joão almeida santos

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    ndice

    Energmeno!.................................................................................................... 6

    Onde Reside a Soberania? .................................................................................. 11

    A Angstia de Montesquieu ............................................................................... 14

    O Brevirio de Ccero .......................................................................................... 18

    Casamento: O Nome e a Coisa ........................................................................... 21

    A Terra dos Tsunamis Mediticos ....................................................................... 25

    Portugal Beira de um Ataque de Asma ............................................................ 28

    O Admirvel Mundo Novo .................................................................................. 30

    As Presidenciais de 2011: Uma Reflexo Crtica ................................................. 33

    A Classe Poltica.............................................................................................. 36

    Arquitectos, Engenheiros e Obras de Arte ......................................................... 39

    As LegislativasPoltica e Cidadania .................................................................. 41

    Estou a pensar no debate entre Passos Coelho e Antnio Costa ....................... 43

    Notas Soltas de Fim-de-Semana ......................................................................... 46

    O Labour e o Fenmeno Corbyn: Desforra das Trade Unions? .......................... 49

    De novo as Presidenciais (que me perdoe Antnio Costa!) ............................... 52

    De Nvoa a Belm? Tertium Non Datur? ........................................................... 54

    Notas de Fim-de-semana .................................................................................... 56

    Uma Campanha Difcil ........................................................................................ 59

    Desfazendo Equvocos... ..................................................................................... 63

    Notas de Poltica (A Seis Dias das Eleies) ........................................................ 68

    Votemos, Ento! ................................................................................................. 71

    O Novo Panorama Poltico .................................................................................. 73

    O Regresso da Poltica? ....................................................................................... 78

    Perplexidades ...................................................................................................... 82

    Qual a Pressa, Qual a Pressa? ....................................................................... 85

    Estala o Verniz..................................................................................................... 90

    A Ouvidoria da Presidncia ................................................................................. 93

    A Insustentvel Ligeireza: Dos Pensamentos de um Ex-Ministro! ..................... 96Poltica e Maternidade: Ou a transparncia obsttrica de JAD ....................... 100

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    Como Mudam os Tempos!!!.......................................................................... 102

    Um Novo Paradigma para o Socialismo ............................................................ 104

    Sem Remdio................................................................................................. 122

    Ilustraes ......................................................................................................... 134

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    Energmeno!

    H uns anos li (e sobre isso escrevi, em Maio de 2006, no Dirio Econmico),

    com alguma perplexidade, um artigo num importante jornal dirio portugus sobre a

    condenao, por um tribunal, de um articulista que qualificara um autarca como ener-

    gmeno. O articulista no aceitava a condenao porque ela vinha pr em causa o sa-

    grado princpio da liberdade de expresso. Tanto mais que se tratava de uma qualifica-

    o semanticamente pouco intensa, como procurou demonstrar. E que esta qualificao

    vinculava quem a produziu e no quem a sofreu, sendo certo que, acrescentava tra-

    tando-se de mera opinio, o visado no se transmutaria na qualidade que lhe fora im-

    putada. Nem mais! O autarca no se transformaria em energmenos pelo facto de

    o articulista o considerar tal!

    I

    Retomo o tema porque a mesma questo se pe hoje a todos os que intervm

    na Rede, onde abundam muito mais adjectivaes ou qualificaes do que nos media

    tradicionais. Mas retomo, tambm, porque o argumento da transmutaoencerra

    uma interessante questo filosfica a da performatividade da linguagem. E, neste re-

    gisto, at parece ter razo o articulista. Porque dizer de um autarcaou de quem quer

    que seja, includo o colunista em questoque energmeno, no corresponde, de

    facto, a um enunciado performativo, ou seja, a uma aco, mas to-s, aparentemente,

    a uma descrio ou constatao, que poder ser verdadeira ou falsa (havendo para isso

    necessidade de demonstrao, o que neste caso seria difcil, ou seja, que o autarca es-tava possesso do demnio!). Mas eu creio que o que o articulista queria dizer era que

    no cometeu uma aco: que disse, mas no fez. Mais: tratou-se da emisso de uma

    mera opinio, falvel como todas as opinies. E, assim sendo, nem sequer se tratou de

    um enunciado assertivo, descritivo, de uma constatao, dele no se podendo dizer

    nem que era verdadeiro ou falso nem que correspondia a uma aco, a um fazer.

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    A questo, para ser abordada na ptica da performatividade da linguagem (re-

    correndo ao Austin do How to do Things with Words), deveria satisfazer a condio

    exposta pelo prprio Austin: a pronncia do enunciado constitui a execuo de uma

    ao(Austin, J., Come Fare Cose Con Leparole, Genova, Marietti, 2000, pp. 10-11). Oque no o caso, visto que nem sempre dizer algo fazer algo. Por exemplo, quando

    a pronncia do enunciado no desencadeia automaticamente uma aco, verdadeira-

    mente no podemos identificar dizer com fazer. Por outro lado, sendo uma opinio,

    tambm no cabe no tipo de enunciados assertivos ou descritivos, que so verdadeiros

    ou falsos. A concluso que, por esta via, no poderemos deixar de dar razo ao articu-

    lista: no pelo facto de chamar energmeno ao autarca que ele, ipso facto, se torna

    nisso. Por outro lado, no sendo demonstrvel a energumenidadedo sujeito, ou seja,

    verificvel a falsidade ou a verdade do enunciado, mais difcil se torna a condenao

    (performativa) do Juiz: culpado!. Digamos que, deste ponto de vista, o articulista pa-

    rece ter razo. por isso que teremos de ver o assunto noutra ptica, contextualizando

    o enunciado, ou seja, referindo-o aos conceitos de pblico e privado.

    II

    Com efeito, parece ser cada vez mais frequente na nossa imprensa (e na Rede) a

    tendncia, por um lado, para a qualificao pessoal negativa e grosseira dos protagonis-

    tas polticos e, por outro, como contraponto, para a fundamentao terica da liberdade

    de insulto pblico. Provavelmente, o que se verifica uma enorme confuso entre o

    exerccio da liberdade nos espaos privado e/ou ntimo e o exerccio da liberdade no

    espao pblico. Sobretudo na Rede, em sitesou blogues de acesso universal. Mas a

    verdade que, aqui, estamos perante uma diferena de grau ou de qualidade. Diferena

    to grande quanto aquela que existe entre o privado e o pblico. A diferena de grau

    tem a ver, do ponto de vista histrico, com essa marca moderna da separao radical

    entre o privado e o pblico, que sobreveio s sociedades orgnicas pr-modernas e de

    que a representao poltica evidente smbolo. Trata-se, portanto, de uma distino

    muito antiga. Depois, de um ponto de vista lgico, tem a ver com os efeitos de reprodu-

    o alargada que o uso pblico da liberdade de expresso produz, em contraste com osefeitos limitados, e delimitados, do uso privado da liberdade de expresso.

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    III

    Trata-se, de facto, de um verdadeiro salto qualitativo: de uma dimenso privada,

    ou at comunitria, para uma dimenso societria, passando de uma responsabilidade

    meramente individual para uma responsabilidade plenamente social. Ora, o exerccio

    da liberdade nunca pode ser considerado de forma absoluta, nem mesmo na dimenso

    mais ntima. Pelo contrrio, ele deve ser considerado de acordo com o alcance dos seus

    efeitos sobre outrem, sobre a comunidade ou sobre a sociedade em geral. E assumido a

    partir de um princpio equivalente ao imperativo categricokantiano: age como se

    a mxima da tua vontade pudesse valer ao mesmo tempo, e sempre, como princpio de

    uma legislao universal. A verdade que quanto mais alargados forem os seus efeitos,

    mais o princpio da liberdade deve ser conjugado com o princpio da responsabilidade,

    diminuindo, por isso, o nvel de subjectivismo e de discricionariedade na produo de

    enunciados. Ou seja: quanto maior for a responsabilidade, devido presena de valores

    pblicos meta-subjectivos, menor a dimenso da liberdade subjectiva, uma vez que se

    torna necessrio aproximar os valores subjectivos dos valores pblicos, anulando a mar-

    gem de discricionariedade das decises e aces individuais.

    por isso que as sociedades mais justas nunca podem impor aos indivduos o

    absolutismo dos valores ou interesses pblicos (como as teocracias, por exemplo), mas

    tambm por isso que elas nunca podem assumir o direito ao exerccio absoluto dos

    valores ou interesses privados. Caso contrrio, as primeiras seriam sociedades totalit-

    rias e as segundas sociedades selvticas. tambm por isso que as sociedades mais jus-

    tas procuram sempre promover o equilbrio entre o princpio da liberdade e o princpio

    da responsabilidade, conjugando a tica da convicocom a tica da responsabili-

    dade. Ou seja, o segundo princpio constitui um travo expanso absoluta do pri-

    meiro e o primeiro um permanente desafio ao segundo. Mas o que no aceitvel

    que nos coloquemos de forma absoluta no terreno do desafio permanente ao princpio

    da responsabilidade, como se este fosse um princpio de segunda ordem na hierarquia

    dos princpios democrticos e humanos.

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    IV

    Tenho bem conscincia de que em Portugal ainda continuamos a viver num clima

    ideolgico que tende a valorizar sobretudo os direitos, as liberdades e as garantias,

    subalternizando os valores da responsabilidade e do dever. Exemplo claro disso o ga-

    rantismo que ainda domina muitas das esferas do nosso direito, como, por exemplo, o

    administrativo. Mas quando o garantismo se torna o valor dominante e quase absoluto

    ento a que poderemos dizer com toda a propriedade que o garantismo a doena

    infantil da democracia. Mas, provavelmente, o nosso colunista, alm de ter provavel-

    mente lido Austin h pouco tempo, estava demasiadamente embedded, no no nosso

    garantismo, mas na letra da Primeira Emenda(1791) da Constituio americana. Mas se

    assim foi ento tambm deveria ter-se lembrado da Nona Emenda(tambm de 1791):

    a enumerao de alguns direitos feitos na Constituio no podero ser interpretados

    de modo a que sejam negados ou diminudos outros direitos mantidos pelos cidados,

    mesmo quando os respectivos enunciados no forem performativos, digo eu. Isto para

    no relembrar o rico patrimnio dos cdigos ticos, que anda to esquecido pelos

    nossos profissionais da informao ou pelos habituais colunistas.

    E se assim com profissionais que se dotaram eles mesmos de normas de auto-

    regulao no podemos agora estranhar que, na rede, o problema se torne maior, sa-

    bendo-se que sua expanso universal ainda no corresponde (apesar de ele estar dis-

    ponvel, pelo menos desde o Kant da Fundamentao da Metafsica dos Costumes, de

    1785) um princpio universal de responsabilidade que possa regular eticamente esse

    imenso espao de liberdade que j est a mudar a histria da comunicao e da prpria

    democracia. A verdade que, como diz a Castells, a democracia da redeque , antes

    de mais, uma democracia de cidadose a mass self-communication(comunica-

    o individual de massas) que lhe corresponde exigem cidados muito mais dotados

    cultural e moralmente do que a velha democracia de massas, j que a responsabilidade

    na comunicao j est tambm do lado do cidado.

    Ele j tambm emissor, produtor de informao. Mas tambm um receptor

    muito particular, uma vez que detm plena responsabilidade na seleco da informao

    que circula e, por isso, no pode alienar a responsabilidade (pela credibilidade) nos ga-tekeepers de velha memria. Performativo ou no, assertivo ou no, o articulista,

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    quando produz um enunciado no espao pblico, a partir de um plpito institucional,

    entra numa esfera de responsabilidade equivalente autonomia ou vida prpria que

    o seu enunciado ganha logo que pronunciado. E neste sentido que eu diria que o enun-

    ciado ganha, assim, uma dimenso performativa que partida parecia no ter. Ou seja,o jornalista perde a razo quando parecia t-la. E, por isso, o seu enunciado/aco aca-

    bar por ficar, e muito bem, sujeito pronncia performativa de um juiz: culpado!.

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    Onde Reside a Soberania?

    A natureza dos sistemas polticos e das circunstncias que lhes deram vida pode

    ser muito bem aferida atravs de uma leitura comparativa dos princpios fundamentais

    inscritos nas respectivas Constituies. E um deles o princpio da Soberania. Onde re-

    side a soberania?

    I

    muito interessante verificar que a Constituio republicana de 1911 difere

    substancialmente, quanto a este princpio, da Constituio de 1976. Ou seja, enquanto

    para a Constituio de 1911a soberania reside essencialmente na Nao (artigo 5, ttulo

    III), para a Constituio de 1976 a soberania reside no povo (artigo 3.). primeira vista,

    a diferena parece no ser de monta, j que possvel dizer que o corpo orgnico da

    Nao o povo. Mas no rigorosamente assim. Em boa verdade, o corpo orgnico da

    Nao constitudo pelos rgos de soberania (PR, AR, Governo, Tribunais), no pelo

    povo. No por acaso que, habitualmente, o conceito usado o de Estado-nao. Pondo

    de parte essa ideia de que o povo uma fico ou, ento, de que se identifica com as

    classes subalternas, com os trabalhadores ou com os oprimidos, recuperando o velho

    conceito de Terceiro Estado (Tiers tat), sempre ser possvel dizer que o Povo o

    conjunto dos cidados que integram um concreto Estado-nao. Como, por exemplo,

    para a Constituio francesa de 1793, onde o povo soberano a universalidade dos

    cidados franceses(Ato constitucional, artigo. 7, Da soberania do povo). E eu creio

    que esta dever permanecer como ideia moderna de povo. Mas o que interessantenotar que a ideia expressa na Constituio de 1911sobre a soberania a mesma que

    encontramos na Constituio francesa de 1791: A soberania pertence Nao, de

    onde emanam os Poderes, exercidos somente por delegao (artigos 1. e 2. do Ttulo

    III). De resto, o mesmo se verifica na Constituio de 1822(artigo 26, ttulo II).

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    II

    Nunca fiz um estudo aprofundado (pela anlise histrico-poltica das vrias cons-

    tituies) desta diferena de posies sobre a soberania: se a soberania reside no povo

    ou se reside na Nao. Mas inclino-me a pensar que a ideia de que a soberania reside

    na Nao mais genuinamente liberal e mais conforme ao conceito central da demo-

    cracia representativa (o de mandato no imperativoou de mandato sem vnculo) do

    que a ideia de que a soberania reside no povo. Porqu? Porque assim se compreende

    mais facilmente que o mandato soberano confiado ao deputado pelos cidados seja sem

    vnculo e irrevogvel. A verdade que quando a soberania transita para a Nao na-

    turalmente a partir do povo, que seu titular remoto os titulares da soberania passam

    a representar, no os concretos cidados que nele votaram, mas a Nao, garantindo

    assim a irrevogabilidade do mandato (no por acaso que se diz, na generalidade das

    Constituies, que o deputado representa a Nao, no o crculo por que foi eleito n.

    2, artigo 152, da CRP).

    Como sabemos, se assim em todas as democracias representativas, o mesmo

    no se passa nas democracias directas, onde os mandatos so sempre revogveis, por-

    que so mandatos com vnculo (veja-se, por exemplo, a famosa constituio-modelo

    sovitica de 1936, artigo 142). O que que pretendo dizer com isto? Simplesmente que

    esta diferena de posio das duas constituies portuguesas se deve a dois momentos

    diferentes em radicalidade poltica, sendo o primeiro, 1910, de natureza mais liberal e o

    segundo, 1974, de natureza mais socialista, compreendendo-se muito bem que os re-

    publicanos fossem mais sensveis matriz liberal da democracia ( democracia repre-

    sentativa) e os constituintes de Abril mais sensveis a uma viso organicista da democra-

    cia (a formas mais prximas da democracia directa). Esta mesma diferena aconteceu

    na Revoluo francesa com as Constituies de 1791 e de 1793 (onde a soberania re-

    side no povo, artigo 25 da nova Declarao), sendo, como se sabe, a radicalidade

    poltica dos dois momentos bem diferente.

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    III

    Mas a pedra-de-toque a do mandato no imperativo (no revogvel), ou

    seja, a da total autonomia dos deputados quer em relao aos cidados que os elegeram

    quer em relao aos partidos que os propuseram. por isso que tambm a Constituio

    francesa de 1791diz que os representantes no sero representantes de um departa-

    mento particular, mas de toda a Nao, no podendo ser-lhe dado nenhum [vnculo

    de] mandato (Ttulo III, Seco III, artigo 7). S que esta autonomia, bem o sabemos, tem

    ainda uma histria to curta e to pouco sedimentada no nosso Pas que muitos partidos

    tm como sua prtica regular substituir, por deciso prpria, deputados que no os re-

    presentam a eles, mas Nao. Tanto verdade que, se eles prprios no quiserem,

    nem sequer podem ser substitudos (veja-se, por exemplo, o caso de Lusa Mesquita).

    Assim o exige a lgica prpria da democracia representativa, fundada no sufrgio uni-

    versal e to distante daquelas vises organicistas da democracia que pululam por a.

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    A Angstia de Montesquieu

    O velho Montesquieu deve estar s voltas no tmulo, com as notcias que lhe vo

    chegando desta parte ocidental da Ibria. A sua famosa teoria da separao dos pode-

    resest pela hora da morte, em terras lusitanas. Com as ltimas eleies, onde o voto

    devolveu a maioria ao seu carcter relativo, o Parlamento decidiu concentrar nas suas

    mos todos os poderes: o legislativo, o executivo e o judicial.

    I

    Um exemplo: a cada vez mais frequente constituio de Comisses Parlamenta-

    res de Inqurito (CPIs), com os mesmos poderes de investigao das autoridades judici-

    ais, mas sem as mesmas exigncias e garantias processuais. Mas, dir-se-ia, afinal no

    l que esto os representantes, aqueles que podem exibir uma legitimidade directa,

    sendo portadores daquela soberania que o cidado singular, com o voto, deposita nas

    suas mos? Aparentemente, tudo bem. O Parlamento isso mesmo: a Casa da Demo-

    cracia. Os poderes convergem todos para l.

    II

    Mas h um pequeno problema: acabar com a liberal e montesquiana separao

    dos poderes no significa mexer no cdigo gentico do Estado representativo? Com

    efeito, a autonomia de funes prpria do Estado representativo tem uma explicao

    de fundo: o equilbrio dos poderes e a distribuio funcional tripartida dos poderes para

    que o sistema funcione. Este , alis, um dos princpios fundamentais consignado na

    fabulosa Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789: toda a sociedade

    na qual a garantia dos direitos no estiver assegurada, nem a separao dos poderes

    determinada, no tem constituio(artigo 16). Montesquieu, em De Lesprit des Lois

    (1748), j fora claro: no h tambm liberdade se o poder de julgar no estiver sepa-

    rado do poder legislativo e do executivo(Paris, Gallimard, 1970, 169).

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    III

    Ora, quando o poder judicial, no legtimo exerccio das suas prerrogativas, no

    decidindo de acordo com o entendimento do poder legislativo, no s motiva a criao

    de uma CPI para investigar a matria em causa, como tambm v posta na agenda par-

    lamentar a convocao das suas mximas instncias para nela deporem, ento estamos

    perante o fim da separao dos poderes. Quando, por sua vez, o Executivo, agindo, vir-

    tualmente, de uma forma que o Parlamento entende ser politicamente inaceitvel,

    deixa de ser interpelado politicamente para ser investigado por uma CPI dotada de po-

    deres judiciais, ento estamos perante uma verdadeira judicializao parlamentar da

    poltica. Ainda me lembro de uma clebre CPI que foi criada mesmo depois do assunto

    em causa estar a ser investigado pela IGAI, pelo Ministrio Pblico, pela PJ, pelo Tribunal

    de Contas e de ter sido avaliado pelo Conselho Consultivo da PGR.

    Resultado:

    1. Arquivado.

    2. A sentena moral transitou em julgado no tribunal da opinio pblica.

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    IV

    Agora a vez da Fundao para as Comunicaes Mveisser analisada, no

    pelo Tribunal de Contas, mas por mais uma CPI. E, como se esta no bastasse, tambm

    a vez dessa extraordinria CPI que investiga se o PM mentiu ou no ao Parlamento, de-

    pois de a Comisso de ticater investigado o mesmo assunto, com os resultados que

    se conhece. Mas a natureza inquiridora desta Comisso est a evoluir muito: ela trans-

    formou-se em Detector de Mentirasdo Parlamento. E, a continuar assim, no tardar

    que os actos do Executivo passem a ser submetidos, regularmente, antes da discusso

    poltica em Plenrio e em Comisso, CPI/Detector de Mentirasdos Secretrios de

    Estado, dos Ministros e do Primeiro-Ministro. Por outro lado, tambm os actos pratica-

    dos pelo poder judicial passaro a estar eventualmente sujeitos ao crivo judicial impie-

    doso dos representantes do povo, atravs de audies em CPI, que podem ir do procu-

    rador mais humilde at ao Procurador-Geral da Repblica ou mesmo at ao Presidente

    do STJ, se as suas decises forem consideradas parciais ou suspeitas. Agora, que a sus-

    peita passou a ser uma base fundamental da poltica. E quando todos ns, portugueses,

    estamos a ser escutados como nunca o fomos antes.

    V

    De resto, estas CPIs so bem mais democrticas do que as instncias judiciais,

    porque os seus agentes so eleitos e porque so totalmente transparentes, decorrem

    em directo televisivo e no esto sujeitas a esses rebuscados procedimentos que du-rante sculos o poder judicial foi introduzindo no sistema, pretensamente em nome do

    equilbrio entre as liberdades, direitos e garantias do cidado e os seus deveres e res-

    ponsabilidades perante a comunidade. Mais democrticas e transparentes, mas tam-

    bm mais eficazes, competentes e cleres, uma vez que ficam despidas desse garan-

    tismo jurdico moroso e ineficaz. As garantias no so tantas, claro, mas so mais pro-

    fundas porque ancoradas no na legitimidade tcnica dos juzes, mas na legitimidade

    electiva dos nossos representantes, sendo, por outro lado, a rapidez de juzo to certa

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    como a eficcia da deciso: a publicidade directa das sesses se encarregar de devolver

    a arma da justia s mos do povo. Afinal, ela no feita em nome do povo? Lenta-

    mente, a nossa democracia vai evoluindo para aquela democracia que sempre consti-

    tuiu o desejo manifesto da nossa esquerda radical: a democracia orgnica, directa ou deassembleia. S falta mesmo acabar formalmente com o mandato no imperativo. Assim,

    os poderes derivados tambm podero ser revogados a todo o momento. Coisa nem

    sequer indita no nosso Pas.

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    O Brevirio de Ccero

    Ao procurar, na livraria da Facultad de Ciencias de la Informacinda Universi-

    dade Complutense de Madrid, ttulos sobre comunicao e poltica, o meu amigo Prof.

    Jess Timoteo chamou-me a ateno para um curioso livrinho de Quinto Tlio Ccero,

    jovem irmo do mais famoso Marco Tlio Ccero, intitulado Commentariolum Petitio-

    nis, ou seja, para um autntico Brevirio de Campanha Eleitoral(Quinto Tlio Cicern,

    Breviario de Campaa Electoral, Barcelona, Acantilado, 2009), escrito nos tempos da

    velha Roma, com o propsito de ajudar a candidatura de seu irmo Ccero a Cnsul. O

    que viria a acontecer.

    I

    A primeira coisa que se nota o esforo de Quinto em delimitar muito bem

    o comportamento de candidatura do comportamento pessoal. Como ele diz: do que se

    trata, neste discurso , sobretudo, de como atrair as massas e no de como cultivar

    amizades efectivas. Trata-se de uma distino metodolgica muito clara entre o plano

    poltico e o plano pessoal, naquele que j um autntico manual tcnico que visa mo-

    delar o comportamento do candidato s exigncias do sucesso eleitoral. Note-se que

    estamos no ano 64 A.C.. E quando nos manuais de teoria poltica habitual ler que foi

    com Maquiavel, sobretudo com O Prncipe(1513), que se deu a laicizao total da

    poltica, passando a ser concebida como tcnica para o exerccio do poder e retirando

    da sua esfera os fundamentos ticos e metafsico-religiosos, bem interessante verificar

    que, a tantos sculos de distncia, Quinto Tlio Ccero faa algo to parecido com o queaquele fez, embora, claro, no de forma to completa e sofisticada. evidente que a de

    Quinto uma perspectiva de natureza essencialmente comunitria, uma vez que a ca-

    tegoria mais recorrente no seu discurso a de amigo.

    Ou seja, a relao eleitoral era ainda lida com um cdigo de proximidade, domi-

    nantemente comunitrio, onde as relaes pessoais eram absolutamente decisivas. No

    se tratava, naturalmente, de uma lgica equivalente de Carl Schmitt, quando este ten-

    tava, em 1927, definir a natureza do polticoatravs da relao estruturante amigo-

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    inimigo. No, do que se tratava era to simplesmente de uma lgica de natureza comu-

    nitria. De qualquer modo, mais importante do que isto a definio de linhas de fora

    que tocam muito de perto a lgica do marketing poltico moderno: em campanha, diz

    ele, as aparncias podem superar as qualidades naturais do homem (2009: 19). Ouseja: prevalncia da imagem sobre a substncia. Depois, a gesto dos benefcios, das

    expectativase da simpatia sincera: o candidato deve saber gerir o patrimnio dos

    benefcios concedidos aos seus concidados, pedindo-lhes reciprocidade eleitoral.

    Quinto formula claramente o princpio da chamada gesto de expectativas, propondo

    que o candidato esteja sempre disponvel para responder plenamente s expectativas

    dos seus concidados em troco de prestaes eleitorais favorveis. Finalmente, reco-

    nhece que para os partidrios incondicionais necessrio produzir sempre um discurso

    de grande identificao afectiva com eles. Trata-se, naturalmente, de salvaguardar o n-

    cleo duro dos apoiantes do candidato, motivando-os e garantindo a fora pulsional da

    campanha.

    II

    Um outro aspecto muito importante no discurso de Quinto o que se refere

    cadeia de influncias que se torna necessrio desencadear junto das pessoas e grupos

    influentes, daqueles que tm o poder de replicar com sucesso o discurso do candidato,

    fazendo lembrar a famosa teoria do two step flow of communication, de Lazarsfeld e

    Katz. Outro ainda o que se exprime nas exigncias da organizao fsica da campanha

    do candidato, na exigncia de permanentes cenografias e coreografias que dem a sen-

    sao de um crescente apoio dos vrios grupos sociais candidatura, o que poderia

    tambm ser entendido como uma intuio dos mecanismos daquela que viria a ser cha-

    mada a espiral do silncioou, ento, da chamada teoria do carro ganhador. Por

    fim, h que sublinhar que pequena a preocupao de Quinto em lanar campanhas

    negras contra os adversrios, embora a isso haja uma referncia explcita (2009: 81), tal

    como h uma referncia ao culto de algum temor a incutir nos adversrios (2009: 84).

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    III

    Uma ideia-fora percorre o texto de Quinto: o candidato deve cultivar a aparn-

    cia do afecto, da amizade e da bondade at ao limite das suas foras, mesmo que para

    isso deva prometer aquilo que sabe que poder vir a no cumprir, at porque o eleitor,

    segundo Quinto, aceita sempre melhor uma mentira piedosa do que uma recusa cate-

    grica: aquilo de que no sejas capaz, nega-te a faz-lo amavelmente ou no te negues;

    o primeiro prprio de um homem bom, mas o segundo prprio de um bom candidato

    (2009: 70).

    Finalmente, e em homenagem a uma viso naturalmente comunitria da vida

    poltica romana, Quinto pe em destaque dois outros aspectos que ele considera essen-

    ciais para uma boa campanha:

    1) Que o candidato trate sempre o cidado pelo prprio nome (2009: 67).

    2) Faa campanha permanentemente, no se ausentando de Roma, de modo a po-

    der interpelar insistentemente as pessoas, evitando queixas (2009: 68-69).

    IV

    Este interessante texto romano vem juntar-se a outros interessantes textos que

    tecnicizam o modus operandi poltico em vrios contextos: por exemplo, ao de Maqui-

    avel sobre as normas que o Prncipe deve observar para conservar o poder (O Prncipe,

    1513) ou ao que foi atribudo ao Cardeal Mazzarino (Breviarium Politicorum SecundumRubricas Mazarinicas, 1684) sobre as normas tcnicas para singrar politicamente no

    microssistema Corte. So textos que colhem l bem no fundo da alma humana e que

    por isso so eternos. Tal como a arte de governo dos povos, dessa mesma que nunca

    ser perfeita se no incluir nas suas normas aquelas pulses e aqueles princpios que

    sempre acompanharam os homens naquilo que eles sempre tiveram de muito bom e de

    muito mau, desde as ltimas fronteiras desse tempo marcadamente humano a que se

    convencionou chamar Histria.

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    Casamento: O Nome e a Coisa

    A questo do casamento dos homossexuais demasiado sria para no merecer

    uma reflexo algo distante da espuma retrica de ocasio, das idiossincrasias de alguns

    iluminados do civilizacionalmente correctoou daqueles que acham que no a sem-

    ntica que move o mundo, porque acham que o que preciso transform-lo. Nesta

    questo espelham-se duas questes centrais: uma questo de direitos e uma questo

    de valor.

    I

    Sobre a questo dos direitos, no sei, sinceramente, se para os garantir haver

    alguma diferena entre a instituio casamento e o registo civil. Para mim, desde que

    esteja garantido o princpio da igualdade no acesso aos direitos, contra qualquer tipo de

    discriminao em funo da orientao sexual, tudo est bem. Aqui a questo central

    a no-discriminao. E eu creio que a deciso poltica do PS sobre o assunto se colocou

    to-s neste plano.

    II

    J sobre a questo de valor o assunto mais delicado. Trata-se de garantir o

    acesso a uma instituio que historicamente sempre esteve reservada relao entre

    homem e mulher, ou seja, quela que Marx creio que nos Manuscritos de 1844, defi-

    nia como a primeira comunidade natural humana. Foi por isso que ele pde afirmar que

    a relao homem-mulher a chave que permite julgar todos os graus de civilizao do

    homem.

    E, por isso, a instituio casamento, historicamente fundada na relao homem-

    mulher, radicando nesta diferena ontolgica originria e tendo adquirido ao longo dos

    tempos uma carga semntica historicamente to sedimentada, certamente tender a

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    resistir, enquanto tal, e sob vrias formas, a todas as tentativas de desvitalizao (jur-

    dica ou ideolgica que seja) dessa diferena que marca a sua prpria gnese.

    III

    claro que se vivssemos sempre sob o registo da tradio ou das sedimenta-

    es histricas o mundo no teria avanado civilizacionalmente tanto como avanou.

    Mas tambm no teria tantos problemas vitais como os que tem hoje. E certo que o

    processo histrico tanto pode metabolizar determinados fenmenos como rejeit-los.

    O que parece ser, pois, recomendvel que o arrojo civilizacional no deslize para qual-

    quer forma de engenharia social, para que no acontea o que aconteceu tantas ve-zes na Europa do Sc. XX.

    IV

    A verdade que as questes de valor so historicamente sempre muito delica-

    das. E no so todas elas pensveis s com os instrumentos do direito ou da lingustica.

    V

    No tenho, de resto, nesta matria, grandes preconceitos. Mas creio que a me-

    lhor maneira de lidar com a histria respeitar a sua prpria temporalidade, sem acele-

    raes excessivas, e os seus legados macro temporais, porque ela quem melhor meta-

    boliza esse processo to humano da socializao da natureza e da naturalizao da so-

    ciedade.

    VI

    Ora, a passagem da questo do casamento entre pessoas do mesmo sexo para a

    questo da adopo, que subiu ao topo da agenda, logo a seguir aprovao da Pro-

    posta de Lei (e durante a sucessiva discusso no Parlamento, que viria a aprov-la) sobre

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    o casamento homossexual, significa que a questo de valor est a sobrepor-se questo

    dos direitos.

    VII

    Ou seja, j deixou de ser uma questo de exerccio de direitos subjectivos para

    passar a representar uma projeco destes direitos sobre direitos de outrem.

    VIII

    Mas sejamos claros. No podendo pr-se a questo da adopo aos verdadeiros

    titulares, os pais (ausentes), esse direito transita automaticamente para a sociedade, na

    sua forma institucional. E, assim, a questo transita tambm da esfera dos direitos sub-

    jectivos para a esfera dos deveres pblicos, que uma esfera mais complexa e mais

    ampla. E, de qualquer modo, uma esfera que, essa sim, deve proteger os direitos dos

    menores, colocando-se naquela que seria a posio ideal de pais que devessem decidir

    livremente sobre a adopo dos prprios filhos.

    IX

    E, por isso, na minha modesta opinio, ainda se torna mais complicada essa pas-

    sagem da reivindicao de direitos para a reivindicao de uma equivalncia substantiva

    de duas formas de unio que so factualmente diferentes e existencialmente irredut-

    veis, embora humanamente sensveis.

    X

    Ainda me lembro do tempo em que os jovens progressistas entendiam que o

    casamento era uma mera instituio formalista burguesa e que a opo pela unio de

    facto mesmo sem configurao jurdica era a mais consentnea com o exerccio

    pleno da responsabilidade cvica e com a fora inquebrantvel dos afectos. Mudam-se

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    os tempos, mudam-se as vontades e, agora, a venervel instituio do casamento bur-

    gus a mais apetecida das instituies para alguns herdeiros do Maio de 68. Sero os

    corsi e ricorside que falava o excelente Vico?

    Nota:

    1. O artigo de Antnio Arnaut, de 06.01.2010, no DN, um excelente contributo

    tcnico para a resoluo desapaixonada da questo do casamento entre pessoas

    do mesmo sexo. Creio mesmo que a sua proposta poder evidenciar quem que,

    nesta matria, age com preconceitos ideolgicos. Ou seja, quem que, neste

    sentido, acha que a sua posio deveria valer, ao mesmo tempo, como princpio

    absoluto de uma legislao universal. Os meus parabns a Antnio Arnaut!

    2. O Parlamento aprovou a Lei.

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    A Terra dos TsunamisMediticos

    Lembro-me dum filme onde era representada a voragem em que cara uma es-

    tao televisiva: de encenao em encenao, em nome das sagradas audincias, aca-

    bou por encenar um assassnio (ou um suicdio, no me lembro) real, em directo. Como

    consequncia lgica da implacvel sequncia narrativa que iniciara. Tambm me lembro

    de um filme com Peter Sellers (creio), onde o personagem, ao ser assaltado na via p-

    blica, tentou, com o telecomando que sempre lhe dera acesso ao nico mundo que ele

    conhecia, o televisivo, apagar a cena e os ladres reais. Filmes do tipo do primeiro j vi

    muitos. Como o segundo nem tanto. Se calhar porque Peter(s) Sellers h poucos. desta

    voragem simulacral que me lembro, cada vez que h, no nosso pas, um tsunamimedi-

    tico. E h muitos. Emprime time. Cada vez mais devastadores.

    Tsunamisque alimentam a insacivel indstria dos escndalos e o universo men-

    tal das inmeras figuras de opereta que desfilam na passerelle electrnica, saltando de

    jornais em telejornais, em busca do escndalo perdido. Militantes da utopia da transpa-

    rncia, figuras oraculares da pulso pblica da sagrada opinio, justiceiros implacveis

    do prfido poder poltico, homens livres e libertadores, impolutos e castigadores, justos

    e justiceiros. Muitos. Gente que vem de todos os sectores, armada de saber opinativo e

    de verbo em riste e que, lentamente, se vai instalando nas sacristias e nos plpitos das

    catedrais mediticas, construindo, passo a passo, o seu simulacral poder. So os profis-

    sionais do comentrio: aqueles generalistas que aparentam saber nada de tudo. Muitos,

    se no a maior e a mais importante parte, so actores falhados na narrativa desse poder

    que tanto, e secretamente, os fascina. O Papado comentrio um deles. Dos que

    esto sempre a demonstrar que, afinal, o poder da narrativa maior do que a narrativa

    do poder, como se tem visto pelos resultados prticos.

    E de que eles prprios so exemplo virtuoso. Eles, que no hesitam entre o or-

    culo e o voto: o poder do primeiro , sem dvida, no s muito superior ao do segundo

    como tambm muito mais estvel. Porque o primeiro l os sinais que anunciam os

    supremos desgnios da nao, enquanto o segundo se perde nessa v misso de lhe dar,

    Nao, regularmente, fugazes, frgeis e cada vez mais revogveis representantes. Com

    efeito, h muito que em Portugal o voto no passa, de facto, de um simples instrumento

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    para designar tecnicamente representantes fugazes, sem consequncias sobre a legiti-

    midade de mandato. Legitimidade que cada vez mais est a desaparecer do nosso qua-

    dro poltico, sob o fogo cerrado desses orculos da opinio pblica. E esta uma ten-

    dncia que no de agora: os personagens oraculares h muito que vm impondo ovalor absoluto do telecomando e proclamando a chegada triunfal da legitimidade flu-

    tuante.

    Aquela em que so eles a mandar. Personagens que, assim, afirmam cada vez

    mais o seu prprio poder de revogar mandatos, instaurando uma espcie de democra-

    cia do telecomando. Desde h cerca de dezena e meia de anos, pelo menos. Desde que

    o controlo sobre o telecomando passou a valer mais do que o voto. E at ao dia em que

    o orculo conseguir revogar j no o mandato, mas a prpria democracia representa-

    tiva. O que se passa em Itlia, h mais de dezena e meia de anos, bem elucidativo! E,

    assim, com estes amigos, a democracia representativa nem precisa de inimigos. por

    isso que me apetece dizer: viva a Net! Que, ao contrrio do que pretendem os Fil-

    kielkraut ou os Sgula, no nem a poubelle de la democratienem la plus grande

    saloperie jamais invente (Le nouvel, Observateur, Nov./Dez., 2009). E no , porque

    ela pode dar, de facto, mais poder ao indivduo singular, devolvendo-lhe uma soberania

    que est a ser, perversamente, cada vez mais confiscada pelos media, na exacta medida

    em que ela transita do voto para o telecomando. Vivemos hoje, de facto, um dilema

    muito grave: os mediaservem (tambm) para proteger o cidado dos arbtrios do poder

    poltico (ainda que electivo) ou dever ser o poder democrtico a libertar-nos dos arb-

    trios do poder meditico (que electivo no )? Ora eu creio que este poder bem podia

    comear essa luta de libertao precisamente por a, pela Rede. Desse modo, libertava-

    se a si e libertava os cidados desse oligoplio da informao tablide que nos invade

    todos os dias hora de jantar. Mas, claro, para isso, tambm ele prprio teria de mudar

    tantas coisas que esto mal na nossa democracia.

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    Nota:

    O Prof. Costa Andrade veio justificar (em artigo no Pblico, de 19.02) a violao

    do direito privacidade, no caso das escutas, justificando-a com valores e interessessuperiores. Se um jurista reputado como ele j chega a esta banalizao das normas,

    com os jornalistas a decretarem o que ou no de relevante interesse pblico, para

    efeitos de violao consciente da lei, ento estamos mesmo mal. Neste caso, acompa-

    nho Miguel Sousa Tavares, na crnica do Expressode ontem.

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    Portugal Beira de um Ataque de Asma

    Sobre o Caso TVI, canal televisivo muito propenso a episdios de liberdade de

    imprensa que envolvam primeiros-ministros, jornalistas e comentadores, justo fazer

    as seguintes observaes.

    I

    Spin Doctorque se preze deve ter estudado muito bem o papel que o famoso

    Caso Marceloteve no destino do Governo de Pedro Santana Lopes. Afinal, tambm

    eles andam por a.

    II

    Tambm deve ter visto a enorme asfixia democrticaque a ida do socialista

    Pina Moura para a Administrao da TVI provocou em Portugal: a TVI ficou logo, como

    se sabe, de ccoras perante o governo. Tinham, pois, toda a razo como se viu at exausto os que, ontem como hoje, defendiam a liberdade de imprensa contra as ten-

    dncias totalitrias do PS.

    III

    Depois, a PT, enveredando por actividades que nada tm a ver com comunica-

    o, ps a hiptese de comprar a Media Capital, instada por Scrates, ainda insatisfeitocom o frreo controlo que Pina Moura tinha feito da informao deste canal, proprie-

    dade do Grupo espanhol Prisa, ento o melhor garante da liberdade de informao em

    Portugal, visto o conflito que j ento mantinha com o socialista Zapatero. Mas, de ime-

    diato, e mais uma vez pressionado pelos poucos paladinos da liberdade de imprensa que

    ainda restavam em Portugal, Jos Scrates teve de adiar, temporariamente, o seu tene-

    broso projecto de instalar a asfixia democrticaem Portugal.

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    IV

    Mas Jos Scrates no desistiu. Falou com Zapatero que, por sua vez, fez as pazes

    com a Prisa, que, por sua vez, deu ordens para que acabassem com os telejornais livres

    em Portugal e os pusessem nas mos dos zdanoves de Scrates, ao servio da asfixia

    democrtica. Prevendo este derradeiro movimento, os paladinos da liberdade, acon-

    selhados por intrpidos e democratas spin doctors, desdobraram-se em entrevistas

    uns dias antes da ordem da Prisa ser friamente executada, na v tentativa de impedirem

    este autntico golpe de Estado meditico.

    V

    Inconformados com o sucesso deste golpe, preparam-se agora os paladinos da

    liberdade para montar um quartel-general das foras mediticas, na Ongoing, que

    parta reconquista da Media Capital e da TVI e liberte o pas desta ditadura electrnica

    que Jos Scrates, finalmente, conseguiu instalar em Portugal.

    VI

    Chegaremos a ter eleies livres em 27 de Setembro? Conseguiro as intrpidas

    Manuelas deste mundo travar a asfixia democrtica, nem que seja suspendendo a

    democracia por seis meses, ligando-a mquina, para no morrer desta asma que ame-

    aa ser letal? Duvido, at porque a longa manusde Jos Scrates parece j ter che-

    gado a Berlim, prpria sede da CDU, onde j se comea a falar de asfixia alem

    VII

    Confesso: tenho medo! Tenho medo que o ridculo mate, em Portugal.

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    O Admirvel Mundo Novo

    Portugal vive hoje sob a suspeita de um governo (democrtico, porque eleito)

    querer, inacreditavelmente, atravs de uma golden share (umas miserveis 500 ac-

    es), que lhe permite abater um negcio se este for considerado estrategicamente pre-

    judicial para o Pas, controlar os contedos de uma impoluta, imparcial, neutral, objec-

    tiva e pluralista estao televisiva. A TVI de Jos Eduardo Moniz e sua Mulher, Manuela

    Moura Guedes, ex-cantora, ex-deputada do CDS e agora guerrilheira jornalista. Uma es-

    tao que, em devido tempo, tinha estado em grave perigo de ver sucumbir a sua liber-

    dade editorial quando o ex-comunista, e neo-socialista ibrico, Joaquim Pina Moura, en-

    trou no seu Conselho de Administrao, por via espanhola, ou seja, como representante

    da Hiberdrola, cujo capital integrava a posio maioritria da Prisa. Todos nos lembra-

    mos das terrveis manipulaes que Pina Moura da escola de Cunhal induzia editori-

    almente, ao ponto de ter de pedir a demisso do Conselho de Administrao da Media

    Capital.

    Tambm todos nos lembramos da sada do neutral, do independente, do impar-

    cial e objectivo comentador dominical Marcelo Rebelo de Sousa desta prestimosa e in-

    suspeita estao televisiva. Na altura, fora o perigoso socialista Pais do Amaral a tentar

    instrumentalizar os imparciais e objectivos comentrios de Marcelo Rebelo de Sousa so-

    bre o socialista governo de Santana Lopes, com os resultados que se conhece. A narra-

    tiva seria longa sobre a luta pela liberdade desta impoluta estao televisiva desde os

    tempos da ditadura, altura em que, se no existia, bem podia ter existido. Para quem

    conhece bem os cdigos ticos do jornalismo e eu li-os quase todos, por motivos pro-

    fissionais, desde os tempos da Enciclopdia de Diderot e DAlembert, e sempre bem

    acompanhado por Pacheco Pereira e por Jos Manuel Fernandes sabe bem que esta

    prestimosa e antifascista estao esteve sempre em linha com os cdigos e com a defesa

    da liberdade, desde os tempos de Diderot. E de Mao-Tse-Tung.

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    I

    E, velha lio da histria, no que a prestimosa estao volta a estar no centro

    da luta pela liberdade, quando o Estado, atravs de uma lamentvel golden shareque

    detm na PT, quer mandar embora o genial Director-geral e sua editorialista mulher?

    bvio que, numa democracia, tal impensvel, mesmo por parte dos donos, como im-

    pensvel o Estado ter uma televiso e uma estao de radiodifuso, ainda por cima

    pagas pelo oramento de Estado e por uma no modesta taxa de audiovisual constante

    da factura da EDP! Ou seja, o governo, sub-repticiamente, tentava e no conseguia

    controlar os contedos editoriais de uma televiso privada, mas telegoldensharecisada,

    como se no lhe bastasse j controlar os contedos editoriais de dois canais televisivos

    (RTP1 e RTP2) e de vrios da RDP, onde os seus editorialistas, de Jos Rodrigues dos

    Santos a Maria Elisa, de Judite de Sousa a Ftima Campos Ferreira, mais no fazem, sis-

    temtica e reiteradamente, do que entoar loas ao famigerado Primeiro-Ministro, Jos

    Scrates Carvalho Pinto de Sousa.

    II

    Estamos perante uma narrativa. E perante uma autntica tentativa de controlo

    literrio da narrativa meditica. Por parte do governo, essa instituio da qual todos os

    bons portugueses devem desconfiar. A comear pelo inolvidvel Ricardo Costa, essa fi-

    gura emergente e apodctica da narrativa meditica portuguesa. Uma narrativa das mais

    avanadas que h no mundo, ao ponto de se identificar com a matriz investigativa do

    Watergate, pela sua reconhecida capacidade de inquirir, de investigar, de interrogar, denarrar, de repetir, de insistir, de enjoarat ao dia em que haver uma greve aos tele-

    jornais e uma militncia activa na NET dos deserdados do broadcasting. Sim, daqueles

    que no compreendem por que razo ho-de continuar, desde h anos, a ouvir os co-

    mentrios dos Pacheco Pereira, dos Lus Delgado, dos Ricardo Costa, do, ainda assim,

    Jos Antnio Teixeira e de mais dois ou trs inevitveis e incansveis donos dos interfa-

    ces mediticos.

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    III

    evidente, para quem queira entender, que o governo queria obter, numa esta-

    o privada, aquilo que no obteve nos mediade sua propriedade, repetindo o sucesso

    que Santana Lopes teve com a mesma estao nos tempos de Marcelo Rebelo de Sousa.

    Esta que a verdadeira motivao da tentativa de compra dos 30% da TVI pela PT e

    da sua tentativa de, munida deste capital maioritrio, decidir do futuro desta prestimosa

    estao. O sucesso nos contedos que outrora o governo teve com a compra, atravs

    da PT, da Lusomundo aconselhavam-no, sem dvida, a mais esta manobra inteligente e

    prfida (convenhamos). O erro do governo foi no ter previsto como no tempo de San-

    tana a reaco da imprensa livre de Francisco Pinto Balsemo e, guarda caso, da

    prpria RTP.

    IV

    Vivemos, em Portugal, tempos dignos de Aldous Huxley. Vivemos num admirvel

    mundo novo onde a vida passou a ser uma narrativa contada por neo-sacerdotes que

    nos querem devolver a inocncia perdida neste mundo de vendedores do templo. caso

    para dizer, como j dizia um famoso personagem de Pirandello, livra!.

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    As Presidenciais de 2011: Uma Reflexo Crtica

    As recentes eleies presidenciais merecem uma atenta reflexo, por vrias ra-

    zes. Em primeiro lugar, uma reflexo sobre os critrios de acesso candidatura presi-

    dencial. Como se viu, a exigncia de 7.500 assinaturas no pode continuar a ser critrio

    suficiente para aceder a uma candidatura desta importncia. Por maior respeito que me

    meream todos os candidatos e at louve sinceramente o seu empenho cvico , a ver-

    dade que candidaturas houve que no reuniam as condies mnimas para uma funo

    desta importncia. Um dos candidatos, por exemplo, quase no saiu da sua terra, du-

    rante a campanha, certo de que os telejornais, por imperativo legal, lhe garantiriam pro-

    jeco nacional. O resultado foi insignificante. Outro embora mais consistente eleito-

    ralmente tambm no foi mais do que uma expressiva e curiosa projeco das cmaras

    de televiso para consumo dos telejornais. Uma eleio destas a fazer-se, nestes ter-

    mos deveria exigir um processo de filtragem no acesso candidatura muito mais com-

    plexo, com uma ancoragem orgnica mais consistente.

    I

    Depois, o problema do discurso dos candidatos. Tendo o PR competncias muito

    reduzidas (dissolver o Parlamento, vetar ou promulgar diplomas), quase todas elas de

    registo negativo, coloca-se o problema do discurso: que programa? A verdade que o

    seu programa, no essencial, consiste em cumprir e fazer cumprir a constituio. Mas,

    assim sendo, o programa acaba por se reduzir prpria figura do candidato, essa sim

    importante para aquelas que so as verdadeiras funes do Presidente: interpretar aidentidade nacional, promover o equilbrio poltico-institucional, vigiar pelo cumpri-

    mento da constituio, garantir a livre dialctica poltica democrtica. Ou seja, a verda-

    deira funo presidencial confunde-se com a prpria figura do Presidente e no s,

    como evidente, por ser um rgo unipessoal. Mas, assim sendo, justificar-se- uma

    eleio directa e por sufrgio universal ou bastar uma eleio atravs de um expressivo

    colgio eleitoral alargado? Esta segunda opo poderia induzir, alis, um clima de me-

    nor conflitualidade tendencial entre o Presidente e o Executivo, uma vez que aquele

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    deixaria de poder exibir politicamente uma legitimidade directa, digamos, ontolgica,

    perante um rgo que formalmente no a tem uma vez que resulta do Parlamento ,

    sem deixar, todavia, de conservar, afinal, os mesmos poderes. Estes, de resto, so equi-

    valentes aos que se j verificam em regimes de natureza parlamentar.

    II

    Outra questo que resultou destas eleies foi a da representao poltica. Con-

    tinuam os partidos a interpretar as expectativas polticas dos cidados ou representam

    estas eleies uma ruptura nesta lgica? Parece que sim, que estamos a viver uma rup-

    tura, vistos os resultados, sobretudo esquerda. O caso mais flagrante foi o de Manuel

    Alegre, que, em vez de somar, subtraiu em apoios que numericamente correspondiam

    (tendo em conta as sondagens) a cerca de 40% do eleitorado, pelo menos. Mas no me-

    nos flagrante foi o caso de Fernando Nobre: como se explica que este candidato tenha

    obtido o dobro dos votos do candidato apoiado por uma organizao como o PCP? E isto

    para no falar do candidato virtualJos Manuel Coelho, que consegue obter 4.5% dos

    votos expressos. O que parece que as expectativas que correm no eleitorado j no

    esto a ser suficientemente interpretadas pelos partidos polticos. Como se a oferta ti-

    vesse deixado de corresponder procura. Mas no s: o modelo em que continuam a

    funcionar (de dominante orgnica, combinado com uma lgica comunicacional vertical

    e instrumental) j no exprime o real fluxo social. O que grave, se tivermos em conta

    que so eles que detm a exclusividade de propositura (em matria de legislativas), mas

    tambm se verificarmos o crescimento exponencial do fenmeno abstencionista.

    III

    evidente que h em tudo isto uma varivel que hoje decisiva em poltica: a

    comunicao e os seus suportes. Acabou o tempo em que a poltica funcionava sobre-

    tudo a partir da sua componente orgnica. Como se viu nestas eleies, a dominante

    a varivel comunicacional. E os partidos tm de compreender isto. Ou seja, no podero

    continuar a funcionar centrados nas suas estruturas orgnicas, resistentes a uma cada

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    vez mais necessria e progressiva permeabilidade orgnica e comunicacional com a so-

    ciedade civil. por isso que se torna urgente introduzir primrias nas eleies internas

    dos grandes partidos para que estes possam no s incorporar, mas tambm traduzir

    politicamente os reais movimentos polticos que esto a emergir rompendo, assim, etpour cause, com a lgica asfixiante das bolsas de quotas ,especialmente a partir da-

    quelas novas formas de comunicao que se exprimem na Rede e que j esto a produ-

    zir novos tipos de vnculos orgnicos, resultantes da partilha simblica de diferenciados

    e autnomos universos comunicacionais. No por acaso que estes universos se cha-

    mam redes sociais.

    IV

    So muitos os problemas com que se defronta a poltica, hoje. A comear pelos

    efeitos da globalizao e pela crescente dependncia dos Estados-Nao em relao aos

    fluxos globais, por exemplo, os fluxos financeiros. A um ponto tal que a interdependn-

    cia se pode converter em confiscao de soberania, como se est a ver. Por outro lado,

    parece que a poltica ainda no saiu do velho paradigma orgnico, convertendo-se ape-

    nas lgica comunicacional na ptica da velha comunicao instrumental, da comuni-

    cao de massas e do spinnning.

    No compreende, assim, que o novo paradigma j est em condies de gerar

    novos fenmenos polticos que so resistentes s velhas categorias. A recente campa-

    nha presidencial constituiu, neste sentido, um exemplo extremamente rico. Mas j a

    derrota do Partido Popular espanhol em 2004 fora, disso, um sinal muito expressivo

    (neste caso, a Rede era a mvel).

    V

    No vivemos, portanto, deste ponto de vista, tempos gloriosos. Mas a verdade

    que, para ter confiana no futuro, necessrio ler, com boas chaves descodificadoras e

    crticas, os tempos que vivemos, porque, de outro modo, nunca ser possvel sair das

    crescentes dificuldades que esto a surgir, mesmo nas democracias mais consolidadas.

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    A Classe Poltica

    Tendo decorrido as eleies de Junho, com uma vitria expressiva do centro-

    direita, que viria a formar Governo, liderado por Pedro Passos Coelho, e tendo o PS

    eleito o seu novo Secretrio-Geral, Antnio Jos Seguro, vale a pena, sobretudo nos

    tempos que correm, reflectir seriamente sobre os mecanismos de gestao da chamada

    classe polticaem ambiente democrtico, sendo certo que os partidos, que detm a

    exclusividade de propositura nas eleies legislativas, so a parte mais relevante de um

    processo onde, e em via no muito subalterna, os media tambm j desempenham uma

    funo essencial.

    I

    E a verdade que, no meu modesto entendimento, j no possvel disfarar

    que Portugal comea a ter um problema que se chama classe poltica. Um problema

    que certamente tem origem estrutural, por um lado, no facto de qualquer cidado,

    quaisquer que sejam as suas competncias certificadas, poder aceder, sem restries (a

    no ser as que a lei prev), aos mais altos cargos pblicos de origem electiva e este

    o aspecto positivo, j que corresponde a uma conquista civilizacional e, por outro, no

    processo de seleco e de legitimao interna da prpria classe polticae este o

    aspecto mais problemtico, j que resulta da degradao de um sistema que exibe cada

    vez mais uma manifesta incapacidade de se adaptar s mudanas em curso. Processo

    este que, no essencial, est concentrado nos partidos, sendo certo que ele j se deslocou

    tambm para o interior do establishmentmeditico, com toda a capacidade que estetem de promover publicamente uns e de silenciar outros, com efeitos directos e decisi-

    vos no prprio processo orgnico interno de escolha partidria dos dirigentes, sobre-

    tudo nos grandes partidos (os Catch all Parties).

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    II

    O que, entretanto, sabemos que, em tempos mais recuados, mesmo quando o

    processo de laicizao integralda poltica j estava consolidado, os dirigentes eram

    normalmente personagens com peso especfico reconhecido na sociedade, pelas mais

    variadas razes, ou com provas dadas profissionalmente. As chamadas elites, num am-

    biente que, de algum modo, ainda incorporava a tradio liberal. Ora, o aprofunda-

    mento da laicizao integralda poltica combinada com a passagem da fase orgnica

    para a fase comunicacional e com a personalizao extrema da poltica os mecanismos

    de seleco e de filtragem orgnica deixaram de obedecer quelas exigncias sociais

    que se revelavam decisivas para uma gesto competente e eticamente sustentada do

    complexo e delicado mecanismo democrtico. que, ao contrrio do que muitos pen-

    sam, a democracia precisa, para sobreviver e justamente porque todos podem aceder

    livremente a este patamar de uma criteriosa e difcil seleco do pessoal dirigente, no

    s do ponto de vista das competncias necessrias para compreender as exigncias da

    gesto poltica do interesse pblico, mas tambm do ponto de vista da solidez tica dos

    protagonistas.

    III

    Mas a questo da qualidade tem muito, ou tudo, a ver com a gestao da prpria

    classe poltica. Gestao que, a meu ver, rene todos os ingredientes para que os resul-

    tados sejam os piores possveis. O mecanismo, de resto, conhecido: a seleco e a

    legitimao do poder interno est assente em pacotes de quotas e em universos electi-vos muito limitados (por exemplo, a um universo equivalente a cerca de

    160.000/170.000 eleitores/votantes pode muito bem corresponder, num universo par-

    tidrio, um conjunto de cerca de 350 eleitores-militantes efectivos que decide, de facto,

    por exemplo, a liderana de uma concelhia que pode vir a exprimir um candidato a de-

    putado em lugar elegvel na respectiva lista), mas que, depois, tm uma traduo interna

    to valiosa que podem resultar em acesso automtico a candidaturas ao Parlamento ou

    em lugares de relevo na Administrao. Depois, a evoluo do sistema para a dominante

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    comunicacional veio concentrar o processo de gestao da classe poltica na interaco

    mediapoltica, colocando nas mos do establishmentmeditico uma parte consistente

    da seleco e da promoo da classe poltica, ao mesmo tempo que ia deixando o pro-

    cesso orgnico difuso de seleco e promoo de dirigentes nas mos de apparatchikscada vez menos qualificados. Acresce, depois, que a fortssima personalizao da pol-

    tica, muito centrada na figura do lder, ainda enfraquece mais a componente orgnica

    do sistema, no s pela concentrao de poder que tende a produzir-se, mas tambm

    pela correspondente desvalorizao de todas as outras instncias de poder interm-

    dias que, uma vez desvalorizadas, acabam por ser objecto fcil de assalto por parte dos

    menos qualificados social e politicamente.

    IV

    Isto , se, por um lado, o processo de gestao da classe poltica tende a deslo-

    car-se progressivamente dos partidos para os media, com todas as consequncias que

    isso implica, por outro, o processo orgnico de gestao desvalorizado, ao mesmo

    tempo que, por isso mesmo, passa a ser presa fcil de todos aqueles que vm na poltica

    um meio fcil e rpido de afirmao social. Se verdade que a lenta passagem estrutural

    da fase orgnica da poltica para a fase comunicacional produz fortes efeitos disruptivos

    sobre um sistema que continua a assentar nas estruturas clssicas, tambm verdade

    que neste movimento a velha retaguarda deixa de estar no centro das preocupaes

    dos principais protagonistas, abrindo assim caminho afirmao do que de pior tm os

    aparelhos partidrios. J aqui tenho proposto, a ttulo meramente exemplificativo, uma

    soluo de compromisso que poder ajudar a resolver no tudo, mas uma parte dos

    problemas estruturais que esto a minar a credibilidade dos partidos. Trata-se da intro-

    duo generalizada de primrias abertas, como, de resto, j acontece em inmeras de-

    mocracias ocidentais. Quanto questo dos media, as solues sero certamente mais

    complexas, ainda que hoje se disponha j de um sistema que poder ajudar muito, ou

    seja, da Rede.

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    Arquitectos, Engenheiros e Obras de Arte

    Existe uma disposio legal (DL26/2010, de 30.03) que obriga a que constru-

    es ou reconstrues de simples edifcios particulares exibam publicamente em mate-

    rial imperecvel o nome dos directores das obras. O que me impressionou, nos termos

    do artigo 61 do referido DL, foi a qualificao do material: imperecvel. Talvez mais do

    que a exigncia de todos os edifcios deste Pas passarem a ter uma autoria pblica e

    perenemente exposta. Ao que me dizem, antes, o dever de exposio referia-se aos au-

    tores dos projectos. O que era mais interessante para uma boa discusso. Agora, com o

    nome dos directores de obra, a discusso deixa de ser to interessante para passar a ser

    quase absurda, tratando-se de uma responsabilidade de natureza puramente funcional

    e tcnica. Mais interessante seria discutir os direitos de autor e a exigncia de exibio

    pblica e perene da autoria. Como acontece nas obras de arte. Um quadro exibe para

    todo o sempre o nome do autor. E vale consoante a assinatura. Esta exigncia legal, por

    isso, dizem alguns, encontra justificao semelhante destas obras de arte. Um edifcio

    , afinal, a materializao de uma ideia com pretenses no s funcionais ou instrumen-

    tais, mas tambm estticas. Afinal, no foi sempre a arquitectura uma arte com elevado

    direito de cidadania?

    Para quem, como eu, viveu dez anos em Roma, bem sabe que em certas cidades

    se pode respirar quase ao ritmo da intensa beleza arquitectnica que nos surpreende

    ao virar de cada esquina. Claro! Sabe-se a autoria de cada pea arquitectnica: Miche-

    langelo, Bernini ou Borromini. Mas tambm Renzo Piano, por exemplo, com o Parque

    da Msica. Para no falar das grandes obras da Roma antiga, embora sejam mais conhe-

    cidas pelo nome dos imperadores do que pelo dos seus projectistas e construtores. Co-

    nhece-se a autoria mesmo que l no esteja inscrita. Claro, ningum tem dvidas acerca

    da natureza desta arte fantstica. Mas a questo que se pe a de saber se tudo o que

    produzido no mbito da arquitectura arte.

    Se um arquitecto, s pelo facto de o ser, um artista. Tal como se pe a questo

    de saber se um professor de filosofia , s por isso, um filsofo. Claro, pode no ser um

    artista, mas seguramente um autor, com direitos garantidos. certo que muitos vm

    este dispositivo legal sobretudo como uma exigncia de transparncia e de responsabi-lidade. Projectos excessivos, bons ou maus, pelos quais tm de ser responsabilizados os

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    seus autores. Diria mais: para o bem e para o mal. Outros vem-no como um direito

    justa publicitao de uma autoria. Como se v, h muito por onde abordar esta questo.

    Ora, o meu ponto este: sendo certo que o direito de autoria , pelo menos para mim,

    sagrado, faz sentido, no plano das construes domsticas privadas, individuais, ondematerialmente a autoria resulta de um complexo processo de partilha de exigncias,

    gostos e idiossincrasias, fixar legalmente a obrigatoriedade de pblica exibio da auto-

    ria e da responsabilidade formal, de forma perene? E, ainda mais, quando nem sequer

    se trata de uma autoria de projecto? E porque no as autorias do pedreiro-chefe ou do

    carpinteiro-chefe? Esta perenidade, de que fala a lei, no ir levantar problemas no fu-

    turo quando o proprietrio decidir alterar parcialmente o edifcio, contratando outro

    director de obra? Ter o proprietrio de pedir autorizao ao antigo director da obra?

    Poder remover livremente o seu nome? Assim sendo, por que razo os materi-

    ais devem ser imperecveis? Acrescenta-lhe o nome do novo? E o nome do proprietrio,

    enquanto interveniente fundamental no processo, uma vez que ele que define as fun-

    cionalidades, que escolhe os materiais, que comunica a sua ideia ao projectista, negoci-

    ando permanentemente o processo, j que ele que paga integralmente a obra? Neste

    tipo de obras do que se trata mais de um processo de partilha do que da projeco de

    uma livre subjectividade criativa! Tambm por isto, esta exigncia no colide com o di-

    reito de propriedade privada e com os prprios direitos decorrentes da retribuio fi-

    nanceira pela prestao dos servios pelo director de obra? E se o argumento for a pu-

    blicitao de uma responsabilidade, ento qual a funo da entidade fiscalizadora p-

    blica e que valor tm as normas que permitem o controlo pelo cidado comum (e desig-

    nadamente pela imprensa) dos processos administrativos tutelados pelas cmaras? E se

    o argumento for o da autoria, no legtimo perguntar tambm se todos os edifcios

    so obras de arte? O que me parece que este dispositivo legal condensa em si, nos

    termos em que est formulado, mais um dos vcios do politicamente correcto! E o que

    seria interessante era saber quantos edifcios j exibem o nome dos directores de obra.

    E, j agora, o dos projectistas. De forma perene, e no para o dia em que l for a fiscali-

    zao!

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    As LegislativasPoltica e Cidadania

    (Artigo meu, publicado hoje, 28.08.15, no SOL)

    Confrontamo-nos hoje com uma opo poltica exigente e muito relevante: es-

    colher o prximo Parlamento e, decorrendo da (princpio da maioria), o prximo go-

    verno. Sabemos que a oferta poltica apresentada aos eleitores em pacote fechado.

    Os partidos propem os candidatos e os cidados escolhem dentre o que oferecido. O

    poder de propositura exclusivo dos partidos. Que so muitos, embora s trs contem

    para a soluo governativa. At que se verifique uma profunda mudana no sistema de

    partidos que corresponda aos novos meios de que a cidadania dispe, no s para co-

    municar, mas agora tambm para se protagonizar politicamente, sem a velha mediao

    de tipo orgnico. Entretanto, os principais partidos tm-se mantido inflexveis, resis-

    tindo mudana. Mas o sistema j no responde aos desafios. Ou seja, a cidadania fica

    diminuda quando a oferta poltica decidida em circuito fechado e com critrios e ins-

    trumentos de seleco inadequados.

    Imperam bolsas de quotas, relaes familiares, lgicas territoriais e de grupo, e

    em circuito blindado. Por exemplo, a fractura exposta que se verifica no PS entre o an-

    terior grupo dirigente e o actual claro sinal disso. Ao fechamento de um corresponde,

    agora, o fechamento de outro. E esta lgica e os critrios que referi j transbordou

    para as listas de candidatos a deputados e para as presidenciais. O mecanismo que levou

    o actual Secretrio-Geral ao poder no foi o mesmo que gerou as candidaturas a depu-

    tados ou as candidaturas Presidncia (vide USA). Mas este mecanismo, parte da ne-

    cessria mudana, tornou-se incontornvel: primrias abertas. Mecanismo de seleco

    mais amigo da cidadania permite dois ganhos: superao da lgica corporativo-nepo-

    tista e abertura a um maior protagonismo poltico da sociedade civil. Isto sem menorizar

    os partidos. Pelo contrrio, at ajuda a metabolizar, com vantagem, a mudana evitando

    perigosas disrupes!

    At a prudente Inglaterra j est a seguir este caminho, pela mo dos trabalhis-

    tas! Ora, em Outubro ainda seremos chamados a votar em candidatos gerados por uma

    lgica que se est a revelar inadequada e sem futuro. E as dificuldades do Pas (emprego,banca, dvida pblica, ensino, etc.) no so alheias a esta grave insuficincia do sistema

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    poltico. A cidadania activa deveria, pois, nestas eleies, confrontar as formaes pol-

    ticas com um futuro que j tarda, ou seja, com um profundo repensamento e uma drs-

    tica converso da poltica.

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    Estou a pensar no debate entre Passos Coelho e Antnio Costa

    9 de Setembro de 2015

    No me parece interessante o modelo adoptado. Tem muita audincia, com re-

    des unificadas, mas pouco esclarecedor. Jornalistas a mais e discurso a menos!

    1. Os jornalistas pareciam mais preocupados com os tempos do que com os discur-

    sos e os contedos. A forma a matar o contedo! E um certo tom sobranceiro,

    como vem sendo habitual!

    2. Tratando-se de dois candidatos ao cargo de Primeiro-Ministro, deveria ser-lhes

    dada maior liberdade de discurso para um confronto mais intenso! O tempo que

    lhes foi concedido adequado somente para frmulas retricas ou soundbites.

    Que s servem para esconder o verdadeiro discurso, no esclarecendo o que in-

    teressa.

    3. Interessantes os seis minutos de publicidade que interromperam um debate

    desta dimenso Ficou a impresso de que a preocupao com os tempos tinha

    mais a ver com a publicidade do que com o rigor na distribuio do tempo! Bem

    sei que as televises tm de ganhar a vida, mas em casos destes at parece opor-

    tunismo comercial disfarado de servio pblico!

    4. Os tempos, afinal, no estavam s distribudos pelos candidatos, mas tambm

    pelos jornalistas! As televises e os jornalistas tambm estavam em exibio!

    Tambm neles os tempos se sobrepuseram aos discursos!

    5. Um bom e preparado jornalista teria valido mais do que trs televises e trs

    jornalistas!

    6.

    O espectador ficou pouco esclarecido.

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    7. Houve duas dimenses no debate: a visual e a discursiva. Na visual, Passos, con-

    seguiu deixar passar a imagem do bom rapaz, bem comportado, sereno, hu-

    milde. Na discursiva, Costa foi mais incisivo. Um jogou mais defensiva; o outro

    atacou mais e com alguma eficcia.

    8. Interessante a frmula de Costa: prometo pouco para no errar e para poder

    fazer mais do que prometo!

    9. No creio que o debate tenha alterado grande coisa.

    10.

    Mais uma vez, irritou-me a publicidade e as habituais intervenes intempestivas

    dos jornalistas!

    11.Teria sido interessante se os dois tivessem discutido a fundo o Estado Social (em

    particular a questo da reforma), o modelo de desenvolvimento, a filosofia fiscal,

    o sistema poltico, ideias sobre as profundas mudanas estruturais em curso, o

    papel da cincia e da tecnologia no desenvolvimento, uma ideia estratgica para

    Portugal. Nada. No houve tempo nem espao para tal.

    12.O debate poltico est muito dbil e reduzido a cardpios com medidas avulsas,

    sem o enquadramento de uma filosofia de fundo sobre a sociedade, o ser hu-

    mano e a vida, donde devero decorrer os programas.

    13.Sei bem em quem vou votar, mas se no soubesse no me teria bastado este

    debate.

    14.Do ponto de vista discursivo Antnio Costa pareceu-me, de facto, mais eficaz do

    que Passos Coelho, que esteve muito apagado. No tero os estrategas deste

    ltimo decidido que o que conta em televiso a imagem e que a figura do bom

    e humilde rapaz televisivamente muito mais eficaz do que discursos mais ou

    menos agressivos?

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    15.No era o conservador Karl Rove (spin doctorde Bush) que falava da televiso

    para surdoscomo a televiso mais eficaz, dado o domnio da imagem sobre a

    palavra?

    16.Suspeito que o ar apagado de Passos tenha sido ditado por uma estratgia deste

    tipo! At a roupa parece confirmar isso. No me esqueo que o Berlusconi usava,

    em televiso, filtros especiais para tornar a sua imagem mais suave!

    17.Portugus suave!

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    Notas Soltas de Fim-de-Semana

    23 de Agosto de 2015

    1. Presidenciais:

    Marcelo j mandou dizer que se vai candidatar. Maria de Belm est a fazer es-

    cola? No tarda, vamos t-lo a dizer que depois das eleies anuncia formalmente a

    candidatura? Rio que avance em Setembro e Marcelo que, a seguir, se contradiga, jun-

    tando-se a Rio como candidato! Afinal no assim to mau para a direita ter vrios

    candidatos! S falta mesmo Santana, para baralhar. Mas no tinha uma auditoria l na

    Santa Casa? E o incontornvel Alberto Joo tambm se apresentar? Que diro os cu-

    banos do Continente sua candidatura? Ou a ambio suprema: o colonizado que as-

    pira a tornar-se colonizador! O Expressod-nos a lista de candidatos Presidncia.

    Teremos mesmo 18 (dezoito) candidatos? No so candidatos a mais para uma s Pre-

    sidncia? Ou j pegou a moda de se candidatar para ter tempo de antena gratuito? Jul-

    gava eu que a patente era do escritrio de advogados do Dr. Garcia Pereira!

    2. Legislativas:

    O mesmo jornal tambm nos d uma lista dos Partidos que vo s eleies: 20.

    Ainda dizem que Portugal um Pas pequeno! Quando h em excesso peca-se por de-

    feito! Juntem-se todos e faam um Podemos, para o bem e para o mal! Talvez assim

    se possa comear a dizer dos partidos do sistema eppur si muovono.

    3. Antnio Costa:

    Gostei da entrevista de Antnio Costa ao SOL(21.08). Mais solto e claro. Mas

    h algumas coisas que poderia ter dito e no disse e outras que disse e que no devia

    ter dito. Exemplos das que no disse (e de uma que disse, e bem; as outras no interes-

    sam):

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    a) Sobre a Esquerda e a Felicidade. A ideia de felicidade no igual para a esquerda

    e para a direita. A direita tende a remet-la exclusivamente para a esfera privada.

    A esquerda remete-a para a esfera social. Que foi o plano em que a Declarao

    de Independncia dos USA, de 1776, a ps: We hold these Truths to be self-evident, that all Men are created equal, that they are endowed by their Creator

    with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty, and the Pur-

    suit of Happiness. Assim:that whenever any Form of Government becomes

    destructive of these ends, it is the Right of the People to alter or to abolish it, and

    to institute new Government, laying its foundation on such principles and organ-

    izing its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their

    Safety and Happiness. Ou o governo como garante da segurana e da felicidade.

    A felicidade exprime-se na esfera individual, mas gera-se em contexto comuni-

    trio.

    claro que h pessoas pobres felizes e pessoas ricas infelizes, mas num Pas com

    condies de generalizada desigualdade e de pobreza o nmero de pessoas felizes

    tendencialmente inferior. Bem sei que a felicidade um estado de esprito (eu sou feliz

    assim!), mas esse mesmo estado de esprito no independente das condies mate-

    riais de existncia. Uma me pode ser feliz se no puder dar instruo ao seu filho ou se

    no puder cuidar da sua sade? A felicidade tem uma expresso comunitria! O ambi-

    ente social pode provocar um imenso rudo na predisposio para a felicidade e no de-

    sejo dela. Pode impedi-la. Disso no h dvidas, apesar de a dimenso subjectiva e inte-

    rior ser o seu mais poderoso motor. Mas remet-la exclusivamente para o plano subjec-

    tivo e privado desvitaliz-la, reconduzindo-a a uma dimenso quase exclusivamente

    onrica!

    b) Sobre o Optimismo. Bem poderia ter citado o que atribudo ao Gramsciopti-

    mismo da vontade, mas pessimismo da razo.

    c) Sobre O Ser Humano. Se no erro foi o Joseph de Mastre (Considrations sur la

    France, 1797), que disse que o homem no existe. Que o que h so franceses,italianos, russos; e que quanto ao homem declarou que nunca o encontrou na

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    sua vida. Agora o AC que diz que no h ser humano. Depende. No plano social

    existe, se no nem seria possvel desenvolver uma narrativa poltica. Os filsofos

    tambm o distinguem da animalitas. H constantes e universais na natureza

    humana! Basta ler os grandes escritores de sempre para encontrar os registosem que esta natureza humana se exprime: o amor, o dio, a vontade de poder,

    o sonho, a vaidade, a ambio, o desejo, a felicidade. So registos intemporais e

    esto l no ser humano, embora em equilbrios variados. Sempre vi a resistncia

    da esquerda ideia de natureza humana como afirmao do princpio da von-

    tade e como optimismo antropolgico, avessos ao imprio da necessidade e

    fora do destino.

    d) A Prioridade da Liberdade sobre a igualdade. Tambm poderia dizer o contrrio:

    sem igualdade (por exemplo perante a lei, ou de condio, ou de oportunidades)

    no possvel haver liberdade. Basta pensar na ideia de liberdade natural. De

    resto, a igualdade perante a lei foi criada exactamente para superar a liberdade

    natural e a lei do mais forte. Ou seja, a liberdade dos modernos tem um pressu-

    posto incontornvel: a igualdade. Eu diria, pois, o contrrio: sem igualdade no

    h liberdade. At o liberal Tocqueville o reconheceu. De resto, a igualdade pe-

    rante a lei, includa a igualdade poltica, onde todos e cada um se equivalem, no

    um dos princpios fundamentais da democracia e do estado de direito?

    e) Sobre Maria de Belm. Disse hoje de manh que ia fazer uma declarao

    tarde. Eu no diria melhor.

    f) Mariana Mortgua ao Expresso.

    Sa como entrei. Bloco. O mesmo de sempre, com uma linguagem relativamente

    moderada e cautelosa. Mas fixei um pormenor de que gostei. J ningum fala de hege-

    monia. Mariana falou. Resta saber em que sentido. No de Gramsci?

  • 7/25/2019 Joo Almeida Santos

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    O Labour e o Fenmeno Corbyn: Desforra das Trade Unions?

    14 de Agosto de 2015

    O Facebook pergunta-me: em que ests a pensar? E eu respondo: em mais um

    fenmeno poltico muito reveladorJeremy Corbyn.

    Corbyn tem 66 anos e candidato liderana do Labour. deputado h cerca de

    trinta anos. Pertence ala ortodoxa e anti-Blair. Usa sempre o plural majesttico (onde

    que eu j vi isto?) e republicano. O que interessa so as ideias, no as pessoas con-

    cretas (isto tambm interessante, para uma discusso sobre o estruturalismo). Tem

    bicicleta, mas no tem carro (provavelmente nunca tirou a cartamatria tambm po-

    liticamente muito interessante). Est frente nas sondagens, no processo que se inicia

    formalmente amanh, 14.08.2015, para a eleio do lder que substituir Ed Miliband

    primrias abertas (basta pagar trs libras para votar). Blair acaba de fazer um apelo

    muito forte (num longo texto, publicado em The Guardian) a no votar em Corbyn,

    dizendo que poder ser o fim de um partido com mais de cem anos: If Jeremy Corbyn

    becomes leader it wont be a defeat like 1983 or 2015 at the next election. It will mean

    rout, possibly annihilation. claro que tambm em Inglaterra j h quem diga que os

    conservadores vo votar em massa em Corbyn, o que um disparate, apesar de haver

    organizaes que, pela sua dimenso, possam vir a fazer a diferena.

    O prprio Blair alude a isso (e se o diz porque, com a sua histria, algo saber).

    Quem consultar o Site de Corbyn verifica que h dois temas em que se empenha com

    particular intensidade: ambiente e juventude. Mas diz coisas mais impressivas para a

    opinio pblica:

    1. Blair deveria responder pela sua participao na guerra do Iraque (e j agora

    denunciar a velha aliana anglo-americana!);

    2. A famosa Clusula IV, inscrita no carto dos militantes trabalhistas, retirada por

    Blair (com alguma dificuldade, como se l nas suas Memrias), e que postulava

  • 7/25/2019 Joo Almeida Santos

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    a socializao dos meios de produo e de distribuio (!), deve ser reposta

    (embora talvez em termos mais moderados);

    3. Fim da austeridade (pois claro);

    4. Devoluo do poder s massas, subtraindo-o ao abrao claustrofbico das eli-

    tes (pois claro, tambm);

    5. Voto aos dezasseis anos;

    6. (No) permanecer na UE, ou talvez (correco posterior), mas numa UE dife-

    rente.

    J temos que chegue. Tudo o que acabo de descrever daria para fazer um ensaio

    sobre Corbyn. Ele representa a desforra dos sindicatos? Ou a desforra dos radicais? Ou

    o regresso, em fora, da velha social-democracia? Mas, ento por que razo est a ter

    tanto sucesso? Porque diz coisas muito de esquerda a partir de um lugar que cada vez

    mais de centro (exigido pela dimenso da middle class)? O exemplo eleitoral do Syriza

    para seguir, sem pensar nas consequncias? Ou a desagregao do tradicional sistema

    de partidos j est a acontecer no interior dos prprios partidos pilares do sistema? A

    forte presena do target jovem no eleitorado de Corbyn no ser sinal de fora poltica

    da rede? Por que razo pe no seu programa o voto aos dezasseis anos? A novidade e a

    fora do fenmeno reside, no meu entendimento, no facto de este radicalismo algo or-

    todoxo ser afirmado a partir de um lugar poltico (aquele onde hoje reside o Labour) que

    aparentemente (j) no lhe pertence.

    neste desvio entre identidade e discurso que parece residir o fascnio da pro-

    posta. E parece ser algo parecido com isto que Blair significa quando afirma que there

    is something fascinating about watching a party wrestle with its soul. Um discurso, o

    de Corbyn, que colhe frutos no descrdito de uma classe poltica que, por um lado, no

    tem sabido lidar com a crise e que, por outro, tem colocado a sua identidade de es-

    querda mais em temas civilizacionais fracturantes, envolvidos por uma linguagem poli-

    ticamente correcta, do que em matrias estruturais que, essas sim, tocando de perto a

  • 7/25/2019 Joo Almeida Santos

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    vida quotidiana de milhes de pessoas, no tm encontrado solues altura dos desa-

    fios. E parece ser tambm nesta lgica do back to the basicsque se inscreve o desafio

    de Jeremy Corbyn.

  • 7/25/2019 Joo Almeida Santos

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    De novo as Presidenciais (que me perdoe Antnio Costa!)

    11 de Agosto de 2015

    Agora j oficial. Saiu em todos os telejornais que Maria de Belm ser Candi-

    data. No houve desmentido. Apenas foi dito que o anncio formal ser depois das elei-

    es! Nem mais. Puro formalismo, mas com muito contedo, como se ver frente.

    Mais um problema para Antnio Costa. Passmos frente da direita em problemas pre-

    sidenciais. A estratgia de Antnio Costa, com a candidatura de Belm a Belm, est

    posta em causa. Em poltica, o formalismo conta pouco. Mas pode dizer muito. O PS

    poder apoiar quem rompeu com a estratgia do partido, sendo, ainda por cima, porta-

    dor(a) da responsabilidade de ter sido Presidente do Partido? Um independente, ainda

    v que no v! Mas uma ex-Presidente? Est aberta uma frente de combate interno!

    Maria de Belm talvez tenha sido prematuramente Presidente do PS, visto que acabou

    por descer ao patamar do combate poltico interno, frontalmente e em perodo de elei-

    es! Fez exactamente o contrrio daquilo que era expectvel de algum que teve no

    PS as altas responsabilidades que teve... E pela mo de Antnio Jos Seguro. A candida-

    tar-se deveria faz-lo depois das eleies!

    Ento, a Antnio Costa provavelmente nada mais restar do que assumir fron-

    talmente as coisas tal como esto e retirar da todas as consequncias. Agora. que se

    o PS perder as eleies (cruzes, canhoto!) Maria de Belm e os seus inspiradores ficam

    na pole positionpara a liderana. Se ganhar, Antnio Costa deve afirmar sem tibiezas (e

    j vimos que capaz disso) que no aceita imposies, que ele quem lidera e que

    apoiar o candidato melhor posicionado para vencer as presidenciais, para fazer pontes

    e que melhor exprima aquela que a mundividncia consensual dos socialistas. Sem

    fracturas internas. E jogos de poder, sobretudo em perodos como este. E at pode ser

    um independente que seja bem aceite no universo do PS. O que no acontece com

    Nvoa. Eu creio mesmo que Nvoa e Belm se anulam reciprocamente. Que dividem

    mais do que unem. E, no caso de Maria de Belm, algum poderia lembrar- se de per-

    guntar a Costa, se a apoiasse: mas se no serviu para Presidente do PS agora j serve

    para Presi