joÃo adriano silva crÔnica e cotidiano : jornalismo...

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JOÃO ADRIANO SILVA CRÔNICA E COTIDIANO : JORNALISMO OU LITERATURA ? Uma abordagem da obra de Gonzaga Rodrigues Dissertação apresentada a Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, em cumprimento dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Literatura e Interculturalidade, área de pesquisa Literatura e Mídia Orientador: Prof. Dr. Alfredo Cordiviola CAMPINA GRANDE 2008

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JOÃO ADRIANO SILVA

CRÔNICA E COTIDIANO :

JORNALISMO OU LITERATURA ?

Uma abordagem da obra de Gonzaga Rodrigues

Dissertação apresentada a Universidade Estadual da

Paraíba – UEPB, em cumprimento dos requisitos

necessários para a obtenção do grau de Mestre em

Literatura e Interculturalidade, área de pesquisa

Literatura e Mídia

Orientador: Prof. Dr. Alfredo Cordiviola

CAMPINA GRANDE

2008

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F ICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL – UEPB

S586c Silva, João Adriano.

Crônica e cotidiano [manuscrito] : jornalismo ou literatura? uma abordagem da obra de Gonzaga Rodrigues / João Adriano Silva. – 2008.

107 f.

Digitado. Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual da Paraíba, Centro de Educação, 2008. “Orientação: Prof. Dr. Alfredo Cordiviola, Departamento de Letras e Artes”.

1. Mídia. 2. Cotidiano. 3. Gênero. I. Título.

21. ed. CDD 302.23

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JOÃO ADRIANO SILVA

CRÔNICA E COTIDIANO :

JORNALISMO OU LITERATURA ?

Uma abordagem da obra de Gonzaga Rodrigues

Dissertação apresentada a Universidade Estadual da

Paraíba – UEPB, em cumprimento dos requisitos

necessários para a obtenção do grau de Mestre em

Literatura e Interculturalidade, área de pesquisa Literatura

e Mídia

Aprovada em:___de________________de______

COMISSÃO EXAMINADORA

__________________________

Prof. Dr. Alfredo Cordiviola

(Orientador - UFPE)

__________________________

Prof. Dr. Luciano Justino

(UEPB)

____________________________

Prof. Dr. Luis Antonio Mousinho Magalhães

(UFPB)

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho realizado com muita

luta, a Deus, a minha mãe (in memorian) ao

Dr. Clócio Beltrão de Albuquerque, prof. Dr.

Wellington Pereira, prof. Dr. Carlos Azevedo

e ao Vigário Geral da Diocese de Campina

Grande, Pe. Márcio Henrique Mendes

Fernandes.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pela perseverança a mim concedida.

A minha mãe (in memorian), por sua luta incansável em tornar-me um cidadão.

A Mara, pelo apoio e pela compreensão da distância.

A minha filha, Anna Theodora, meu maior presente.

A minha irmã e mãe, Rose.

Ao meu grande amigo e irmão, Pe. Márcio Henrique.

Agradeço ao prof. Dr. Alfredo Cordiviola, neste gratificante encontro entre

orientador e orientando. Ao prof. Dr. Luciano Justino, prof. Dr. Luiz Mousinho,

Prof. Antonio de Pádua e a Roberto (Secretário do MLI) por suas valiosas

contribuições neste trabalho.

Agradeço a dádiva da vida, como a maior oportunidade que temos em

transformar os sonhos em projetos concretos.

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EPÍGRAFE

QUEM DEIXA PRA DEPOIS O QUE PODE FAZER LOGO, PERDE O QUE

NUNCA MAIS ENCONTRA: O TEMPO.

(COELHO NETO)

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RESUMO O cotidiano nas crônicas de Gonzaga Rodrigues se faz como uma ferramenta

de percepção produtora de sentidos em seu trabalho. É no cotidiano que as

crônicas, enquanto literatura encontra espaço pelo viés jornalístico, este é o

formato incipiente de suas origens midiáticas. A questão de conceituação,

gêneros, e suas diferenças, se degladiam, permanecendo em foco uma ruptura

que resulta num formato de texto híbrido. O meio social onde se confrontam as

crônicas de Gonzaga Rodrigues tem sua vertente pela imanência da memória,

imaginário e identidade, que estimulam o “campo” como um estado de

regressão à infância. Outro aspecto fundamenta-se na “cidade”, lugar de sua

maturidade profissional, este confronto diário de captação da realidade pelo

processo do factual e do discurso na produção do autor e leitor, como

resultante de um terceiro elemento, o interpretativo.

Palavras chaves: cotidiano, mídia, gênero, percepção e sentido.

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RESUMEN

Lo cotidiano en las crónicas de Gonzaga Rodrigues se torna una herramienta

de percepción productora de sentidos en su trabajo. Es en lo cotidiano que las

crónicas, como literatura, encuentran espacio por el lado periodístico, este es el

formato incipiente de sus orígenes midiáticos. Las cuestiones de

conceptualización, géneros, y sus diferencias, se confrontan, permaneciendo

en foco una ruptura que resulta en un formato de texto híbrido. El medio social

donde se confrontan las crónicas de Gonzaga Rodrigues tiene su vertiente por

la inmanencia de la memoria, imaginario e identidad, que estimulan el “campo”

como un estado de regresión a la infancia. Otro aspecto se fundamenta en la

“ciudad”, lugar de su madurez profesional. Esta tarea diaria de captación de la

realidad mediante el processo de lo factual y del discurso en la producción del

autor y lector, acaba resultando en un tercer elemento, el interpretativo.

Palavras clave: cotidiano, mídia, género, percepción, sentido.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................09

CAPÍTULO I..................................................................................13

CRÔNICA – ORIGENS, CONCEITUAÇÃO E GÊNEROS...........13

1.1Das origens e conceituação.................................................13

1.2 Do gênero – Um discussão teórica.....................................17

CAPÍTULO II................................................................................54

2.1 O MUNDO RURAL DA LITERATURA..................................54

2.2 O campo: memória, imaginário, identidade......................54

CAPÍTULO III..............................................................................81

3.1 O MUNDO URBANO DA LITERATURA..............................81

3.2 Cidade - localismo, autor e leitor:

O exercício das letras........................................................81

CONCLUSÃO...........................................................................100

BIBLIOGRAFIA........................................................................104

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INTRODUÇÃO

Luiz Gonzaga Rodrigues nasceu em 1933 na cidade de Alagoa

Nova, Paraíba. Filho de Manoel Avelino Rodrigues e Antonina Freire

Rodrigues. Começou sua carreira de jornalista em 1951, escrevendo

para os jornais O Norte e A União aos 18 anos de idade. Gonzaga

Rodrigues é jornalista por excelência, que faz da observação dos

costumes, do cotidiano, sua gênese literária. Primando pelo bom uso

da linguagem, fazendo desta ferramenta uma arma essencial para a

construção do seu trabalho.

Tinham-se então os dois principais jornais do Estado:

A União, fundado em 2 de fevereiro de 1893, numa quinta-feira, pelo presidente da província, Álvaro Machado, [...] um dos mais velhos jornais em circulação na Paraíba [...] e o jornal O Norte, com número inaugural lançado a 7 de maio de 1908, por Oscar Soares e Orris Eugênio Soares. (ARAÚJO, 1985 p.255, 274)

O que foi primeiramente publicado nos Jornais O Norte e A

União figuram-se hoje em publicações que renovam a cultura

paraibana em seu tempo-espaço. Temos o corpus da pesquisa: Notas

do meu Lugar (1978); Um Sítio que Anda Comigo (1988); Filipéia e

outras Saudades (1997); Café Alvear – Ponto de Encontro

Perdido(2003).

Todos os livros foram publicados a partir de uma garimpagem

feita nos jornais em data de sua publicação e com os referidos

potenciais históricos documentados nestas publicações diárias. O que

era apenas comportamento do cotidiano, fatos redigidos para

entreter, nos legou para a posteridade relatos dos acontecimentos

dessas épocas.

O autor das crônicas identifica a vida cultural e social do estado

da Paraíba. A dura realidade do nordestino e seus vícios de

linguagem, referente local de sua expressividade explorada em vários

cantos do Estado. Primeiro, vem à questão da máxima

expressividade: a língua.

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Por mais de meio século este cronista/jornalista vem

desenvolvendo um trabalho superior na captação dos acontecimentos

no dia-a-dia. Sua trajetória marca a contextualização entre a

literatura e o campo da mídia, que começava a tomar formas mais

concretas no estado da Paraíba. É a partir desse momento que suas

impressões são registradas nas páginas dos jornais, acompanhando

de perto os acontecimentos que repercutiam de Campina Grande a

João Pessoa.

A prosa marcada pelo teor do passado, em memórias que situam

pontos na história de uma vida pregressa, em que pessoas são

utilizadas na transposição do tempo e passam da vida comum para a

arte.

A escolha deste autor para esta pesquisa tem uma ligação com

dois caminhos que se bifurcam: a literatura e o jornalismo em seus

elementos culturais, sociais, políticos, que se extraem do cotidiano

para a composição de sua obra.

A obra legada por este autor mostra com substancial prova de

elementos que a escrita e o significado nela apresentados discutem a

importância do tempo e sua fixação de atributos dos costumes de um

período em que as pessoas enquanto seres que se relacionam são os

grandes agentes que constituem os mecanismos que ora se

apresentam como jornalismo, ora como literatura. Mas, há acima de

tudo, um registro local da vida de um povo.

Os textos são manifestações de uma sociedade e a busca de

sua afirmação no tempo-espaço, dialogando com sólidas

características da memória e do imaginário quando reporta todo o

contingente interdisciplinar de suas crônicas e marca o teor das

identidades sob o parâmetro histórico local – contexto Paraibano. O

esboço de Gonzaga é de uma sociedade nordestina, seu artefato de

criação é o homem e a mulher que fala no seu tempo.

Temos por objetivos mostrar o universo revelado em seus aspectos mais

distintos: discussão do gênero literário como uma ruptura da escrita, que resulta

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num texto híbrido, em que há a fusão de vários elementos, mais de um tema

abordado nas crônicas; o lugar onde viveram seus conflitos sociais, sua psicologia,

a poética, a ação sofrida pelas personagens. A vida presente em seu localismo

cotidiano, sua função de autor e a interpretação do leitor como resultante de um

terceiro elemento.

O primeiro capítulo busca conceituar o objeto (crônica) e suas origens, sem

um aprofundamento mais apurado, ficando apenas na exposição de suas

características. A crônica é o objeto que se aprecia, e de forma específica, a crônica

de Gonzaga Rodrigues. Por tanto, o conceito, a origem e sua profunda raiz no

jornalismo brasileiro se esclarecem no início da abordagem do assunto.

Continuamos numa discussão teórica mais elaborada sobre a crônica como

gênero literário. Buscamos uma definição do objeto sob a ótica de dois paralelos: o

jornalismo e a literatura. A inserção de muitas crônicas de Gonzaga neste capítulo é

para definirmos que o corpus em questão apresenta um forte hibridismo conceitual

entre as partes literárias e jornalísticas. O autor se utiliza de elementos claros da

literatura, entre eles a subjetividade, o aspecto romanesco, e uma linguagem que

beira a poeticidade em seus textos. Não há a pretensão de interpretar o texto em

si, mas sim, mostrar os elementos utilizados pelo autor para a discussão entre a

crônica como gênero situado entre a literatura ou jornalismo.

No segundo capítulo, apresentou-se a lembrança do campo como

elemento da construção da memória do homem enquanto escritor e

participante ativo no processo de elaboração do seu imaginário e o

aspecto de sua identidade. Nesse momento, já encontramos um

cidadão preparado, seu campo imaginário alude ao princípio de sua

história, de uma profunda melancolia, o que denota certa saudade;

uma busca do indivíduo às suas raízes.

Estamos no limiar de sua visão, de seu conceito, de sua abstração do

momento para dizer as coisas de forma escrita.

Queremos especular sobre as raízes, os sentimentos, as imagens, sua

relação de exploração humano-afetiva com as personagens, e a relação direta da

cultura paraibana na ação do jornalismo impregnado pela literatura.

Gonzaga é um homem do meio rural fascinado pelo meio

urbano, dividido pelas paixões que vão acompanhá-lo durante toda a

trajetória de escritor-jornalista. O rural é a infância, o idílico, e o

urbano é a sua sobrevivência. Introduzido em sua profissão, o

homem contemporâneo encontra no meio urbano o terreno sólido e

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profícuo para a sua discussão. Conectado ao seu tempo, liga-se ao

mundo para extrair sua essência, nisto ele vai degladiar com o

“instante” para marcar a presença volátil do tempo, demarcando a

cultura paraibana em solo específico.

No terceiro capítulo veremos que Gonzaga circula na

assimilação dos valores que interagem no homem biológico. No

homem criador e criatura social. No homem concreto. A

contemporaneidade da obra demonstra um processo de comunicação

interativa, sua forma de abordagem social é relevante e prática. Sua

obra soma um aparelhamento em que não basta olhar para cada

indivíduo de forma isolada, nele, é preciso atentar para algo que está

mais além, o “entre lugar” das pessoas e suas conseqüências. Ele faz

a construção coletiva acontecer em amenidades, pela suavidade do

texto, na inserção do público e do privado. A matéria prima do

conhecimento em que residem as pessoas e seu espaço aleatório de

concisão é a informação. Este quebra-cabeça que hoje tentamos

montar é um mosaico da vida pública e privada, concentrando-se em

sua linguagem a subliminaridade da literatura e a inteireza prática do

jornalismo.

O espaço urbano em suas crônicas faz a aproximação cultural

da sociedade mais visível. A sociedade carrega em si a influência de

mundo, estamos no espaço da modernidade, da razão científica e

tecnológica.

CAPÍTULO I

1.0 CRÔNICA – ORIGENS, CONCEITUAÇÃO E GÊNERO

1.1 – Das origens e conceituação

Em sentido tradicional, crônica é o relato de fatos dispostos em

ordem cronológica, isto é, na ordem de sua sucessão, de seu

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desenvolvimento. Crônica é um gênero literário histórico que se

desenvolveu na Europa, durante a época medieval e renascentista.

Do ponto de vista histórico, salienta Melo que: “... crônica

efetivamente significa narração de fatos como documento histórico

para a posteridade... (MELO, 1985: p.111).

“Nos jornais brasileiros, a crônica vai aparecer com certa

regularidade a partir de 1852, através de Francisco Otaviano em sua

coluna do Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro.” (PEREIRA, 2004 p.

46). “Segundo Afrânio Coutinho, o Jornal do Comércio foi quem

marcou a estréia do gênero no Brasil”[...] (MELO 2003 p.152)

A crônica esboça o apelo que forja o homem em sua rotina. A

crônica implica na observação dos fatos pela aproximação da estética

literária e sua ampliação semântica, quando reporta os significados

entre sociedade, comunicação e escrita. Elas conjugam um limiar do

cotidiano em sua repetição, transformando um único tema numa

variação de assuntos em que se mudam personagens, lugares, mas a

escrita na observância do cotidiano é o teor essencial para a

elaboração de seu conteúdo. Crônicas cultivam o labor da alma

humana e suas sensações. Suas relações entre a objetividade e a

subjetividade demarcam códigos da comunicação entre o real e o

fictício, mas, “A crônica ainda carece de definições: é a dama sem

rosto de nossas letras.” (PEREIRA, 2002 p. 79) As pesquisas

procuram divisar ainda seu lugar no sistema específico da crítica

literária que “[...] Ora se veste nos princípios da teoria literária, ora

usa as máscaras lingüísticas do jornalismo. [...]” (ibidem)

Segundo Aurélio Buarque de Holanda (1986 p.503), crônica é:

Narração histórica, ou de fatos comuns, feitos por ordem cronológica. [...] Texto jornalístico redigido de forma livre e pessoal, e que tem como temas fatos ou idéias da atualidade, de teor artístico, político, esportivo, etc., ou simplesmente relativos a vida cotidiana. [...]

Eduardo Diatahy B. de Menezes, examinando a crônica em seus

princípios, diz que:

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[...] Na sua origem o vocábulo crônica remete ao termo que vem do grego Kronos, tempo; e em latim era dito annu(m), ano, ânua, anais(...) ...No âmbito da narratologia, o que importa assinalar para a sua definição e a temporalidade como atributo que lhe é inerente, conforme sua própria etimologia, o que faz da crônica um gênero narrativo por excelência. Portanto, é essa espécie de elaboração do tempo que legitima a sua pragmática e a sua fortuna sociocultural [...] ela constitui um relato historiográfico; e, mais recentemente, a crônica concebida como texto de imprensa. (MENEZES, 2000 p. 18 – grifo nosso)

O radical da palavra reporta seu significado. Sua designação

traduzida do grego ou do latim já refere-se ao tempo como

constância da assimilação de valores que, transportados do dia-a-dia,

constrói a essência da narrativa, permitindo a livre observância na

criação de textos, legitimando sua conjuntura social em seus mais

variados relatos. Através deste gênero literário é possível captar

elementos construtivos e constitutivos de outras gerações e/ou

civilizações, composta por uma narrativa solta, sem a obrigação de

obedecer a estilos, cada época é sabedora única de sua necessidade.

Mediante um texto evidentemente pessoal – que emana do estilo ou da subjetividade do autor – o cronista trata de comentar a ocorrência de modo a sublinhar-lhe dimensões psicológicas, políticas, culturais, ideológicas ou outras, que escapam normalmente ao observador menos atento. (MENEZES, 2000: p.18)

No Brasil a crônica mantém sua autenticidade como um gênero

sem similar, “[...] tipicamente brasileiro não encontrando equivalente

na produção jornalística de outros países. [...]” (MELO, 2003 p. 148).

Uma aceitação popular importante para a sua legitimação. Nos

jornais brasileiros a crônica sentiu o sabor do sucesso, apresentando

uma variação de temas, muitas vezes abordando mais de um assunto

ao mesmo tempo. A livre presença da denotação em temas que

conjugam a subjetividade, e a conotação, abrindo para as

interpretações de como as coisas seriam ou poderiam acontecer. Um

gênero de intensa mobilidade. No século XIX, José de Alencar,

Machado de Assis, França Junior, Olavo Bilac, João do Rio, João Luso,

Carmem Dolores, contribuíram para fazer do gênero no dizer de

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Antonio Candido, um “produto sui generis do jornalismo literário

brasileiro que ele é até hoje.” (CANDIDO 1992 p. 16)

O cronista concebe sua criação por sua ótica particular, temos

como exemplo o próprio Gonzaga Rodrigues, seus temas são de amor

profundo por sua terra e tudo que diz respeito ao seu lugar de

origem. Analisa a sociedade pelo viés político, social, econômico, e

muitas vezes psicológico. Sabe ironizar e amar excessivamente tudo

o que acredita. O autor, mesmo cometendo erros por seu excesso de

zelo, não tem nenhuma obrigação de se legitimar pelo conhecimento

científico, sua visão é, sobretudo, empírica.

Remontando as origens de uma nação que entrava num período

de pós-colonialismo, a segunda metade do século XIX, quando o

Romantismo buscava firmar a identidade do Brasil, através de seus

romances, a crônica se afastava da história com o avanço da

imprensa e do jornal e tornou-se “folhetim”. João Roberto Faria no

prefácio de Crônicas Escolhidas, de José de Alencar nos explica:

Naquele tempo, a crônica chama-se folhetim e não tinha as características que tem hoje. Era um texto mais longo, publicado geralmente aos domingos no rodapé da primeira página do jornal, e seu primeiro objetivo era comentar e passar em revista fatos da semana, fossem eles alegres ou tristes, sérios ou banais, econômicos ou políticos, sociais ou culturais. O resultado, para dar um exemplo, é que num único folhetim podiam estar, lado a lado, notícias sobre a guerra da Criméia, uma apreciação do espetáculo lírico que acabara de estrear, críticas às especulações na Bolsa e a descrição de um baile no cassino.” (FARIA, 1995, p. 06)

O folhetim fazia parte da estrutura dos jornais (notas de

rodapé), era informativa e/ou de entretenimento. Aos poucos foi se

afastando e se constituindo como gênero literário: a linguagem se

tornou mais leve, mas com uma elaboração interna complexa,

carregando a força da poesia e do humor. O fato da crônica conviver

com o efêmero, propicia uma comunicação reveladora, sensível,

insinuante e despretensiosa. No Brasil, sua feitura, mesmo vindo de

longa data, encontra seu apogeu a partir “[...] de 1930, tendo em

Carlos Drumonnd de Andrade, Rubem Braga, Fernando Sabino e

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Paulo Mendes Campos seus principais cultores. [...].” (MELO, 1985,

p.114).

No Dicionário Etimológico do pesquisador Antenor Nascentes (1995. v. 1, p.144),

[...] a palavra é dada como originária do grego chronikós (relativo ao tempo), e recebida pelo latim chronicu.

Outro importante pesquisador vem confirmar a origem da palavra crônica,

[...] E mesmo que se encontrem, em outros dicionários, a variante do étimo de crônica, nenhuma dessas variantes deixa de radicar-se no sentido original de cronos (tempo). (MOISÉS, 1974, p. 131)

A crônica é uma resultante híbrida da literatura com origens no

jornalismo. A crônica será sempre uma dama cobiçada. No dizer de

Antonio Candido, “cronismo”, e pela natureza mais específica de sua

razão estética, será sempre igual a seqüencialidade, compondo a

ordem lingüística do cotidiano.

1.2 Do gênero – Um discussão teórica

A princípio de discussão, o que seria um gênero, e mais

especificamente, o que seria um gênero literário? Segundo Juarez

Bahia, em uma definição clássica, “[...] é a espécie de construção

estética determinada por um conjunto de normas objetivas, a que

toda composição deve obedecer.” (1990 p. 28)

Essas composições são delimitadas por esquemas

metodológicos que mantém seu rigor no intuito de classificar e

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conceituar as formas de expressão na literatura, citamos como

exemplos os gêneros mais conhecidos: o romance e a poesia. Seu

esquema engloba o aspecto racional para a análise acadêmica em

seus discursos. Os gêneros também determinam sua classificação

pelo poder de persuadir através de seu formato textual, mantendo

sua essência de forma natural por que não quer apenas convencer o

leitor, nem impor uma expressão, mas desenvolver características

pessoais e intrínsecas para a sua distinção em seu dizer literário,

acadêmico ou uma simples manifestação popular.

A discussão permanece em estabelecer quais ligações

existentes entre a literatura e o jornalismo, tendo a crônica como o

elemento mediador dessa discussão. Afinal, que tipo de informação

nos oferece os gêneros? Quais as observâncias dos pequenos

gêneros, à priori, parecem que os gêneros menores funcionam como

os parentes agregados da literatura. Afinal, a crônica é um gênero? E

se for, como classificá-lo, menor ou maior?

Segundo Melo, “Afrânio Coutinho defende a tese de que a

crônica é um “gênero literário autônomo”, possuindo hoje “uma

forma literária de requintado valor estético.” (2003 p. 161)

Para o crítico literário Antônio Cândido,

[...] crônica não é um gênero maior. Não se imagina uma literatura feita de grandes cronistas, que lhe dessem o brilho universal dos grandes romancistas, dramaturgos e poetas. Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel a um cronista, por melhor que fosse. Portanto, parece mesmo que a crônica é um gênero menor. “Graças a Deus”, - seria o caso de dizer, porque sendo assim ela fica perto de nós. E para muitos pode servir de caminho não apenas para a vida, que ela serve de perto, mas para a literatura, [...] (CÂNDIDO, 1992 p.13) grifo nosso

O autor se importa muito pouco se a crônica é um gênero maior

ou menor. Sua presença revela as qualidades e defeitos que temos

nos textos e no homem que o provê.

O pesquisador e professor Antonio Candido dá o devido valor da

crônica e ainda ironiza qualquer coisa que venha colocá-la como algo

sem função ou relação própria. Para ele “a crônica se ajusta a

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sensibilidade de todo dia.” (CÂNDIDO, 1992 p.13) Ao afirmar que a

crônica não é um gênero maior, ele implementa essa afirmativa com

um “Graças a Deus”; sua retórica busca pelo espaço consoante da

crônica como um estilo autêntico e inovador, pois a ela aplica-se a

modernidade literária, a pressa da leitura sintetizada, a rápida

informação, e sua humanização.

Entendemos por crônica o espaço da brevidade. A crônica não

intenciona somar-se a calhamaços de papel. Neste caso, ela seria

romance, com uma trama mais delineada, com uma estratificação

mais diversa de personagens. A crônica é um complexo sistema de

significados em que se fala pouco para dizer muito. Todavia, não está

além da diversão e da descrição imaginária, é coluna poética do

pensamento e da linguagem, que só a literatura enquanto fazedora

de gêneros sabe fazer. Em Gonzaga vários momentos são

significantes, seu trabalho é extenso, e se coloca em vários períodos

do tempo, por décadas afins. Caminha desde o campo à cidade. Vai

do interior mais distante, caracterizando as microrregiões do Estado,

como explora esse mesmo interior arraigado no homem. O homem

com as entranhas expostas. Apesar de sua visão muito particular,

outra característica do cronismo em sua essência, Gonzaga relata o

empirismo, e neste seu invólucro de essências, torna-se parte vivente

de sua obra. Seu teor apaixonado indica para a pesquisa cuidados a

serem tomados. A visão do empirista apaixonado que escreve, em

dualidade com o pesquisador que tenta revelá-lo.

As crônicas Gonzagueanas repercutem mediante o cotidiano e

emprega-se desta ferramenta diária a produção de sua obra, que

informa, analisa e cria um processo literário baseado em fatos

verossímeis. A busca da crônica neste espaço dualista entre a

estética e a elementarização dos fatos faz com que alguns

pesquisadores encontrem sua pequenez, nisto não aguça a afirmação

“de gênero menor” de Antonio Candido, o pesquisador parece

desmistificar sua função muito mais lúdica, narrativa, do que

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acadêmica. Segundo Marcelo Coelho, que faz uma especulação

negativa do que seja crônica e de sua realidade como instrumento do

jornalismo, nisso, abordando sua prática como gênero literário e de

sua “inutilidade”.

O que se pode dizer, de uma forma bem genérica, é que a crônica se apresenta como um texto literário dentro do jornal, e que sua função é a de ser uma espécie de avesso, de negativo da notícia. Cada notícia procura a todo custo convencer o leitor de que determinado fato é desimportante, é crucial. A crônica vai sempre insistir na desimportância de tudo. Em cada notícia o assunto é o principal, isto é, o jornalista está mais preocupado em transmitir a informação, sem servir ao seu assunto, do que em fazer literatura. Na crônica, o assunto é o de menos, e muitas vezes a melhor crônica e á que justamente aponta para o fato de não ter assunto nenhum. [...] (COELHO, 2002 p.156)

Encontramos nessa negatividade a subliminaridade dos fatos

pela assertiva da literatura, que enquanto norma de ficção ou de

revés da realidade, procura extrair do incomum, da vida real, as

notícias pelo foco da humanização. Palavras têm a força do

convencimento, tem seu teor pela expressividade dos seus

significados, que são relativos, inerentes a produção diária que se

exige do jornalismo, de sua frieza técnica, como instrumento da

tecnologia, mas não se pode esquecer que quem ainda escreve é o

homem, que ainda dotado dessa técnica instrumental do jornalismo,

a capacidade de sentimento e de argúcia ainda são os componentes

da realização e da transformação de fatos em notícias. Se formos

ainda analisar o esboço do pesquisador Coelho na relevância do

gênero, vimos a contradição de sua afirmação. Lemos um romance

pelo simples prazer da leitura, também pelo teor artístico, histórico,

pela conjuntura social de épocas abordadas. Lê-se crônica pelo sabor

da notícia, da informação, da objetividade, ou mesmo da

subjetividade, quando não falam em absolutamente nada e

simplesmente divagam pelo pensamento, ou conceituam, ou

teorizam, ou filosofam o mundo e as coisas. Se há um deslocamento

entre funções, do que esteja inserida na forma de notícias ou

qualificada como o exemplo da literatura, supõe-se que toda notícia é

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importante, isso se insere na pessoalidade, de quem está lendo a

notícia, de que cadernos (Editorias) mais interessam desde o

suplemento de esportes à coluna social; trata-se da mensagem, do

interesse, da interpretação, da inserção sobre a vida do outro. Trata-

se da sociedade, do homem e seu elemento plural da cotidianidade.

A crônica cadencia suas peculiaridades, estando em todos os

campos: crônicas de costumes, crônicas de viagem, crônicas de

ficção. Temos crônicas para todos os gostos. Generalizar é incorrer

em erros. Temos vários tipos de jornalismos, como vários tipos de

jornalistas, de escritores, de teatrólogos. Temos os espaços

preenchidos de acordo com o gosto e a necessidade. Segundo o

professor Coelho, em termos de “desimportante e crucial” em uma

notícia, parece haver uma certa desconstrução de sujeitos e o

conceito do que seja importante e do que seja crucial, neste embate

parece ter um significado mais peculiar; essa relação de noticia/leitor

é muito mais complicada do que se imagina, adentraríamos para

especular a opinião pública, o que já abriria um outro espaço na

pesquisa, mas a título de esclarecimento, segundo Luhmann “A

opinião pública, [...] só existe enquanto sistema social da sociedade,

um meio de estabelecer uniões fortes [...].” (MARCONDES FILHO,

2004 p. 478). Portanto, o que seja ou não importante, o que se

exemplifica em níveis de importância para a crônica, o sujeito

desestabiliza os gostos, por não se apresentar de forma absoluta. A

crônica em jornais tem perdido significados espaços para outras

formas de abordagem, á exemplo dos textos de opinião, ou

reportagem investigativa, mas, como afirma Coelho, “O propósito da

crônica é fixar um ponto de vista individual, externo aos fatos,

externo ao jornal. [...]” (COELHO, 2002 p.157) A forma pessoal do

autor de crônicas o credencia a falar em primeira pessoa. Como

gênero literário, sua persuasão é anterior a normas, pois se sabe do

conhecimento acadêmico, dos estudiosos na busca de exercer seu

lugar de recriação e ressignificação do contexto social.

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E o que seria simplesmente Crônica? De sua relação com a

vida, seu principal componente como pano de fundo? “Gênero

jornalístico ou gênero literário, a crônica representa uma narrativa do

cotidiano muito difícil de ser realizada”. (MELO, 2003 p. 161) Há

muito fatores que se interligam e conceitualmente, as teorias

humanas e sociais parecem confundir quem é quem. Romance é

literatura, em maior ou menor importância, a literatura faz o

ajuntamento para esses estudos tácitos, o jornalismo vai beber no

plano da objetividade – a vida gregária – seus componentes

superiores que justificam sua produção e sua leitura. A boa poesia é

literatura, por mais que a subjetividade, a ficção, a metáfora,

submetam-na a interpretações exaustivas.

Para Menezes,

O pano de fundo, a bem urdida teia, que inspira e impulsiona tanto o jornalismo, quanto a crônica e o romance é a crua e nua realidade, com todas as cores e dores que lhe são peculiares. Essa inspiração tem sentido: nada, nem a mais desvairada ficção, é mais fascinante, mais rica e mais pródiga de sentidos, sentimentos, significados, revelações e paixões que a vida real. (MENEZES, 2002 p. 163)

Vimos como a relação vida-crônica mantém sua aproximação á

arte do romance. Embora, o romance mantenha a sua superioridade.

Como gênero literário, a crônica utiliza da simplificação, cria uma

noção do rápido, do restrito, do reduto da informação que no leitor o

situa em um meio de lazer e cultura. Realidade, parece ser, esta

palavra, designada a própria realidade, para ser desconstruída e

assim, perfazer outros gêneros que exploram a literatura e seus

mundos intrincados. Menezes explora os sentidos além de sua

delimitação, pois agrega valores de simbologia que nos rodeia todo o

tempo. O mundo é um processo simbólico, nisso, sua afirmação

parece recheada de um amor exagerado. O que move o mundo das

letras e de sua apropriação de mundo enquanto reveladora das ações

do homem é a realidade. A ficção parece ter outro instante, ela

existe, mas jamais terá o sabor da paixão do instante vivido, mesmo

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transportado, decodificado. Mas tudo é razão. Tudo é noção. Tudo é

lembrança.

A crônica se nutre desse mundo real, se alimenta dele, é nele que o cronista vai buscar inspiração, é nele que encontra assuntos (e forças) para escrever um texto por dia, [...] Sem esse alimento, a crônica correrá o risco de se tornar apenas uma egotrip de quem escreve, inócua, oca, banal. (MENEZES, 2002, p. 166)

Relacionar o modo de fazer, com o modo de existir, já é em si,

uma discussão filosófica. Quem é que faz a crônica? De que qualidade

está imbuída? Quais as suas motivações? Onde reside sua percepção?

Tudo é um mero esquema de comunicação?

Todo alimento que é bem apreciado precisa ser degustado para

que seu sabor e suas qualidades seja aproveitadas ao máximo. Nos

nutrimos de alimentos reais. Não podemos matar a fome com o

sonho ou o desejo da comida. O palpável, o tangível, tem uma função

de revelar em que lugar estamos e do que tocamos para sentirmos a

existência. Isso é realidade. A crônica de Gonzaga vem desse

universo. Vem do mundo real, das pessoas reais. Contextualiza entre

o foco do seu conhecimento e as verdades que emanam de suas

respostas para dar significado e sentido a tudo que o rodeia. Isso é

sua realidade. Mas, [...] “a crônica vai muito além do jornalismo no

aprofundamento da realidade, mas está muito aquém do mergulho

profundo que o romance, o grande romance, pode, e deve fazer.”

(MENEZES, 2002 p. 168)

Distante de uma prosa extensa, o perfil da crônica parece

conquistar pelo conjunto de situações cotidianas que a mesma

congrega, sem a exigência de variações que segue a leitura

metonimizada do romance ou metaforizada da poesia. O instante, a

rapidez, qualifica o gênero por sua fundamentação estética e a

dominação de uma leitura breve, de abrangência social, etc. abrindo

várias conotações para a discussão da rotina diária. O homem da

crônica recria o tempo, sem a árdua missão temporal do jornal e com

a realização universal da literatura, em seu poder de absorção

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cultural, de pessoas, seres e objetos. Temos o momento em que até

a ficção para se realizar necessita do propósito do instante para ter

rosto e memória.

[...] a crônica usa e abusa da variedade dos pequenos gêneros aos mais complexos, na sua composição: diálogo do cotidiano, retratos, tipos, cenas cômicas e dramáticas, versos, sonetos, relatos, narrativas, casos, comentários, contos, confissões, descrições líricas, sátiras, paródias, etc. não temos ainda um estudo sobre a infinidade de gêneros não-literários (erroneamente procura-se na crônica os gêneros tipicamente literários, [...] (RONCARI, 1985 p.14)

Segundo Roncari, a crônica diversifica seu leque de atuação,

buscando em muitos fenômenos de pequenos gêneros sua afirmação,

mas que isso, no entanto, descaracteriza-a. Por ainda não ter firmado

seu conceito no processo mais acadêmico, a crônica oscila em muitos

ditames. Mas, ainda em tom de defesa, ela recria seu campo

semântico indo a todos os estilos e gêneros, se pequeno ou não, ela

subsiste. Sua estrutura inacabada a torna de certa forma mutante,

pois têm-se crônica metrificada, à exemplo das crônicas de Manuel

Bandeira, poesia e cotidiano sob uma nova percepção estética. Há

muitos tipos incrustados nesse campo de atuação ainda em busca de

sua identidade, assim como o tem a poesia e o romance. Vimos

anteriormente que se discute essa questão do gênero menor ou de

sua inutilidade, ensejando uma forma de vida inferior da crônica, mas

é no mundo da realidade que se percebe que esta “realidade” é

explorada. A propósito de sua existência, caminha no dissabor da

dúvida, pois a ela remetem uma indefinição, uma marginalização,

mesmo sabendo que seu campo de existência está no íntimo do

homem. Segundo a avaliação de Sant`anna, ele vai dizer que “A

gente abre o jornal e ler as notícias, mas quando chega num cronista

a alma parece que se prepara para relaxar, conversar com um

amigo.” (SANT’ANNA, 1993 p.16). Uma forma peculiar de encontrar o

outro que procura a notícia, mas procura também a humanização. O

homem em busca de si mesmo, no seu reflexo aparente. Mas como

afirmar isso? Se isso é uma forma de imaginário, ele se faz coletivo,

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mas é a sociedade quem mais se utiliza das interações do meio, das

relações pessoais, da partilha de experiências.

A crônica enquanto gênero literário utiliza das expressões e do

abuso de adjetivos, exageros permitidos sem ressalvas em seus

textos, o que é incomum no jornalismo moderno. O Jornalismo

percebe-se numa apropriação mais comum, nesta relação de

interesses mais processual, mas, segundo Freitas, “o Jornalismo

sempre tem promovido a literatura...”. (FREITAS, 2002, p. 108). Em

particular, a crônica, tem mantido sua tradição de acontecer primeiro

no jornal, para depois, vir a ser um livro de crônicas. Temos muitos

exemplos: João do Rio, Rubem Braga, Machado de Assim, Carlos

Drumond, entre tantos cronistas.

Uma proeza que se caracteriza no jornalismo, a mudança de

pele entre um e outro, isto é, entre ser crônica e ser matéria contínua

de jornal, essa apropriação camaleônica, segundo Lima, mantém a

tessitura do vocábulo, da palavra como premissa principal no

processo de entendimento entre leitor e o meio que o transporta

(media). Mas ele não rejeita a apropriação, nem encontra tamanha

diferença entre ambas, vê na absorção do jornalismo as

características da literatura, apenas diversificando seu conteúdo e

encontrando outro tipo de público. A escrita, ainda é, para Lima, o

ponto de encontro entre a literatura e o jornalismo. Transformação

em ponto de mutação: se real, fictício, imaginário, toda coleta de

dados buscam no presente a satisfação de sua contemporaneidade.

Os ambientes recriam através da escrita o processo de significação

existente no homem e sua estrutura social.

O jornalismo absorve assim elementos do fazer literário, mas, camaleão, transforma-os, dá-lhes um aproveitamento direcionado a outro fim. A literatura está, até então, basicamente interessada na escrita. Mesmo quando representa o real, através da ficção, a factualidade concreta, efetiva – de acontecimentos, personagens e ambientes perfeitamente existentes e nominados, no espaço social verdadeiro – não é, na maioria dos casos, o item primordial. [...] É esta tarefa, a de sair ao real para coletar dados e retratá-lo, a missão que o jornalismo exige das formas de

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expressão que passa a importar da literatura, adaptando-as, transformando-as” (LIMA, 1993, p. 138).

Para tanto, ao explorar as premissas da literatura, ao beber de

sua fonte, o jornalismo assimila suas qualidades. A recriação não é

mais um entrave, e sim, um somatório, as qualidades da literatura,

pelo gênero crônica, de forma a ampliar o universo que já existia. “Se

jornalismo lida com a realidade no plano da veracidade – todos os

manuais pregam isso – e a literatura lida com a realidade no plano da

verossimilhança [...].” (MOTA 2000 p. 158) As expressões na

literatura concretizam sua instrumentação através da palavra. Na

palavra se realiza as imagens, se constroem os períodos, mobiliza a

intencionalidade, a causalidade, sobre o domínio da palavra elas se

interpenetram para realizar a comunicação humana e existirem para

terem sentido.

[...] como código (linguagem), emissor, receptor, mensagem, referente, etc. Além disso, o jornalismo e literatura coletam suas informações nas referências do cotidiano, aplicando-lhes, porém, significações diversas. [...] Tanto literatura como jornalismo trafegam sob o domínio da palavra. (MOTA, 2000 p.153)

Dado os vários processos pelos quais tem passado, a crônica

moderna configura-se segundo Melo, como gênero eminentemente

jornalístico. Suas características fundamentais são:

1. Fidelidade ao cotidiano, pela vinculação temática e analítica que mantém em relação ao cotidiano que está ocorrendo, aqui e agora; pela captação dos estados emergentes da psicologia coletiva. 2. Crítica social, que corresponde a “entrar fundo no significado dos atos e sentimentos do homem” (MELO, 1985, p. 116).

Este “eminentemente” jornalístico abre uma discussão

sucedânea. Isso não seria também, uma limitação do gênero? Se ao

afirmar que a palavra concretiza o real, que há um entrelaçamento

para que haja a comunicação, a relação de troca de saberes e de

relações entre ambas as pessoas, é plausível dizer que a crônica não

é um gênero eminentemente jornalístico. Portanto, vai além da

conceituação em aspecto jornalístico. Se tudo tende a remeter à um

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significado, que a interpretação não é passiva, e sim, vive em

movimento constante, a literatura resgata para si, muito do que se

justifica como um gênero jornalístico. É certo que, como linguagem

jornalística, são os fatos do cotidiano, os acontecimentos diários é

que ensejam reflexões ao cronista.

A crônica de Gonzaga Rodrigues se atribui das características

conceituadas por Melo: como fidelidade ao cotidiano e a crítica social,

apesar do teor exacerbado na tônica do texto. A transcrição da vida

diária é literatura no que tange sua contextualização histórica, por

mais real ou fictícia que se apresente. Tudo é simbólico e sempre nos

remete a isso, ao universo da sensibilidade, da representação. Tudo

está baseado na essência da vida. Em o “Canto Perdido”, Gonzaga

demonstra essas notas como se fosse um prelúdio musical. Ora

literatura, ora a intencionalidade do escritor.

A doentia solidão fazia mais pungente o canto lamentoso. Era como se a voz doesse, ela mesma, limpa e magoada, envolvendo a noite inerte nostalgia dos doentes. Parecia que ele arrastava, no canto, o eco triste de todas as doenças. Era um aboio. Uma nota apocalíptica de bordão. Todo hospital estava na cama, afundado na noite, quando êsse (sic) aboio longo e remoto invade o silêncio, os lençóis e vem tanger cá dentro, machucando a alma de todos. Era um aboio de dor e de ocaso trazido ao hospital pela garganta inflamada de um doente do peito. Tinha vindo de pombal, onde os bois e o sol de sangue se recolhiam naquele acalanto. Tocou-me no favo, amoleceu-me, fêz-me (sic) ainda mais doente. No outro dia chamei-o fora da enfermaria, levei-o a um salão de muitos ecos, e pedi que ele soltasse o canto de modo a encher todos os vagos. À medida que o aboio ia envolvendo a sala, dilatado e enorme, eu imaginava prendê-lo em algum lugar, em fita ou acetato, para que nunca mais me desfizesse dele. Eu achara que era uma voz de fim de mundo e que era necessário guardá-la como um coral da terra. Lembrei-me de Linduarte, de Nathanael, de Arlindo Teixeira e Pedro Santos, de todos esses (sic) amigos que podiam se ferir no canto desse enfermo. Veio-me então a lembrança de esperar pelo domingo, dia de visita, e pedir a um deles que me trouxesse um gravador, para guardar na fita a voz perdida. Estávamos na quarta à espera do domingo. Chamei o meu amigo interno, combinei tudo e como ele dissesse que na frente dos outros o aboio poderia encabular, acertei que gravaríamos na segunda, apenas nós dois e o espaço acústico.

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O que o canto causou em mim e nas enfermarias não era tanto. O que me fazia feliz era imaginar a audiência que ele suscitaria nos auditórios lá de fora. Depois de passar pelos ouvidos de Arlindo e de Pedro, ou mesmo agora nos de Ariano, não seria uma voz de hospital, uma reminiscência de vaqueiro, mas uma boca (sic) de mundo, o Nordeste em voz uterina. Passou a quarta, virou a quinta, e nós todos, cantor e doentes, na espera sofrida do domingo. Linduarte e Nathanael, visitas que nunca me faltaram, nunca foram tão espera, dos. Um deles haveria de cuidar de um gravador para arrolhar êsse (sic) canto. À tarde o vaqueiro achegou-se à minha cama para dizer que a voz empastara. “Tem nada não” – disse-lhe. Daqui pra domingo a voz estará limpa.” No sábado à noite um doente tocou-me no ombro, os olhos dizendo tudo, pedindo pressa. Corri com o hospital inteiro para o único leito que não devia ser de morte. O canto, o aboio longo e pungente, estava derramado no lençol, ensangüentando a cama numa hemoptise que parecia mais da terra que do meu vaqueiro. (RODRIGUES, 1978 p. 40,41)

Os valores incutidos numa obra de arte se assemelham em sua

contextualização a partir da ótica do escritor, e de que realidade ela

foi extraída, mas também dão a abrangência e aceitação em que

pode repercutir se negativa ou positiva. Sua aceitação ou rejeição.

Em termos críticos, resta o julgamento de quem aprecia, lê e avalia

com o olhar atípico da curiosidade as variações do dia-a-dia em que a

crônica se apropria.

Significados e significantes seguem lado-a-lado na construção

maior da confecção conceitual da crônica ora postulada como algo

meramente frívolo, mas que, segue seu curso em publicações diárias

de jornais. O jornal segue sua pauta normal. Ao jornalista é

direcionada sua pauta, seu guia de trabalho diário. A crônica exige o

esforço da percepção imaginativa, aliada a concatenação das idéias.

Ela não responde ao corriqueiro lead: o que, quem, quando, como,

onde, e por que. Isto é sintomático, mas não obrigatório, mas

também é importante saber que “o eu do cronista é um eu de

utilidade pública.” (SANT’ANNA, 1993 p. 16). O cronista escreve para

um público diferenciado, mais exigente, com um tom mais ameno.

Verificamos em que corredor ela perpassa para obter de uma leitura

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pessoal, o que impregna os instantes do leitor. Tudo é feito de fora

para dentro (realidade), mas a qualidade do trabalho é dentro para

fora. (inteligência/sentido).

Há quem imagine que as páginas compridas de um jornal o deixem

petrificados, com centenas de informações. A variedade de informações é

exatamente o que tem de ser, essa é a sua razão. É fato que o jornal empreende

uma técnica muito peculiar, comportando seguimentos para equacionar sua

páginas. A limitação de espaço restringe as matérias a tamanhos e números de

caracteres pré-estabelecidos. A essência do jornalismo está na informação da

atualidade. Sua seqüência obedece aos fatos, situações, acontecimentos em tempo

real. O equilíbrio disso tudo resulta num trabalho de pesquisa diária, sobre a vida e

o comportamento social. Não nos tange avaliar sua parcialidade ou imparcialidade.

Por isso, tudo está dividido em editorias, responsáveis pela tônica de suas páginas.

Pensar nisso tudo como um simples conglomerado de informações é sedimentá-lo.

São informações que determinam o campo social da notícia, relatos abrangentes,

ou curtos, fatos redigidos que se aproximam do fator histórico (historicidade) pelo

grau de importância e força de relevância para comunidade local e/ou internacional.

No jornal, estamos no campo processual midiático. No livro

cumprimos a realização imutável da crônica em que a mesma perde

essa característica transitória e se torna definitiva. Muitos livros de

crônica tiveram sua abordagem principiante em jornais, depois as

coletâneas se sucedem em sua feitura em livros.

Colocar esta transitoriedade (do jornal ao livro) no aspecto

temporal é dizer em outras palavras que este conceito surge, como

uma explicação tangível, que o elemento literário/midiático suporta

correntes amplas de evocação documental e histórica. O que surge

como uma expressão do jornalismo/escritor, para transmitir ao leitor

seu juízo sobre fatos e estados psicológicos e coletivos, vai se definir

como um sistema textual em que se estabelece pela percepção

pessoal e a elaboração crítica da realidade. Gonzaga Rodrigues ao se

utilizar do jornal diário, União e O Norte reportou esse quantitativo

documental, superando a transitoriedade quando suas crônicas foram

transportados do jornal e publicados em livros. A crônica encontra um

novo suporte de manter-se, há a diferença de meios, do jornal ao

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livro, mas a essência se manteve. A noção de superação de suportes

inovou as crônicas de Gonzaga pelo âmbito da acessibilidade, tornou-

se mais próxima do leitor. “Em jornal, a reportagem estaria a meio

caminho entre a crônica e a notícia”. (SANTA’NNA, 1993 p. 16). -

Esta afirmação abriria duas discussões:

1. Elaborar novos rumos na reposição do conhecimento

equacionado pelo homem. (Notícias provocadas pela colaboração

direta do homem: comportamentos, moda, arte, religião, cotidiano...)

2. Difundir através da tecnologia, suas mudanças de suporte.

(A democratização de espaços midiáticos).

Transportar elementos das mídias para novos suportes sem

desfocar seu elo fundante que é a informação, pautada com o recurso

histórico, requer cuidados de observação ainda mais apurada. O que

se escreve perante o cotidiano relata para a posteridade a

significância do fazer jornalístico, que une o passado e o presente

numa cadeia assimilativa de conceitos que não descarta o futuro, pois

o mesmo sofre as sanções progressivas do tempo. O hoje se repete

numa somatória de acontecimentos pelos componentes incorporados

pela humanidade em seus atos. O livro pode se constituir uma

brochura capitular das vozes dos antepassados, vozes que ecoam na

formação crítica e cumulativa da humanidade (cultura).

Conhecimento pelo viés da notícia se acumula não apenas para se

registrar, mas para viabilizar um tecido mais preciso de colocação no

tempo, com suas datas precisas, nomes imortalizados e ações

complementares que urdem a trama do processo histórico. A crônica

evoca essa assertiva enquanto materializa seu ritual de busca da

informação. Sua aproximação do real pelos fatos, através de uma

sutileza com o verídico, é o seu principal contraponto com o

jornalismo. Aparelhado pelo idelogismo capital em que muitas

informações sofrem sanções pelo próprio estado.

[...] Dito mais claramente: a ideologia é uma explicação com respeito a instituições e fatos sociais que esconde seus verdadeiros porquês. A ideologia é uma legitimação a qual,

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mais do que aclarar as motivações intrínsecas às instituições, procura ocultá-las através de um sistema explicativo qualquer. Quase sempre ideologia serve aos interesses de determinados grupos sociais ao esconder a realidade das instituições e criar-lhes uma outra através da palavra, [...](DUARTE JUNIOR, 1991 p. 49)

Segundo Meditsch, (1992), vem a esclarecer conceitos sobre a

realidade na observância do jornalismo e de sua atribuição no

cotidiano.

O aprendizado para a leitura da realidade requer estudos em que o objeto a ser estudado é a própria realidade, e não os conceitos que as ciências desenvolveram sobre ela. Isso não significa abandono dos conceitos, mas deslocamento. Eles passam a ser utilizados como ferramentas para desvendar a realidade, que é o objeto de estudo, e não mais como objeto em si. (MEDITSCH, 1992 p. 92)

O Jornalismo é uma ferramenta de dissolução da vida em fatos

narrados, transcritos. O objeto realidade é perene, mas é algo que se

inicia todos os dias, e o jornal sobrevive do hoje e nunca do ontem. O

ontem é história. “O real é o terreno firme que pisamos em nosso

cotidiano.” (DUARTE JUNIOR, 1991 p. 8)

A ciência cumpre a função equalizadora, metodológica, mas não

prioriza o elemento de estabilidade, estamos no campo da prática, da

mudança, das alterações, da sociedade que se renova. O tempo

invalida ou perpetua os conceitos impostos pela ciência, o

conhecimento é volátil, mas se reestrutura.

Afinal, toda construção humana, seja na ciência, na arte, na filosofia ou na religião, trabalham com o real, ou têm nele o seu fundamento ou ponto de partida (e chegada) (DUARTE JUNIOR, 1991 p. 12)

Ações de comportamentos evidenciados pela escrita em que a

realidade domestica os valores padrões da sociedade. Como objeto

em si, a realidade pode sofrer várias alterações, entre elas, o público

e suas diferenciações, novos pensamentos, o que agride numa

determinada data, pode ser, a posteriori, a peça chave para a junção

de um quebra-cabeça. Desvendar a realidade pelo processo da leitura

é possível pela peremptoriedade da escrita e de suas funções.

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Funções de equilíbrio no que tange a opinião pública e de contra-

censo ao revelar essas opiniões de acordo com o juízo estabelecido.

O homem não é um ser passivo, que apenas grava aquilo que se apresenta aos seus sentidos. Pelo contrário: o homem é o construtor do mundo, o decodificador da realidade. (DUARTE JUNIOR, 1991 p. 8)

O jornal elabora suas matérias de acordo com o seu tempo

histórico. A realidade impressa em jornais que passa a posteriori para

o livro constrói outra linguagem, é o que rebusca sua qualificação

literária e sua volta ao retorno no tempo, mas o espaço público

continua o mesmo, independente de que ano estamos. “Uma vez

publicada em livro, a crônica assume certa reelaboração na medida

em que é escolhida pelo autor [...]” (SÁ, 1987 p.83)

O livro se coloca num espaço mais projetado, com começo, meio e fim, sem

mutações físicas – seu espaço já foi previamente projetado. Obedece a um formato

digitalizado para a sua natureza específica, por isso adquire uma conotação mais

uniforme. O livro desencadeia um ambiente perenizado da obra. Uma vez

publicado, seu desempenho deixa de ser singular para se tornar plural. O livro tem

em si o sabor da eternidade e adquire essa característica no seu modelo amplo de

difusão, capaz de se tornar universal, ir a todos os lugares, explorar as culturas e

difundir seu conteúdo, sem estar atrelado ás condições estaduais ou meramente

municipais, como enfrenta a maioria das publicações diárias dos jornais. A tradição

da leitura em livros os “academizam”, são fontes consistentes que adquirem

notoriedade em ampla escala, mesmo sabendo que o começo de suas publicações

(crônicas) deram-se em jornais.

A pluralidade que encerram o conteúdo desses suportes

congregam um novo elemento de expressão recorrente, onde

mostram que a espacialidade cria apenas uma diferença: o veículo

institucionalizado. Novos conceitos ambíguos que determinam novos

meios de estudos por parte dos teóricos da literatura. Mas universais,

fazem parte do mundo da linguagem. Seu conhecimento guarda os

rascunhos de um tempo outrora, a literatura se faz guardiã desse

conhecimento, apesar de não ser esta a função do escritor. Os

romances, a poesia e demais gêneros, situam seu tempo e nisso

evidenciam sua marca: idioma, lugares, paixões, quedas, glórias, etc.

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A avaliação insiste no processo do mecanismo histórico, pois

seu enredo intitula algo sobre o que foi ou o que é, mas nunca do que

virá. Isto fica para a ficção. E em crônica isto só é possível perante a

recriação de um desejo e que o mesmo se intitule numa corrente

tácita de literatura e seu apelo pela subjetividade. O jornalismo

congrega o factual. O real. Carregado de ideologias.

Decorre desse que as grandes e pequenas ideologias estão sempre presentes no texto jornalístico, uma vez que é impossível, fazer jornalismo fora da sociedade e do tempo histórico. (NASCIMENTO, 2001 p. 58)

Nascimento fala desse aparelho ideológico como um mecanismo

de sanção a liberdade de imprensa e de pensamento.

O jornalismo e a literatura é o dualismo sempre presente.

Afinal, com a benção da escrita e da linguagem no jogo da

comunicação, no que se pode chamar de informação documental e

histórica. É no dia-a-dia que elas vão concentrar sua legitimação

social. Sedimentar suas funções.

Vivemos assim, não apenas num universo físico, mas fundamentalmente simbólico. Um universo criado pelos significados que a palavra empresta ao mundo. (DUARTE JUNIOR, 1991 p. 20)

O mundo da literatura, como o da linguagem, é o mundo do

possível. O Jornalismo sobrevive de fatos, embora que nem sempre

sejam acontecimentos, isto é, tenham um interesse mercadológico.

Isso constata os níveis fronteiriços de distinção entre jornalismo

e literatura. Resta a aproximação apenas pela crônica. A técnica do

jornalismo limita seu campo de escrita, embora que o de significados

extrapole essa visualização. Seu modus operandi destitui qualquer

sintoma da ficção, e nega qualquer tentativa de requisitar em sua

redação sígnica que inclua qualquer coisa que não seja real. Essa

frieza da técnica, também a coloca num patamar analítico, por que

tudo está submetido a alguma coisa, desde a comprovação a

elucidação das fontes. Em literatura não é preciso essa busca de

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comprovação. Seria correto então perguntar que, literatura jamais

será jornalismo, mas jornalismo poderá ser literatura?

A notícia, expressão básica do jornalismo, tem o seu próprio território. Ela serve à literatura, faz literatura e até é literatura. Mas, acima de tudo, é jornalismo. Por isso não é uma contradição que seja gênero literário. Contudo a sua essência é também antiliterária na medida em que não pode alterar os fatos, como não deve ser prolixa, sob pena de distorcê-los ou descaracterizá-los. (BAHIA, 1990 p. 31)

A justificativa para isso reside no fato da distinção da técnica

entre ambas. O jornalismo tem por obrigação constatar a veracidade

de suas notícias. A literatura não, enquanto gênero, pode delinear

suas diferentes formas de expressão, entre elas a ficção, não como a

realidade pura, mas como uma transposição do real. Essa relação de

discussão de gênero torna bastante sintomática a diferença entre

ambas. O conceito faz a distinção.

O conceito diferencia suas relações de expressões com o mundo

e como cada uma reside em seu código de identidade e

interpretação, alusivas ao significado e ao sentido. A abordagem do

jornalismo aplica seu foco de sua busca na unificação de um texto

preciso, a persuasão pela informação de forma mais concreta. A regra

da dicionarização se aproxima da realidade para decodificar os fatos,

nisso, o jornalismo revela a praticidade da gramática com suas

normas mais simplificadas, porém, dentro da regra culta e aplicada a

linguagem do cotidiano. Para Meditsch, ele estabelece suas

diferenças:

O sentido é diferente do significado porque leva em conta não só aquilo que está no dicionário, mas também a intenção com que se usa a palavra em determinado contexto. (MEDITSCH, 1992 p. 92)

A boa literatura promove um imaginário nas relações entre

seres e objetos. Esta relação cria parcerias, que fazem da escrita,

nesta condição cronística, a sua proximidade direta com o

conhecimento da vida dos indivíduos. Os seres dizem de pessoas

emprestadas para a criação dos personagens em si. Os objetos são

adereços que adornam os personagens enriquecendo suas

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características. Segundo Meditsch, em sua afirmação entre sentido e

significado, ele amplia a rede de entendimentos entre leitor e

literatura, sua forma pluraliza o dicionário pelos verbetes,

dependendo da situação a ela aplicada.

No limiar entre ficção e realidade, entre sentidos e significados,

é fator preponderante a utilização de recursos linguísticos no

processo de elaboração entre o que sejam literatura e jornalismo.

Não esquecendo a que lugar pertence o cronista. Sua ambientação

revela sua identidade e que tipo de mundo ele transcreve da

realidade , pois “... é fundamental que o cronista se defina num

tempo, compondo uma cronologia nunca limitadora, mas sempre

esclarecedora da sua relação com os seres e com os objetos” (SÁ,

1987, p. 15). O cronista pertence ao jornal em sua categoria

opinativa. Pertence a literatura, enquanto gênero ou a busca dessa

afirmação, quando reporta a si as categorias de gêneros menores.

O jornalismo é uma das categorias da literatura – é uma literatura de massa. Na opinião de Alceu Amoroso Lima, é um gênero literário, com seu próprio estilo, as suas regras, o seu jargão. (BAHIA, 1990 p. 28)

Mas em tudo propõe uma discussão, abre um espaço para um

esclarecimento, ou levanta dúvidas, interrogando sobre os fatos do

cotidiano. Reproduz os fragmentos da realidade que são vividos pelo

povo. O envolvimento de gêneros, proposto por Machado de Assis,

em que o escritor já evidenciava um aparelhamento mais complexo

das relações entre o jornal e a literatura, ele já insinua outra

questão: o movimento – podemos entender que ele incita o número e

o volume de discussões que serão pauta para a notícia em jornal e

para a literatura.

O jornal, literatura quotidiana, no dito de um publicista contemporâneo, é a reprodução diária do espírito do povo, o espelho comum de todos os fatos e de todos os talentos, onde se reflete não a idéia de um homem, mas a idéia popular, esta fração da idéia humana [...] Depois o espírito humano tem necessidades de discussão, porque a discussão é movimento [...] (ASSIS, 1986 p. 946 – grifo nosso)

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O Jornalismo se segura na sua parceria com o cotidiano, longe

dos excessos da língua, sempre atrelado ao real, ao mundo verídico,

passível de avaliação, nisto

[...] a crônica funciona como uma espécie de passagem secreta por onde ingressamos no espaço do prazer [...]” (SÁ, 1987, p. 18), já o “[...] O bom estilo jornalístico envolve um relato dinâmico e realista, no qual a ação se desenvolve em torno das pessoas que vivem o episódio. (FREITAS, 2002, p.77)

A crônica, como espaço fundamental para a realização dos fatos

de documentação histórica. O cotidiano, o dia-a-dia, semelhanças,

escolhas, relações, produzem a realidade pessoal, individual, social e

coletiva. Colocam-se como arquétipos, ou atores influenciadores na

invenção do cotidiano, resultado da base essencial do jornalismo e

desse para a literatura como a definição de ambientes culturais

próprios de sua rotina, identidade e afirmação. “Todos os grandes

cronistas foram um dublê de jornalista e escritor.” (SANTA’NNA, 1993

p. 16).

A forma de a crônica contar histórias e de mostrar os costumes

de épocas vê, no jornalismo, o seu embrião para os relatos dos

comportamentos culturais da sociedade, contada pela diversidade da

literatura. A literatura propõe um ambiente livre, distante da técnica

do jornalismo. É nesta reserva que se especula a noção de

sobrevivência do conhecimento e do seu acúmulo através dos

tempos. As notas, ainda como suplementos, diz em crônicas muito

antigas como os povos viviam e como perpetuavam seu

conhecimento. Não raro, trechos da Bíblia vêm afirmar exatamente

isso. O corpo social, assim como seu tempo histórico, emana de sua

força criativa a capacidade de sobreviver e evoluir.

A cultura pode certamente acelerar as transformações materiais e espirituais, mas sempre apenas dentro de certos limites, de certos condicionamentos representados, sobretudo pela herança genética, pelos hábitos de vida ligados ao ambiente, enfim, pelas convicções tradicionais mais arraigadas e pelos interesses mais elementares e mais profundos. (PIERINI, 1997 p. 09).

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Seu esforço vai nivelar as muitas condições em que sobrevivem

as mais variadas culturas: cidade grande, cidade pequena.

O escrivão Sebastião Barbosa de Souza nunca saiu de Alagoa Nova, em circunstâncias nenhuma, chegou a empreender qualquer viagem além de sua calçada. A casa e o cartório faziam esquina com a praça central, tinham duas frentes e a calçada em L, espaço suficiente para o percurso de toda a sua existência. Quarenta e tantos anos de tabelionato não tiveramoutro (sic) sítio nem precisaram de outra paisagem. E não se vá dizer que seu Basto não andasse. Cumpria diariamente, horas e horas de viagens, a camisa muito bem ensacada na calça caqui (sic), os braços cruzados, indo e vindo de uma ponta a outra do seu mundo. Recostado à parede, como bens imóveis, ficavam Zé e Biu Néri, que lhe serviam de oficinas de justiça e de fiel auditório. Nessas jornadas essas três pessoas atravessavam os anos e o mundo. Seu Basto, sentencioso, sempre falando, e o auditório passivo, só ouvindo. O mundo passando por eles, vindo até a sua calçada com guerras, depressões, glórias e fraquezas. Mas Sebastião de Souza conhecia o mundo desse pequeníssimo porto, tocado, em incerto grau de latitude, apenas e tão somente ouvia a BBC, lia o jornal. Na sua paz rural, o jornal e o rádio faziam o grande tumulto. Ele pisava numa réstia de terra, mas vendo Londres, ouvindo o rumor de toda a Europa em fogo, tudo bem próximo de si, casamatas e trincheiras, tão grande era o silêncio do seu posto. [...] (GONZAGA, 1997 p.70,71)

O homem sente a necessidade de fazer-se um todo, como

sentencia o senhor Sebastião de Souza, que, mesmo distante, precisa

se inteirar com o mundo e seus acontecimentos. Ele sabia que a

Europa estava em guerra. E para isso, só precisava ouvir. Novas

identidades surgiam cotidianamente em sua mente criativa.

Para Gonzaga Rodrigues, a ordem do dia é escrever. O enredo

de sua narrativa está a cargo de sua capacidade criativa e nem

sempre, apenas, da intelectualidade, não menosprezando o saber

empírico junto à cultura popular. Sobre a Crônica enquanto gênero

literário, segundo a crítica Ângela Bezerra de Castro, no prefácio que

assina no livro de Gonzaga Rodrigues, (Café Alvear, 2003), publicado

em jornal, assim define:

A inclusão da crônica entre as formas e espécies literárias não comporta mais discussão. Mesmo que a teoria e a crítica tivessem silenciado a respeito deste gênero ou pós-gênero literário, como classificou pioneiramente o professor Eduardo

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Portella, bastaria a intensidade da produção para que a crônica se impusesse como fato consumado” (CASTRO, 2003 Jornal Contra-Ponto, p. B1)

Para a crítica e pesquisadora Ângela Bezerra,

Gonzaga faz parte deste universo de escritores cujo diferencial se restringe à circunstância da produção. O cronista é escritor da pressa, do imediato, da contagem do tempo. Agora ou nunca é o seu desafio diário, diante do papel em branco. (ibid)

Em sua manifestação literária distinguem-se objetos que por si

só justificam a maestria do “dizer” do seu regionalismo brejeiro,

criando o exagero através das hipérboles, dando características a

objetos inanimados através de suas catacreses, perfazendo um

mundo singular explorado em suas pluralidades: romanceando com a

solidão e, às vezes, com o excesso de gente, e achando pouco, dando

nomes a seres e criando outros para o enriquecimento do seu

universo. Vejamos “O hotel de Areia”

Do lugar onde está situado o novo hotel de Areia, o “Bruxaxá”, dificilmente se vai dizer que é Nordeste. No mínimo é a constatação ou a cópia viva do discurso americanicista como “um clima europeu em pleno verão tropical”. Se a constatação é poética, ainda que real, muito mais poética foi a escolha do lugar: no alto da montanha, dominando a seqüência ondulada de elevações que formam a cordilheira verde da Borborema. Nem é Nordeste seco de Graciliano Ramos, na planura pelada; nem o Nordeste gordo, fofo e sombreado de Gilberto Freyre e José Lins do Rego. Tampouco a Borborema rochosa e encrespada dos picos de Santa Luzia. É a montanha de luz e de vegetação suaves, uma chuva de sol e de vegetação suaves, uma chuva de sol, “luz molhada” ou “água iluminada” transpostas da poesia de José Américo para apascentar os espíritos visitantes que demandarem a esse novo turismo das alturas.[...] (GONZAGA, 1988, p.41)

E, principalmente, o “dizer metafórico”, debulhado no linguajar

coloquial de sua terra e seus costumes, explorando situações em

frases só entendidas por gente do lugar. “Ora, a crônica está sempre

ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas e das

pessoas.” (CANDIDO, 1979 p.5) Vigora a realidade, a definição

Gonzagueana do aqui e agora. O meio é a arma de elaboração dos

textos, cheios de vida, excentricidades e humor. Na crônica “O recado

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da Paraíba,” a questão política acentua sua forte extensão dos

problemas em Pernambuco.

- Vão lá e assegurem a Arraes que a Paraíba está com ele. E fomos nós, eu e Tarcísio, o jipe do SANDU cortando o Conde, a linha sinuosa da estrada do canavial, como se conduzíssemos o exército da fundação da Paraíba ou da restauração do tempo holandês.[...] [...] Arraes devia estar em guerra, o Palácio das Princesas cercado de tanques e barreiras colossais da poeira dos exércitos do povo, ao qual nós íamos nos incorporar. Os sinos da Boa Vista e as salvas do Brum e do Apolo saudariam a nossa entrada solidária e possivelmente decisiva no estuário revolucionário formado por multidões de cabeças[...] (GONZAGA, 2003, p.93-94).

Portanto,

Seu relato é assim fiel às circunstâncias, onde todos os elementos se tornam decisivos para que o texto transforme a pluralidade dos retalhos em unidade bastante significativa. [...] Essa concretude lhes assegura a permanência, impedindo que caiam no esquecimento, e lembra aos leitores que a realidade – conforme a conhecemos, ou como é recriada pela arte – é feita de pequenos lances [...] ( SÀ, 1987, p. 06).

O cotidiano são acontecimentos presentes no seu tempo. Um

elemento circunstancial para quem faz da notícia um elo entre o

passado e o presente. Não há a característica do romance, afinal,

estamos no terreno da brevidade da crônica, mas, em contraste a

isso, há as evidências literárias. Há os fatos explorados de forma

poética, mas, sobretudo, em prosa, sem perder o foco na vida

presente.

[...] Os leitores não buscam o repórter, a precisão dos fatos numa crônica. Procuram o oposto. Querem decodificar a realidade com outros olhos, entender o sentido oculto dos fenômenos e dos acontecimentos na superfície da história, sem a frieza da técnica jornalística. Neste sentido se forma um verdadeiro pacto entre o autor e o leitor, pois às metáforas e significados diversos no texto acrescentaram-lhe um novo sentido que ajuda o leitor a desvendar o mundo. (MARQUES, 1985 p.11)

Entrando no universo Gonzagueano, a crítica literária precisa

buscar alguns desafios que parecem ficar fora da visualidade: o

subliminar, a resposta dita, e a sugestão. Isto parece persuadir o

verbo num indicativo de recriação do discurso, um mundo paralelo

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criado para servir de apoio ao que é tangível e ao o que se quer dizer

de fato. O homem sujeito, e o sujeito “catalizador”, que em busca da

inovação do tempo, romanceia o parecer técnico do jornalismo na

forma mais difícil e plural de fazer literatura. Capítulos forjados num

dissecamento do cotidiano ruidoso, do triste, do lamento, do riso, da

ironia. Mas temos o mundo pessoal como invólucro do tangível; seu

lugar mais remoto de origem: suas terras e vivências. Sua integração

com o texto global reabilita a escrita numa conjuntura peculiar,

tratada do “fantasmismo”, conseqüências ora de suas reminiscências,

ora da atualidade. Temos passado e presente subvertidos em ordem

distintas: campo e cidade. A leitura conjuga os quadros da vida de

onde se viveu e de onde se vive.

Não há personagem sem ação, nem ação independente do personagem. Mas sub-repticiamente, uma segunda idéia aparece nas primeiras linhas: embora ambas estejam indissoluvelmente ligadas, um é sem dúvida mais importante que o outro: os personagens. Ou seja, os caracteres, isto é, a psicologia. Toda narrativa é “uma descrição de caracteres. (Todorov, 2003 p.95)

Essa marca é ampla na obra de Gonzaga, uma intertextualidade vigorosa. O

que é natural quando manejada com talento a percepção do mundo exterior. Tudo

constitui uma grande narrativa sobre o ato e sobre a enunciação do sujeito. Não há

a possibilidade de travar um embate sobre o que chamamos de conflitos

permanentes, sem a inclusão direta entre o ser (pessoas), seu contraste

(sociedade) e a interiorização (conflitos psicológicos). Toda a ação desenvolve-se

na dependência dos personagens que criam o clima e a desenvoltura do seu

enredo. Todo o movimento vivenciado na ação é criado pelo confronto permanente

com os seus personagens que estão interligados. “Da janela do hospital” temos a

seguinte situação:

Fui acordado por um interno que estava curando, no sanatório, a tuberculose contraída em seis dos vinte e quatro meses que pegara na Penitenciária do Roger. Atendia por Concriz, era baixinho atarracado e chamava a atenção pela mania de estar sempre segurando o aro dos óculos e os cós das calças, como se os dois estivessem a cair. Achavam que ele era muito perigoso, não sei se por ter acessos furiosos de loucura ou por ter destampado a cabeça do gerente da fábrica de tecidos de Santa Rita, motivo de sua prisão. Só sei que era meu amigo fiel. - O Exército está nas ruas – foi como ele me acordou, na madrugada.

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Arregalei os olhos para as amplas vidraças da enfermaria, banhadas da claridade do luar, supondo que as “as ruas” do seu aviso fossem as de Jaguaribe, bairro do sanatório. Vivíamos em pré-revolução, tanto no campo, nas ruas, como, principalmente, nas imaginações politizadas mais sensíveis.[...] (GONZAGA, 2003, p. 96-97)

As rádios comentavam em tempo real o que estava

acontecendo.

Eu me internara, quatro meses antes, saindo desse cenário real e ao mesmo tempo imaginário de conflagração, envolvendo toda a Zona da Mata. Rio Tinto, Mamanguape, Sapé, Pilar, Itabaiana voltavam a revezar-se na vida e na História como sucessivos teatros de guerra.[...] (GONZAGA, 2003, p. 96-97)

Para que a prosa flua é importante ter em mente os argumentos necessários

para a defesa das situações ou simplesmente adverti-los de sua atemporalidade, já

que se tratam das descrições de tipos e localidades reais. Não estamos

comungando com a melancolia prosaica de romances que tentam nivelar a ficção ao

real, mas sim um ajuste do real sobre a ficção. Um elemento de sobre-apoio na

prosa cronística de Gonzaga.

Os personagens sofrem dos conflitos diretos de sua relação com o seu

mundo, são caracteres advertidos sob a inclinação psicológica dos modelos aqui

adquiridos (arquétipos), na condição de seres que compartilham de todas as

prerrogativas sociais. Estão dentro de uma narrativa e, como afirma Todorov

(2003), “toda narrativa é uma descrição de caracteres”.

Inventamos a fala dentro de um conceito de ordenação dos pensamentos,

em uma concatenação de sentidos para a sua validação. Mas o sentido é um grande

mistério, sentido na significação e sentido no processo de se fazer entendível.

Merleau Ponty (1955) afirma que “como o tecelão, o escritor trabalha pelo avesso:

só tem a ver com linguagem e é assim que, de repente, se encontra rodeado de

sentido.” O mundo e suas variantes que só são ordenadas pela linguagem típica e

única. O fazer narrativo, com raízes literárias.

Em sua observação analítica, o autor percebe o que está lá, pronto para ser

explorado. O que segue, são diferenciações especuladas num processo cognitivo

de descobertas e dar nova roupagem a esta observação. Essas revisitações existem

por causa da proximidade entre a crítica, que sobrevive da avaliação e do seu

criador, que se permite, com singularidade, a vazão às interpretações do seu

trabalho, tanto pelo grande público, como pela crítica especializada.

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O conhecimento da crônica está no que se explora, e que há grande valor,

por ser uma linguagem em que a palavra é revestida pelos sentidos e significados.

O grande espetáculo textual de explorar a vida em sua forma bruta, incutindo nas

reminiscências seus valores de conteúdos.

A fala do inconsciente fora traduzida, seus caminhos em que permearam a

construção e a condução dos elementos da prosa em crônica, um gênero da

redação literária utilizada do jornal ao processo de divulgação do cotidiano.

Todavia, encontra-se, assim, uma argumentação lógica, dentro do que propõe o

autor. Da janela do hospital, o autor revela que o plano da realidade pode ter

muitas interpretações. Primeiro a sua em particular, e outra, a do interno, que intui

as condições do tempo apenas como participante. Há a subjetividade da literatura e

a captação de um momento da realidade, importante para o jornalismo e decisivo

para a construção da crônica.

Temos no autor a liberdade da criação produzida sob a ação nos

personagens. Basta saber da revelação indicada sob o ponto de vista da

veracidade, do seu conhecimento, e do que viveu, nisto, há uma apropriação. O

conteúdo da crônica domina a ação nos personagens em seus enredos mais

variados. Os personagens são atores em sucessões de fatos. O consciente encontra

respaldo no conjunto da obra de Gonzaga Rodrigues. Todorov avalia e se

acumplicia nessa temática, isto é teórico, mas é também a produção do

conhecimento do autor sob a rotina, das vozes, da concentração física e da

ausência de uniformidade, traçada por acontecimentos que formam pedaços de

uma grande história. Este é o mundo de Gonzaga Rodrigues, de tal forma

elementarizado por tudo que indica passado e presente. Seu mundo é o mundo das

possibilidades.

Sua relação com o seu meio de criação, e o campo midiático, transformam-

se numa simbiose, dualizando entre o seu parecer, a técnica e a realidade, isso se

funde na elaboração dos opostos, o que se atrai e o que provoca apenas interesses.

Seu universo se expande, cria outras perspectivas: pensamento, memória e

imaginação.

A perspicácia que alude ao texto Gonzagueano faz-nos manter o olhar sobre

esses mecanismos distintos que descritos acima. Elementos decisivos da

construção própria de seu autor.

Sua temática aborda constantemente a vida cotidiana, a política, a amizade,

o regionalismo. Não são meros rascunhos de uma realidade simplificada, é tão-

somente as peculiaridades de um escritor demarcando a alma de um povo. Seu

provincianismo é universalista, tais quais as ordens demandadas sob sua pena: a

escrita é o signo elementar pelo qual o autor corrobora com o mundo e suas

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múltiplas faces, carregadas de almas, de sentimentos confusos, explicados,

esclarecidos e complicados. Isto se faz da realidade, do momento criativo, da

introspecção de demarcar seus personagens.

Quer se evidencie no passado ou no presente ou como reminiscências de um

lembrete, um pensamento que foi esquecido, há que se observar o que está

incutido nas entrelinhas. A apropriação de elementos corpóreos próprios da

linguagem do autor, como frases que ficam em suspenso agora, mas que tomam

sua real conotação mais a frente. Isso é prender por sua simbologia. Tudo remete á

um significado, estamos rodeados por um campo de imagens, de elementos que

figuram coisas que se identificam nas pessoas, da maneira de registrar um fato e

aguçar a curiosidade, o que fica claro é a veia do jornalista que pulsa através da

palavra e culmina com a produção da vida em prosa. O grande timoneiro viaja, vai

buscar suas raízes e especula-as, avizinhando o cotidiano e nele fazendo brotar o

talento prosístico, quer de um momento pessoal ou de um grande acontecimento

político, social ou artístico. Em “A fome, essa invisível”, ele retrata as mazelas que

acometem o homem nordestino.

[...] A fome anda, veste, vai à missa, à escola, vagueia entre uma calçada e outra e algumas vezes até responde que vai bem. Em alguns casos põe a bolsinha de lado, borrifa-se de colônias e alfazemas e em vez de objeto de angústia e revolta, oferece-se como objeto de amor. A palidez do rosto e o langor dos olhos confundem em tons de sensualidade romântica os sintomas do esgotamento. O desmaio da inanição travestido em ânsias de prazer. A lassidão do gozo e da morte confundindo-se. Quando a fome chega a ser doença não é fome. É avitaminose, tísica, distrofia. E é fácil e institucionalmente enganada: um naco de pão, um punhado de farinha, coisas que enganam o estômago, adiam o óbito e entram no sangue, com o mesmo teor de abstração das estatísticas da Economia e do Planejamento. [...] O Imperador se fez capaz de empenhar a coroa, mas o que desembarcou no Porto do Capim foi farinha, numa mobilização solidária que reunia vapores, barcos, trens e todas as tropas de jumentos que se entrecruzavam de Campina Grande a Mossoró. As páginas e Irineu Pinto estão cheias dessa farinhada. Como as páginas do IBGE, da Fundação Getulio Vargas e de outros órgãos oficiais de pesquisa estão cheios dos recordes que os milagres da integração nacional vêm nos propiciando: campeões de mortalidade infantil, campeões da morte precoce. Mas em nenhum cão a fome como sinistro, como tragédia aberta à comoção dos olhos televisivos da restante irmandade nacional. A seca, de tão repetida, já não comove mais. A fome é tão normal que é imperceptível. Não bate nem escuma nas calçadas como a epilepsia e, quando se junta e aquéia, não causa susto, á pena. É tão discreta, tão abstrata, que ainda não chegou a ser teatro. É romance na

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versão eslava de George Fink, de Gorki; na saxônia de Kipling; na sul-americana de Jacques Romain, na brasileira de Rodolfo Teófilo, Domingos Olímpio, Graciliano, José Américo, mas não chegou ao grande teatro. Que fazer? Em Patos, chegou uma mulher com oito filhos, oferecendo-os de porta em porta a quem lhes pudesse dar água e comida. Procurava as melhores casas, batia palmas e fazia a oferta: “Não quer ficar com um menino desses não, patroa?! A senhora escolhe. É tudo sadio. Só esse maiorzinho teve bexiga, mas ligeira. Fique, patroa! Os meninos eram as únicas sobras da seca. Perdeu-se o milho, o feijão, e o algodão. Só restavam os meninos. (GONZAGA, 1998, p.168, 169, 170,)

O homem como mercadoria, como produto à venda. Como desespero

também, se atentarmos ao caldo cultural de uma realidade que constrange e

domina a cena pelo obituário da seca. A seca como cultura nordestina. A seca como

realidade social, política e demonstrada pelo artista em seu canto sombrio de

repentista. A seca como histórias de sofrimento do homem nordestino.

Conta-se uma história verídica pela pujança da literatura. Anunciam uma

cultura local conhecida por todos. O nordeste como representante do “inferior”, do

“homem e da mulher” raquítica. A pobreza se anuncia como profecia aos quatro

cantos.

Anunciar a sua cultura, já que toda cultura não é uma invenção, apesar do

seu poder de restaurar-se, de reinventar-se, de se instituir a partir de suas

heranças. E não há ingenuidade em cultura alguma, por mais sutil que tenha

surgido, de forma pitoresca, inocente. Uma cultura só se esgota quando ela perde a

capacidade de se socializar. Dos detalhes faz-se a grande proeza, associada à

observação de seus sujeitos. Como anunciam alguns antropólogos que “o homem

cria a cultura como uns quadros de insatisfação permanente” (ULMANN, 1991

p.131), encontremos nessa assertiva o valor evolutivo que se concentra em cada

comunidade, meio etc.

Afirmar detalhes é meio que tropeçar no escuro, trata-se da definição de

uma arte antiga que o homem se apropriou e criou os mecanismos para

desenvolvê-lo: da fala á escrita. A crônica acima vai buscar na época do império

uma realidade contemporânea. Este conhecimento é pré-existente ao fato do

cronista denunciar e registrar estes acontecimentos. Tudo provém, antes, das

necessidades, do ambiente que propicia ou não certa regalia para essas revoluções

humanas. Todo o corpo social que hoje vivemos é fruto de um amadurecimento

intelectual acerca da capacidade do homem de se nivelar ao seu tempo. O

coloquialismo na obra de Gonzaga traz as reminiscências de um Brasil em

formação. Trabalhos que revelam a forte literatura e, como tal, defini-se como alma

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de um povo, cantada em prosa. O lugar, o convívio, as influências, famílias,

situações, descrições de tipos, a sociedade local, vexames, enredos, tramas

delineadas sob aspectos verídicos. Mas, por caminhos poéticos, o autor revela a

veracidade da vida diária. Edvaldo Pereira Lima (1993) referindo-se ao new

journalism como um experimento da realidade, aproxima a relação da crônica se

formos contextualizar, este, como um protótipo inerente a validade de conceituação

perante o jornalismo.

A chance que o jornal poderia ter para se igualar, em qualidade narrativa, à literatura, seria aperfeiçoar meios sem porém jamais perder sua especificidade. Isto é, teria de sofisticar seu instrumental de expressão, de um lado, elevar seu potencial de captação do real, de outro. [...] (LIMA, 1993 p.146)

A crônica quebra paradigmas. Por um lado, como literatura, sua

abstração da realidade forma com o cotidiano um mecanismo de

apreensão e de julgamento, ampliando as formas de saberes,

explorando a língua em sua expressividade maior; como jornalismo,

limita sua capacidade narrativa mediante um elaborado sistema ao

qual está ligada. Este é um sistema de empresa. E ainda, como

expressão ativa da literatura, rebusca o jornalismo pela sensação de

interagir com um espaço mais amplo: implementa a narrativa pela

captação do real, dando um formato mais elaborado a informação.

Se há uma rivalidade, esta é vencida pela literatura por que acolhe

com maior significância o apelo da língua, com todos os signos e

significados que se projetam no texto.

Podem-se elencar muitas formas de fazer literatura. Tudo se

prende á um processo imaginativo de criação, recriação, captação e

busca da perfeição no intenso prazer de viver o presente, descobrir o

futuro, explorar a intensidade dos sentimentos, e a ânsia da

conquista pelo outro. Jornalismo libera a apropriação de mundo de

forma mais estática. Apesar de estarem em terrenos diferentes, seu

modelo de manutenção é o mesmo, requisitam o objeto realidade

para explicar o que são, para que servem e do que sobrevivem.

Seria a crônica um estado de espírito?

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Na introdução da Teoria Literária, T. Eagleton faz uma

pergunta: O que é Literatura? – E ao mesmo tempo responde de

forma provocativa: “... defini-la como a escrita imaginativa, no

sentido de ficção – escrita esta que não é literalmente verídica”.

(EAGLETON, 1994 p. 1)

Há um passeio singular pela definição do autor que não

restringe a capacidade literária, mas a toma como uma dimensão

estética, que vive na recriação de seu ponto mutável, carregando-se

de sons, imagens, provocações, visões, etc.

Mas atrelar-se a verdade e a verossimilhança é em si um

propósito da distinção entre “fato” e “ficção” e mais, coloca um

esclarecimento “[...] e uma das razões para isso é a de que a própria

distinção é muitas vezes questionável [...]” (EAGLETON, 1994 p. 1)

O romance enseja um padrão criativo-especulativo, explorando

formas ulteriores, a supremacia “imaginativa” extrapola o cérebro e

concebe o que o próprio autor ignora no ato da criação: um mundo

distante, mas que aflora da ânsia de libertar-se, de sepultar o velho e

explodir o novo: contatos, lugares, espaços, pessoas, diferenças,

relações, diálogo, tempo.

[...] Talvez a literatura seja definível não pelo fato de ser ficcional ou “imaginativa”, mas porque emprega a linguagem de forma peculiar. Segundo essa teoria, a literatura é a escrita que, nas palavras do crítico russo Roman Jakobson, representa uma “violência organizada contra a fala comum”. A literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-se sistematicamente da fala cotidiana. (EAGLETON, 1994 p. 2)

O crítico degladia-se entre dois sistemas empíricos: a fala

comum e o cotidiano. Esse afastar-se não significa desmembramento,

mas sim, outra esfera de colocação, pois se mantém na arte da

linguagem um espaço entreaberto para justapor-se, para fazer dos

dias um eufemismo ou um estrangulamento dos sentimentos que

afloram do autor para a literatura.

È a personificação dos tipos que recriam a partir do outro, um

lugar ou um lugar desconhecido, um limiar afeito da espontaneidade

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que surge e ressurge a todo instante. Esse lugar é o espaço, um

espaço geográfico sem fronteiras, ou o não-lugar, por conceber

nomes ou a ausência deles, mas que sentimos por sua verdade de

existir, existir no teor da ficção, existir na predisposição de esclarecer

e manter o leitor vivo e pulsante através da leitura de uma obra

literária. Como sentir o oceano de Julio Verne em as 20 mil léguas

submarinas? – Sente-se pelo mecanismo da pulsação da leitura. Uma

extensão entre texto, autor e leitor. Mas sem esquecer R. Jakobson

pelo fato de ser “ficcional, imaginativo.” (EAGLETON, 1994 p. 2)

Conceituar a linguagem como uma simples manifestação é limitá-la.

“[...]A linguagem é o sistema fundamental e primordial de criação e

significação do mundo, [...](DUARTE JUNIOR, 1991 p. 23)

A literatura insinua a estética captando a alma de um povo

escrita em prosa e verso, isto a situa em sua universalização, e que,

a mesma, não está presa a regras rígidas, faz parte do humano e de

suas variações “... Como todo ser humano, cada obra de literatura

tem as suas características individuais; mas compartilha também de

propriedades comuns a toda a humanidade...” (WELLEK, WARREN,

1955 p. 18)

A obra literária se faz resultado da necessidade em exploração

do dia-a-dia, das manifestações culturais intrínsecas a cada povo,

país ou região. Essa é uma característica das fronteiras da literatura,

como também, o inverso dessa mesma fronteira que extrapola as

linguagens e suas variações de gênero. A sociologia da literatura é

uma realidade, ela faz o contraponto com a História e a Geografia,

ensejando em seus versos ou em sua prosa mais extensa, quer seja

em romances, contos ou crônicas, o registro de suas épocas e de

seus comportamentos. É a sociedade demarcada no seu tempo e

espaço: como pensar o comportamento dos Gregos na Antiguidade

Clássica sem pensar em Homero. Como pensar a cultura clássica

Italiana sem lembrar Dante Alighieri. Como pensar a sociedade

brasileira em seus primórdios sem pensar na acidez de Gregório de

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Matos, sem pensar em Castro Alves e sua luta pela abolição quando

ainda éramos colônia, em José de Alencar em sua metalinguagem

romântica, sem pensar em Machado de Assis e os contrastes políticos

de um país e sua sociedade local, quando já éramos nação, sem

pensar em Euclides da Cunha em “Os Sertões”. “[...] Tanto o

criticismo literário como a história literária visam caracterizar a

individualidade de uma obra, de um autor, de um período, de uma

literatura nacional.[...]” (WELLEK, WARREN, 1965 p. 18)

A fonte inesgotável das narrativas, descrições, dissertações

completas das maravilhas humanas e o seu repercutir. Traça-se uma

linha divisória entre a razão e o gênero, os autores nos reverenciam,

são eles os mestres da atemporalidade que evocam o passado e

pensam o futuro, à exemplo de Julio Verne, H.G. Wells. A literatura

fantástica em sua categoria expressiva com Gabriel Garcia Marques.

Tudo alude ao pensamento e a linguagem, são coisas indissociáveis

que para evoluírem agregam-se valores que se constroem ao longo

de períodos extensos, criando assim as temáticas que fluem nas

literaturas: o regionalismo, as denúncias, heroísmos, dramas, etc. “...

e a literatura pode ser usada pelo historiador como um documento

social...” (WELLEK, WARREN, 1965 p. 34)

Referir-se a função da crítica literária é antes de tudo, estudar

seus meandros, as particularidades que desencadearam tal obra de

arte, ou tal documento que vem à posteridade para esclarecimento

da humanidade.

A crítica carrega em seu âmago a responsabilidade de julgar,

ser imparcial. Seu parecer se apega a obra, pois é de relevante

importância o meio ambiente onde ocorreu a criação literária, mas

liga-se diretamente aos personagens. Aferir valores que demarcam

pontos cruciais para distinção de escolas literárias, obedecendo a

sistemas e critérios que muitas vezes desagradam, mas que foram

criadas dentro de uma ordem científica vigente em cada período,

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basta perceber a metrificação do Parnasianismo, e a liberdade do

Modernismo.

A liberdade que se impõe na literatura traz um conhecimento

específico. “O absoluto da arte é relativo à nossa cultura.” (COLI,

1995 p.66). Faz parte de um imaginário que vai além da ciência

exata, a precisão não é o seu forte, o que não quer dizer que ela é

imprecisa, pois documentos históricos foram de vital importância, por

exemplo, a Carta escrita por Pero Vaz de Caminha encontrada na

Torre do Tombo, em Portugal, que se constitui o documento mais

antigo da descoberta do Brasil.

Dentre tantas funções na literatura, as especificações norteiam

a sua sobrevivência, quer se figure na ficção ou em outras áreas do

saber, só que “[...]a literatura traz um conhecimento daquelas

particularidades que não são de conta da ciência nem da filosofia.”

(WELLEK, WARREN, 1965 p. 35)

È um saber desprovido de travas, pois sua função está

relacionada ao povo e direcionada ao povo em sua forma mais

comum, e o escritor se faz responsável pela tônica do desenrolar de

novas formas de criação.

Wellek e Warren apontam situações interessantes, vejamos:

“Das concepções segundo as quais a arte é a descoberta ou a

intuição da verdade, devemos distinguir uma outra concepção, que

afirma que a arte – especificamente a literatura – é propaganda.”

(Wellek, Warren, 1965 p. 39). Podemos confirmar essa assertiva em

descrições de tipos, de uma literatura reconstitutiva, baseada na

difusão apologética de uma nação. A literatura americana (EUA) é um

exemplo típico de tal propaganda. Uma sociedade moderna,

poderosa, cheia de si, que alarga suas fronteiras pela imposição do

seu idioma, e poderio bélico; sua produção literária está assoberbada

de sua cultura militar e do forte espírito nacionalista, patriótico,

cravada no espírito de cada cidadão americano – é o orgulho do estilo

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e modo de vida americano: American Way of life. O cinema tornou-se

sua principal propaganda.

Ater-se ao domínio de julgamento prestando atenção no

equilíbrio da obra que se refaz a partir do ponto de vista de cada um:

assim é principalmente na poesia, ou outro escritor com visão mais

pessoal, à exemplo de Clarice Lispector ou Kafka. Em Dostoyevski e

Leon Tolstoy encontraremos o cotidiano da Rússia do século XIX e os

temas abordados, desde a política à traição como em Os Irmãos

karamazov e Ana karenina. “...A função da literatura, segundo alguns

técnicos, é aliviar-nos – sejamos escritores ou leitores – da pressão

das emoções.”. (WELLEK, WARREN, 1965 p.40 ,41)

A literatura também concorda com o fato da transcrição do real,

a verossimilhança retém as imagens e concretizam as formas

exploradas pela aproximação da realidade para a elaboração dos seus

variados gêneros: poesia, romance, conto, etc.

Já se afirmou que a crônica e o jornalismo encontram sua verve

na vida real. Afirmou-se na verossimilhança da literatura, isto é, de

sua transcrição aproximativa do real. O que seriam então, as

verdades na literatura? Segundo Wellek e Warren,

[...] A verdade na literatura seria a mesma verdade fora da literatura, isto é, o conhecimento sistemático e públicamente verificável.[...] (WELLEK, WARREN 1965 p. 37)

Escrever a passagem transitória entre mundos tão aproximados

converge para a distinção entre a verdade e a semelhança. Diante

disso, quem escreve, escreve o que está mais próximo de sua

experiência. Seu pensamento ao criar o romance intui na percepção

de seu mundo captado sob esta verossimilhança de modelos em que

a vivência, o sentir, as lembranças, até as frustrações, criam em seu

personagem a extensão de seu mundo. Não existe uma passagem

mágica para descrever o invisível, até este invisível se coloca no

agrupamento das experiências, elas refletem na obra a posição de

quem se coloca como coadjuntor de sentidos. Criam-se sob sua

especulação, o enredo tramado por uma estrutura de experiências

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pessoais que armazenou durante muito tempo a memória e os

reflexos. Imaginários reconstituídos na totalidade da crônica, do

conto, romance e da poesia.

Segundo Eastman, o escritor imaginativo - e especialmente o poeta – entende-se mal a si próprio se pensa que o seu papel primordial é o de descobrir e de comunicar o conhecimento. A sua função real é a de nos fazer aperceber daquilo que nós vemos e de nos fazer imaginar aquilo que nós já sabemos conceptualmente e práticamente (sic). (WELLEK E WARREN 1965 p. 37)

Este imaginar toma para si, enquanto escritor ou poeta, aquilo

que o jornalismo realiza em sua convergência com a literatura, o

elemento surpresa, que toma como espanto o resultado de um

trabalho. O poeta, escritor, deixando-se levar pelo processo criativo,

rememora espaços e ambientes unificados em sua memória, repõe

um modelo de pesquisa, de recriação. O mundo das expressões é

este novelo que tece o que já se permite conhecer, mas em outro

nível. Este nível caracteriza a possibilidade do mundo real, seu

conhecimento é comum a todos, a descoberta figura outro

quantitativo, já que enquanto função de artista da palavra, seu

talento explora um universo em que os homens e mulheres já são

protagonistas. Tudo se encontra no lugar de sempre. A crônica não

dualiza nesse conceito, ao contrário, faz-se cúmplice da literatura,

esse aspecto do publicamente verificável é o que traz como exemplo

esta afirmação de Eastman, “conceptualmente e práticamente (sic)”.

A crônica, assim como a literatura é um alerta para o leitor, de

esclarecer determinados objetos e situações em que estamos

inseridos e que tantas vezes tomamos conhecimento, mas é mais

fácil ignorar. As guerras são elementos publicamente verificáveis, a

conhecemos de forma conceitual e prática, mas enquanto não é

conosco, preferimos apenas estar informados, quer seja pelo

elemento histórico, onde o passado é um grande contingente, ou se

no presente em que as notícias abordam sua repercussão em âmbito

social. Para Luhmann “[...] tudo o que sabemos sobre a sociedade, o

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mundo, a história, a natureza, o sabemos só e tão-somente pelos

meios de comunicação. [...] (MARCONDES FILHO, 2004 p.403) A

difusão pela máquina. O livro formatado, pronto, é resultado da

máquina. O jornal impresso é resultado da máquina. Eles são meios

de comunicação social. Mas são textos. E o texto? A máquina não cria

o texto. Mas enquanto técnica ela produz e reproduz o seu formato:

jornal ou livro. A máquina não é um gênero . A máquina não pensa.

No máximo, processa.

A crônica como cria do jornalismo é um meio de comunicação,

sua interação concentra a relação de informar sob uma nova ordem:

o humanismo. Apesar de muitos cultores terem encontrado na

crônica um espaço residual das mídias como escritores e jornalistas,

tendo na poética a forma de expressar seu pensamento pelas

opiniões, como acadêmicos, em sua defesa de gênero maior há muito

poucos. Entre esses poucos estão: “[...] Agripino Grieco, Afrânio

Coutinho, e Massaud Moisés.” (MELO, 2003 p. 161)

Depois de toda essa discussão, pergunta-se: Será que a

crônica surge a partir da experiência pessoal do homem enquanto

produto-do-meio? Essa carga cultural libera a visão do homem

enquanto escritor? O espaço-geográfico é o fio condutor da crônica e

deste para o indivíduo como personagem, e “A literatura é uma

instituição social que utiliza, como meio de expressão específico, a

linguagem – que é criação social.[...]” (WELLEK, WARREN, 1965 p.

113). O jornalismo pressupõe um jogo de comunicação. O

entendimento e a capacidade de percepção do leitor são essenciais no

jornalismo, assim como na literatura, embora ambas tenham funções

distintas na sociedade.

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CAPÍTULO II

2.1 O MUNDO RURAL DA LITERATURA

“Nós sempre vamos ser o outro de alguém...” Sebastién Joachim

2.2 O campo: memória, imaginário, identidade

Neste capítulo, o embasamento da memória, imaginário e identidade tem

uma ligação com o seu aspecto fundante: reter, transformar, acumular, reconstruir,

permanecer. Estes elementos apóiam-se no embasamento das crônicas de Gonzaga

como elemento substancial de provas elementares da captura de um tempo

passado, mas guardado em algum lugar. Sua importância é o resgate de uma teia

social que gera a “dispersão de relatos”, “o memorável”, “o movimento” (DE

CERTEAU, 1994), em que indivíduos, sentimentos, lugar, simbolizações, fatos,

emoções deixam rastros na invisibilidade da memória, na visibilidade da

reconstituição pelo imaginário e pela afirmação/confirmação do lugar pela

identidade. Memória é o ambiente abstrato em que se guardam as experiências, as

lembranças, os significados para a apropriação da vida.

Imaginário radica do latim imago-ginis. No imaginário os

significados ampliam a forma de designar a representação de um

objeto ou a sua reprodução. Estas reproduções podem ser mentais:

sensação na ausência da causa que a produziu. A especulação de um

retorno de um tempo-espaço em que o estado da verossimilhança

tem como quebra de seqüência as informações fragmentadas.

Segundo Durand, o imaginário é o

[...] conjunto das imagens e das relações de imagens que

constitui o capital pensado do “homo sapiens”, o grande e

fundamental denominador onde se encaixam todos os

procedimentos do pensamento humano [...] (DURAND, 1997

p.14)

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Neste imaginário, segundo as concepções de Durand, o homem

em sua capacidade de raciocínio constitui sua base de

aprimoramento, um lugar sólido em que pratica sua condição de

modulação de pensamento, e a partir disso a formação de sua

história pessoal ou coletiva, para poder existir e ter noção dessa

existência. A troca de experiência, a troca de significação das

imagens e sua relação com estas imagens convertem para a

dominação de tudo que o cerca. O mundo por ser vasto, delimita no

homem esta capacidade de entender que o lugar onde habita é a

extensão de sua casa e de suas relações. Estes procedimentos, ainda

segundo Durand é fundamental para que se criem laços, perdurem,

se dinamizem, conferindo uma realidade com personalidade e

essências próprias. O raciocínio é o que caracteriza o “homo sapiens”,

o poder da lógica associando-o às imagens: isto equivale à isto. O

homem tem a capacidade de discernir, dar nomes, acumular

conhecimento, “[...] o imaginário não só se manifestou como

atividade que transforma o mundo, como imaginação criadora, mas

sobretudo como transformação eufêmica do mundo, como intellectus

sanctus, como ordenança do ser às ordens do melhor [...]” (DURAND,

1997 p. 432).

Durand aprimora a constituição básica: a existência. Aponta

que, à partir do imaginário o homem revelou para si segredos que

incomodavam, os códigos foram criados para auxiliarem-no no dia-a-

dia. A relação eufêmica já se diz da própria necessidade de se recriar,

refazer, reconstituir-se como um sintoma natural das coisas da

natureza.

A informação como valor estrutural e dinâmico, demonstra aspectos de um

uma sociedade que se projeta e se renova. Saídas e entradas de contingentes

humanos que através de décadas, séculos, motivam as transformações que

desencadeiam em novas realidades, novos pensamentos, novas formas de agir.

O fator identidade tem sido importante para amparar questões de pertença

entre as pessoas e seu ambiente originário. Tem mostrado um aspecto revelador da

cultura, como afirmação do “si mesmo” e vetor de mudanças no âmbito literário,

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em que as pessoas nas crônicas de Gonzaga acumpliciam e dualizam com a sua

existência. Esta identidade cria uma afirmação do “ser” para além do personagem

em si, como já se afirmou, não é uma mera criação do gênero ficção, mas uma

elaboração do passado no resgate da memória no presente.

A literatura tem registrado esses contingentes, quer seja em crônicas,

poesia, romances, independente do gênero, mas acima de tudo, mostrado que a

escrita ainda é o principal caminho pelo qual se perpetua os acontecimentos. Nela

fixam o tempo pelos códigos da língua. Congregam as ações do homem relatados

no presente, revelados no futuro e revividos pela memória e imaginário.

No livro “Notas do meu lugar”, vimos um desmembramento de várias

partes: Jeito de Ser, Cidade Pessoal, Gente, Memória Rural. Analisaremos a

Memória Rural, parte reservada pelo autor como aquelas crônicas que remontam a

periodicidade de um tempo longínquo, mas forte o suficiente para fazer dessas

memórias um elevado número de ações e de comportamentos que se registram

pelo autor.

Contrastando com várias pesquisas que já se debruçaram sobre questões

literárias de campo e cidade e de suas diferentes transformações e como, de

repente, o campo demonstra aspectos pelo seu esvaziamento e o inchamento das

cidades, fatos ocorridos através dos séculos e que foram se acentuando, um dos

casos mais notáveis é a Inglaterra da pós-Revolução Industrial. O crítico inglês

marxista Raymond Williams, escreveu sua obra O Campo e as Cidades na História e

na Literatura (1990) em que faz uma análise reveladora de inúmeras obras

literárias e demonstra o acentuado grau de alterações sem precedentes nas

relações entre Campo e Cidade. Registros de escritores que perfazem sua trajetória

em seu ambiente social, incutindo ainda mais o valor da literatura e sua relação

com a história e mais recentemente com a Sociologia. A literatura habilita a

factualidade pela memória do autor, ou em larga escala, pela vivência diária, isto

demonstra a preocupação de escritores em afirmarem seus períodos, fixa, com

muita propriedade, um legado firme da história e sua sociedade. Afirma-se este

exemplo, dado sua importância, pois seu aspecto é literário, de teor abrangente, no

qual ofereceram as condições ao autor de comprovar lugares, endereços,

residências, etc. através de outros escritores que viveram séculos antes. A

tentativa é mostrar que a função do escritor foge até mesmo a sua lisonja, pois

tantas vezes, foram eles os responsáveis em demarcar os acontecimentos da

história, quer seja em prosa ou em verso.

A vida do campo e da cidade é móvel e presente: move-se ao longo do tempo, através da história de uma família e um povo; move-se em sentimentos e idéias, através de uma rede de relacionamentos e decisões. (WILLIAMS, 1990 p. 19)

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Em Gonzaga temos o vasto campo da memória como regressão sintomática

de um estado de espírito, voltando de um tempo passado, mas que é o mesmo

sintoma de uma relação pessoal entre sua infância e o interior em sua origem,

reforçado pela presença humana como condutora de sua experiência e de sua

prosa.

A mídia introjeta outro nível de especulação, pois acentua a natureza da

literatura pelo jornalismo como canal entre a sociedade e a abordagem elementar

da informação como entretenimento. A crônica perfaz esse caminho de informar,

entretendo.

O homem do campo é este homem do primeiro momento - das descobertas

(reminiscências). O trato biográfico e sua relação incisiva com o conteúdo histórico

contextualizado, desmembrado em vários corpos, e isto corresponde a sua terra,

sua cultura e ao próprio homem. Portanto, iremos rever vários momentos da

criação em estado de formação.

A ligação expositiva da obra neste meio rural coloca Gonzaga como autor

descritivo, passional e biográfico. Mas, todo o sistema apresentado por ele induz a

prévios conhecimentos, como já se falou anteriormente, trata-se de um trabalho

passível de comprovação e não um mero jogo de criação especulativa. Sua relação

com os símbolos e sua representatividade é notória assim como fizeram Leon

Tolstoi, Lima Barreto, entre outros. Sua prosa é singular, são raízes culturais que

emanam do povo. Sua fonte de especulação são as memórias do passado, nisto,

recriando sua paisagem pelas imagens do seu imaginário. Seu rebuscamento é

coloquial, onde se extraem os vícios da linguagem e de como as pessoas

acentuavam nomes e davam relevância ao trato pessoal, interagindo entre o lugar

e seu modus operandi, uma ligação direta do homem e sua origem.

Quando a Paraíba descobriu a agave, não houve lavoura de batata ou vagem que vingasse debaixo da terra. Mandioca de plurais diversidades, manipeba, manivainha, curuvela, passarinha, eram extraídas do chão generoso para dar lugar às grossas touceiras de dedo de cão. As fofas terras de sustento eram desamojadas das crias tuberosas para espetar a vista e os céus do Brejo. Baixios e serrotes espinhavam até onde a vista desse. [...] O apelidado capitão foi o único, nas cercanias, a não subverter a função de terra. - Ninguém come agave – era a sua razão. [...] Nunca imaginei que o mundo precisasse tanto de corda, gritou o Coronel Antônio Barbosa de Souza, avô materno de Chico e Edísio, o homem que mandava em Alagoa Nova e fazia medo a Alagoa Grande. - No dia que o Queradeus arrombar, Lagoa Grande se afoga – era o povo que dizia. [...] Tempos depois a cidade começou a se desarrumar, gente de raion e borracha branca voltando a botar água, nego de pisante de loja recorrendo à sola dos pés. A euforia

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agavieira perdera o preço e a posição. As afiadas pontas do cão voltavam-se contra seus autores. Uma tristeza de tanta terra perdida, com exceção das do apelidado Capitão da curuvela, manivaninha e manipeba.( RODRIGUES, 1978 p.161 a 163)

As partes da crônica acima, Capitão Manipeba, já incitam a uma crônica de

costumes, onde se evidencia o cotidiano. Como a mudança de uma simples cultivar

(mandioca) pode alterar a rotina e o comportamento de um pequeno lugar. A

economia, importante no mundo inteiro, está presente na renda de uma região que

explorava a mandioca como principal fonte de recurso para sua manutenção, sendo

substituída bruscamente pelo agave, a produção de cordas era um mercado novo e

veio como meio de ampliar os recursos dessa região. De repente, esqueceram a

mandioca, que por gerações alimentava famílias e o comércio local. Como as

pessoas se adequam a novas situações, a reação é local, mas de reflexo

sobremaneira econômico que diz muito de como uma sociedade pode se nivelar as

suas condições de vida.

Bastava o tempo de sua infância para contar estas histórias. A memória oral

por muitos anos obrigou centenas de sociedades primitivas a guardarem através de

suas gerações a vida comum de seu povo que se construía, se refazia e superava-

se através do tempo.

Esse período da vida interiorana captada pela crônica guarda em seu bojo a

lacuna principal entre pessoas do lugar e seu cotidiano, incitando um novo formato

de agir. Talvez um lapso de esperança tenha efeito nas pessoas no mesmo patamar

da desconfiança. A cultura local, representada na mandioca, tem sua origem como

cultivar desde os índios, que já a exploravam. O dedo do cão era o nome dado a

agave, inclinando a posição do homem brejeiro de fazer alusão ao cão/demônio,

algo que perfura, espada, coisa negativa. O brejo é uma região de clima mais frio,

solo favorável a cultivar da mandioca, como também favorece outro tipo de

consumo, a cachaça. Este exemplo é para mostrar que a adaptação da mandioca a

este clima demonstra no povo, a necessidade por comida energética. A mandioca

faz essa ligação. Relatos que caracterizam o passado, uma memória resgatada.

Gonzaga utiliza desses mecanismos de forma recorrente, vai buscar por um estado

de regressão as lembranças de algo memorial. Há uma intenção similar de utilizar o

meio estético da consciência, reconstruindo um pensamento já emancipado. O

pensamento é o que guarda e o que resgata a consciência do campo. Este campo

deve ser entendido como espaço de projeção do homem “infante”, do homem

berço. Observa-se uma quebra estrutural de continuísmos, outra membrana de sua

obra que aos poucos ele vai retendo, aprisionando a memória em sua imaginação.

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Revertendo seus conteúdos em tópicos: assunto a assunto. Suas crônicas falam de

uma infinidade de acontecimentos.

A dispersão dos relatos indica já a do memorável. De fato, a memória é o antimuseu: ela não é localizável. Dela saem clarões nas lendas. Os objetos também, e as palavras, são ocos. Aí dorme um passado, como nos gestos cotidianos de caminhar, comer, deitar-se, onde dormitam revoluções antigas. [...] Os demonstrativos dizem do visível suas invisíveis identidades: constitui a própria definição do lugar, com efeito, ser esta série de deslocamentos e de efeitos entre os estratos partilhados que o compõem e jogar com essas espessuras em movimento. (DE CERTEAU, 1994 p. 189)

A dispersão que fala De Certeau é um desmembramento das memórias.

Essas memórias que caracterizam a forma peremptória do texto, um

desmembramento de situações vividas em períodos variados do tempo. Se isto

significa uma quebra na relação de concatenação pelo fator seqüencial do tempo,

afirma também por outro lado, que as lembranças têm de fato este conceito, de

estar em lados opostos da vida presente, e se for presente em aspecto temporal, é

uma regressão da memória, mas que ficam guardados os resquícios que podem

tomar formas e conotações diversificadas. A memória é armazenada. Localizar

estes períodos não atenta para classificar os detalhes em sua realidade, mas sim,

uma revitalização do que fora a realidade. Como o próprio De Certeau (1994)

afirma, “aí dorme um passado”. Os objetos determinam pontos de apoio que

notabilizam por sensibilidade a força que tem as coisas: casas, roupas, moeda. O

uso de seus atributos como amparo da vivência e da troca da interpelação pessoal.

Mas eles são solúveis, se diluem diante de um contexto maior: a vida humana.

O compartilhamento entre o visível e o invisível é mais uma afirmação da

memória pelo resgate mais próximo: as lembranças. O transbordamento desses

endereços da memória guardada pela experiência, como a prova tácita da

existência na troca e busca da afirmação pelo viés da sociedade congregam no

indivíduo as suas identidades, De Certeau vai apresentar suas mudanças pelo

cotidiano, uma técnica intuitiva pela valorização dos espaços assimilados, o lugar

de sua realização, de sua revitalização, de suas confrontações perante o si mesmo

e outro. A apropriação de suas afirmações como indivíduo em seu reduto e do seu

papel no entrave social que determinam papéis importantes em uma hierarquia que

se torna consolidada á partir do que se representa para uma comunidade. A

desmistificação entre o forte e o fraco; o rico e o pobre. Essas demandas

pressupõem movimento, pois tudo está carreado de informações particulares, uma

cadeia produtiva de signos, de indiciamentos, de constituições, de formações de

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papéis. O lugar condiz com as pessoas e desses para estrutura social em que se

amparam.

Os personagens cumprem sua rotina e nela se vêem representados na

literatura, localizados no escopo da história como a força perspicaz de uma retórica

inclinada à vida, e a vida como ela é, indo e vindo em um mundo resgatado, em

que a imaginação formula a exposição da ficção criativa; a esse teor ainda não se

sabe negativo ou positivo, mas é o universo concentrado por uma veia artística que

explora a relação do pensamento com os sonhos e desejos dos homens.

O escritor pondera seu tempo. A empolgação do agave passou e tudo voltou

ao normal. O autor se refere a esse fenômeno através do verbo “desarrumar”,

estabelecendo a ordem do social. As pessoas saíram do seu transe e voltaram a

cultivar sua tradicional mandioca. O consumo pelas chinelas de raion, tece outra

forma, que o costume em sua mutabilidade, obedece a critérios humanos.

Identidade caracterizada pelo desejo de sentir o chão sobre outro ângulo. Este

ângulo é a auto-afirmação de suas vontades em experimentar o novo. A novidade

que cria um aspecto de individualidade entre todos, demarcando assim, os papéis

implícitos que cada um desenvolve. Essa identidade propõe um terreno de muita

mobilidade.

A identidade é de fato algo implícito em qualquer representação que fazemos de nós mesmos. Na prática, é aquilo que nos lembramos. A representação determina a definição que nos damos e o lugar que ocupamos dentro de um certo sistema de relações. (SODRÉ, 2000 p. 35)

A identidade cria o modo de individualização. Com já se afirmou, ela define

papéis, em que cada um tem noção do que faz, para quem faz e por que faz. Esta

afirmação, no entanto, não é categórica. É o instrumento do conhecimento pessoal.

O universo de sua representação se concretiza a partir de si mesmo e do seu

reconhecimento da vida. O interior é um lacuna aberta no tempo, porque é também

o interior de uma alma humana que oscila entre o imaginário e o mundo real.

Apesar de estarmos numa ambivalência crítica que denota um forte hibridismo no

escritor, ora exprimida pela literatura, ora ensejada por um exercício de jornal, o

mundo é antes de tudo uma fusão de mundos particulares, o autor não está só, ele

se constrói em conjunto por essas espessuras. De Certeau aplica essa espessura

numa camada de vozes e sentimentos particulares para exprimir o que ele vai

chamar de “movimento”, constituindo o lugar e os sucessivos deslocamentos. Nisso

estão às relações de senhor/empregado, comerciante/consumidor, homem/mulher.

Portanto, a terra que flui de Gonzaga é a mesma terra de sua alma,

ampliada, amadurecida, de forte relação com a expressividade simbólica, um

mundo das reminiscências, da representação social enfática, o textual pautado na

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demanda da recriação, sua prática elucida o caminho já feito, vivido, um passado

composto por vários caminhos, mas delineado pelo real (sua realidade). Lembra a

terra natal com riqueza de detalhes e com a alma pulsante, resquícios de sua

relação humana entre o povo, o lugar e o convívio, formas cruciais na

interculturalidade adjacente de seu teor crítico entre o jornalismo e a literatura, em

que perfaz o seu ponto de difusão, de levar ao conhecimento da massa o seu

refazer de mundo, seu processo de ressignificação.

A literatura abre a consciência para outro domínio da percepção e dos

valores humanos: a ética. A ética sentencia suas regras pela atitude comum a

todos, mas isso não se diz de forma generalizada. A individualidade também

concentra o conceito da ética de forma pessoal. Por este atributo comum, a ficção

toma como quadros o poder de definir a partir de suas crenças e das influências

recebidas, quer seja pelo lugar ou de alguém, o cotidiano de tradições de uma

comunidade. A história contada nas crônicas de Gonzaga tem uma grande

responsabilidade de manter a fidelidade dos fatos, a imaginação não pode ser

influenciada pela ficção, essa ficção é advertida para não forjar uma sociedade

inventada, criada, estamos no campo da elucidação das experiências, no campo

tangível, por mais que se encontre no campo da memória. A memória e suas

histórias revelam um tempo passado, comum a todos ou individual. O texto

mantém um parecer sobre a seletividade da memória. Elas representam a

capacidade do homem em sua busca de concentrar seu foco em sua existência

como permanência de um corpo que permanecerá ainda por muito tempo. Na

memória ficam os acontecimentos em suspenso, que quando resgatados indicam

suas identidades, suas ideologias e suas formas de produzir elementos simbólicos.

A ética sob este ponto é um escrutínio que vai permitir a veracidade da obra ou os

meios influentes da ficção para contar algo apenas parecido com o que foi.

A ficção literária é lugar privilegiado para o escrutínio da ética conformadora de consciências. Quando incorpora aos textos, por meio de acontecimentos e tradições, as múltiplas formas de historicidade comunitária. O texto é cena de vicissitudes da representação e das ideologias identitárias. (SODRÉ, 2000 p. 143)

Seu prisma de mundo, no vernáculo Gonzagueano imprime este lado, a

recriação conceitual ou a sua intervenção de mundo. Sua obra vai a todo o

momento recriar seu mundo a partir de suas memórias. A multiplicidade de corpos,

a estreita relação com as origens. A origem do escritor. As experiências do autor

são raízes refletoras da atitude que permanece a degladiar entre o homem e o

escritor. O homem é o jornalista; o escritor o literata. Parodiando Merleau Ponty,

(1955) temos uma leitura enigmática em que o homem insiste em reaprender a ver

o mundo. Vejamos a crônica “Renda Postal.”

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Como o Portugal anterior à Revolução dos Cravos. Alagoa Nova está vivendo de envelope, isto é, da remessa postal gerada pela emigração. Todo fim de mês, entre os dias 30 e 10, a rua e o mato passam a girar em função da agência postal, que em minha terra assume um papel muito mais importante que a agricultura e a indústria na formação da renda de seus filhos. O dinheiro vem de São Paulo, do Rio e mais recentemente, do Paraná. São os filhos sem trabalho, os maridos sem terra, os velhos que a agricultura desenganou. Mas debaixo das construções, cavando os metrôs, mais longe que esteja, continuam filhos e maridos. O correio é o símbolo dessa fidelidade. Ao visto é a esperança. [...] A verdade, entretanto, é que Alagoa Nova passou de uma economia agrícola a uma economia postal, da qual estão dependendo a infância e a maternidade da terra. Somos os destinatários da mão-de-obra pobre de São Paulo. O correio, a fonte pagadora. (RODRIGUES, 1978, p. 165, 166, 167)

Mais uma vez a representação econômica dita às regras de sobrevivência do

lugar. A vida precisa continuar, mas a terra está extenuada, é preciso ir buscar

esperança em outras paragens.

Esta realidade figura até os dias de hoje. Dissecando a realidade

contextualizada com o passado temos o reflexo de uma cultura de migração forte.

Famílias inteiras, ou apenas membros se deslocavam de suas origens para ir buscar

a sobrevivência em outros estados. São Paulo tem forte índice de nordestinos,

reflexo dessas migrações ao longo de décadas. Este espelho da vida incita os

nordestinos como os homens que construíram São Paulo. Isto é a história das

necessidades.

Toda a relação se mede entre dois paralelos: a estrutura dos elementos

históricos e a sociedade localizada em estados de pobreza e dependência

econômica. O sudeste propicia trabalho e o nordeste oferece a mão-de-obra. A

fuga de homens e mulheres em busca de novas condições também alteram sua

relação econômico/cultural. Temos um ambiente indefeso, sua manutenção

depende das condições de trabalho do eixo Rio - São Paulo. Enquanto isso, a

identidade econômica de Lagoa Seca sofre um percalço, a “cidade e o mato” vivem

da espera isolada, criando um estado de passividade latente entre os indivíduos,

agora, tudo se concentra em torno dos Correios, um sistema operacional que

interliga a cidade do interior do nordeste com as metrópoles do país. O povo a

espera de cartas. Nisso, se tornam o correio, Banco e consultor de esperanças.

Essa mobilidade parece ser técnica, mas engana-se se pensarmos nisto como um

mecanismo apenas de sobrevivência, isto vai explodir a questão da formação de

novos indivíduos que se criam na ilusão de um mundo idealizado, como se fosse o

país das delícias. O eixo que os mantém, explode como uma cadeia de identidades

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que parecem renegar suas origens pelo desejo de ter outro patamar de vida,

distante de sua terra natal. Essa realidade incita na criação de um mundo desejado,

salvador da pátria. O desenlace em Gonzaga perante a crônica “Carta Postal” nos

diz mais do que apenas lemos. Há mais coisas incutidas. Temos um complexo

mundo de relações, em que o sujeito altera a visão do seu mundo, pela idealização

de outro desconhecido. As entre-linhas da crônica fomentam para o aspecto

sociológico. Tudo vai fazer referências ao outro lugar, ao lugar desconhecido, ao

mundo difundido pelas cartas. Alteram-se as relações entre os indivíduos, cria-se

assim, uma identidade literária forjada pela visão e pelo sentimento de alguém

distante e mantenedor de vidas.

Dizer identidade humana é designar um complexo relacional que liga o sujeito a um quadro contínuo de referências, constituído pela intersecção de sua história individual com a do grupo onde vive. Cada sujeito singular é parte de uma continuidade histórico-social, afetado pela integração num contexto global de carências (naturais, psicossociais) e de relações com outros indivíduos [...] (SODRÉ, 2000 p. 34)

A migração na literatura de Gonzaga expõe com certa singeleza a real dor

dos indivíduos, que arrancados de seu solo original, vão sedimentar outras

características, que, somado as suas, retendo outras, busca afirmar seu papel

continuador de ser um indivíduo com passado, presente e a busca por um futuro.

Cada sujeito, por mais singular que seja, torna-se um indivíduo multiplicador

da cultura do sudeste. Isto é fomentado e mantém-se forte porque o desejo de

uma vida melhor se concentra em terras distantes. A força da palavra conquista o

homem do campo. Essas palavras vêm através de cartas e do dinheiro enviado

mensalmente para a sobrevivência: “fazê a venda.”

Em Palavra Forte, Gonzaga norteia dois perfis que extrapolam o homem

rural do homem-metrópole.

A solidão rural faz forte as palavras. É a palavra o único grande poder com que o camponês se apega. Poderes de oração forte, poderes de reza, de cura e invocações sobrenaturais. Não se fala em doença mortal sem que antes se invoque ave-maria, ave-maria”, ave-maria” três vezes. A invocação é o preventivo mais eficaz, a mais forte imunização, a vacina da fé. Na metrópole o homem é multidão, transeunte de espécie vária e diferente. Vão aos encontrões, batem-se, cruzam como seres ou objetos de outra natureza. No mundo rural vizinho ou antípoda unem-se pela voz. Ninguém se cruza sem um bom-dia. O bom-dia, é mais que um cumprimento, uma saudação: é identidade solidária. Nas ruas só cumprimentamos os que conhecemos. Na estrada a saudação é um conhecimento já feito, mesmo que as pessoas nunca se tenham visto.

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A civilização urbana esvaziou a força das palavras. A palavra é mais uma comunicação que uma expressão. É um aviso, um sinal, um veículo, dificilmente um sentimento. A voz rural é a que diz de dentro para fora. É a que diz por necessidade. É a que exprime. (GONZAGA, 1978 p.170, 171)

O autor busca pela força da palavra o reforço de uma cultura local, que

mantém uma forte tradição em sua fé e seus costumes. A oração falada ou cantada

é lembrada pelo poder da palavra, uma manifestação de sonoridade que processa

uma convergente comunicação. O poder de aglutinar pessoas, de se fazerem

entendidas. Essa palavra conserva os códigos de suas relações e de suas crenças. O

homem da sonoridade, muitas vezes analfabeto, mas que encontra sua inteireza na

conservação da produção sonorizada da palavra. Sua identidade é confirmada pelo

seu permanecer no mundo, fazendo-se parte de uma sociedade gregária. Através

da tradição local a fé determina curas, professa sua religião, mantém sua ligação

com o sagrado. A solidão no texto pode ser traduzida como algo fora do mundo

convencional, este mundo é encontrado nas pessoas como a expressividade de seu

mundo íntimo: o mundo conhecido, o mundo de seus pais, de seus filhos, de sua

localização, de seu encontro e pertencimento a uma comunidade. O autor produziu

um homem idealizado de sua memória, dos resquícios de uma infância distante, e

um resgate também de sua memória. A prosa que figura o coloquial e define

arranjos de sons vocálicos repetitivos, como que espantando algo muito feio e

negativo “ave-maria, ave-maria, ave-maria três vezes”. O homem assim fazendo,

está protegido e protegendo os outros de algo mortal. Essa manifestação de fé, de

crenças é compartilhada por todos da comunidade, um local que define os limites

de sua existência, na fronteira da terra, do lugar e da memória.

“Na metrópole”, segundo expõe Gonzaga, o homem é o mesmo lugar-

nenhum, pois parece pertencer a algo que não existe. Essa existência só se faz

possível pela troca de experiência e de respeito mútuo, do reconhecer o outro como

a si mesmo. A comunidade está baseada na individualidade. O homem é este que

fala e vive na reclusão, mesmo estando rodeado de milhões de vozes.

O reconhecimento do outro na crônica de Gonzaga tende a afirmar os

costumes pela reverencialidade, o que denota respeito, o cumprimento é uma

saudação comum e faz parte da educação, só que ele demonstra que é muito mais

que isso, é o homem que se desvela para afirmar uma identidade do campo, a

relação de reconhecimento. Muitas vezes um ato condicionado, inconsciente, vindo

de uma tradição de avôs, para filhos e netos. Existem como códigos de

aproximação uns com os outros. Estes cumprimentos podem ser sonoros ou

gestuais. A junção de corpos que se identificam numa classe social bastante

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peculiar, a rural. Essa aproximação cria a mobilidade, uma rede de relações entre

os indivíduos do lugar, lembrado por Gonzaga.

Ao sair de suas fronteiras rurais o homem do campo encontra as barreiras

de um novo sistema social. “[...] Na rua só cumprimentamos os que conhecemos”.

[...] A cidade mantém a aproximação de casas e a distância dos corpos. Essa visão

salta da crônica para especificar a diferença de mundos. Mas, o outro conhecido

ainda aguça a sua percepção, o outro a partir de si mesmo é sua consciência e sua

existência. O cumprimento é o que diz conhecerem-se, por mais deslocados que

estejam.

Ao retornar ao campo, ainda se dirigindo a seu lugar de pertença, o homem

mais uma vez retorna ao seu papel de homem rural. Sua alcunha é o grau de

compartilhamento na complexa sociedade de nomes e sobrenomes. O nome cria

uma parceria, uma intimidade. Diz quem é e a que família pertence. Mesmo o

indivíduo desconhecido tem direito ao respeito compartilhado. Gonzaga define um

homem muito peculiar, um cavalheiro à moda antiga. Talvez esteja descrevendo a

si mesmo, ou um parente muito querido.

Para Gonzaga, “a civilização urbana esvaziou a força das palavras”. Não há

esta relação de aproximação existente no campo. A civilização parece ser outro

universo, criado para a individualidade, para concentrar as pessoas em si mesmas.

O homem da cidade foge as raízes por não pertencer a lugar nenhum – o não-

lugar. Este homem é o ser que não se identifica, mas isso é também uma

contradição. Há um deslocamento explícito de duas realidades, dois perfis

correlatos e desmembrados: rural/urbano. A comunicação para a civilização é antes

de tudo uma norma no processo de entendimentos entre ambos. As pessoas

precisam sair constantemente para trabalhar, fazer compras, se divertir, quebrar a

rotina estressante da cidade grande. Portanto, a comunicação é mais que isso, é

expressão também, tudo remete à um significado lógico, essa lógica interage na

percepção de leituras no aprimoramento de pertença, também, deste seu mundo,

assim, como no mundo rural. São códigos diferentes, mas necessários para a troca

de experiências, para amadurecimentos, e vetor de mudanças que se constroem

em discursos múltiplos, mas todos com a capacidade de comunicarem, se

expressarem e divergirem em opiniões. A cultura não nega ou exclui o indivivíduo,

mas a adoção das regras como sistema aplicado pela sociedade é importante para a

ordem do grau de civilização. Civilização aqui, já abre para outras especulações

conceituais, civilização do homem conhecedor de costumes e respeitador das regras

sociais para a manutenção da ordem. Há um certo preconceito entre os mundos, o

autor parece preferir a mansidão do campo à selvageria da cidade. A cidade propõe

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uma novidade diária, um eco dissonante, ampliação e variação de significados. As

pessoas estão no frenesi do cotidiano demarcado pela tecnologia.

A visão poética do campo embota as complicações que porventura existem,

há conseqüências negativas também, afinal, onde existe o homem existe a

concorrência. O autor suaviza com elementos de clareza bucólica, um espaço de

idealização para o mundo perfeito. Um lugar da tranqüilidade, do devaneio, dos

poetas e dos amantes. Esse campo nega qualquer aproximação da cidade e seus

costumes, isso parece macular a inocência do mundo rural.

A visão do céu para o campo. A visão do inferno para a cidade. Estas duas

representações simbólicas elevam a ambigüidade dos seres humanos na formação

das identidades.

Para Sodré (2000),

A identidade de alguém, de um “si-mesmo”, é sempre dada pelo reconhecimento de um “outro”, ou seja, a representação que o classifica socialmente. Sobre identidade pessoal, estrutura subjetiva que engendra a representação do eu, diz Tarde1 que é “a permanência da pessoa, é a personalidade encarada sob o ponto de vista de sua duração”. Para ele, que localiza no indivíduo a causa de seus próprios atos, a identidade fundamenta-se na memória e no hábito. (SODRÉ, 2000 p. 35)

A base do terreno social no qual o homem pisa para estabelecer suas

relações pessoais e consigo mesmo, estão intimamente ligadas ao universo de sua

cultura, perene ou não, mas sempre definido na idéia do princípio de origem: de

onde sou! “Identidade é de fato algo implícito em qualquer representação que

fazemos de nós mesmos. Na prática, é aquilo que nos lembramos.” [...] (SODRÉ,

2000 p. 34).

Na crônica “Nino”, temos outro estágio de sua memória, do imaginário e do

seu crescimento, e da forma de como ele mostra as relações inteiras – a insinuação

das imagens, a construção do medo e das devoções pela manifestação da fé e a

entonação vocal de quem busca proteção divina.

Eu não podia compreender como Ele, podendo evitar a morte, a ela entregara-se. Eu era pequeno, sete ou oito anos, e totalmente dele. As corais não podiam morder-me porque Ele não deixava. O guaxinim, que meu pai a custo dominara, perdeu para a fina bengala que por custo eu conduzia. Armou-se nas unhas, os olhos chamejantes, e bastou que lhe acertasse, lá vai a fera de canavial a dentro, rápida e atordoada. Se ela não temia a um homem, temeu-me. Contei no Engenho e apanhei pela mentira. Contei em casa, a alma desolada, o corpo trêmulo, e ela me disse que assim tinha sido por ser eu, seu filho, um protegido de Deus.

1 Gabriel Tarde. Les lois de l’imitation. Slatnike, 1919.

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Desse em dia em diante até a morte de Nino, o que me segurava não era a terra firme, o chão duro, mas o amparo do abraço e das palavras que cortou meu choro e me nomeou protegido de Deus. [...] Nino que tinha os dentes amarelos e comia trapiá, jatobá, ariticum (“Tu só come isso, Nino”) botou, também, pra morrer. Morrendo e falando, falando e morrendo, amarelo-maguim na rede suja, não tem jeito não. Lá fora os homens falando na agricultura e lá dentro Nino morrendo. - Tu vai morrer Nino?! Ele me olhou sem a menor vontade, o rosto mudado e botou o olhar na direção da gaiola que não tínhamos terminado. Depois pegaram um pano crepe, do mesmo lá de casa, e cobriram o rosto pálido, como se nada houvesse acontecido. Era sexta-feira, tudo em trevas, e Deus já havia morrido. Deus e Nino. E fiquei achando que Nino só morrera porque não tive a quem pedir. Repreenderam-me: “Deus não morreu nem morre”. E eu, lá comigo: “Se eu soubesse, Nino estava vivo”. (GONZAGA, 1978 p. 192 a 194)

Um solo fértil para as crenças, para a fé, para a busca do divino e do

profano. O menino da morte certa, que sem apelos morria na mesma configuração

de Jesus Cristo. Este cordeiro descia a cova de sua vida sofrida, nisto marca um

silêncio, como um alívio para um fim de sofrimento. Homem e Deus na relação de

força da sobrevivência e fuga da vida, e morte como prêmio. Elementos da cultura

nordestina em que se injeta a vida também, do brejo, de um estado pequeno, a

Paraíba, e esta “[...] representação determina a definição que nos damos e o lugar

que ocupamos dentro de um certo sistema de relações [...]” (SODRÉ, 2000 p. 35).

A crença no Deus todo-poderoso é a marca para a existência e a presença

de uma força divina. Mesmo sendo invisível, a fé n’Ele é o bastante para

concretizarem as suas devoções. O campo diz muito disso ainda. Principalmente na

religião católica em que os santos têm uma posição de destaque. Santa Luzia

protege os olhos, São Lázaro protege os animais, Santa Edwiges, protege os

endividados, etc. Temos a Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo, um

Deus Uno que é Trino (Um só Deus em três pessoas). Estes são algumas das forças

que regem a fé, na busca de viver para a eternidade. Gonzaga, em sua vida de

católico, mesmo criança sabia de tudo isso. Sabia como era importante ser

protegido por Ele (Deus). Mas ele não entendia por que esse Jesus tão poderoso

deixara-se abater. Mas entregava-se por completo a sua religião. Jesus Cristo era o

seu guia. A força do Homem que estava na cruz residia na esperança de salvar a

humanidade, talvez dela mesmo. Foram as leis dos homens que O condenaram,

mas o perdão era o sinal que libertaria do homem de sua ganância. Nele, se

encontraria o modelo perfeito para a construção de uma sociedade perfeita: o Reino

de Deus.

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Em “Nino” a coragem seduz pelo elemento da força, de se afirmar perante o

outro como valente. Mas essa força é física. A outra força é social. A outra força,

esta superior, é o complemento do homem, que sem Deus não é nada, esta é a

força da fé. Essa estrutura cultural do homem interiorano que reside além de si

mesmo, confirma que o lugar é uma extensão do homem pela força do

enraízamento. Essa raiz, que confirma o homem originário de algum lugar,

pertencente a algum lugar.

A obediência é outra característica da fé, que a crônica encontra na

representatividade de um animal nativo, o que os outros temem por ser aquele

odiado e tido como o “capeta”. Para o menino Gonzaga de sete ou oito anos, isto é

quase um conto, em que a bravura sempre é realçada para forjar os heróis. O

“guaxinim” era o cão danado que ele colocara pra correr. “[...] Armou-se nas

unhas, os olhos chamejantes. [...]” Esta fera, como o próprio autor se refere, era o

subconsciente de uma lembrança adormecida. A sua fé mais uma vez fora provada

num confronto direto. Estava confirmada pelo ato da fé, como era importante ser

protegido dos Santos e de Jesus Cristo.

Mas esta morte de Cruz, seria encarnado por outro indivíduo, também pobre

e abandonado a própria sorte. Este era Nino, o que desceria a terra em

sepultamento. Morte e vida num mesmo ambiente. Um dualismo presente e firme,

uma certeza que revela a fragilidade humana. O concreto e o efêmero parecem ter

o mesmo significado. Este imaginário ocupa no homem a temeridade, funda em si a

necessidade de crer em algo para poder ter direito a eternidade como descanso. A

terra em Gonzaga, o lugar como referência, representa este tempo de encontro

com o seu Deus pessoal. É um lugar de abertura para o medo, para a criação de

limitações para o homem, afirmando que ele não pode tudo. O homem aqui se

revela pelo tamanho de sua fé, de seu condicionamento. A Igreja situa-se dentro de

cada um. Ela congrega a todos sob o mesmo foco: a certeza da vida eterna. Em

“Nino” é preciso cultivar a fé, acreditar em algo verdadeiro, e não sabemos como

afirmar esse verdadeiro, mas isto é uma forma de controle social.

A forma como Gonzaga revela Nino, parece ser a piedade sempre constante,

um menino com dentes amarelos, que comia apenas as coisas do “mato”,

“amarelo-maguim.” Quem é este menino? Seria o Jesus em sua pobreza física, ou

seria o nordestino em sua dura realidade, o que padece de fome e sede?

E como sempre, os descasos se revelam independente do tempo. Foi mais

fácil para Pilatos lavar as mãos e entregar Jesus aos seus algozes do que defendê-

lo. A morte de Nino não parece comover a localidade. Parece que Nino serve melhor

morto e vão justificar que é pra ele deixar de sofrer. Nino está morrendo e falando,

talvez reclamando, esbravejando, ou pedindo perdão, ou lamentando a sua má

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sorte, de ser cria de um sistema social desigual e desumano. Os homens

indiferentes são a simbologia encarnada nos políticos. A preocupação é apenas

consigo mesmo. Eles representam a falta de compromisso, a falta de humanidade,

e a irresponsabilidade de manterem a sua palavra na defesa dos direitos humanos.

Nino representa a fome, a pobreza, a miséria, o infausto. Representa o nordeste e

a indústria da seca. Se ao menos ele votasse. Nino é a realidade que incomoda, o

retrato fiel de uma sociedade decadente. É mais fácil ignorar.

“Tu vai morrer Nino?” Pergunta o menino Gonzaga. O olhar de Nino congela,

olha para lugar nenhum como quem pede a cova fria para poder ter descanso. Olha

em direção a gaiola inacabada. Este momento talvez seja o momento de lucidez de

Nino. Sua vida fora roubada, sua trajetória de vida interrompida. A gaiola está lá, é

o seu elo maior de representatividade na retomada de consciência: uma vida

inacabada. Gaiola também é uma prisão, pessoas aprisionando vidas: animais. A

prisão de Nino foi a falta de oportunidade, o rechaço da sociedade no preconceito

velado de um abandonado.

Naquele mesmo dia, Jesus morrera simbolicamente mais vez, assim como

acontece todos os anos na tradição cristã. Nino como sempre não teria essa

oportunidade. Morreria para o concreto, de efêmero se fez a sua vida, sem sentido,

em roteiro, e sem história. Apenas uma lembrança exposta que fora guardada no

imaginário de um menino escritor incipiente. Gonzaga era inocente, seu mundo era

tudo o que ele tinha, e este mesmo mundo dilacera a crônica para a conquista na

transposição de outros espaços. A poética de Nino rivaliza com a solidão. Sua voz

ecoa como um rescaldo em busca de justiça para um mundo tão desigual. O desejo

de mudança por uma sociedade igualitária já se torna para o menino Gonzaga, seu

desejo de salvar Nino se acaso tivesse a quem reclamar, pedir, brigar, é uma forma

de discurso imanente. A apropriação disso vai ser revelada num futuro próximo,

quando o confronto com a realidade e o desejo de liberdade para um mundo

melhor se manifesta na obra de um jornalista/escritor.

Estamos rodeados de códigos, de vozes múltiplas, de significados amplos. O

interior intercala sua gênese, esta memória do autor é a relíquia de sua infância.

Em Gonzaga a voz do passado situa a vivência como as principais experiências

localizadas em sua obra.

Este cotidiano está guardado pela memória, são ecos. A vida que se mostra

no texto, é, na verdade, um enredo criado a partir das experiências pessoais do

autor, discorrendo pela sua época de menino, encontrando a magia, como também

suas dores. A representação ora apresentada mistifica-se com muitos elementos

simbólicos: religião, fé, sincretismo, natureza e humano. Os papéis se intercalam,

somam-se elementos da cultura local. Sua identidade define o lugar de suas

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experiências. O regionalismo é sintomático, abrange a comunidade formando um

todo.

A comunidade revela suas diferenças, nela reside à definição da luta pela

sobrevivência. Esta manutenção vai definir-se como agente da cultura que sofre

influência e influencia outras gerações, num continuísmo de tradição que perpetua

os laços de uma comunidade inteira. Na crônica, dor e alegria se confundem no

mesmo significado.

Em “Que fazer?”, vamos observar o que é fartura, o que é substituição das

características locais. Nativismo.

O feijão mulatinho está saindo a trinta caminhões por feira de Tavares para Pernambuco. Carradas iguais estão indo dos paiós de Araruna via Rio Grande do Norte. Dizem que a fartura está descendo em grão e espiga da Serra do Teixeira. O jerimum está indo aos porcos (sabem aonde?) em Patos, Sousa e em todas as vazantes do Espinharas, do Piranhas e do Rio do Peixe. Que-é-que-é-isso, minha gente? Das tantas nuvens deste ano, ficou uma que o inverno deixou, já em alva forma de lençol, engalhada em toda a extensão sertaneja de algodões arbóreos e herbáceos. - O Brejo passou-se pra o Sertão. O Sertão desceu pro Brejo. - Não – protesta Múcio Sátyro, o pletório como os Wanderley, o punho fechado, querendo agredir-me com a despótica pujança sertaneja. “A maior terra do mundo... do mundo... é o sertão. Quando dá, racha, explode, a terra abrindo em bandas na força da semente. Choveu, vem com tudo”. (RODRIGUES, 1978 p. 216)

O alimento para o homem do campo manifesta a fartura como deleite de

riqueza e de bens. Barriga cheia. Alimentando o espírito pela crença da fé e o corpo

pelo pão cultivado e arrancado da terra. O feijão, o jerimum, a espiga,

componentes da cesta básica do nordeste, na linguagem performática de Gonzaga.

O homem possui a terra, o amor por ela e a fartura de alma e de corpo para a sua

sobrevivência.

O céu desceu a terra, numa linguagem figurativa, metafórica. O algodão liga

a terra ao céu como se fosse um só terreno. Mais uma vez, a visão do paraíso que

eclode do escritor para a imanência do seu desejo. O campo vem traduzir o

despertar para as coisas positivas, produtivas, inocentes. Essa recriação pelo

imaginário incidia o homem pela busca do paraíso e seu bucolismo. O lugar de

pastos verdejantes e vida regrada pelo amor das ninfas. Parece ser também um

elemento de fuga para a dura realidade que de fato se apresenta. O campo como

lugar das delícias, mas é também o lugar dos desafios pela sobrevivência,

intercalando distâncias e ausências de bens necessários para a dignidade da vida

humana.

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Este sentimento de amor a terra, de orgulho de sua força vem do nativismo,

uma necessidade de defender sua bandeira. O texto denota a força da raiz, isto é, a

origem no homem tem um forte apelo, nele é sentido um reflexo, uma extensão de

sua vida, por isso é preciso valorizá-la. A explosão desse sentimento é o que se

coloca na força regional. O sertão exalta esta força de pertença nesses homens, “A

maior terra do mundo... do mundo... é o sertão.” Voz altercada que mostra o

tamanho de sua defesa e seu realismo perante o outro que vacila em concordar.

Mas é da terra que se forjaram estes homens. Sua história e suas raízes se

entrelaçam, uma interdependência cultural, um pluralismo dissonante de

significados. Eles residem na expressividade. A terra é a grande mãe que os

alimenta, lhes dá força e sua retribuição é a sua defesa como ideologia matriarcal.

A transposição de lugar é um sentido inverso, mas não menos valoroso. “- O Brejo

passou-se pra o Sertão. O Sertão desceu pro Brejo.” – Onde havia fartura, o Brejo,

deslocou-se para as terras secas do Sertão na grande produtividade agrícola.

Parece haver um ciclo de substituição. O Brejo é uma região rica em águas, com

grande capacidade pluviométrica, solo favorável ao cultivo, no entanto, neste

período, segundo o relato da crônica, houve esta inversão geográfica de

características. As terras continuam no mesmo lugar, mas deslocaram sua

capacidade de cenas, transformando o cenário do sertão e do brejo. Dois

momentos, dois conceitos. Duas áreas geográficas próximas, mas diferentes em

suas características.

Gonzaga Rodrigues parece desmontar o mapa do Estado. Esta nervura do

homem e o meio configura a latência do desejo humano. Sertão é sinônimo de

vitalidade. O Brejo é o homem em outro estado de corpo e espírito. Enquanto o

sertão desponta como o sol escaldante, o Brejo insinua o prazer da amenidade.

Clima suave e perene.

Tais membranas humanas distinguem o homem, que, como dissidente de

sua terra, elabora para si, o jogo mental de sua identidade que o interliga ao seu

processo “natura”, isto é, o homem em sua originalidade cultural e identitária. Esta

identidade criada também pela paisagem radica o “si mesmo” na dependência da

pessoalidade natural, que é o mundo que seus olhos vislumbram. Ambos se

misturam para criar uma unidade distinta. “A identidade impõe-se tradicionalmente

como algo que se predica (representacionalmente) a um sujeito, como uma

propriedade ou um atributo do ser. [...]” (SODRÉ, 2000 p.37)

Este encontro despoja o artista de sua unidade para pluralizá-lo, homem

pertencente à universalidade através da obra. Esta exortação ao que foi vivido

respalda-se no relevo da crença, do que acredito e construo como enxertos de mim

mesmo. Minhas memórias sou eu em qualquer plano. O imaginário segue pela

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amplidão, não há um lugar distinto para que ela se manifeste. A ausência do

imaginário pode fazer perder o idílico, o encontro com a criança que escreve suas

lembranças. Seu modo de ver o mundo é racional, mas a visão é poética. Há um

encantamento em cada prosa, o que diz ser literatura.

Neste momento, temos o Campo como referência no estado latente do

cronista Gonzaga Rodrigues. Seus relatos são a sua dispersão, o que ele explora de

sua consciência. Este encontro com o passado é o que o complementa no presente.

Temos a inteireza do autor: passado e presente.

No entanto, o lugar também tem seu discurso, pessoas e coisas, linguagem

e sentidos mantém sua trajetória peculiar ao ritmo do cotidiano. O lugar é quem diz

quem são as pessoas e de como elas são e se são importantes na trama imaginária

na reconstrução da memória.

Esta articulação manteve sua originalidade na capacidade do autor não

inventar fatos para suas histórias. As folhas que carregam sua obra redimencionam

o cotidiano pela informação literária. A crônica pereniza o ambiente pela sutileza.

Mas, é crua, polêmica e realista. Memória é tudo que fica guardado em algum lugar

do ser.

Gonzaga não cria o cotidiano, ele expande as suas possibilidades.

Encontramos a justificativa pela permanência humana em suas obras. Seus relatos

só são possíveis porque partem de suas experiências pessoais.

O encontro consigo (Gonzaga) também é uma experiência de

reconhecimento. Nisto vê-se como os ambientes, os fatores sociais, o emprego da

economia, a política, pessoas, formam elos entre a criatividade de Gonzaga na

apropriação do seu mundo, e dos relatos como jogo midiático, por mais particular

que seja o seu imaginário, neste momento há uma divisão. Há uma entrega de

partilha entre ele e o outro.

Seu museu está aberto para o público.

Monta-se a vida em histórias que se completam. Formam um romance da

vida ativa. A construção do cotidiano em aparelhos que revelam a síntese do dia, a

soma do mês, a composição de um relato superior, as páginas datadas de um

sistema que participam personagens que desconhecem a sua influência na

formação do cotidiano. Por este prisma somos todos atores, atuando na obra de

alguém desconhecido ou não.

Essas conotações perduram o que De Certeau (1994) vem afirmar neste

espaço da vida – uma lacuna que vai se preenchendo pela acumulação dos fatos,

colhidos e vividos. A literatura regula este espaço na procriação de sedimentar o

lugar da sociedade e toda a sua trama. No jornal vimos a manutenção deste espaço

no consumo diário, em que a máquina restitui o tempo cronológico, mas que é

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preciso ter todos os dias o labor do burilamento social para a construção das

matérias. Pessoas no jornal são diferentes de pessoas no livro. O jornal noticia

fatos, mesmo com nomes para designar envolvidos, o interesse é momentâneo,

não se cria um interesse de guardar para analisar depois. O livro mantém uma

regra comum de leitura pelo fácil acesso a determinadas notícias ou fatos, ou

romances, ou poesia, dependendo do grau de interesse. Este ambiente permite o

crescimento fora da esfera do cotidiano, sua adoção alcançou a perenidade.

Estatizou-se. Memória na captação de fatos registrados para posteridade.

Seu estabelecimento superior é com o próprio mundo do qual faz parte.

Homens não são máquinas, homens são seres instintivos, de fragmentação

histórica, composto de glórias e sofrimentos. Seu mundo é, mais uma vez, seu

espaço em evolução cotidiana, da busca do seu lugar e da conquista de seus

sonhos, manejando a vida, fazendo parte de um corpo ainda maior, chamado

sociedade, que dita as regras do jogo da convivência e da racionalidade, do

equilíbrio entre forças que se caracterizam no bom e mau condicionamento. Nisto

derivam-se os comportamentos. Mas mantém-se, é preciso entender que todo o

seu meio, é outra forma de estar inserido dentro de um contexto que explora o

outro e suas histórias, presentes ou passadas, mas que compõem a relação entre

indivíduo e sociedade, história e tempo. Tudo remete a uma leitura do lugar na

relação com os indivíduos. Símbolos recriam o lugar e daí para a posteridade.

Símbolos notabilizam os aspectos que não aparecem de forma material, eles estão

no mundo da subliminaridade, é sutil, esconde-se entre as evidências. Esta

linguagem é também verbal e não-verbal, comunica pela oralidade, por gestos e

pelo processo de códigos que sustentam toda a complexidade de comunicação

entre os seres. A comunicação maciça que desenvolve formas e normas de dizer,

fazer, sentir, escutar, olhar, perceber, como um jogo de situações em que não

percebemos como esses códigos nos guia, mas estão presentes pela necessidade

de congregar o homem e o meio ambiente.

Os lugares são histórias fragmentárias e isoladas em si, dos passados roubados à legibilidade por outro, tempos empilhados que podem se desdobrar mas que estão ali antes com histórias à espera e permanecem no estado de quebra-cabeças, enigmas, enfim simbolizações conquistadas na dor ou no prazer do corpo. (DE CERTEAU,1994 p.189)

O homem é o exato corpo segundo De Certeau (1994), o pesquisador do

cotidiano evidencia no homem físico a dominação do seu lugar, por mais

fragmentado que possa parecer, mas ele em seu estado completo, mantém a

capacidade de juntar, de recontar uma história, um fato, um acontecimento. Os

lugares existem fora do tempo, estão isolados em si, isso acentua um grau de

vivência, a força da experiência como sinônimo de uma realidade que reflete o

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outro em estado de consciência participante e atuante nos destinos do mundo. Este

mundo não tem localização exata, ele é amplo, e pode ser concebido num conceito

mais abstrato, mas a sua manutenção declara que a capacidade de reconstruir um

lugar, uma imagem, é resguardado pela memória, e esta memória é capaz de ir a

um passado distante e trazer de volta as imagens reconstituídas de um tempo. As

simbolizações fomentam a lembrança, incluem um modo de resgatar pela

sensibilidade, pela investigação da memória, a dor e a delícia da existência.

CAPÍTULO III

3.1 O MUNDO URBANO DA LITERATURA

Literatura é linguagem carregada de significado

Ezra Pound

3.1 Cidade: localismo, autor e leitor – o exercício das letras

A permanência de um morador (autor – leitor) em um

determinado lugar, o faz ser conhecedor de que ambiente ele está

inserido?

A leitura é um meio transformador, nele reside o conhecimento

que reforça as estruturas do saber, este saber pode ser coletivo ou

individual. As influências sofridas por cada indivíduo são aleatórias e

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em cada um se manifesta as suas tendências e gostos. Sua visão de

mundo é intrínseca a sua necessidade de buscar ou não, outras

formas de saberes.

Em literatura poderemos ter muito que observar e avaliar.

Teremos de observar dois ambientes: o ambiente da literatura e o

ambiente de captação para esta literatura. As crônicas propiciam um

espaço de ruptura entre duas realidades, que podem se conjugar

também como verdades paralelas.

Estes produzem ainda um terceiro elemento provindo desta

junção ao agregar valores mais amplos em sua intencionalidade.

Atribuo isto a Gonzaga Rodrigues como constituinte e voz interceptiva

dos textos. Este novo elemento poderá ser adquirido á partir do

momento que a interpretação adquire novos olhares e novas leituras,

mantendo assim, a capacidade interpretativa dos textos sob a

pressão de quem, como leitor, descobre o novo, o inusitado, descobre

o que está implícito.

O uso da linguagem neste universo aberto pode ter muitas

amarras, isto pode parecer conceitual, mas tem um fundo prático que

aborda entre outras coisas, o parecer das letras para decodificar um

ambiente e seus contrastes, estes contrastes são os elementos

capazes de criar vida e atestar a realidade como uma transposição

dos signos. Segundo Compagnon, “[...] Qualquer signo, qualquer

linguagem é fatalmente transparência e obstáculo.” (2006 p.40)

Não há uma literariedade única, cada pessoa é capaz de

reproduzir um novo texto a partir de sua leitura. Isto independe do

autor. A criação é livre. Por isso, ao afirmar a relação de

perceptividade e encontrar nesta mesma relação os obstáculos,

Compagnon encontra a capacidade da interpretação do outro ao

julgar a partir de seu senso-comum, de sua inteligência e as

inferências do meio concomitante ao que lhes atribui conhecimento e

assimilação do mundo. Este mundo é pessoal por que tem nele

mecanismos similares do seu cotidiano. Segundo Compagnon (apud

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Montaigne) “Significam mais do que dizem”. (2006 p.40) Ou melhor,

um texto significa muito mais do que diz. Ele encontra neste

momento duas peculiaridades entre as linguagens denotativa e

conotativa.

[...] A linguagem cotidiana é mais denotativa, a linguagem literária é mais conotativa (ambígua, expressiva, perlocutória, auro-referencial). [...] A linguagem cotidiana é mais espontânea, a linguagem literária é mais sistemática (organizada, coerente, densa, complexa).[...]” (COMPAGNON, 2006 p. 40)

O costume do cotidiano nos aproxima de uma realidade que

não nos impõe estarmos interpretando uma conversa num bar, um

diálogo entre vizinhos, por que isto é o normal no dia-a-dia. Se

disserem, vou ao supermercado, não há necessidade de fazer uma

leitura divagante sobre a forma de como chegar lá. Bom dia será

sempre bom dia, o costume do cotidiano imprime um ritmo, uma

linguagem em que a troca de entendimento é suficiente para que

haja comunicação. Esta linguagem é denotativa: simples e direta.

A literatura, no entanto, por ter uma sistemática própria e ser,

ela, uma forma dominante de leitura, tem em sua auto-

referencialidade uma forma própria de dizer as “coisas” e de se

comunicar.

A literatura tem em seu interior uma certa nebulosidade, cria

vínculos com outras formas imperceptíveis que fazem dela uma

norma superior tornado-a passível de análise. Este imperceptível é o

que está implícito, nem sempre enxergado pelo autor. Em Gonzaga

Rodrigues as histórias de ambientes, lugares, pessoas, sempre

remetem a um acontecido.

A história desses ambientes remete a participação de

indivíduos como seres sociáveis e peças importantes para as relações

de manutenções e de conhecimento sobre si e os outros. O localismo

tenta abordar o aspecto intervencionista de um autor em seu

trabalho quer seja uma obra literária, ou a prática de outros gêneros

nas categorias do jornalismo.

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O exercício das letras como bem chama atenção no título deste

capítulo, é a forma pelas quais escritores ou anônimos, que

sentenciam sua realidade em sua ordem de valores, sob a permuta

de práticas de conhecimentos e a troca desses conhecimentos para

registrarem seus destinos, sua existência, e demarcar o território no

momento presente.

Numa cadeia mais uniforme em que as teorias científicas

determinam o rumo que devem tomar as pesquisas, a literatura

abarca esta qualificação como um mecanismo de dizer ou de buscar

respostas para elementos que se contrastam a todo o momento.

Temos o indiciamento da realidade de duas formas no exercício

das letras: o jornalismo e a literatura. As crônicas são o corpus por

onde perpassam os delineamentos deste exercício. A palavra aqui não

tem sinônimo de retorno como no capítulo anterior. Antes, vimos

como as reminiscências das memórias, o imaginário, a identificam e

determinam o resgate de um tempo. Agora, estamos no localismo

prático e não mais sintomático.

O cotidiano se faz no exercício da realidade, no qual se

manifesta o trabalho de Gonzaga Rodrigues. Vimos como o autor

busca a localidade de seu ambiente num exercício diário. A crônica

torna-se uma ruptura entre a literatura e o jornalismo. Parece haver

um estado híbrido no exercício das letras. O localismo influencia o

autor para justapor um cronograma na rotina de cidadãos localizados

num espaço real e de vida real.

Gonzaga Rodrigues lança Filipéia e outras Saudades (1997), a

capital vê sua inclinação literária pela tônica poética na prosa figural

do livro. Lirismos e contextos amplificam a vocação de João Pessoa

de ser o lugar de muitas maravilhas e de muitas conquistas. Campina

Grande encontra seu espaço eternizado pelas crônicas que

desencadeiam uma conversa muito particular em seus compatriotas

conhecidos. O interior conota o mesmo interesse no autor, um

conjunto de fatores sócio-culturais que Gonzaga explora, pois acima

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de tudo, vive-se este homem na fronteira do Jornalismo sob a

influência da Literatura. Este período encontra forte reconhecimento

do autor em seu localismo, experiências da prática do jornalismo

impresso em processo de reelaboração de fatos e acontecimentos que

cimentam a história em contexto Paraibano.

Este momento de cisão parece ser freqüente em seu trabalho,

numa seqüência que data não um estilo apenas, mas todo um enredo

necessário para uma criação mais livre na ênfase do localismo e o

cotidiano de seu trabalho.

Na crônica Por que Filipéia? (1997 p. 11,12) a Paraíba vai

encontrar as heranças da fundação de João Pessoa e as peripécias do

autor por Campina Grande. Dois processos de remontagem,

características na crônica jornalística de Gonzaga Rodrigues e da

aglutinação de estilos para a composição de um elo narrativo que

provoca uma ruptura, resultando em texto híbrido.

Sempre me pergunto, por que Filipéia? Um batismo de sessenta anos, há quase três séculos e meio, e, foi não foi, o nome está de volta. É rara a recorrência saudosa, poética mesmo, que não venha encasquitada no topônimo dos nossos arcanos. Felipe, que açambarcou Portugal, nos teria doado boas lembranças? Ao que se sabe, o domínio passou de uma coroa a outra, mas as Ordenações continuaram sem grandes diferenças em nosso favor. Ao contrário, pioraram. É possível que, se não estivéssemos sob o domínio de Espanha, a Holanda não houvesse realizado o estrago da invasão. Pelo menos nas terras da Paraíba para o norte, onde a marca foi só de destruição. E por que essa recorrência de conotação amorosa? Sempre que se pretende um tom de afeto no discurso de louvação ou de saudade, a apelação é para a Filipéia. A prosa poética de Crispim tem uma floresta desses recursos. A poesia de Jomar nem se fala. Eu mesmo, sem nunca ter vivido nesta cidade e muito menos no seu ambiente cultural, saquei em cima da primitiva toponímia num poema de pé quebrado que tentava exprimir o mesmo deslumbramento com a “vila”. Digo vila pelo meu campinismo de então, estudando no Pio XI, torcendo pelo 13, vizinho de Pinta Cega e já me iniciando nas Boninas. (GONZAGA, 1997 p. 11 e 12)

Sob a égide de dominação, o dominador sempre impõe suas

vontades, nisto estão: a cultura, o idioma, os costumes. Filipéia

remete automaticamente ao seu imperador absoluto. Mesmo

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distante, o nome indica posse, indica a superioridade de uma nação

sobre a outra. A posse. Este domínio diz quem é, e por que a história

agora tem que ser escrita sob a direção de uma nação colonizadora

sob os colonizados. Novos discursos são elaborados para ampliar os

mecanismos de dominação. A época cria sua forma mais adequada,

definindo a identidade de indivíduos ou de normas

O sentido de origem pertence á um processo histórico dialogal,

as épocas fazem do discurso um enredamento de especulação de

interesses próprios. Portanto, o que foi assimilado é um acúmulo de

situações sob o que já se sabia.

Mesmo com o passar dos séculos, a história se mantém por que

a realidade mesmo alterada por outras formas de discursos encontra

no exercício das letras um caminho rico em imagens; pela escrita

ficaram os documentos que validam a sua existência. O topos têm em

seu étimo a trajetória do lugar como a extensão de seus membros

subjugados por um destino traçado por outros. Portugal é este outro

encarnado na presença viva dos portugueses. Os homens

portugueses encarnavam o espírito e a coroa de Portugal em solo

ainda não denominado brasileiro, mas já existente, figurado,

pormenorizado pelos contos e cartas enviadas a El-rei.

Mas o tom da poética dá a conotação desta saudade, e o

porquê deste nome inusitado de Filipéia transforma o discurso numa

síntese de emancipação do lugar, como quem diz de sua identidade e

de sua existência. O localismo concatena as letras na observância de

um exercício preeminente de formas claras e ao mesmo tempo

distorcidas. Um paradoxo.

Neste ínterim, descobre-se um indivíduo que se permuta no

texto, se socializa na diferença, com uma entonação mais pessoal. O

texto invade a presença natural do seu autor como outra voz

dissonante no texto. Sua pessoalidade ingressa na tessitura da

polissemia de assuntos, criando vários setores em um único texto.

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A voz de Gonzaga é a voz de um personagem. Personagem

biográfico que anuncia sua própria história pelos encantos de

Campina Grande, como ele mesmo diz, em seu “campinismo” boêmio

nas Boninas, recanto tradicional de encontros e desencontros da noite

campinense. Hoje a realidade é outra, a vida se concentra num

emaranhado de comércios apenas, principalmente restaurantes. Um

foco destoante.

O passado encontra no presente a chance de se dizer e

reconstruir uma realidade conhecida, sob outras leituras, mas dentro

do conteúdo em que a relação pessoa e história mantenham suas

identidades.

O que chamamos de documentos escritos é quem congrega em

si todos os valores de registros á época de seus acontecimentos. O

que Gonzaga fez foi buscar um fato e explorá-lo sob outras

conotações. Não há novidade no fato histórico, mas existe a

recorrência de um tempo que permanece. Que fora falado através

dos séculos e se manteve pelo forte apelo da escrita e sua forma

mutante de resistir ao tempo. O autor não estava lá, mas sub-

repticiamente, está o que se provem como resultante de um terceiro

elemento: do que foi escrito, do que foi lido e fatalmente, da

interpretação. Temos um autor em função de um sujeito leitor. Não

estava o corpo, mas arrastou-se para sua época a importância de

fatos que contextualizam com os seus interesses.

A literatura escrita importa numa transferência da linguagem falada para a linguagem gravada. Não será uma simples transferência. Será, sim, uma estilização, tomada a palavra no sentido de quem vai á fonte e usa do instrumental corrente, dele retirando, porém, algumas essencialidades, a que empresta o dom milagroso da transformação poética. (KELLY, 1972 p. 141)

A literatura amplifica a grandeza de relatos que porventura se

apresentem inferiores, mas a sua fonte libera a capacidade do

homem datar tempos específicos. O Jornal ainda mais retém esta

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capacidade da cronologia, todavia, a técnica industrializada impede

que a fonte seja mais complexa.

A literatura mostra adereços, cânticos, primazias, vão a fundo

da alma humana. O jornal impregna o factual com a languidão do

resumo. “Na linguagem elaborada, os aspectos estéticos constituem

informações, acima do vulgar, a caminho de comunicações mais

ricas. [...].” (KELLY, 1972 p. 141) Um complemento mais

especializado ao contar um fato pelo viés de um discurso que importa

valores de muitas áreas para explorar o outro e a forma de

construção de história no dito de um escritor. Valores advindos da

junção de recursos lingüísticos, como as metáforas, metonímias.

Agora as fontes indicam o passado pelo registro capitular do

Sumário das Armadas, fonte na qual o autor cita as narrações

escritas por testemunha ocular da missão pacificadora. Vejamos a

crônica “Os pecados da Origem”.

A história da conquista da Paraíba é escrita à base do Sumário das Armadas, relato seiscentista do jesuíta Simão Travassos, testemunha ocular da missão pacificadora do “Ouvidor-Geral do Estado do Brasil”, Martim Leitão. O Sumário que a maioria dos historiadores fica em dúvida se foi escrito pelo padre Simão ou por Jerônimo Machado, é uma notícia em tom épico, como costumavam ser todas as narrações da aventura portuguesa, tendo como herói maior e “braço forte” da conquista o tal Ouvidor. Horácio de Almeida, o mais empolgante dos nossos historiadores, refere-se a ele, o Ouvidor, como homem “movido de grande fervor patriótico’, com liderança capaz de convocar às armas “todos os homens válidos de Pernambuco, capitães e soldados” e com moral bastante para “a todos impor a mesma disciplina”. O jesuíta chama-o amiúde de herói – “este heroe que vas cantando su heróico nombre, es Martin Leiton.”

[...] No IV Centenário da Paraíba, integrando a comissão organizadora, fiquei frustrado pela moleza do governo Braga de não ter podido erigir, olhando para o rio, no Largo da Estação, um monumento gigante reunindo os três maiores do 5 de agosto: João Tavares, Piragibe e, em plano mais elevado, o Ouvidor Leitão. Índio autêntico, mistura de cariri com bultrim, sempre me deixei enganar por espelhinhos, fogueiras e fetiches. Sou doido por monumento e não entendo como a mais simétrica e expressiva escultura da Paraíba, o monumento a João Pessoa, não seja cultivada e zelada à altura do seu significado e da arte de Humberto Cozo, o seu escultor.

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E mais frustrado ainda fico agora, ao me defrontar com a Conquista da Paraíba, capítulo do português Joaquim Veríssimo Serrão, autor de ensaio que não comparece nas bibliografias dos nossos historiógrafos: Do Brasil Filipino ao Brasil de 1640. Pois não é que, visto por esse português de Academia Portuguesa de História, trabalhando em cima das fontes, o nosso herói Leitão, sem deixar de ser o conquistador que foi, andou acobertando o PC Farias daqueles tempos? Tratava-se de um tal Miguel Gonçalves Vieira, provedor em Pernambuco, que na compra de escravos de Angola desviou das rendas imperiais vinte tantos mil cruzados. Para se ter uma idéia desse valor, basta saber que Pernambuco, Bahia e Itamaracá juntos rendiam 30.000 cruzados. Ao contrário do moderno PC, que só transacionou com trinta por cento do orçamento liberado a renda real, o Gonçalves Vieira afanou mais de sessenta por cento da renda real. O provedor-mor da fazenda de então, que era amigo de Vieira, não cumpriu a carta-precatória e mandou que ele escafedesse pra Bahia, onde teve homizio facilitado por amigos de Leitão. Concluiu o português Serrão: “Era uma luta acesa entre Martim Leitão e Carvalho pelas vantagens que ambos procuravam obter na guerra da Paraíba”. Até o jesuíta do Sumário, que não é outro, para Joaquim Veríssimo, senão o padre Travassos, é chamado ironicamente de “biógrafo caloroso do Ouvidor.” Desgraçadamente, é o Brasil de todos os tempos. (GONZAGA, 1997 p. 13 a 14)

Pelo título da crônica, já se percebe certo teor de ironia do

autor. O conhecimento da conquista da Paraíba vem através de um

documento escrito no livro Sumário das Armadas. Um relato de mais

de quatro séculos, que em seu conteúdo conta as sagas dos grandes

heróis desbravadores do solo paraibano. Mas conta apenas o lado

positivo. Quem vai desmistificar o herói é o capítulo da Conquista da

Paraíba, no ensaio Do Brasil Filipino ao ano de 1640, em que se

encontra o sarcasmo do autor, um rivalismo atual. Um conseqüente

retorno de acontecimentos muito parecidos, mas com outra

membrana.

Mudam-se os corpos e os recursos permanecem. Este parecer é

a leitura da leitura. Ou uma interpretação da interpretação.

Na afirmação de Gonzaga em que diz “[...] sempre me deixei

enganar por espelhinhos, fogueiras e fetiches.” (Ibid) É a consciência

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das relações de troca, permuta, que havia entre colonizadores e

colonizados.

Encontra-se nesta assertiva que o autor das crônicas é

consciente do seu papel político. Que o atual quadro em que se

encontra a população, sofrida, indefesa, os meios praticados são os

mesmos. O voto como o maior representante da democracia e da

escolha de cidadãos para representá-lo se represa num mar de

lamas.

Pelo comentário final, vê-se que a opinião do autor é categórica

“[...] é o Brasil de todos os tempos.” (Ibid) Fica notificado um

sentimento típico de revolta perante a história da formação do povo

brasileiro. A história prova o rumo que tomamos desde tempos

imemoriais. O legado do passado que ressoa aos dias de hoje.

Comumente ouvimos a mídia propalar os descasos e a roubalheira

dentro da política do Brasil. Brasília tornou-se símbolo da hipocrisia e

do dinheiro fácil. As comparações no texto acima remontam aos

séculos na crua realidade de menos de duas décadas, ao mencionar o

nome PC Farias, significado de fraudes, desvios e lavagens de

dinheiro. Escândalos culminaram com o impeachment do então

presidente Fernando Collor (1992) parece se repetir, em outras

investiduras, mas com o mesmo cinismo de caráter.

Gonzaga mescla a crônica com uma série de informações e

sempre tendo em si uma voz entoante, assim, novamente, segue

como personagem que mostra o caminho para os outros.

A densa relação é ambivalente, mas entendível. Coloco a

crônica acima como o exemplo. É possível ter o conhecimento do

passado por aquilo que acabamos de ler de um autor? No caso, tudo

vem á tona sob a mão de vários autores. Entender da forma como ele

se utiliza da transgressão do tempo e da utilização da dinâmica da

linguagem dentro ou fora da literatura. Já ouvimos na escola sobre

Piragibe, Martin Leitão, João Tavares, homens que são presença forte

na construção do ideário paraibano.

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Mais a frente, temos o conhecimento de Braga (Wilson Braga),

ex-governador da Paraíba. Sua alusão no texto diz da crítica do autor

em não ter erigido uma estátua em homenagem a estes

desbravadores (Piragibe, Martin Leitão, João Tavares), no Largo da

Estação.

Onde se encontra a ponta de equilíbrio pela discussão da

capacidade do instrumental em recriar a realidade a partir dela

mesma? Isto é a capacidade reincidente da interpretação do leitor.

Então, o próprio autor destas crônicas é um leitor contumaz

responsável pela vida e morte de outros autores. Esta realidade já

existia, apenas, a transcrição afirma as suas versões interpretativas,

isto é, sua capacidade de existir várias vezes.

Segundo Compagnon,

[...] É certo que a morte do autor traz, como conseqüência, a polissemia do texto, a promoção do leitor, e uma liberdade de comentário até então desconhecida, mas, por falta de uma verdadeira reflexão sobre a natureza das relações de intenção e de interpretação, não é do leitor como substituto que estamos falando? [...] (2006 p.52)

Compagnon traz uma verdade anunciada, uma verdade

também velada. Como digerir tal propósito? Fica em suspenso um

fatalismo que deve ser encarado como um renascimento e não como

morte. A morte diz-se na finalização. O autor tem por primazia a

ordem do primeiro pensamento, o que vem depois, na leitura do

leitor, é mais recriação, é aquele capaz de encontrar as variantes do

texto.

Compagnon acena para um fato, a polissemia do texto, isso nos

diz na multiplicidade de vozes latentes que é egressa na literatura.

Em maior ou menor grau, nos cânons ou nos gêneros, há essa

explosão de novas concatenações do texto. O pensamento no

momento de criação de uma obra, nunca será o momento de leitura

dessa obra, o melhor julgamento da qualidade ou da inferioridade de

um texto está atrelado às interpretações e a capacidade dessa obra

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se refazer, multiplicar, se reavaliar, nutrir sua dispersão, já que

temos nesses encontros de vozes um estado de fluidez constante.

É na relação com as figuras introspectas, esta que fica na

subliminaridade, que é um meio de intenção, que fica subscrita a

incapacidade de um autor dizer tudo de forma direta. No entanto,

encontramos o leitor com a chave nas mãos, para desvendar o que

não foi escrito, mas está lá, no segredo do texto.

O texto Gonzagueano é aquele capaz de ir ás fronteiras da vida.

Seu texto tem no seu criador a extensão de si mesmo. A todo o

momento, vêem-se as implicações de sua relação com seus

personagens mundanos, com identidade e CPF. A mescla de atitudes

numa única crônica torna-a ambivalente, isso de certa forma

descaracteriza um tema, mas, no entanto, a sua interferência o torna

biográfico, por que temos um assunto em polêmica e a suavidade de

um arremate de outro assunto que amplia sua relação entre

cotidiano, autor e leitor.

O mesmo se faz leitor de sua obra previamente. Tem no

localismo os ingredientes naturais para a construção de seus motes

jornalísticos e a adequação da literatura como uma saída para a

amenização de contrastes que se encontra atualmente. Este

“atualmente” precisa ser entendido como o tempo presente. Isto

marca um traço no espaço temporal das atividades múltiplas que

seguem o cotidiano em seu localismo. Seu endereçamento se

relativiza, mas se incorpora da tipicidade, ou melhor, se imbui de

qualidades pertinentes que ora são simplistas e ora complicadas. Sua

notoriedade se faz pelos recursos da reconstrução, que elaboradas

pelo raciocínio lógico demonstra os níveis de espetacularização ao

qual nos encontramos, e isto, independe do tempo, mas depende,

sobretudo, do homem e de sua escrita como a interpretação linear da

cronologia humana e seus pensamentos.

O que constrói esse pensamento nos diz categoricamente quem

somos, o que fizemos, mas não do que somos capazes. Este

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pensamento é a dita cultura alocada na razão equânime do homem e

sua necessidade de evoluir e adaptar-se.

As interpretações literárias em que anunciam a morte do autor

podem anunciar também o seu avivamento, fruto de uma cadeia

interativa que une o homem e a universalidade da língua imbuída de

propósitos e intenções. O autor se encontra envolta á um

desprovimento de si mesmo por não ter um controle sob a sua obra.

Sua obra é tomada de si a partir da ótica do leitor. Seu corpo é um

material emprestado às idéias que resultam em outros corpos,

(personagens) isto forja o escritor, este indivíduo é capaz de criar

novos seres.

[...] O autor cede, pois, o lugar principal á escritura, ao texto, ou ainda, ao “escriptor”, que não é jamais senão um “sujeito” no sentido gramatical ou lingüístico, um ser, não de papel, não uma “pessoa” no sentido psicológico, mas o sujeito da enunciação que não preexiste à sua enunciação, mas se produz com ela, aqui e agora. [...] (COMPAGNON, 2006 p. 50,51)

A enunciação é uma introdução à captação dos recursos numa

seqüência concatenada, producente, dialógica e tem na origem o seu

reconhecimento, isto é, um pano de fundo que assegura o lugar da

fonte. Em Gonzaga, isto é o localismo. Os ambientes são sentenças

de elaboração, a união de componentes forma o todo, nisto, temos a

crônica. Na crônica “O pau da Paraíba”, o lugar é, acima de tudo, o

espaço onde se vive e se reproduz os ambientes.

[...] Pois não foi ele, Otávio Sitônio, quem inventou essa história de que “aqui o sol chega primeiro?” Beaurepaire Rohan, o maior observador que já perlustrou estas plagas, não havia notado essa particularidade do nosso avanço geográfico em demanda do levante. Eu estava absorto em qualquer leitura, numa manhã antiga de A União, quando Otávio entra espavorido, vestes de motoqueiro e olhar de quem acabara de saltar do arco-íris. O texto vinha à mão, pronto para ser servido numa peça promocional da Paraíba turística: “Paraíba, onde o sol chega primeiro.” O avanço continental do Cabo Branco apanhando o sol primeiro que qualquer outro extremo das Américas. Morando no Cabo, José Américo não tinha notado isto. Se notara, não havia dito. Chega Otávio, ares de Vespúcio, e me larga a descoberta no birô: “Repare isto!” (GONZAGA, 1997 p. 16 a 17)

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A invenção intuitiva de Otávio foi um marco de graça e bênção

para o desenvolvimento do turismo, a crônica o Pau da Paraíba, é

este elemento agregador de valores para novas propagandas

elementares para alavancar o estado e sua indústria para o turismo.

Antemão, o ressurgimento de vultos, como B. Rohan, Américo

Vespúcio, José Américo. Há a intencionalidade do autor em manter

imorredouras essas personagens?

Além da arte da escrita, a modernidade acena para a

construção de novos areópagos, a comunicação extrapola a literatura

e o jornalismo, advindo às muitas ferramentas dialógicas e seu

espaço de percepção e sensorialidade.

A descoberta de Otávio criou um dos selos mais fortes na

formação identitária do nordeste, “Aqui o sol chega primeiro!” Não se

sabe de que forma ele tinha chegado a esta conclusão, no máximo

por intuição ou por alguma pesquisa geográfica conhecida. Mas, ainda

estamos no berço da arte escrita. E nela figura sempre estes

exemplos, a do desejo.

O traço marcante da língua é a capacidade de comunicação

entre as pessoas. Seu processo gestor de códigos e sua qualificação

de mundo perante o olhar arguto do outro, notabiliza sua capacidade

niveladora e reveladora da sociabilidade. A literatura traz em seu bojo

a carga semântica e os contornos da língua para ser ela a primeira

linha de produção da arte. Otávio estava produzindo senão, o maior

slogan de sua vida.

Gonzaga tem consciência de seu trabalho. Intenciona, nele,

esta relação de inclusão num projeto mais audacioso. Otávio é o

embasamento deste desejo, foi ele quem segurou esta preeminente

descoberta, o autor corroborou para que se elencasse isto nos

jornais, tornando-o público, se era verdade ou não, já era outro plano

de seu artifício, como crônica, isto podia ser corrigido. [...] Sem

origem, “o texto é um tecido de citações.” (COMPAGNON 2006 p. 51)

Por este processo de intuição, argumenta Campagnon uma mão

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dupla de significação entrecortando duas situações naquilo que o

autor quer dizer e aquilo que o discurso quer dizer. Mas há um

entendimento. Há outro envolvimento que se sobrepõe como

elementar, e dele se extrai um novo texto sob a sua particularidade,

a forma do leitor encontrar a sua terceira vertente, a da

interpretação.

Estamos num campo mais midiático, amiúde, sua duração

advém de sua capacidade especulativa e duradoura pelo processo da

leitura, da análise, de sugestões e da rotina como percepção aguda

do cotidiano: construímos o jornal, a literatura e a informação circular

como eixo do feedback no processo da comunicação.

Há, antes, o acúmulo da informação na crônica de Gonzaga.

Sua primeira existência é informar. No jornal a condensação do texto

inibe uma fruição mais elaborada, no que tange as categorias do

jornalismo poderemos conseguir uma maior participação se adentrar-

mos para uma área investigativa ou especializada. A condensação

suprime o poder imaginativo, abrindo para a técnica a mutação de

uma relativa norma de dizer “coisas” pela obviedade do cotidiano, no

qual se mostra comum. “A condensação despe o texto dos elementos

poéticos, para evidenciar a narrativa factual.” (KELLY, 1972, p. 148)

Parece que há um parêntese em que o privilégio da crônica

como gênero a faz ser de fato literatura, mas carrega a informação

do jornalismo e também a problemática do discurso textual pela

verossimilhança entre ambas.

Todavia sua realização sobressai a qualquer tópico de

separação. Há uma junção finita entre ambas. A palavra retoma seu

poder para qualificar e especificar seu campo de atuação, cada uma

em seu nicho de relevância.

Menos pelo que comunica, mais pelo que sugere, vale a literatura. A mensagem literária extrapola a semântica normal do texto: na construção vulgar e lógica, a palavra exerce o mero papel comunicador. Na mensagem literária, a palavra assume outro papel, o de revelar sempre valores novos. [...] (KELLY, 1972, p.147)

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Se há um pretexto para a conceituação de universalizar a

literatura, Kelly já nos responde pela citação acima. O mundo da

comunicação pelo elo da informação cria uma cadeia interativa mais

regular, não se procurando metaforizar frases ou sentenças

complexas. Ela se realiza pelo social, na forma do cotidiano, entre

homem, técnica e máquina, pela capacidade de dizer, informar,

deixar a par, articular notícia. Não se cria fatos no jornalismo. Cria-

se, no máximo, a exploração da notícia, ampliando seu foco, pelo

porte e peso da noticia, sabe-se que ela tem mais a oferecer, e o

jornalista a buscar. Mas, ainda assim, temos o poder literário que ora

se extrai destas crônicas e expõe Gonzaga ao objeto de estudo. Há

um caminho também literário, sendo assim, o ponto conjugador de

sentenças. A fala em Gonzaga é proposta em um sujeito que cria um

vínculo com o seu leitor. Sua forma de escrever esclarece sobre-

maneira o que ele diz e o que o outro entende como leitor. O sentido

como um constituinte tende a auxiliar o discurso.

Graças às distinções entre sentido e significação, entre projeto e intenção, parece que foram levantados os dois obstáculos mais sérios na manutenção da intenção como critério de interpretação de uma obra: a interpretação tem por objeto o sentido, não a significação, a intenção, não o projeto. [...] (COMPAGNON, 2006 p.93)

Tendo nesta assertiva um modo explicativo ao que tange a

interpretação, o sentido parece ser o caminho mais aproximado de

uma estrutura em sua leitura, quer seja uma pessoa culta ou leiga. O

sentido não é a significação, mas algo mais simples. Se um objeto

parece ter um desenho estranho, com formas indefinidas, o seu

sentido é o que esclarece, fazendo da interpretação um emaranhado

de códigos descobertos pelo leitor, que é capaz de dizer de forma

mais simples do que se trata determinada obra ou objeto.

Da mesma forma o texto, seu enunciado, sua significação é

importante, mas para o entendimento, que tange a subjetividade de

determinadas questões ou construções de discursos textuais, é o

núcleo de maior importância, pois se encontrou o entendimento a

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partir de seu senso-comum. O sentido é fluido. A significação é quase

uma impossibilidade. A intenção é do autor, a interpretação é do

leitor.

[...] Champollion não procurou explicar a pedra Roseta, como se ela tivesse uma causa, mas procurou compreendê-la, levantando a hipótese de que os signos que a recobriam respondiam a uma intenção. Nossa concepção de sentido de uma obra humana compreende a noção de atividade intencional, isto é, a idéia de que as palavras em questão querem dizer alguma coisa. Numa obra interpretam-se repetições e diferenças: toda interpretação repousa no reconhecimento de repetições e diferenças (diferenças sob um fundo de repetições.) (COMPAGNON, 2006 p. 94)

Essas figuras predominam no campo da poesia, do romance,

são referências essenciais para a forma e criação de novos dizeres:

elementos sonoros, olfativos, palatais, visuais, que se somam como

recursos de sensibilidade do autor no ato de sua criação literária, é

singelo, é tudo o que ele pode ser. Tudo sugere um sentido. Tudo

remete a um sentido. O autor da crônica é voluptuoso; congrega as

generalizações do seu discurso do que ele diz ao que ele intenciona

dizer. Sua informação entra em sintonia com o sentimento de quem

lê, e cada um absorve de maneiras diferentes, por que tem vida e

características próprias.

[...] Uma interpretação é uma hipótese em que se põe à prova a capacidade de perceber-se o máximo de elementos do texto. Ora, de que vale o critério de coerência e de complexidade, se se supõe que o poema é produto do acaso? O recurso à coerência ou à complexidade, em favor de uma interpretação, só tem sentido com referência à intenção provável do autor. (COMPAGNON, 2006 p. 94)

Como hipótese, ela já não tem em si uma verdade absoluta,

tudo se torna efêmero e não se absolutiza por que encara o campo da

subjetividade. Meras questões ampliam a capacidade de um sentido

ter seu aspecto explorado em outras possibilidades. Um complexo

sistema de polissemia. A infinitude de elementos na obra indica a sua

complexidade.

O aspecto da concentração na literatura tem uma abordagem

mais totalizante, sua capacidade potencializa-se, tudo é significativo,

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sugestivo no mínimo de palavras. Temos uma relação tripartida neste

ponto da literatura, da crônica e do jornalismo. Esta relação é de

parcimônia entre leitor, texto e discurso como algo independente.

Literatura conjuga padrões da face humana: sensibilidade, fantasia,

desejo, medo, amor, traumas, felicidades, egoísmos, traições,

conquistas, derrotas... Vejamos a crônica, O Anátema.

Enquanto o garoto dava uma demão d’água no fusca, fiquei no banco, o olhar atraído pelo interior iluminado da Igreja do Carmo. É domingo à tarde, modorrento como toda tarde de domingo. O Carmo é dos poucos quarteirões do centro onde ainda restam algumas antigas residências. Mesmo abrigando consultórios médicos, escritórios vários, o casario continua doméstico, embora de portas fechadas, sem gente á janela que componha o ar da tarde esse enredo no cenário de feitos e celebrações religiosas. Não passa ninguém. O pequeno lavrador arrepia o silêncio com o assovio de uma música antiga, música do tempo de seus avós, cantada de pai a filho, e agora entoada no bico carente da última geração. Fatalmente terá sido isto: de avô a neto, o tempo da música não deve ter transcorrido no âmbito da mesma escala social. Um curtia a “Chiquinha Bacana” nos salões, o outro sofejava enquanto lava o carro. O que progrediu na escola do país, erigindo-o à oitava economia do mundo, exportador de armas e aviões, regrediu na escala social, do avô folião ao neto biscateiro. [...] (GONZAGA, 1997 p. 21, 22)

A vazão do pensamento cria novos quadros de significação, isto

também não é perene, ao contrário, é extremamente volátil, pois

atenta ao campo da percepção, se diferenciado do sentido, e da

forma como é absorvida. Literatura transforma os sentidos, criando

outros e outros. A crônica aliada ao sensitivo campo da literatura

carrega outros níveis de sentidos, sua eloqüência sublinha a

praticidade da vida, de momentos, de fatos, na cumplicidade dos

signos, abrindo novos elementos de comunicação na estrutura

semântica do texto. A crônica situa a razão textual pela dinamicidade

do cotidiano, e a apropriação desses momentos no texto de Gonzaga

induz a polissemia da interpretação, unindo a crônica pela literatura

na estrutura jornalística. Um texto híbrido. Comunicação poetizada. O

outro nas crônicas vive sempre à espreita. O outro me revela a

capacidade de decisão na obra literária ou na feitura do jornalismo

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diário. A crítica é um aparelhamento do senso pessoal, sua

associação ao tema, á exploração de algum assunto, á abordagem de

peculiaridades sob a vida do outro, encontra na crítica a tônica da

responsabilidade no comprometimento e respeito por este outro.

A intenção do autor tem uma demanda social. Temos a

capacidade de uma arte que mesmo literária, lhes atribui aspectos da

subjetividade, encontrando em seu parecer, no sentido de um autor,

que explora situações sem denegrir, mas sempre pronto para ser

mais um contribuinte para a realização do conhecimento no cotidiano

[...] A responsabilidade crítica, frente ao sentido do autor, principalmente se esse sentido não é aquele diante do qual nos inclinamos, depende de um princípio ético de respeito ao outro. [...] (COMPAGNON, 2006 p. 95)

“O Anátema” é uma experiência de foco, presencia uma ação

comum, mas que toma outros meios de evasão, nele o transporte dos

acontecimentos enfatizam a cena passo a passo, situa a geografia de

pontos existentes: o Carmo, consultórios. Depois, se evade, para

buscar elementos complementares, contando uma história pelo viés

dos acontecimentos políticos, o homem em sociedade, a economia, o

indivíduo brasileiro, os níveis sociais, e as fronteiras de disparidades

culturais. O tom é pessimista, mas a realidade dá a tônica do

conteúdo explorado pelo autor que vê no neto a estagnação social de

um país que pouco evoluiu. O avô é a sombra do passado, o neto, um

eco no presente, uma forma de dizer: - continuamos na mesma, ou,

estamos ainda pior. O que buscar nas diferenças entre quem foi folião

e hoje se vive na pele de um biscateiro? Há um tom de gozação, e de

respeito também a quem foi folião, nisto parece residir uma

identidade mais respeitosa do que o biscateiro, indivíduo fruto de

uma economia esfacelada. O nome diz quem sou e ainda mais,

qualifica meu nível social. Biscateiro não é ninguém, além de mais

um indivíduo.

Como toda arte, há sempre um meio de expressar suas manifestações. A

palavra implica na descoberta de mundo pela elaboração dos códigos da língua para

produzir seus efeitos. Contudo, como a literatura, nessa expressividade, tem a

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clareza de continuísmos do pensamento que operam a sociedade e o anseio do

homem em modelar-se, ou infringir regras. O discurso literário tem uma veia na

produção de sentidos, no arranjo de exploração de saberes científicos, religiosos,

etc. Um conjunto de textos encontra sempre um criador, responsável por sua

função no mundo. Sua continuação apresenta as variantes distintas na

interpretação de sua multiplicação de vidas sob a ótica participante de outrem.

CONCLUSÃO

A introdução deste escritor-jornalista na literatura disseca um

formato de jornalismo já explorado em outras partes do Brasil, (Rio

de Janeiro, São Paulo) todavia, nos concentramos na Paraíba. Seu

locus tem sua identidade própria por mais que sofra desta influência

cultural e tecnológica dos grandes centros. A cultura mantém ainda o

espaço-tempo agregado aos seus valores de conotação explícita:

política, manifestações culturais, sotaques, cidade e história, como

contrapontos que se interligam à literatura.

Temos várias formas de fontes geradoras de textos, a emissão

da informação e canais de transferências. As fontes geradoras se

ampliam pela rede de relações que circula o autor. A emissão da

informação é fonte desta rede, isto é, a circulação e inserção do

jornalista e literato em seu meio social. O canal de transferência é o

público consumidor que se enxerga como vetor na construção do

cotidiano e sua participação na vida social do Estado. O Jornal é um

catalisador que explora no gênero cronístico o comportamento social

em tempo real.

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O rigor com que elabora as imagens insinua a literatura no

trato jornalístico, sendo esta uma das discussões da pesquisa, o que

já fazia décadas antes outro jornalista, João do Rio, no início do

século XX no Rio de Janeiro. O autor nos traz a exposição da vida em

retratos, cenas cotidianas do cidadão, evidenciando para uma

realidade que contrasta o ontem e o hoje, essa dispersão se torna na

divisão dos capítulos entre o saudosismo do campo e a transformação

da cidade.

A forma com que Gonzaga desenvolve cada tema transforma o

dia-a-dia num relato, guardando os teores da vida cotidiana em seu

ponto de atuação. E o que guardam esses relatos? Guardam a vida

dos homens e mulheres do seu tempo, um tempo adotado por um

sistema de acumular conhecimento sem a pretensão de ser ciência ou

arte, mas de ser a escrita com a função lúdica de montar as peças de

uma realidade que existiu e permanece na memória e na localização

do tempo. É o acúmulo do conhecimento sob a forma peculiar da

existência de pessoas que emprestaram seus nomes e funções, de

sua praticidade, dos cidadãos paraibanos, tornando-se acessível,

registro da cadência do tempo que encontra o eco do passado no

presente.

Temos o homem, o ser, a cadeia nítida de suas múltiplas

funções: escritor, jornalista, cronista. O homem ancorado nos portos

do mundo, de sua particularidade; nas entranhas do outro; na

especulação racional do frívolo; do comum; do austero, do grande;

do pequeno; no desvecilhamento do caos e de sua organização social.

O homem que desbrava as letras em busca do retrato perfeito: o

cotidiano assenhoreado pelas cores marcantes de vozes múltiplas que

exploram a vida e nos dão o jornalismo com a alma da literatura em

sua polissemia de interpretações.

As vozes de sua terra (localismo, imaginário, identidade e

memória) são marcas da realidade em seu fazer jornalístico-literário.

Nisto, ele nos cumprimenta com o cotidiano demarcado de valores

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empíricos que emanam do povo e em particular, a sua gente. O

Estado é a sua fronteira, demarcando o território no elo gigante de

uma nação. Além dessas fronteiras e incrustado em seu solo de

nação estão às raízes mais revigorantes de um povo mais que

paraibano: o nordestino.

Estudar essas manifestações é mérito ao reconhecer o trabalho

de uma vida. O olhar perspicaz de um autor que elaborou seu

trabalho a partir do seu senso, aliado à literatura e aos fatos verídicos

que perscrutam a sua obra, mantendo o seu referencial no espírito de

seu povo: cidadãos, amigos, sociedade local, política,

comportamentos, coloquialismos.

Seu trabalho define o espírito da força histórica na literatura

através do jornalismo como meio de guardar o legado de todo seu

trabalho. Sua importância vai além da academia, pois não havia uma

intenção peculiar, sua função era tão somente registrar, escrever,

mostrar sua sociedade e de como somos vulneráveis.

A impregnação de uma realidade refletida sobre gêneros que

se tornam contundentes: a literatura e o jornalismo. Neste caso,

onde um termina e o outro começa?

O lugar é o elemento chave a ser explorado. Pretendendo-se descobrir o

porquê do autor na sua visão de construir, reconstruir o real, do seu trabalho

passível de comprovação, sem subjetivismo, mas da presença elegante da ficção

como apoio singular de desmistificar o real pela literatura.

Marcamos os objetivos da pesquisa na intenção de decifrar a

trajetória de acontecimentos locais nos quais evidenciem seus

valores, e culminem na elaboração dissertativa de uma pesquisa onde

o aspecto humano/cultural seja analisado para valorizar o

pensamento e o comportamento de seu povo.

O regionalismo é uma marca preponderante do autor, pois foi

através desse traço que pudemos delimitar características intrínsecas

na construção de frases e dissociá-las, diferenciá-las, montar um

perfil entre o que é realidade e ficção, conceituar estas diferenças

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entre o que seja literatura e o que seja jornalismo. Um escopo de

difícil tradução.

Apropriar-se do mundo é tarefa para os escritores. Desbravá-lo

é tarefa para o leitor. Para a Crônica esse sabor de domínio repercute

a junção de vida e morte, de total e singular, do híbrido e do puro.

Sentido e significado num embate crucial para manter-se a estrutura

do artefato interpretativo.

Ater-se ao momento é tão somente vislumbrar o presente,

bebendo de águas profundas em que a História torna-se mãe guardiã

de toda cultura, seja ela local ou universal, mas é o sentido da vida

que se permite explorar para não morrer, e assim seguem o dualismo

contumaz da cultura, do mundo e da arte.

Temos o jornalista-cronista. Temos o homem literário. Mas, antes de tudo,

um homem que na sua cultura, cuja semelhança com grandes vultos nacionais,

como Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães, José de Alencar – buscou encantar

sua terra e as qualidades positivas e negativas de sua gente em seu cotidiano.

Gonzaga não amenizou a realidade de suas obras através do jornal,

transformou-a com a técnica da literatura, tratando a verdade como algo implícito

no cotidiano.

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