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GOVERNANÇA AMBIENTAL E TURISMO ARQUEOLÓGICO: possibilidades na serra da capivara Joanice da Silva Oliveira 1 Marllon Franklin Pinheiro Alves 2 Resumo: O presente artigo busca discutir os conceitos de governança e turismo em suas vertentes, correlacionando os mesmos a fim de investigar os papéis de atuação do governo, e, principalmente, dos atores locais no Parque Nacional da Serra da Capivara, declarado patrimônio da humanidade pela UNESCO. A metodologia foi de caráter bibliográfico e teórico, buscando também documentações de órgãos oficiais, nacionais e internacionais. Concluímos que, uma vez que projetos de governança sejam aplicados no parque e seu entorno, haverão modificações positivas, e, tendo a demanda restaurada, são fortes as possibilidades de suporte físico e financeiro do PARNA Serra da Capivara. Palavras-chave: governança; turismo; Serra da Capivara. Abstract: This article aims to discuss the concepts of governance and tourism in their aspects, correlating them in order to investigate the roles of government and, especially, the local actors in the Serra da Capivara National Park, declared a World Heritage Site by UNESCO. The methodology was of bibliographical and theoretical character, also searching in official, national and international documents. We conclude that, once governance projects are implemented in the park and its surroundings, there will be positive changes, and, with restored demand, the possibilities of physical and financial supports for PARNA Serra da Capivara are strong. Keywords: governance; tourism; Serra da Capivara. 1 Graduanda no Curso de Turismo da Universidade Federal do Maranhão – UFMA. [email protected] 2 Graduando no Curso de Turismo da Universidade Federal do Maranhão – UFMA. [email protected]

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GOVERNANÇA AMBIENTAL E TURISMO ARQUEOLÓGICO:

possibilidades na serra da capivara

Joanice da Silva Oliveira 1

Marllon Franklin Pinheiro Alves2

Resumo: O presente artigo busca discutir os conceitos de governança e turismo em suas vertentes, correlacionando os mesmos a fim de investigar os papéis de atuação do governo, e, principalmente, dos atores locais no Parque Nacional da Serra da Capivara, declarado patrimônio da humanidade pela UNESCO. A metodologia foi de caráter bibliográfico e teórico, buscando também documentações de órgãos oficiais, nacionais e internacionais. Concluímos que, uma vez que projetos de governança sejam aplicados no parque e seu entorno, haverão modificações positivas, e, tendo a demanda restaurada, são fortes as possibilidades de suporte físico e financeiro do PARNA Serra da Capivara. Palavras-chave: governança; turismo; Serra da Capivara.

Abstract: This article aims to discuss the concepts of governance and tourism in their aspects, correlating them in order to investigate the roles of government and, especially, the local actors in the Serra da Capivara National Park, declared a World Heritage Site by UNESCO. The methodology was of bibliographical and theoretical character, also searching in official, national and international documents. We conclude that, once governance projects are implemented in the park and its surroundings, there will be positive changes, and, with restored demand, the possibilities of physical and financial supports for PARNA Serra da Capivara are strong. Keywords: governance; tourism; Serra da Capivara.

1 Graduanda no Curso de Turismo da Universidade Federal do Maranhão – UFMA. [email protected] 2 Graduando no Curso de Turismo da Universidade Federal do Maranhão – UFMA. [email protected]

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I. INTRODUÇÃO

Uma das maiores problemáticas atualmente para os gestores de atividades

turísticas pelo mundo todo é em relação à extensão da gravidade dos impactos ambientais,

sociais e culturais dos quais sofrem os destinos turísticos. As preocupações em volta dessa

temática se devem, principalmente, pela imensa linha tempo onde se começou o

desenvolvimento do conceito, que hoje se encontra devidamente atualizado, de governança

e sustentabilidade, abrangendo assim suas ramificações teóricas.

Primeiramente antes da questão de aprofundamento do problema, é

fundamental a apresentação dos conceitos de governança. Para Rosenau e Czempiel

(1992) governança não é sinônimo de governo. Segundo eles, a governança seria um

fenômeno mais amplo, por envolver, paralelamente, as instituições governamentais e o

comprometimento de atores privados e não governamentais.

Percebemos que eclodiu a necessidade da criação de uma nova forma de

administração que se gerencia de forma viável e prática que se envolve os diversos atores

sociais, porém diminuindo o controle principal do Estado e transferindo grande parte da

responsabilidade de diminuição das desigualdades econômicas e sociais para os cuidados

da população local, o setor privado e entidades relacionadas à sociedade civil. Nesse

parâmetro, configurou-se a governança que nasceu como um conceito viável para

solucionar grande parte dos entraves que envolvem o meio ambiente e o desenvolvimento

tecnológico.

A governança ambiental instaurou-se como referência na criação e implantação

de projetos, assim como em tomadas de decisão para processos de criação de planos de

manejo e conselhos consultores. Intrinsecamente ligada aos conceitos de sustentabilidade,

sendo esta a consequência de uma governança ambiental efetiva, é possível insurgir que

esta é uma ação que só pode ser compreendida por diversos atores, sejam eles de cunho

científico, civil ou administrativo, tornando necessárias parcerias e diálogos.

Compreendendo a importância inegável da governança ambiental sob os mais

diversos lugares do globo, principalmente com aqueles que trabalham constantemente com

o setor turístico, como o Parque Nacional da Serra da Capivara, nos propusemos em

analisar as possíveis melhorias que o Parque Nacional da Serra da Capivara teria se a

governança ambiental fosse efetivamente instaurada como sistema administrativo do

mesmo.

A pesquisa se deu principalmente por meios bibliográficos para a construção dos

fundamentos, e análise de dados fornecidos pelos órgãos ICMBio (Instituto Chico Mendes),

UNEP (United Nations Environmental Programme), assim como materiais disponíveis no site

oficial da instituição que gerencia o Parque Nacional da Serra da Capivara, FUMDHAM

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(Fundação Museu do Homem Americano), criada com o intuito de garantir a preservação do

parque e seu acervo natural e cultural, e cujas atividades trazem impactos positivos para a

comunidade em que está inserida.

II. GOVERNANÇA

A palavra governança, apesar de seu relativo surgimento nas discussões entre

países, governos e ambientes científicos, não é um termo novo. Sua datação remete aos

anos em que o filósofo Platão realizava seus trabalhos. Advém do verbo grego kubernán,

em tradução livre, dirigir ou conduzir um navio, governar. Sua renovação conceitual se deu

entre as décadas de 1980 e 1990, cuja situação financeira global exigia um novo formato de

gestão. Nesse período, a Comissão Europeia (EC) gerou um documento que consta duas

vertentes conceituais na nomenclatura:

Le mot anglais governance a été remis à l'honneur dans les années 1990 par des économistes et politologues anglo-saxons et par certaines institutions internationales (ONU, Banque mondiale et FMI, notamment), de nouveau pour désigner "l'art ou la manière de gouverner", mais avec deux préoccupations supplémentaires; d'une part, bien marquer la distinction avec le gouvernement en tant qu'institution; d'autre part, sous un vocable peu usité et donc peu connoté, promouvoir un nouveau mode de gestion des affaires publiques fondé sur la participation de la société civile à tous les niveaux (national, mais aussi local, régional et international).

Outro documento gerado por instituição internacional foi Governance and

Development (World Bank, 1992), que afirma “governance is defined as the manner in which

power is exercised in the management of a county's economic and social resources for

development”. No mesmo documento, começa-se a abordar os impactos ambientais que

uma má gestão financeira, além da falta de estudo de capacidade de carga pode resultar,

implicando que “government decisionmakers (sic) in charge of natural resource management

often contribute to environmental deterioration through poor management decisions” (World

Bank, 1992).3

Ao analisarmos tal afirmação, é possível reconhecer que os profissionais do

Banco Mundial estavam cientes dos diversos documentos para a chamada “conscientização

ambiental”, que se sucedia desde o ano de 1968, quando se iniciaram os encontros

internacionais pelas cidades de Washington (EUA) e Paris (França) paralelamente às

reuniões de cunho internacional, como a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente Humano, em que Mota et. al (2008 apud JOYNER;JOYNER, 1974) explana que

“entre 5 e 16 de junho de 1972 ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

3 No documento Governança Ambiental no Brasil (Ipea, 2016), é dito que o conceito de governança ambiental requer uma ação mais coletiva, para assim

definir o que cada órgão, pessoa ou instituição deve fazer rumo à sustentabilidade ambiental, um dos pilares do desenvolvimento sustentável. A Constituição

Federal Brasileira, Capítulo III

Da Educação, Da Cultura E Do Desporto, Seção III, Cap. VI, coloca com clareza que esta é uma missão de toda a sociedade, “impondo-se ao Poder Público

e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (Brasil, 1988).

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Ambiente Humano em Estocolmo. O evento propôs um exame da questão ambiental de

maneira global, na busca de soluções para os problemas apresentados e também para a

definição de princípios que pudessem orientar as nações na melhoria do meio ambiente.”.

Mesmo que exista uma grande divergência no conceito de “governança”, há um

ponto de consenso entre os autores: o direito dos cidadãos participarem da tomada de

decisões em situações que envolvem suas vidas. Para Lorenzetti; Carrion (2012), “A

participação institui-se como carro-chefe do discurso político em sociedades balizadas pela

ideologia democrática, como as ocidentais.”.

O advento de governança torna-se uma oportunidade para inserir os novos

atores sociais na discussão das problemáticas globais que interferem diariamente em suas

vidas, porém passam despercebidas devido à ausência de mecanismos administrativos,

políticos e sociais que permitam sua participação efetiva na mudança de suas realidades

locais. Para Arturi (2003) e Barros (2009) essa mudança no cenário social delibera o

questionamento sobre a qualidade da democracia no mundo ocidental e apontaram a

“urgência da criação de um amplo e democrático espaço público mundial, capaz de incluir

também a participação dos atores não estatais.”.

Os problemas surgem aos poucos com a introdução da governança porque a

descentralização do poder por si próprio não resolve os problemas, pois resultaria na

indagação que Arturi (2003) levanta que destaca os riscos decorrentes da falta de

legitimidade de muitas associações e ONGs que se auto intitulam representantes de setores

sociais, bem como a tendência de algumas delas se articularem diretamente com

instituições internacionais e grandes empresas, em detrimento de órgãos estatais.

A problemática que se instaura é a sustentabilidade da democracia que se

respalda na burocracia infindável e maiores meios para a participação da sociedade que

viria de uma reforma no Estado, através de novas formas de gestões públicas que

fortaleceriam as conexões entre a sociedade e o Governo.

III. GOVERNANÇA AMBIENTAL E TURISMO

Ao considerarmos a conceituação de governança ambiental, podemos traçar um

paralelo entre esta e as práticas vigentes do desenvolvimento do turismo como atividade

sustentável, pois ambas surgem da premissa do respeito ao meio ambiente para sua

utilização controlada buscando minimizar os impactos negativos, divergindo apenas em sua

aplicação: enquanto a primeira desenvolve meios de gestão pública cultural e natural, a

última desenvolve a prática de lazer, gestão e fruição do patrimônio e natureza. Ambos

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processos estão em vigor a anos, sendo aperfeiçoados sob a direção de documentos

discutidos, principalmente, pelas nações e órgãos regulamentadores.

O documento World Conservation Strategy (1980), da União Internacional para a

Conservação da Natureza cita o turismo como uma forma de proteger e garantir o sustento

natural do ambiente, de forma a ser minimamente impactante e assumidamente

responsável.. Podemos inferir, então, que o turismo é, além de uma atividade que

movimenta a economia, uma ferramenta que pode ser utilizada pelas nações e governos

estaduais para alcançar as medidas elaboradas e definidas em reuniões internacionais e

registradas em documentos oficiais, que são públicos e de acesso gratuito.

Os Critérios Globais de Turismo Sustentável, definidos pelo Conselho Global

de Turismo Sustentável - GSTC, foram definidos como forma de orientar destinos e espaços

primordialmente turísticos a gerir seus atributos naturais. Os critérios estão definidos sob

quatro grandes temáticas: “O planejamento eficaz para a sustentabilidade”, “A maximização

dos benefícios sociais e econômicos para a comunidade local”, “O melhoramento do

patrimônio cultural” e “A redução dos impactos negativos no ambiente””. Segundo o Guia de

Boas Práticas para o Turismo Sustentável:

Os critérios são a parte da resposta prevista pela comunidade turística diante dos desafios mundiais que se apresentam para os “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, das Nações Unidas. A mitigação da pobreza e a sustentabilidade ambiental, incluindo a mudança climática, são dois dos principais temas transversais que se abordam com base nos critérios.

No site oficial do Conselho Global, há uma advertência que devemos levar em

conta: os critérios indicam o que deve ser feito, não como deve ser feito. Podemos assumir

deste ponto que os processos de tomada de decisão e criação de planos de manejo e

projetos ambientais se devem exclusivamente aos gestores de determinado local,

embasando suas decisões nos documentos nacionais e internacionais disponibilizados, cujo

papel é demonstrar resultados de pesquisas e projeções futuras de cenários micro ou

macro, cuja interpretação e bom uso refletirão naquilo que for aplicado.4

IV. ATORES DA GOVERNANÇA

A globalização alterou intrinsecamente o papel dos atores não estatais no

cenário mundial aos torná-los mais autônomos e interpendentes, como afirma Milani e

Solinís (2002).

Existe certa divergência entre quem deve ter mais participação na governança,

porque de um lado há uma necessidade crescente de um diálogo entre as ONGs e o cenário

4 No Guia de Boas Práticas para o Turismo Sustentável (2013), vem a seguinte afirmativa: “É difícil atribuir uma só característica negativa ou positiva ao

turismo em termos de sua relação com o desenvolvimento sustentável. O turismo não é simplesmente bom ou ruim; pode ser ambos, dependendo do modo

como se planeja, se desenvolve e se maneja. A boa maneira de fazer isso chama-se “turismo sustentável”.”.

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mundial, como elucida Milani e Solinís (2002) que devem assumir o lugar central no espaço

público mundial, levantando novas demandas sociais e novas instâncias de regulação

sistêmica. Do lado contrário, Hermet (2002) dá destaque ao papel do Estado na governança,

“ao defender que os imperativos da constituição de um sistema de governança mundial não

devem se sobrepor às prerrogativas do Estado, ressaltando ainda os riscos que isso implica

para a consolidação do processo democrático, em particular, para os países periféricos”.

Percebemos que a governança – ambiental ou não – não pode ascender como

modelo político e administrativo causando fragmentação do poder. Arturi (2003) afirma que a

tentativa de reforço das sociedades civis no cenário internacional não deve ocorrer em

detrimento dos Estados nacionais e das instituições governamentais.

V. DEMOCRACIA, DESCENTRALIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA

GOVERNANÇA AMBIENTAL NO BRASIL

A sociedade brasileira está atrelada à crescente ascendência de movimentos

sociais que trazem a insurgência de novos atores sociais e democráticos, “adquiriram uma

nova identidade democrática e passaram a pressionar o Estado e o sistema político a se

adaptarem a uma nova concepção acerca da moderna institucionalidade democrática, com

maior atuação e responsabilidade na formulação e execução de ações inerentes das

políticas públicas.” (JACOBI, 2006b).

Assim pondera Câmara (2013):

Os governos de diversos países vêm buscando adaptar-se, na medida do possível e com intensidades diferenciadas, à tendência global de redução do papel do Estado, devido às pressões econômicas. Ao mesmo tempo, vem aumentando a participação da sociedade civil na formulação e execução de políticas públicas, o que causa mudanças significativas na composição dos atores sociais e tomadores de decisão no país, a exemplo da proliferação de conselhos gestores, comitês e grupos de trabalho multissetoriais – a cada vez mais e plurais quanto à composição e representatividade.

Existe um grande percurso ainda a ser conquistado para a compreensão da

importância da contribuição dos seres humanos no entendimento das complexas relações

grupais, raciais, estatais, institucionais que interfere diretamente na efetividade do

desenvolvimento sustentável e da governança. Para Câmara (2013) Os mecanismos de

controle ambiental, por parte dos governos, têm se mostrado ineficientes devido a diversas

causas, entre elas: fraquezas institucionais relativas às ingerências políticas, por vezes

antagônicas com os mandatos institucionais; superposição ou indefinição de competências;

desarticulação entre as instituições e organizações diversas, que atuam no uso e ocupação

do solo; e uso dos recursos naturais. São ainda comuns a carência de pessoal, insuficiência

e inadequação de infraestrutura e de recursos financeiros, que geram debilidades na

estrutura da governança ambiental instituída, com fortes reflexos na degradação ambiental.

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A instauração da Política Nacional de Meio Ambiente no país tem angariado a

incorporação da participação efetiva social no processo de tomada de decisão e da ação de

descentralização social. Segue-se um movimento mundial, na qual vê-se a necessidade de

reestruturação do Estado baseando-se no arcabouço jurídico e constitucional para essas

mudanças. Para Câmara (2013) houve, portanto, indução de processos que visaram

estabelecer a governabilidade, com foco nas reformas do setor público e no fortalecimento

da participação (empowerment) da sociedade civil nas políticas públicas. Envolveram-se

temas como a capacitação institucional das diversas instituições de governo e não

governamentais, representativas da sociedade civil organizada e buscou-se a melhoria da

condição social, econômica e ambiental global, enfatizando a necessidade de dar conta dos

custos sociais do ajuste estrutural e de reduzir a pobreza, conferindo grande prioridade à

reestruturação dos serviços sociais, com o objetivo de incrementar a equidade e a eficiência.

VI. TURISMO ARQUEOLÓGICO E INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

Turismo Arqueológico, de acordo com Manzato e Rejowski apud Barretto (2000,

p.23), “é o chamado turismo de segmento ou de interesse específico (Barretto), também

chamado seletivo (Acerenza) ou alternativo (Krippendorf)”. E segundo Beni (2001, p.86) “é

por isso que hoje o chamado turismo cultural se desdobra em tantos títulos: ecológico,

antropológico, arqueológico, artístico, arqueo-teosófico e muitos outros”.

Segundo documentos disponibilizados pelo Ministério do Turismo, o conceito de

turismo arqueológico está inserido nas premissas do já conhecido e amplamente praticado

turismo cultural, que “compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do

conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos

culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura” (MTur, 2010).

Souza apud MTur (2012) afirma que “Esse segmento [turismo arqueológico] pode tornar-se

um aliado no desenvolvimento de localidades e atrativos turísticos que atendem essa

demanda, que relaciona-se especificamente com o Turismo Cultural, devido seus aspectos

de caráter histórico-cultural.”.

O turismo, em síntese, baseia na busca de potenciais para uma construção

estratégica de demanda a qual pode ser facilitada quando se há uma gestão atuante e

sustentável, característica hoje muito valorizada e consequente dos diversos diálogos que

ocorreram ao longo da existência da atividade. Nos planos hoje em execução, como o

Programa de Regionalização do Turismo, segue-se tal filosofia do uso sustentável e da

minimização de impactos negativos e maximização dos positivos, sendo eles de caráter

socioeconômico, ambiental, entre outros. Podemos então assumir que, existindo bens

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materiais e imateriais, sejam eles sítios arqueológicos ou pinturas rupestres de imagética

milenar, o turismo arqueológico pode sim ser assumido a partir dos atributos existentes que

dialogam com a sociedade de determinado local.

O órgão público que gerencia a atividade turística no país conceitua turismo

arqueológico como um segmento “no qual ocorre o deslocamento voluntário e temporário de

indivíduos, motivados pelo interesse ou desejo de conhecimento de aspectos pertinentes a

culturas passadas, a locais onde se encontram vestígios materiais representativos de

processo evolutivo do homem no planeta, deixados por sociedades pretéritas” (MTur,

2009)5.

Em teoria, percebe-se um consenso entre as esferas de governo público e

organizações que contribuem na salvaguarda dos bens existentes e em sua valorização por

meio de políticas de preservação e estímulos à visitação nestes ambientes. O fato de haver

políticas traz à tona discussões sobre governança e uso sustentável do ambiente,

permitindo a abertura de oportunidades de diálogo com a comunidade e com os gestores

que, se aproveitadas, trarão modificações palpáveis na maneira de se administrar o

patrimônio e garantir o sustento natural do mesmo. Souza (2012) em sua dissertação de

doutorado nos apresenta um breve histórico de como estava se construindo a atividade

turística na década de 1970, época na qual, paralelamente, era desenvolvido o projeto de

Niède Guidon no sudeste do Piauí:

Ainda na década de 1970, em oposição ao turismo de massa e aos impactos negativos observados, surge o conceito de turismo alternativo, baseado em princípios como: proteção ambiental, valorização cultural, respeito às comunidades receptoras e busca por novas experiências de viagens [...].

A professora doutora Niède Guidon, cujo trabalho no sítio arqueológico da Serra

da Capivara patrocinado inicialmente pela França, permitiu a inserção de atores locais, ou

seja, pesquisadores em sua área de estudo. Segundo Carvalho Júnior; Bittencourt apud

Guidón, 1998:23, “o trabalho arqueológico evidenciou a necessidade de formação de uma

equipe de pesquisadores locais, que há mais de quinze anos vêm pesquisando outras

regiões do Piauí”.

VII. PARQUE NACIONAL DA SERRA DA CAPIVARA

Parque Nacional (PARNA) da Serra da Capivara foi criado através do Decreto de

nº 83.548 de 5 de junho de 1979, com área de 100.000 hectares. A proteção ao Parque foi

ampliada pelo Decreto de nº 99.143 de 12 de março de 1990 com a criação de Áreas de

Preservação Permanentes adjacentes com total de 35.000 hectares. Localizado no

5 Segundo a Constituição Brasileira, datada de 1988, a composição do patrimônio cultural brasileiro inclui no Capítulo III Da Educação, da Cultura e do

Desporto, Seção II Da Cultura, Art. 216: “V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e

científico.”.

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semiárido nordestino, fronteira entre duas formações geológicas, com serras, vales e

planície, o parque abriga fauna e flora específicas da Caatinga. Pelo seu valor histórico e

cultural, o Parque Nacional da Serra da Capivara foi declarado pela Organização das

Nações Unidas pela Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em 1991, Patrimônio Cultural

da Humanidade. Como autentica o Projeto Geoparques da Serra da Capivara, do Ministério

de Minas e Energia:

O Parque Nacional Serra da Capivara está incluído na Lista de Patrimônio Mundial da UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) desde 1991, como testemunho único e excepcional de tradições culturais ou civilizações já extintas identificadas pelos vestígios encontrados na forma de armas, utensílios, fogueiras, sepulturas, cerâmicas, gravuras e pinturas rupestres. Paralelamente, a região é caracterizada por testemunhos exemplares de beleza natural e estética e de uma diversidade biológica ímpar, abrigando um número significativo de espécies ameaçadas de extinção.

A Fundação Museu do Homem Americano, ao elaborar o Plano de Manejo do

Parque entre 1986 e 1991, sob supervisão do IBAMA, estabeleceu uma política de proteção

que inclui a integração da população circunvizinha do parque às ações de preservação, algo

que perdura até o ano vigente, apesar do plano já expirado. Implantou um projeto de

desenvolvimento econômico e social que visa educar e preparar as comunidades para que

possam participar do mercado de trabalho. Silva e Mota (2002) em suas implicações

confirmam que “A conscientização da comunidade e a busca de alternativas econômicas

não predatórias, capazes de melhorar a qualidade de vida do homem estão entre as

prioridades da FUMDHAM.”.

O maior atrativo do Parque é a densidade e diversidade de sítios arqueológicos

contentores de numerosas pinturas e gravuras rupestres pré-históricas. É um verdadeiro

Parque Arqueológico com um patrimônio cultural de tal riqueza que determinou sua inclusão

na Lista do Patrimônio Mundial pela UNESCO. Durante milênios as paredes dos sítios foram

pintadas e gravadas por grupos humanos com diferentes características culturais que se

refletem nas escolhas gráficas que aparecem nos sítios. O visitante pode hoje observar um

produto gráfico final que foi realizado gradativamente e que pela sua narratividade evoca

fatos da vida cotidiana e cerimonial da vida em épocas pré-históricas.

A esse interesse antropológico se soma uma rara beleza e qualidade artística

das obras que apesar de traços similares às pinturas pré-históricas das cavernas da França

e da Espanha, abrigos sob rocha da Austrália, apresenta um perfil típico, único na região do

Nordeste do Brasil. Souza apud Lage (2007) reitera no ano citado a positividade das

características quando observa que “o fluxo turístico no local tem sido aquém do esperado,

apesar do reconhecimento internacional e de todos os investimentos realizados na

construção da infraestrutura.”.

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VIII. EXEMPLOS DE GOVERNANÇA AMBIENTAL E PROJEÇÕES PARA O PARQUE

NACIONAL DA SERRA DA CAPIVARA

Existem diversos parques nacionais de caráter arqueológico em outras partes do

mundo, uma vez que o homem pré-histórico possuía similaridades de pensamento e de

suas necessidades eclodiram ideias semelhantes, que podem ser vistas e comparadas na

atualidade. Assim, as ações do homem contemporâneo em salvaguardar o patrimônio

arqueológico de forma aceitável, e a utilização do mesmo para o fluxo de visitação turística

tem se tornado uma constante em países os quais tais sítios culturais estão agregados.

Na Nova Zelândia e Peru estão dois exemplos de como a governança pode ser

aplicada e quais seus objetivos quanto a salvaguarda do patrimônio e sua influência na

economia. O Plan Maestro del Santuario Histórico de Machupicchu, aprovado em 2015,

declara “Es gestionado de manera participativa y articulada al territorio andino-amazónico en

el marco del ordenamiento territorial regional, aportando al fortalecimiento de una identidad

que reconoce los beneficios que brinda el SHM. La población realiza actividades

económicas sostenibles contribuyendo al desarrollo de una economía local, regional y

nacional basada en el turismo responsable y la valoración de los servicios ecosistémicos”6.

Já os Planos de Manejo Iwi, da Nova Zelândia, foram construídos de forma a

garantir a participação da comunidade maorí, por meio de documento inserido em série

publicada pela New Zealand Historic Places Trust Pouhere Taonga (NZHPT). Seu foco de

inclusão dessas comunidades se baseia nos princípios iwi que regem as comunidades,

sendo o fundamental kaitiakitanga, que significa “‘the principle of responsible guardianship to

maintain and enhance a safe and healthy environment for the present and for generations to

come.”. Ao cruzarmos tais documentos, podemos afirmar que os mesmos se fortaleceram

tomando por base o conhecimento empírico e a atuação dos moradores locais e

comunidades remanescentes, as quais se identificam com o patrimônio que está tentando

se fazer preservar nos parques.

Percebemos claramente que a criação de planos de manejos com princípios

essenciais para a preservação do meio ambiente onde se está inserido as atividades de

caráter turístico e a implantação da governança ambiental é dar parâmetros para a

construção conjunta de o trabalho proteger a localidade escolhida para tal implantação,

gerando participação civil, união do setor privado e diminuição das decisões exclusivas

tomadas pelo Estado diante de realidades locais que seriam viáveis e respectivamente mais

bem sucedidas com a inserção da comunidade através de práticas democráticas que

favorecessem sua qualidade de vida e equilíbrio entre o Turismo e o Meio Ambiente, o que é

6 Seus principais objetivos possuem semelhanças com os do Parque Nacional da Serra da Capivara, “1. Realizar investigaciones arqueológicas e

interdisciplinarias en el SHM-PANM; 2. Conservar y mantener la Llaqta de Machupicchu, los monumentos arqueologicos y la red de caminos lnka del SHM

— PANM.; 3. Recuperar los monumentos arqueologicos del SHM — PANM.”.

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fundamental para regular a relação humano-meio ambiente na Serra da Capivara que

atualmente está em fase de planejamento de governança ambiental.

REFERÊNCIAS

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