joão oliveira, "do campo à cidade"

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3 ESCOLA SECUNDÁRIA ARTÍSTICA ANTÓNIO ARROIO Do Campo à Cidade Língua Portuguesa Professora: Elisabete Miguel Ano Lectivo 2010/2011 João Oliveira nº9 11º N

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- Do campo à cidade - João Oliveira - 11.º ano - turma n - n.º 9 - disciplina de português - Escola Secundária Artística António Arroio - 3.º período - Maio 2011 NOTA - aqui, a formatação difere da original. A falta do índice deve-se a «falha técnica».

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ESCOLA SECUNDÁRIA ARTÍSTICA ANTÓNIO ARROIO

Do Campo à Cidade

Língua Portuguesa

Professora: Elisabete Miguel

Ano Lectivo 2010/2011

João Oliveira nº9 11º N

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ÍNDICE

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INTRODUÇÃO

Foi-me proposta a escolha de cinco a dez poemas, de autores portugueses, na qual tinha de incluir

obrigatoriamente um poema de Cesário Verde e que todos, embora de diversos escritores, abordassem o

mesmo tema. Paralelamente, foi também pedida uma imagem que, na minha visão, ilustrasse o texto

escolhido, havendo a obrigatoriedade de fundamentar a razão dessa opção.

O tema que eu escolhi é baseado no poema ‘’Um Bairro Moderno’’ de Cesário, que remete para a

relação Cidade/Campo, daí o título dado ao trabalho e a subsequente escolha, pela afinidade temática,

dos poemas “Canção”, de Almada Negreiros, “A Praça”, de Álvaro de Campos, “Toledo” ,de Florbela

Espanca, “O Teatro das Cidades”, de Gastão Cruz, “Os Pássaros de Londres”, de Mário Cesariny, “Os

Namorados Lisboetas”, de Natália Correia e “Divórcio”, de Pedro Homem de Mello.

Ilustrei, fundamentando, os poemas de Cesário Verde, de Almada Negreiros e de Pedro Homem de

Mello.

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ALMADA NEGREIROS

CANÇÃO

A pastorinha morreu, todos estão a chorar. Ninguém a conhecia e todos estão a chorar. A pastorinha morreu, morreu de seus amores. Á beira do rio nasceu uma arvore e os braços da arvore abriram-se em cruz. As suas mãos compridas já não acenam de além. Morreu a pastorinha e levou as mãos compridas. Os seus olhos a rirem já não troçam de ninguém. Morreu a pastorinha e os seus olhos a rirem. Morreu a pastorinha, está sem guia o rebanho. E o rebanho sem guia é o enterro da pastorinha. Onde estão os seus amores? Há prendas para Lhe dar. Ninguém sabe se é Ele e há prendas para Lhe dar. Na outra margem do rio deu á praia uma santa que vinha das bandas do mar. Vestida de pastora p'ra se não fazer notar. De dia era uma santa, à noite era o luar. A pastorinha em vida era uma linda pastorinha; a pastorinha morta é a Senhora dos Milagres.

Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'

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CESÁRIO VERDE

NUM BAIRRO MODERNO

Dez horas da manhã; os transparentes Matizam uma casa apalaçada; Pelos jardins estancam-se as nascentes, E fere a vista, com brancuras quentes, A larga rua macadamizada. Rez-de-chaussée repousam sossegados, Abriram-se, nalguns, as persianas, E dum ou doutro, em quartos estucados, Ou entre a rama do papéis pintados, Reluzem, num almoço, as porcelanas. Como é saudável ter o seu conchego, E a sua vida fácil! Eu descia, Sem muita pressa, para o meu emprego, Aonde agora quase sempre chego Com as tonturas duma apoplexia. E rota, pequenina, azafamada, Notei de costas uma rapariga, Que no xadrez marmóreo duma escada, Como um retalho da horta aglomerada Pousara, ajoelhando, a sua giga. E eu, apesar do sol, examinei-a. Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos; E abre-se-lhe o algodão azul da meia, Se ela se curva, esgalhada, feia, E pendurando os seus bracinhos brancos. Do patamar responde-lhe um criado: "Se te convém, despacha; não converses. Eu não dou mais." È muito descansado, Atira um cobre lívido, oxidado, Que vem bater nas faces duns alperces. Subitamente - que visão de artista! - Se eu transformasse os simples vegetais, À luz do Sol, o intenso colorista, Num ser humano que se mova e exista Cheio de belas proporções carnais?! Bóiam aromas, fumos de cozinha; Com o cabaz às costas, e vergando, Sobem padeiros, claros de farinha; E às portas, uma ou outra campainha Toca, frenética, de vez em quando. E eu recompunha, por anatomia, Um novo corpo orgânico, aos bocados. Achava os tons e as formas. Descobria Uma cabeça numa melancia, E nuns repolhos seios injectados. As azeitonas, que nos dão o azeite, Negras e unidas, entre verdes folhos, São tranças dum cabelo que se ajeite; E os nabos - ossos nus, da cor do leite, E os cachos de uvas - os rosários de olhos.

Há colos, ombros, bocas, um semblante

Nas posições de certos frutos. E entre As hortaliças, túmido, fragrante, Como alguém que tudo aquilo jante, Surge um melão, que lembrou um ventre.

E, como um feto, enfim, que se dilate, Vi nos legumes carnes tentadoras, Sangue na ginja vívida, escarlate, Bons corações pulsando no tomate E dedos hirtos, rubros, nas cenouras. O Sol dourava o céu. E a regateira, Como vendera a sua fresca alface E dera o ramo de hortelã que cheira, Voltando-se, gritou-me, prazenteira: "Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!..."

Eu acerquei-me dela, sem desprezo; E, pelas duas asas a quebrar, Nós levantamos todo aquele peso Que ao chão de pedra resistia preso, Com um enorme esforço muscular. "Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!" E recebi, naquela despedida, As forças, a alegria, a plenitude, Que brotam dum excesso de virtude Ou duma digestão desconhecida. E enquanto sigo para o lado oposto, E ao longe rodam umas carruagens, A pobre, afasta-se, ao calor de Agosto, Descolorida nas maçãs do rosto, E sem quadris na saia de ramagens. Um pequerrucho rega a trepadeira Duma janela azul; e, com o ralo Do regador, parece que joeira Ou que borrifa estrelas; e a poeira Que eleva nuvens alvas a incensá-lo. Chegam do gigo emanações sadias, Ouço um canário - que infantil chilrada! Lidam ménages entre as gelosias, E o sol estende, pelas frontarias, Seus raios de laranja destilada. E pitoresca e audaz, na sua chita, O peito erguido, os pulsos nas ilhargas, Duma desgraça alegre que me incita, Ela apregoa, magra, enfezadita, As suas couves repolhudas, largas. E, como as grossas pernas dum gigante, Sem tronco, mas atléticas, inteiras, Carregam sobre a pobre caminhante, Sobre a verdura rústica, abundante, Duas frugais abóboras carneiras.

Cesário Verde, in O Livro de Cesário Verde

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ÁLVARO DE CAMPOS

A PRAÇA A praça da Figueira de manhã, Quando o dia é de sol (como acontece Sempre em Lisboa), nunca em mim esquece, Embora seja uma memória vã. Há tanta coisa mais interessante Que aquele lugar lógico e plebeu, Mas amo aquilo, mesmo aqui ... Sei eu Por que o amo? Não importa. Adiante ... Isto de sensações só vale a pena Se a gente se não põe a olhar para elas. Nenhuma delas em mim serena... De resto, nada em mim é certo e está De acordo comigo próprio. As horas belas São as dos outros ou as que não há. Álvaro de Campos, in Poemas (Heterónimo de Fernando Pessoa)

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FLORBELA ESPANCA

TOLEDO

Diluído numa taça de oiro a arder Toledo é um rubi. E hoje é só nosso! O sol a rir... Vivalma... Não esboço Um gesto que me não sinta esvaecer... As tuas mãos tacteiam-me a tremer... Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço É como um jasmineiro em alvoroço Ébrio de sol, de aroma, de prazer! Cerro um pouco o olhar onde subsiste Um romântico apelo vago e mudo, - Um grande amor é sempre grave e triste. Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo... Uma torre ergue ao céu um grito agudo... Tua boca desfolha-me num beijo...

Florbela Espanca, in Charneca em Flor

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GASTÃO CRUZ

O TEATRO DAS CIDADES

Qualquer tempo é um tempo duvidoso assim o meu cercado de cidades plataformas instáveis praticáveis cobertos de infinita gente náufraga que se inclina nas águas como um palco Paro na convergência dos estrados chove já sobre a raça ameaçada Incertas multidões em volta passam contemporâneas falam interpretam a duvidosa língua das imagens Assim no teatro abstracto das cidades morrem palavras sobre um palco náufrago O tempo cobre o céu que se enche de água

Gastão Cruz, in O Pianista

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MÁRIO CESARINY

OS PÁSSAROS DE LONDRES

Os pássaros de Londres cantam todo o inverno como se o frio fosse o maior aconchego nos parques arrancados ao trânsito automóvel nas ruas da neve negra sob um céu sempre duro os pássaros de Londres falam de esplendor com que se ergue o estio e a lua se derrama por praças tão sem cor que parecem de pano em jardins germinando sob mantos de gelo como se gelo fora o linho mais bordado ou em casas como aquela onde Rimbaud comeu e dormiu e estendeu a vida desesperada estreita faixa amarela espécie de paralela entre o tudo e o nada os pássaros de Londres quando termina o dia e o sol consegue um pouco abraçar a cidade à luz rasante e forte que dura dois minutos nas árvores que surgem subitamente imensas no ouro verde e negro que é sua densidade ou nos muros sem fim dos bairros deserdados onde não sabes não se vida rogo amor algum dia erguerão do pavimento cínzeo algum claro limite os pássaros de Londres cumprem o seu dever de cidadãos britânicos que nunca, nunca viram os céus mediterrânicos

Mário Cesariny, in Poemas de Londres

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NATÁLIA CORREIA

OS NAMORADOS LISBOETAS

Entre o olival e a vinha o Tejo líquido jumento sua solar viola afina a todo o azul do seu comprimento tendo por lânguida bainha barcaças de bacia larga que possessas de ócio animam o sol a possuí-las de ilharga. Sua lata de branca tinta vai derramando um vapor precisando a tela marinha debuxada com os lápis de cor da liberdade de sermos dois a máquina de fazer púrpura que em todas as coisas fermenta seu tácito sumo de uva. Natália Correia, in O Vinho e a Lira

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PEDRO HOMEM DE MELLO

DIVÓRCIO

Cidade muda, rente a meu lado, Como um fantasma sob a neblina... Há cem mil rostos. Tanto soldado E tanto abraço desesperado Nesta cidade tão masculina! Cidade muda como um soldado. Cidade cega. Todos os dias, A nossa vida fica mais breve, As nossas mãos ficam mais frias... Todos os dias, todos os dias, A morte paga, paga a quem deve. Cidade cega todos os dias. Cidade oblíqua. Sexo pesado. Rio de cinza, lúgubre e lento... Bandeira negra, barco parado, Nunca o teu nome foi baptizado Nem o teu beijo foi casamento! Cidade minha, do meu pecado... Cidade estranha, sabes que existo? Os homens passam... Para onde vão? Só tem amores quem não for visto. Por isso canto, só porque insisto Em dar combates à tentação. Oh! a volúpia de não ser visto! Pedro Homem de Mello, in Grande, Grande Era a Cidade...

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JUSTIFICAÇÕES

No poema a ‘’Canção’’, o desenho é uma metáfora para a pastorinha que está morta na mão de Deus. Essa mão representa,

simultaneamente, o presente, que é a pastorinha, à própria canção. Os dois sorrisos, tanto de Deus como o da pastorinha, são de um sentido

irónico à própria morte, no contexto de expressões como ‘’Quem me dera estar morto/ Podia morrer mesmo aqui, etc...’’ Ao ilustrar a

pastora, não quis mostrar o perfil de menina inocente ou de santa, nem de Deus como um ser mais que poderoso pois são representações

bastantes subjectivas.

No poema ‘’Um Bairro Moderno’’, todo o desenho deverá ser interpretado, metaforicamente, como a própria cidade. A cabeça da figura

mostra a destruição da cidade, do ambiente (daí a cara estar a desvanecer), o próprio cigarro representa a poluição constante do mundo à

nossa volta e que está inerente ao rosto do desenho. Nos joelhos, encontram-se duas pessoas que estão afastadas, pelo corte de

comunicação que a sociedade - e que mais se verifica na própria cidade -, nos dá , tanto com todas as tecnologias à nossa disposição, como

com o controlo dos media.

Por fim, no poema ‘’Divórcio”, de Pedro Homem de Mello, o desenho representa o grito das cidades. A sua trompeta , a voz das pessoas,

dos sem mil rostos presentes. A figura está nua , o que refere à cidade estar tão controlada pelos homens (o pénis toma sentido). O todo da

figura representa, em geral, as cidades que se encontram corrompidas, por ideologias que já não são adequadas aos dias de hoje.

CONCLUSÃO

Este trabalho baseia-se no tema ‘’Cidade/Campo’’. Coloquei os poemas de acordo com a minha preferência. Foi tudo feito com uma

pesquisa à volta do tema escolhido, seleccionando poetas contemporâneos (Gastão Cruz, Natália Correia) e poetas de outras épocas literárias,

como o modernismo (Almada Negreiros).

A selecção, embora tenha tido em conta outros poetas, foi conforme o impacto pessoal que os poemas me proporcionaram. Considero ter

chegado ao pretendido, respeitando as regras do trabalho, cinco a dez poemas, um, obrigatoriamente, de Cesário Verde, a sua ilustração e a

sua devida justificação.

Juntamente com três poemas, ‘’Canção’’ de Almada Negreiros, ‘’A Praça’’ de Álvaro de Campos e ‘’Um Bairro Moderno’’ de Cesário Verde,

acrescentei três ilustrações, de minha autoria, que justifiquei.

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BIBLIOGRAFIA

ALMADA NEGREIROS, in Citador ‘’ http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809090009’’ ÁLVARO DE CAMPOS, in Citador ‘’ http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809030435’’ CESÁRIO VERDE, in Troca de Palavras ‘’ http://trocadepalavras.blogspot.com/2007/04/num-bairro-moderno-cesrio-verde.html’’ FLORBELA ESPANCA, in Citador ‘’ http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809020125’’ GASTÃO CRUZ, in Citador ‘’ http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200810130111’’ MARIO CESARINY, in Leituras de Madame Bovary ‘’ http://leiturasdemadamebovary.blogspot.com/2009/10/mario-cesariny.html’’ NATÁLIA CORREIA, in O Meu Tempo é Quando ‘’ http://andondehaespaco.blogspot.com/2010/09/os-namorados-lisboetas.html’’ PEDRO HOMEM DE MELLO, in Citador ‘’ http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200810200023’’