joelia bezerra de morais - universidade estadual do maranhão
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
CURSO DE HISTÓRIA
JOELIA BEZERRA DE MORAIS
MEMÓRIAS DA VILA: a Ponte Juscelino Kubitschek e o processo de emancipação da Vila
Paranaidji (1961/1982).
São Luís
2012
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JOELIA BEZERRA DE MORAIS
MEMÓRIAS DA VILA: a Ponte Juscelino Kubitschek e o processo de emancipação da Vila
Paranaidji (1961/1982).
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de História da Universidade Estadual
do Maranhão para obtenção de grau em
História Licenciatura Plena.
Orientadora: Prof.ª Dra. Júlia Constança
Pereira Camelo
São Luís
2012
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JOELIA BEZERRA DE MORAIS
MEMÓRIAS DA VILA: a Ponte Juscelino Kubitschek e o processo de emancipação da Vila
Paranaidji (1961/1982)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de História da Universidade Estadual
do Maranhão para obtenção de grau em
História Licenciatura Plena.
Aprovado em:___/___/___
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Dra. Júlia Constança Pereira Camelo – Orientadora
Universidade Estadual do Maranhão
1º Examinador
2º Examinador
São Luís
2012
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Aos estreitenses...
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AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus, meu criador, meu Pai, meu amigo, minha vida, minha certeza.
Quero Te louvar Senhor enquanto viver, enquanto tiver fôlego...
Aos meus pais João Batista de Morais e Joelina de Morais pela vida, pela
educação, por não ter medido esforços para minha formação. Amo vocês, agradeço a Deus
por ter me concedido pais maravilhosos e oro para que lhes conceda muitos anos de vida.
Aos meus irmãos Josué de Morais, Joel de Morais e Joabe de Morais, os homens
da minha vida. Que Deus abençoe a todos.
Ao meu marido Cássio Mendes que muito me ajudou na concretização desse
trabalho. Obrigada pelos acompanhamentos nas pesquisas, principalmente nas cidades
Carolina e Imperatriz, pelas idas às bibliotecas, as entrevistas, a UEMA para resolver
problemas burocráticos. Obrigada por tudo! Agradeço a Deus por ter me dado esse homem
maravilhoso, e que em breve venham os frutos do nosso amor. Te amo!
Agradeço também a Adeci Campos, uma segunda mãe que Deus colocou na
minha vida. Tive sorte de ter uma sogra incomparável.
Aos meus amigos do curso de História (noturno 2005), Elizabeth, Nayara,
Geciene, Uslan, Isabel, Mariza, Anilte, Vanessa, saudades de todos vocês, vivemos momentos
inesquecíveis. Agradeço também os professores do curso que contribuíram para minha
formação, em especial a professora Júlia Constança pela orientação. Obrigada professora! Sua
orientação foi valiosa e me fez acreditar que tudo daria certo.
Aos amigos que me acolheram durante os dois anos que morei na cidade de
Estreito (MA), em especial à irmã Maria Vieira, Jessilene Vieira e o seu pai seu Dacruz
Vieira, obrigada por vocês te me recebido em sua casa nos momentos que mais precisei, e ter
me tratado como filha. Deus os abençoe grandemente, só Ele para pagar o que fizeram por
mim.
Agradeço também à Maria José Milhomem, Maria Brito, Ana Flávia Ayres,
Tinara Bueno, Serlige Leite, Keilane Cutrim, Emerson, Euziléa Gonçalo, Euseli Coutinho,
Mara Vilar, Terezinha, Allysson, Marlene, Karine, Lourival, Adriana, Tancredo, Francinete,
Marli e Bruno, e todos do Fórum “Aristides Lobão” da cidade de Estreito que porventura não
fora citado. Agradeço a todos, foi muito bom o tempo que passei com vocês, estão em meu
coração.
Não posso deixar de agradecer aos senhores e senhoras da cidade de Estreito que
me receberam em suas casas e me falaram de suas vidas sem hesitarem. São eles: seu Valmir
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Siebra Vilar, Sebastiana Salviano Vilar, Maria de Lourdes Marinho, Pedro Lúcio das Chagas,
Genésia Vieira de Jesus Góis, José Rocha Reis, Gessione Fronte Franco, Ernane dos Santos
Barbosa, Jaci Santos, Izailda Rodrigues Silveira, Sebastião Pereira, Raimundo Tavares da
Silva e Manoel Leal Parrião. Obrigada! Sem vocês esse trabalho não existiria.
À Geogiana Parrião pelas idéias, pela amizade, pelas conversas no final do dia. És
especial amiga. Nós passamos por muitas coisas juntas, mas graças a Deus Ele nos deu a
vitória.
À minha amiga Sandra Leite por ter me ajudado nos momentos de desespero na
finalização desse trabalho. Obrigada! Deus abençoe.
Ao pesquisador Adalberto Franklin, por ter respondido meus email, e ter
concedido obrar raras como a Belém- Brasília (1967) de Orlando Valverde e Catharina
Vergolino Dias, bem como Meu pé de tarumã florido (1997) de Waldemar Gomes.
Ao jornalista Carolinense Waldir Azevedo Braga, diretor da Folha do Maranhão
do Sul, pelas indicações de pesquisa.
Enfim, a todos que me ajudaram de todas as formas na concretização desse
trabalho, manifesto o meu MUITO OBRIGADA.
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A melhor maneira de saber a história de um
povo é o ouvindo contar.
Narradores de Javé (Eliane Caffé, 2003)
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RESUMO
O presente trabalho visa analisar através da oralidade e da memória, o significado econômico
e social da Ponte Juscelino Kubitschek para os moradores da vila Paranaidji, atual cidade de
Estreito (MA), bem como discutir de que maneira as transformações causadas pela construção
da ponte criaram condicionantes para a posterior emancipação da vila, tendo em vista a
propagação de um discurso “modernizante”, que definiu novas maneiras de olhar, pensar e
agir da pequena comunidade, constituindo nos moradores a idéia de pertencer a uma cidade
“progressista”, fato que ainda pode ser observado até os dias de hoje.
Palavras-chave: História oral. Rodovia Belém- Brasília. Ponte Juscelino Kubitschek. Vila
Paranaidji. Emancipação política.
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ABSTRACT
This paper aims to analyze through orality and memory, the social and economic significance
of JuscelinoKubitschek Bridge to the dwellers of Paranaidji borough, now the town of
Estreito (MA), and also discuss how the changes caused by construction of the bridge created
constraints for subsequent emancipation of the borough, with a view of the propagation of a
"modernizing" speech, which defined new ways of looking, thinking and behave of this small
community, providing in the inhabitants the idea of belonging to a "progressivist" city, a fact
that can still be observed until the present day.
Keywords: Oral history. Rodovia Belém-Brasilia. Juscelino Kubitschek. Bridge Paranaji
borough. Politic emancipation.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Mapa do Traçado da Rodovia Belém – Brasília ................................... 23
Figura 2 Bernardo Sayão administrando a derrubada de uma árvore ................. 24
Figura 3 Juscelino Kubitschek visitando o desmatamento para construção da
Belém-Brasília ......................................................................................
25
Figura 4 A Chegada da Caravana de Integração Nacional em Brasília .............. 26
Figura 5 Mapa do Sul do Maranhão .................................................................... 29
Figura 6 Ponte Juscelino Kubitschek (antes e depois) ........................................ 33
Figura 7 Jornal Diário da Manhã de 24 de Janeiro de 1961 ............................... 42
Figura 8 Juscelino Kubitschek em Imperatriz ..................................................... 42
Figura 9 Jornal Pequeno de 29 de janeiro de 1961 .............................................. 43
Figura 10 Fotografia da ponte de Estreito em 1960 .............................................. 45
Figura 11 Caminhão improvisado carregando gado em 1960 ............................... 49
Figura 12 Jornal Diário da manhã de 13 de janeiro de 1960 ................................. 53
Figura 13 Jornal Diário da Manhã de 26 de janeiro de 1960 ................................ 53
Figura 14 Crianças posando com o primeiro jipe da cidade de Estreito ............... 55
Figura 15 Meninos tomando banho no Rio Tocantins em 2008 ........................... 56
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Censo demográfico do Estado do Maranhão ............................................... 49
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LISTA DE SIGLAS
RODOBRÁS Comissão Executiva da Rodovia Belém – Brasília
SPVEA Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia
NOVACAP Companhia Urbanizadora da nova Capital
CAM Correio Aéreo Militar
FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 113
1. O GOVERNO DE JUSCELINO KUBITSCHEK (1956-1961) .................................... 17
1.1 JK e o Nacional Desenvolvimentista ............................................................................ 17
1.2 A Rodovia Belém-Brasília e a Integração Nacional .................................................... 20
1.3 O urbanismo modernizante da Belém-Brasília ........................................................... 26
2. A PONTE JUSCELINO KUBITSCHEK: a arquitetura inovadora do governo de JK no
sertão maranhense ................................................................................................................ 28
2.1 O local escolhido ........................................................................................................... 28
2.2 A Construção da ponte: a glória da Engenharia Nacional ........................................... 301
3. PASSAGEM PARA O MODERNO: a inauguração da Ponte JK e o seu significado para
os moradores da Vila Paranaidji ........................................................................................... 35
3.1 O sentimento de urbanidade: as transformações ocorridas na Vila (1961/1982) ........... 45
3.2 O plebiscito de 1982: a vitória da Vila ........................................................................... 57
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 64
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 66
APÊNDICES ....................................................................................................................... 70
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INTRODUÇÃO
Estudar a região Sul do estado do Maranhão é uma tarefa difícil, pois temos a
preocupação de “sempre olharmos para as dinâmicas metropolitanas, no circuito superior, e
não para o Brasil profundo” (DOWBOR apud FLANKLIN, 2008, p.11), ainda mais em se
tratando de um município recentemente criado, cujo nome só se tornou conhecido devido à
instalação em seu território de uma Usina Hidrelétrica (UHE), em andamento desde 2002.
Apesar de hoje existirem diversos trabalhos monográficos sobre a história
regional sertaneja, durante muito tempo houve uma grande lacuna desse tipo de história na
historiografia do Maranhão. O sul do estado não era estudado em sua especificidade, sendo
incorporado a uma história oficial à qual não pertencia. “O discurso historiográfico, ao
generalizar para todo o Maranhão, uma história que se restringe apenas a determinadas
regiões, tendeu a uniformizar diferentes espaços historicamente constituídos” (CABRAL,
1992, p. 20).
Por conta disso, a “identidade histórica maranhense foi construída a partir de um
referencial que contemplou apenas as áreas com origem no litoral, constituindo-se numa visão
homogeneizadora da história maranhense”. (CABRAL, 1992, p. 20). Sendo assim, o que
sabíamos sobre a História do Maranhão era a “historieta de São Luís” (REIS FILHO, apud
COELHO, 1979, p. 8).
O município de Estreito (MA) possui apenas 29 anos, e sua história em quase
nada se liga a São Luís, muitos moradores nem conhecem a capital do estado. Antigamente a
“terra da promissão” para os estreitenses era o estado do Pará, especificamente as cidades de
Belém e Marabá.
Nesse contexto, esta pesquisa torna-se benéfica e imprescindível, na medida em
que contribuirá para o desenvolvimento de um material histórico da cidade de Estreito, visto
que não existe nenhum trabalho com essa pretensão.
O interesse pelo tema surgiu durante o período em que morávamos na cidade,
quando, conversando com os moradores mais antigos, observamos o carinho com que falavam
sobre a ponte Juscelino Kubitschek e como eles atribuíam a ela o desenvolvimento da cidade.
Em entrevistas com alguns moradores, todos disseram que a ponte foi a
“salvadora” de Estreito, que sem ela a cidade não seria nada. Além disso, percebemos que,
quando falavam na emancipação da cidade, a memória dos moradores se voltava para a ponte,
como se ela tivesse alguma relação histórica.
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Daí surgiram os seguintes questionamentos: Como foi a construção da ponte JK?
Qual a reação da população mediante essa construção? Quais as transformações que ela
causou na antiga vila? De que maneiras essas transformações influenciaram no processo de
emancipação da vila ao ponto de atrelarem a inauguração da ponte, em 1961, a emancipação,
em 1982? São essas perguntas que pretendemos responder ao longo do texto.
Devido às lacunas deixadas pela falta de documentação, o que tornou essa
pesquisa bastante desafiadora, optou-se pela metodologia da história oral. Como a construção
da ponte Juscelino Kubitschek e o processo de emancipação da cidade foram acontecimentos
recentes, muitos moradores participaram do evento histórico e puderam contribuir com a
nossa pesquisa relatando suas experiências vividas naquele período.
Ressaltando que, o fato de utilizarmos a história oral como método, não significa
que a vemos somente por esse conceito, como se ela fosse apenas um simples procedimento
histórico. Compartilhando com a definição de Lozano (2006, p. 16), história oral é
Mais do que uma decisão técnica ou de procedimento; que não é a depuração técnica da entrevista gravada; nem pretende exclusivamente formar arquivos orais;
tampouco é apenas um roteiro para o processo detalhado e preciso de transcrição da
oralidade; nem abandona a análise à iniciativa dos historiadores do futuro. Diria que
antes um espaço de contato e influência interdisciplinares; sociais, em escalas e
níveis locais e regionais; com ênfase nos fenômenos e eventos que permitam,
através da oralidade, oferecer interpretações qualitativas de processos históricos.
Assim, longe de fazer um debate teórico sobre o status da história oral, se é uma
fonte, uma disciplina, uma técnica ou método histórico, pois acreditamos “que sua definição
está intrinsecamente relacionada com a pesquisa que se quer desenvolver” (MAGALHÃES;
BRAYNER, 2001, p. 181). O nosso objetivo é interpretar o passado recriado pela memória1
dos moradores da antiga vila Paranaidji, a fim de entender o contexto do objeto analisado.
Dessa forma, através da oralidade2, conhecemos diversos discursos do evento
histórico investigado, os quais foram decompostos e interpretados, pois, como diz Thompson
(1992, p. 288), “a realidade é complexa e multifacetada; e um mérito principal da história oral
é que, em muito maior amplitude do que a maioria das fontes permite que se recrie a
multiplicidade original de pontos de vistas”.
Para conseguir essas fontes orais e iniciarmos a pesquisa proposta, foram
entrevistados moradores mais antigos da cidade de Estreito (MA) que vivenciaram alguns
eventos históricos do período como: o crescimento do povoado até se tornar vila (1948), a
1 Conjunto de atividades cerebrais (psíquicas) que permite ao indivíduo a capacidade de armazenar, conservar e
atualizar informações representadas como passados (LE GOFF, 1990, p. 419). 2 Componente central da história oral é a maneira pela qual a memória é transmitida (ZANONI apud ARAÚJO, 2005, p.116).
15
construção da ponte Juscelino Kubitschek (1958) e inauguração (1961), bem como a
emancipação da vila da cidade de Carolina (1982).
Como a cidade é pequena e o número de idosos é bem resumido, não tivemos
dificuldades de localizá-los. No total foram realizadas treze entrevistas, sendo oito no Bairro
chamado Beira-Rio, um dos mais antigos da cidade, próximo da ponte e do rio Tocantins. As
demais foram feitas na área central do município.
As pessoas que participaram das entrevistas, na época do evento ocupavam as
mais variadas funções, eram donas de casas, lavradores, artesãos, boiadeiros, comerciantes,
farmacêuticos, atravessadores de gado, funcionários públicos e pescadores. Pessoas comuns
que, sem hesitar, nos revelaram suas experiências passadas. Como diz Bosi (1994 apud
SOUSA, 2006, p. 2), “a recriação do passado é feita por pessoas simples, testemunhas vivas
da história”.
Com o objetivo de elucidar a temática abordada, foi aplicado um questionário
com os moradores que foram escolhidos na cidade, sendo que as perguntas do questionário
sofreram modificações de acordo com as novas questões tocadas por eles. A entrevista
dirigida, conhecida como temática, foi necessária à medida que a história pessoal do narrador
só nos interessaria se estivesse ligada ao nosso objeto de estudo. Segundo Alberti (2005, p.
61).
O objeto de uma entrevista temática, tal qual considerada aqui, não constitui a
trajetória de vida do entrevistado, e sim uma parte de sua vida: aquela estreitamente
vinculada ao tema estudado. Seu depoimento é solicitado na medida em que possa contribuir para o estudo de determinado tema, e assim as perguntas que lhes serão
dirigidas terão o objetivo de esclarecer e conhecer a atuação, as idéias e as
experiências do entrevistado enquanto marcadas por seu envolvimento com o tema.
Depois de gravados, os depoimentos foram transcritos e analisados, sendo
confrontados com os demais depoimentos e fontes, pois “toda evidência, escrita ou oral, que
remonte a uma única fonte deve ser encarada com reserva; deve-se buscar uma corroboração
para ela” (VANSINA apud THOMPSON, 1992, p. 307).
Esse procedimento é necessário porque ao rememorar3, o narrador não traz o
passado como ele realmente aconteceu, mas o resignifica a partir da experiência do presente.
Sendo assim, por se posicionar no presente, a visão que o entrevistado apresenta
hoje não é a mesma de quando aconteceu o evento.
3 Rememorar não é apenas voltar ao passado, é trazer à tona a sensibilidade adormecida pelo tempo, é
questionar, a partir das experiências do presente os sentidos do passado, é a possibilidade de reavaliar e vivenciar
novas experiências (FERREIRA, 2010, disponível
em:<http://www.encontro2010.historiaoral.org.br/resources/anais/2/1270424312_ARQUIVO_NARRATIVASD
EVELHOSCEGOSEMSOBRAL.pdf>.
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Assim, ao criar objetos de estudos a partir da oralidade, a história oral contribui
para a produção de novos conhecimentos históricos. Dessa forma, a prática da história oral
não se resume exclusivamente a constituição de acervos orais, mas auxilia o historiador a
compreender o mundo que está a sua volta, preenchendo muitas vezes lacunas deixadas pela
documentação escrita.
O recorte temporal (1961-1982) foi escolhido pelo fato de representar um período
em que houve grandes transformações no âmbito econômico e social na vila Paranaidji
causadas pela construção da ponte Juscelino Kubitschek que logo depois seria chamada de
“[...] orgulho da engenharia nacional” (FLANKLIN, 2008, p. 125). A ponte foi inaugurada no
dia 29 de janeiro de 1961, fato histórico que impactou a vida da comunidade local e imprimiu
um novo ritmo de vida, favorecendo a posterior emancipação em 12 de maio de 1982.
O trabalho foi organizado em três capítulos. No primeiro discutimos o governo de
Juscelino Kubitschek a partir da implantação do programa nacional desenvolvimentista,
analisando a construção da rodovia Belém-Brasília e o urbanismo modernizante resultante da
mesma.
No segundo, trabalhamos a construção da Ponte Juscelino Kubitschek na vila
Paranaidji, apresentando os aspectos socioeconômicos e culturais da sociedade local.
O terceiro capítulo traz a análise do significado da ponte para os moradores da
vila, bem como as transformações nos aspectos urbanísticos e no cotidiano da população,
analisando ainda como essas transformações contribuíram para o processo de emancipação da
vila em 1982.
E no final, apresentados os resultados obtidos a partir das pesquisas realizadas.
17
1. O GOVERNO DE JUSCELINO KUBITSCHEK (1956-1961)
1.1 JK e o Nacional Desenvolvimentista
Nascido em Diamantina no dia 12 de setembro de l902, o médico urologista
Juscelino Kubitschek (o JK), foi prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais,
assumiu a presidência do Brasil em janeiro de 1956 depois de lutar contra os opositores do
seu governo que tentavam impedir sua posse, dentre eles as forças conservadores e os
antigetulistas.
Durante o seu governo (1956-1961), JK pretendia colocar em prática o slogan
“cinquenta anos em cinco” propagado em sua campanha política, cujo objetivo era aumentar a
produção industrial brasileira em apenas cinco anos. Para Moreira (2003, p. 157), JK
pretendia.
[...] governar estritamente dentro dos limites constitucionais e democráticos; acelerar o desenvolvimento econômico, implantado novas indústrias e prometendo fazer em
cinco anos o que levaria cinquenta; integrar a nacionalidade, antiga aspiração
herdada dos portugueses, construindo a nova capital e estradas que da floresta
amazônica, das chapadas do Oeste e das grandes cidades litorâneas convergiam até
Brasília, no Planalto Central do país. Resumia seu governo com as idéias de
movimento, ação e desenvolvimento.
A ideia era acelerar a industrialização e o crescimento econômico do Brasil para
tornar o país uma nação próspera. Esse projeto político de JK ficou conhecido como nacional
desenvolvimentista, “[...] cuja ideologia ofertava o ‘desenvolvimento nacional’ como algo de
todos e para todos, cujo resultado final seria a transição do Brasil para o mundo das nações
ricas, modernas e portadoras do bem estar-estar social” (MOREIRA, 2003, p. 165).
Para concretizar seu projeto desenvolvimentista o novo presidente lançou mão de
um amplo programa econômico chamado de “Plano de Metas”, “a mais sólida decisão
consciente em prol da industrialização na história econômica do país” (LESSA apud COSTA,
1991, p. 52). O plano constituía-se de metas entre os setores de energia, transporte,
alimentação, indústria de base e educação.
O programa de governo de JK assumiu integralmente a “linguagem do
desenvolvimento”. Mais conhecido como “Plano de Metas”, o programa era, na
realidade, um documento essencialmente econômico. Dividia-se em 30 metas,
distribuídas entre os setores de energia (metas 1 a 15), transporte (metas 6 a 12),
alimentação (metas 13 a 18), indústria de base (metas 19 a 29) e educação (meta 30)
(MOREIRA, 2003, p.159).
18
Além dos investimentos nesses setores, JK incluiu entre as metas a construção de
Brasília, a nova capital federal, considerada por ele a “meta síntese” do seu governo. Brasília,
símbolo da agitação desenvolvimentista da época, foi projetada pelo arquiteto Oscar
Niemeyer e pelo urbanista Lúcio Costa, que introduziram na arquitetura brasileira novas
formas de trabalhar o aço e o concreto armado, tornando a “[...] construção de Brasília uma
das mais importantes experiências arquitetônicas e urbanística do século XX” (REIS FILHO,
2006, p. 97).
Como o Brasil não tinha recursos próprios para financiar o programa, JK emitiu
papel-moeda e estimulou a instalação de grandes multinacionais no país, principalmente as
que produziam bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos. A iniciativa do presidente
contrariava o movimento da classe nacionalista, que até então apoiava sua plataforma política.
A classe era formada por sindicalistas, políticos, estudantes e intelectuais, e não aceitava a
participação do capital internacional na economia brasileira, o que propiciou o rompimento do
grupo com a política “nacionalista” de JK em 1960.
A abertura ao capital estrangeiro, modelo econômico que também foi utilizado por
Getúlio Vargas, ressaltava uma contradição existente na política de JK embasada no programa
nacional desenvolvimentista.
O governo de JK tinha um caráter ambíguo, na medida em que se mostrava nacionalista quando procura fomentar o progresso por iniciativa estatal ou toma
medidas que visam proteger o nosso trabalhador e consumidor nacional;
francamente antinacional quando, para atrair para o nosso país o capital estrangeiro
do qual faz depender o desenvolvimento do país (cujo o mérito atribui-se a si) se
dobra a todas as imposições daquele capital (NETO apud MOREIRA, 2003, p. 174).
Apesar das críticas, Juscelino Kubitschek colocou em prática seu plano de metas,
que segundo ele iria “aumentar o padrão de vida do povo, abrindo oportunidades de melhor
futuro” (KUBITSCHEK apud CARDOSO, H., 2005, p.181). É certo que o plano econômico
de JK não aumentou o padrão de vida da maioria dos trabalhadores brasileiros, mas trouxe
grandes transformações no campo industrial e urbano da época.
Diversas multinacionais foram implantadas no Brasil atraídas pelos incentivos do
governo. Automóvel, rádio, toca-discos, geladeira, máquina de lavar, enceradeira, dentre
outros, passaram a fazer parte da lista de compras da classe média, que ficava encantada com
as novidades vindas da maioria das vezes da indústria americana, que passou a influenciar
fortemente o estilo de vida do povo brasileiro. Sem falar do surgimento dos supermercados e
“Shoppings”, duas principais áreas de lazer que se desenvolveram no período.
19
Além das empresas estrangeira, JK fez grandes investimentos nas empresas
estatais como a Petrobrás, nas siderurgias e na construção de estradas. Vários aglomerados
urbanos surgiram, e se desenvolveram. Assim, “[...] com a industrialização acelerada e a
urbanização rápida vão criando nova oportunidade de vida, oportunidade de investimento e
oportunidade de trabalho” (NOVAIS; MELLO, 2006, p.581). No governo de JK
[...] a sociedade estava em movimento. Movimento de homem e mulheres que se
deslocavam de uma região a outra do território nacional; de trem, pelas novas estradas de rodagem, de ônibus ou amontoados em caminhões paus-de-arara.
Movimento de uma configuração de vida para outra, movimento de um emprego
para outro, de uma classe para outra, de uma camada social para outra. (MOREIRA,
2003, p. 585).
Movimento também na produção cultura, que nessa época foi intensa nos países
desenvolvidos ou os que estavam em desenvolvimento, como por exemplo, o Brasil. Esse
período ficou conhecido, no Brasil, como anos dourados, que correspondem à década de 1950
até a de 1960.
Durante os anos dourados os brasileiros se encantaram com o surgimento da
televisão, do cinema hollywoodiano, que divulgavam os costumes norte-americanos trazendo
novidades como a calça jeans, o hot-dog, o hambúrguer e a coca-cola. Na música, a juventude
deixava os bailes tradicionais e se divertia com o balanço do rock’n’roll de Elvis Presley e
Chuck Berry.
Os artistas brasileiros também contribuíram com essa ebulição cultural, na classe
média surgiu a Bossa Nova, estilo musical criado por Vinícius de Morais e pelos músicos
Tom Jobim e João Gilberto, a música era uma mistura do samba brasileiro com o jazz
americano, a novidades alcançou o mercado internacional a partir de 1962. Nasceu também o
cinema novo de Gláuber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, cuja principal característica era
retratar a realidade brasileira, colocar em cena o cinema-verdade.
Mas os benefícios gerados pelo desenvolvimento econômico durante o governo de
JK não foram sentidos pela maioria da população brasileira, a industrialização ficou
concentrada em São Paulo e Rio de Janeiro, e para os pobres, adquirir uma televisão ainda era
um sonho de consumo.
A inflação devido à emissão de papel-moeda para sustentar o Plano de Metas do
seu governo; a dívida externa; as diferenças regionais; a falta de uma reforma agrária; as
desigualdades sociais e alta concentração de renda nas mãos da minoria foram os principais
motivos que fizeram com que o Brasil continuasse subdesenvolvido, mesmo depois do
20
acelerado crescimento industrial proporcionado pelo programa nacional desenvolvimentista
de Juscelino Kubitschek (MOREIRA, 2003).
Para a historiadora Ana Maria Ribas Cardoso (2005), a ideologia do programa
nacional desenvolvimentista era uma argamassa que modelava o discurso do poder, através do
programa o presidente introjetava na memória coletiva a crença de que o progresso e os seus
benefícios poderiam ser igualmente compartilhados por todo conjunto da sociedade. JK queria
implementar o programa sem traumatismos sociais e ameaças à ordem estabelecida.
JK conseguiu colocar em prática seu “[...] plano político, firmado na
industrialização, consumismo e na consolidação urbana” (BAHIA, 2004, p.2), graças à
estabilidade política adquirida com seus discursos bem articulados, próprio de um político
populista. Sua ideologia desenvolvimentista trouxe para “[...] grande parte dos brasileiros a
sensação de que faltava uns poucos passos para finalmente nos tornamos uma nação
moderna” (NOVAIS; MELLO, 2006, p. 561).
Mas, até o final do seu mandado não foi isso o que aconteceu, o desenvolvimento
chegou para poucos. “O país desse modo, a despeito de toda aceleração e crescimento da
economia, não ingressou no bloco dos ‘países desenvolvidos’, permanecendo nos limites da
história de pobreza e de desigualdades sociais” (MOREIRA, 2003, p. 191), que o caracteriza
até os dias de hoje.
1.2 A Rodovia Belém-Brasília e a Integração Nacional
Desde os primeiros séculos da colonização brasileira houve uma preocupação com
a integração do território nacional, principalmente com os que faziam parte da região
amazônica, que até então estavam isolados pelos grandes domínios florestais, cuja
comunicação só era possível pela navegação do rio Tocantins e Araguaia. Como diz Valverde
e Dias (1967), “[...] o isolamento e a precariedade dos transportes fluviais fazia da região
Amazônia, barrada pelo tremendo obstáculo da selva, uma região tipicamente colonial”.
(VALVERDE; DIAS, 1967, p. 329).
Vários políticos brasileiros tentaram amenizar o problema da comunicação
investindo no sistema de transporte ferro-fluvial, alternativa que apresentou resultados
mínimos, pois criou apenas ligações precárias, sem falar que esse tipo de transporte tinha
custos elevados para a sua implantação e os governantes eram poucos persistentes em suas
iniciativas. Por conta disso, o centro do país, e os vales do Tocantins e Araguaia
especificamente, continuaram com sua economia isolada do restante do país, fato que
21
prejudicava o crescimento da economia nacional. “Havia uma necessidade de ocupar, povoar
e valorizar economicamente essa região” (COSTA, 1991, p. 50).
Foi no governo de Juscelino Kubitschek com a construção de Brasília, a nova
capital federal, juntamente com a implementação do “cruzeiro rodoviário”, formadas pelas
rodovias Rio – Belo Horizonte – Brasília; Brasília – Belo Horizonte - São Paulo; (via
Anhanguera) Belém – Brasília, Acre – Brasília, Goiânia – Brasília e Fortaleza – Brasília, que
o plano integracionista ganhou mais impulso. Essas e outras totalizavam quase 6.000 km de
estradas federais feitas durante o governo de Juscelino Kubitschek (MOREIRA, 2003)
A medida visava ligar Brasília4, que estava sendo construída no Planalto Central,
uma área distante e isolada do litoral, as outras regiões do Brasil, bem como eliminar uns dos
fatores que impediam o desenvolvimento industrial brasileiro: a falta de comunicação entre os
estados. As rodovias iriam interligar as regiões industriais, as áreas produtoras de matérias-
primas, e os centros consumidores.
Sendo construída na parte central do Brasil, a nova capital Federal representou a:
[...] implantação de um poderoso “posto de vanguarda” para o norte e o oeste do
país, regiões que o Estado vinha tentando capturar a algumas décadas. Como
verdadeiro pólo ou nó de articulação inter-regional, deslocou para a imensa
hinterlândia (território situado atrás de uma costa marítima ou de um rio) parte das atenções governamentais, dos segmentos privados da economia e da opinião pública
[...]. Enquanto esta era construída, vias de acesso para o sul, leste e nordeste e vias
de penetração para o norte e oeste eram abertas, todas convergindo para um mesmo
ponto (COSTA, 1991, p. 54).
A implantação do projeto rodoviário pelo presidente JK também foi influenciado
pelo desenvolvimento da indústria automobilística. No seu governo foram implantadas onze
montadoras, a Fábrica Nacional de Motores, a Ford, a General Motors, a Internacional
Harvester, a Mercedes-Benz, a Scania Vabis, a Vernag, a Toyota, Volkswagem, a Willis e
Dauphine-Renault (NOVAIS; MELLO, 2006, p. 591). Sendo que a construção das rodovias foi
beneficiada pela existência do Fundo Rodoviário Nacional, criado em 1946, e da Fundação da
Petrobrás, criada em 1957, que produzia o asfaltamento necessário para a abertura das
estradas.
Assim, através do sistema rodoviário, Juscelino Kubitschek integrou os espaços
geográficos com dificuldades de comunicação e de economia atrasada, com as regiões
industrializadas do sul, o que proporcionaria a ampliação do sistema capitalista baseada na
lógica do mercado internacional. Como diz Costa (1991, p. 54), “[...] Não se tratava de um
4 A ideia de construir Brasília no Planalto Central não é originária da política de JK. Desde o século XIX
políticos brasileiros visavam a transferência da capital para essa região, mas apenas JK colocou em prática tal
iniciativa.
22
plano para o território (o que é óbvio), mas de um plano para a expansão capitalista do país
em sua etapa industrial”.
A política integracionista do presidente JK ficou conhecida pelos políticos
ruralistas do Congresso Nacional como a “Nova Marcha para o Oeste”, fazendo referência ao
presidente Getúlio Vargas que, no período do Estado Novo (1937 – 1945), incentivou a
população a ocupar os vazios demográficos da região da Amazônia e do Centro-Oeste, a
investida ficou conhecida como “Marcha para Oeste” 5.
Segundo Valverde e Dias (1967) foi no governo de Getúlio Vargas que começou a
construção da atual rodovia Belém – Brasília a primeira estrada a passar pela região
amazônica. O trecho inicial foi construído em 1941 a 1944, ligando Anápolis a Ceres no
Goiás. Sua construção foi decorrente da criação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás,
administrada pelo então engenheiro Bernardo Sayão Carvalho Araújo que logo estendeu a
estrada até a cidade de Uruaçu.
Juscelino Kubitschek, que tinha o intuito de promover a “conquista interna” do
território brasileiro, utilizou-se das poucas picadas e estradas já existentes para iniciar a
ligação rodoviária entre a nova capital do país e o norte do Brasil. Com a construção da
rodovia Belém – Brasília, e das outras rodovias de integração citadas anteriormente, JK
conseguiu desviar a atenção do país do litoral e levá-la ao centro, novo pólo do poder.
A construção da rodovia Belém- Brasília, juntamente com a nova capital federal,
foi uma das atitudes mais audaciosas do governo de Juscelino Kubitschek, pois parte dela foi
construída numa região totalmente inexplorada da região amazônica, que anteriormente só se
comunicavam por meio da navegação de rios, principalmente o Tocantins e o Araguaia. Por
conta disso, o próprio presidente chegou a chamá-la de “autêntica epopéia do século XX”
(KUBITSCHEK apud BRITO, 2009, p. 77). Nessa região havia uma:
[...] dificuldade de escoar a produção e o ônus que se tinha com os desvios das
cachoeiras, desestimulava em proporções a dinâmica econômica regional. [...] o
trecho que saía do rio Tocantins era feito à cavalo e muitas vezes à pé por entre a
vegetação do cerrado, que proporcionava bom rendimento à caminhada e pouco
risco de ataque de onça, mas em contrapartida, aumentava o risco do ataque de
cobras (cascavel e jararacuçu). Na mata do norte da região, era grande a dificuldade
para se orientar em meio a imensidão da floresta. (BRITO, 2009, p. 75).
Com 2.070 km, a rodovia Belém- Brasília, que também é chamada de BR 14, é
formada por várias rodovias federais, dentre elas a BR 153, BR 010, BR 226 e a BR 060.
5 Projeto de colonização viabilizado pelo Estado Novo após a crise de 29, que pretendia criar uma economia no
interior do Brasil, a fim de sustentar as crises sulistas, mantendo a hegemonia dessa região sobre as demais. [...]
O resultado foi apenas algumas colônias agrícolas nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás.
(CHAVES, 2009, p. 74)
23
Atravessa o leste do Pará, o sudeste do Maranhão, Tocantins, Goiás e o sudoeste do Distrito
Federal. Sua construção começou em 1958, e parte dela foi inaugurada em 1960. (SANCHES,
2003).
Figura 01 – Mapa do traçado da Rodovia Belém-Brasília (trecho inicial/Belém e final/Brasília). Destaque (ponto
vermelho) para a cidade de Estreito (MA), fronteira entre o Maranhão e Tocantins, onde foi
construída a Ponte Juscelino Kubitschek.
Fonte - http://www.google.com.br/search?hl=ptBR&q=MAPA+DA+BELEBRASILIA&um=1&ie=UTF8&tbm
=isch&source=og&sa=N&tab=li&biw=1366&bih=576&sei=m20PUJbYO4iK8QTzm4HgCA
Para formalizar a execução da rodovia Belém – Brasília, foi criada a Comissão
Executiva da Rodovia Belém – Brasília (RODOBRÁS), através do decreto de Lei n° 43.710,
essa autarquia ficaria subordinada à Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia
(SPVEA). Para liderar o empreendimento, o presidente escolheu o engenheiro agrônomo
Bernardo Sayão de Araújo6, diretor da Companhia Urbanizadora da nova Capital
(NOVACAP), empresa estatal que liderou a construção de Brasília. (VALVERDE; DIAS,
1967).
6 Bernardo Sayão, o herói do desbravamento das selvas brasileiras e amigo do presidente Juscelino Kubitschek,
morreu numa área denominada “Ligação”, na base de Imperatriz, abatido por uma árvore que ele mesmo
mandara derrubar (FLANKLIN, 2008, p. 120). Em homenagem a Sayão a rodovia Belém-Brasília também pode
ser chamada rodovia “Bernardo Sayão”.
24
Figura 02 - Bernardo Sayão administrando a derrubada de uma árvore para a construção da Belém-Brasília
Fonte – SANCHES, 2003.
Devido a grandiosidade a obra foi dividida em 2 frentes de trabalho, “[...] uma
saindo de Goiás para o Pará, outra, vindo do Pará para Goiás” (BRITO, 2009, p. 77). O trecho
paraense foi o mais complicado, tanto para a construção, como para o abastecimento dos
trabalhadores, que vinham de diversos pontos do país, como relata Valverde e Dias (1967, p.
331).
Problema sério constituía o abastecimento da turma de pioneiros: enquanto eles
estavam internados na mata, acendiam fogueiras em determinados ponto para que,
vendo a fumaça, pilotos e teco-teco lhes atirassem os alimentos. Êstes eram jogados
dentro de sacos e constavam geralmente de feijão, arroz, farinha e enlatados. Consta-
se que houve casos de fornecedores apressados jogarem galinhas e porcos vivos do
avião. [...] A abertura da estrada dentro da hiléia foi, conforme se vê muito mais
árdua, mais demorada, de tal modo que a junção das turmas de construção, uma vinda do norte, outra do sul, deu-se dentro da floresta amazônica, no lugar que
recebeu o nome simbólico de ligação.
Para sua construção foram contratadas diversas empresas empreiteiras, o valor da
obra não se sabe ao certo, pois o tempo de JK “[...] foi o apogeu da irresponsabilidade fiscal”
(COUTO, 2009, p. 122). A corrupção envolvida na construção dessa importante via de
integração nacional, bem como na construção de Brasília, era digna de uma CPI, muitas
negociatas foram realizadas (AQUINO apud CHAVES, 2009, p. 74). Na nova capital,
[...] corriam rios de dinheiro público. Gastos colossais, impressionante quantidade e diversidade de obras, controle interno precário, controle externo distante. No
começo nem banco havia, tudo era pago com dinheiro vivo [...]. Diziam os
adversários que até material de construção eram trazidos de avião, a custo
25
exorbitante. Denunciavam roubalheira e escândalos, armavam investigação
(COUTO, 2009, p. 122).
Segundo o autor, por conta disso, Juscelino Kubitschek recebia muitas críticas dos
seus opositores políticos, além de considerarem a Belém-Brasília um empreendimento
impossível de ser realizado, devido às barreiras naturais impostas pela floresta amazônica.
Jânio Quadros apelidou-a de “estrada das onças”, Carlos Lacerda dizia que a mesma ligaria o
“nada a lugar nenhum”.
Figura 03 - Juscelino Kubitschek visitando o desmatamento para a construção da rodovia Belém-Brasília. Pela
imagem percebemos as dificuldades que os trabalhadores enfrentaram para vencer a barreiras impostas pela Floresta Amazônica.
Fonte - http://patrickroberto.blogspot.com.br/2010_01_01_archive.html.
Apesar das dificuldades, a floresta foi vencida, e no dia primeiro de fevereiro de
1960 a Belém-Brasília foi inaugurada, mas sua pavimentação só aconteceu doze anos depois,
no governo do presidente Médice (1969 – 1973). A viagem da “Caravana de Integração” 7,
formada por políticos, jornalistas e empresários, que saíram das regiões norte, sul, leste e
oeste do Brasil para assistir em abril de 1960 às cerimônias de inauguração da nova capital
federal, estreou essa importante via histórica.
7 A intenção da Caravana era mostrar a interligação do país por rodovia e a convergência para o Planalto Central,
desde o norte, sul o leste e o oeste, também que as distâncias poderiam ser vencidas pelos veículos produzidos na
nascente indústria automobilística nacional. Os empresários do setor juntaram colunas com cerca de cinquenta
unidades cada, eram Romisetas, DKM, jipes, caminhonetes, caçambas, caminhões e ônibus. A maior Caravana
saiu do norte, para percorrer 2.250 quilômetros de chão bruto, de Belém à Brasília (BENEVENUTO, 2010,
disponível em http://blogdojovino.blogspot.com.br/2011_04_01_archive.html).
26
Figura 04 - A chegada em Brasília da Caravana de Integração Nacional em 02 de fevereiro de 1960.
Fonte - Disponível em http://ihgdf.blogspot.com.br/2010/01/caravana-de-integracao-nacional.html
1.3 O urbanismo modernizante da Belém-Brasília
A construção da rodovia Belém – Brasília foi um dos passos decisivos para
romper o velho isolamento das regiões norte e centro-oeste do Brasil, integrando-as
definitivamente a comunidade brasileira.
Se esta não tivesse sido construída o Estado não passaria hoje de um imenso território mesopotâmico, situados em sua maior parte entre os rios Araguaia e
Tocantins, isolado do sul do país e sem saída para o norte, a não ser por água como
antigamente (GOMES apud BRITO, 2009).
O empreendimento de JK trouxe grandes mudanças no contexto urbano brasileiro,
surgiram inúmeros povoados e cidades que, com o tempo, adquiriram características
urbanísticas8 modernas, típicas de grandes centros capitalistas, como a cidade de Imperatriz
(MA), que, com a construção da rodovia, desenvolveu-se em todos os setores. Como mostra
Coelho Neto (1979, p. 168).
Efetivamente a Belém-Brasília, passando pela cidade, mudou o seu destino, pois é
de agora em diante um novo centro de povoamento para o trabalho, para a
agricultura e a pecuária, para a indústria e o comércio, ponto avançado de uma
civilização nova. Inquieta-se assim o ambiente. Surgem ruas e abrem-se avenidas.
Projeta-se a construção de uma nova cidade a partir de 1960.
8 Entendemos como urbanismo, “o conjunto de regras aplicadas aos melhoramentos das edificações, do
arrumamento, da circulação e do descongestionamento das artérias públicas. É a remodelação, a extensão e o
embelezamento de uma cidade, levados a efeito, mediante um estudo metódico da geografia humana e da
topografia urbana, sem descuidar das soluções financeiras” (LEME, 2005, p. 22).
27
A rodovia rompeu o isolamento que a séculos predominava no norte do Goiás,
cidades como Gurupi, Alvorada do Tocantins, Talismã e Miranorte nasceram, formando uma
nova malha urbana, e outras se reurbanizaram, um exemplo típico é a cidade de Araguaína,
que adquiriu características consideradas modernas para a época, com a introdução do
automóvel, da energia elétrica, geladeira, rádio, telégrafos e outras inovações do mundo
capitalista.
Um fator essencial que contribuiu para o desenvolvimento das cidades e
aglomerados urbanos foi o movimento de migração. Com a facilidade de deslocamento
proporcionado pela construção da rodovia, várias pessoas, principalmente empresários,
fazendeiros, madeireiros, vindos em geral do sul do país, se transferiram para as cidades
recém-criadas a procura de investimentos, ou então incrementavam centros urbanos já
consolidados como as cidades de Brasília e Goiânia.
Além da movimentação de pessoas a rodovia proporcionou também uma
movimentação de mercadorias, entre as regiões desenvolvidas do sul, com as
subdesenvolvidas do norte, como afirma Valverde e Dias (1967, p. 343).
O comércio entre os mercados do sudeste e Belém, através da BR 14, teve
características de verdadeira explosão, com um intercâmbio típico do que se
processa entre uma área desenvolvida e outra subdesenvolvida. Para o norte vão
produtos industriais diversos, como veículos (automóveis novos, zero quilômetro),
tratores, geladeiras e outros eletrodomésticos [...]. Para o sul circulam: produtos
agrícolas e extrativos regionais, como arroz, pimenta, madeira, borracha (em látex e em pelas), castanha, algodão e resina [...].
Sendo assim, o projeto da rodovia Belém-Brasília alcançou os objetivos do
presidente Juscelino Kubitschek, quais sejam o de integrar as regiões isoladas do Brasil aos
centros capitalistas, o que contribuiu para o processo de urbanização das mesmas, bem como
transformá-las em fornecedoras de matéria-prima. O objetivo era impulsionar a
industrialização da economia brasileira baseada no interesse do mercado internacional.
Mas apesar dos benefícios, a rodovia também trouxe problemas para algumas
regiões brasileiras, como os conflitos de terras no norte do estado, que predominam até os dias
de hoje. “O asfalto facilitou as comunicações e a valorização das terras, exacerbando a cobiça
dos grileiros que formaram verdadeiras quadrilhas para açabancar as terras dos índios e dos
posseiros” (FERRAZ apud CHAVES, 2009, p. 75).
Algumas cidades localizadas as margens do rio Tocantins que possuíam a
economia ligada à hidrovia, também foram prejudicadas por conta da construção da Belém-
Brasília. A cidade de Carolina, por exemplo, que tinha liderança regional no transporte fluvial
desde a década de 1930, sendo por isso considerada principal entreposto comercial para os
28
estados do Maranhão, Goiás e Pará, entrou em decadência, assim como as cidades de Pedro
Afonso (TO) e Porto Nacional (TO).
2. A PONTE JUSCELINO KUBITSCHEK: a arquitetura inovadora do governo de JK
no sertão maranhense
2.1 O local escolhido
Durante a construção da rodovia Belém- Brasília apareceu um problema que teria
que ser solucionado para a obra poder prosseguir: a transposição do rio Tocantins9. Na divisa
do Maranhão com o Goiás o rio apresentava uma largura muito grande em sua extensão, fato
que impossibilitava a construção de uma ponte. Mas com estudos aéreos realizados, surge a
possibilidade em um determinado local onde o rio possuía um estreitamento acentuado em sua
vazão, apenas 130 metros (OLIVEIRA; REIS, 2006, p.21).
É a partir desse evento que entre em cena na história da integração nacional a
pequena vila localizada na mesorregião sul do estado do Maranhão, à margem direita do rio
Tocantins, entre os municípios de Porto Franco e Carolina. A vila, que se chamava Paranaidji,
que na língua Tupi-Guarani significa Rio-Estreito, devido a sua localização (hoje atual cidade
de Estreito-MA), se desenvolveu em um local que oferecia condições favoráveis para a
construção da obra, como ressalta Valverde e Dias (1967, p. 210).
O fator mais importante foi o seu sítio sobre rochas duras, basálticas, à margem
direita do Tocantins, num pequeno trecho em que êle abriu uma passagem estreita
entre as citadas rochas. Esses elementos naturais deram ao local a preferência para a
construção da ponte JK, sobre o Tocantins.
Mas há quem diga que a escolha da vila para abrigar essa importante construção
foi por conta de um incidente político, e não por causa da posição geográfica do local. A
ponte era pra ser construída entre Tocantinópolis e Porto Franco.
Um incidente político muda o local onde deveria ser construída a grande ponte sobre
o rio Tocantins. No projeto original, a dita ponte deveria ser construída entre as
cidades de Tocantinópolis e Porto Franco, passando pela “pedra do Braga”. Não se sabe o que houve ao certo, mas Sayão havia atravessado o rio e do outro lado teve
desentendimento com as autoridades de Tocantinópolis. Ele mesmo dissera-nos,
numa noite, que não mais se hospedaria naquela cidade “para não ser incomodado
por políticos”. E daí para frente ficou decidida a construção da ponte em Estreito, o
que, na realidade, tornava o projeto mais barato, dado a configuração geográfica do
9O tamanho do rio Tocantins mais divulgado é 2.400 km. Mas há quem lhe dê 2.500 km, 2.700 km² e os mais “precisos”, que registram 2.640 km e colocam o Tocantins entre os sete maiores rios brasileiros (seria o 8°) [...].
São seis os estados atingidos pela bacia do rio Tocantins: Goiás, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Pará e
Distrito Federal [...] (SANCHES, 2003, p. 196).
29
rio Tocantins naquele local, formando um “estreito”, e assim foi feito. (PEREIRA,
1997, pag.108)
A história do povoado de Estreito que depois foi elevado à categoria de vila,
remota ao início do século passado, quando viajantes e comerciantes perceberam os
benefícios provenientes do rio Tocantins, que, além de contribuir para a agricultura de
vazante, formava nesse local um pequeno canal, o mais estreito de toda sua extensão.
Figura 05 - Mapa do Sul do Maranhão, em destaque a cidade de Estreito (MA)
Fonte – Ferreira (2007).
Esse ponto estratégico favorecia a travessia do rio no sentido Maranhão – Goiás, o
que contribuiu para a criação de um pequeno porto que serviria de apoio logístico para os
viajantes e comerciantes, como os que negociavam em Carolina (MA) e Boa Vista (atual
Tocantinópolis) e principalmente para transportadores de boiadas, que atravessavam o gado10
de um estado para o outro.
A abertura do porto colaborou para dinamização da economia local, que era quase
fechada, sufocada devido a falta de comunicação. Com o surgimento desse novo ponto
comercial, vaqueiros, nadadores, canoeiros, comerciantes e mercadores que passavam pelo
local fixaram residência, sendo o primeiro o comerciante Virgilio Franco11, transformando o
povoado de Estreito em um importante centro de comercialização. Bueno (2003, p. 37), relata
como aconteceu esse processo.
10Para o historiador Héctor Bueno o maior tráfego de boiadas era no sentido Goiás (atual Tocantins) – Maranhão para abastecer a região do Baixo Mearim (BUENO, 2003, p. 31) 11Alguns dizem que foi Virgilio Franco o fundador de Estreito, outros dizem que, por ocasião da chegada dos viajantes à parte estreita do rio, já tinham moradores numa localidade, localizada a 3 km, no Brejo do Pinto
(MELLO, 2010, p.6).
30
A partir do momento que o Estreito se torna um ponto de travessia de rebanho
bovino e com a necessidade de permanência de nadadores e canoeira no local,
rapidamente se instalou os primeiros comércios destinados à venda dos produtos de
primeira necessidade: sal, arroz, querosene, etc. A temporada da travessia durava em
torno de cinco a seis meses. Durante este período, a boiada demorava em torno de
dez a quinze dias no povoado para atravessar, então, os vaqueiros se abasteciam de
gêneros alimentícios no comércio local, além de comprarem produtos dos moradores
[...].
A travessia de bovinos no rio Tocantins, portanto, foi um fator preponderante para
o crescimento do povoado no início do século XX. Sendo que a mesma era realizada de uma
forma bem primitiva por uma equipe de atravessadores, formada por nadadores e canoeiros.
Para tal atividade utilizavam barcos a remos, como canoas, botes, reboques e balsas.
O rio Tocantins também era aproveitado na agricultura de vazante. Nos períodos
de estiagem, suas margens ficavam cobertas por uma espécie de húmus, o que tornava as
terras férteis propicia para o plantio de alguns vegetais, como feijão, abóbora e melancia.
Além da plantação, o rio fornecia uma diversidade de peixes para os ribeirinhos, o
que tornava a pesca uma atividade constante no povoado. Lembrando que a mesma era apenas
de subsistência, para o consumo diário da pequena população, não tendo um caráter
comercial.
Como observamos, o inicio do povoado de Estreito está diretamente ligado a esse
importante rio brasileiro que, além de fornecer os alimentos necessários à sobrevivência dos
ribeirinhos, era uma alternativa para conter o isolamento e intensificar os contatos comerciais.
A navegação dos rios que cortam o norte do estado (hoje Tocantins) pode até não ter
alcançado um resultado significativo em termos econômicos..., mas representou, por
um longo período, um meio de vida para as populações ribeirinhas, sendo
fundamental ao abastecimento de bens necessários à região como sal, ferramentas,
pólvora, utensílios domésticos, tecidos etc. e ao transporte dos excedentes que
consistiam principalmente de couros de gado, meios de sola, peles de animais
silvestres, fumo, algodão, cachaça, tapioca, rapadura etc. (OLIVEIRA apud SILVA;VINHAL, 2008, p.18)
Por conta do seu crescimento populacional e comercial, o povoado de Estreito foi
elevado à categoria de vila em 1948, através da Lei 269 de 31 de dezembro, com o nome de
vila Paranaidji, como citamos anteriormente. Passando a mesma a ser subordinada ao
município de Carolina (MA), uma cidade grande e desenvolvida.
E foi nessa vila do sertão maranhense, numa região isolada, esquecida pela
política regional, que o presidente Juscelino Kubitschek construiu mais uma das suas obras de
arte: a ponte sobre o rio Tocantins.
31
2.2. A Construção da ponte: A glória da engenharia nacional
A ponte que liga o Maranhão ao antigo estado do Goiás, no trecho 010, foi um
grande desafio para a Comissão Executiva da Rodovia Belém- Brasília, pois a mesma deveria
ser feita e entregue a população até o fim do mandado do presidente JK, em janeiro de 1961.
Fato considerado impossível, pois a ponte seria construída em um lugar
totalmente inexplorado, desprovido de recursos, sendo Belém, que ficava no meio da selva
amazônica, o único centro econômico mais próximo. O isolamento da região, portanto,
apresentou imensas dificuldades para a construção da obra.
O abastecimento da obra seria muito difícil e todos os materiais deveriam vir do Rio de Janeiro, São Paulo, Goiânia e Recife. Todos os meios de transportes deveriam ser
utilizados ainda que onerosos. Em certos casos até o transporte aéreo poderia ser
mais vantajoso (VASCONCELOS apud SANCHES, 2003, p. 204).
Assim, para tornar a construção viável, foi necessária a implantação de uma pista
de pouso na vila Paranaidji, pois a mesma não tinha estrutura para abrigar os aviões de grande
porte que seriam enviados com materiais de vários estados para o abastecimento da obra.
Alem de transportes aéreos, utilizaram barcos e balsas.
A construção começou em 1958, e logo no seu início apresentou problemas. A
firma contratada alegou que não poderia entregar a obra a tempo, devido à complexidade do
empreendimento, o próprio presidente Juscelino Kubitschek interferiu na tentativa de
encontrar uma solução.
Iniciando a construção da ponte eis que o arco previsto ainda se achava na fase de
anteprojeto nos escritórios da firma E.BAUMAGART com sede no Rio de Janeiro,
verificou-se que a firma apresentava dificuldades na construção da ponte, a qual
pediu, mas 14 meses de prazo para a execução da obra, a contar de 1960. Mas a
Comissão Executiva da Rodovia Belém-Brasília (RODOBRÀS), que tinha
contratado a construtora, não podia mais esperar tanto tempo, devido ao prazo
combinado para a entrega da obra, isto é, até o fim do mandado do então presidente
Juscelino Kubitschek. Desse modo, o próprio presidente decidiu autorizar um reexame do problema, contratando outra firma de nome Sérgio Marques de Sousa
S.A Engenharia e Comércio. (REIS; OLIVEIRA, 2006, p. 21).
A nova firma escolhida deu andamento à obra, o engenheiro Sérgio Marques de
Sousa logo achou uma solução para abolir o arco previsto no projeto da antiga prestadora:
uma viga12 reta de 140m, com dois vão13 laterais de 53m cada. A ponte seria construída em
12Elemento estrutural de madeira, ferro ou concreto armado responsável pela sustentação de lajes. A viga transfere o peso das lajes e dos demais elementos (paredes, portas etc.) para as colunas (DICIONÁRIO DE
AQUITETURA, disponível em http://www.pinhalarquitetura.com.br/) 13Distância entre os pontos de apoio de uma cobertura (DICIONÁRIO DE AQUITETURA, disponível em http://www.pinhalarquitetura.com.br/).
32
concreto armado14, que, “[...] juntamente com o aço e o vidro, constitui o repertório dos
chamados ‘novos materiais’ da arquitetura moderna”. (SANTOS, 2008, disponível em
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/FAEC-84KQ4X).
Símbolo de progresso e desenvolvimento no início do século XX, o concreto
armado começou a ser utilizado no Brasil, de uma forma mais intensa, a partir de 1930, tendo
os arquitetos Lúcio Costa, Afonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Rino Levi, e Oscar Niemeyer,
seus principais propagadores.
Oscar Niemeyer, percebendo a flexibilidade do concreto armado, que pode
adquirir vários formatos, foi o primeiro a utilizá-lo em forma de curvas, cuja criatividade pode
ser vista na construção de Brasília (1960), a capital federal, na Igreja São Francisco de Assis
(1946), em Belo Horizonte e no Edifício Copan (1966), em São Paulo.
O concreto armado, portanto, viabilizou a construção de imensos prédios, pontes e
Igrejas, criando verdadeiras obras de arte, contribuindo para a formação de uma arquitetura
moderna, que transformou espaço urbano brasileiro a partir do século XX.
A ponte Juscelino Kubitschek, além de ser construída com esse elemento
modernizador, inovou com relação ao seu formato arquitetônico. O vão livre de 140 metros da
ponte foi o maior já construído na época, como mostra Flanklin (2008, p. 119):
A grande obra de arte era a ponte sobre o rio Tocantins, em Estreito, que deveria ter o maior vão livre central em viga de concreto dentre todas as já construídas no
mundo; um largo de 140 metros entre cada pilastra. Era também a primeira em que,
em território brasileiro, se dispensava totalmente o uso do escoramento
convencional. Seria a “glória da engenharia nacional”.
Por conta desse elemento arquitetônico a ponte Juscelino Kubitschek quebrou
recorde na engelharia mundial.
Em 1960, o Brasil construiu em plena selva uma ponte que tirou o recorde mundial
de vão em viga reta protendida da ponte dos Nibelungos sobre o (rio) Reno. Esta
ponte era o orgulho dos alemães que publicaram artigos em diversas revistas no
mundo inteiro enaltecendo o recorde de 1952: o maior vão do mundo em viga reta
de concreto, com 114 metros. Até 1960 nenhuma outra ponte do mundo conseguiu
igualar o feito dos alemães. Foi o Brasil que tirou a glória dos alemães, construindo
uma ponte de 140 metros de vão em um local não civilizado, de difícil acesso,
desconhecido do resto do mundo. E o fato continuou desconhecido até que o feito
foi exposto no 2° Simpósio Pan-Americano de Estrutura em 1964, em Lima.
(VASCONCELOS apud SANCHES, 2003, p. 204).
14 O concreto armado é um processo construtivo inventado na Europa em meados do século XIX. Ele consiste na
combinação do concreto – uma pasta feita de agregados miúdos e graúdos, cimento, areia e água, conhecida
desde a Antiguidade – com uma armadura de aço. A novidade está justamente na reunião da propriedade de
resistência à tração do aço com a resistência à compressão do concreto. (SANTOS, 2008, disponível em
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/FAEC-84KQ4X).
33
Como podemos perceber através da citação, a ponte surpreendeu não só por conta
dos seus 140 metros de vão livre que desbancou os alemães, mas por ter sido construída em
um local desconhecido, distante dos grandes centros urbanos. Sua construção foi uma guerra
do homem contra a mata impiedosa, região que desafiou os brasileiros durante muitos anos.
A construção da ponte representou “o coroamento de uma das mais admiráveis
batalhas travadas pelos técnicos e trabalhadores brasileiros com o propósito de assegurar a
ligação Norte – Sul através da selva desconhecida e só agora definitivamente vencida”.
(JORNAL DIARIO DA MANHÃ, 21 de janeiro de 1961).
Figura 06 - A ponte Juscelino Kubitschek (antes e depois). Suas colunas mostram a grandiosidade que foi a obra na época
Fonte – Sanches (2003, p.204).
Com esse grande feito empreendido pelo presidente JK, o atraso e o isolamento
chega ao fim na pequena vila Paranaidji, bem como no norte do estado Goiás. Maranhão e
Goiás foram ligados, trazendo grandes benefícios econômicos para o Brasil e contribuindo
para tão sonhada integração nacional.
Essa epopéia na selva fez do homem brasileiro um herói do pioneirismo nacional,
um desbravador que enfrentou todos os perigos da floresta para o engrandecimento do país.
Para os jornais maranhenses da época, a presença do homem no rio Tocantins é marcada pelo
heroísmo e coragem, e pela idéia de trabalho e progresso.
Pelo rio Tocantins passaram muitos desbravadores em missão pioneira, deixando
aqui e ali um marco de heroísmo e coragem e também um pouco da alma da pátria.
A penetração do homem brasileiro nesse rio, que liga os sertões de dois Estados, é
assinalada pela presença do trabalho e da ideia de progresso. À medida que região
cresce os seus problemas vão encontrando soluções. (JORNAL PEQUENO, 1961).
34
Desenvolvimento que iria ser atingindo à custa da devastação da floresta
amazônica e de diversas tribos indígenas, pois nessa época não havia nenhum tipo de
consciência ecológica. Em nome do “progresso”, a selva brasileira daria lugar às estradas que,
segundo Juscelino Kubitschek, “desencantaria” Amazônia de sua prisão, retirando da pré-
história tão grande, tão obscura e tão importante zona de nossa Pátria”. (KUBISTCHEK,
1959, disponível em: http://www.brasiliapoetica.blog.br/site/). O presidente JK, em seu livro
de memórias, descreveu com muito orgulho a inauguração no processo de destruição da
floresta amazônica, que teve a sua participação.
Sentia-me orgulhoso da tarefa que me fora reservado. Dera ordem pra derrubar a
primeira árvore, e eu próprio iria fazer tombar a última (...). Sentado no trator,
aguardei que o tronco se imobilizasse. Em seguida, engrenei os lagartos e avancei
com determinação. O jatobá oscilou ainda, mas desta vez de forma diferente. Era
cambaleio que prenunciava a morte. (KUBITSCHEK, 1959).
E foi nesse contexto de destruição que a ponte Juscelino Kubitschek na vila
Paranaidji foi construída, que além de medidas históricas, surpreendeu pela quantidade de
material utilizado.
Para a construção da ponte, que possui 532, 70 m, vão central de 140 m, vão
laterais (dois) 53 m cada, largura total de 10 m, pista de rolamento 8,20 e dois passeios
laterais de 90 cm, foram utilizados 55.000 sacos de cimento, 4.500 m³ de areia, 5.800 m³ de
brita, 20.000 m² de tábuas, 450.000 kg de ferro CA-37, 147.000 kg de aço duro de 7 mm e
1.120 canos de ancoragem para tons (FLANKLIN, 2008, p. 119).
No dia 29 de janeiro de 1961, faltando 02 dias para o final do mandato do
presidente JK, a grandiosa ponte de Estreito foi inaugurada, sendo a última inauguração do
seu governo. Para Pereira (1997, p. 109), “foi a maior festa já acontecida em toda região
tocantina”, e teve participação de um convidado ilustre, o presidente do Brasil.
A inauguração da ponte movimentou a vida pacata dos moradores da vila, sendo
que a importância dessa construção não se mede apenas por sua expressão quilométrica, mas
pelas modificações que causará nas relações sociais da comunidade, criando novas maneiras
de pensar, agir, sentir e de se relacionar com o mundo. Sendo assim, a ponte não mudará
apenas o espaço geográfico escolhido, mas a sociedade que está a sua volta.
Isso acontece porque na rodovia passam pessoas que interagem com outras
pessoas e lugares. A vida pulsa ao redor dela, pois todo seu entorno e área de abrangência
passa a sofrer interferência da obra. Tudo está interligado, interagindo, vivo. A estrada,
portanto, passa a ser um corredor de vida pulsante (CURVO; SILVA; VIEIRA, 2009, p. 01).
35
Diante do exposto, no próximo capítulo trabalharemos a relação da população da
vila Paranaidji com a ponte Juscelino Kubitschek. A idéia é tentar entender, através da
memória e da oralidade, o significado econômico e social dessa obra para os moradores, bem
como as transformações que a mesma causou na antiga vila e na vida cotidiana da população,
e como essas transformações criaram condicionantes para a posterior emancipação da mesma
no ano de 1982.
3. PASSAGEM PARA O MODERNO: a inauguração da Ponte JK e o seu significado
para os moradores da Vila Paranaidji
Analisando os depoimentos colhidos, verificamos que a maioria dos
entrevistados15 recebeu a notícia da construção da ponte Juscelino Kubitschek com surpresa,
eles não acreditavam que a obra pudesse ser realizada. Um dos motivos de tal descrédito era
por conta das barreiras provenientes da situação geográfica do local, a transposição do rio
Tocantins parecia algo impossível para os moradores da vila, como relatou a aposentada
Maria de Lourdes Marinho, de 72 anos, que na época trabalhava com olaria: “O povo achou
coisa demais, nunca pensaram que se pudesse fazer uma ponte atravessando o Tocantins, eles
não acreditavam” 16.
A dúvida em relação à construção somava-se também ao fato do local ser isolado
e distante da capital do estado, e também por não haver estradas e nem estrutura para abrigar
uma obra tão importante do governo federal. Sobre o isolamento da vila, o primeiro prefeito
de Estreito, Valmir Siebra Vilar, conhecido como “Ceará”, de 76 anos, comentou:
“Antes Estreito era pouco movimentado, parecia uma fazenda (...). Estreito,
Carolina, Tocantins era terra de doido, não tinha estrada de rodagem pra lugar
nenhum, era tudo pelo rio, motor grande, piqueno, canoa no remo” 17.
Segundo os dados do IBGE do ano de 1955, a população da vila era de 1.736
habitantes, dividido em uma área de 3.790, sendo que população vivia quase toda na zona
rural, em média 90% morava em localidades adjacentes, em fazendas distantes (MELLO,
2010, p. 6). Na parte central da vila, apesar de o local ser passagem de várias comerciantes e
boiadeiros, isso em determinado meses do ano, poucos fixavam residência.
A vila era tão pequena que se matava um boi e não tinha ninguém para comprar,
como relatou a dona de casa Jaci dos Santos, de 70 anos.
15Todas as entrevistas foram transcritas e estão nos apêndices do trabalho 16Entrevista gravada no dia 23/01/2011 17Entrevista gravada no dia 08/01/2011
36
Estreito era tão pequeno que quando matava um gado o vendedor ia pra beira do rio
e soprava um búzio pra poder o povo da ilha, povo que morava na ilha, ir comprar
carne, pra saber que naquele dia tinha carne. Matava um gado e não tinha ninguém
pra comprar, por isso tinha que soprar um búzio para vim mais gente.18
A notícia da construção era comentado em Carolina (MA) 19, que nesse período
dominava politicamente a vila Paranaidji. Era com essa cidade que os moradores mantinha
suas relações comerciais, já que lá era o principal centro distribuidor de produtos vindos de
Belém, “a capital de todo o médio e alto Tocantins” (FRANKLIN, 2008, p. 101).
Belém e Marabá, nesse tempo, ocupavam a posição que hoje ocupa Rio Janeiro e
São Paulo. Quando se queria prosseguir nos estudos, era pra lá que os estudantes do sul do
Maranhão e Norte do Goiás seguiam. De lá “vinham todos os produtos industrializados,
tecidos, ferragens e até material de construção. Para lá iam, também os estudantes que podiam
prosseguir estudos em níveis mais elevados” (FLANKLIN, 2008, p.101).
O Pará, portanto, era a “terra da promissão”, da prosperidade, local onde os
sonhos poderiam ser realizados. E a cidade de Carolina não só aproximava os produtos desse
estado com os municípios da região tocantina, mas também trazia as notícias que ocorria nas
principais cidades brasileiras, já que nessa época inexistiam meios de comunicação.
As informações eram trazidas pelo Correio Aéreo Militar (CAM)20 pela rota
Belém-Brasília, a qual Carolina fazia parte. Esse serviço
Atendiam encomendas de coisas pequenas, como remédios e livros. Traziam eles
jornais das capitais [...]. Também as revistas em circulação no país vinham até aqui, como a bem impressa e versátil vida doméstica. Tudo isso, além do essencial: a mala
do correio e as encomendas enviadas (BARROS apud FRANKLIN, 2008, p. 86).
Foi através de Carolina que os moradores da vila ficaram sabendo sobre a
construção da ponte. “O povo de Carolina que era mais evoluído é que trazia a notícia. O
comerciante que ia pra lá comprar tecido, querosene, trazia a notícia. O povo rico de Carolina
tinha mais contato com outras cidades” 21, comentou dona Izailda Rodrigues Silveira,
aposentada de 70 anos.
18Entrevista gravada no dia12/06/2011 19 Desde 1935 teve início a avião comercial em Carolina. Nesse período Carolina, agregou todo o movimento de
transporte e comércio do médio Tocantins e sul do Maranhão, numa crescente demanda área de passageiros e
cargas, chegando a ter regularmente seis linhas em operação em seu aeroporto. (FRANKLIN, 2008, p. 85) 20 O Correio Aéreo Militar (CAM) serviço postal militar brasileiro iniciado em 1931, tem por objetivo integrar
as diversas regiões do país e permitir a ação governamental em comunidades de difícil acesso, possuindo
relevante papel social. É de competência exclusiva do governo federal e mantido pela Força Aérea Brasileira
através do COMGAR (Comando-Geral de Operações Aéreas), disponível em
http://www.fab.mil.br/acessoainformacao/index.php/faq?showall=&start=1. 21 Entrevista gravada no dia 15/06/2011
37
Apesar das correntes informações, os moradores não davam muita confiança para
o assunto, pensavam que eram apenas boatos criados por mercadores e comerciantes. Só
foram acreditar quando começou a movimentação na vila de máquinas e pessoas, como
relatou seu Gessione Fronte Franco, funcionário público de 66 anos.
A ponte chegou no imprevisto, chegou de uma hora pra outra, não tinha meios de
comunicação. Só se soube da rodovia dois dias antes de chegar um trator em
Estreito. Ninguém acreditava que a ponte seria feita, foi tudo muito rápido, era um
sonho. Fazer uma ponte, estrada, como é que se faz isso?22
Analisando o depoimento do seu Gessione, percebemos o espanto da população
mediante a confirmação da construção e a curiosidade de saber como tamanha obra seria feita.
Era algo inacreditável, “um sonho” que estava sendo realizado. Acostumados com barcos e
motores para se locomoverem, agora ter-se-ia uma ponte, uma estrada. Só não sabiam como
seria construída, como passaria pelo rio.
Por conta disso, a chegada dos trabalhadores e dos veículos motorizados em 1958,
trouxe uma grande movimentação para a vila. Eram engenheiros, máquinas, trabalhadores de
diferentes lugares, aviões de pequeno e grande porte que traziam materiais de construção.
Enfim, “a cidade ficou movimentada, tinha muita gente, e ela era tão pequenininha” 23, relatou
dona Genésia Vieira de Jesus Góis costureira de 78 anos.
Os olhos da população assistiam atentamente as etapas da construção da ponte.
Habituados com as casas de adobe cobertas de palhas ficavam admirados com as colunas de
concreto armado que eram fincadas no solo. A novidade atraia visitantes de vários lugares,
todos queriam vê a moderna arquitetura do governo JK em terra maranhense.
O porto franquino Waldemar Gomes Pereira (1997) olhou a ponte ainda
inacabada, para ele, “era um milagre da arquitetura nacional que tinha se implantado no nosso
meio” (PEREIRA, 1997, p.109). A admiração da população mediante a arquitetura
diferenciada da ponte pode ser comparada com a dos moradores de São Luís nos anos 60,
quando foi construído primeiro prédio com apartamentos residenciais na avenida Oswaldo
Cruz: o edifício Caiçara.
Carvalho (1998 apud BARROS, 2001, p. 37), o primeiro síndico do Caiçara,
dizia:
[...] que tinha Alegria de ver o povo parar em baixo, parar na Rua Grande para olhar
o prédio admirado! Ninguém sabe a idéia de cada um, mas muita gente parava para
ver o prédio. Nós temos um conjunto residencial e lá nós víamos que o povo descia,
o povo vinha da periferia da cidade pra ver o prédio, pra ver a construção. O prédio
22 Entrevista gravada no dia 11/06/2011 23Entrevista gravada no dia 22/01/2011
38
subindo, dez andares, foi um fenômeno na época, o primeiro prédio feito aqui (este
tipo de construção, não resta menor dúvida).
A população da vila estava se sentindo privilegiada por receber uma obra
essencial para a tão sonhada integração nacional, apesar de muitos nem entenderem o seu
significado. “Pra o povo a cidade estava de parabéns por ser escolhida pra ser feita a ponte.
Todo mundo queria a ponte, Tocantinópolis, Carolina, e ela foi feita no Estreito”, relatou
orgulhosamente a aposentada dona Maria de Lourdes Marinho24, já citada anteriormente.
Nas primeiras páginas do Livro do Tombo da Igreja Católica local, também
percebemos esse entusiasmo.
Estreito há vários anos era ponto de desobriga da Paróquia de Carolina afastada da
sede e pouco desenvolvida, mesmo assim, a partir de 1958, com o projeto da
construção da Rodovia Belém-Brasília, foi escolhida como ponto estratégico para a
realização da referida rodovia. Ainda, neste mesmo local, sobre o rio Tocantins,
ligando o Estado do Maranhão ao Estado Goiás, foi construída a gigantesca ponte, Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, obra prima da construtora Sérgio Marques de
Sousa25.
O privilégio foi maior quando os moradores souberam que na inauguração da
ponte a vila iria receber autoridades de várias localidades do país, e principalmente o
presidente Juscelino Kubitschek. Os preparativos para a festa deixavam a população agitada,
nunca tinham visto tanta movimentação de pessoas, jornalistas, estações de rádio, muitos nem
sequer conhecia o aparelho, embarcações e aviões.
Segundo seu José Rocha Reis, aposentado de 90 anos, antigo atravessador de gado
e um dos moradores mais antigos da cidade, os anúncios da vinda do presidente deixava a
população ansiosa. “Na inauguração veio gente do país inteiro. Tinha muita gente. Tinha
estação de rádio instalada na beira do rio que ficavam anunciando a chegada do presidente
deixando o povo tudo ansioso” 26.
Marinho (apud FRANKLIN, 2008, p. 126), que presenciou o evento, narra os
preparativos da festa para receber o presidente JK.
As máquinas trabalharam incessantemente para terminar a obra da pista de pouso,
que ao contrário de todas as outras da região seria toda pavimentada. Todos os dias
chegavam homens de Brasília, encarregados da preparação da cerimônia, outros para
prepararem o grande banquete que seria servido após a solenidade de inauguração da
obra. Gigantescos barracões de madeira foram construídos às pressas. Embarcações
subiam e desciam o rio, trazendo material de construção para o acabamento da
ponte. Outros barcos, subiam carregados de produtos importados como Whiskey
Cavalo Branco e outras preciosidades como o Vermouth Gancia, Cerveja Brahma
Boquiale em sacas com 60 garrafas, queijos especiais, comida em conserva e grande novidade para nós, crianças de Porto Franco: a famosa garrafa preta com letras
24Entrevista gravada no dia 23/01/2011 25Pesquisa realizada no Livro do Tombo da Igreja São Sebastião na cidade de Estreito no dia 07/01/2012. 26Entrevista gravada no dia 15/01/2011
39
brancas do refrigerante Coca-cola. Tudo para serem servidos a população durante as
festividades
Nesta citação, percebemos que, além de matérias de construções para a finalização
da ponte, as embarcações trouxeram produtos que eram desconhecidos da população
sertaneja, como “Whiskey”, “Vermouth Gancia”, “cerveja Brahma” e o refrigerante “Coca-
cola”. Seu Raimundo Tavares da Silva, pescador de 70 anos, comentou que nunca tinha
tomado cerveja, e o fez pela primeira vez na festa da inauguração da ponte. “Os bares
vendiam mais era cachaça. Nunca tinha tomado cerveja, além de tudo, gelada.” 27
Mesmo com as novidades, o que a população queria mesmo era olhar o
presidente. Como podemos ver na fala do seu Gessione Fronte Franco.
[...] na inauguração da ponte veio gente de Carolina, Porto Franco, Filadélfia,
Tocantinópolis, Grajaú, tantos políticos como a população. Primeiro porque vieram
conhecer o presidente Juscelino e depois essa grande obra” 28.
JK era visto pelo sertanejo como um homem corajoso, um desbravador que estava
libertando a população norte e nordeste do Brasil do atraso e do esquecimento político. Por
conta dessa admiração, o senhor José Rocha Reis, citado anteriormente, queria que o nome da
atual avenida do comércio de Estreito, que se chama Tancredo Neves, fosse chamada de
Avenida Juscelino Kubitschek, e mostra-se revoltado pela falta de uma estátua do que para ele
foi o melhor presidente do Brasil.
O nome de Tancredo Neves na avenida do comércio é uma idéia sem rumo.
Tancredo Neves foi um grande homem, mas nunca veio no Estreito, ele nunca pisou
aqui. Cabia era o nome de Juscelino Kubitschek naquela avenida, deveria ter era
uma estátua bem no meio da praça29
Neste depoimento, percebemos o desejo de seu José Rocha Reis de eternizar a
imagem de JK através do nome na avenida e da construção de um monumento30 no meio da
praça. Ele não queria que o povo esquecesse os benefícios do homem que marcou a era do
desenvolvimento em Estreito, por isso teria que se fazer algo para que JK fosse lembrado
constantemente.
Para ele, o esquecimento desse grande político seria uma ofensa, uma vergonha, e
não parte da memória, pois como diz Brayner e Magalhães (2001), “a memória constitui-se de
lembranças e esquecimentos” (BRAYNER; MAGALHÃES, 2001, p. 187).
27Entrevista gravada no dia 23/06/2011 28Entrevista gravada no dia 11/06/2011 29Entrevista gravada no dia 15/01/2011 30Segundo Le Goff (2003), monumento “é tudo aquilo que pode evocar, perpetuar recordações” (LE GOFF, 2003, p. 525)
40
Mesmo sem estátua ou nome de avenida, seu José não esqueceu o dia em que o
presidente chegou à vila para a inauguração da ponte. “Quando ele chegou cada um queria
bater palmas mais alto do que o outro” 31, comentou. Waldemar Pereira (1997), porto-
franquino que presenciou o evento, contou detalhes da cerimônia de inauguração que
emocionou a população de Estreito e todos os visitantes presentes.
O cerimonial de inauguração se desenrolou a partir do entardecer. Um gigantesco
palanque armado nas imediações da ponte acolheu as mais altas autoridades do país e ali estavam, também, os nossos representantes. Dicursos se sucederam e as salvas
e tiros e os fogos de artifícios iluminavam o céu tocantino [...] (PEREIRA, 1997, p.
109)
Nas pesquisas que realizamos, não conseguimos descobri os políticos
maranhenses que estavam presentes e discursaram nessa solenidade, como enfatizou o autor
na citação. No jornal Diário da Manhã do dia 24 de janeiro de 1961, achamos o nome de
apenas uma pessoa que estava na comitiva do presidente Juscelino no dia da inauguração,
qual seja Dr. Waldir Bouhid, superintendente da SPVEA e diretor da Rodobrás.
Dos entrevistados, a maioria nem sabia quem era o governador do Maranhão na
época, no caso Matos Carvalho. O único que falou com certeza sobre a vinda do líder do
estado foi o seu Gessione Fronte Franco. “O governador do Maranhão veio e discursou” 32,
mas não soube detalhar com clareza o acontecimento, pois no período ele tinha somente doze
anos.
Era como se a presença do presidente tivesse ofuscado a participação dos outros
políticos no evento. A população só tinha olhos para JK, e sentiram-se emocionados com o
discurso de despedida dele, que estava prestes a deixar o governo.
[...] JK finalmente falou ao povo: “Brasileiros do norte e do sul! Gente simples deste
sertão tocantino!...” E num improviso maravilhoso, descreveu a obra, as epopéias da
construção da rodovia e, finalmente: “Dentro de quarenta e oito horas já não serei
mais o vosso presidente... (enxugando as lágrimas com um lenço branco)... Todos os
brasileiros ficaram no meu coração!...”. Os aplausos romperam fortes, mas aquela
ovação foi acompanhada de lágrimas, choro popular e lenços brancos acenando [...].
(PEREIRA, 1997, p. 109).
Seu Ernane dos Santos Barbosa, aposentado de 75 anos, que ficou conhecido
como “Né da Farmácia”, pelo fato de ter sido o primeiro a colocar esse estabelecimento na
vila, relatou a primeira impressão da população quando JK chegou ao local, e a forma como o
mesmo a acolheu.
31Entrevista gravada no dia 15/01/2011 32Entrevista gravada no dia 11/06/2011
41
O povo ficava tudo otimista, o pessoal gostava dele, ele era um destimido, não tinha
medo, ele vinha abraçava as pessoas, pegava nas mãos, não era como outros que
ficava com policiamento, tudo cercado. Ele vinha como nós, todo apaizana, ele era
muito bom, todo mundo gostava dele, o povo do interior tudo gostava dele, ele era
um homem trabalhador33
Ao dizer que JK “não era como outros que ficava com policiamento”, seu Ernane
estava fazendo referência ao presidente Castelo Branco, que esteve na vila no ano de 1973
para inaugurar o asfalto da ponte. Juscelino Kubitschek recebeu a população com mais
familiaridade que o presidente Castelo Branco, que veio cercado de policiais, como comentou
seu Sebastião Pereira, motorista de 69 anos, que na época da inauguração trabalhava alugando
pastos.
Na inauguração da ponte foi diferente quando Castelo Branco veio. Com JK ele
ficava no meio do povo, abraçando, pegando na mão de todo mundo. Com o
presidente Castelo Branco, quinze dias antes de vir pra cidade, já tinha polícia por
toda parte e quando desceu do avião, ninguém nem chegava perto, era polícia pra
todo lado34.
O carisma de JK impressionou a população que presenciou esse momento tão
importante na história da pequena vila Paranaidji. A despedida do presidente do local foi
marcada pela volta simbólica que o mesmo fez de jipe na ponte, dando assim mais um salto
para a tão almejada integração nacional.
Depois o presidente JK tomou um “jeep” e se dirigiu à obra para cortar a fita
simbólica, atravessando triunfalmente o rio Tocantins. Estava inaugurada a ponte de
Estreito. Daquele momento em diante, Goiás e Maranhão estavam ligados. A ponte
era o grande elo de união, responsável principalmente pela sonhada e agora
conquistada “integração nacional”. (PEREIRA, 1997, p.109).
A notícia da inauguração da ponte foi registrada em poucos jornais maranhenses.
No decorrer das nossas pesquisas encontramos apenas dois periódicos que publicaram um
texto simples sobre o acontecimento.
Um deles é o Diário da Manhã do dia 24 de janeiro de 1961 (Fig. n° 07). Nesse
jornal o autor destacou o dia da inauguração da ponte, que teria a presença ilustre do
presidente JK e de Waldir Bouhid, o qual citamos anteriormente. Aqui, a ponte é
engrandecida, sendo representada “como uma das maiores obras de arte do governo de JK,
pois media 140 de vão”.
33Entrevista gravada no dia 12/06/2011 34Entrevista gravada no dia 17/06/2011
42
Figura 07 - Notícia sobre inauguração da ponte Estreito
Fonte - Arquivo Público do Estado do Maranhão.
Além disso, o autor enfatizou que as homenagens ao Presidente da República
“seriam tributadas na cidade maranhense de Imperatriz”. (JORNAL DIÁRIO DA MANHÃ,
24 de janeiro 1961).
Podemos ver essa homenagem na fotografia abaixo (Fig. n°.08), retirada do site
do Museu Virtual de Imperatriz (MA). Nela, o presidente aparece acompanhado pelo ex
prefeito desta cidade, Gumercindo Milhomem no dia 25 de janeiro de 1961, sendo
homenageado pelos presentes. No dia 29 do corrente ano, JK irá para Estreito inaugurar a
última obra do seu governo.
Figura 08 – Juscelino recebendo homenagem em Imperatriz (MA) Museu Virtual de Imperatriz.
Fonte - http://imperatrizimagens.blogspot.com.br/p/registros-historicos.html
43
No jornal Pequeno de 29 de janeiro de 1961 (Fig. n°.09), apesar do texto sobre a
ponte aparentar ser longo, é destinado apenas um parágrafo sobre o assunto, sendo os outros
citados as epopéias da construção da rodovia Belém-Brasília.
Figura 09 - Fotografia do Jornal Pequeno noticiando a inauguração da ponte ligando os dois estados Maranhão e
Goiás.
Fonte - Arquivo Público do Estado do Maranhão.
Nesse jornal a inauguração é representada como a concretização de um velho
sonho português de ligar as duas região, o estado do Maranhão e Goiás. “Já foi inaugurada a
ponte sobre o histórico Tocantins, ligando Goiás ao Maranhão, e unindo ainda trechos da
rodovia Belém-Brasília, tornando realidade o velho sonho, já alimentado pelo capitão Pedro
Teixeira35 (JORNAL PEQUENO, 29 de janeiro de 1961).
Com o objetivo de encontrar outras fontes que descrevesse esse acontecimento,
recorremos a bibliotecas de algumas cidades do sul do Maranhão, no muncípio de Carolina e
Imperatriz, mas não obtemos êxito. As bibiotecas estavam desorganizadas e muitos jornais
antigos e obras raras já nem existem mais, como diz Coelho Neto, “[...] o maranhense destrói
tudo. Seu vandalismo é mais devastador do que o tempo e seus coloboradores”. (COELHO
NETO, 1979, p.09).
Mas mesmo com poucos registros sobre a ponte Juscelino Kubitschek na vila
Paranaidji, sua importância histórica tem que ser analisada, pois proporcionou uma visão de
mundo diferente para os moradores daquela localidade e, consequentemente, mudanças nos
costumes e nos hábitos do cotidiano.
35Militar português que em 1922 foi encarregado de abrir uma estrada que ligasse a capitania do Pará e do Maranhão (JORNAL PEQUENO, 29 de janeiro de 1961).
44
A partir dessa construção, uma nova divisão simbólica nasceu na mentalidade da
população, o “antes” e o “depois” da ponte. Ela passou a ser um marco, um elemento
modernizador, ou seja, depois dela “o novo” veio a existir.
Isso aconteceu porque a chegada da ponte foi tida como fator de “progresso”,
“desenvolvimento”, palavras chaves da ideologia desenvolvimentista propagada pelo
presidente Juscelino Kubitschek, que foi introjetada no imaginário social não só da população
local, mas de todo país.
Dessa forma, a ponte foi associada pelos moradores da vila a ideia de
modernidade, não só por conta da utilização do concreto armado na construção da obra,
considerado um elemento inovador da arquitetura do século XX, mas na medida em que
serviu de porta de entrada para a formação de um cenário urbano próprio de cidades
desenvolvidas.
Como o termo moderno ou modernidade tem múltiplos significados, e como
nosso objetivo não é fazer uma análise dos conceitos filosóficos e epistemológicos do mesmo,
utilizaremos o que mais se aproximou da discussão proposta. Para isso, escolhemos o
conceito de Valdenira Barros (2001), que define moderno como “[...] um conjunto de
mudanças diretamente relacionadas às exigências do mundo capitalista”. (BARROS, 2001, p.
76).
Seja no contexto urbano, político, social, ou econômico, para os moradores da vila
essas mudanças estavam do outro lado da ponte, sendo ela um elo com o moderno, com o
futuro. Em contato com as regiões mais desenvolvidas, uma nova era iniciou para a população
da antiga vila. Era como se a partir daquele momento Estreito ressurgisse, começasse a
aparecer e principalmente, a fazer parte do Brasil.
Enfim, a ponte representou o fim do isolamento, do obscurantismo, e o marco foi
tão forte que, para a população, tudo que aconteceu antes, não é relevante, não merece ser
contado, como enfatizou seu Raimundo Tavares da Silva. “[...] ninguém nem fala de Estreito
da ponte pra trás, ninguém nem comenta” 36.
36Entrevista gravada no dia 23/06/2011
45
Figura 10 - Imagem da ponte de Estreito depois de inaugurada em 1961.
Fonte - www.panoramio.com/photo/30673461?tag=FOTOS ANTIGAS DE ESTREITO-MA
3.1 O sentimento de urbanidade: as transformações ocorridas na Vila (1961/1982)
A inauguração da ponte Juscelino Kubitschek trouxe grandes transformações para
a vila Paranaidji, na medida em que possibilitou o transporte de pessoas e melhor escoamento
de mercadorias o que incrementou o comércio local. Provocou mudanças no contexto urbano,
bem como no ritmo de vida da população.
Antes da construção da ponte a população da vila vivia isolada, dependente de
transportes fluviais como botes, batelões, motores e vapores comandados por comerciantes de
Porto Nacional e Carolina que iam para Belém (PA), fazendo escalas em Estreito. Sendo essas
viagens perigosas, já que o espaço muitas vezes era divido entre mercadoria e tripulante como
ressaltam Silva e Vinhal (2008, p.10), quando falam sobre a navegação no rio Tocantins.
A navegação no rio além de precária era perigosa – as embarcações não eram
seguras nem confortáveis, pois normalmente a carga ocupava a maior parte do barco
e aos tripulantes restava se agasalhar onde pudessem encontrar espaço.
Além do perigo, esse tipo de transporte demorava, e muitas vezes nem aparecia.
“Não era toda vez que se podia ir, tinha os dias que os barcos passavam” 37, relatou seu
Gessione Fronte Franco, sobre a dificuldade na época para sair da vila.
Dona Genésia Vieira de Jesus Góis ressaltou ainda sobre como as pessoas faziam
para ser vistas pelas embarcações. “Quando se queria ir para Tocantinópolis ou Carolina, o
37Entrevista gravada no dia 11/06/2011
46
povo levava um paninho branco pra poder balançar, pra só assim os barcos inxergarem de
longe e encostar” 38.
A situação piorava ainda quando alguém adoecia, sem médico na vila, os
moradores ficavam a mercê da sorte, esperando o motor passar. “Quando se ficava doente, era
um sofrimento, tinha que ir pra beira do rio esperar um transporte para ir pra Tocantinópolis,
pra fazer um tratamento era só lá que tinha médico” 39, ressaltou seu Ernane dos Santos
Barbosa, que uma vez alugou um motor para trazer um médico à vila a fim de realizar o parto
de sua esposa.
O problema do transporte também atrapalhava as crianças que queriam prosseguir
nos estudos. Gozando de apenas uma instituição de ensino primário, a Escola Rui Carvalho
(1954), as famílias que tinham mais dinheiros mandavam seus filhos para estudar fora, mas a
falta de condução não permitiu a continuidade. Como comentou seu José Rocha Reis em
entrevista
Pra estudar quem tinha dinheiro mandava os filhos para Tocantinópolis, Carolina, as escolas de lá era melhor, mas era tudo difícil, porque o motor demorava um dia e
meio a dois dias pra chegar 40.
Como podemos ver os moradores da vila sofriam para se locomover, sair do local.
Problema enfrentado não só pelos sertanejos maranhenses, mas por todo estado, que em pleno
início do século XX, viviam a depender das inconstantes vias fluviais ou senão a sofrer em
costas de animais, em viagens que duravam dias.
Nestas condições, o Maranhão continuava a ser, na frase incisiva de Fran Paxeco,
“um réprobo da viação acelerada, condenando à perpétua galé do transporte em
vapores ronceiros e em burros de cangalhas”. (VIVEIROS, 1992 apud FLANKLIN,
2008, p. 61).
O isolamento do sertão e a dificuldade do transporte podem ser percebidos no
relato de Ignácio Mourão Rangel, economista brasileiro, que descreveu a viagem de seu pai
José Lucas Mourão Rangel de São Luís para Imperatriz em 1921.
A viagem de São Luís a Imperatriz tomou-nos quase um mês, subindo o Rio
Mearim, de gaiola, até Vitória (atual Baixo Mearim), onde, em casa de amigos, ficamos esperando o batelão, onde nos instalaríamos por 18 dias, rebocados pela
lancha a vapor Anapuru, que lá se foi, largando os pedaços pelas coroas de areia,
enquanto nós entregávamos nosso sangue aos carapanãs, piuns, maruins e outros
bichos assim, que, como diziam os barqueiros, revezavam-se de quarto, como
soldados de guarda. Depois em Grajaú, na casa de outros amigos, chegou-nos a vez
38Entrevista gravada no dia 22/01/2011 39Entrevista gravada no dia 12/06/2011 40Entrevista gravada no dia 15/01/2011
47
da catapora, em todas as crianças e, quando as coisas começaram a melhorar, vieram
sete dias de cavalo até Imperatriz (FRANKLIN, 2008, p.59).
Além de ser um obstáculo para a locomoção de pessoas, a ausência de transportes
foi um dos principais motivos da pobreza do sertão maranhense, mesmo sendo esta região
portadora de grandes riquezas. Como ressaltou Viveiros (1992).
Toda essa região está até certo ponto abandonada e empobrecida por falta de
transporte, tendo, entretanto, condições para enorme riqueza de gados e, segundo se
afirma, em minerais também .(VIVEIROS, 1992 apud FLANKLIN, 2008, p.62).
Portanto, os meios de transportes surgem como fator essencial para o crescimento
de uma região, sendo o assunto pauta de debates políticos ao longo dos anos. Isso acontece
porque:
[...] os meios de transportes favorecem o incentivo e a circulação das produções
agrícolas, o desenvolvimento comercial e industrial, a comunicação e o
relacionamento entre os lugares e pessoas. Portanto, o desenvolvimento econômico e
o bem-estar social de uma comunidade estão estreitamente ligados aos meios de
transportes (NASCIMENTO apud REIS; OLIVEIRA, 2006, p.19).
E foi a partir da abertura da estrada, e conseqüentemente do aperfeiçoamento dos
meios de condução, que a situação da vila Paranaidji começou a mudar. Com o fim do
isolamento e da falta de transporte, resultado da construção da ponte Juscelino Kubitschek, o
local passou por grandes transformações no contexto socioeconômico.
Acostumados com a lentidão característica do interior, logo no início da
construção, a vila ficou agitada, o que proporcionou crescimento e aquecimento comercial,
antes reduzido a produtos de subsistência.
Esse aumento foi por conta dos trabalhadores e engenheiros que vieram para a
construção da obra. Para abrigá-los, casas de telhas e barracões foram levantados. Um
acampamento foi montado ao lado do local onde seria ponte, dinamizando a região que até
então era território de pescadores e lavradores que lidavam com agricultura de vazante.
Para a construção da ponte e da rodovia Belém-Brasília, chegou um grande número
de trabalhadores e firmas empreiteiras. Estreito deu um passo gigante no desenvolvimento econômico e populacional41.
Percebendo a oportunidade econômica, os moradores e pessoas vindas de outras
regiões, montaram estabelecimentos comerciais. Seu Sebastião Pereira cita alguns que
surgiram na época.
41Pesquisa realizada no Livro do Tombo da Igreja São Sebastião na cidade de Estreito no dia07/01/2012.
48
O senhor João Evangelista tinha um comércio surtido, sapatos e roupas; o do Chico
Brito, era só tecido; Manuel Parrião tinha uma mercearia de secos e molhados; seu
Virgílio Franco tinha um comércio, um dos primeiros que surgiu no local, seu
Gilberto tinha um hotel, que também era restaurante 42.
Antes da inauguração da ponte a maioria desses produtos, alimentos e vestuários,
eram comprados em Carolina, Porto Franco e Tocantinópolis. Muitas vezes fazendeiros que
iam comprar sal em Balsas traziam tecidos para vender na vila.
Além desses pontos comerciais, para distrair os trabalhadores surgiram cabarés,
“Pau Pega” e “Zefa Boa”, e mais tarde boates, “Carmozina” e “Califórnia”, tinha também
bares e botecos que vendiam cigarro e cachaça. “Nesse tempo era bom pra se vender as
coisas, tudo que se colocava vendia, porque era muita gente” 43, comenta dona Izailda
Rodrigues Silveira, sobre “o surto” econômico.
A situação econômica da vila melhorou ainda mais quando a ponte foi
inaugurada. Por ser ponto de passagem do norte e centro-oeste do país, a abertura da rodovia
proporcionou uma movimentação do transporte de cargas e passageiros, o que trouxe
dinamização do comércio local.
Um dos fatores que contribuíram para esse crescimento comercial foi a instalação
de um posto fiscal estadual, implantado após a inauguração da ponte, como enfatizou
Valverde e Dias (1967,p.211).
A situação fronteiriça do Estreito favorece, em certo aspecto, o comércio da cidade,
visto que caminhões são obrigados a se deter por muito tempo nas alfândegas estaduais. Os motoristas e passageiros são assim induzidos a comprar alimentos ou
bebidas.
Por conta dessa demanda surgem ao longo da rodovia, “[...] prestação de serviços
de apoio aos rodoviários como, oficinas mecânicas, borracharias, restaurantes e locais para
hospedagem” (SANCHES, 2003, p. 216). Estabelecimentos incomuns para um local que
anteriormente só existia algumas casas de palha.
O comércio informal também se desenvolveu no período, como ressaltou dona
Sebastiana Salviano Vilar, escrivã de 73 anos, que no período possuía um hotel e um posto de
gasolina.
Em todo lugar na Belém-Brasília que colocava-se um botequinho, seja de comida ou
bebida, enchia de gente. Surgiram vários quiosques de mulheres vendendo comida
42Entrevista gravada no dia 17/06/2011 43Entrevista gravada no dia 07/06/2011
49
ao redor da estrada. As mulheres vendiam panelada, comida pro povo que ficavam
na rodovia, tinha também meninos que vendiam laranja, banana44.
Além de ser ponto estratégico para o crescimento do comércio devido sua
localização, fazendeiros perceberam a vila como lugar propício para ser centro de mudança de
transporte e encaixotamento do gado.
então, a função de centro de mudança de meio de transporte foi assegurada ao Desde
Estreito. As boiadas que vêm a pé, do sul de Maranhão, e as que vêm de ‘motor’, de
Pôrto Nacional, Miracema do Norte e Carolina, são de lá embarcadas de caminhão, em lotes de 10 e 14 reses (VALVERDE; DIAS, 1967, p. 210)
Seu Sebastião Pereira, explica como era feita essa atividade.
Eu tomava conta de um pasto, quando chegava os gados eles ficavam lá,viam do
sertão, Tocantins e ia pra Belém. Eu encaixotava os gados e recebia dinheiro do
aluguel do pasto e do encaixotamento45.
Abaixo (Fig. nº 11), imagem do embarque de gado na vila Paranaidji após a
inauguração da Ponte Juscelino Kubitschek.
Figura11 - Caminhão improvisado para carregar animais parado próximo ao posto fiscal estadual de Estreito,
Maranhão, no final de 1960, os primeiros anos da rodovia Belém-Brasília
Fonte - www.panoramio.com/photo/30673461?tag=FOTOS ANTIGAS DE ESTREITO-MA
A indústria também deu os primeiros passos nesse período, sendo a de cerâmica a
primeira a ser implantada na região. Iniciada em 1977 por Anésio Milhomem de Arruda, a
cerâmica SOTEL (tijolos e telhas), que foi beneficiada pela ponte, teve sua produção
destinada ao mercado externo, exportando para os estados do Tocantins e Pará (FONSECA;
PACHECO, 1999, p. 45).
44Entrevista gravada no dia 21/01/2011 45Entrevista gravada no dia 17/06/2011
50
Surgiu também no período analisado, a Caixa Econômica Federal (1973),
primeiro banco a ser instalado na vila, funcionou até 1997. E a empresa Correios do Brasil.
A abertura da ponte Juscelino Kubitschek, não só promoveu uma movimentação
econômica, mas também populacional. Objetivando oportunidades de empreendimento e de
emprego, muitas pessoas vindas do nordeste, norte e sul do país apostaram na vila a procura
de uma vida melhor. Por conta disso, a população aumentou consideravelmente, conforme
quadro abaixo.
Ano População Aumento Percentual
1950 1.530 Habitantes --
1960 7.177 Habitantes 269%
1980 8.687 Habitantes 21%
Fonte: Biblioteca digital IBGE. Disponível em: http://www.biblioteca.ibge.gov.br
Analisando a tabela dos Censos demográficos dos anos 50, 60 e 80, podemos
notar um acentuado aumento populacional entre os anos de 50 e 60 (269%), período este que
coincide com o início da construção da ponte Juscelino Kubitschek.
O incremento demográfico, o aumento dos estabelecimentos comerciais, da
indústria, e outros fatores da vida urbana, trouxeram um novo ritmo de vida para a população
da vila. As ruas se multiplicaram e as construções de tijolos afastaram as de adobe.
Além disso, a presença do cinema, do aparelho de rádio e do automóvel,
elementos que, para os moradores, eram próprios de cidades desenvolvidas, foram aos poucos
incorporados ao cotidiano da população, fazendo-os acreditar no progresso, na melhoria de
vida.
Os filmes Hollywoodianos, que propagavam o moderno jeito americano de ser,
seja no modo de se vestir, na música ou na alimentação, contribuíram para aumentar o desejo
dos moradores de uma vida nova, progressista. Segundo seu Pedro Lúcio, aposentado de 76
anos, o cinema foi instalado na vila em 1961 pelo comerciante Chico Brito e ficou até 1975.
Em 1983 seu Pedro comprou e implantou novamente, encerrando-o posteriormente por causa
da chegada da televisão.
O cinema era uma distração para os moradores do local, assim como para os
trabalhadores que estavam concluindo a ponte. “Além de cabarés e bares os peão se divertia
no cinema. Era do Chico Brito. Era grande e bunito. Era muita gente que ia, namorar. Não
51
tinha outro lugar pra ir, era a única diversão que tinha aqui”46, comentou seu Raimundo
Tavares da Silva.
Segundo ele, no cinema na época, a maioria dos filmes que passava era de faro
West. “O pessoal gostava de ‘Ringo vem pra matar’, ‘O último dos pistoleiros’. Tinha
também filme de terror” 47. Recorda saudosista seu Raimundo.
As seções do cinema, bem como outras notícias, eram propagadas por Antônio
Paraibano através do seu alto falante, o primeiro meio de comunicação da vila antes tinha
também o serviço de Telegrafo, mas funcionava precariamente. Seu Raimundo, explicou
como funcionava esse alto falante.
O alto falante era colocado de um lado e outro, num porte. Dava as noticias boa, ruim, ou alguma pessoa mandava colocar alguma música, declaração, mensagem pro
namorado. Mas tudo no dinheiro, no comércio. Você chegava lá e falava eu quero
procurar fulano de tal, ai não era num telefone, não tinha celular. Aí ele chamava,
fulano de tal, não sei quem ta te esperando em tal lugar e aí a pessoa ia48.
Como podemos ver, o alto falante era o único meio em que a população ouvia
músicas e as notícias que circulavam em outras localidades, e que chegavam à vila através de
mercadores e comerciantes, além de servir como telefone, transmissor de recados.
Com a abertura da rodovia, a população teve mais acesso ao seu primeiro meio de
comunicação depois do alto falante, o rádio. Fato que proporcionou uma maior velocidade na
transmissão da informação. Pois antes, “se acontecesse a morte de algum político só se sabias
depois de um ano, meses” 49, relatou seu Gessione Fronte Franco.
Dona Jaci dos Santos relatou o espanto quando viu o aparelho até então
desconhecido na casa do seu Virgilio Franco, que, segundo ela foi o primeiro a adquirí-lo.
O primeiro que eu conheci foi na casa do Virgilio, depois o Né comprou um. Eu
fiquei besta, boba, quando vi na casa do velho Xico aquele negócio ali falando,
quando eu olhei pro chão e vi aquele negocinho falando, falei: meu Deus que quer
isso? 50 (risos).
Assim, com a rodovia nasceu um novo padrão de velocidade na vila, não somente
em relação à informação, mas também ao encurtamento das distâncias, advindas da
introdução do transporte rodoviário, carro chefe da política desenvolvimentista de Juscelino
Kubitschek.
46Entrevista gravada no dia 23/ 06/2011 47Entrevista gravada no dia 23/ 06/2011 48Entrevista gravada no dia 23/06/2011 49Entrevista gravada no dia 11/06/2011 50Entrevista gravada no dia 12/06/2011
52
Apesar de já terem visto um carro, segundo seu José Rocha Reis, o primeiro
caminhão entrou na vila em 1957, a utilização do mesmo passou a ser visto como uma grande
novidade. Isso porque os moradores eram mais acostumados com aviões de grande e pequeno
porte, presentes na cidade de Carolina, que na época possuía um aeroporto movimentado, e
fazia vôos constantes para o norte, centro-norte e sul do Maranhão. “Naquele tempo se fretava
um avião como se fretava um coletivo hoje” 51, ressaltou dona Genésia Vieira de Jesus Góis,
para demonstrar a facilidade de se contratar esse tipo de transporte.
Mas somente em 1960, na Caravana de Integração Nacional que estava vindo de
Belém com destino a Brasília, que os moradores tiveram a oportunidade de conhecer os mais
variados modelos daquilo que na época era o símbolo do mundo moderno. Diversos
automóveis aportaram na vila, aguçando a curiosidade da população. Seu Valmir Siebra Vilar,
contou-nos sobre o evento que deixou os moradores agitados.
A caravana passaram atravessando o rio através de uma balsa. Passaram o dia e uma
noite atravessando de balsa os carros, que eram cerca de 200. O Carlos Lacerda veio
junto nessa caravana, veio os chefões políticos de São Paulo, Belo Horizonte,
jornalistas. Carlos Lacerda criticava Juscelino. Mas o povo recebeu a caravana com
muita festa, bebida, frevor52.
Analisando a citação do seu Valmir, podemos dizer que, durante as nossas
pesquisas, não encontramos nada com relação à presença de Carlos Lacerda na Caravana de
Integração Nacional, que saiu do norte com destino a Brasília. Já a participação do
governador do Maranhão José de Matos Carvalho nessa caravana foi bastante enfatizada nos
jornais maranhenses da época.
No jornal Diário da Manhã do dia 26 de janeiro de 1960, foi relatado que a
Caravana, na qual fazia parte autoridades políticas, civis, militares e eclesiásticas, chegou a
Imperatriz no dia 25 de janeiro de 1960, encontrando-se com o governador José Matos
Carvalho que a aguardava a vários dias na cidade.
Chegou, hoje, em Imperatriz, no estado do Maranhão, a caravana nacionalista que
viaja para Brasília apenas em veículos da Mercedes Bens. Integravam a comitiva o
Dr. Waldir Boud, Superintendente da SPVEA, os cônsules dos Estados Unidos,
Japão, Portugal, diretores de jornais e rádios guajarinos, o presidente do Tribunal de
Justiça, e autoridades políticas, civis, militares e eclesiásticas. A comitiva encontrou-
se na cidade de Imperatriz, com o governador do Maranhão, Dr. José de Matos
Carvalho, que há dias se acha na região, devendo seguir viagem para Brasília, sempre por via terrestre [...].
51Entrevista gravada no dia 22/01/2011 52 Entrevista gravada no dia 08/01/2011
53
Como viajou no sentido Carolina, Porto Franco, antes de ir a Imperatriz, o
governador fez uma parada em Estreito, onde conversou com funcionários e conheceu o
campo de obras da ponte que ainda estava em construção.
As onze horas, a comitiva à qual se reuniram o engenheiro da Rodobráz e o Sr. Rui
Carvalho, rumou para o Estreito Chegando ao Estreito o governador foi recebido
pelos funcionários da Rodovia, visitando os trabalhos da ponte e o escritório da
Rodobráz [...]. (DIÁRIO DA MANHÃ, 26 de janeiro de 1960).
Abaixo, imagens de dois jornais maranhenses que noticiaram a participação do
governador na Caravana de Integração Nacional.
Figura 12 - Notícia do Jornal DIÁRIO DA MANHÃ dia 13 de janeiro de 1960.
Fonte - Arquivo Público do Estado do Maranhão.
Fig. 13. Notícia do Jornal DIÁRIO DA MANHÃ dia 26 de janeiro de 1960
Fonte - Arquivo Público do Estado do Maranhão.
Como vemos, o governador do Maranhão nesse período foi à vila por duas vezes,
com a comitiva antes de ir para Imperatriz, e depois, quando se encontrou nesta cidade com a
Caravana e prosseguiu com destino a Brasília, cuja passagem para a nova capital Federal se
dava na divisa do Maranhão com o Goiás, ou melhor na vila Paranaidji.
54
Apesar das duas viagens feitas pelo líder do estado à vila, a população do local
não o percebeu, enfatizando apenas os modelos dos carros e de como eles os surpreenderam.
“Naquele tempo carro era difícil” 53, comentou seu José Rocha Reis, pra justificar o motivo
pelo qual a caravana deixou a população tão alvoroçada.
Quando a ponte foi inaugurada, o transporte rodoviário começou a fazer parte do
cotidiano dos moradores da vila. A noção espaço-tempo foi redimensionada, na medida em
que esse tipo de transporte dinamizou a circulação de pessoas e mercadorias.
Com a celeridade, as viagens que duravam meses, passaram a ser feitas em
poucos dias. Ir a determinado lugar ficou mais fácil, pois diversas empresas de transporte
rodoviário começaram a surgir, sendo a primeira a “Expresso Braga”, como enfatizou Pereira
(1997, p. 110).
Todas as cidades servidas pela importante rodovia tiveram sua ascensão. Belém
ficou mais próxima de nós. Ir a Goiânia ou mesmo Brasília já não era tão difícil,
pois empresas de transporte de passageiros e de cargas pesadas já começaram a
disputar concessões. A primeira concessionária, com ônibus fazendo a linha Belém-
Brasília, foi o “Expresso Braga”, vindo depois outras empresas. Daí o apelido de
“expresso” – nome dado pelo povo para qualquer ônibus que chegasse: “ Vou de
expresso. Cheguei de expresso!”
A utilização do transporte rodoviário também facilitou a disponibilidade de
mercadorias vindas de toda parte do país, ocasionando mudanças no padrão de consumo da
população. Produtos até então incomuns na localidade, passaram a ser comprados pelos
moradores: roupas da moda, cerveja, refrigerante Coca-cola, eletrodomésticos, carros, e todo
tipo de novidade proveniente das regiões que eles consideravam mais desenvolvidas.
Sem falar que essa facilidade na circulação de mercadoria libertou a população da
vila do domínio da cidade de Carolina, centro econômico mais próximo, que revendia
produtos industrializados, às vezes a preços exorbitantes. “Antes, até pra comprar uma camisa
tinha que se ir à Carolina” 54, comentou seu Manoel Leal Parrião, de 73 anos.
Logo que inaugurou a ponte, alguns moradores se esforçavam para comprar um
automóvel, símbolo do poderio e status social da época. Seu Ernane dos Santos Barbosa, que
no período era proprietário da única farmácia do local, e por conta disso ganhava muito
dinheiro, foi o primeiro a comprar essa maravilha do mundo moderno.
Em entrevista, seu “Né”, como é conhecido, relatou como a população do sertão
se comportava diante da novidade.
53Entrevista gravada no dia 16/11/1921 54Entrevista gravava no dia 20/06/2011
55
Eu fui a primeira pessoa a comprar um jipe aqui num Estreito. Quando chegava com
ele no sertão o povo ficava tudo com medo, parecia um comício, o carro ficava cheio
de gente ao seu redor, ficava em cima do carro, até nos pneus (risos). Comprei ele
em 1964 em Carolina55.
Situação parecida com a que aconteceu em Imperatriz, quando o primeiro
caminhão, apelidado de “Vitorino Freire” começou a circular na cidade.
Esse caminhão era usado nos serviços do município, mas também atendia a população carente no transporte de material para a construção, que antes era
carregado em carroça de boi e animais cavalares; o dono era o povo. A chegada
desse caminhão causou muita alegria à população. Todos queriam vê-lo de perto;
com muita razão, pois era o primeiro carro que rodava em Imperatriz (MOREIRA
apud FRANKLIN, 2008, p. 109).
Abaixo (Fig. nº 14), crianças posando com o jipe do seu Ernane Santos Barbosa
na ponte Juscelino Kubitschek.
Figura 14 -Na época os moradores gostavam de tirar fotos ao lado de elementos considerados moderno.
Fonte - Acervo particular do seu Ernane dos Santos Barbosa.
Assim, com a inauguração da ponte um novo conceito de espaço-tempo foi
concebido na vila Paranaidji. Em vez do rio, a população passa a ser guiada por um fator até
então considerado inovador, a rodovia, e a sofrer as influências desta.
Antes as populações se agrupavam principalmente às margens dos rios, o povoado tinha sua vida ligada ao ritmo das águas, com a travessia de boiadas e a dinâmica
econômica proveniente desta; agora com a rodovia recebe influência direta do
transporte rodoviário (BUENO, 2003, p. 35).
O espaço pacato e sem movimento, passa a dar lugar a um ambiente mais agitado,
com características mais urbanas. O centro comercial é formado próximo da ponte, e toda
movimentação não só econômica, mas também política e social passa a ser associada a ela.
55Entrevista gravada no dia 12/06/2011
56
Dessa forma, comparando-a com Nevski56 de Marschal Berman (1994), podemos
dizer que ao redor da ponte Juscelino Kubitschek, se concentrou novidades vindas de outras
regiões do Brasil, construindo na mentalidade dos moradores da vila a idéia de pertencer a um
lugar “progressista”.
Por conta disso, por ser vista como pólo irradiador da “modernidade” e do
“progresso”, a ponte virou um ambiente de intensa sociabilidade, ponto de encontro de
pessoas das mais diferentes classes sociais. Seja pra brincar, conversar, namorar, admirar sua
estrutura, ou até mesmo fotografar, quando a sol esfriava e a noite chegava, era lá que a
maioria da população da vila se encontrava. Conforme relatou Dona Izailda Rodrigues
Silveira.
A diversão era passear na ponte de noite. Uns ficavam namorando, outros ficavam
andando pra lá e pra cá, era tão bom (suspira), era a distração da cidade, não tinha
outro lugar pra ir mesmo, pra passear. Lá pudia pegar um vento, sentar no corrimão
e pegar um vento, bater um papo57.
Abaixo (Fig. nº 15), fotografia recente (2008) de crianças brincando próximo à
ponte. No tempo que foi inaugurada pessoas pulavam de cima, e pilotos de aviões pequenos
se divertiam fazendo manobras radicais debaixo dela.
Figura 15 -Meninos tomando banho no rio Tocantins (2008)
Fonte - http://www.hiroshibogea.com.br/?p=3041
Enfim, a ponte Juscelino Kubitshek trouxe um novo ritmo de vida para população
da vila Paranaidji, na medida em que abriu as portas para elementos característicos da vida
urbana de cidades ditas desenvolvida.
56Na analise de Marschal Berman sobre a modernidade subdesenvolvida da Rússia nos fins do século XIX, Nevski é representada como uma rua que abriu no coração de um país subdesenvolvido, uma vista as promessas
deslumbrantes do mundo moderno, sendo ela uma vitrine das maravilhas da nova economia de consumo
(BERMAN, 1994, p. 245) 57Entrevista gravada no dia 15/06/2011
57
Sendo assim, para os moradores a “ponte foi a salvação do Estreito” 58. Se não
fosse ela, “Estreito não seria nada” 59. Dona Maria de Lourdes Marinho descreveu os
benefícios que o local recebeu depois da inauguração da ponte.
A ponte trouxe muito benefícios para a cidade de Estreito: hotéis, hospital, médico,
posto de saúde, colégio. Depois da ponte as coisas só foram evoluindo, hospital
particular, colégio particular. Se não fosse a ponte como era que se tinha isso, ia-se
fazer alguma coisa em lugar que não tinha nada? Ninguém ia fazer investimento em
um lugar que não tinha futuro60.
Como podemos ver, para dona Maria de Lourdes, tudo aquilo que a cidade possui
até os dias de hoje é resultado da construção da ponte. Por conta disso, a ponte Juscelino
Kubitschek foi, e ainda é considerada pelos moradores do local, como um elemento
modernizador da cidade, capaz de levá-los cada vez mais ao progresso, ao desenvolvimento.
3.2 O plebiscito de 1982: a vitória da Vila
Desde quando se tornou vila subordina ao município de Carolina (MA) em 1948,
que os moradores da vila Paranaidji lutavam para conseguir autonomia. Com a inauguração
da ponte o sonho de libertação ficou mais próximo, pois a mesma proporcionou mudanças
econômicas e sociais que transformaram o contexto urbano local.
Antes de sua libertação em 1982, a vila teve uma primeira emancipação política
através da Lei estadual 1.304 do dia 27 de dezembro de 1954. A nova cidade recebeu o nome
de Presidente Vargas, homenagem ao chefe político que no mesmo ano cometeria suicídio.
Mello (2010, p. 6), narra os primeiros passos da cidade recém emancipada, bem
como o quadro político escolhido para administrá-la.
A cidade presidente Vargas surge com muita animação política e, no dia 3 de
outubro de 1955, os moradores têm a oportunidade de escolher seus representantes
por meio de eleições. O primeiro prefeito eleito foi o senhor Alexandrino Silveira
Milhomem, que tomou posse no dia 5 de fevereiro do ano seguinte. Foram eleitos
nove vereadores, sendo eles: Aarão Jorge, Alda Franco, Alexandre Gomes Silveira,
Almir Aguiar Milhomem, Antônio Valentim, Bento Parreão, Marcelino Moura,
Maria de Jesus Leal e o presidente da Câmara, o senhor Sinésio Abreu.
Mas os políticos de Carolina não queriam perder seu patrimônio e muito menos as
arrecadações da região, foi então que o prefeito de Carolina da época, Frederico Martins de
58Entrevista gravada com seu Gessione Fronte Franco no dia 11/06/2011 59Entrevista gravada com Sebastiana Salviano Vilar no dia 21/01/2011 60Entrevista gravada no dia 23/01/2011
58
Azevedo, apelou para a procuradoria Geral da República alegando que a formação de
Presidente Vargas era uma atitude inconstitucional e altamente lesiva.
Em ofício enviado para o presidente da Câmara municipal da cidade, o prefeito
Frederico Martins de Azevedo explica porque não sancionou o projeto de Lei n°35 sobre a
criação do novo município.
[...] No uso das atribuições que me confere o artº 45. item II, da Lei nº 17, de
1.11.47, resolvi negar sanção ao citado projeto de Lei nº 35, pelas seguintes razões:
a - A população urbana do distrito de Paranaídji, de acordo com o recenseamento de
1950, é de 73 habitantes; a suburbana: 58 e a rural:1.407, quando a Lei orgânica do municípios (art.3º, item I) e a constituição do Estado (art. 85º. item I), exigem
população mínima de 10 mil habitantes.
b- renda anual, tanto municipal como estadual, é irrisoria, em confronto com o que
determina o item II do citado artigo 85 da constituição estadual.
c- referido distrito não conta com quinhentos eleitores para enviar representação a
Assembleia Legislativa Estadual, solicitando a creação do Municipio (Lei nº 17, de
1º de novembro de 1947, art., 2º).
d- Na sede do citado distrito, existem cerca de vinte casas, sendo apenas três
cobertas de telha, a saber – um prédio da Escola Rural, um pequeno mercado,
construído em minha administração, e a residência do Sr. Virgilio Franco, não
podendo, portanto, abrigar as repartições necessárias a sede de um município (Item
III do art. 3º da Lei Orgânica dos municípios) [...] Para salvaguardar o nosso patrimônio territorial, estou apelando para o Ex. Sr.
Dr. Procurador Geral da República na expectativa que nosso município não sofra tão
rude [...] (ilegível) 61
Como podemos ver, segundo a justificativa do prefeito de Carolina, o distrito
Paranaidji não tinha população suficiente para formação de um município, nem eleitores para
enviar representantes para a Assembléia Legislativa do Estado. Acrescenta ainda, que a renda
era irrisória e sua sede não tinha estrutura para abrigar as repartições públicas necessárias.
Por conta disso, em 10 de janeiro de 1958, através do Acórdão 242, o Supremo
Tribunal Federal decidiu que a Lei que criou o município Presidente Vargas era
inconstitucional. Sendo assim, a precoce cidade volta à posição de outrora, sendo reanexada a
Carolina, conservando o antigo nome Paranaidji, para a tristeza da população.
Devido à distância e a dificuldade de comunicação, desde o início, a
administração da vila foi feita de forma descentralizada pela prefeitura de Carolina, sendo
nomeados funcionários para desempenhar as funções de: “[...] (um) subprefeito; (um)
escriturário; (um) zelador do mercado; (um) zelador de rua; (um) carcereiro; (um) Delegado
[...]” 62.
61Ofício s/nº de janeiro de 1955 enviado pelo prefeito Frederico Martins de Azevedo para o presidente da Câmara municipal de Carolina (MA). 62Funções da subprefeitura de Estreito, conforme Projeto de Lei nº 20/71 aprovado pela Câmara Municipal de Carolina em 30 de novembro de 1971 que dispõe sobre o quadro permanente de servidores da prefeitura
municipal de Carolina.
59
Para representar o prefeito de Carolina, foi nomeado no Estreito um subprefeito,
cargo de confiança, conquistado em tempos de campanha política, sendo que todos moravam
na região, dentre eles tomamos conhecimento de Manoel Leal Parrião, João Batista de Sousa,
Enésio, Genésio e Sidney Milhomem. A Função de subprefeito era a mais antiga, surgindo
outras de acordo com os interesses dos prefeitos Carolinenses eleitos.
A sede da Subprefeitura de Estreito, chamada de Agência Municipal, foi
improvisada em uma casa alugada. Neste local, o subprefeito nomeado seria encarregado de:
Art. 15 [...] executar ou fazer executar as leis, posturas e atos de acordo com a
instrução do prefeito; de arrecadar os tributos e rendas municipais dentro dos limites
de suas jurisdições; de superintender a construção e conservação de obras públicas,
estradas, caminhos municipais sobre a orientação técnica, contrôle e fiscalisação dos
órgãos centralizados da prefeitura; de executar os serviços públicos distritais e
correlatos e de coordenar as atividades executadas pelo diferentes órgãos da
prefeitura [...]63.
Apesar de muitas atribuições, seu Manoel Leal Parrião, que foi subprefeito em
Estreito no tempo da administração de Absalão Coelho em Carolina, comentou que, no
Estreito, “lá alguma vez fazia alguma coisa, muita vez, fazia um servicinho de abertura de rua,
pouca coisa, porque não tinha recurso, não tinha quase nada pra administrar, porque não tinha
nada, não tinha renda, não tinha nada” 64.
O descaso de Carolina deixava a população de Estreito revoltada. “O povo tinha
uma revolta, todo distrito tem raiva de sua sede. Eles fogem da responsabilidade, não querem
fazer nada” 65, acrescenta seu Manoel Leal Parrião. A subprefeitura, portanto funcionava de
forma precária, na medida em que Carolina não dava o apoio nem recursos necessários aos
subprefeitos.
Para seu Ernane dos Santos Barbosa, os políticos de Carolina só serviam para
pegar as terras de Estreito. Ação que aumentou ainda mais com o crescimento econômico do
local, devido à abertura da rodovia e a inauguração da ponte Juscelino Kubistschek. “Depois
da ponte, o comércio de Estreito cresceu e Carolina cresceu o olho, os prefeitos vinham e
tiravam os melhores lotes para venderem” 66, relatou seu Ernane.
Essa especulação em relação às terras da vila, segundo Valverde e Dias (1967p.
211), atrapalhava o desenvolvimento econômico local.
63Art. 15 da Lei nº [...] (ilegível), aprovada em março de 1967 pelo prefeito Jorge Lopes de Sousa que reorganiza
a estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Carolina. 64Entrevista gravada no dia 20/06/2011 65Idem 66Entrevista gravada no dia12/06/2011
60
Muita gente de Carolina comprou terrenos aí, porém não os ocupou, esperando
valorização. Os preços dos lotes urbanos subiram, pôr isso, astronômicamente,
alcançando cerca de Cr$ 300.000 em 1965.
Percebendo o futuro promissor de Estreito, os administradores carolinenses
começaram a olhar mais a região, anteriormente desprezada, deixada em segundo plano.
Diversos Projetos de Lei foram aprovados na intenção de estruturar o novo pólo de
desenvolvimento que pertencia ao grandioso programa de integração nacional.
Assim, foram criados projetos para a instalação de um hospital pela Secretaria de
Saúde Pública do Estado do Maranhão67; para a construção do FUNRURAL (Fundo de
Assistência ao Trabalhador Rural)68; para a instalação de um Posto de Defesa Sanitária
Animal pertencente a Secretária de Agricultura do Estado do Maranhão69 dentre outros, que
enchiam as discussões das sessões plenárias .
O objetivo da criação de tantos Projetos de Lei estava diretamente ligado aos
interesses dos políticos carolinenses, como podemos ler na Mensagem nº 3/71 enviada no dia
4 de junho de 1971 pelo prefeito de Carolina Absalão Coelho para a Câmara de vereadores
desta cidade.
Como os senhores hão de notar, tais projetos, por sua natureza e finalidade,
assumem grande importância para o nosso município, particularmente para o distrito
do Estreito, principal polo de desenvolvimento de nossa comuna, enquadrando-se,
neste momento, no extraordinário programa de integração nacional do governo da
república. Devem, portanto, merecer a acolhida dos senhores vereadores, sempre
atentos e dedicados ao progresso do município de Carolina.
Como vemos, a intenção do prefeito era investir no distrito, que na época estava
passando por sua melhor fase econômica, por conta de sua posição no projeto político de
Juscelino Kubitschek. Fazia-se isso, não porque queria o desenvolvimento e o bem estar da
população do local, mas porque sabia que o crescimento do distrito promovia também o
progresso de Carolina.
Os moradores da vila sabiam da real intenção dos políticos de Carolina, e não
aceitavam a submissão imposta por eles, nem o fato de terem que pagar impostos para a
cidade. “O povo queria se libertar de Carolina eles ficavam com a renda toda da cidade. Os
postos fiscais davam muito lucro, e ia todo pra Carolina”70, ressaltou seu Sebastião Pereira,
mostrando indignação.
67Projeto de Lei nº 02/72 aprovado em 22 de março de 1972 pelo prefeito de Carolina José Olympio Barbosa 68 Projeto de Lei nº11/71 aprovado pela Câmara em 04 de junho de 1972 69Projeto de Lei nº 11/78 aprovada em 10 de março de 1978 pelo prefeito Genésio Gonçalves Maranhão 70Entrevista gravada no dia 17/06/2011
61
Além disso, o povo estava cansado de resolver seus problemas nessa cidade.
“Antes se quisesse registrar um lote era em Carolina, se quisesse registrar uma criança era em
Carolina, se quisesse ir num banco era em Carolina. Tudo era em Carolina, tudo” 71, recorda
dona Izailda Rodrigues Silveira.
Com a mudança no contexto socioeconômico da vila, cresce ainda mais nos
moradores o desejo de emancipação. Para eles, Estreito já tinha adquirido características
típicas de cidades urbanas, e já podiam sustentar-se. Sem falar, que, com o advento da ponte
Juscelino Kubitschek, pertencente à rodovia Belém-Brasília, umas das estradas mais
importante do Brasil em termo de escoamento de mercadorias, os moradores esperavam um
futuro brilhante pela frente, marcado pelo progresso e desenvolvimento.
Para alcançar esse futuro promissor, o primeiro passo era libertar-se de
Carolina, já que todos os recursos conquistados por Estreito eram todos enviados para essa
cidade. A tarefa seria difícil, pois Carolina não iria liberar o único pólo de desenvolvimento
de sua comuna com facilidade.
O processo de emancipação da vila teve a participação de representantes
populares, como o senhor Valmir Siebra Vilar, Nermídio e Sidney Milhomem, dentre outros.
Mas a participação decisiva foi do deputado Sálvio Dino, na época do PSD, que entrou com o
Projeto de Lei nº 151 para a de criação do novo município.
O Plebiscito foi marcado para o dia 2 de abril de 1982, e contou com a maioria
absoluta da população. Segundo seu Gessione Fronte Franco, “no plebiscito o povo
compareceu em peso, todo mundo queria a emancipação, tinha umas duas mil pessoas nesse
plebiscito” 72. Alguns jornais maranhenses noticiaram o evento.
Começa a ser definido o processo de transformação, em município, do distrito do
Estreito, com a realização da consulta plebiscitária que vai definir se seus habitantes
desejam ou não a criação do município que será desmembrado do município de Carolina (JORNAL ESTADO DO MARANHÃO, 2 de abril de 1982).
O resultado desse evento político deixou a população muito satisfeita, festas foram
realizadas em vários lugares. “No plebiscito foi muita alegria, o povo saiu na rua gritando no
sol quente. Foi um dia inteiro de festa, no hotel do seu Gilberto, em bares” 73, disse dona
Maria de Lourdes Marinho em entrevista.
No Livro do Tombo da Igreja Católica local, também vemos as movimentações
festivas da população diante da idéia de emancipação, que, segundo o autor, durou mais de
um dia:
71Entrevista gravada no dia 15/06/2011 72Entrevista gravada no dia 11/06/2011 73 Entrevista gravada no dia 23/01/2011
62
Hoje dia dois de abril com expressão muito forte, realizou o plebiscito, com maioria
absoluta, e vi pe. Luis de Assunção, neste três de abril tanto movimento, festas,
jogos, passeatas, gritos, animação, mesmo entre velhos em crianças74.
Assim, Através da Lei nº 4.416 de 12 de maio de 1982, sancionada pelo então
governador João Castelo Ribeiro Gonçalves é criado o novo município, com o topônimo de
Estreito, sendo ele, na época, o ducentésimo trigésimo segundo município do Maranhão.
O Mais novo município tem mais de 10 mil habitantes e sua renda anual é superior a
15 milhões de cruzeiro, o que corresponde a cinco milésimo da arrecadação do
estado do ano passado. Estreito passa ser constituído da sua sede e dos distritos de
São Pedro dos Crentes, São Bartolomeu e Venesa. (JORNAL ESTADO DO MARANHÃO, 11 de maio de 1982).
Somente após do Censo de 1980, quando ficou comprava a existência em Estreito
de mais de dez mil habitantes, e o fato de “ser o centro urbano que mais cresce no Estado,
tanto econômico como popularmente por ser cortado pelas estradas Belém-Brasília e
Transamazônica” (JORNAL PEQUENO, 12 de maio de 1982), que foi possível tomar o
sonho de Estreito realidade.
Para a população a emancipação foi uma das melhores coisas que aconteceram no
local, porque a partir daquele momento, eles teriam autonomia para eleger seus representantes
e administrar sua própria renda. Dona Izailda Rodrigues Siveira, relatou a satisfação de ser
liberta da ganância dos políticos carolinense e de poder ver a sua cidade administrar seus
recursos.
Toda renda da cidade era pra Carolina e não faziam nada pela cidade. Na cidade não
tinha nada. Tudo que tinha ia pra lá. E quando tinha eleição só elegia político de
Carolina. Então a cidade só servia para eleger eles e nós num ganha nada? Então
mancipação de Carolina foi boa, porque o que caísse seria pra cidade e não pra Carolina75.
Após a emancipação de Estreito, o governador nomeou como interventor da
cidade o Sr. José Olimpio Barbosa, que a administraria até que acontecesse a primeira eleição.
Com a eleição foi eleito o senhor Valmir Siebra Vilar (1983-1989), que ficou na
administração do município por seis anos. Depois foi sucedido por Edem Abreu (1989-1991;
1992-1993), este por João Duarte (1993-1997), depois Claro Moura (1997-2001), Benedito
Moreira (2001-2005) e José Lopes Pereira (2005-2008), que foi substituído por José Gomes
Coelho, o prefeito atual.
Apesar de não ter alcançado o futuro promissor almejado desde os tempos da
construção da ponte, a população de Estreito ainda se considera privilegiada por morar em um
74Pesquisa realizada no Livro do Tombo da Igreja São Sebastião na cidade de Estreito no dia07/01/2012. 75Entrevista gravada no dia 15/06/2011
63
ponto estratégico, e possui uma ponte que recebe diariamente pessoas de diferentes regiões.
Até hoje, a ponte enche de orgulho a população estreitense, que ainda a considera um dos
principais fatores de desenvolvimento da cidade. “Sem essa ponte Estreito não seria nada,
não seria essa cidade” 76, ressaltou seu José Rocha Reis.
76Entrevista gravada no dia 16/11/2011
64
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do trabalho buscamos analisar o significado da Ponte Juscelino
Kubitschek para os moradores da vila Paranaidji, pessoas que anteriormente viviam isolados
por conta da ausência de estradas de rodagem, e tendo como principais meios de transporte os
lombos de animais, barcos e lanchas, provenientes de outras regiões.
Durante a pesquisa, percebemos que, subordinados ao município de Carolina
desde 1948, os moradores da vila buscavam sua emancipação política e econômica, mas por
sua baixa renda, que segundo o prefeito de Carolina era irrisória, e pelo fato de não possuir o
número de eleitores suficientes, o sonho não pôde ser concretizado.
Notamos ainda que um dos principais motivos que contribuíram para o fraco
povoamento e baixo desenvolvimento econômico da vila foi a falta de comunicação. Por
causa da distância em relação à capital São Luís e com o restante do Estado, os contatos
comerciais restringiam-se às cidades da região tocantina, destacando-se Carolina, Boa Vista,
Porto Franco, Belém e Marabá.
Vimos que a realidade da pequena vila começou a mudar a partir de 1956, quando
sobe ao poder o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Com o intuito de promover o
crescimento da economia brasileira atrelada ao capital internacional, JK lançou mão de um
amplo programa econômico chamado de Plano de Metas, distribuídas entre os setores de
energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação.
As transformações foram resultado da construção da ponte Juscelino Kubitschek,
pertecente a rodovia Belém- Brasília. Com a construção, nasceu uma nova divisão simbólica
na mentalidade da comunidade de Estreito, o “antes” e o "depois" da ponte.
O “antes" significava terra isolada, esquecida pela política regional e nacional,
uma economia de subsistência, uma população pobre, subordinada aos mandos e desmandos
dos políticos Carolinenses. E o “depois”, que estaria relacionado com o “desenvolvimento”,
“progresso”, crescimento populacional, liberdade de ir e vir, uma economia forte e
diversificada, remodelamento do espaço urbano e, por fim, a emancipação política.
Finalmente, constatamos que a Ponte JK assumiu um significado especial para as
pessoas da comunidade local em Estreito, pois contribuiu para a construção de um novo
cenário urbano na vila Paranaidji. Os moradores consideram-na responsável por trazer o
desenvolvimento, tanto econômico quanto cultural e social à cidade. Segundo eles ainda, sem
65
a ponte o povoado jamais teria sido emancipado, pois foi a ponte JK quem propiciou as
mudanças necessárias em áreas específicas como economia, transporte e comunicação.
66
REFERÊNCIAS
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Livro do Tombo pertencente à Igreja Católica de São Sebastião da cidade de Estreito (MA).
Ofício s/nº de janeiro de 1955 enviado pelo prefeito Frederico Martins de Azevedo para o
presidente da Câmara municipal de Carolina (MA).
Projeto de Lei nº 20/71 aprovado pela Câmara Municipal de Carolina em 30 de novembro de
1971 que dispõe sobre o quadro permanente de servidores da prefeitura municipal de Carolina
(MA)
Art. 15 da Lei nº [...] (ilegível), aprovada em março de 1967 pelo prefeito Jorge Lopes de
Sousa que reorganiza a estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Carolina (MA).
Projeto de Lei nº 02/72 aprovado em 22 de março de 1972 pelo prefeito de Carolina José
Olympio Barbosa
Projeto de Lei nº11/71 aprovado pela Câmara em 04 de junho de 1972
Projeto de Lei nº 11/78 aprovada em 10 de março de 1978 pelo prefeito Genésio Gonçalves
Maranhão
Mensagem nº 3/71 enviada no dia 4 de junho de 1971 pelo prefeito de Carolina Absalão
Coelho para a Câmara de vereadores desta cidade.
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JORNAL “DIARIO DA MANHÔ, 26 de janeiro de 1960
JORNAL "DIÁRIO DA MANHÃ", 26 de janeiro de 1960
JORNAL “DIARIO DA MANHÔ 21 de janeiro de 1961
JORNAL “DIARIO DA MANHÔ 24 de janeiro de 1961
JORNAL “PEQUENO”, 29 de janeiro de 1961
JORNAL "O ESTADO DO MARANHÃO", 2 de abril de 1982
JORNAL "O ESTADO DO MARANHÃO", 11 de maio de 1982
JORNAL" PEQUENO", 12 de maio de 1982
67
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70
APÊNDICES
71
APÊNDICE A - ENTREVISTA 01
VALMIR SIEBRA VILAR
Valmir Siebra Vilar, conhecido como “Ceará”, 76 anos, oriundo da cidade do
Crato (CE), chegou em Estreito em 1959, onde primeiramente trabalhou vendendo rede e
revólver 38. Em 1982 seu “Ceará” teve um papel importante no processo de emancipação da
vila, sendo um dos principais organizadores do plebiscito o qual libertou a população do
domínio carolinense, sendo depois eleito o primeiro prefeito da cidade.
Em janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse trabalho, de
onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1- Quando o senhor chegou aqui em 1959 como era Estreito? Quantas pessoas
tinham?
Resposta: Só tinha duas casas na beira do rio. Antes Estreito era pouco
movimentado, parecia uma fazenda. Estreito, Carolina, Tocantins era terra de doido, não tinha
estrada de rodagem pra lugar nenhum, era tudo pelo rio, motor grande, pequeno, canoa no
remo.
2- O senhor sabe me dizer os nomes dos primeiros habitantes da cidade?
Resposta: Era o compadre Santos, a Perolina e o Virgilio Franco.
3- O senhor se lembra da situação econômica de Estreito, logo no início quando o
senhor chegou ?
Resposta: Aqui vivia só de pescar mesmo. Aqui vendia peixe pra Belém, aqui
vendia peixe pra Goiânia, aqui vendia peixe pra Fortaleza, pra São Paulo, pra todo lado. Aí
sabe como é a cidade de Estreito desenvolveu com a rodovia Belém-Brasília, desenvolveu
com a Norte-Sul e agora com a Barragem.
4- Quando começou a construção da ponte Juscelino Kubitschek?
Resposta. Em 1958 começou a fazer as barracas da ponte, os prédios da ponte né,
para os engenheiros, os coordenador, e aí começo a desenvolver o Estreito. A estrada ainda
vinha sabe aonde? Em Guaraí, em Araguaína já tava feito o pique. Mas quando chegou aqui
levou mais de dois anos pra construí a ponte. A ponte foi inaugurada em 21 de abril de 1961.
E aí não tinha terminado de construir a ponte, pra inaugurar botaram umas tábuas para o
presidente passar por cima, aí ele falou assim: “Povo do Maranhão, povo de Goiás, povo do
meu Brasil, hoje sou o presidente, amanhã já não sou o presidente, em 65 eu volto a ser
72
presidente e vou fazer do Estreito uma brasilhinha”. Aí terminou ali, cortaram a fitinha e ele
foi embora.
5- Quantas pessoas participaram dessa construção? Dê uma estimativa.
Resposta. Olha era funcionário demais. Gente demais. É tanto que em 1958 eu
voltei de Carolina e não tinha onde ficar, depois eu fiz um barraco de pau e fiquei dentro.
Muita gente trabalhando. Gente do Ceará, que é o mais “lascado” que tem, da Paraíba, Rio
Grande do Norte, Pernambuco, Piauí. Caíram seis tratores dentro do rio, hoje tem seis tratores
lá.
6- E como foi o abastecimento para a construção dessa obra? Como os materiais
foram transportados?
Resposta. Esse abastecimento veio de caminhão para Miracema, pois de
Miracema pra aqui não tinha estrada, aí os batelões...que eram os barcos que trouxeram pra
cá. O material vinha de Volta Redonda, a maior fábrica de ferro do Brasil era Volta Redonda,
veio também de Goiânia, Belo Horizonte, de São Paulo veio pouca coisa, porque era mais
distante. Veio muita coisa do Rio de Janeiro, os engenheiros a maior parte era do Rio de
Janeiro. Uma parte veio de avião
7- Como foi a inauguração dessa ponte?
Resposta. Ah Na inauguração veio muita gente, de Imperatriz, Bacabal, Codó,
Brasília, Belém, Marabá. Gente de todo canto, mas de 200 jornalista...foi uma coisa
estrondosa. Depois minha filha teve uma grande festa no hotel do seu Gilberto... foi uma festa
muito boa, nós ficamo todo mundo bêbo, muita mulher, veio gente passou dois dias de festa,
eu matei muito boi pra todo mundo comer, arroz, feijão, macarrão, foi fervendo negócio
aqui... O Juscelino trabalhou muito... trabalhou muito porque, escute bem, ele trabalhou muito
porque Getúlio Vargas era um presidente que construiu Volta Redonda, e lá é terra do aço, e
tudo de aço, depois de ferro ele fez, e quando Juscelino entrou, olhou aquilo ali e depois
desenvolveu, por isso que Juscelino foi um presidente bom, agradeça ao Getúlio Vargas.
8- O que mudou em Estreito depois da construção da ponte?
Resposta. Olha o que fez crescer o Estreito primeiro foi a Belém-Brasília, segundo
a ferrovia Norte-Sul, terceiro a Barragem. Com a ponte as lojas tudo encheram de gente, gente
de um lado, gente do outro.
9- Como foi a passagem da Integração Nacional no Estreito? O senhor se lembra
desse evento?
Resposta. A caravana passaram atravessando o rio através de uma balsa. Passaram
o dia e a noite atravessando de balsa os carros, que eram cerca de 200. O Carlos Lacerda veio
73
junto nessa caravana, veio chefões políticos de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,
jornalistas (...). Carlos Lacerdada critica Juscelino. Mas o povo recebeu a caravana com muita
festa, bebida frevor.
10- Como se deu o processo de criação da cidade de Estreito?
Resposta: Eu fui vereador de Carolina, o mais votado no município, e aqui era o
município de Carolina. E lá me convidaram pra mim ser vice-prefeito de Carolina, eu sou
muito bom de palanque. Aí eu fui pra Carolina, lá eu fui candidato a vice-prefeito, nós
ganhemos a eleição. Aí eu fui vereador de Carolina, vice-prefeito de Carolina, aí eu criei essa
cidade e fui candidato a prefeito e ganhei. Fui vereador de Carolina quatro anos, vice prefeito
de Carolina, seis anos, e prefeito de Estreito, seis anos. Fiz a recontagem do município e
nunca acabou, nunca acabou. Se o Estreito hoje é rico, agradeça aqui o doidão “Ceará”.
11- Como foi o plebiscito de 1982?
Resposta. Esse processo todo foi eu que fiz. Eu era muito influente na época,
como eu ainda sou hoje, aí a turma veio e disse: como o senhor é vice-prefeito de Carolina e
mora aqui no Estreito, nós vamos entregar toda coordenação do plebiscito a você. Aí eu
comecei a contar o povo do Estreito todinho. Aí Estreito virou cidade. Aí eu fiz o plebiscito, o
tribunal me deu dinheiro, aí eu fiz churrasco, festa, muito movimento, nós ganhemos. Nesse
época Estreito tinha 14 mil habitantes, mas pra fazer o plebiscito só deu dois mil novecentas
pessoas, mas deu pra passar. A população ficou feliz demais, três dias de festa, muita cachaça,
muita mulher. Aí o Estreito embalou, hoje ta uma cidade maravilhosa, com a Belém-Brasília,
com a Ferrovia Norte-Sul, com a Barragem, depois vem a Agrovia.
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APÊNDICE B - ENTREVISTA 02
SEBASTIANA SALVIANO VILAR
Sebastiana Salviano Vilar, esposa do senhor Valmir Siebra Vilar, 73 anos, oriunda
da cidade do Crato (CE), chegou a Estreito em 1962. Dona Sebastiana é a escrivã mais antiga
da cidade, onde hoje dirige o Cartório Extrajudicial de 1º Ofício. Nos primeiros anos da
rodovia Belém-Brasília, juntamente com o marido, montou um posto de gasolina, uma
churrascaria e um hotel para dar suporte aos primeiros motoristas que passavam pelo local.
Em janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse trabalho, de
onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1- Quando a senhora chegou aqui em 1962 como era Estreito?
Resposta. Quando cheguei aqui estavam terminando de construir a Belém-
Brasília. A Belém-Brasília consumia muito combustível, mas na cidade mesmo só tinha três
jipes. E quando colocaram o asfalto a gente colocou uma churrascaria e um posto de gasolina.
Aí veio enchente de 80 e levou tudo.
2-Como a senhora via a ponte Juscelino Kubitschek?
Resposta. Todo mundo que vinha ficava encantado com a ponte era iluminada,
com o motor de luz, depois acabou, nunca mais. Depois Walmir comprou uma Combi e os
meninos tudo piqueno [...]. Eu ganhei William em Tocantinópolis, e pra mim ir pra
Tocantinópolis era o maior medo do mundo em passar em cima dessa ponte, tinha medo da
ponte cair. Lá no Ceará não tinha rio com ponte não. Eu tinha medo. Walmir nadava dentro
desse rio, e eu ficava morrendo de medo. A população achava a ponte um encanto, porque a
ponte era muito grande, muito bonita, novinha né, só não tinha assalto.
Aí a gente ia pra Carolina, atolava na estrada, andava por dentro dos matos pra
poder chegar em Carolina, agora aqui sempre parece que foi mais evoluído, quando começou
a crescer não teve quem segurasse não.
3-A senhora acredita que a ponte contribuiu para o crescimento de Estreito?
Resposta. Sim porque em todo lugar na Belém-Brasília que colocava-se um
botequinho, seja de comida ou bebida, enchia de gente. Surgiram vários quiosques de
mulheres vendendo comida ao redor da estrada. As mulheres vendiam panelada, comida pro
povo que ficavam na rodovia, tinha também meninos que vendiam laranja, banana. Se tu vê o
movimento que a gente tinha nesse hotel aí, gente que vinha do Pará, eles vinham dormir no
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hotel aqui no Estreito. Estreito só cresceu por causa da ponte. A ponte foi a salvação de
Estreito.
Vinha gente de todo lugar depois que começou a chegar gente, o povo chegava e a
gente se entrosava com ele.
4-A senhora pode me dizer os estabelecimentos que surgiram depois da ponte?
Resposta. Depois da ponte, começou bem na esquina onde era o nosso posto,
colocaram um boteco do Guaresma, aí aqui mais em cima (apontando) colocaram outro
boteco...e aí foi começando, aqui acolá eles colocavam...o posto apurava muito dinheiro nessa
época [...], era um movimento bom, eu também tinha um auto-peças, vendia toda peça de
carro, quando chegava procurava eu já sabia onde é que tinha.
5- A Belém-Brasília era movimentada?
Resposta. A Belém-Brasília era movimentada, mais era caminhão, carro pequeno
era nas festas, mas era tanto carro velho. Os caminhões iam pra Belém, pra São Luís,
Teresina, os ônibus era transbrasiliana, depois começou Marajó, aí eles fazia a linha Belém-
Brasília, aí começou..foi chegando, chegando. Aí começaram a comprar Combi pra levar a
gente para Imperatriz, porque o povo andavam nas carrocerias dos carros.
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APÊNDICE C - ENTREVISTA 03
PEDRO LÚCIO DAS CHAGAS
Pedro Lúcio das Chagas, 74 anos, oriundo do Ceará, veio morar em Estreito em
1976. Nesse mesmo ano montou na cidade um cinema, sendo um dos principais pontos de
lazer na época.
Em janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse trabalho, de
onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1- Quando o senhor chegou aqui como era o movimento na ponte Juscelino
Kubitschek?
Resposta. Quem fez a estrada a Belém-Brasília foi Juscelino Kubitschek, a ponte,
o aeroporto foi ele que fez. Esse aeroporto aqui (apontando) era internacional, tinha 6 Km de
pista, descia avião de todo tipo carga, de carga pesada. O maquinário da Serra dos Carajás
desceu tudo aqui, trator dentro de um avião. Esse aeroporto era muito bom, foi muito bom. O
material da ponte que não era daqui de perto veio tudo de avião. Da Serra dos Carajás mesmo
desceu aqui todo tipo de máquina, você já ouviu falar da Serra dos Carajás? Pois é, lá veio
muita máquina, máquina que eu nunca tinha visto nem em retrato. A Belém-Brasília foi uma
coisa absurda, o Juscelino é grande mesmo.
2- Em que ano o senhor implantou um cinema aqui em Estreito?
Resposta. Eu trabalhava de sapateiro, mas quando cheguei aqui não deixaram eu
trabalhar aí eu comprei um cinema. O primeiro cinema daqui foi em 1961, no tempo da ponte,
que era do finado Chico Brito. O cinema era bom, era cinema grande mesmo, ficava na rua
Bernardo Sayão. Aí eu comprei o cinema passei um bocado de tempo, mas depois chegou a
televisão aí eu deixei de mão, ainda hoje eu tenho a máquina, mas ta parada. Passava filme de
bang-bang, do Didi passava tudinho, dava muito gente.
[...] O cinema foi de 1961 até 1975 que era do Chico Brito, aí ele fechou, depois
veio um senhor de São Luís, colocou esse cinema foi o que eu comprei em 1983 com um
compade meu, aí nós toquemos, mas aí chegou a televisão, porque em 83 começou a
televisão, aí não teve mais espaço pra gente.
3- Como era Estreito em 1976 quando o senhor chegou à cidade?
Resposta. O movimento era só uma feira dia de sábado. O movimento mesmo era
de carro, que era beira de estrada né, a cidade era pequena. Era pequena, mas vem crescendo,
sempre vem crescendo. Em 1969 foi construído uma Caixa Econômica, um Correio, só com a
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governabilidade, com a mudança de presidente tiraram a Caixa daqui e levaram para
Imperatriz, aí fracassou um pouco. O andamento do poder público é que nós não tivemos
sorte, prefeito aqui nós não tivemos sorte.
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APÊNDICE D - ENTREVISTA 04
MARIA DE LOURDES MARINHO MILHOMEM
Maria de Lourdes Marinho Milhomem, 72 anos, oriunda do Paraíso do Maranhão,
município de Porto Franco (MA), veio morar em Estreito em 1960, assistindo de perto as
transformações ocorridas na vila nesse período.
Em janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse trabalho, de
onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1. Como era Estreito em 1960?
Resposta. Quando cheguei aqui era só mato, era pouco morador. Estreito vivia da
oleria, num era cerâmica naquele tempo não, o povo cavava o barro e fazia tijolo na mão, era
tudo manual mesmo. O fundador do Estreito foi o Virgilio Franco, aí tinha a Joana Côrte, o
pessoal do Côrte, seu Gilberto.
2. Como foi a construção da ponte Juscelino Kubistchek?
Resposta. Meu marido trabalhou na construção da ponte, trabalhava de armador,
mas não era profissional não, era só ajudante. Todo mundo estava envolvido com essa
construção, precisava de muita mão de obra, e era manual naquele tempo, não era como hoje
que é máquina pra todo canto não [...]. Nessa construção veio muita gente de outros estados,
gente de longe, só não lembro muito de onde, nem procurava por isso, mas até baiano tinha.
Era gente muita.
3. Como foi a inauguração dessa ponte? A senhora assistiu?
Resposta. A inauguração foi festa o dia todo, só bebedeira o povo bebendo pela
rua, mas parece que teve uma festa no seu Gilberto, eu fiquei em casa. Tinha gente demais, do
Brasil inteiro. Eu vi Juscelino, o povo reagiu com aquela impolgação.
4. A ponte contribuiu para o crescimento de Estreito?
Reposta. Depois da ponte Estreito foi crescendo ligeiro demais, aí veio a
cerâmica, casa de advento de pesca, aí foi crescendo demais, ligeiro, não demorou muito não,
e ta crescendo até hoje, todo dia o Estreito vem crescendo mais. Pra o povo a cidade estava de
parabéns por ser escolhida pra ser feita essa ponte. Todo mundo queria a ponte,
Tocantinópolis, Carolina, e ela foi feita no Estreito.
[...] Achei ela bonita demais, a tarde ficava cheia de gente olhando pra baixo,
passava tecos debaixo da ponte, avião aqueles tecos, ficava brincando debaixo da ponte. A
população gostava demais da ponte, era algo moderno, ave Maria quando fizeram essa ponte,
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que foi a primeira aqui por perto, ah o povo achou coisa demais nunca pensaram que se
pudesse fazer uma ponte atravessando o Tocantins, eles não acreditavam.
5. A senhora se lembra do Plebiscito de 1982?
Resposta. Lembro, foi a primeira vez que eu peguei um porre foi nesse plebiscito.
Eu não bebia e nesse dia o povo começou uma festa aqui na rua o povo bebendo e eu entrei
junto. Teve festa muito, na rua mesmo, teve também na casa do seu Gilberto. Quem organizou
esse plebiscito foi o “Ceará”, foi o Sidney Milhomem. Fiquei muito feliz com a emancipação.
A ponte trouxe muito benefícios para a cidade de Estreito: hotéis, hospital, médico, posto de
saúde, colégio. Depois da ponte as coisas só foram evoluindo, hospital particular, colégio
particular. Se não fosse a ponte como era que se tinha isso. Ia-se fazer alguma coisa em lugar
que não tinha nada? Ninguém ia fazer investimento em um lugar que não tinha futuro.
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APÊNDICE E - ENTREVISTA 05
IZAILDA RODRIGUES SILVEIRA
Izailda Rodrigues Silveira, 71 anos, aposentada, oriunda do Mato Grosso (MT),
veio morar em Estreito em 1953, quando tinha apenas 13 anos.
No dia 15 de junho de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse
trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1- Quantas pessoas tinham em Estreito quando a senhora chegou em 1953?
Resposta. Tinha pouquinha gente, eu sei que casa de telha tinha só o Colégio Rui
Carvalho, do seu Virgilio Franco, o pioneiro da cidade aqui era ele, quando nós chegamos
aqui ele já morava, um mercadinho, que hoje em dia é o “Paulista” [...], acho que tinha umas
27 casas, 01 escola, a Rui Carvallho, a primeira escola que tinha aqui.
Aqui não tinha nada, posto de saúde, a gente adoecia aqui, não morria porque
quando tem que morrer nós morre, nós tinha que ir pra Tocantinópolis de canoa ou de balsa,
na beira do rio pra conseguir chegar lá, o nosso médico era o “seu Né” da Farmácia”, ainda
hoje a gente acredita muito nele [...].
2- Qual era a atividade econômica quando a senhora chegou a Estreito?
Resposta. A gente trabalha com roça, a gente sobrevivia era disso, vazante, no
tempo de vazante, era isso.
3- Como era o transporte na época?
Resposta. O transporte daqui era canoa aqui no rio, ou então montado no cavalo
para ir pra Carolina ou Tocantinópolis, era três dias pra chegar em Carolina de cavalo. Tinha
vapor que ia de Carolina pra Tocantinópolis, de Tocantinópolis pra Carolina. Pra Belém,
Marabá, ia de balsa, passava cheia de coisa pra levar pra Belém [...]. De Tocantinópólis pra cá
nós saia de lá de manhã assim umas 8 horas da manhã, nós chegava de noite aqui no Estreito
de barco [...]. Nem se ouvia falar de Imperatriz, aqui nós não tinha contato com o povo, a
gente ficava aqui isolado. De São Luís era que ninguém falava mesmo. Ficava lá longe.
4- A viagem por águas era perigosa?
Resposta. Era perigosa, mas era menos do que hoje que é de carro, de moto, essas
coisas. O perigo que tinha era só mesmo quando chegava a Tocantinópolis que tinha um
lugar, acho que ninguém mais ta nem aí porque o povo não viaja por água só de carro, era a
cachoeira, então nessa cachoeira lá que era o perigo, quando os barcos ficava encalhados nas
pedras [..]. Morria muita gente, olha pra atravessar gado aqui antigamente, porque eles
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traziam gado de lá pra atravessar pra esse lado, essa travessada era por dentro d’água, a nado.
Aí soltava o gado na água, e o pessoal ia atrás, nadando e outros na canoa, morria gente
afogado, morria gado.
5- Tinham meios de comunicação?
Resposta. Nessa época ninguém sabia de nada, não tinha nada. Quando vinha um
que sabia alguma coisa contava, mas aqui mesmo não tinha.
6- A senhora se lembra do cinema que tinha na cidade em 1961?
Resposta. Esse cinema era do Chico Brito, era do tempo da ponte. O cinema era
movimentado, tinha muita gente, o pessoal não tinha outro lugar [...]. Tinha uma
amplificadora do Antônio Paraibano, um alto falante, aí ele passava mensagem de amor, mas
não falava o nome temendo os pais, passava música, dava alguma notícia.
7- E a notícia da construção da ponte como que vocês ficaram sabendo?
Resposta. O povo de Carolina que era mais evoluído é que trazia a notícia. O povo
rico de Carolina tinha mais contato com outras cidades. Lá em Carolina tinha muita gente
rica, tinha não, tem aí que trazia a notícia, mas ninguém acreditava. Com a ponte a cidade
ficou agitada, e ela era tão pequenininha, nesse tempo era bom pra vender as coisas, tudo que
se colocava vendia, porque era muita gente, vendia tanto. Eu vendia cigarro, cachaça, vendia
no botequinho que a gente tinha eu e meu marido, aparecerem um monte de boteco [...],
depois disso Estreito foi só aumentando, crescendo.
8- Qual foi a reação da população de Estreito quando JK chegou para a
inauguração da ponte? E como foi essa inauguração?
Resposta. Ah a população ficou muito alegre, porque ele vinha trazer
desenvolvimento para a cidade, com isso a gente vemos que ele tinha boa intenção com a
cidade. O povo gostava dele [...]
Oh alegria né, fiquemo todo mundo satisfeito com a inauguração da ponte, aquele
movimento, aquele carros passando, a gente nem sabia o que era carro, nessa época não tinha
carro, só se ouvia falar, mas não sabia o que era. Aqui não tinha carro de jeito nenhum, tinha
gente que nunca tinha visto um carro.
[...] Eita quando era de tardinha, antes de fazer a ponte mesmo, ainda tava os
adâimes, a gente de tardinha ia pra lá, oh mas a gente achava tão bom, uma coisinha tão
simples. Depois de feita a diversão era passear na ponte de noite. Uns ficavam namorando,
outros ficavam andando pra lá e pra cá, era tão bom (suspira), era a distração da cidade, não
tinha outro lugar pra ir mesmo, pra passear. Lá pudia pegar um vento, sentar no corrimão e
pegar um vento, bater um papo.
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9- A senhora pode me dizer quais os benefícios que a ponte trouxe para a cidade
de Estreito?
Resposta. A gente viu assim, porque aumentou a população, os transportes ficou
mais fácil, porque quando não tinha ponte, como que é que o povo transportava pra Belém?,
como é que ia pra Goiânia? Por onde? né, não tinha carro, não tinha por onde passar, se tinha
era por Marabá, não sei por onde, mas por aqui não passava, mas com ponte aí a cidade
aumentou, e ficou uma cidade muito famosa, porque Estreito é famoso né, se tu vê em todo
lugar já ouviram falar de Estreito, logo porque é fronteira, e fronteira é um lugar mais...então
a ponte foi uma coisa muito especial pra a população.
10 - Ela contribuiu para a emancipação da vila?
Resposta. Acho que ajudou muito. Toda renda da cidade era pra Carolina e não
fazia nada pela cidade. Na cidade não tinha nada. Tudo que tinha ia pra lá. E quando tinha
eleição só elegia político de Carolina. Então a cidade só servia pra eleger eles e nós num
ganha nada? Então a mancipação de Carolina foi boa, porque o que caísse seria pra cidade e
não pra Carolina. Antes se quisesse registrar um lote era em Carolina, se quisesse registrar um
criança era em Carolina. Tudo era em Carolina, tudo
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APÊNDICE F - ENTREVISTA 06
SEBASTIÃO PEREIRA
Sebastião Pereira, 69 anos, motorista, oriundo da cidade de São Paulo (SP), veio
morar em Estreito em 1963, trabalhando com caminhão.
No dia 17de junho de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse
trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1- Quando o senhor chegou em Estreito em 1963 como era o movimento na
rodovia Belém-Brasília?
Resposta. Tinha movimento de transporte só que era pouco às vezes você viajava
o dia todinho na Belém-Brasília não topava com um caminhão [...]. Quando a rodovia Belém-
Brasília foi inaugurada ainda tinha dois barcos que fazia linha e ia até Belém no inverno, eles
ficaram até mais ou menos 1975, depois perderam pra o transporte, porque não compensava.
Naquele tempo já tinha ônibus, a empresa era a “Braga”. Ah naquele tempo passava um
ônibus por dia, quando passava, quando não quebrava, estrada de chão, ônibus velho.
2. Alguém de Estreito já tinha transporte nessa época?
Reposta. O Primeiro jipe daqui quem teve foi do seu “Né da Farmácia”, depois o
Orlando bolinha comprou, aí depois apareceram muito [...].
Nessa época eu tomava de conta de um pasto, quando chegava os gados eles
ficavam lá, viam do sertão, Tocatins e ia pra Belém. Eu encaixotava os gados e recebia
dinheiro do aluguel do pasto e do encaixotamento.
3. Sobre a inauguração da ponte o senhor sabe alguma informação?
Resposta. Eu não tava aqui, cheguei depois de dois anos. O que eu sei é que lotou
muita gente aí, e o velho Virgilio Franco, o povo faz muita anarquia dele, dizendo que ele foi
o morador mais velho daqui, que ele foi fundador de Estreito, mas ele foi o fundador assim,
com o comércio, porque minha sogra morreu com oitenta e poucos anos, o meu sogro com
quase oitenta, nasceu bem aqui no Brejo do Pinto, e depois já moravam aqui, ainda eram
meninos e moravam aqui, quer dizer que ele não podia dizer que é o fundador de Estreito,
tinha também o senhor Pedro, o senhor Adão, o Panchinha, tinha diversas pessoas que
moravam aqui [...].
Dizem que foi boa a inauguração teve muita festa, muito churrasco, foi diferente
quando Castelo Branco veio. Com JK ele ficava no meio do povo, abraçando, pegando na
mão de todo mundo. Com o presidente Castelo Branco, quinze dias antes de vir pra cidade, já
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tinha polícia por toda parte e quando desceu do avião, ninguém nem chegava perto, era polícia
pra todo lado.
4- O senhor considera que a ponte contribuiu para o desenvolvimento de Estreito?
Resposta. Ela contribuiu porque Estreito ficou sendo o eixo né, daqui você sai pra
qualquer lugar do país. Tem estrada aqui que pra todo lado você vai. Com a ponte cresceu a
população, aqui cresce sem parar, se você vê o tamanho de Estreito como é que ta [...]. Aqui
só saia de barco ou a cavalo. Antes de ter a ponte, a estrada, eu saia daqui pra comprar sal no
Grajaú com o animal, levava tropa de animal pra trazer sal, demorava às vezes dois meses, lá
muita gente comprava tecido e trazia pra cá pra vender.
5- A ponte ajudou no processo de emancipação de Estreito da cidade de Carolina?
Resposta. O povo de Carolina não queria não, lógico, aqui dava muita renda, só a
renda dos dois postos fiscais aí, era todinha pra Carolina, Estreito não ficava com nada. Ainda
hoje o pessoal mais velho de Carolina não gosta daqui do Estreito [...]. Toda coisinha era em
Carolina pra resolver, pra votar era subjugado no cabresto.
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APÊNDICE G - ENTREVISTA 07
MANOEL LEAL PARRIÃO
Manoel Leal Parrião, 73 anos, aposentado, oriundo da cidade de Porto Franco
(MA), veio morar em Estreito em 1958. Seu Manoel foi um dos subprefeitos de Estreito
quando Absalão Coelho era prefeito de Carolina.
Em junho de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse trabalho, de
onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1- Como era Estreito em 1958? Quais as principais atividades econômicas que
eram exercidas?
Resposta. Tinha umas doze e treze casas, já tava chegando gente, porque naquele
tempo o desmatamento da Belém-Brasília já tava chegando e conforme a construção da ponte
ia chegando mais. Porque naquele tempo construir uma ponte era coisa difícil demais, veio
muita gente [...].
Olha aqui era o seguinte, Estreito vivia mais dos pescadores, agricultura e
pecuária, porque essa região sempre teve gado. Tinha também olaria manual, eles fabricavam
tijolos e telhas atersanal.
2- Como era que os políticos de Carolina administravam Estreito?
Resposta. Eles colocavam alguém para administrar, eles chamavam de
subprefeitos, inclusive eu fui, por exemplo, representante do prefeito aqui no governo de
Absalão Coelho com o mandado de três anos. Eles colocavam uma pessoa em uma casinha lá,
que se dava o nome de subprefeitura, mas não tinha quase nada pra administrar mesmo,
porque não tinha nada, não tinha renda, não tinha nada [...]
A escolha desses subprefeitos é..., no processo político tem aqueles que
acompanham o grupo né, aí era escolhido ali, era tipo uma nomeação, a pessoa ficava
autorizada a administrar o local. No meu tempo lá alguma vez fazia alguma coisa, muita vez,
fazia uma servicinho de abertura de rua, pouca coisa, porque não tinha recurso.
[...] Os impostos era cobrados tudo pra Carolina, eram cobrados tudo na sede [...].
Era lá que tinha banco, cartórios, antes até pra comprar uma camisa tinha que se ir à Carolina.
3 - Os políticos de Carolina tinham pose de terras aqui no Estreito?
Resposta. O município de Estreito tinha bastante terra, era muito grande a terra
daqui, agora no decorrer do tempo, o prefeito colocava a pessoa que o representava, o
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subprefeito, e cada qual queria fazer... venderam essas terras tudo. Hoje Estreito não tem
mais, por exemplo, terra pra construir nem a própria cidade, tem que comprar de terceiros.
4- Como a população de Estreito se sentia diante do domínio da cidade de
Carolina?
Resposta. O povo tinha uma revolta, todo distrito tem raiva de sua sede. Eles
fogem da responsabilidade, eles não querem fazer nada. Inclusive era um sonho em passar
Estreito a cidade, como realmente passou.
5 - Quais as transformações ocorridas na cidade após a inauguração da ponte?
Resposta. A cidade começou a crescer, aí começou a crescer o comércio, começou
a crescer tudo, porque diante de uma população, a população precisa de tudo, de comer,
vestir, então depois de um tempo começou aparecer a cerâmica, têm umas quatro cerâmica
aqui, aí foi aumentando também o meio de sobrevivência né.
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APÊNDICE H - ENTREVISTA 08
JOSÉ ROCHA REIS
José Rocha Reis, 91 anos, aposentado, oriundo de Porteiras no municipio de
Guadalupe no Piauí, veio morar em Estreito em março de 1955. Seu José Rocha Reis é um
dos moradores mais antigo da cidade, participou da cerimônia de criação do município de
Presidente Vargas, resultante da primeira emancipação de Estreito e trabalhou como
atravessador de gado no rio Tocantins.
No dia 15 de janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse
trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1- Como foi a cerimônia de criação do município de Presidente Vargas?
Resposta. Cheguei em março de 1955 exatamente no dia em que foi instalado o
município de Presidente Vargas, participei da cerimônia de inauguração do município, na
Escola Rui Carvalho, havia pouca gente e poucas casas nessas época, vieram pessoas de
Carolina participar da festa, o projeto já estava aprovado houve apenas a implantação do
município.
2- Vieram autoridades ou políticos da época para a inauguração?
Resposta.Veio um advogado o irmão dele e um rapaz que trabalhava na farmácia
o qual não me recordo o nome, porém de São Luís não veio ninguém
3- Quando houve essa primeira emancipação quem administrou o novo
município?
Resposta. O advogado Gregório de Assis que participou da cerimônia de
emancipação ficou como administrador do município até serem realizadas eleições para
prefeito.
4- Nessa época a vila Paranaidji vivia de que?
Resposta. A economia da vila nesse tempo era fraca só vivia de uma lavourazinha
muito pouca, porém sempre teve uma olaria artesanal, só muito tempo depois começou a
chegar as indústrias mecanizadas como a Cerâmica Sotel, a cerâmica Estreito (do finado "Zé
Pires que até hoje ainda é da família dele) e várias outras [...]
[...] em 29 de maio de 1957, no dia em que eu fui embora, entrou o 1º caminhão
em Estreito, veio de Carolina passou pela ponte sob o rio Farinha, passando também por um
lugar chamado são Romão chegando ate o Serafin chegando ate aqui (Estreito). Naquela
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época Estreito tinha apenas 30 casas contando com a Igreja Católica de São Sebastião e o
mercado.
5- E quanto a travessia do gado pelo rio Tocantins?
Resposta. No mês de janeiro passava uma grande quantidade de animais por aqui
que eram comprados em Goiás, eles atravessavam a nado o rio junto com alguns boiadeiros, e
outro vinham de canoa cuidando para nenhum animal se perder. Eu já trabalhei nessa
travessia, era difícil, morria muita gente.
6- O senhor se lembra quando foi inaugurada a ponte JK?
Resposta. O serviço dessa ponte começou em 1958 eu não sei bem o mês, porém
nesses dois anos (1955-1957) que fiquei aqui já tinha a notícia de que vinha a estrada Belém-
Brasília, foi quando JK assumiu a presidência da república, com a promessa de fazer em 5
anos o que os outros não fizeram em 50 anos. Junto com a ponte foi inaugurado também o
aeroporto de Estreito, porém este foi no mês de março.
No dia da inauguração veio gente do país inteiro. Tinha muita gente. Tinha
estação de rádio instalada na beira do rio, que ficava anunciando a chegada do presidente,
deixando o povo tudo ansioso.
[...] No momento da inauguração a ponte ainda não estava totalmente pronta ainda
faltava um pequeno pedaço para unir um lado a outro, foram posto cabos de aço de um
extremo a outro e improvisada uma ponte com tábuas para que a travessia pudesse ser feita.
Quando ele chegou cada um queria bater palmas mais alto do que o outro. Pra mim o nome
O nome de Tancredo Neves na avenida do comércio é uma idéia sem rumo. Tancredo Neves
foi um grande homem, mas nunca veio no Estreito, ele nunca pisou aqui. Cabia era o nome de
Juscelino Kubitschek naquela avenida, deveria ter era uma estátua bem no meio da praça.
7- De quais estados os trabalhadores da barragem vieram?
Resposta. Não sei lhe dizer ao certo de quais estados eles vieram, só sei que não
eram daqui, pois não tinha mão de obra qualificada aqui, vieram engenheiros, carpinteiros,
pedreiros, armadores,etc. eles ficavam no alojamento da firma um na beira do rio e outro
próximo a "pista de avião"
8- O senhor sabe de onde vinha o material da construção?
Resposta. Vinha de barco, e quando a estrada ficou pronta vinha pela estrada de
Belém do Pará. Fizeram também um aeroporto provisório para dar assistência a firma
construtora da ponte.
9- Qual a diferença de Estreito de quando o senhor saiu (antes do inicio da
construção) para quando o senhor chegou (durante a construção)?
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Resposta. Estava muito grande, porque com as pessoas que vieram trabalhar a
cidade ficou cheia, já havia mais casas no local. Depois da estrada, mesmo sendo de terra,
Estreito começou a melhorar, muita gente nunca tinha nem visto um carro. Antes da ponte
tinha um monte de mulher velha que nunca tinha visto um caminhão.
10- O que mudou na questão econômica?
Resposta. Começaram a aparecer novos bairros, começaram a investir mais na
agricultura, pois antes era muito difícil a vendas das mercadorias, visto que eram pouco os
habitantes e só era possível chegar até tocantinópolis de barco. As coisas eram mais difícil,
para estudar quem tinha mais dinheiro mandava os filhos para Tocantinópolis, Carolina, as
escolas de lá era melhor, mas era tudo difícil, porque o motor demorava um dia e meio a dois
dias pra chegar [...]. Sem essa ponte Estreito não seria nada, não seria essa cidade.
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APÊNDICE I - ENTREVISTA 09
GENÉSIA VIEIRA DE JESUS GÓIS
Genésia Vieira de Jesus Góis, 78 anos, costureira, oriunda da cidade de Presidente
Dutra (MA), veio morar em Estreito em 1961, logo quando a ponte foi inaugurada.
Aproveitando a movimentação rodoviária, dona Genésia, juntamente com o seu marido,
montou uma oficina mecânica ao longo da rodovia Belém- Brasília, que permanece até os dias
de hoje.
No dia 22 de janeiro de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse
trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1- Como era Estreito quando a senhora chegou aqui em 1961?
Resposta. Era uma cidade pequena tinham poucos habitantes, nem posto de
gasolina tinha, a única que era vendida lá, era comercializada em tambores. Quando se queria
comprar carne tinha que sair daqui, ir para Porto Franco ou outra cidadezinha perto, ai depois
fizeram uma feira ai começou a melhorar um pouquinho mais.
2- Tinham muitas casas nessa época?
Resposta. Quando eu cheguei já tinham um pouco mais de casas, porém a maioria
era do povo da construção. Havia poucas famílias e comércio só me recordo de um, o do
Chico Brito, ai quando agente precisava comprar alguma coisa ia para Porto Franco [...].
O povo mais antigo falam que antes quando se queria ir para Tocantinópolis ou
Carolina, o povo levava um paninho branco pra poder balançar, pra só assim os barcos
inxergarem de longe e encostar...
3- O nome das primeiras pessoas que moraram aqui a senhora se lembra?
Resposta. Foi o seu Virgílio Franco, que era dono de uma fazenda por aqui por
perto, o vizinho João Gomes e outras pessoas que agora não me recordo os nomes.
4- Como a população via a construção da ponte JK?
Resposta. Achava uma coisa muito boa, foi a melhor coisa que foi feito para
Estreito. Com a construção a cidade ficou movimentada, tinha muita gente, e ela era tão
pequenininha.
5- Quais os benefícios que a ponte trouxe para a cidade de Estreito?
Resposta. Antes aqui era só mato, parecia uma fazenda não tinha nada, atravessia
do gado era feita a nado eu ainda cheguei a assistir uma cena dessas. Depois da ponte nunca
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mais eu vi isso, agora a travessia é feita nas carrocerias dos caminhões. Começaram a vir os
Bancos, primeiro foi o Bradesco, depois a Caixa, depois o Banco do Brasil, depois Banco do
Estado, veio também os Correios e comércios em geral. Não tinha movimento algum aqui, só
passava gente nova por aqui vindo pelo rio ou de avião, aqueles "teco teco," que agente
fretava como se fosse um ônibus.
6- A senhora se lembra da Caravana de Integração Nacional?
Resposta. Sim, vieram uma faixa de 150 carros, e olha que nesse tempo carro era
muito difícil. Então eles limparam e cercaram uma área no "pé da ponte" e colocaram os
carros lá, eles dormiram lá e pela manhã começaram a atravessar para o Tocantins.
7- A ponte contribuiu para a emancipação de Estreito?
Resposta. Contribuiu sim, foi uma das melhores coisas, principalmente pra dois
homens daqui que queriam muito ver Estreito melhorar que eram o Sidney Milhomem e o
doutor Marçal.
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APÊNDICE J - ENTREVISTA 10
JACI SANTOS
Jaci Santos, 70 anos, dona de casa, esposa do seu Ernane dos Santos Barbosa, veio
para Estreito em 1951. Um pouco envergonhada, aproveitando da entrevista que fazia com o
marido, no dia 12 de junho de 2011, concedeu uma pequena entrevista gravada a autora desse
trabalho, de onde se extraiu apenas os trechos abaixo.
1. Como era a movimentação do Estreito quando a senhora chegou aqui nos anos
50 ?
Resposta. Tinha um torno de 27 casas, só veio aumentar depois da ponte. As casas
que não era feita de palha era feita de adobão cru. Estreito era tão pequeno que quando
matava um gado o vendedor ia pra beira do rio e soprava um búzio pra poder o povo da ilha,
povo que morava na ilha, ir comprar carne, pra saber que naquele dia tinha carne. Matava um
gado e não tinha ninguém pra comprar, por isso tinha que soprar um búzio para vim mais
gente.
Mas olha quando eu cheguei aqui que eu vi esse rio, eu impressionei, eu me
impressionei mesmo, meu Deus que coisa enorme.
2. Tinha meios de comunicação?
Resposta. Só o rádio, mas era pouco. O primeiro que eu conheci foi na casa do
Virgilio, depois o “Né” comprou um. Eu fiquei besta, boba, quando vi na casa do velho Chico
aquele negócio ali falando, quando eu olhei pro chão e vi aquele negocinho falando, falei:
meu Deus que quer isso? (risos).
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APÊNDICE L - ENTREVISTA 11
RAIMUNDO TAVARES DA SILVA
Raimundo Tavares da Silva, 70 anos, pescador, oriundo da cidade de Carolina
(MA), veio morar em Estreito em 1969. Seu Raimundo Tavares da Silva foi um dos que
vieram do sertão para trabalhar na construção da ponte em 1961.
No dia 23 de junho de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse
trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1- Quando o senhor chegou aqui tinham quantos pescadores? E quanto a pesca
como era?
Resposta. Tinha uns trinta e três pescadores por volta o ano de 69,70. Era de anzol
mesmo, agente vendia pra Araguaína pra cá mesmo, agente abastecia esses restaurante todos
daqui, e os peixes pequenos agente vendia pra população.
2- Como era o comércio de Estreito quando o senhor chegou aqui? Era
diversificado.
Resposta. Tinha comércio, a primeira farmácia que tinha era do “seu Né”. Tinha
quitandas, mas de tecido, tinha mecânica, o senhor Góias foi o primeirinho. Tinha umas
feirinhas por ali, mercado.
3- Tinha muita gente que tinha carro?
Resposta. Não, não, tinha só jipe, aliás o primeiro era do seu “Né” da farmácia, ai
depois que foi modernizando os carros começaram a fazer linha pra Carolina.
4- Estando no sertão o senhor ouviu falar da construção da ponte?
Resposta. Eu trabalhei foi nela, trabalhei nela com os meus 20 anos, trabalhei uns
dois anos como ajudante. Quando cheguei na época da construção aqui num tinha
movimentação de nada, não tinha casa. Com a chegada dos trabalhadores movimentou mais,
pra ali tinha muito era cabaré, o puro, tinha um chamado de “Pau Pega”. Tinha muito bar, era
de um lado e outro. Ah Tinha muita coisa errada aqui, boa não tinha não, mais errada tinha.
5- Além de bares e cabarés os trabalhadores tinham outras distrações?
Resposta.Tinha sim, filmes, tinha um salão pra nós assistir, era a nossa diversão
quando agente queria ver uma imagem, não existia televisão na época. Além de cabarés e
bares os peão se divertia no cinema. Era do Chico Brito. Era grande e bunito. Era muita gente
que ia, namorados. Não tinha outro lugar pra ir, era a única diversão que tinha aqui. A maioria
dos filmes que passava era de faro West. O pessoal gostava de ‘Ringo vem pra matar’, ‘O
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últimos dos pistoleiros’. Tinha também filme de terror. Era igual a uma igreja, quando você
chegava tinha uma bancada, com a nivelação de uns altos outros mais baixos. A tela era
porreta [...].
Tinha um alto falante que era colocado de um lado e outro, num porte. Dava as
noticias boa, ruim, ou alguma pessoa mandava colocar alguma música, declaração, mensagem
pro namorado. Mas tudo no dinheiro, no comércio. Você chegava lá e falava eu quero
procurar fulano de tal, ai não era num telefone, não tinha celular. Aí ele chamava, fulano de
tal, não sei quem ta te esperando em tal lugar e aí a pessoa ia.
6- O senhor foi à festa de inauguração da ponte?
Resposta.Tava. Foi a primeira vez que eu tomei cerveja. Os bares vendiam mais
era cachaça. Nunca tinha tomado cerveja, além de tudo gelada [...].
Fizeram o aeroporto na inauguração da ponte, que foi pra JK passar. Tinha muito
gente que nem fiquei sabendo quem era o presidente [...].
Depois de terminada às vezes à tardinha ficava tomado de gente lá o povo ia
passear em cima da ponte [...]. Passaram muitas aviões debaixo da ponte às vezes agente não
dava nem conta de contar quantas. Tinha gente que pulava da ponte também.
7- O senhor considera que o Estreito melhorou depois dessa construção?
Resposta. Foi, ninguém nem fala de Estreito da ponte pra trás, ninguém nem
comenta. O que levantou Estreito foi a ponte.
8- Quanto ao plebiscito o senhor se lembra, o povo ficou feliz em se desligar de
Carolina?
Resposta. Sim teve muita festa, não lembro direito mais teve festa sim. E o povo
ficou feliz demais, tudo que tinha que resolver em Carolina podia resolver agora aqui mesmo,
pra registrar os filhos tinha que ir em Carolina ou Tocantinópolis.
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APÊNDICE M - ENTREVISTA 12
GESSIONE FRONTE FRANCO
Gessione Fronte Franco, 66 anos, funcionário público, nascido na cidade de
Tocantinópolis (TO), veio morar Estreito ainda criança. Seu Gessione é filho de seu Virgilio
Franco, o primeiro comerciante da cidade de Estreito.
No dia 11 de junho de 2012, concedeu uma entrevista gravada a autora desse
trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1- Quais suas lembranças de Estreito quando o senhor era criança? Como era a
cidade?
Resposta. Eu acho que em 1951 tinha mais ou menos aqui umas sete casas de
palha. E a de telha que tinha aqui era a nossa casa. E o transporte na época era tudo marítimo,
não tinha estrada, não tinha nada, só chegou estrada aqui em 1959. Tinha a Escola Rui
Carvalho, quando eu tinha dez anos eu estudava nela. Tinha só uma igrejinha, que era coberta
de telha e as paredes de taipas, era católica do padroeiro São Sebastião.
2- Qual a atividade econômica de Estreito nessa época?
Resposta. Ah a atividade econômica aqui, meu pai era comerciante, tinha também
agricultura e agropecuária.
3- E os bens necessários, tipo alimentação, vestuário eram comprados aonde?
Resposta. Naquela época, o comércio era feito em Carolina, Tocantinópolis ou em
Marabá.
4- Como era que se ia para essas cidades?
Resposta. Tinha que ser de transporte marítimo, canoa, motor. E não era toda vez
não que se podia ir, tinha os dias que os barcos passavam.
5- Que dificuldades Estreito sofria pelo fato de não ter estradas?
Resposta. A dificuldade que tinha era porque não tinha estrada pra cá. A
comunicação era feita por Telégrafo pelos Correios. Era um fio que ligava a Porto Franco,
Carolina e parece que ia até Imperatriz. Tudo era através de telegrama, tinha que digitar aqui e
tinha tipo uma rádia ali, aí você liga seu rádio e pega o som, era esse o meio de comunicação.
A gente vivia isolado. Então quando tinha alguém, por exemplo, que vinha de Carolina pra cá,
ou de Tocantinópolis, aí você perguntava menino tu vai pra onde? Aí entregava a
encomenda... Tudo era mais difícil. Pra ir pra São Luís tinha que ir para Carolina pegar um
avião que tinha lá.
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6- E a navegação do rio Tocantins era perigosa?
Resposta. Não porque tinha barco de todo tamanho, tantos quilos, tantas
toneladas, era o transporte que transportava mais era gasolina, secos e molhados, mercadoria
pra vender aqui para a população, comércio a varejo, tudo era através de barcos, não tinha
outro meio de comunicação, só barco. Eles compravam em Carolina, Marabá, Belém e iam
vender aqui, aí vinham fazendo escalas, Belém, Marabá, Tocantinópolis, Estreito, Carolina.
7- E o valor desse transporte quando se queria ir, por exemplo, pra Tocantinópolis,
Porto Franco?
Resposta. Não lembro quanto era. Mais era tipo hoje quando você vai daqui pra
Porto Franco de carro você paga seis reais era assim, às vezes só pagava mais quando tinha
muita mercadoria.
8- O senhor se lembra como era feito antigamente o transporte do gado no rio
Tocantins?
Resposta. Lembro o gado aqui era atravessado nadando, depois em 1955 meu pai
comprou uma balsa era tipo um curral com duas canoas grande, aí quem vinha de Ceará, do
Maranhão para ir para o Goiás atravessava os animais nessa balsa, quando não tinha essa
balsa, os animais atravessavam nadando, e as pessoas, com suas bagagens iam de canoa.
9- Como os políticos de Carolina administravam Estreito?
Resposta. De uma forma precária, era difícil eles aparecerem aqui. Eles prometiam
muito, como hoje, mas naquela época era difícil por causa do acesso. Naquela época pra cá
não teve nada de construção, de obra pública, foi só o Colégio Rui Carvalho, em 1954 fizeram
um mercadozinho, depois foi desativado.
10. Como a população ficou sabendo da construção da rodovia Belem-Brasília?
Resposta. Quando foi pra surgir a rodovia a ponte aqui foi rápido. A ponte chegou
no imprevisto, chegou de uma hora pra outra, não tinha meios de comunicação. Só se soube
da rodovia dois dias antes de chegar um trator em Estreito. Ninguém acreditava que a ponte
seria feita, foi tudo muito rápido, era um sonho. Fazer uma ponte, estrada, como é que se faz
isso? Nem rádio tinha na época, se acontecesse a morte de algum político só se sabias depois
de um ano.
11- Teve algum preparativo na cidade para receber os trabalhadores da ponte?
Resposta. Os trabalhadores foram chegando e se alojamento, tinha só o hotel do
seu Gilberto, foi feito acampamentos. Eram em torno de mil homens e vieram de todo Brasil,
São Paulo, Goiânia.
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[...] Daqui poucas pessoas trabalharam na ponte, pois não tinha mão de obra
qualificada, era no serviço braçal mesmo, ninguém estava preparado pra isso. A cidade ficou
agitada, começou a crescer, desenvolveu muito com a construção dessa ponte, foi um dos
primeiros passos para o desenvolvimento do Estreito foi a construção dessa ponte, mas
Carolina ainda segurou por vinte anos ainda, não soltava Estreito, se logo depois da
construção Estreito tivesse sido liberado, Estreito tava mais desenvolvido, tudo era Carolina,
tudo era Carolina.
12 - Como foi a inauguração dessa ponte?
Resposta. Na inauguração da ponte veio gente de Carolina, Porto Franco,
Filadélfia, Tocantinópolis, Grajaú, tantos políticos como a população. Primeiro porque vieram
conhecer o presidente Juscelino e depois essa grande obra. Vieram jornalistas, foi tudo
documentado, filmado. O governador do Maranhão veio e discursou.
[...] Teve festa, churrasco. A ponte ficou cheia, cinco a dez mil pessoas no
máximo, tinha muita gente com aquele monóculo, tiraram foto da ponte cheia de gente,
vendiam muito.
13- Com a construção da ponte quais as mudanças que ocorreram no Estreito?
Resposta. O comercio, pecuária, agricultura, desenvolveu muito comércio de secos
e molhados, tecidos, supermercados. Ruas foram abertas. A ponte foi a salvação de Estreito.
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APÊNDICE N - ENTREVISTA 13
ERNANE DOS SANTOS BARBOSA
Ernane dos Santos Barbosa, 75 anos, aposentado, oriundo do Estado do Piauí,
veio morar em Estreito em 1958. Seu “Né da Famárcia”, como é conhecido, pelo fato de ter
iniciado esse tipo de comércio no Estreito, era quem cuidava da saúde da população da antiga
vila Paranaidji, a aplicação de seus poucos conhecimentos medicinais lhe renderam o titulo de
primeiro “médico” do Estreito.
No dia 12 de junho de 2011, concedeu uma entrevista gravada a autora desse
trabalho, de onde se extraiu os principais trechos abaixo.
1- Quais as dificuldades que a população de Estreito passava por conta da ausência
de Estradas
Resposta. Era ruim principalmente quando se ficava doente, era um sofrimento,
tinha que ir pra beira do rio esperar um transporte para ir pra Tocantinópolis, pra fazer um
tratamento era só lá que tinha médico. Estreito era isolado, só por canoa, barco. Olha uma vez,
quando minha esposa foi ganhar a primeira menina, eu tive que fretar um motor de
Tocantinópolis pra poder trazer o médico, ele já chegou já tarde ela tava quase ganhando
neném, eu fiquei doido...Não tinha transporte, ela passando mal com a menina, rapaz foi uma
luta. Aqui não tinha médico não, eu que atendia a população,quando era um caso mais sério ia
pra Tocantinópolis, que era a cidade mais próxima [...]
Nessa época eu ajudava junto com a parteira, atendia nas casas, aplicava injeção.
2- Como a população recebeu a notícia da construção da ponte?
Resposta. A população ficou muita ativa com a construção da ponte. Uns ficaram
assim acreditando outros não, porque a gente acreditava mais no presidente, porque Juscelino
quando dizia que ia fazer, fazia mesmo, a gente acreditava por isso [...]
[...] Olha você sabia que eu fui a primeira pessoa a comprar um jipe aqui no
Estreito foi... Eu fui a primeira pessoa a comprar um jipe aqui num Estreito. Quando chegava
com ele no sertão o povo ficava tudo com medo, parecia um comício, o carro ficava cheio de
gente ao seu redor, ficava em cima do carro, até nos pneus (risos). Comprei ele em 1964 em
Carolina.
3- Qual a reação da população quando Juscelino chegou para a inauguração da
ponte ?
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Resposta. O povo ficava tudo otimista, o pessoal gostava dele, ele era um
destimido, não tinha medo, ele vinha abraçava as pessoas, pegava nas mãos, não era como
outros que ficava com policiamento, tudo cercado. Ele vinha como nós, todo apaizana, ele era
muito bom, todo mundo gostava dele, o povo do interior tudo gostava dele, ele era um homem
trabalhador.
4- O que mudou em Estreito depois da ponte?
Resposta. Depois da ponte, o comércio de Estreito cresceu e Carolina cresceu o
olho, os prefeitos vinham e tiravam os melhores lotes para venderem.
100
Moraes, Joelia Bezerra de. Memórias da vila: a ponte Juscelino Kubitschek e o processo
de emancipação da Vila Paranaidji (1961-1982) / Joelia Bezerra de Moraes.– São Luís, 2012.
99 folhas TCC (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual
do Maranhão, 2012. Orientador: Profa. Júlia Constança
1. Juscelino Kubitschek. 2. Vila Paranaidji. 3. Modernidade.I.Título
CDU 94(817.4)