, só não lembro muito de onde, nem procurava por isso, mas até baiano tinha.

Era gente muita.

3. Como foi a inauguração dessa ponte? A senhora assistiu?

Resposta. A inauguração foi festa o dia todo, só bebedeira o povo bebendo pela

rua, mas parece que teve uma festa no seu Gilberto, eu fiquei em casa. Tinha gente demais, do

Brasil inteiro. Eu vi Juscelino, o povo reagiu com aquela impolgação.

4. A ponte contribuiu para o crescimento de Estreito?

Reposta. Depois da ponte Estreito foi crescendo ligeiro demais, aí veio a

cerâmica, casa de advento de pesca, aí foi crescendo demais, ligeiro, não demorou muito não,

e ta crescendo até hoje, todo dia o Estreito vem crescendo mais. Pra o povo a cidade estava de

parabéns por ser escolhida pra ser feita essa ponte. Todo mundo queria a ponte,

Tocantinópolis, Carolina, e ela foi feita no Estreito.

[...] Achei ela bonita demais, a tarde ficava cheia de gente olhando pra baixo,

passava tecos debaixo da ponte, avião aqueles tecos, ficava brincando debaixo da ponte. A

população gostava demais da ponte, era algo moderno, ave Maria quando fizeram essa ponte,

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que foi a primeira aqui por perto, ah o povo achou coisa demais nunca pensaram que se

pudesse fazer uma ponte atravessando o Tocantins, eles não acreditavam.

5. A senhora se lembra do Plebiscito de 1982?

Resposta. Lembro, foi a primeira vez que eu peguei um porre foi nesse plebiscito.

Eu não bebia e nesse dia o povo começou uma festa aqui na rua o povo bebendo e eu entrei

junto. Teve festa muito, na rua mesmo, teve também na casa do seu Gilberto. Quem organizou

esse plebiscito foi o “Ceará”, foi o Sidney Milhomem. Fiquei muito feliz com a emancipação.

A ponte trouxe muito benefícios para a cidade de Estreito: hotéis, hospital, médico, posto de

saúde, colégio. Depois da ponte as coisas só foram evoluindo, hospital particular, colégio

particular. Se não fosse a ponte como era que se tinha isso. Ia-se fazer alguma coisa em lugar

que não tinha nada? Ninguém ia fazer investimento em um lugar que não tinha futuro.

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APÊNDICE E - ENTREVISTA 05

IZAILDA RODRIGUES SILVEIRA

Izailda Rodrigues Silveira, 71 anos, aposentada, oriunda do Mato Grosso (MT),

veio morar em Estreito em 1953, quando tinha apenas 13 anos.

No dia 15 de junho de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse

trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1- Quantas pessoas tinham em Estreito quando a senhora chegou em 1953?

Resposta. Tinha pouquinha gente, eu sei que casa de telha tinha só o Colégio Rui

Carvalho, do seu Virgilio Franco, o pioneiro da cidade aqui era ele, quando nós chegamos

aqui ele já morava, um mercadinho, que hoje em dia é o “Paulista” [...], acho que tinha umas

27 casas, 01 escola, a Rui Carvallho, a primeira escola que tinha aqui.

Aqui não tinha nada, posto de saúde, a gente adoecia aqui, não morria porque

quando tem que morrer nós morre, nós tinha que ir pra Tocantinópolis de canoa ou de balsa,

na beira do rio pra conseguir chegar lá, o nosso médico era o “seu Né” da Farmácia”, ainda

hoje a gente acredita muito nele [...].

2- Qual era a atividade econômica quando a senhora chegou a Estreito?

Resposta. A gente trabalha com roça, a gente sobrevivia era disso, vazante, no

tempo de vazante, era isso.

3- Como era o transporte na época?

Resposta. O transporte daqui era canoa aqui no rio, ou então montado no cavalo

para ir pra Carolina ou Tocantinópolis, era três dias pra chegar em Carolina de cavalo. Tinha

vapor que ia de Carolina pra Tocantinópolis, de Tocantinópolis pra Carolina. Pra Belém,

Marabá, ia de balsa, passava cheia de coisa pra levar pra Belém [...]. De Tocantinópólis pra cá

nós saia de lá de manhã assim umas 8 horas da manhã, nós chegava de noite aqui no Estreito

de barco [...]. Nem se ouvia falar de Imperatriz, aqui nós não tinha contato com o povo, a

gente ficava aqui isolado. De São Luís era que ninguém falava mesmo. Ficava lá longe.

4- A viagem por águas era perigosa?

Resposta. Era perigosa, mas era menos do que hoje que é de carro, de moto, essas

coisas. O perigo que tinha era só mesmo quando chegava a Tocantinópolis que tinha um

lugar, acho que ninguém mais ta nem aí porque o povo não viaja por água só de carro, era a

cachoeira, então nessa cachoeira lá que era o perigo, quando os barcos ficava encalhados nas

pedras [..]. Morria muita gente, olha pra atravessar gado aqui antigamente, porque eles

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traziam gado de lá pra atravessar pra esse lado, essa travessada era por dentro d’água, a nado.

Aí soltava o gado na água, e o pessoal ia atrás, nadando e outros na canoa, morria gente

afogado, morria gado.

5- Tinham meios de comunicação?

Resposta. Nessa época ninguém sabia de nada, não tinha nada. Quando vinha um

que sabia alguma coisa contava, mas aqui mesmo não tinha.

6- A senhora se lembra do cinema que tinha na cidade em 1961?

Resposta. Esse cinema era do Chico Brito, era do tempo da ponte. O cinema era

movimentado, tinha muita gente, o pessoal não tinha outro lugar [...]. Tinha uma

amplificadora do Antônio Paraibano, um alto falante, aí ele passava mensagem de amor, mas

não falava o nome temendo os pais, passava música, dava alguma notícia.

7- E a notícia da construção da ponte como que vocês ficaram sabendo?

Resposta. O povo de Carolina que era mais evoluído é que trazia a notícia. O povo

rico de Carolina tinha mais contato com outras cidades. Lá em Carolina tinha muita gente

rica, tinha não, tem aí que trazia a notícia, mas ninguém acreditava. Com a ponte a cidade

ficou agitada, e ela era tão pequenininha, nesse tempo era bom pra vender as coisas, tudo que

se colocava vendia, porque era muita gente, vendia tanto. Eu vendia cigarro, cachaça, vendia

no botequinho que a gente tinha eu e meu marido, aparecerem um monte de boteco [...],

depois disso Estreito foi só aumentando, crescendo.

8- Qual foi a reação da população de Estreito quando JK chegou para a

inauguração da ponte? E como foi essa inauguração?

Resposta. Ah a população ficou muito alegre, porque ele vinha trazer

desenvolvimento para a cidade, com isso a gente vemos que ele tinha boa intenção com a

cidade. O povo gostava dele [...]

Oh alegria né, fiquemo todo mundo satisfeito com a inauguração da ponte, aquele

movimento, aquele carros passando, a gente nem sabia o que era carro, nessa época não tinha

carro, só se ouvia falar, mas não sabia o que era. Aqui não tinha carro de jeito nenhum, tinha

gente que nunca tinha visto um carro.

[...] Eita quando era de tardinha, antes de fazer a ponte mesmo, ainda tava os

adâimes, a gente de tardinha ia pra lá, oh mas a gente achava tão bom, uma coisinha tão

simples. Depois de feita a diversão era passear na ponte de noite. Uns ficavam namorando,

outros ficavam andando pra lá e pra cá, era tão bom (suspira), era a distração da cidade, não

tinha outro lugar pra ir mesmo, pra passear. Lá pudia pegar um vento, sentar no corrimão e

pegar um vento, bater um papo.

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9- A senhora pode me dizer quais os benefícios que a ponte trouxe para a cidade

de Estreito?

Resposta. A gente viu assim, porque aumentou a população, os transportes ficou

mais fácil, porque quando não tinha ponte, como que é que o povo transportava pra Belém?,

como é que ia pra Goiânia? Por onde? né, não tinha carro, não tinha por onde passar, se tinha

era por Marabá, não sei por onde, mas por aqui não passava, mas com ponte aí a cidade

aumentou, e ficou uma cidade muito famosa, porque Estreito é famoso né, se tu vê em todo

lugar já ouviram falar de Estreito, logo porque é fronteira, e fronteira é um lugar mais...então

a ponte foi uma coisa muito especial pra a população.

10 - Ela contribuiu para a emancipação da vila?

Resposta. Acho que ajudou muito. Toda renda da cidade era pra Carolina e não

fazia nada pela cidade. Na cidade não tinha nada. Tudo que tinha ia pra lá. E quando tinha

eleição só elegia político de Carolina. Então a cidade só servia pra eleger eles e nós num

ganha nada? Então a mancipação de Carolina foi boa, porque o que caísse seria pra cidade e

não pra Carolina. Antes se quisesse registrar um lote era em Carolina, se quisesse registrar um

criança era em Carolina. Tudo era em Carolina, tudo

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APÊNDICE F - ENTREVISTA 06

SEBASTIÃO PEREIRA

Sebastião Pereira, 69 anos, motorista, oriundo da cidade de São Paulo (SP), veio

morar em Estreito em 1963, trabalhando com caminhão.

No dia 17de junho de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse

trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1- Quando o senhor chegou em Estreito em 1963 como era o movimento na

rodovia Belém-Brasília?

Resposta. Tinha movimento de transporte só que era pouco às vezes você viajava

o dia todinho na Belém-Brasília não topava com um caminhão [...]. Quando a rodovia Belém-

Brasília foi inaugurada ainda tinha dois barcos que fazia linha e ia até Belém no inverno, eles

ficaram até mais ou menos 1975, depois perderam pra o transporte, porque não compensava.

Naquele tempo já tinha ônibus, a empresa era a “Braga”. Ah naquele tempo passava um

ônibus por dia, quando passava, quando não quebrava, estrada de chão, ônibus velho.

2. Alguém de Estreito já tinha transporte nessa época?

Reposta. O Primeiro jipe daqui quem teve foi do seu “Né da Farmácia”, depois o

Orlando bolinha comprou, aí depois apareceram muito [...].

Nessa época eu tomava de conta de um pasto, quando chegava os gados eles

ficavam lá, viam do sertão, Tocatins e ia pra Belém. Eu encaixotava os gados e recebia

dinheiro do aluguel do pasto e do encaixotamento.

3. Sobre a inauguração da ponte o senhor sabe alguma informação?

Resposta. Eu não tava aqui, cheguei depois de dois anos. O que eu sei é que lotou

muita gente aí, e o velho Virgilio Franco, o povo faz muita anarquia dele, dizendo que ele foi

o morador mais velho daqui, que ele foi fundador de Estreito, mas ele foi o fundador assim,

com o comércio, porque minha sogra morreu com oitenta e poucos anos, o meu sogro com

quase oitenta, nasceu bem aqui no Brejo do Pinto, e depois já moravam aqui, ainda eram

meninos e moravam aqui, quer dizer que ele não podia dizer que é o fundador de Estreito,

tinha também o senhor Pedro, o senhor Adão, o Panchinha, tinha diversas pessoas que

moravam aqui [...].

Dizem que foi boa a inauguração teve muita festa, muito churrasco, foi diferente

quando Castelo Branco veio. Com JK ele ficava no meio do povo, abraçando, pegando na

mão de todo mundo. Com o presidente Castelo Branco, quinze dias antes de vir pra cidade, já

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tinha polícia por toda parte e quando desceu do avião, ninguém nem chegava perto, era polícia

pra todo lado.

4- O senhor considera que a ponte contribuiu para o desenvolvimento de Estreito?

Resposta. Ela contribuiu porque Estreito ficou sendo o eixo né, daqui você sai pra

qualquer lugar do país. Tem estrada aqui que pra todo lado você vai. Com a ponte cresceu a

população, aqui cresce sem parar, se você vê o tamanho de Estreito como é que ta [...]. Aqui

só saia de barco ou a cavalo. Antes de ter a ponte, a estrada, eu saia daqui pra comprar sal no

Grajaú com o animal, levava tropa de animal pra trazer sal, demorava às vezes dois meses, lá

muita gente comprava tecido e trazia pra cá pra vender.

5- A ponte ajudou no processo de emancipação de Estreito da cidade de Carolina?

Resposta. O povo de Carolina não queria não, lógico, aqui dava muita renda, só a

renda dos dois postos fiscais aí, era todinha pra Carolina, Estreito não ficava com nada. Ainda

hoje o pessoal mais velho de Carolina não gosta daqui do Estreito [...]. Toda coisinha era em

Carolina pra resolver, pra votar era subjugado no cabresto.

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APÊNDICE G - ENTREVISTA 07

MANOEL LEAL PARRIÃO

Manoel Leal Parrião, 73 anos, aposentado, oriundo da cidade de Porto Franco

(MA), veio morar em Estreito em 1958. Seu Manoel foi um dos subprefeitos de Estreito

quando Absalão Coelho era prefeito de Carolina.

Em junho de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse trabalho, de

onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1- Como era Estreito em 1958? Quais as principais atividades econômicas que

eram exercidas?

Resposta. Tinha umas doze e treze casas, já tava chegando gente, porque naquele

tempo o desmatamento da Belém-Brasília já tava chegando e conforme a construção da ponte

ia chegando mais. Porque naquele tempo construir uma ponte era coisa difícil demais, veio

muita gente [...].

Olha aqui era o seguinte, Estreito vivia mais dos pescadores, agricultura e

pecuária, porque essa região sempre teve gado. Tinha também olaria manual, eles fabricavam

tijolos e telhas atersanal.

2- Como era que os políticos de Carolina administravam Estreito?

Resposta. Eles colocavam alguém para administrar, eles chamavam de

subprefeitos, inclusive eu fui, por exemplo, representante do prefeito aqui no governo de

Absalão Coelho com o mandado de três anos. Eles colocavam uma pessoa em uma casinha lá,

que se dava o nome de subprefeitura, mas não tinha quase nada pra administrar mesmo,

porque não tinha nada, não tinha renda, não tinha nada [...]

A escolha desses subprefeitos é..., no processo político tem aqueles que

acompanham o grupo né, aí era escolhido ali, era tipo uma nomeação, a pessoa ficava

autorizada a administrar o local. No meu tempo lá alguma vez fazia alguma coisa, muita vez,

fazia uma servicinho de abertura de rua, pouca coisa, porque não tinha recurso.

[...] Os impostos era cobrados tudo pra Carolina, eram cobrados tudo na sede [...].

Era lá que tinha banco, cartórios, antes até pra comprar uma camisa tinha que se ir à Carolina.

3 - Os políticos de Carolina tinham pose de terras aqui no Estreito?

Resposta. O município de Estreito tinha bastante terra, era muito grande a terra

daqui, agora no decorrer do tempo, o prefeito colocava a pessoa que o representava, o

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subprefeito, e cada qual queria fazer... venderam essas terras tudo. Hoje Estreito não tem

mais, por exemplo, terra pra construir nem a própria cidade, tem que comprar de terceiros.

4- Como a população de Estreito se sentia diante do domínio da cidade de

Carolina?

Resposta. O povo tinha uma revolta, todo distrito tem raiva de sua sede. Eles

fogem da responsabilidade, eles não querem fazer nada. Inclusive era um sonho em passar

Estreito a cidade, como realmente passou.

5 - Quais as transformações ocorridas na cidade após a inauguração da ponte?

Resposta. A cidade começou a crescer, aí começou a crescer o comércio, começou

a crescer tudo, porque diante de uma população, a população precisa de tudo, de comer,

vestir, então depois de um tempo começou aparecer a cerâmica, têm umas quatro cerâmica

aqui, aí foi aumentando também o meio de sobrevivência né.

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APÊNDICE H - ENTREVISTA 08

JOSÉ ROCHA REIS

José Rocha Reis, 91 anos, aposentado, oriundo de Porteiras no municipio de

Guadalupe no Piauí, veio morar em Estreito em março de 1955. Seu José Rocha Reis é um

dos moradores mais antigo da cidade, participou da cerimônia de criação do município de

Presidente Vargas, resultante da primeira emancipação de Estreito e trabalhou como

atravessador de gado no rio Tocantins.

No dia 15 de janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse

trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1- Como foi a cerimônia de criação do município de Presidente Vargas?

Resposta. Cheguei em março de 1955 exatamente no dia em que foi instalado o

município de Presidente Vargas, participei da cerimônia de inauguração do município, na

Escola Rui Carvalho, havia pouca gente e poucas casas nessas época, vieram pessoas de

Carolina participar da festa, o projeto já estava aprovado houve apenas a implantação do

município.

2- Vieram autoridades ou políticos da época para a inauguração?

Resposta.Veio um advogado o irmão dele e um rapaz que trabalhava na farmácia

o qual não me recordo o nome, porém de São Luís não veio ninguém

3- Quando houve essa primeira emancipação quem administrou o novo

município?

Resposta. O advogado Gregório de Assis que participou da cerimônia de

emancipação ficou como administrador do município até serem realizadas eleições para

prefeito.

4- Nessa época a vila Paranaidji vivia de que?

Resposta. A economia da vila nesse tempo era fraca só vivia de uma lavourazinha

muito pouca, porém sempre teve uma olaria artesanal, só muito tempo depois começou a

chegar as indústrias mecanizadas como a Cerâmica Sotel, a cerâmica Estreito (do finado "Zé

Pires que até hoje ainda é da família dele) e várias outras [...]

[...] em 29 de maio de 1957, no dia em que eu fui embora, entrou o 1º caminhão

em Estreito, veio de Carolina passou pela ponte sob o rio Farinha, passando também por um

lugar chamado são Romão chegando ate o Serafin chegando ate aqui (Estreito). Naquela

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época Estreito tinha apenas 30 casas contando com a Igreja Católica de São Sebastião e o

mercado.

5- E quanto a travessia do gado pelo rio Tocantins?

Resposta. No mês de janeiro passava uma grande quantidade de animais por aqui

que eram comprados em Goiás, eles atravessavam a nado o rio junto com alguns boiadeiros, e

outro vinham de canoa cuidando para nenhum animal se perder. Eu já trabalhei nessa

travessia, era difícil, morria muita gente.

6- O senhor se lembra quando foi inaugurada a ponte JK?

Resposta. O serviço dessa ponte começou em 1958 eu não sei bem o mês, porém

nesses dois anos (1955-1957) que fiquei aqui já tinha a notícia de que vinha a estrada Belém-

Brasília, foi quando JK assumiu a presidência da república, com a promessa de fazer em 5

anos o que os outros não fizeram em 50 anos. Junto com a ponte foi inaugurado também o

aeroporto de Estreito, porém este foi no mês de março.

No dia da inauguração veio gente do país inteiro. Tinha muita gente. Tinha

estação de rádio instalada na beira do rio, que ficava anunciando a chegada do presidente,

deixando o povo tudo ansioso.

[...] No momento da inauguração a ponte ainda não estava totalmente pronta ainda

faltava um pequeno pedaço para unir um lado a outro, foram posto cabos de aço de um

extremo a outro e improvisada uma ponte com tábuas para que a travessia pudesse ser feita.

Quando ele chegou cada um queria bater palmas mais alto do que o outro. Pra mim o nome

O nome de Tancredo Neves na avenida do comércio é uma idéia sem rumo. Tancredo Neves

foi um grande homem, mas nunca veio no Estreito, ele nunca pisou aqui. Cabia era o nome de

Juscelino Kubitschek naquela avenida, deveria ter era uma estátua bem no meio da praça.

7- De quais estados os trabalhadores da barragem vieram?

Resposta. Não sei lhe dizer ao certo de quais estados eles vieram, só sei que não

eram daqui, pois não tinha mão de obra qualificada aqui, vieram engenheiros, carpinteiros,

pedreiros, armadores,etc. eles ficavam no alojamento da firma um na beira do rio e outro

próximo a "pista de avião"

8- O senhor sabe de onde vinha o material da construção?

Resposta. Vinha de barco, e quando a estrada ficou pronta vinha pela estrada de

Belém do Pará. Fizeram também um aeroporto provisório para dar assistência a firma

construtora da ponte.

9- Qual a diferença de Estreito de quando o senhor saiu (antes do inicio da

construção) para quando o senhor chegou (durante a construção)?

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Resposta. Estava muito grande, porque com as pessoas que vieram trabalhar a

cidade ficou cheia, já havia mais casas no local. Depois da estrada, mesmo sendo de terra,

Estreito começou a melhorar, muita gente nunca tinha nem visto um carro. Antes da ponte

tinha um monte de mulher velha que nunca tinha visto um caminhão.

10- O que mudou na questão econômica?

Resposta. Começaram a aparecer novos bairros, começaram a investir mais na

agricultura, pois antes era muito difícil a vendas das mercadorias, visto que eram pouco os

habitantes e só era possível chegar até tocantinópolis de barco. As coisas eram mais difícil,

para estudar quem tinha mais dinheiro mandava os filhos para Tocantinópolis, Carolina, as

escolas de lá era melhor, mas era tudo difícil, porque o motor demorava um dia e meio a dois

dias pra chegar [...]. Sem essa ponte Estreito não seria nada, não seria essa cidade.

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APÊNDICE I - ENTREVISTA 09

GENÉSIA VIEIRA DE JESUS GÓIS

Genésia Vieira de Jesus Góis, 78 anos, costureira, oriunda da cidade de Presidente

Dutra (MA), veio morar em Estreito em 1961, logo quando a ponte foi inaugurada.

Aproveitando a movimentação rodoviária, dona Genésia, juntamente com o seu marido,

montou uma oficina mecânica ao longo da rodovia Belém- Brasília, que permanece até os dias

de hoje.

No dia 22 de janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse

trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1- Como era Estreito quando a senhora chegou aqui em 1961?

Resposta. Era uma cidade pequena tinham poucos habitantes, nem posto de

gasolina tinha, a única que era vendida lá, era comercializada em tambores. Quando se queria

comprar carne tinha que sair daqui, ir para Porto Franco ou outra cidadezinha perto, ai depois

fizeram uma feira ai começou a melhorar um pouquinho mais.

2- Tinham muitas casas nessa época?

Resposta. Quando eu cheguei já tinham um pouco mais de casas, porém a maioria

era do povo da construção. Havia poucas famílias e comércio só me recordo de um, o do

Chico Brito, ai quando agente precisava comprar alguma coisa ia para Porto Franco [...].

O povo mais antigo falam que antes quando se queria ir para Tocantinópolis ou

Carolina, o povo levava um paninho branco pra poder balançar, pra só assim os barcos

inxergarem de longe e encostar...

3- O nome das primeiras pessoas que moraram aqui a senhora se lembra?

Resposta. Foi o seu Virgílio Franco, que era dono de uma fazenda por aqui por

perto, o vizinho João Gomes e outras pessoas que agora não me recordo os nomes.

4- Como a população via a construção da ponte JK?

Resposta. Achava uma coisa muito boa, foi a melhor coisa que foi feito para

Estreito. Com a construção a cidade ficou movimentada, tinha muita gente, e ela era tão

pequenininha.

5- Quais os benefícios que a ponte trouxe para a cidade de Estreito?

Resposta. Antes aqui era só mato, parecia uma fazenda não tinha nada, atravessia

do gado era feita a nado eu ainda cheguei a assistir uma cena dessas. Depois da ponte nunca

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mais eu vi isso, agora a travessia é feita nas carrocerias dos caminhões. Começaram a vir os

Bancos, primeiro foi o Bradesco, depois a Caixa, depois o Banco do Brasil, depois Banco do

Estado, veio também os Correios e comércios em geral. Não tinha movimento algum aqui, só

passava gente nova por aqui vindo pelo rio ou de avião, aqueles "teco teco," que agente

fretava como se fosse um ônibus.

6- A senhora se lembra da Caravana de Integração Nacional?

Resposta. Sim, vieram uma faixa de 150 carros, e olha que nesse tempo carro era

muito difícil. Então eles limparam e cercaram uma área no "pé da ponte" e colocaram os

carros lá, eles dormiram lá e pela manhã começaram a atravessar para o Tocantins.

7- A ponte contribuiu para a emancipação de Estreito?

Resposta. Contribuiu sim, foi uma das melhores coisas, principalmente pra dois

homens daqui que queriam muito ver Estreito melhorar que eram o Sidney Milhomem e o

doutor Marçal.

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APÊNDICE J - ENTREVISTA 10

JACI SANTOS

Jaci Santos, 70 anos, dona de casa, esposa do seu Ernane dos Santos Barbosa, veio

para Estreito em 1951. Um pouco envergonhada, aproveitando da entrevista que fazia com o

marido, no dia 12 de junho de 2011, concedeu uma pequena entrevista gravada a autora desse

trabalho, de onde se extraiu apenas os trechos abaixo.

1. Como era a movimentação do Estreito quando a senhora chegou aqui nos anos

50 ?

Resposta. Tinha um torno de 27 casas, só veio aumentar depois da ponte. As casas

que não era feita de palha era feita de adobão cru. Estreito era tão pequeno que quando

matava um gado o vendedor ia pra beira do rio e soprava um búzio pra poder o povo da ilha,

povo que morava na ilha, ir comprar carne, pra saber que naquele dia tinha carne. Matava um

gado e não tinha ninguém pra comprar, por isso tinha que soprar um búzio para vim mais

gente.

Mas olha quando eu cheguei aqui que eu vi esse rio, eu impressionei, eu me

impressionei mesmo, meu Deus que coisa enorme.

2. Tinha meios de comunicação?

Resposta. Só o rádio, mas era pouco. O primeiro que eu conheci foi na casa do

Virgilio, depois o “Né” comprou um. Eu fiquei besta, boba, quando vi na casa do velho Chico

aquele negócio ali falando, quando eu olhei pro chão e vi aquele negocinho falando, falei:

meu Deus que quer isso? (risos).

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APÊNDICE L - ENTREVISTA 11

RAIMUNDO TAVARES DA SILVA

Raimundo Tavares da Silva, 70 anos, pescador, oriundo da cidade de Carolina

(MA), veio morar em Estreito em 1969. Seu Raimundo Tavares da Silva foi um dos que

vieram do sertão para trabalhar na construção da ponte em 1961.

No dia 23 de junho de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse

trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1- Quando o senhor chegou aqui tinham quantos pescadores? E quanto a pesca

como era?

Resposta. Tinha uns trinta e três pescadores por volta o ano de 69,70. Era de anzol

mesmo, agente vendia pra Araguaína pra cá mesmo, agente abastecia esses restaurante todos

daqui, e os peixes pequenos agente vendia pra população.

2- Como era o comércio de Estreito quando o senhor chegou aqui? Era

diversificado.

Resposta. Tinha comércio, a primeira farmácia que tinha era do “seu Né”. Tinha

quitandas, mas de tecido, tinha mecânica, o senhor Góias foi o primeirinho. Tinha umas

feirinhas por ali, mercado.

3- Tinha muita gente que tinha carro?

Resposta. Não, não, tinha só jipe, aliás o primeiro era do seu “Né” da farmácia, ai

depois que foi modernizando os carros começaram a fazer linha pra Carolina.

4- Estando no sertão o senhor ouviu falar da construção da ponte?

Resposta. Eu trabalhei foi nela, trabalhei nela com os meus 20 anos, trabalhei uns

dois anos como ajudante. Quando cheguei na época da construção aqui num tinha

movimentação de nada, não tinha casa. Com a chegada dos trabalhadores movimentou mais,

pra ali tinha muito era cabaré, o puro, tinha um chamado de “Pau Pega”. Tinha muito bar, era

de um lado e outro. Ah Tinha muita coisa errada aqui, boa não tinha não, mais errada tinha.

5- Além de bares e cabarés os trabalhadores tinham outras distrações?

Resposta.Tinha sim, filmes, tinha um salão pra nós assistir, era a nossa diversão

quando agente queria ver uma imagem, não existia televisão na época. Além de cabarés e

bares os peão se divertia no cinema. Era do Chico Brito. Era grande e bunito. Era muita gente

que ia, namorados. Não tinha outro lugar pra ir, era a única diversão que tinha aqui. A maioria

dos filmes que passava era de faro West. O pessoal gostava de ‘Ringo vem pra matar’, ‘O

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últimos dos pistoleiros’. Tinha também filme de terror. Era igual a uma igreja, quando você

chegava tinha uma bancada, com a nivelação de uns altos outros mais baixos. A tela era

porreta [...].

Tinha um alto falante que era colocado de um lado e outro, num porte. Dava as

noticias boa, ruim, ou alguma pessoa mandava colocar alguma música, declaração, mensagem

pro namorado. Mas tudo no dinheiro, no comércio. Você chegava lá e falava eu quero

procurar fulano de tal, ai não era num telefone, não tinha celular. Aí ele chamava, fulano de

tal, não sei quem ta te esperando em tal lugar e aí a pessoa ia.

6- O senhor foi à festa de inauguração da ponte?

Resposta.Tava. Foi a primeira vez que eu tomei cerveja. Os bares vendiam mais

era cachaça. Nunca tinha tomado cerveja, além de tudo gelada [...].

Fizeram o aeroporto na inauguração da ponte, que foi pra JK passar. Tinha muito

gente que nem fiquei sabendo quem era o presidente [...].

Depois de terminada às vezes à tardinha ficava tomado de gente lá o povo ia

passear em cima da ponte [...]. Passaram muitas aviões debaixo da ponte às vezes agente não

dava nem conta de contar quantas. Tinha gente que pulava da ponte também.

7- O senhor considera que o Estreito melhorou depois dessa construção?

Resposta. Foi, ninguém nem fala de Estreito da ponte pra trás, ninguém nem

comenta. O que levantou Estreito foi a ponte.

8- Quanto ao plebiscito o senhor se lembra, o povo ficou feliz em se desligar de

Carolina?

Resposta. Sim teve muita festa, não lembro direito mais teve festa sim. E o povo

ficou feliz demais, tudo que tinha que resolver em Carolina podia resolver agora aqui mesmo,

pra registrar os filhos tinha que ir em Carolina ou Tocantinópolis.

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APÊNDICE M - ENTREVISTA 12

GESSIONE FRONTE FRANCO

Gessione Fronte Franco, 66 anos, funcionário público, nascido na cidade de

Tocantinópolis (TO), veio morar Estreito ainda criança. Seu Gessione é filho de seu Virgilio

Franco, o primeiro comerciante da cidade de Estreito.

No dia 11 de junho de 2012, concedeu uma entrevista gravada a autora desse

trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1- Quais suas lembranças de Estreito quando o senhor era criança? Como era a

cidade?

Resposta. Eu acho que em 1951 tinha mais ou menos aqui umas sete casas de

palha. E a de telha que tinha aqui era a nossa casa. E o transporte na época era tudo marítimo,

não tinha estrada, não tinha nada, só chegou estrada aqui em 1959. Tinha a Escola Rui

Carvalho, quando eu tinha dez anos eu estudava nela. Tinha só uma igrejinha, que era coberta

de telha e as paredes de taipas, era católica do padroeiro São Sebastião.

2- Qual a atividade econômica de Estreito nessa época?

Resposta. Ah a atividade econômica aqui, meu pai era comerciante, tinha também

agricultura e agropecuária.

3- E os bens necessários, tipo alimentação, vestuário eram comprados aonde?

Resposta. Naquela época, o comércio era feito em Carolina, Tocantinópolis ou em

Marabá.

4- Como era que se ia para essas cidades?

Resposta. Tinha que ser de transporte marítimo, canoa, motor. E não era toda vez

não que se podia ir, tinha os dias que os barcos passavam.

5- Que dificuldades Estreito sofria pelo fato de não ter estradas?

Resposta. A dificuldade que tinha era porque não tinha estrada pra cá. A

comunicação era feita por Telégrafo pelos Correios. Era um fio que ligava a Porto Franco,

Carolina e parece que ia até Imperatriz. Tudo era através de telegrama, tinha que digitar aqui e

tinha tipo uma rádia ali, aí você liga seu rádio e pega o som, era esse o meio de comunicação.

A gente vivia isolado. Então quando tinha alguém, por exemplo, que vinha de Carolina pra cá,

ou de Tocantinópolis, aí você perguntava menino tu vai pra onde? Aí entregava a

encomenda... Tudo era mais difícil. Pra ir pra São Luís tinha que ir para Carolina pegar um

avião que tinha lá.

Page 97: JOELIA BEZERRA DE MORAIS - Universidade Estadual do Maranhão

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6- E a navegação do rio Tocantins era perigosa?

Resposta. Não porque tinha barco de todo tamanho, tantos quilos, tantas

toneladas, era o transporte que transportava mais era gasolina, secos e molhados, mercadoria

pra vender aqui para a população, comércio a varejo, tudo era através de barcos, não tinha

outro meio de comunicação, só barco. Eles compravam em Carolina, Marabá, Belém e iam

vender aqui, aí vinham fazendo escalas, Belém, Marabá, Tocantinópolis, Estreito, Carolina.

7- E o valor desse transporte quando se queria ir, por exemplo, pra Tocantinópolis,

Porto Franco?

Resposta. Não lembro quanto era. Mais era tipo hoje quando você vai daqui pra

Porto Franco de carro você paga seis reais era assim, às vezes só pagava mais quando tinha

muita mercadoria.

8- O senhor se lembra como era feito antigamente o transporte do gado no rio

Tocantins?

Resposta. Lembro o gado aqui era atravessado nadando, depois em 1955 meu pai

comprou uma balsa era tipo um curral com duas canoas grande, aí quem vinha de Ceará, do

Maranhão para ir para o Goiás atravessava os animais nessa balsa, quando não tinha essa

balsa, os animais atravessavam nadando, e as pessoas, com suas bagagens iam de canoa.

9- Como os políticos de Carolina administravam Estreito?

Resposta. De uma forma precária, era difícil eles aparecerem aqui. Eles prometiam

muito, como hoje, mas naquela época era difícil por causa do acesso. Naquela época pra cá

não teve nada de construção, de obra pública, foi só o Colégio Rui Carvalho, em 1954 fizeram

um mercadozinho, depois foi desativado.

10. Como a população ficou sabendo da construção da rodovia Belem-Brasília?

Resposta. Quando foi pra surgir a rodovia a ponte aqui foi rápido. A ponte chegou

no imprevisto, chegou de uma hora pra outra, não tinha meios de comunicação. Só se soube

da rodovia dois dias antes de chegar um trator em Estreito. Ninguém acreditava que a ponte

seria feita, foi tudo muito rápido, era um sonho. Fazer uma ponte, estrada, como é que se faz

isso? Nem rádio tinha na época, se acontecesse a morte de algum político só se sabias depois

de um ano.

11- Teve algum preparativo na cidade para receber os trabalhadores da ponte?

Resposta. Os trabalhadores foram chegando e se alojamento, tinha só o hotel do

seu Gilberto, foi feito acampamentos. Eram em torno de mil homens e vieram de todo Brasil,

São Paulo, Goiânia.

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[...] Daqui poucas pessoas trabalharam na ponte, pois não tinha mão de obra

qualificada, era no serviço braçal mesmo, ninguém estava preparado pra isso. A cidade ficou

agitada, começou a crescer, desenvolveu muito com a construção dessa ponte, foi um dos

primeiros passos para o desenvolvimento do Estreito foi a construção dessa ponte, mas

Carolina ainda segurou por vinte anos ainda, não soltava Estreito, se logo depois da

construção Estreito tivesse sido liberado, Estreito tava mais desenvolvido, tudo era Carolina,

tudo era Carolina.

12 - Como foi a inauguração dessa ponte?

Resposta. Na inauguração da ponte veio gente de Carolina, Porto Franco,

Filadélfia, Tocantinópolis, Grajaú, tantos políticos como a população. Primeiro porque vieram

conhecer o presidente Juscelino e depois essa grande obra. Vieram jornalistas, foi tudo

documentado, filmado. O governador do Maranhão veio e discursou.

[...] Teve festa, churrasco. A ponte ficou cheia, cinco a dez mil pessoas no

máximo, tinha muita gente com aquele monóculo, tiraram foto da ponte cheia de gente,

vendiam muito.

13- Com a construção da ponte quais as mudanças que ocorreram no Estreito?

Resposta. O comercio, pecuária, agricultura, desenvolveu muito comércio de secos

e molhados, tecidos, supermercados. Ruas foram abertas. A ponte foi a salvação de Estreito.

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APÊNDICE N - ENTREVISTA 13

ERNANE DOS SANTOS BARBOSA

Ernane dos Santos Barbosa, 75 anos, aposentado, oriundo do Estado do Piauí,

veio morar em Estreito em 1958. Seu “Né da Famárcia”, como é conhecido, pelo fato de ter

iniciado esse tipo de comércio no Estreito, era quem cuidava da saúde da população da antiga

vila Paranaidji, a aplicação de seus poucos conhecimentos medicinais lhe renderam o titulo de

primeiro “médico” do Estreito.

No dia 12 de junho de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse

trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.

1- Quais as dificuldades que a população de Estreito passava por conta da ausência

de Estradas

Resposta. Era ruim principalmente quando se ficava doente, era um sofrimento,

tinha que ir pra beira do rio esperar um transporte para ir pra Tocantinópolis, pra fazer um

tratamento era só lá que tinha médico. Estreito era isolado, só por canoa, barco. Olha uma vez,

quando minha esposa foi ganhar a primeira menina, eu tive que fretar um motor de

Tocantinópolis pra poder trazer o médico, ele já chegou já tarde ela tava quase ganhando

neném, eu fiquei doido...Não tinha transporte, ela passando mal com a menina, rapaz foi uma

luta. Aqui não tinha médico não, eu que atendia a população,quando era um caso mais sério ia

pra Tocantinópolis, que era a cidade mais próxima [...]

Nessa época eu ajudava junto com a parteira, atendia nas casas, aplicava injeção.

2- Como a população recebeu a notícia da construção da ponte?

Resposta. A população ficou muita ativa com a construção da ponte. Uns ficaram

assim acreditando outros não, porque a gente acreditava mais no presidente, porque Juscelino

quando dizia que ia fazer, fazia mesmo, a gente acreditava por isso [...]

[...] Olha você sabia que eu fui a primeira pessoa a comprar um jipe aqui no

Estreito foi... Eu fui a primeira pessoa a comprar um jipe aqui num Estreito. Quando chegava

com ele no sertão o povo ficava tudo com medo, parecia um comício, o carro ficava cheio de

gente ao seu redor, ficava em cima do carro, até nos pneus (risos). Comprei ele em 1964 em

Carolina.

3- Qual a reação da população quando Juscelino chegou para a inauguração da

ponte ?

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Resposta. O povo ficava tudo otimista, o pessoal gostava dele, ele era um

destimido, não tinha medo, ele vinha abraçava as pessoas, pegava nas mãos, não era como

outros que ficava com policiamento, tudo cercado. Ele vinha como nós, todo apaizana, ele era

muito bom, todo mundo gostava dele, o povo do interior tudo gostava dele, ele era um homem

trabalhador.

4- O que mudou em Estreito depois da ponte?

Resposta. Depois da ponte, o comércio de Estreito cresceu e Carolina cresceu o

olho, os prefeitos vinham e tiravam os melhores lotes para venderem.

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Moraes, Joelia Bezerra de. Memórias da vila: a ponte Juscelino Kubitschek e o processo

de emancipação da Vila Paranaidji (1961-1982) / Joelia Bezerra de Moraes.– São Luís, 2012.

99 folhas TCC (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual

do Maranhão, 2012. Orientador: Profa. Júlia Constança

1. Juscelino Kubitschek. 2. Vila Paranaidji. 3. Modernidade.I.Título

CDU 94(817.4)