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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA ARTE JOANA LIMA FIGUEIREDO FÁBRICA SANTO ALEIXO: Magé, Arte e Patrimônio da Industrialização (1847-1979) Niterói 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS GERAIS

INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA ARTE

JOANA LIMA FIGUEIREDO

FÁBRICA SANTO ALEIXO: Magé, Arte e Patrimônio da Industrialização (1847-1979)

Niterói

2008

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JOANA LIMA FIGUEIREDO

FÁBRICA SANTO ALEIXO: Magé, Arte e Patrimônio da Industrialização (1847-1979)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Arte da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência da Arte

Orientador: José Maurício Saldanha Álvarez

Niterói 2008

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F475 Figueiredo, Joana Lima. Fábrica Santo Aleixo: Magé, arte e patrimônio da industrialização

(1847-1979) / Joana Lima Figueiredo. – 2008. 163 f. Orientador: José Maurício Saldanha Álvarez. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,

Instituto de Artes e Comunicação Social, Departamento de Ciência da Arte, 2008.

Bibliografia: f. 119-129.

1. Patrimônio. 2. Patrimônio cultural – Magé (RJ). 3. Fábrica Santo Aleixo – Magé (RJ). I. Álvarez, José Maurício Saldanha. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Artes e Comunicação Social. III. Título.

CDD 333.7153

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JOANA LIMA FIGUEIREDO

FÁBRICA SANTO ALEIXO: Magé, Arte e Patrimônio da Industrialização (1847-1979)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Arte da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência da Arte

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof. Dr. José Maurício Saldanha Álvarez - UFF

________________________________________________ Profa. Dra. Sônia Ferraz – UFF

________________________________________________ Prof. Dr. Jorge Luiz Cruz – UERJ

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À Dona Jandira, minha mãe; Obrigada por tudo.

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AGRADECIMENTOS

Ao concluir este trabalho vejo que ele foi feito por muitas mãos.

A todos que contribuíram de alguma forma meus sinceros agradecimentos...

...ao professor José Maurício, por aceitar a orientação deste estudo e conduzir seu

desenvolvimento, com muita sabedoria e paciência;

...à professora Sônia Ferraz e o professor Jorge Luiz Cruz, pelas valiosas sugestões

na banca de qualificação;

...aos professores do Programa de Pós-graduação em Ciência da Arte, que

contribuíram para a minha formação;

...ao Sr. Eugênio Sciammarella, que sempre dividiu os frutos da sua pesquisa;

...a Geilson Marins, por partilhar seu trabalho;

...a Edson Golinelhi, que gentilmente cedeu seu acervo fotográfico;

...aos meus colaboradores, pela disponibilidade em dividir parte de suas vidas,

experiências e sentimentos;

...aos funcionários da Lavanderia Esther, obrigada pela atenção e colaboração;

...aos funcionários do INEPAC, pelo auxílio e gentileza com que atenderam as

minhas solicitações;

...aos funcionários das bibliotecas da UFF e UFRJ, pela gentileza no atendimento;

...à Rosa Benevento, pelo apoio e paciência, enquanto estive dividida entre o

trabalho no LLC e o mestrado;

...à amiga Lilian Rabello pela leitura paciente do texto e pela revisão;

...aos meus queridos amigos, por compreenderem principalmente as ausências.

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RESUMO

O estudo dos vestígios da Revolução Industrial vem se destacando nos últimos

anos, inserido no contexto de ampliação da noção de patrimônio. Diante disso, a

pesquisa propõe-se a refletir sobre questões referentes à trajetória do conceito de

patrimônio. Diante disso, a pesquisa propõe-se a refletir sobre questões referentes à

trajetória do conceito de patrimônio.Tal noção, como se verificará, é de extrema

importância para que os edifícios fabris fossem reconhecidos como bens a serem

preservados, assim como os caminhos que os discursos e as práticas se

desenvolveram no Brasil. Aponta-se ainda os novos rumos que o conceito de

patrimônio tem enfrentado pela influência da globalização. Apresenta-se também

algumas experiências de reutilização desses edifícios fabris. Para a pesquisa,

tomou-se como objeto de estudo a Fábrica Santo Aleixo, situada na cidade de Magé,

no estado Rio de Janeiro, considerada um importante exemplar do patrimônio

industrial. Santo Aleixo, o local selecionado, sofreu as transformações do processo de

industrialização e, para demonstrar a importância histórica da fábrica, bem como

para a memória local, procurou-se resgatar a trajetória desta por meio de

documentos e, principalmente, através de depoimentos dos próprios moradores. A

tomada de consciência de um patrimônio pode contribuir para o fortalecimento da

cidadania e conseqüentemente uma efetiva melhoria na qualidade de vida dos

moradores do lugar.

Palavras-chave: Patrimônio conceito. Patrimônio Industrial. Fábrica Santo Aleixo.

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ABSTRACT

The study of the remains of Industrial Revolution has been emphasizing in recent

years, in the context of expansion of the concept of heritage. Given this, the research

proposes to reflect on issues concerning the trajectory of the concept of heritage. This

notion, as will occur, is of extreme importance for the factory buildings were recognized

as assets to be preserved, as well as the ways that the discourses and practices have

developed in Brazil. And still the new directions that the concept of heritage has faced

by the influence of globalization. There is also some experience of reuse of these

buildings factories. The research took as the subject of study the Santo Aleixo Factory,

located in the city of Magé, in Rio de Janeiro state, considered an important example

of industrial heritage. Santo Aleixo, the selected site, has suffered the changes in the

process of industrialization, to demonstrate the historical importance of the factory and

to the local memory, it has striven to rescue the trajectory of that through documents

and, mainly, through testimony of the residents themselves. The awareness of a

heritage can contribute to strengthening citizenship and therefore to make an effective

improvement in quality of life of neighborhood dwellers.

Keywords: Concept of Heritage; Industrial Heritage, Santo Aleixo Factory

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Caminho de Bernardo Soares de Proença ......................................... p. 59

Figura 2 – Sede Social da Fábrica de Pólvora da Estrela .................................... p. 59

Figura 3 – Estação de Guia de Pacobaíba em Mauá ........................................... p. 60

Figura 4 - Foto aérea do Vale de Santo Aleixo .................................................... p. 64

Figura 5 - Capela de Santo Aleixo ........................................................................ p. 65

Figura 6 - Procissão feita em homenagem a Santo Aleixo em julho de 1935 ....... p.66

Figura 7 – Fábrica Andorinhas em 1938 .............................................................. p. 68

Figura 8 – Bondinho que ligava Magé à Santo Aleixo .......................................... p. 69

Figura 9 – Ônibus da Companhia Melhoramentos ............................................... p. 69

Figura 10 – Cervejaria Andorinhas ....................................................................... p. 70

Figura 11 – Rótulos da Cervejaria Esportiva ........................................................ p. 71

Figura 12 – Sindicato dos Trabalhadores de Santo Aleixo .................................. p. 72

Figura 13 – Selo próprio da Fábrica Santo Aleixo para impedir falsificação ........ p. 76

Figura 14 - Foto da entrada da Fábrica Santo Aleixo ........................................... p. 77

Figura 15 – Vista aérea da Fábrica Santo Aleixo ................................................. p. 78

Figura 16 – Detalhe de uma das colunas com a data da sua construção ............ p. 79

Figura 17 – Sessão da Fábrica Santo Aleixo ....................................................... p. 79

Figura 18 – Vila Operária na descida da fábrica .................................................. p. 80

Figura 19 – Fábrica Andorinhas ........................................................................... p. 81

Figura 20 – Conjunto de Vilas perto da entrada da Fábrica Andorinhas ............. p. 83

Figura 21 – Estádio Hans Hartmut Backaus patrocinada pela Fábrica Andorinhas .... p. 83

Figura 22 – Blocos do Aranha .............................................................................. p. 84

Figura 23 – Bloco Carnavalesco .......................................................................... p. 84

Figura 24 – Vila Operária em Santo Aleixo .......................................................... p. 85

Figura 25 – Alojamento masculino em Santo Aleixo ............................................ p. 86

Figura 26 – Antigo Cine Recreio e refeitório ........................................................ p. 86

Figura 27 – Antigo Armazém da Fábrica, hoje Escola Municipal ......................... p. 87

Figura 28 – Inauguração da gruta de Na Sa. De Lourdes em 1947 ...................... p. 87

Figura 29 – Grupo Escolar Joaquim Leitão .......................................................... p. 88

Figura 30 – Inauguração da Ponte do Carriça em 1947 ...................................... p. 88

Figura 31– Operários da Fábrica Santo Aleixo em 1944 durante a Festa do Pano .... p. 89

Figura 32 – Vista aérea do Gasômetro ............................................................... p.108

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Figura 33 – Gasômetro de Viena ........................................................................ p.108

Figura 34 – Tate Modern ..................................................................................... p.109

Figura 35 – Turbine Hall da Tate Modern ............................................................ p.109

Figura 36 – Auditório Niccolo Paganini ............................................................... p. 110

Figura 37 – Auditório Niccolo Paganini ............................................................... p. 110

Figura 38 – Sesc Pompéia ................................................................................. p. 112

Figura 39 – Sesc Pompéia ................................................................................. p. 112

Figura 40 – Bangu Shopping .............................................................................. p. 113

Figura 41 – Bangu Shopping .............................................................................. p. 113

Figura 42 – Centro de Convenções da UFOP .................................................... p. 114

Figura 43 – Setor de Feiras ................................................................................ p. 114

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Normas utilizadas para a transcrição das entrevistas ................ p. 55

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LISTA DE ABREVIATURAS

FUNDREN – Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio

de Janeiro

GEHT - Grupo da História da Técnica

IBEG – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICOMOS – Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

INEPAC – Instituto Estadual do Patrimônio Cultural

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SESC – Serviço Social do Comércio

SPHAN – Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

TCE – Tribunal de Contas do Estado

TICCIH – The Internacional Comitte for the Conservation of Industrial Heritage

UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro

UFF – Universidade Federal Fluminense

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 14

1.1 JUSTIFICATIVA ................................................................................................. 16

1.2 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 18

1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .............................................................................. 18

1.4 HIPÓTESES ....................................................................................................... 18

1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ..................................................................... 19

2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ........................................................................... 21

2.1 ARTE, PATRIMÔNIO E CIDADE ....................................................................... 21

2.2 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA .............. 23

2.2.1 O patrimônio na construção das narrativas nacionais .............................. 26

2.2.2 O projeto moderno brasileiro: construindo a nação .................................. 27

2.2.3 A Fase Heróica e a consolidação do SPHAN .............................................. 29

2.2.4 A Fase Moderna e as novas dinâmicas da cultura ..................................... 31

2.2.5 Os discursos: convergências e divergências ............................................ 33

2.3 PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: NOVA VERTENTE DO PATRIMÔNIO ................ 35

2.3.1 Arqueologia industrial: os caminhos de uma nova disciplina .................. 38

2.3.2 O patrimônio industrial no Brasil ................................................................. 41

2.4 OS NOVOS CAMINHOS DO PATRIMÔNIO ...................................................... 43

3 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS .............................................................. 47

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ................................................................. 47

3.2 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS ...................................................... 48

3.3 UNIVERSO E AMOSTRA DE PESQUISA ......................................................... 50

3.4 ANÁLISE DOS DADOS ...................................................................................... 51

3.5. LIMITAÇÕES E DIFICULDADES ENCONTRADAS ......................................... 53

4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS COLETADOS ...... 57

4.1. MAGÉ: UM PEQUENO RETRATO DA CIDADE ............................................... 57

4.1.1 Caracterização do Município de Magé ........................................................ 62

4.2. SANTO ALEIXO: O 2º DISTRITO DE MAGÉ ................................................ p. 64

4.2.1 A Fábrica Santo Aleixo: o difícil começo ................................................ p. 73

4.2.2 As mudanças trazidas pela família Bezerra de Mello ............................ p. 80

4.2.3 Os difíceis anos de 1979 a 1982: o fechamento da Fábrica Santo Aleixo .... p 90

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4.3 A FÁBRICA PELOS SEUS OPERÁRIOS: O QUE FICOU NA MEMÓRIA .... p. 97

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ p. 107

5.1 REUTILIZAÇÃO DE EDIFÍCIOS INDUSTRIAIS: ALGUMAS EXPERIÊNCIAS .. p. 107

5.1.1 O Gasômetro de Viena ............................................................................ p. 107

5.1.2 A Tate Modern ............................................................................................. p. 108

5.1.3 O Auditório Niccolo Paganini ................................................................. p. 109

5.1.4 SESC Pompéia ......................................................................................... p. 111

5.1.5 O Bangu Shopping ..................................................................................... p. 113

5.1.6 O Centro de Convenções da UFOP .......................................................... p. 113

5.2 CONCLUSÃO ............................................................................................... p. 115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 119

APÊNDICE A - Levantamento fotográfico de Santo Aleixo em 2008 .................. p.130

APÊNDICE B – Lista dos bens tombados em Magé pelo INEPAC..................... p. 134

APÊNDICE C - Roteiro para Entrevista .................................................................... p. 136

ANEXO A – Inventário dos bens culturais de Magé / FUNDREN ............................ p. 140

ANEXO B – Matérias de jornais e revistas ......................................................... p. 150

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1 INTRODUÇÃO

Durante muito tempo, o conceito de patrimônio ficou restrito a esfera

histórica e artística, o chamado patrimônio de pedra e cal. Porém, após a Segunda

Guerra Mundial (1939-1945) a necessidade de reconstrução das cidades e a

restauração dos monumentos acarretou uma ampliação da concepção de patrimônio.

Tal desafio contribuiu para a conscientização acerca dos valores identitários dos bairros antigos, como lugares socialmente produzidos, privilegiados pelo acúmulo de experiências humanas e vestígios da cultura material, resultado da permanente apropriação das coisas do passado (FUNARI e PELEGRINE, 2006, p. 31).

Desse modo, a noção de patrimônio histórico acabou sendo superada

pela de patrimônio cultural que, sendo mais abrangente, acabou incorporando outras

categorias como o imaterial e a industrial. Nesse sentido, edificações, como

estações, fábricas, armazéns, construções contemporâneas, além dos bens de

natureza intangível, como as festas, os lugares, a música, a dança, a culinária,

técnicas, etc, passaram a ser considerados como bens a serem preservados.

Diante do exposto, observa-se que a questão do patrimônio vem

adquirindo uma crescente importância política e social não só no Brasil, como no

cenário mundial, principalmente sobre os efeitos provocados pela chamada

mundialização da cultura1. Processo de integração progressivo das diferentes

culturas regionais a uma cultura comum e onde o patrimônio se tornou, nos últimos

anos, uma forma de resistência.

Esse processo também vai interferir diretamente na identidade2 dos

sujeitos, onde “a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar

identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos

indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia” (LE GOFF, 1984, p.46).

Essa angústia tem sua origem na desterritorialização da cultura causado pelo processo

de mundialização da cultura, tenta-se criar uma “cultura internacional-popular” cujas

1 Sobre o assunto consultar: ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 2000. 2 Identidade segundo Teixeira Coelho aponta para um “sistema de representação (...) das relações entre os indivíduos e os grupos e entre estes e seu território de reprodução, seu meio, seu espaço e seu tempo” (1997, p. 201)

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imagens serviriam para compor uma esfera de lembranças mundializadas (ORTIZ,

2000, p.105).

É nesse contexto que a problemática do patrimônio industrial, objeto

desta dissertação, se insere. O estudo dos vestígios da Revolução Industrial vem se

destacando nos últimos anos3, uma vez que este tipo de bem cultural se insere no

contexto da ampliação do conceito de patrimônio. Existe um grande debate acerca

da validade das instalações industriais enquanto algo a ser preservado, pois estas

não apresentam atributos de valor artístico, característicos daquilo que se

convencionou chamar de patrimônio.

Diante dessa reflexão, retomou-se os estudos desenvolvidos no

trabalho de conclusão em Produção Cultural apresentada na Universidade Federal

Fluminense,4 que realizou um levantamento sobre o patrimônio edificado da cidade

de Magé. Concorda-se com Pelegrine (2007, p. 1) que entende o “patrimônio cultural

como o lugar privilegiado onde as memórias e as identidades adquirem

materialidade”. Surgiu assim, a preocupação com as relações entre os moradores e

seu patrimônio, assim como, de determinar a importância destes na vida da cidade.

Ao se estudar a cidade de Magé, localizada na região metropolitana do

Estado do Rio de Janeiro, o distrito de Santo Aleixo destacou-se por possuir duas

fábricas, sendo que uma delas, a Fábrica de Santo Aleixo, é constantemente

apresentada por muitos moradores como a primeira fábrica de tecidos do Brasil.5.

Desde 1847, data do início de sua construção, transformou uma região, antes

essencialmente agrícola, numa área industrial. No entanto, foram nas décadas de

1930 e 1940, com o incremento industrial proporcionados pela política

desenvolvimentista adotada no Estado Novo que novas oportunidades surgiram.

Ocorreu um novo surto industrial e de prosperidade, onde a localidade sofreu

inúmeras melhorias. Foram construídas casas para os operários, iluminação pública,

canalização de água, escolas, um cinema, praças, clubes, etc. Transformando 3 Hoje o TICCIH (The International Comittee for the Conservation of Industrial Heritage), comitê internacional para a conservação do patrimônio industrial, possui 37 países membros, entre eles o Brasil. Mais informações em: http://www.mnactec.cat/ticcih/. Acesso em 15 mar. 2006. 4 FIGUEIREDO, Joana Lima. (Re)Descobrindo a cidade: um estudo sobre o Patrimônio Mageense. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Produção Cultural). Instituto de Arte e Cominação Social. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004. 5 Na verdade foi a Bahia o primeiro núcleo da indústria têxtil no Brasil, possuindo pequenas fábricas desde 1837. No entanto, a Fábrica Santo Aleixo seria umas das primeiras do Rio de Janeiro, pois desde 1841 já haviam estabelecimentos têxteis no Estado. Para mais detalhes ver STEIN, Stanley J. Origens e Evolução da indústria têxtil no Brasil, 1850-1950, Rio de Janeiro: Campus, 1979.

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também os modos de viver e pensar. Percebe-se, que a industrialização impôs ao

distrito de Santo Aleixo uma série de mudanças, pois este participou ativamente

desse processo de modernização que transformou o país como um todo.

Desse modo, trabalha-se com a hipótese de que a Fábrica Santo

Aleixo possa ser apontada como patrimônio industrial6, tanto pela sua significação

para a história nacional quanto a local. Além disso, a pesquisa propõe-se a refletir

sobre questões referentes à trajetória do conceito de patrimônio e o seu valor nessa

sociedade cada vez mais mundializada, assim como apontar algumas formas de

reutilização desses edifícios fabris.

1.1 JUSTIFICATIVA

No Brasil os debates acerca do patrimônio cultural foram revitalizados

pelo Decreto 3.551 de 04 de agosto de 2000, que institui o Livro de Registro – dos

Saberes, Celebrações, Formas de Expressão e Lugares como uma forma de

identificar, inventariar e valorizar o patrimônio cultural imaterial ou intangível. Esse

recente instrumento gerou novas discussões em torno do reconhecimento de outros

tipos de patrimônio.

Dentro dessa perspectiva encontra-se o patrimônio industrial, pois até

então as instalações industriais não eram consideradas como bens culturais. A

preocupação com os vestígios da Revolução Industrial iniciou-se na Inglaterra, após

a Segunda Guerra Mundial, pela necessidade de reconstruir o que havia sido

destruído durante os conflitos. Se por um lado nesse processo muitos exemplares

importantes foram demolidos, por outro fez surgir movimentos para a sensibilização

quanto à problemática desses vestígios, que são, muitas vezes, grandes espaços

abandonados dentro da cidade ou nos seus arredores. 6 Na década de 1970 foram criadas as regiões metropolitanas visando solucionar os problemas comuns dos vários municípios que as constituíam. No Estado do Rio de Janeiro, na gestão de Faria Lima, foi criada a Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana (FUNDREM), ocupando principalmente dos planos diretores para os municípios. Além do Plano Diretor de Magé a FUNDREM em parceria com o INEPAC realizaram um inventário dos bens culturais do município, onde constam as fábricas de Santo Aleixo e Andorinhas. Em anexo encontram-se as informações desse inventário. Sobre a FUNDREM ver MAGALHÃES, Roberto Anderson M. Rio de Janeiro: a recriação de uma cultura de planejamento metropolitano. Revista Arquitextos. Ano 4, vol. 4, nov. 2003. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc080/mc080.asp> . Acesso em: jun de 2008.

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No Brasil o interesse pelo patrimônio industrial é bastante recente. Um

marco importante é o tombamento em 1964, pelo IPHAN, do conjunto formado pela

Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema em Iperó, São Paulo. No entanto,

vários exemplares do nosso passado são abandonados à destruição e nem se quer

deles têm-se o registro. Dessa forma, essa pesquisa contribui não só para o

registro de um exemplar, que se acredita apresentar um relevante valor histórico,

como para o debate acerca do patrimônio industrial que no país começa a dar seus

primeiros passos.

Pode-se, ainda, destacar o aspecto social do estudo, pois se pretende

revelar os lugares da memória7 do distrito, sendo a Fábrica de Santo Aleixo8

considerada um dos principais referenciais coletivos. A partir desse lugar de

trabalho, mapear os lugares de sociabilidade e os lugares simbólicos. Recompondo

assim a história do distrito através da memória de seus moradores.

Acredita-se que desta forma pode-se reconstruir as relações de

significado entre a cidade e seus moradores. A tomada de consciência desse

patrimônio permitirá também o fortalecimento da cidadania e conseqüentemente

uma efetiva melhoria na qualidade de vida dos moradores. Com isso, os

monumentos chamados de pedra e cal revelariam seu valor e significado, que se

acredita estar latente na memória dos habitantes do lugar. Uma vez que “são os

homens que atribuem um valor às pedras e todos os homens, não apenas os

arqueólogos e os literatos” (ARGAN, 1993, p.228).

7 Nora entende que nas sociedades modernas a acentuada fragmentação da vida coletiva e a crescente valorização do indivíduo estariam gerando uma tendência à desagregação dos laços de continuidade. [O autor] indica que teria surgido a necessidade de criação de "lugares" para a preservação de memórias coletivas antes geridas pelos próprios grupos sociais: Assim, chama "lugares de memória" tanto lugares materiais como museus, órgãos criados para a preservação do patrimônio nacional e arquivos, quanto lugares pouco palpáveis ou imateriais como aniversários, celebrações, elogios fúnebres O historiador francês propõe a exploração de todos os sentidos da categoria "lugares", dos mais materiais e concretos – como os monumentos aos mortos e os arquivos nacionais – aos mais abstratos e intelectualmente construídos, como a noção de linhagem, de geração, ou mesmo de região e de "homem-memória": do lugar mais sacralizado, como Reims, ao mais humilde manual com ensinamentos sobre a nação para crianças. [...] Nora sugere ainda que ao lado dos "lugares" inevitáveis da memória nacional, sejam buscados os lugares menos evidentes, como o calendário republicano, e mesmo os lugares desconhecidos, como a biblioteca popular do Marais ou o Dicionário de pedagogia de Ferdinand Buisson. São esses lugares sem glória, pouco freqüentados pela pesquisa e desaparecidos de circulação, que explicitariam melhor o que se designa por "lugares de memória". (ABREU, 1994, p. 66-85) 8 A Fábrica Santo Aleixo também é conhecida como Fábrica Esther ou Fábrica Velha. Na pesquisa adotou-se a denominação de Fábrica Santo Aleixo por ser sua denominação mais antiga.

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1.2 OBJETIVO GERAL

- Demonstrar a importância da Fábrica Santo Aleixo enquanto

patrimônio industrial.

1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Resgatar a história da Fábrica Santo Aleixo através de uma pesquisa

documental e bibliográfica para compreender a importância da preservação deste,

que se considera como, patrimônio industrial.

- Demonstrar por meio dos relatos dos moradores de Santo Aleixo a

importância da fábrica para a memória local, ressaltando as relações desta com a

cidade e seus habitantes.

- Identificar outras experiências de reutilização de espaços fabris como

espaços culturais, de lazer, serviços e/ou comércio.

1.4 HIPÓTESES

- Além de seu valor histórico, a Fábrica Santo Aleixo pode ser apontada

como patrimônio industrial, sendo um dos principais “lugares de memória” do distrito

de Santo Aleixo.

- A Fábrica Santo Aleixo ajudou na constituição de outros lugares de

memória, tais como “lugares de sociabilidade” (praça, cinema, campo de futebol) e

“simbólicos” (igrejas, e sindicato) no distrito.

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1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

O primeiro capítulo dessa dissertação traz a introdução, justificativa,

objetivos gerais e específicos, as hipóteses e a estruturação do trabalho.

No segundo capítulo será feito um estudo sobre a trajetória da noção

de patrimônio, chegando até a ampliação de sua definição, para o que hoje se

denomina de bens culturais, uma vez que ainda é muito pequeno o número de

publicações que tratam do patrimônio industrial. Acompanhar o desenvolvimento do

conceito de patrimônio irá explicar os motivos que levaram a qualificação dessas

instalações industriais como bens a serem preservados.

Demonstrar-se-á, ainda, de que forma se desenvolveu o conceito de

patrimônio no Brasil, através dos discursos de duas pessoas emblemáticas, Rodrigo

Melo F. de Andrade e Aloísio de Magalhães, responsáveis, em grande parte, pela

construção das práticas e das políticas patrimoniais brasileiras. Através desse

caminho pretende-se chegar aos estudos acerca do patrimônio industrial brasileiro, e

à forma como ele tem-se desenvolvido, ainda que o interesse por esse tipo de

patrimônio seja muito recente. Tomando por base esses estudos, pretende-se fazer

um levantamento sobre a Fábrica Santo Aleixo, pois se trabalha com a hipótese de

que essa fábrica seja um importante exemplar do patrimônio industrial brasileiro. Além

disso, deseja-se apontar o valor e a função do patrimônio em uma sociedade cada vez

mais mundializada, assim como algumas formas de reutilização para essas

instalações industriais.

Junto com o conceito de patrimônio industrial, se apresentará a

chamada arqueologia industrial, considerada por alguns autores uma nova disciplina

que se tornou um instrumento essencial para o estudo, preservação e compreensão

do patrimônio industrial, cuja função nos fala Pinard,

[...] encontrar as circunstâncias materiais e técnicas que estão na origem de uma fabricação, da montagem de uma máquina ou da construção de um estabelecimento ou de um equipamento que marcou a vida de seus contemporâneos, e em seguida pesquisar as conseqüências que esses ‘acontecimentos’ tiveram sobre todos os dados do ambiente de uma população ou de um grupo social (PINARD apud THIESEN, 2006).

O terceiro capítulo da pesquisa trata da metodologia empregada na

coleta e análise dos dados. Para atingir os objetivos deste trabalho é preciso recorrer

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a mais de um procedimento metodológico. Portanto, optou-se pela pesquisa

bibliográfica; a pesquisa documental e a utilização da história oral, além do

levantamento de material iconográfico e mapas que auxiliem a contar a história do

lugar e a demonstrar a importância da fábrica nesse processo.

A análise dos dados será feita através de uma abordagem

hermenêutica-dialética, proposta por Minayo, pois este método procura “interpretar a

fala no contexto onde é produzida e unir na análise o nosso olhar a partir da atuação

em campo, da reflexão sobre a dimensão simbólica das ações dos sujeitos e da

complexidade das relações sociais” (MINAYO; NJAINE, 2003, p. 120).

No quarto capítulo serão apresentados e discutidos os dados

encontrados. Através dos relatos pretende-se mostrar que a Fábrica Santo Aleixo é

um “dos lugares-síntese que evocam esse passado mais recente da cidade”

(MOTTA e SILVA, 1998, p.59) podendo ser designada como patrimônio industrial.

Acredita-se que a tomada de consciência desse patrimônio permitirá o

fortalecimento da cidadania e conseqüentemente uma efetiva melhoria na qualidade

de vida dos moradores. Esses objetos materiais representam “fatos sociais totais”

que fornecem ao sujeito um sentimento de pertença9, uma identidade (MAUSS apud

GONÇALVES, 2003, p.23).

9 Por sentimento de pertença entende-se o estudo e a análise dos elementos da sociabilidade, onde se incluem os modos de inserção social, as solidariedades territoriais e a variação das áreas de diferentes práticas, cujo objetivo é o de se definirem os espaços sociais concretos que compõem o espaço de integração global da [comunidade] (COSTA, 2002, p. 42).

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2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

2.1 ARTE, PATRIMÔNIO E CIDADE

Diversos autores debruçaram-se sobre a difícil tarefa de definir a arte.

Alguns centraram suas definições no objeto artístico, os quais deveriam possuir

propriedades essenciais que os distinguiria de outros objetos. Outras teorias se

voltaram para os artistas, somente através deles poderíamos compreender a arte,

pois uma obra seria arte, quando fosse capaz de revelar as emoções e os

sentimentos do artista. Voltou-se, também, para o sujeito que contempla a obra,

onde o objeto artístico seria todo objeto capaz de provocar emoções estéticas.

Entretanto, nenhuma dessas teorias foi capaz de dar conta de uma

definição do que seja arte. Conforme destaca, também, Claudia Girão (2001, p.117).

A despeito de tantas definições de arte, a impossibilidade de explicá-la, de compreender a inacessibilidade que nela reside, parece garantir-lhe a sedução junto àqueles que a perscrutam com os olhos da ciência. Para os demais, parece importar o impulso do fazer artístico e o deleite suscitado pela apreciação das obras (GIRÃO, 2001, p.117).

Há teorias cuja definição é a própria impossibilidade de definir arte.

Como a teoria de Morris Weitz10 que defende a teoria da indefinibilidade da arte.

Dessa forma, se poderia continuar citando inúmeras (in)-definições

sem, no entanto, encontrar uma significação precisa do que é arte. No entanto,

pode-se reconhecer, sem dúvida, que desde os primórdios do homem ela é “uma

atividade fundamental” (BOSI, A. 1989, p. 8) e que continua a exercer sobre o

homem um fascínio permanente, do qual nos fala Fischer, sobrepondo-se, inclusive,

10 A idéia principal que está por detrás da teoria de Weitz, assim como de todas as teorias da indefinibilidade da arte, é a de que a arte não pode ser definida, não por uma impossibilidade factual em acomodar debaixo da mesma definição objetos tão diversos, mas sim por uma impossibilidade lógica que tem a ver com as regras de aplicação do termo "obra de arte", o que se poderá concluir pela mera análise dessas regras. Weitz vai buscar nas noções de jogo, semelhança de família e do conceito aberto de Wittgenstein a inspiração para a sua teoria. Apesar de Wittgenstein introduzir estas noções com a intenção de refutar a idéia de que a tarefa da filosofia é a de apreender a essência da linguagem, estas vão ser adaptadas por Weitz para refutar a idéia de que a arte pode ser definida em termos de condições necessárias e suficientes que apreendam a essência da arte (TEIXEIRA, 2001). Ver também WEITZ, Morris. “O Papel da Teoria na Estética”; trad. Célia Teixeira. Disponível na Internet via <http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/estetica.htm>. Acesso em 23 jun. 2007.

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aos momentos históricos. Além disso, pode-se reconhecer que a arte tem um papel

fundamental na sociedade e que ela é “necessária para que o homem se torne

capaz de conhecer e mudar o mundo” (FISCHER, 1979, p.17-20).

Dentre as formas de expressão da arte, este trabalho, volta-se para a

arquitetura, que se distingui das demais atividades artísticas por incluir o homem, na

medida em que nenhuma representação da arquitetura será suficiente para uma

perfeita experiência espacial, o homem precisa senti-la, vivê-la, sobre isso nos fala Zevi,

A pintura atua sobre duas dimensões, a despeito de poder sugerir três ou quatro delas. A escultura atua sobre três dimensões, mas o homem fica de fora, desligado, olhando do exterior as três dimensões. Por sua vez, a arquitetura é como uma grande escultura escavada, em cujo interior o homem penetra e caminha (ZEVI, 2002, p. 17).

A partir dessa arte de organizar o espaço, de forma a torná-los propícios

à vida humana, nasceram as cidades. Considera-se a própria cidade uma obra de arte,

pois são produzidas pelo homem, testemunhos de memória, valores e, é portanto,

objeto e fato artístico. São obras que possuem um caráter artístico devido à sua

qualidade e singularidade. Uma casa, um prédio, um monumento, uma ponte, etc.,

todos esses fatos urbanos são, também, fatos artísticos, como é reforçado por Rossi,

Como os fatos urbanos são relacionáveis as obras de arte? Todas as grandes manifestações da vida social têm em comum com a obra de arte o fato de nascerem da vida inconsciente, esse nível é coletivo no primeiro caso e, individual no segundo, mas a diferença é secundária, porque umas são produzidas pelo público, as outras para o público, mas é precisamente o público que lhes fornece um denominador comum (ROSSI, 1995, p. 17).

Estudar a cidade como obra de arte, implica em estudar as diversas

relações que a compõem (culturais, políticas, econômicas e sociais), somente a

partir do estudo de suas diversas manifestações é que pode-se compreender a

cidade em sua totalidade. Acerca disso nos fala Campello,

[...] aprendemos que tanto as manifestações culturais populares e eruditas quanto as igrejas, os monumentos, qualquer produto arquitetônico, as praças e jardins, o traçado das ruas e caminhos, os arquivos e museus, as obras de arte, os fazeres e as peculiaridades do comportamento social, a paisagem e os vestígios arqueológicos, [...] Tudo isto constitui, na cidade, as suas referências, a sua memória e a sua identidade (CAMPELLO, 2001, p. 12-13).

Por tudo isso, vê-se o fascínio que as obras de arte proporcionam, o

que também provoca no homem a vontade de preservá-las. É aquilo que chamamos,

hoje, de patrimônio, idéia forjada pela sobreposição de vários conceitos ao longo dos

séculos. É sobre esse desejo de preservação e sobre a história do conceito de

patrimônio que passaremos a tratar agora. Uma vez que, para definir o objeto dessa

dissertação, o patrimônio industrial, precisa-se estabelecer os limites do conceito de

patrimônio com o qual se irá trabalhar.

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2.2 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

Para Choay (2001, p. 11-29), o patrimônio tem suas origens no

monumento, cujo significado inicial era o de “advertir”, “lembrar”, “rememorar”. Por

outro lado, o monumento histórico, foi intencionalmente criado. Dessa forma,

qualquer objeto poderia ser convertido em monumento, mesmo que originalmente

não tenha sido criado para tal. Por exemplo, uma igreja que na sua origem servia

como local de culto poderia ser convertida em monumento histórico.

Choay situa o nascimento do monumento em Roma, por volta de 1420.

Surgiu da vontade de admirar e conhecer os monumentos gregos. No entanto, esse

colecionamento “não era movido por uma visão do passado [...] falta a essa época o

distanciamento da história, apoiado num projeto deliberado de preservação”

(CHOAY, 2001 p. 35). A motivação para reunir esses objetos era o prestígio, ou o

lucro, entre outros.

No período, compreendido entre as grandes invasões bárbaras e a

idade média, tem-se uma grande destruição de vários monumentos. Após a queda

do império romano, muito das suas construções perderam o sentido e acabaram sendo

reutilizados, e ou mutilados. Os ornamentos eram retirados para embelezarem outras

construções do clero ou mesmo utilizados como pedreiras. Muitas dessas práticas

foram movidas por razões econômicas. Embora, houvesse uma minoria preocupada

com a destruição dos monumentos, não havia uma preocupação em preservá-los,

estes homens, também, não possuíam uma consciência histórica desenvolvida.

Contudo, por volta dos séculos XIV e XV, essa situação começou a

mudar após o que Choay denomina de “efeito Petrarca”, onde as antigas

construções apresentaram, aos olhos dos artistas, poetas e eruditos, um novo valor,

elas, agora, seriam a materialização dos textos antigos, servem de ilustração e

referência para eles. Ainda que reduzido, surgem os primeiros colecionadores de

arte. Os artistas, poetas e eruditos da época se deixaram seduzir pelos

monumentos, passaram a se influenciar mutuamente, era uma nova educação pelo

olhar e pela sensibilidade, “travar-se-ia um diálogo sem precedentes entre artistas e

humanistas. Os primeiros formam o olhar dos segundos, ensinando-lhes a ver com

outros olhos” (CHOAY, 2001, p. 49).

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Mesmo que nesse momento tenha-se reconhecido o valor artístico e

histórico dos monumentos isso não acarretou a sua preservação de uma forma

sistemática e efetiva. O clero toma, como na idade média, para si a missão de

preservar os monumentos, porém, efetivamente ela só acontece enquanto discurso,

pois as edificações continuavam a serem mutiladas, não só para ornar as novas

construções, como para alimentar um mercado emergente de objetos de arte, ou

mesmo para a produção de cal.

Depois dos humanistas italianos diversos eruditos empreenderam

viagens rituais a Roma, “para descobrirem seus monumentos e se apropriarem do

conceito de antiguidades” (CHOAY, 2001, p. 61). É nesse contexto do Renascimento

com a valorização do homem e da antiguidade greco-romana, em contraposição à

Idade Média, que surgem os antiquários. Homens dedicados ao estudo de todos os

objetos que se referem à Antiguidade, tais como moedas, selos, grandes edifícios,

enfim tudo que fosse antigo, merecia atenção por parte desses estudiosos. Chegaram

a fazer, também, investigações sobre outras culturas, até então ignoradas.

A partir desses estudos abriu-se caminho para o estudo das

antiguidades nacionais. Estimulados pelos estudos dos exemplares greco-romanos,

os antiquários desejavam conferir as suas construções da época os mesmos valores

atribuídos aos monumentos antigos. No entanto, a preservação não se configura

numa prática real, a ação se traduzia na confecção de imagens e descrições.

No entanto, a Revolução Francesa modificou todo esse processo. A

França do século XIX, após as tempestades revolucionárias que a convulsionaram,

serviu de paradigma na evolução do conceito de patrimônio, essa é a primeira vez

que o termo patrimônio é evocado para designar aquilo que pertencia à nação.

Segundo Lanari Bo, a noção de patrimônio francesa se constituiu “em

torno de seis eixos explicativos – o religioso, o monárquico, o familiar, o nacional, o

administrativo e o cientifico” (BO, 2003, p. 22). Na esfera religiosa, o conceito de

patrimônio teve sua origem no culto e devoção de objetos, que representam a

gênese do cristianismo. Preservados em lugares definidos, como templos, tumbas,

esses objetos evocavam no presente uma memória do passado e sua conseqüente

veneração fundou o patrimônio que abarcou o espaço da igreja, indo do edifício da

catedral até o centro religioso da cidade.

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Por outro lado, a noção de patrimônio na esfera política monárquica

mostrou-se associada à necessidade de escolher objetos e lugares que servissem

de instância mediadora entre o soberano e seus súditos. Apostolidés (1993, p.16),

ao discorrer sobre o domínio da gestão simbólica do Antigo Regime, mostrou que os

pedaços dos corpos dos monarcas depositados em algumas igrejas disseminadas

pelo território francês compunham uma geografia simbólica do percurso do poder

real. O patrimônio monárquico procurou, historicamente, agregar a cultura e o saber

a sua noção. E por quê? Como no discurso do Antigo Regime, a noção se

incorporava na pessoa do rei, então foram criados arquivos e bibliotecas para

proteger seus objetos de culto. Mais tarde foram os monumentos e os castelos,

incluindo-se dentro destes últimos, as coleções de obras de arte.

No entanto, nessa época, ainda não havia um sistema legal de

proteção ao patrimônio e muitas vezes a destruição, assim como, a preservação se

via ao sabor não só das incertezas e turbulências do regime monárquico, como de

conveniências pessoais. O patrimônio familiar estava associado ao patrimônio

monárquico, pois a nobreza se organizou para proteger seus bens e suas

propriedades, símbolos de seu status.

Durante a Revolução Francesa, como explicou Apostolidés: “a nação

tomará o lugar do monarca. O espetáculo de 21 de janeiro de 179311 consuma a

ruptura entre os dois corpos: a burguesia toma o lugar do soberano, gravando sua

encarnação nos limites de um território chamado França” (APOSTOLIDÉS, 1993, p.

15). Essa etapa ficou conhecida como nacional, onde o patrimônio começou a ser

reconhecido e classificado pelos Comitês Revolucionários de 1790 a 1792. Neste

momento, se acrescenta ao conceito de patrimônio a idéia da necessidade de serem

desenvolvidas políticas públicas para a preservação e valorização dos bens

significativos da nação.

Entretanto, não se pode esquecer que este processo não se deu de

forma homogênea e sem conflitos, já que o patrimônio foi e ainda é um palco de

muitas disputas, o que gerou muitas reações conservadoras, ou em alguns casos

levou ao vandalismo. Após a consolidação desta nova concepção de patrimônio que

a Revolução Francesa trouxe, se dá a passagem para os estágios administrativo e

11 Decapitação dos reis de França.

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científico, nas quais o Estado e a sociedade procuram adequar e igualar os

desequilíbrios na administração do patrimônio.

Aliás, foi sobre a égide do Estado que o patrimônio teve os contornos

definidos tal como se concebe hoje, tornando-se um instrumento privilegiado na

construção dos Estados Nacionais.

2.2.1 O patrimônio na construção das narrativas nacionais

A nação, tal como é concebida modernamente, é definida segundo

Hobsbawm como,

A comunidade de cidadãos, de um Estado, vivendo sob o mesmo regime ou governo e tendo como comunhão de interesses; a coletividade de habitantes de um território com tradições e aspirações comuns, subordinados a um poder central que se encarregue de manter a unidade do grupo (HOBSBAWM, 1990, p. 28).

No entanto, esta definição somente é encontrada recentemente,

Hobsbawm defende que durante a Era das Revoluções o que existia não era uma

idéia de nação tal como é concebida na atualidade, mas um “princípio da

nacionalidade” que vinculou a nação a um território. “Pois a estrutura e a definição

dos Estados eram agora essencialmente territoriais” (HOBSBAWM, 1990, p. 32).

Outros critérios de identificação, tais como o língua comum, etnicidade, lembranças

históricas, a principio não foram levados em consideração, porém, depois se

tornaram critérios importantes.

A função desse nascente Estado-nação seria garantir a segurança e a

estabilidade necessárias para o desenvolvimento econômico, “a nação implicava

uma economia nacional e sua sistemática promoção pelo Estado, o que, no século

XIX, significava protecionismo” (HOBSBAWM, 1990, p. 40). Para tanto, foi

fundamental não só inventar a nação, mas as tradições, estas tiveram um papel

indispensável na construção dos estados.

Segundo Hobsbawm e Ranger (1997, p. 17), pode-se classificar em

três categorias superpostas as “tradições inventadas” desde a Revolução Industrial.

A primeira é composta por aquelas que estabelecem ou simbolizam a coesão social

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ou as condições de admissão de um grupo ou comunidades reais ou artificiais; a

segunda estabelece ou legitima instituições, status ou relações de autoridade e por

fim aquelas cuja função seriam a socialização, a disseminação de idéias, de

sistemas de valores e padrões de comportamento.

A nação havia sido inventada agora era necessário inventar os cidadãos.

Para tanto, o Estado precisava fornecer aos homens “meios para que

compartilhassem valores e costumes, para que pudessem se comunicar entre si, para

que tivessem um solo e uma origem supostamente comuns” (FUNARI e PELEGRINI,

2006, p. 15). Nesse processo o patrimônio será um instrumento fundamental, pois

esse conjunto de “bens viriam objetivar, ou seja, conferir realidade e também legitimar

essa ‘comunidade imaginada’” (GONÇALVES apud FONSECA, 2005, p.37).

Dessa forma, o patrimônio irá se inserir no processo de consolidação

dos Estados-nações modernos vindo a cumprir diversas funções simbólicas. Entre as

quais, fortalecer a noção de cidadania; objetivar; tornando visível e real, essa entidade

idealizada que é a nação; além de serem provas materiais dos discursos oficiais da

história nacional (GONÇALVES, 2002a, p. 59). No Brasil essa preocupação com os

vestígios do passado e da nação começa a ter relevância por volta de 1920, junto com

o modernismo.

2.2.2 O projeto moderno brasileiro: construindo a nação

No Brasil o projeto moderno tem seu marco na Semana de Arte

Moderna de 1922, movimento intelectual organizado por um grupo de artistas que se

reuniram para anunciar à sociedade o novo, em contraposição aos valores

tradicionais. “A semana de Arte Moderna procurou sacudir o comodismo, a

indiferença, o conformismo, o preconceito e tudo o que fosse convencional e lançar

uma nova concepção de valores” (DOMINGUES e FIUSA, 1996, p.237). O

Modernismo no Brasil oscilou entre duas vertentes principais, por um lado tem-se a

busca de uma internacionalização, colocando o país em conformidade com os

movimentos culturais e artísticos mundiais. Por outro lado, tem-se a necessidade de

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reafirmar a nossa identidade, de redescobrir as nossas raízes e valorizar o que

haveria de mais autêntico na nossa cultura.

Foram nos anos 30, com a mudança proporcionada pela conjuntura

que desembocou no Estado Novo de 1937, que surgiram condições propícias para

que houvesse um intenso resgate da nossa nacionalidade (ORTIZ, 1988, p.51). Esta

virada decisiva na busca de raízes autóctones não foi um fenômeno brasileiro, mas

mundial e principalmente americano. Foi nesse tempo se deu uma clara separação

entre cultura e a educação, agora a cultura reunia artistas e intelectuais que não

atuavam mais na escola ou na igreja, mas em instituições imprecisas, pois ainda não

existia um espaço especifico para a cultura. Esse espaço, neste tempo, parece ter

sido o Estado, autor de projeto nacional de desenvolvimento, de modernização e de

integração das massas marginalizadas. Para Ortiz, “Os intelectuais, ao se voltarem

para o Estado, seja para fortalecê-lo como o fizeram durante Vargas, ou para criticá-

lo, [...] o reconheceram como o espaço privilegiado por onde passa a questão

cultural” (ORTIZ, 1988, p. 51).

Os Modernistas brasileiros não queriam, apenas, um novo movimento

estético, mas uma ruptura com toda os padrões culturais predominantes na sociedade

da época. A busca da “brasilidade” é efeito da introdução do conceito de tradição, pois

o Brasil, por ser um país de formação recente, não possuía esse elemento

constituinte. Os intelectuais tomaram para si a missão de construir uma tradição

brasileira autêntica. É nesse contexto que surge a temática sobre o patrimônio no

Brasil, vejamos agora de que forma esses discursos foram construídos.

Pode-se, segundo Gonçalves (2002a, p. 38), identificar duas

importantes narrativas pelas quais as políticas oficiais de patrimônio cultural

brasileira foram construídas. A primeira é associada à figura de Rodrigo Melo Franco

de Andrade e ao Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) em

um período que vai desde 1937 até 1970. A segunda narrativa está associada à

figura de Aloísio de Magalhães, que assumiu a direção do SPHAN de 1969 até

1979. Hoje Instituto do Patrimônio histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

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2.2.3 A Fase Heróica e a consolidação do SPHAN

Observou-se, anteriormente, o contexto político em que veio a ser

implementado o projeto de modernização do Brasil. Os intelectuais assumiram a

incumbência de identificar e afirmar uma cultura e uma identidade nacionais, como

nos fala Gonçalves, “aqueles intelectuais identificados com o Modernismo e

associados ao regime político do Estado Novo concebiam a si mesmos como uma

elite cultural e política cuja missão era ‘modernizar’ ou ‘civilizar’ o Brasil”

(GONÇALVES 2002a, p. 41, grifos do autor).

O maior expoente do nosso modernismo foi sem dúvida Mário de

Andrade que apresentou um projeto de lei realmente interessado em proteger a

totalidade de nossos bens culturais. Mário de Andrade entendia nosso patrimônio

cultural como "todas as obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita,

nacional ou estrangeira, pertencente aos poderes públicos, e a organismos sociais e

a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil". A arte

para ele tinha um sentido bastante amplo, assumindo diversas conotações, em suas

palavras: "arte é uma palavra geral, que neste seu sentido geral significa a

habilidade com que o engenho humano se utiliza da ciência, das coisas e dos fatos"

(LEMOS, 1981, p.38).

Enfim, ele tinha a vontade de registrar todas as manifestações culturais

brasileiras, não só o objeto em si, mas todo o processo que acabou por gerá-lo,

tanto o "saber" quanto o "saber fazer". Tal proposta estava muito além do que se

encontrava na época, quando comparada às modernas recomendações

internacionais de hoje. Apesar do projeto inovador o que efetivamente se obteve foi

a criação do SPHAN, em 1936, cuja implantação ficou a cargo de Rodrigo Melo

Franco de Andrade.

O discurso de Rodrigo é fundamentado em um paradigma histórico, pois

ele utilizou-se de um discurso histórico para justificar suas teses e proposições

relacionadas com a cultura brasileira. Seu objetivo é registrar de modo mais científico

possível os personagens e acontecimentos associados ao patrimônio histórico e

artístico, podendo assim justificar não só as suas ações, como a importância de

órgãos oficiais para a salvaguarda deste (GONÇALVES 2002a, p. 40-49).

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Rodrigo articulou seu discurso sobre o patrimônio através das noções

de civilização e tradição. Ele utiliza-se de um paradigma histórico para ir buscar as

origens do nosso patrimônio histórico e artístico, de modo a inserir o patrimônio

brasileiro na perspectiva universalista da arte européia. Dessa forma, se poderia

“construir uma identidade nacional que, associadamente, revelasse uma nação

moderna e pertencente ao mundo civilizado” (CHUVA, 2003, p. 321).

Por outro lado, a tradição brasileira é fruto das contribuições das

populações indígenas, africanas e européias formadores da cultura brasileira. Eles

servirão como fontes para comprovar e defender a existência de uma cultura

nacional autêntica. A “tradição é o que faz a mediação entre o passado e o presente

da nação. O conjunto desses bens que são classificados como ‘patrimônio’

representa precisamente essa ‘tradição’, vinculando os brasileiros de ontem aos de

hoje” (GONÇALVES, 2002b, p. 117, grifos do autor).

Os modernistas nessa busca pelas raízes brasileiras foram buscar no

barroco a estética para representar uma cultura e uma arte genuinamente brasileira,

tanto que de 1937 a 1979 grande parte dos tombamentos realizados foram

representativos do chamado barroco brasileiro, sobre essa importância nos fala Santos

Nesse momento, no que se refere à construção da nação, o barroco é emblemático, é percebido como a primeira manifestação cultural tipicamente brasileira, possuidor, portanto, da aura da origem da cultura brasileira, ou seja, da nação. Daí o valor totêmico que se constrói, sendo identificado, sistematicamente, como representação de ‘autentico’, de ‘estilo puro’ (SANTOS apud FONSECA, 2005, p. 44, grifos do autor).

Um importante instrumento de divulgação dessas idéias foi a Revista

do Patrimônio, “com ela o SPHAN passaria a balizar e polarizar os debates sobre

essa temática, fazendo com que, ao se falar de preservação cultural no Brasil, se

tornasse impossível não se remeter à sua produção” (CHUVA, 2003, p. 322). Dessa

forma, também, foi possível investir em estudos de cunho científico, com

embasamento documental, que até então passava longe das preocupações dos

estudiosos da época.

O SPHAN, desses primeiros anos, ficou conhecido como a fase heróica

por conta do “romantismo das viagens para desvendar a realidade brasileira tão

exótica e desconhecida no próprio país” (CAVALCANTI, 2000, p. 22). Rodrigo é a

figura emblemática dessa época, e tomou como missão pessoal a causa do

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patrimônio, dedicando mais de 30 anos de sua vida a tornar o SPHAN uma

instituição séria e com reconhecimento internacional.

No entanto, as ações do SPHAN acabaram restringidas por diversos

entraves políticos e financeiros. A sua atuação ficou ligada, principalmente, a bens

arquitetônicos. Pode-se notar nas práticas do SPHAN, quanto à formação do

patrimônio no Brasil, o predomínio de uma perspectiva de caráter estético. A questão

histórica, nesse momento, praticamente inexistia. Essas ações, também, por não

encontrarem - ou mesmo não procurarem - uma ressonância na sociedade não

conseguiriam ter um alcance efetivo.

Nas décadas de 1945 até 1960, o SPHAN não foi afetado pela

mudança no quadro político, isso se deve ao fato da pouca importância que a

questão do patrimônio suscitava, seu maior inimigo, no entanto, foi a especulação

imobiliária, aliado à falta de recursos financeiros e de pessoal. Ao contrário da

enorme vinculação entre os intelectuais modernistas, nos primeiros anos, “o SPHAN

dos anos 60 era uma ilha à parte das grandes questões culturais e políticas”

(FONSECA, 2005, p. 140).

2.2.4 A Fase Moderna e as novas dinâmicas da cultura

Nas décadas de 50 e 60 houve um intenso processo de

industrialização, de urbanização e de interiorização no Brasil, impulsionado, entre

outros, pela construção de Brasília. A política de preservação desenvolvida pelo

SPHAN, nos antigos modelos instituídos, já não dava conta das novas dinâmicas

culturais do país. A instituição havia falhado na tentativa de mobilizar o governo e a

sociedade para a questão da preservação.

No cenário internacional vale destacar a participação da Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) com a

criação da Convenção do Patrimônio Mundial de 1972, cujos objetivos são incentivar

a preservação de bens culturais, nacionais e naturais considerados significativos

para todos os povos. A atuação é legitimada com base no reconhecimento

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internacional do valor do patrimônio, cujos critérios são resolvidos por acordo entre

os Estados-Partes. A UNESCO, em alguns momentos, exerceu influência na forma

como se dava à administração do patrimônio no Brasil, por ser uma instituição

legitimadora internacional. Por exemplo, no fim da gestão de Rodrigo M. F. de

Andrade no SPHAN, era um momento de mudanças no cenário político-econômico

com a ascensão dos governos militares, onde, o "poder supostamente persuasório

do organismo internacional foi convocado a cooperar com a ação governamental

orientada por um determinado modelo desenvolvimentista" (BO, 2003, p.29).

A influência internacional não teve longa duração, de forma que o

caminho da redemocratização, na década de 80, trouxe de volta a questão do

patrimônio para a esfera política. Não necessitando mais do aporte internacional

para legitimação interna. Além disso, a gerência do patrimônio brasileiro teve

uma crescente descentralização administrativa, levando a discussão do

tombamento a um nível nacional, o que acarretou um distanciamento ainda

maior da esfera internacional.

Aloísio de Magalhães foi outra figura emblemática que influenciou

“significativamente a sedimentação de uma idéia mais ampla de patrimônio cultural

no Brasil” (SANT’ANA, 2003, p. 51). Na década de 1970, por causa do trabalho de

Aloísio Magalhães, se retomou as idéias contidas no texto de Mário de Andrade,

procurando "conferir um estatuto de patrimônio histórico e artístico nacional à

produção cultural dos contextos populares e das etnias afro-brasileira e indígena" (BO,

2003, p.29). A intenção de Aloísio não era civilizar o Brasil, mas revelar nossa

diversidade cultural.

Em seu discurso Aloísio de Magalhães substitui a noção de patrimônio

histórico e artístico nacional, de Rodrigo, pela noção de “bens culturais”. Nessa

perspectiva o mais importante é a valorização do presente, nas dinâmicas de suas

manifestações. Ele vê o Brasil como um país novo e pensa os bens culturais dentro

dos processos de criação, como nos fala Magalhães,

Aquele conjunto de objetos e de atividades sociais e culturais classificados como ‘bens culturais’ são vistos como os meios através dos quais diferentes segmentos que compõem a nação expressam-se a si mesmos no fluxo do processo histórico. Eles são pensados não como objetos fixos, exemplares, mas no processo mesmo de criação e recriação que lhes dá realidade. (MAGALHÃES apud GONÇALVES, 2002a, p. 53, grifo do autor)

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Dessa forma, Aloísio ampliou a noção de patrimônio e abriu espaço,

nas políticas oficiais, para a cultura popular. Opondo-se ao discurso de Rodrigo,

organizado em torno da tradição e da civilização, Aloísio articulou sua narrativa

através das noções de desenvolvimento e diversidade cultural. Os bens culturais

teriam a função de preservar a nossa identidade cultural, frente aos países do

primeiro mundo, durante os processos de desenvolvimento econômico e tecnológico.

Nas palavras de Aloísio “será que a nação brasileira pretende desenvolver-se no

sentido de se tornar uma nação rica, uma nação forte, poderosa, porém uma nação

sem caráter?” (MAGALHÃES apud GONÇALVES, 2002a, p. 51).

A figura pública de Aloísio de Magalhães não é menos emblemática

que a de Rodrigo Melo. Ele também via a questão do patrimônio como uma missão,

ele já era um bem sucedido profissional quando assumiu a direção do SPHAN, este

reconhecia a situação privilegiada de alguns segmentos da população em

detrimento da imensa maioria. “Enquanto tal deveriam assumir a responsabilidade

de oferecer algo à nação como uma forma de compensação pelos seus privilégios”

(MAGALHÃES apud GONÇALVES, 2002a, p. 55). Infelizmente sua atuação foi

interrompida por sua morte prematura.

2.2.5 Os discursos: convergências e divergências

Tanto a narrativa de Rodrigo, onde o país é visto como civilização e

tradição, quanto a de Aloísio, identificada como a heterogeneidade cultural e o

desenvolvimento “podem ser interpretadas como estratégias de autenticação de uma

identidade nacional” (GONÇALVES, 2002a, p. 57). Dessa forma, pode-se identificar

em comum essa busca por uma identidade nacional, embora essa busca nunca

cesse, pois é algo que ainda será realizado, um eterno devir.

Essa busca, como nos fala Gonçalves, se reflete na defesa de algo que

irá se perder. É aquilo que o autor chama de “a retórica da perda”. Sendo que é a

própria narrativa dos intelectuais que propicia essa perda, pois fazem parte da

estratégia discursiva para a justificativa das ações de defesa.

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No discurso de Rodrigo é constante a evocação de termos como

“destruição”, “evasão”, “ruína”, “dispersão”, para ele a perda do patrimônio é

irreparável, é a própria morte da nação. Segundo Rodrigo, a função do SPHAN é a

proteção do que ainda sobrou do nosso patrimônio e monumentos. Entre os fatores

identificados por Rodrigo, que deixaram o nosso patrimônio nessa iminente perda,

estão o comércio clandestino das obras de arte; a descaracterização urbana; além

da indiferença da população local, resultado da ignorância desta. Por esse motivo,

em seus discursos Rodrigo enfatiza a educação e a sensibilização da população

para a questão do patrimônio.

Encontra-se, também, no discurso de Aloísio esse sentido de perda,

mas identificada com a perda da identidade, causada pelo perigo da homogeneização

cultural. Ele vê a importação, sem controle, dos valores estrangeiros como

“extremamente perigoso para a sobrevivência e o desenvolvimento de uma

identidade cultural autônoma” (GONÇALVES, 2002a, p. 96-97).

Aloísio atribui, entre outros, ao europocentrismo das nossas políticas

culturais o risco dessa perda; como, também, o olhar colonialista europeu, que

deseja ver projetado em nós aquilo que eles são, fazendo uma simples transposição

de suas políticas e não uma adaptação à nossa realidade. Esse reflexo pode ser

percebido pela valorização dos bens culturais das elites, ignorando-se a

complexidade e a diversidade da nossa cultura.

Nota-se que a nação é percebida de modos bem distintos. No discurso

de Rodrigo ela foi entendida como uma totalidade, um espaço homogêneo onde não

existem conflitos. Já na percepção de Aloísio a nação foi vista como completa, onde

a essência é representada pelo patrimônio, apreendida como heterogênea e

mutável, onde o patrimônio é sentido como integrante do viver cotidiano dos diversos

grupos formadores de nossa sociedade (GONÇALVES, 2002b, p. 121). Certamente

o modo como esses discursos foram construídos influem, hoje, nas práticas e nas

políticas patrimoniais brasileiras.

Além disso, nota-se, através desses discursos, que a abordagem do

patrimônio se tornou mais ampla, agregando duas novas concepções: “em primeiro

lugar, a de que no interior mesmo do contexto nacional existiam culturas diversas e

plurais, [...] em segundo, a noção de que a cultura congregava bens materiais e

imateriais” (ABREU, 2003, p.33). De modo que a noção de patrimônio, que antes era

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centrado nos bens de pedra e cal, foi dando espaço para o conceito de bens

culturais, onde importante são as práticas, as dinâmicas das manifestações. O que

ocorreu, também, no cenário internacional. Dessa forma, observa-se a ampliação do

conceito de patrimônio como tão bem definiu Santos:

O patrimônio foi deixando de ser simplesmente herdado para ser estudado, discutido, compartilhado e até reivindicado. Ultrapassam-se a monumentalidade, a excepcionalidade e mesmo a materialidade com parâmetros de proteção, para abranger o vernacular, o cotidiano, a imaterialidade, porém, sem abrir mão de continuar contemplando a preservação dos objetos de arte e monumentos eleitos ao longo de tantos anos de trabalho como merece-dores da especial proteção. Passa-se a valorizar não somente os vestígios de um passado distante, mas também a contemporaneidade, os processos, a produção (SANTOS C. R., 2001, p. 44).

Nesse processo a noção de patrimônio foi ganhando novas sub-

categorias, tais como patrimônio cultural, (que substitui o histórico e artístico),

natural, ambiental, genético, imaterial, entre outros. Dentre esses, um dos mais

recentes, é o patrimônio industrial.

2.3 PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: NOVA VERTENTE DO PATRIMÔNIO

A Revolução Industrial marcou profundamente a sociedade que se

formou em meados do século XVIII e os subprodutos desse desenvolvimento foram

sendo substituídos, desativados, destruídos ou mesmo esquecidos. A partir do

estudo acerca do patrimônio industrial tem inicio a valorização, assim como, a

salvaguarda desse tipo de herança. No entanto, esse movimento é bastante recente,

“carecendo, assim, da dimensão temporal que nos habituamos a apreciar como

critério – por vezes único – de relevância histórica” (MENDES, 2000, p. 204), ou

seja, não se pensava neles como algo a ser preservado.

A preocupação com os vestígios da Revolução Industrial iniciou-se na

Inglaterra no final dos anos 1950. Após a Segunda Guerra Mundial, houve a

necessidade de reconstruir o que havia sido destruído pelo conflito, a dinâmica do

crescimento por um lado e a falta de sensibilização por outro, fez com que muitos

exemplares importantes fossem demolidos. Como exemplo, Mendes (2000, p.200)

cita os seguintes monumentos: o Palácio de Cristal (construído em 1865 para a 1ª

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Exposição Mundial), a Estação Euston em Londres (1962) e o mercado Les Halles

em Paris (1970). Em contrapartida, essas demolições geraram movimentos que

despertaram a atenção para a problemática do patrimônio industrial.

Segundo Hernández, o termo “patrimônio industrial” foi utilizado pela

primeira vez em 1955, no livro de Michel Rix, “The Amateur Historician” onde o autor

enfatiza “a importância da conservação dos testemunhos herdados da revolução

industrial, cuja importância está enraizado no seu valor histórico, assim como na

identidade de certo grupo social” (HERNÁNDEZ, 2006, p.3, tradução nossa).

O crescente interesse pela salvaguarda desses vestígios industriais

levou a Inspetoria de Monumentos Antigos na Inglaterra, em 1962, a seguinte

definição:

Um monumento industrial é qualquer edificação ou outra estrutura permanente, especialmente do período da Revolução Industrial que, sozinha ou associada à instalação primária para equipamento, ilustra o começo e desenvolvimento dos processos industriais e técnicos, incluindo os meios de comunicação (RAISTRICK apud KÜHL 1998, p. 222).

Já o Conselho Britânico de Arqueologia, adotou como definição uma

versão um pouco modificada:

[...] qualquer edificação ou outra estrutura permanente – especialmente do período da Revolução Industrial – que, sozinha ou associada à maquinaria ou equipamento, ilustra ou é significativamente associada ao começo e evolução de processos industriais e técnicos. Isso pode referir-se tanto a produção quanto aos meios de comunicação (HUDSON apud KÜHL 1998, p. 222).

No entanto, essas primeiras definições delimitaram o período a ser

estudado, o que a princípio se justifica, por ser a Inglaterra o centro irradiador do

processo de industrialização. Porém, o desenvolvimento industrial não se deu de

maneira homogênea, cada país apresenta um estágio e um período diferente. Por

isso, muitos autores passaram simplesmente a suprimir de seus estudos essa

limitação cronológica.

Nesse mesmo período, no cenário internacional, em 1962, a

UNESCO em sua “Recomendação Relativa à Salvaguarda da Beleza e do

Caráter das Paisagens e Sítios”, apontou minas, pedreiras e instalações

industriais como “perigos que ameaçavam as paisagens e sítios e que deveriam

ser controlados” (VICHNEWSKI 2004, p. 30). Todavia, em 1964, na publicação da

Carta de Veneza, pelo Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios

(ICOMOS), trouxe uma nova definição de monumento, abrindo uma nova

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perspectiva para o patrimônio industrial. Esta definia o monumento histórico “não

só as grandes criações mas também as obras modestas, que tenham adquirido,

com o tempo, uma significação cultural” (CURY, 2004, p.92), o que pode ser

aplicado ao patrimônio industrial, segundo Miguel Louis Cereceda (apud

VICHNEWSKI, 2004, p. 29).

Contudo, foi na década de 1970 que o conceito de patrimônio industrial

começou a ganhar força, ocorreram diversas tentativas para incorporar o patrimônio

industrial ao patrimônio cultural. Dentre elas a Recomendação relativa à arqueologia

industrial adotada pela Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa, que

também realizou diversos colóquios. Destaque para a criação do The Internacional

Comitte for the Conservation of Industrial Heritage (TICCIH) em 1978, que através

de diversos encontros tem contribuído para uma maior sensibilização para as

questões relativas ao patrimônio industrial. Hoje, essa organização tem

representantes e correspondentes em diversos países.

No final da década de 1970, a UNESCO também passou a considerar

o patrimônio industrial como uma nova vertente do patrimônio mundial, passando a

organizar a lista do Patrimônio Industrial da Humanidade, com cerca de 33 sítios

(CASTRO, 2002, p. 95). A primeira instalação industrial a ser inscrita na Lista do

Patrimônio Mundial foi a Mina de Sal Wieliczka, na Polônia, em 1978 (VICHNEWSKI,

2004, p. 29-30).

Por conseguinte, muitos países passaram a fazer levantamentos

sistemáticos acerca dos seus patrimônios industriais, levando-os a valorização e

reutilização. Logo depois da Inglaterra, foram a Suécia, a Alemanha e a Áustria que

iniciaram suas pesquisas para o registro e a recuperação do Patrimônio Industrial.

Nos Estados Unidos esse interesse apareceu relativamente cedo, desde 1965,

através do trabalho do Smithsonian Institution, Historic American Buildings Survey e

American Institute of Architects. Na década de 1970 foram a França, a Bélgica e a

Itália que começam a se interessar sistematicamente pelo patrimônio industrial. Já

Portugal e Espanha só começaram suas pesquisas na década de 1980 (CASTRO,

2002, p. 97).

A conceituação mais recente sobre o patrimônio industrial pode ser

encontrada na Carta de Nizhny Tagil, documento produzido na reunião do Comitê

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Internacional para a Conservação do Patrimônio Industrial (TICCIH) na Rússia em

2003. Segundo a Carta12:

O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitectônico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram actividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação.

2.3.1 Arqueologia industrial: os caminhos de uma nova disciplina

Junto com o conceito de patrimônio industrial nasce a chamada

arqueologia industrial, considerada por alguns autores como uma nova ciência,

disciplina ou ramo do saber, cuja função seria segundo Pinard:

[...] encontrar as circunstâncias materiais e técnicas que estão na origem de uma fabricação, da montagem de uma máquina ou da construção de um estabelecimento ou de um equipamento que marcou a vida de seus contemporâneos, e em seguida pesquisar as conseqüências que esses acontecimentos tiveram sobre todos os dados do ambiente de uma população ou de um grupo social (PINARD apud THIESEN, 2006, p.2).

O surgimento do conceito remonta na verdade os finais do século XIX,

onde Francisco de Souza Viterbo (1845-1911), com seu trabalho – A Arqueologia

industrial portuguesa: os moinhos - sugeriu que se criasse um novo ramo do saber,

propondo a denominação para ele de arqueologia industrial (MENDES, 2000, p.

199). Viterbo interrogava-se “existe arqueologia da arte, porque não há-de haver

arqueologia da indústria?” Além disso, propunha “antes que tudo se perca

irremediavelmente, salvemos pela descrição e pela estampa o que ainda resta,

dilacerado e partido, dos antigos documentos da laboriosidade portuguesa”

(GUEDES, 1999, p. 1).

No entanto, a notoriedade do conceito deu-se por volta de 1950 na

Inglaterra, onde se deram os primeiros movimentos para a preservação do

patrimônio industrial. Segundo Trinder, foram três estudiosos os precursores da

disciplina: o professor Donald Dudley da Universidade de Brimigham, o belga René

12 Pode ser acessada no site: <http://www.patrimonioindustrial.org.br/modules.php?name=News&file=article& sid=29>. Acesso em 15 abril 2007.

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Évrard e o inglês Michel Rix, que em 1955 publicou um artigo utilizando o termo para

enfatizar a importância da conservação e documentação do patrimônio industrial

(RIX apud VICHNEWSKI, 2004, p. 22).

No início o termo arqueologia industrial foi objeto de discussão, como

aponta Kühl (1998, p.222), “os problemas em aceitar a expressão arqueologia

industrial derivam também da conjunção de dois termos, arqueologia e indústria, que

por si, separadamente, não têm uma enunciação comumente aceita”. Essa

discussão também foi motivada pelo surgimento de novas correntes teóricas, tais

como a New Archaelogy13, com L.R. Binford, K.V. Flannery, na década de 1960.

Muito ainda se discute sobre o papel da arqueologia, mesmo em

relação a sua validade enquanto ciência ou disciplina auxiliar. No entanto, a

arqueologia é uma disciplina, ou como alguns autores denominam, uma nova ciência

que está intimamente associada ao patrimônio industrial e ao seu estudo. Como

ressalta Neil Cossons,

A arqueologia industrial então expandiu-se para um estudo de bases mais amplas, abrangendo mais do que as palavras ‘arqueologia’ e ‘industrial’ pareceriam implicar. Já é inconcebível que um outro termo, mais apropriado, venha a surgir para suplantá-lo (COSSONS apud KÜHL, 1998, p. 223).

O primeiro livro sobre arqueologia industrial foi publicado na década de

1960, por Kennth Hudson, o Industrial Archaeology, “definindo-a como um ramo de

conhecimento dedicado ao descobrimento, à catalogação e ao estudo dos restos

físicos, das comunicações e do passado industrial”. É dele também a primeira revista

dedicada ao tema, a The Journal of Industrial Archaeology (VICHNEWSKI, 2004, p.

22). Segundo Hudson, a “arqueologia industrial é a descoberta, registro e estudo dos

resíduos físicos de industriais e meios de comunicação do passado” (HUDSON apud

KÜHL, 1998, p. 223).

13 No contexto da Arqueologia antropológica norte-americana, surgiu um movimento, na década de 1960, que se auto-denominava de New Archaeology ou Arqueologia Processual [como ficou conhecida na Inglaterra], capitaneada por Lewis Binford. Começou-se com o grito de guerra de que ‘a Arqueologia é Antropologia ou não é nada’, em claro desafio ao caráter histórico da Arqueologia histórico-cultural. A História estaria em busca dos eventos e das culturas singulares, enquanto a Antropologia americana ressaltava que haveria regularidades no comportamento humano. Buscavam-se, pois, leis transculturais de comportamento. Partia-se do pressuposto que os homens maximizam os resultados e minimizam os custos, em qualquer época e lugar. Assim, estudar o assentamento humano há dez mil anos na Mesopotâmia ou na China deveria partir dos mesmos pressupostos e pouco importavam as características históricas específicas. A Arqueologia processual refletia bem uma visão capitalista do passado humano, privilegiando uma interpretação materialista pouco preocupada com as diversidades culturais. Surgida no contexto da Guerra Fria e tendo atingido seu ápice na década de 1970, ela continua bastante difundida, ainda que nunca tenha conseguido suplantar, em popularidade acadêmica, o modelo histórico-cultural. (FUNARI, 2005, p. 2)

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Outra importante definição é a de Angus Buchanan, diretor do Centro

de Estudos sobre História da Técnica, na Universidade de Bath, segundo ele a

[...] arqueologia industrial é um campo de estudo relacionado a pesquisa, levantamento, registro e, em alguns casos, com a preservação de monumentos industriais. Almeja, além do mais, alcançar a significância desses monumentos no contexto da história social e da técnica (BUCHANAN apud KÜHL, 1998, p. 223).

Na França o interesse pelo patrimônio industrial deu-se depois dos

ingleses, e a expressão arqueologia industrial também foi motivo de controvérsia.

Maurice Dumas, um dos primeiros estudiosos sobre o assunto, considerava que só

se poderia falar arqueologia industrial quando houvesse vestígios materiais.

Segundo Dumas,

[...] A arqueologia industrial, que não deve ignorar nada do que ensina a história tradicional, tem por objeto principal a pesquisa e o estudo dos sítios onde se desenrolaram esses tipos de atividade, e os testemunhos artificiais, os artefatos, que aí permanecem. Mas trata-se do primeiro passo da nossa nova disciplina. A pesquisa e a observação permitem identificar o que não foi ainda destruído, determinar a sua historicidade, apreciar seu interesse, provocar sua salvaguarda. Pois é nisso, sem dúvida que convém reconhecer o objetivo primordial da arqueologia industrial (DUMAS apud

KÜHL, 1998, p. 224).

Já Jean Yves Andrieux, defini a arqueologia industrial como “a

atividade científica que tem por objetivo esclarecer um corpus coerente de

elementos reunidos sob o vocabulário patrimônio industrial” (apud KÜHL, 1998, p. 224).

Os autores franceses, como Andrieux, e de um modo geral, não fixaram limites

cronológicos para o patrimônio industrial como fizeram os ingleses, e por muitas

vezes defendiam uma conceituação mais abrangente para a arqueologia industrial,

já que está fazia parte da “arqueologia moderna e contemporânea” (ANDRIEUX

apud KÜHL, 1998, p. 224).

Todavia, apesar dos vários estudos não se conseguiu chegar a um

consenso sobre a arqueologia industrial, porém, concorda-se com Vichnewski, que

descreve a arqueologia industrial como uma disciplina que procura

[...] registrar, investigar e analisar os vestígios materiais das sociedades industrializadas. Utiliza-se de métodos arqueológicos, como prospecção, escavação, documentação, classificação e análise. Seu objetivo é produzir conhecimentos históricos que possam interpretar e explicar a realidade do período e do objeto a serem estudados, e se necessário, sua proteção, por representarem um bem cultural (VICHNEWSKI, 2004, p. 23).

Por fim, pode-se ressaltar ainda o caráter interdisciplinar da

arqueologia industrial, uma vez que envolve diversas fontes no levantamento de

dados, como os vestígios materiais, os documentos escritos, os testemunhos orais,

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entre outros. Em virtude disso, a arqueologia industrial agrega-se a um campo

variado de disciplinas, como a antropologia, a sociologia, a história - social, do

trabalho, da técnica, da arte, da engenharia, da arquitetura, das cidades, etc., pois

cada área irá contribuir de maneira diferente na compreensão do passado industrial.

Como nos fala Torró, “não se trata do estudo isolado do edifício industrial – a grande

fábrica – mas de compreender a necessidade de situá-lo em seu contexto

topográfico e humano” (TORRÓ apud KÜHL, 1998, p. 228).

2.3.2 O patrimônio industrial no Brasil

No Brasil, o interesse pelo patrimônio industrial é bastante recente e se

insere dentro da perspectiva de bem cultural. Normalmente, os critérios adotados

para a seleção dos bens culturais a serem conservados é o estético, por isso, as

construções que possuem um caráter mais utilitário, como as instalações industriais,

em regra geral, são negligenciadas. Outro problema é em relação a alguns

exemplares preservados que acabam sofrendo uma descaracterização, como uma

sede de fazenda, quando está é tombada o seu entorno (casas de farinha,

alambiques, engenhos, moinhos, serrarias) não são considerados relevantes

(CASTRO, 2002, p. 98).

O início dos estudos sobre o patrimônio industrial se deu antes da

arqueologia industrial se difundir. O primeiro tombamento de uma instalação

industrial pelo IPHAN foi em 1964, do conjunto formado pela Real Fábrica de Ferro

São João de Ipanema em Iperó, São Paulo. Apesar do pioneirismo em relação a

esse tombamento, hoje no Brasil, têm-se poucas instalações e indústrias tombadas,

chegando a cerca de 10 exemplares.14

14 A Lista dos Bens Tombados pelo IPHAN, segundo Cunha (2002, p.99), incluem os seguintes exemplares de edificações fabris: 01.Ruínas do Engenho Murucutu (Belém - PA) 02. Prédio do Engenho Central São Pedro, onde funcionou a Cia. Progresso Agrícola do Maranhão (Pindaré Mirim - MA) 03. Prédio da Antiga Fábrica Têxtil Santa Amélia (São Luís - MA) 04. Primeira Fábrica de Ferro do Brasil (Ouro Preto - MG) 05. Engenho Freguesia (Candeias -BA) 06. Engenho Matoim (Candeias - BA)

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O primeiro autor a realizar estudos de arqueologia industrial no Brasil

foi Warren Dean, em 1976. Seu primeiro artigo é publicado nos Anais de História da

Universidade Estadual Paulista, intitulado “A fábrica São Luiz de Itu: um estudo de

arqueologia industrial”. Nele o autor descreve a história dessa fábrica, sendo a

primeira a utilizar o vapor como forma de energia, fornece um panorama sobre o

processo de industrialização e ressaltar as relações da fábrica com a cidade e seus

moradores (VICHNEWSKI, 2004, p. 32).

Em 1986, aconteceu em São Paulo o 10 Seminário Nacional de História

e Energia, uma realização do Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo,

onde talvez tenha se discutido, pela primeira vez, sobre a arqueologia industrial no

Brasil. Logo após as autoras Maria de Fátima Fontes Piazza, Maria Therezinha

Sobierajski Barreto e Sara Regina Silveira de Souza produziram um importante

trabalho inspiradas no artigo de Warren Dean. Este, também, estimulou a realização

do trabalho, cujo título é - A fábrica de Pontas Rita Maria: um estudo de arqueologia

industrial (VICHNEWSKI, 2004, p. 33).

Eddy Stols, professor belga presente no 1o Seminário Nacional de

História e Energia, em carta a universidade Federal de Santa Catarina em 1980,

ressalta a importância do parque fabril brasileiro:

Durante as minhas viagens pelo Brasil tive a ocasião de constatar que o Brasil, pelas suas repetidas ondas de modernização e pela sua dependência da Inglaterra e outros imperialismos e ao mesmo tempo, pela sua riqueza, foi um dos maiores importadores de ‘arqueologia industrial’, muitas vezes melhor conservada que na Europa (STOLS apud

VICHNEWSKI, 2004, p.36).

O estudo da arqueologia industrial, no Brasil, foi acompanhado pelos

estudos acerca da história da técnica. Segundo Schlee, os primeiros trabalhos sobre

a história da técnica no Brasil foram influenciados pela arqueologia industrial, que

inicialmente se preocupou em estudar as atividades manufatureiras da época do

Brasil colônia (SCLEE apud VICHNEWSKI, 2004, p.33-34). Contudo, a importância

desse grupo de estudiosos reside na declaração em defesa das construções e

instalações utilitárias, conhecida como Declaração de Campinas feita em 1988, pelo

07. Solar do Unhão (Salvador - BA) 08. Engenho dos Erasmos (Santos - SP) 09. Engenho do Mate (Campo Largo - PR) 10. Fábrica de Vinho Tito Silva (João Pessoa - PB)

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Grupo da História da Técnica (GEHT), ligados ao Centro de Memória, da

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Na década de 1990, acontece o 20 Seminário Internacional de História

e Energia, em São Paulo. Trazendo novamente, como no primeiro seminário,

questões relativas ao patrimônio industrial. Porém, o primeiro encontro dedicado ao

patrimônio Industrial só irá acontecer em 2004, sediado pela UNICAMP, foi o I

Encontro em Patrimônio Industrial.

O Comitê Brasileiro de Preservação do Patrimônio Industrial ou TICCIH

- The International Comittee for the Conservation of Industrial Hegitage, foi fundado

em 2003 e conta atualmente com membros de diferentes áreas, dedicados ao

estudo do patrimônio industrial brasileiro (POZZER, 2007, p. 254).

Pode-se perceber, que no Brasil, ainda, não existe campo teórico e

metodológico sobre o patrimônio industrial, e que muitos exemplares desse rico

passado encontram-se abandonados, ou mesmo já desapareceram sem que deles

se tenha pelo menos o registro. Não se trata, porém, de um desejo de a tudo

conservar, como nos fala Kühl

É inviável e mesmo indesejável conservar tudo indiscriminadamente, e é necessário fazer escolhas conscientes, baseadas em conhecimento aprofundado, pra que os bens mais significativos possam ser preservados e valorizados. [...] Deve-se lembrar que são sempre testemunhos únicos, não repetíveis (KÜHL 2006, p.5).

Nesse momento cabe refletir um pouco sobre a função e os novos rumos

do patrimônio em uma sociedade que passa cada vez mais por um processo de

mundialização.

2.4 OS NOVOS CAMINHOS DO PATRIMÔNIO

Hoje a globalização é um fato e não há como ignorar os seus efeitos.

Esse processo vai estabelecer uma nova forma de interação das culturas locais com a

crescente mundialização da cultura, além de interferir diretamente na questão da

identidade. Tenta-se criar uma “cultura internacional-popular” cujas imagens serviriam

para compor uma esfera de lembranças mundializadas (ORTIZ, 2000, p.105).

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Dessa forma, examinaremos como essas mudanças no mundo e no

indivíduo afetaram a noção de patrimônio enquanto construção social e qual a

função dela nessa sociedade cada vez mais mundializada. Segundo Teixeira Coelho

o papel do patrimônio seria a

[...] manutenção, construção ou reconstrução da identidade (pessoal ou coletiva) de modo sobretudo a proporcionar, ao indivíduo e ao grupo: a) um sentimento de segurança, uma raiz, diante das acelerações da vida cotidiana na atualidade; b) o combate contra o estranhamento das condições de existência ao proporcionar a vinculação do indivíduo e do grupo a uma tradição, e, de modo particular, a resistência contra o totalitarismo, que faz da criação de massas desenraizadas o instrumento central de manipulação em favor da figura atratora do ditador apresentado como único ponto de referencia e orientação (COELHO, 1997, p. 288, grifos do autor).

Nos últimos anos assistiu-se a um crescente interesse pelo patrimônio,

porque o processo de globalização tem gerado uma inquietude causada pela

“ruptura com as experiências tradicionais de lugar, bem como pelas transformações

registradas no plano da temporalidade” (ANICO, 2005, p. 71-86). Essa angústia tem

sua origem no processo de desterritorialização da cultura, gerado pelo processo de

globalização.

As referências culturais dessa nova sociedade devem ser

desenraizadas, e com essa descentralização do sujeito e o declínio da tradição a

publicidade oferece “seus produtos como resposta para o descontentamento

moderno. A publicidade assim adquire um valor compensatório e pedagógico. Ela é

modelo de referência” (ORTIZ, 2000, p. 120). Não só a publicidade, mas o cinema, o

rádio e a televisão desempenham um papel decisivo na formação de referências

coletivas para esse mercado global.

Dessa forma, o patrimônio vai apresentar novos usos e sentidos frente

a essas novas dinâmicas mundiais, se por um lado tem-se uma crescente

valorização do patrimônio enquanto resistência ao processo de desterritorialização

da cultura, este, também, acaba virando produto cultural, “fabricado, empacotado e

distribuído para ser consumido” (CHOAY, 2001, p. 211).

Percebe-se que o próprio uso da expressão “valorização”, também,

aponta para uma ambivalência na história das práticas patrimoniais. Tem-se agora

um sistema de forças antagônicas, uma fundamentada no respeito, com vistas à

preservação e a outra que se fundamenta no valor econômico. O patrimônio histórico

e cultural está se tornando uma das maiores indústrias do mundo.

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O desenvolvimento da sociedade de lazer originou uma expansão, em

escala mundial, do público dos monumentos e com ele o desenvolvimento do

turismo cultural. O Estado francês foi um dos primeiros a explorar este fenômeno,

passando a promover o culto oficial do patrimônio histórico. Os monumentos e o

patrimônio histórico, dessa forma, adquiriram dupla função, se por um lado eles têm

um valor simbólico pelo outro passaram a ter um valor econômico graças ao um

trabalho de engenharia cultural, que através de várias operações transformam o

monumento histórico em um produto econômico (CHOAY, 2001, p. 211).

A mundialização dos valores e das referências culturais veio

contribuir tanto para a promoção do turismo como para a expansão das práticas

de proteção patrimonialistas. Porém, não foram só os monumentos que se

tornaram produtos, a indústria patrimonial ampliou seu leque de opções,

passando a oferecer os centros e os bairros antigos como produtos para o

consumo cultural. É o lado perverso do turismo cultural, onde valorização do

patrimônio está dissociada de um significado coletivo.

Os prédios restaurados nos locais turísticos podem parecer esplêndidos, e a restauração pode mesmo ser autêntica até o mínimo detalhe. Mas a herança que é assim protegida está dissociada da seiva da tradição, que é sua conexão com a experiência da vida cotidiana (GIDDENS, 2005, p. 54).

Para evitar essa cristalização o patrimônio precisa de uma função

social, um outro valor que não seja, apenas, o valor de troca, que o transforme em

uma simples mercadoria, ou objeto de desejo. Somente “o uso do patrimônio

cultural, inserido na sociedade, elimina por completo a possibilidade de torná-lo uma

mercadoria” (OLIVEIRA, L. C., 2005, p. 93-114).

Já as práticas patrimoniais voltadas para a preservação, são definidas por

alguns paradigmas político-culturais. O primeiro é chamado tradicionalista, sua

preocupação é com a preservação do modelo estético ou simbólico, “cuja conservação

inalterada servirá precisamente para testemunhar que a substância desse passado

glorioso transcende as mudanças sociais” (CANCLINI, 1994, p. 100). Diz respeito aos

bens culturais hegemônicos, que não levam em conta as práticas populares.

Tem-se, também, o modelo que é definido pelo Estado, fundamentado

em um imaginário conservacionista e monumentalista. A atuação do Estado tem

privilegiado os bens capazes de celebrar a nacionalidade, o que importa é a

grandiosidade, sem levar em conta as contradições sociais expressas por estes

bens. Da mesma forma o Estado se associa a essas heranças monumentais para

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legitimar o sistema político vigente. “Afirma-se assim ele mesmo, buscando

identificar o enraizamento histórico de quem conserva e ”reinaugura” os

monumentos, depois de restaurá-los, usando-os, na forma mais plena de

apropriação, como sede física de um organismo oficial” (CANCLINI, 1994, p. 104,

grifos do autor).

Por fim, tem-se o paradigma participacionista, que relaciona a

preservação do patrimônio com as necessidades globais da sociedade. A escolha

daquilo que deve ou não ser preservado é discutido e decidido junto com a

comunidade. É a participação social que vai evitar não só a cristalização do

patrimônio, que transforma bairros antigos em cidades-museu, cuja estrutura foi

conservada sem que esta mantenha qualquer relação de significado com a

coletividade, como os efeitos da mercantilização descritos acima.

Portanto, o valor do patrimônio está baseado ou no seu valor econômico,

sendo transformado em mercadoria; ou no seu valor simbólico, por sua capacidade de

materializar conceitos como identidade e nacionalidade. Acredita-se nesse trabalho

que o valor do patrimônio está, principalmente, na sua capacidade de formar nos

indivíduos uma consciência da sua identidade, do seu território, da sua comunidade

humana de pertencimento. Desse modo, contribuindo para a formação de cidadãos

conscientes de suas forças e capazes de controlar o seu presente e o seu futuro

(VARINE, 2002, p.287-296). É nessa capacidade de transformação que se encontra a

sua maior riqueza.

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3 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

A pesquisa a ser desenvolvida pode ser classificada, de acordo com a

sua natureza, como uma pesquisa aplicada, pois “objetiva gerar conhecimentos para

aplicação prática dirigidos à solução de problemas específicos”, envolvendo

interesses locais (SILVA; MENEZES, 2001, p. 20). Desse modo, poderá, por

exemplo, auxiliar aos órgãos responsáveis do município a pensar e atuar no sentido

de uma maior valorização da memória e da história locais.

Em relação à forma de abordagem utilizar-se-á uma abordagem

qualitativa, pois se pretende responder questões muito particulares que não podem

ser traduzidos em números. A pesquisa vai lidar com um universo de significados,

motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes correspondendo a um espaço mais

profundo das relações, dos processos e dos fenômenos não podendo ser reduzida a

operacionalizações de variáveis (MINAYO, 1994, p. 22).

No seu estágio inicial a investigação, de acordo com seus objetivos,

pode ser classificada como uma pesquisa exploratória. Uma vez que, “visa

proporcionar uma maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito

ou construir hipóteses” (SILVA; MENEZES, 2001, p. 21). Na maioria das vezes, as

pesquisas exploratórias envolvem levantamento bibliográfico, entrevistas com as

pessoas que tiveram experiências práticas com o problema estudado e análise de

exemplos que possam empurrar a compreensão do caso estudado. Geralmente

assumem a forma de pesquisa bibliográfica e estudo de caso.

Em um segundo momento pode-se considerar a pesquisa também

como descritiva, à medida que passa a “descrever as características de determinada

população” (SILVA; MENEZES, 2001, p. 21). Nesse grupo estão inseridas as

pesquisas que objetivam levantar opiniões, atitudes ou crenças de uma população,

não tendo, porém, compromisso em explicar esses fenômenos, embora possa servir

de base para essa explicação. A pesquisa, nesse caso, busca descrever qual a

importância que a fábrica teve na vida da população de Santo Aleixo, assim como as

transformações que a mesma trouxe ao município.

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3.2 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

Para atingir os objetivos desse trabalho é preciso recorrer a mais de

um procedimento metodológico e os mais adequados quanto à natureza da

investigação serão, segundo Carvalho (1988, p. 150-170).

a) Pesquisa Bibliográfica – onde procuramos identificar e localizar os

dados existentes sobre o assunto, não objetivando um mero resumo, mas

estabelecendo novas relações entre os elementos que constituem o tema.

b) Pesquisa Documental – levantamento de materiais que não

receberam tratamento analítico, mas reconhecidos como cientificamente válidos, tais

como documentos de repartições municipais, anuários, registros das próprias

fábricas, relatórios, cartas, diários, jornais, etc...

c) Historia Oral Temática – Segundo Alberti, a História Oral “pode ser

definida como método de investigação científica, como fonte de pesquisa, ou ainda

como técnica de produção e tratamento de depoimentos gravados” (ALBERTI apud

SOARES, 2006, p. 2). Nessa perspectiva adota-se a história oral como fonte de

pesquisa, cujo objetivo é reunir dados que não estejam registrados por outros tipos

de documentos. Esse procedimento metodológico é um tipo de entrevista em

“profundidade que possibilita um diálogo intensamente correspondido entre

entrevistador e informante. [...] É um olhar cuidadoso sobre a própria vivência ou

sobre determinado fato” (MINAYO, 1999, p.59).

Optou-se pela história oral temática que é uma das vertentes da historia

oral, um método de pesquisa que se vale de diversos procedimentos articulados,

dentre eles a entrevista. Tem-se por finalidade fornecer informações que possibilitem

a reconstrução de um passado recente. “A história oral temática se compromete com

o esclarecimento ou opinião do entrevistado sobre algum evento definido. A

objetividade é direta” (MEIHY, 1996, p. 41). Como pretendemos recuperar a história

da Fábrica Santo Aleixo através da memória de seus moradores, mostrando a

importância desta para a memória local, preferiu-se utilizar a historia oral temática.

Pois trata-se de um evento específico e não de um conjunto de experiências.

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A utilização da história oral como metodologia de pesquisa ainda gera

muitas controvérsias, como o problema com a proximidade com o tempo que se está

estudando. No entanto, seu emprego tem se expandido muito nas últimas décadas,

como nos fala Cassab e Ruscheinsky

Uma certa herança positivista temia que a proximidade temporal comprometesse a pesquisa. Esta vertente receava as influências do tempo presente, sustentando a necessidade do distanciamento temporal do pesquisador, ou seja, trabalhar com processos históricos com desfechos acabados e objetivos. Atualmente, diversificam-se e legitimam-se diversas e valoriza-se a análise qualitativa, resgatando a importância das experiências individuais (CASSAB E RUSCHEINSKY, 2004, p.11).

No entanto, nos fala Camargo que a discussão sobre a legitimidade dos

depoimentos orais é uma questão superada. Segundo a autora,

[...] a história oral é legítima como fonte porque não induz a mais erros do que outras fontes documentais e históricas. O conteúdo de uma correspondência não é menos sujeito a distorções do que uma entrevista gravada. A diferença básica é que, enquanto no primeiro caso a ideologia se cristaliza em um momento qualquer do passado, na história oral a versão representa a ideologia em movimento e tem a particularidade, não necessariamente negativa, de “reconstruir” e totalizar, reinterpretar o fato (CAMARGO apud SOARES, 2006, p. 5, grifos do autor).

Além disso, a história oral possibilita aos indivíduos de segmentos

sociais, normalmente excluídos, contar e registrar a sua versão da História. Uma vez

que, geralmente, esse segmento tem sua visão de mundo excluída da história oficial.

Como nos fala Meihy,

Por meio da historia oral, por exemplo, movimentos de minorias culturais e discriminadas, principalmente de mulheres, índios, homossexuais, negros, desempregados, além de migrantes, imigrantes, exilados, têm encontrado espaço para abrigar suas palavras, dando sentido social as experiências vividas sob diferentes circunstancias (MEIHY, 1996, p. 9).

Por outro lado, ao trabalhar com história oral e a memória o

pesquisador deve estar atento às especificidades e às limitações que o método

impõem. São variáveis como, por exemplo, a memória dos idosos que fica mais

passível de erros; a forma de condução da entrevista; a escolha sem critérios desse

ou daquele entrevistado; a transcrição que não pode ser carregada dos gestos, tom

de voz, enfim da linguagem corporal. Por isso, concorda-se com Hall que “os relatos

produzidos pela história oral devem estar sujeitos ao mesmo trabalho crítico das

outras fontes que os historiadores costuma consultar” (HALL, M., 1992, p. 157).

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3.3 UNIVERSO E AMOSTRA DA PESQUISA

A escolha dos entrevistados não foi orientada por critérios

quantitativos, com a preocupação de se obter uma amostragem, mas selecionado a

partir da sua importância e experiência dentro do grupo. Como orienta Alberti,

[...] o processo de seleção dos entrevistados em uma pesquisa de história oral se aproxima, assim, da escolha dos ‘informantes’ em antropologia, tomados não como unidades estáticas, e sim como unidades qualitativas – em função da sua relação com o tema estudado – seu papel estratégico, sua posição no grupo. (ALBERTI, 2004, p. 32, grifo do autor)

Portanto, de acordo com os nossos objetivos, o grupo a ser estudado

será composto por homens e mulheres idosos, pois são eles que vivenciaram e

guardaram na memória um maior número de acontecimentos sobre o lugar. Os

critérios adotados para a seleção desses sujeitos foram: ter trabalhado na Fábrica

Santo Aleixo ou na Fábrica Andorinhas, conhecendo assim a relação entre as

fábricas e o local; ter esclarecimentos prévios sobre o objetivo da pesquisa e decidir

participar voluntariamente.

Outra questão quando se trabalha com história oral é o número de

entrevistados. De acordo com Alberti, o critério a ser adotado irá depender dos

objetivos da pesquisa, como não se trata de um projeto cuja base principal é a história

oral, não existe uma definição prévia quanto ao número de entrevistados. Pode, por

exemplo, limitar-se a um único entrevistado, porém quanto maior o número de

entrevistas mais consistente será o material obtido para a análise.

É somente durante o trabalho de produção das entrevistas que o número de entrevistados começa a se descortinar com maior clareza [...]. [...] é o pesquisador, conhecendo progressivamente seu objeto de estudo, que pode avaliar quando o resultado do seu trabalho junto às fontes já fornece instrumental suficiente para que possa construir uma interpretação bem fundamentada. (ALBERTI, 2004, p. 36)

Apesar de não existir a priori um número de entrevistados a autora

aponta como um possível critério a saturação, pois em um determinado momento as

entrevistas começam a se tornar repetitivas e não irão acrescentar nada de novo à

pesquisa. Porém, deve-se atentar para que essa saturação não seja fruto de um

grupo muito homogêneo.

Como se trata de uma pesquisa que visa obter a opinião sobre um

determinado recorte da vida de uma pessoa optou-se por um questionário direto,

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onde se procurou evitar perguntas complexas ou de duplo sentido, assim como as

diretivas. (THOMPSON, 1992, p. 260-261). O eixo que norteou as entrevistas foram

as experiências que essas pessoas tiveram na Fábrica Santo Aleixo, a forma que

eles viam a contribuição da mesma para a comunidade e o que significou o

fechamento dela para o distrito de Santo Aleixo. Enfim, como Ecléa Bosi (2006, p. 12

e 19), não apenas colher depoimentos, mas dar existência a essas memórias, dando

a palavra às vozes antes silenciadas.

3.4 ANÁLISE DOS DADOS

Minayo chama a atenção para três dificuldades que os pesquisadores

costumam encontrar na fase da analise de dados. A primeira é a ilusão da

transparência, onde, logo de início, o real parece se apresentar de maneira nítida

diante dos pesquisadores. “Trata-se de uma luta contra a sociologia ingênua e o

empirismo, que acreditam poder apreender as significações dos atores sociais mas

apenas conseguem a projeção de sua própria subjetividade” (MINAYO, 1999, p. 197).

A segunda é o “que leva o pesquisador a sucumbir à magia dos métodos

e das técnicas” (MINAYO, 1999, p. 197), esquecendo os significados presentes nos

dados, a pesquisa, desse modo fica presa a questionamentos referentes aos

procedimentos metodológicos. Por fim, o terceiro obstáculo refere-se à dificuldade de

unir teoria e prática, onde “a elaboração teórica fica distanciada das descrições,

geralmente marcadas pela “ilusão da transparência” (MINAYO, 1999, p. 197).

Tendo consciência dessas dificuldades, optou-se pelo método de

análise dos dados proposto por Minayo denominado de método hermenêutico-

dialético, que se apresenta como um “caminho do pensamento”, pois sua

[...] capacidade de realizar uma reflexão fundamental que ao mesmo tempo não se separa da práxis, podemos dizer que o casamento dessas duas abordagens deve preceder e iluminar qualquer trabalho cientifico de compreensão da comunicação (MINAYO, 1999, p. 219).

O conceito de hermenêutica e dialética usado por Minayo está baseado

nos estudos e debates feitos por Gadamer juntamente com Habermas, onde a

hermenêutica é definida resumidamente como,

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[...] busca a compreensão do texto nele mesmo ‘entender-se na coisa’. Ela se distingue do saber técnico que quer fazer da compreensão um conjunto de regras disciplinadoras do discurso. Distingue-se também da lingüística, cujo principal objeto é a reconstrução do sistema abstrato de regras de uma linguagem natural. Com relação à linguagem, a hermenêutica toma como seu campo as experiências fundamentais de ‘um falante comunicativamente competente’ (MINAYO, 1999, p. 223, grifos do autor).

Enquanto a hermenêutica procura a compreensão, a dialética irá

estabelecer uma atitude crítica, pois ela “enfatiza a diferença, o contraste, o dissenso

e a ruptura de sentido” (MINAYO, 1999, p. 227) Sendo assim, a hermenêutica e a

dialética, enquanto métodos complementares, conduziriam o intérprete a “entender o

texto, a fala, o depoimento como resultado de um processo social (trabalho e

dominação) e processo de conhecimento (expresso em linguagem)” (MINAYO, 1999,

p. 227, grifos do autor).

Para um maior entendimento desse método, apresentar-se-á uma

síntese do método hermenêutico-dialético proposto pela autora. Esse método

envolve dois níveis de interpretação, o primeiro se refere à conjuntura sócio-

econômica e política na qual o grupo social a ser estudado está inserido, aquilo que

o pesquisador sabe previamente; o segundo nível baseia-se no encontro com os

fatos que irão surgir durante a investigação, é a realidade em toda a sua dinâmica.

Em seguida a autora propõem os seguintes passos no sentido de operacionalizar a

analise dos dados:

1 - Ordenação dos dados: nesse momento fazemos toda a ordenação

do material, inclusive a transcrição das fitas, releitura do material, organização dos

relatos, confronto dos materiais e inicio de uma pré-classificação;

2 - Classificação dos dados: nessa fase procedemos aos questiona-mentos

com base na teoria e nas hipóteses do pesquisador, identificação de significados e

elaboração das categorias com base no que for mais relevante nos textos;

3 - Análise final: É o momento onde se articula os dados coletados e os

referenciais teóricos, respondendo às questões ou hipóteses da pesquisa. Para

Minayo esse é

[...] o ponto de partida e o ponto de chegada da interpretação. Esse movimento incessante que se eleva do empírico para o teórico e vice-versa, que dança entre o concreto e o abstrato, entre o particular e o geral é o verdadeiro movimento dialético visando ao concreto pensado (MINAYO, 1999, p. 236).

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Minayo ainda faz algumas observações acerca da problemática da

validade e da verificação, por isso procurou-se proceder diante de alguns critérios

sugeridos por Mazzoti e Gewandsznajder (1998, p. 170-176), são eles:

1 – Critérios relativos à credibilidade – cujos resultados devem estar de

acordo com os sujeitos envolvidos. Para tanto, utiliza-se a triangulação de dados,

busca-se a combinação e cruzamento de diferentes pontos de vista, informantes, etc.

2 – Critérios relativos a transferibilidade – consiste em verificar se os

resultados podem ser transferidos para outros contextos, onde o pesquisador deve

“[...] oferecer ao seu leitor uma ‘descrição densa’ do contexto estudado, bem como

as características de seus sujeitos, para determinar que a decisão de aplicar ou não

os resultados a um novo contexto possa ser bem fundamentada” (MAZZOTI;

GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 174, grifo do autor).

3 – Critérios relativos à consistência e a confirmabilidade – onde os

dados devem se mostrar válidos e coerentes se forem testados por outro

pesquisador.

Por fim, vale ressaltar que, assim como Minayo, considera-se que todo

o produto final de uma análise deva ser visto de modo provisório, pois todo os dias a

ciência tem mostrado que “as afirmações podem superar conclusões prévias a elas

e podem ser superadas por outras afirmações futuras”. (MINAYO, 1994, p.79)

3.5. LIMITAÇÕES E DIFICULDADES ENCONTRADAS

Após a definição dos critérios e a elaboração da estrutura da entrevista

entramos em contato com alguns ex-operários que trabalharam nas fábricas, dos quais

quatro se mostraram bastante receptivos a colaborar com a pesquisa. Todavia, não

conseguimos agendar com nenhuma ex-operária, estas se mostraram pouco à vontade

em colaborar, geralmente por timidez, afazeres domésticos, ou mesmo indicavam

outras pessoas que elas julgavam que seriam mais interessantes para o trabalho.

No entanto, através da utilização de outros trabalhos essa lacuna na

pesquisa poderá ser preenchida, como a dissertação de Sonia Maria Gonzaga de

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Oliveira – Montanhas de Pano: Fábrica e Vila Operária em Santo Aleixo, que

acompanhou o fechamento da fábrica durante o final dos anos 1970 até 1982, esse

rico material trás vários depoimentos de homens e mulheres que vivenciaram esse

momento, além de documentos e jornais com os quais pode-se compreender melhor

o que significou a fábrica na vida dos operários. Assim como o trabalho de Isabela

Pereira Lopes que registrou o depoimento de umas das fundadoras da creche da

Fábrica de Andorinhas e por fim, não sendo menos importante, o relato obtido por

Geilson de Sena Marins em seu trabalho Fábrica de Santo Aleixo: fundação em

1848 e memória da vila operária no século XX, que possibilitou o contato, através de

uma entrevista, com o mais antigo funcionário da Fábrica Santo Aleixo.

As entrevistas duraram cerca de uma hora e meia, com cerca de mais

meia hora para as despedidas e agradecimentos. Somente a do Senhor Oliveira

teve uma duração um pouco maior, cerca de três horas, divididas em duas sessões.

Onde o trabalho de história oral temática se tornou história oral de vida, história essa

que se passou em grande parte nas fábricas, suas lembranças vão além das

memórias do trabalho, ele guarda muito da história do distrito e do município. Três

entrevistas ocorreram na residência da pesquisadora, a pedido dos próprios

colaboradores e somente uma realizada na residência do colaborador.

Depois de finalizadas as entrevistas, iniciou-se o trabalho de

transcrição das falas na íntegra. Nesse momento surgem alguns problemas na

escolha da melhor maneira de transformar a fala em escrita, portanto preferiu-se por

seguir duas regras básicas sugeridas por Matsumoto e Romualdo. O texto não foi

acrescido de nada que não constasse no texto falado original e tomou-se cuidado

para não impor sobre a transcrição nenhuma marca pessoal. Em virtude disso

concorda-se com Marcushi que

[...] não existe a melhor transcrição. Todas são mais ou menos boas. O essencial é que o analista saiba quais os seus objetivos e não deixe de assinalar o que lhe convém. De um modo geral, a transcrição deve ser limpa e legível, sem sobrecarga de símbolos complicados (MARCUSHI apud

MATSUMOTO E ROMUALDO, 2006, grifo do autor).

As normas utilizadas para a transcrição estão organizadas no quadro a

seguir, já as transcrições feitas por outros autores foram utilizadas do mesmo modo

como se encontram nos originais.

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Ocorrência Sinais Exemplo

Expressões características Itálico Cidadinha

Pausas no discurso (qualquer pausa)

... Médico... eu não lembro...

Incompreensão de palavras ou segmentos

(...) Do nível de renda... (...)

Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado

Comentários descritivos do transcritor

[comentário] [refere-se ao amigo Hermínio]

Supressão de parte do discurso, feitas pelo

pesquisador

[...] [...] ela dava sim [...] mais era quase que um favor...

QUADRO 1 – Normas utilizadas para a transcrição das entrevistas

Fonte: Adaptado de Novaes (2005, p. 75-76)

Todos os colaboradores concordaram com a divulgação das

informações, com exceção de alguns trechos que o entrevistado solicitou que não

fossem citados no trabalho, nem todos, porém, aceitaram divulgar seus nomes.

Definiu-se então que a identificação seria feita pelo sobrenome dos mesmos.

Outra dificuldade encontrada foi em relação aos arquivos da própria

fábrica. Entrou-se em contato com a Lavanderia, que funciona em parte do que foi a

fábrica, o gerente infelizmente informou não possuir nenhum acervo sobre da

história da fábrica, possuindo somente alguns artigos de jornais recentes que nos foi

fornecido. Dessa forma, tentamos reunir o maior número possível de documentos,

que junto com os depoimentos, nos ajudou a reconstruir a história da fábrica.

Encontramos a mesma dificuldade em relação à Prefeitura Municipal

de Magé, os contatos com as autoridades locais resultaram em escasso material,

colhido no site da mesma. A prefeitura não mantém nenhum acervo permanente à

disposição para consulta e cada gestão organiza os dados de forma a dificultar

aqueles que irão sucedê-los. Muitas informações acabam por se perder e isso não

acontece só em relação a informações sobre o patrimônio e a história do município,

mas com os próprios documentos oficiais. A partir de um relatório da própria

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prefeitura de 1933, pode-se perceber, que a dificuldade de encontrar documentos

não é um problema novo em Magé. Vejamos o que menciona o relatório,

Não foi possível apresentar, conforme instruções dessa Interventoria, um levantamento do ano de 1929, em vista de não existirem no arquivo da Prefeitura os elementos necessários, fato já acentuado pelo ex-prefeito José Ullman, em relatório que apresentou ao então Interventor Dr. Plínio Casado, em 10 de dezembro de 1930, transcrevemos ‘ipsis litteris’ a conclusão do mencionado relatório do ex-prefeito José Ullmann: - ‘A vista do exposto, é bem de ver-se que o balanço por mim apresentado terá certamente muitas falhas, mas foi o que se pôde fazer dada a falta de documentos comprobativos dos lançamentos encontrados. Em vista da falta de escrita regular da prefeitura mandei fazer um termo de encerramento em todos os livros encontrados e proceder a abertura de nova escrita a contar de minha gestão baseada nos dados do balanço junto.’ O único documento que se tem em mãos para ajuizar da possível situação imediatamente anterior à Revolução é justamente o balanço organizado em 28 de novembro de 1930 por ordem do ex-prefeito José Ullmann. [...] Nem sequer conseguimos encontrar dados sobre o orçamento de 1929 (BACELLAR, apud LOPES, 2006, p. 36, grifos do autor).

Enfrentamos outro problema quando nos deparamos com alguns

registros acerca de fatos históricos, estes divergiam muito. Procurou-se, então,

utilizar as datas encontradas nos documentos oficiais ou aquelas que se encontram

em acordo com os acontecimentos históricos.

No início da pesquisa procurou-se reunir apenas dados relativos à

Fábrica Santo Aleixo, porém ao longo do trabalho decidiu-se incluir a Fábrica

Andorinhas, ainda que em segundo plano, pois se percebeu que Santo Aleixo

possui certas particularidades que só podem ser explicadas a partir da existência

dessas duas fábricas. Devido a isso em alguns momentos faremos referência à

Fábrica de Andorinhas.

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4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS COLETADOS

4.1 MAGÉ: UM PEQUENO RETRATO DA CIDADE

Magepé-mirim, hoje município de Magé, é parte importante da história

do Brasil. Para explicar melhor a sua inserção na história do nosso país, recuemos

para o distante ano de 1555, quando o Rio de Janeiro começou a sofrer invasões

francesas que buscavam fixar e formar uma colônia, disputando o território com a

coroa de Portugal. Para que sua investida tivesse sucesso, os franceses procuravam

ganhar o apoio dos nativos, os índios tamoios, inimigos dos portugueses, que viam

nas promessas dos franceses um aliado na luta contra um odiado inimigo e, quem

sabe, a saída para a escravidão.

Contudo, em 1558, chegou Mem de Sá, terceiro governador geral do

Brasil, este procurou restaurar o efetivo domínio Português na colônia. O novo

governador formou missões e aldeias indígenas dirigidas por missionários jesuítas,

onde os nativos eram catequizados e aprendiam os hábitos e costumes dos colonizadores.

Estácio de Sá, sobrinho do governador Mem de Sá, fundou a cidade de

São Sebastião do Rio de Janeiro. Desde então se deu o início da colonização

portuguesa nas proximidades da Baía de Guanabara. Nessa época, foram doadas

diversas sesmarias, terras concedidas pelos reis de Portugal para o cultivo. Em

1565, Simão da Motta recebeu de Estácio de Sá uma dessas sesmarias, em

reconhecimento pelos seus relevantes serviços prestados na defesa do Rio de

Janeiro contras os franceses.

Embora Simão da Motta tenha recebido a primeira sesmaria, foi outro

personagem português que efetivamente deu origem ao núcleo fundamental da

cidade de Magé. Em 1566, chegou da Bahia, com a armada para defender a cidade

dos franceses, Cristóvão de Barros, 3º Capitão do Rio de Janeiro e seu 4º

Governador, herói das lutas contra os franceses e os índios tamoios.

Após sua chegada, solicitou uma sesmaria, já que tinha decidido

mudar-se para o Rio de Janeiro com a família e escravaria. O seu pedido é então

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atendido em 12 de Outubro de 1566, com terras que possuíam 4.500 braças ao

longo da água e 7500 para o sertão de Magepé. Está foi uma das mais extensas

doações de terras concedidas. Cristóvão de Barros construiu o primeiro engenho de

cana-de-açúcar em Magé nos arredores do Rio Magepé e próximo ao morro da

Piedade, este ganhou o status de um dos mais importantes da época.

Começa a despontar daí uma nova cidade com características típicas

do período do açúcar. Como se pode perceber, a região estava ligada à crescente

expansão européia, inaugurada dos movimentos modernos, procurando rendimentos

oriundos das atividades mercantis da colônia. O progresso alcançado pela cana-de-

açúcar e a construção de capelas e igrejas, por volta de 1650, deram início aos

primeiros assentamentos humanos. Eram construções feitas sempre no alto dos

morros e próximas da Baia de Guanabara. Do período inicial da colonização temos

as localidades de Nossa Senhora de Pacobaíba, S. Nicolau do Suruí, Nossa

Senhora da Piedade de Magepé, Nossa Senhora da Ajuda de Aguapé-mirim e

Nossa Senhora da Piedade de Anhumirim. “Essas freguesias (...) cobriam um vasto

território cultivado com cana e mandioca, onde funcionavam engenhos e uma rede

de igrejas e matrizes com suas respectivas filiais” (FUNDREM, 1984, p. 18).

O solo fértil e o esforço dos colonizadores deram origem a um grande

desenvolvimento econômico no século XVIII.

Essas freguesias do Recôncavo, já desde o início da colonização, abasteciam a cidade de gêneros de primeira necessidade produzindo açúcar que conferiu-lhe posição de cidade portuária e, a partir de fins do século XVI, constituíram-se em importantes entrepostos comerciais dos produtos que vinham do interior (FUNDREM, 1984, p. 18).

A crise da agroindústria do açúcar coincide com a descoberta de ouro,

o que acarretaria profundas transformações na colônia. Nessa época eram

organizadas expedições interioranas à procura de riquezas e por Magé passavam

quatro, dos cinco grandes caminhos que desbravaram uma boa parte do Brasil.

Esses caminhos faziam a conexão entre a cidade do Rio de Janeiro, que era o

principal porto por onde escoava o ouro, e as ricas regiões mineradoras. Eram eles:

o de Garcia Paes (Caminho do Pilar), o de Bernardo Soares de Proença (Caminho

Novo, Variante do Proença ou da Estrela), o Barão Ayruoca (Caminho Ayruoca) e o

caminho de Félix Madeira.

De todos, o que assumirá extraordinária importância para Magé é o

caminho da Variante do Proença, que diminuiu o percurso da serra ao porto,

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privilegiando o porto da Estrela. O caminho feito por Proença, tornou-se o mais

concorrido e passagem obrigatória de todas as riquezas que circulavam entre Minas

Gerais e o Rio de Janeiro. Mesmo depois do esgotamento das minas, o Porto da

Estrela continuava a ser o principal caminho para o interior.

Figura 1 - Caminho de Bernardo Soares de Proença Fonte: INEPAC/SEBRAE

A vinda da família real, em 1808, proporcionou em curto espaço de

tempo um grande incremento mercantil, e contribuiu ainda mais para o

desenvolvimento da região. Em 1824, a Real Fábrica de Pólvora da Estrela foi

transferida da Lagoa Rodrigo de Freitas para a Raiz da Serra da Estrela, em virtude

de já encontrar-se bem habitada a região. Esta abasteceu o exército imperial

durante a Guerra do Paraguai escoando sua produção pelo Porto da Estrela.

Figura 2 – Sede Social da Fábrica de Pólvora da Estrela Fonte: INEPAC/SEBRAE

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Com o término do ciclo do ouro, Estrela tornou-se concorrente do Porto

de Igassu, no transporte de café, este exigia transporte rápido, porém o número de

escravos diminuía cada vez mais e a Inglaterra queria exportar maquinarias e

técnicas de ferrovias. Foi nessa época, em 1854, que Irineu Evangelista de Souza, o

Barão de Mauá, resolveu construir a primeira ferrovia brasileira, que ligava a praia da

Estrela, posteriormente Porto de Mauá, à Raiz da Serra de Petrópolis. Os

passageiros seguiam vindos da corte até a praia de Mauá e depois seguiam de trem

até Petrópolis.

Figura 3 – Estação de Guia de Pacobaíba em Mauá Fonte: INEPAC/SEBRAE

A princípio atribuiu-se a essa ferrovia a decadência da região da Estrela,

mas foi a falta do braço escravo e a mudança do eixo econômico entre Minas Gerais e

o Rio de Janeiro, que causaram a declínio do município da Estrela, pois

[...] com sua estrutura montada em função de ligar o fundo da baía do Rio de Janeiro, [está] não consegue se manter imune face às modificações ocorridas com a construção da Estrada de Ferro D. Pedro II, que desviava o tráfego diretamente do Rio até Petrópolis. [...] Houve não somente falta de mão-de-obra para a manutenção das estradas no município de Estrela mas, com o termino do trânsito, os pântanos ressurgiam, os alagadiços tomaram a vila e a febre amarela assolou de maneira intensa [...] (FUNDREM, 1984, p. 19).

No entanto, as guerras civis republicanas atingiram Magé produzindo

um panorama de desordem, turbulências e violência, nessa época

[...] os almirantes, Custódio de Melo, e Luís Felipe Saldanha da Gama, encabeçaram um movimento armado contra o governo do Marechal Floriano Peixoto. Sendo Magé ponto estratégico, e cidade bem abastecida de víveres, para ali fora mandado o Tenente Augusto Vinhais, a fim de

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aglutinar forças, e prosseguir no abastecimento aos navios rebelados (FERNANDES, 1962, p.44).

Por isso a cidade foi considerada foco de revoltosos e, no dia 02 de

fevereiro de 1894, o Marechal Floriano Peixoto ordenou que o município fosse

invadido e atacado por 1.200 homens das armas de artilharia e cavalaria, sob o

comando do coronel Godolphim. Esse episódio foi documentado pelo Dr. Francisco

de Siqueira em carta enviada ao Jornal do Brasil e ficou conhecido como os

Horrores de Magé.

O 10º e 82º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional e um

Esquadrão de Cavalaria aquartelaram-se em Raiz da Serra, dali iniciando sua

marcha sobre Magé. Não satisfeito em atacar a cidade, Godolphim permitiu que

seus soldados realizassem saques, agindo como vândalos, assassinando friamente

a população nas ruas e residências, violentando mulheres e crianças. Este é um

trecho de uma carta enviada ao Jornal do Brasil,

Todas as calamidades afligiram os mageenses durante o tempo que se seguiu à expulsão dos revoltosos do município. O saque, o furto, o roubo, a destruição da propriedade do cidadão; o desrespeito às famílias, o desacato aos pacíficos habitantes, os assassinatos frios e sem forma alguma de processo; e afinal, a prostituição dos lares, a poluição das virgens, até os menores de dez anos, tudo se praticou concomitantemente, sem descanso, sem tréguas. Houve famílias que lamentaram em seu seio três desgraças reunidas, que choraram ao mesmo tempo o assassinato de um ente querido, de seu chefe, a destruição de seus bens e a desonra de seu lar. Assim falou-nos um filho e morador de Magé, ainda compungido pelo infortúnio de seus concidadãos, tão cruelmente perseguidos por destino infeliz (SIQUEIRA apud NAVARRO, 1993, p. 14).

Esse episódio vai deixar a cidade completamente arrasada como nos

fala Fernandes,

[...] a cidade sofrera dois impactos sucessivos: primeiro a abolição da escravatura, a seguir o bombardeio seguido de saque. O comércio outrora florescente, entrou em verdadeiro colapso; aos poucos capitalistas desgostosos emigraram para a capital, e outras cidades vizinhas (FERNANDES, 1962, p.48-49).

No entanto, no começo do século XIX, tem início um surto industrial na

Baixada, onde

Os contingentes de mão-de-obra libertadas pela Lei Áurea, as facilidades de transporte, o clima úmido e as condições geográficas favoráveis deslocaram primeiramente para Santo Aleixo, depois para Pau Grande, em Inhomirim, o capital oriundo da cidade do Rio de Janeiro, associado ao capital e tecnologia ingleses (FUNDREM, 1984, p. 20).

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As fábricas15 que estavam localizadas em Magé, assim como em todo

o estado do Rio de Janeiro, tiveram um grande impulso no início do século XX,

motivadas pela modernização dos meios de produção. Esta pesquisa trata em

particular da mais antiga delas, a Fábrica Santo Aleixo, cuja história começa em

1847, e que se verá um pouco mais adiante.

4.1.1 Caracterização do Município de Magé

O município se desenvolveu de maneira não planejada, como a maioria

das cidades brasileiras, e hoje apresenta muitos problemas estruturais,

notadamente, nas áreas de Saneamento, Meio Ambiente, Transporte Público,

Geração de Trabalho e Renda, Educação, Cultura e Preservação do Patrimônio

Histórico, como muito bem aponta Silva e Lisboa (2005, p. 6).

O município de Magé localiza-se na região metropolitana do Rio de

Janeiro, possuindo uma área total de 386.8 km2, divididos em seis distritos, a saber:

Magé (1º distrito - sede), Santo Aleixo (2º distrito), Rio do Ouro (3º distrito – criado

em 24 de setembro de 2002), Suruí (4º distrito), Guia de Pacobaíba (5º distrito) e

Vila Inhomirim (6º distrito).

Limita-se ao norte com Petrópolis, ao Sul com a Baía de Guanabara,

ao Leste com Guapimirim e a Oeste com Duque de Caxias. Fica à uma distância de

50km do Rio de Janeiro, 45km de Niterói, 35km de Teresópolis e 16km de

Guapimirim. As principais vias de acesso são a Rodovia Washington Luiz – BR 040,

a BR 116 (Estrada Rio-Teresópolis) e a BR 493 (Estrada Magé-Manilha).

Segundo o censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) e de acordo com o relatório do Tribunal de Contas do Estado do

Rio de Janeiro (TCE-RJ) de 2005, o município possuía uma população de 227.467

15 Em Magé foram implementadas seis fábricas de tecidos: - Fábrica Santo Aleixo de propriedade da Companhia Fiação e Tecelagem Bezerra de Mello. (1847) - Fábrica Andorinhas de propriedade das Fábricas Unidas de Tecidos, Rendas e Bordados S. A. (por volta de 1870) - Fábrica de Fiação e Tecidos de Pau-Grande, da Companhia América Fabril. (1878) - Fábrica Santana, da Companhia América Fabril. (1950) - Fábrica Cometa, localizada na região denominada Meio da Serra em Magé. (por volta de 1903) - Fábrica Itatiaia de Tecidos S. A. (por volta de 1900)

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habitantes em 2004, sendo 104.513 mulheres e 101.317 homens. A faixa etária

predominante está entre os 10 e 39 anos, já os idosos representam 9% da

população do município e as crianças apresentam um percentual de 20% na faixa

etária entre 0 e 9 anos. A densidade demográfica de seus 227.467 habitantes é de

588 pessoas por km2, sendo a 13ª do Estado. Segundo o Censo de 2000, a taxa de

urbanização chega a 94,2% de sua população e esta distribui-se por 74.373

domicílios. Quanto mais próximo de 1 for o Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH), maiores serão os indicativos de um desenvolvimento humano apurado. Magé

teve um índice de 0,747 que o coloca em 57ª posição no Estado em 2000.

Em relação à educação, Magé teve 60.868 alunos matriculados em

2004. Sendo que o município possui 10 creches, 66 pré-escolas e 118

estabelecimentos dedicados ao ensino fundamental, o Ensino Médio apresenta

1.901 estabelecimentos, sendo que 57% são da rede pública. O município não

possuía, em 2003, nenhuma instituição do ensino superior. A escolaridade é baixa:

27,86% das pessoas com mais de 10 anos possuem até 3 anos de estudo; 38,81%

possuem de 4 a 7 anos de estudo; 17,90% com mais de 8 a 10 anos de estudo e

apenas 1,57% de pessoas com mais de 15 anos de estudo.

No que se refere à renda mensal, o quadro também é bastante

alarmante. De acordo com os dados do IBGE, 40,78% da população recebem

menos de um salário mínimo; 26,99% recebem de 1 a 2 salários mínimos e 5,20%

não possuem rendimento. O somatório dos que recebem menos de um salário

mínimo com os que não possuem rendimentos é de 45,98% dos chefes de família. O

que reflete os altos índices de crianças e adolescentes fora da escola, a baixa

escolaridade dos mesmos e a inserção precoce desses jovens em atividades muitas

vezes insalubres, de alta periculosidade ou de exploração.

Quanto ao abastecimento de água, magé possui 46,7% dos domicílios

com acesso à rede de distribuição, 47,7% com acesso à água através de poço ou

nascente e 5,7% têm outra forma de acesso à mesma. A rede coletora de esgoto

sanitário chega somente a 29,8% dos domicílios do município, outros 32,9% têm

fossa séptica, 8,9% utilizam fossa rudimentar, 22,1% estão ligados a uma vala, e

5,1% são lançados diretamente a um corpo receptor (rio, lagoa ou mar). O esgoto

que é coletado não passa por tratamento e é lançado diretamente nos rios e na baía.

A coleta de lixo regular é feita em 84,1% dos domicílios, já 2,4% têm

seu lixo jogado em terrenos baldios ou logradouros, e 12,3% queimam seus

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resíduos. O total de resíduos sólidos coletados somava 225 toneladas por dia, sendo

levados para 5 vazadouros a céu aberto (lixões).

A economia do município, segundo dados do IBGE de 2000, está

baseada, principalmente, no setor de serviços. O comércio, a reparação de veículos

e os serviços pessoais representam 19,77%, seguido de serviços domésticos com

14,77% e a construção civil com um percentual de 12,34%. A atividade industrial não

possui um potencial expressivo, o município é considerado uma cidade-dormitório,

pois um grande contingente populacional se desloca diariamente para outros centros

urbanos à procura de melhores oportunidades de trabalho.

A cidade não possui cinemas nem museus. Os únicos equipamentos

culturais são dois teatros alternativos e duas bibliotecas. Além disso, possui nove

estabelecimentos hoteleiros.

4.2 SANTO ALEIXO: O SEGUNDO DISTRITO DE MAGÉ

Situado ao sopé da Serra dos Órgãos, entre montanhas e cortado por

rios, está o distrito de Santo Aleixo, “o relevo acidentado encerra as construções em

um pequeno vale coberto por densa mata secundária cortada por inúmeros riachos”

(FRUNDREM,1984, p. 205). Todo o traçado urbano seguiu a conformação do vale.

Figura 4 – Foto aérea do Vale de Santo Aleixo Fonte: Acervo Edson Golinelhi

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O início da colonização do distrito se deu por volta do século XVIII, onde

alguns desbravadores, portugueses e escravos, encontraram na região um solo fértil

para a lavoura, água em abundância e um clima bastante agradável. A região passou

a ser conhecida como Santo Aleixo em 1743 com a construção, pelo casal José dos

Santos Martins e Joana Caldeira de Araújo, de uma capela dedicada a Santo Aleixo.16

Por decreto, o distrito de Santo Aleixo foi criado em 28 de maio de 1892.

Figura 5 - Capela de Santo Aleixo Fonte: Magé Terra do Dedo de Deus

Na capela de Santo Aleixo até hoje acontece a tradicional festa de

Santo Aleixo, sempre no mês de julho, por volta do dia 17. A fachada desta capela

ainda mantém a sua estrutura original. “Monsenhor Pizarro cita a capela de Santo

Aleixo como filial da freguesia de Nossa Senhora da piedade de Magepé, fundada

entre os anos de 1743 e 1747” (FUNDREM, 1984, p.192).

16 Antigamente, Santo Aleixo, que se festeja a 17 de julho, era o padroeiro dos professores. As memórias por ele deixadas em manuscrito revelam uma existência dedicada aos ignorantes das letras e dos mistérios cristãos. Santo Aleixo viveu na Idade Média. Filho de um poderoso senador romano, para evitar um casamento imposto pela intransigência paterna, abandonou o lar. Saudoso dos seus, dirigiu-se ao palácio paterno. Ninguém o reconheceu, tanto lhe mudaram as feições as vicissitudes e penitências. Como um mendigo, viveu longo tempo agasalhado no vão da grande escadaria da entrada do palácio, comendo os restos que lhe atiravam os criados. Passava o tempo ensinando às crianças das ruas o alfabeto e pregando a doutrina de Cristo. Um dia encontraram-no sem vida. Nas mãos havia um manuscrito. De sua leitura o senador deduziu que, durante muito tempo, hospedara como mendigo o filho querido, que supunha morto. A única imagem que dele existe no Rio de Janeiro está sob a escada que fica à esquerda de quem entra, na portaria do convento de Santo Antônio. A autora ignora a capela dedicada ao santo no distrito de Santo Aleixo, Magé. Lira, Mariza. Calendário folclórico do Distrito Federal, p.257-263. Disponível no site: http://www.jangadabrasil.com.br/julho47/fe47070b.htm.

Acesso em 18 jun. 2007.

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Figura 6 - Procissão feita em homenagem a Santo Aleixo em julho de 1935 Fonte: Acervo Edson Golinelhi

A população era composta, na sua grande maioria, de lavradores que

tinham como principais gêneros de produção a farinha de mandioca e o café. A

situação começou a se modificar em 1847, quando da instalação de uma das

primeiras indústrias de tecidos do Rio de Janeiro, a Fábrica Santo Aleixo, cuja

história será abordada mais adiante, no momento vejamos como a indústria mudou

Santo Aleixo.

Na conjuntura de expansão européia iniciada nas primeiras décadas do

século XIX, a indústria mudava rapidamente a face do mundo. Não apenas destruía

em nome do progresso monumentos importantes, mas ligava todo o mundo a uma

nova divisão internacional do trabalho. O Brasil escravista e cafeeiro começou a ser

afetado e estas mudanças refletiram-se em Magé, que com o Alvará de Liberdade

Industrial atraiu muitos pioneiros. A política adotada pela Tarifa Alves Branco de

1844 - que taxava os produtos importados - e a Lei Eusébio de Queirós, de 1850,

proibindo o tráfico externo acabou por criar condições favoráveis para um surto

industrial. Sobre a manufatura têxtil nos fala Soares,

O ramo das manufaturas têxteis, em seu desenvolvimento de meados do século passado, foi o ramo que mais diretamente esteve articulado à reorganização da produção escravista, que levou à redução da produção de tecidos nas grandes unidades agrícolas, e ao enorme crescimento populacional verificado na formação do Sudeste, possibilitando uma ampliação de mercados para estas manufaturas (SOARES, L. C., 1993, p. 196).

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Depois da Fábrica Santo Aleixo, outra fábrica do ramo têxtil veio se

instalar na região, a Fábrica de Andorinhas, que começou a ser construída em 1870,

transformando definitivamente aquela região agrícola numa área industrial. Junto

com as fábricas houve a necessidade de modernizar a região, o que acarretou numa

melhoria nas condições de vida da população. Sabe-se que essas benfeitorias

realizadas pelas fábricas não visavam unicamente o bem estar da comunidade, mas

atendiam aos interesses dos donos das fábricas, como veremos ao discorrer sobre a

Fábrica Santo Aleixo. Porém, é inegável a infra-estrutura que elas deram ao distrito.

Contar-se-á agora um pouco dessa história que precisa ser recuperada, pois é parte

da memória do lugar.

Umas das grandes dificuldades encontradas pelas fábricas era a

questão do transporte, este era feito por rio, naquela época o Rio Roncador ou

Santo Aleixo era navegável até o Gandé, o restante do trajeto era feito através de

carroças, tanto a matéria prima quanto o produto final eram transportados em

carroças. O restante da população utilizava-se de cavalos, ou andar a pé. Algumas

carroças faziam transporte, mas apenas de comerciantes e venderes viajantes.

Em 1893 com a Revolta da Armada, já comentada, toda a industria do

município entrou em crise, ficando paralisada por algum tempo. Por volta de 1900,

foi fundada por um grupo a Companhia de Fiação de Tecidos Mageenses que trouxe

para Magé a Fábrica Itatiaia que passou a empregar grande parte da população que

na época passava por grandes dificuldades, dando um novo impulso à economia do

município. Pouco tempo depois, esse mesmo grupo comprou a Fábrica Andorinhas,

que passou a ser administrada pelo inglês Jayme Schofield, seu sucessor foi o

alemão Adam Brumer17, que construiu a primeira estrada macadamizada18 que

ligava a Magé e Santo Aleixo, a estrada servia para o transporte de algodão entre as

duas fábricas e ganhou o nome do seu construtor. O início da construção foi por

volta de 1906, e sua inauguração foi em 1910. Segundo SANTOS, R. P. (1957, p.

165) ele também é responsável pela remodelação da fábrica que fora construída em

estilo colonial.

17 O nome de Adam Brumer é encontrado com diferentes grafias, aqui utilizamos a mesma encontrada nos documentos atuais da prefeitura. 18 Sistema de empedramento do leito das estradas de rodagem, em que se empregava pedra britada ou saibro e areia.

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Figura 7 – Fábrica Andorinhas em 1938 Fonte: Acervo Edson Golinelhi

A estrada construída por Adam Brumer teve uma curta duração, já nos

finais de 1920 e início de 1930 ela se encontrava em completo abandono. Esta foi

reconstruída por um acordo entre as fábricas e a prefeitura. Nesse trecho do

Relatório da Prefeitura de 1933, que foi apresentado ao Interventor do Estado, pode

ser visto como foi feita a divisão dos custos da reforma:

Esta velha estrada de grande importância pelo seu trafego, comunica Magé com Santo Aleixo e Andorinhas, onde se acham instaladas 2 fábricas de tecidos, que por ela fazem seus serviços de importação e exportação. Em estado de conservação precaríssimo, quase intransitável, exigia uma completa reconstrução em todo seu percurso de 16,500 quilômetros. Depois de entendimentos com as duas fábricas interessadas, conseguimos estabelecer o seguinte acordo que nos permite atacar os serviços:

A – A prefeitura faria por sua conta o trecho Magé a Abreus de 6 quilômetros.

B – A prefeitura confiaria a construção do trecho de Abreu a Andorinhas à firma Magalhães & Cia., proprietária da Fábrica de Santo Aleixo, visto a sua proposta de 3:000$000 o quilômetro, ser a mais barata; e considerando-se ainda a sua idoneidade e interesse próprio na perfeição dos serviços.

C – A despesa de 3:000$000, por quilômetro, seria dividida entre as 2 fábricas e a Prefeitura, cabendo a esta última 1:000$000 (ULLMANN apud LOPES, 2006, p.41-42).

Por volta de 1915, a Companhia Mageense aproveitou o motor de um

caminhão e construiu um bonde para ligar Magé a Santo Aleixo, transportando assim

os materiais das fábricas e a população, fazendo duas viagens por dia. Trabalhavam

como motoristas nessa linha, segundo Ribeiro, o Sr. Justo Costa, Acácio, Geraldo,

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Alfredo e João Ribeiro. O bondinho deixou de funcionar em 1934 quando a

Companhia Mageense colocou a Fábrica Andorinhas à venda.

Figura 8 – Bondinho que ligava Magé à Santo Aleixo Fonte: Acervo Edson Golinelhi

No entanto, em 1931, o casal Martiniano e Durvalina Pereira Soares,

inauguraram a primeira linha de ônibus do município, cujo nome era Companhia

Melhoramentos – Santo Aleixo/Magé, a empresa possuía três carros: o primeiro foi

construído em março de 1931 em Teresópolis, era um Chevrolet 1928; o segundo foi

construído em Santo Aleixo pelos próprios donos da empresa, pois “Seu Martiniano”

era considerado um excelente carpinteiro, um Chevrolet 1930; o terceiro ônibus,

também um Chevrolet, foi comprado de uma empresa de Teresópolis.

Figura 9 – Ônibus da Companhia Melhoramentos Acervo: Acervo Edson Golinelhi

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Além das fábricas de tecidos, outras fábricas ficaram famosas no

distrito de Santo Aleixo. Muitos ainda comentam sobre as cervejarias que lá

funcionaram. Tudo começou - segundo o pesquisador Sciammarella - por volta de

1908, quando Henrique Fernando Claussen e José Teixeira instalaram, no bairro do

Cavado, a Fábrica de Cervejas Santo Aleixo que fabricava a Cerveja Andorinhas.

Figura 10 – Cervejaria Andorinhas Fonte: Acervo Edson Golinelhi

José Teixeira, mais conhecido como “Juca Rosa”, morava em Santo

Aleixo, enquanto Henrique Claussen, de família dinamarquesa, morava em

Teresópolis. Segundo seu Euclydes Teixeira Gomes, seu afilhado, ele faleceu com

cem anos de idade e era chamado de vovô Fernando. Infelizmente não se dispõem de

muitas informações, mas segundo o pesquisador, ainda é possível encontrar as ruínas

onde funcionava o antigo açude que fornece águas para as comunidades do Chalé e

do Poço Escuro. Segundo relatos dos próprios moradores, com o tempo a cervejaria

deixou de funcionar.

Já na década de 1920, chegou em Magé o baiano João Ribeiro, um

dos motoristas do antigo bondinho. Ele, em 1928, casou-se com uma das filhas de

Henrique Lima Teixeira, conhecido como “Henrique Rosa”, filho de José Teixeira. Os

dois resolveram montar a Cervejaria Esportiva, fabricando cerveja natural e preta

chamada de Cerveja Esporte.

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Figura 11 – Rótulos da Cervejaria Esportiva Fonte: Acervo Edson Golinelhi

A fábrica funcionava onde hoje é o “Higor Bar”, próximo a Policlínica de

Santo Aleixo. Os funcionários eram da própria família, segundo relato de Maria

Lourdes Teixeira Moreira, filha de Henrique Lima Teixeira, a “Dona Lourdes” que

trabalhou na cervejaria. Ela ainda lembra quando a cevada era fervida numa grande

caldeira, levada até o resfriador, ficando num tonel durante alguns dias, para depois

ser filtrada e engarrafada. “Em todas as garrafas tinha o selo, com a inscrição

Teixeira & Ribeiro. Eles eram escritos e recortados por mim”, recorda D. Lourdes.

A Cervejaria Esportiva possuía transporte próprio e o produto era

levado para outras localidades, ao contrario da Cerveja Andorinhas. Como não

possuíam geladeira, a cerveja era refrescada em uma espécie de cisterna,

emboçada com cimento liso. As garrafas eram lavadas, depois de consumidas, em

um tanque de aproximadamente cinco metros, com soda cáustica e água fervendo.

No começo da década de 1940, a cervejaria deixou de funcionar, tornando-se o “Bar

do Seu João Ribeiro”.

Marcantes também, na história de Santo Aleixo, foram os movimentos

operários que, desde o inicio do século XX, têm lutado pela melhoria nas suas

condições de vida. Em Santo Aleixo esse movimento tomou força em 1919 “quando

pela primeira vez os operários pararam as máquinas em protesto contra a

exploração”. (Jornal O Povo na Rua, 1991, p. 14). Antonio de Paiva Fernandes em

seu livro comenta sobre os reflexos do comunismo em Santo Aleixo, segundo o autor,

os comerciantes e os operários viviam em perfeita harmonia, como senão houvesse

quaisquer problemas, e que os culpados pela agitação no distrito eram os chamados

delegados dos operários que “outra coisa não eram, senão meros agitadores.

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Promoviam comícios de rua, e nas pregações revolucionárias, pregavam o amor livre,

a dissolução da família e a divisão dos latifúndios” (FERNANDES, 1962, p. 54).

Na verdade eram as lutas dos operários por melhores condições de

trabalho, salários e garantias trabalhistas, sob a influência das idéias socialista e

anarquista vindas das lutas operárias internacionais. Mas os empresários

consideravam que as greves não eram uma questão social, mas um caso de polícia,

tendo em vista a forte repressão de que esses movimentos eram alvo, com

espancamentos e prisões. Esse primeiro momento teve influência do anarco-

sindicalismo e culminou com as grandes greves operárias de 1917, em São Paulo, e

1918-1919, no Rio de Janeiro.

Nas décadas seguintes o estado adota uma estratégia diferente para

lidar com os movimentos operários, além da repressão, há concessões de direitos

trabalhistas e o incentivo ao desenvolvimento de um sindicalismo atrelado ao

Estado. Foi nesse quadro, em 1941, que se deu a fundação do Sindicato dos

Trabalhadores das Industrias de Fiação e Tecelagem de Santo Aleixo e Magé.

Figura 12 – Sindicato dos Trabalhadores de Santo Aleixo Fonte: Acervo Edson Golinelhi

Durante a Revolução de 1964, a polícia e o exército cercaram muitas

vezes Santo Aleixo procurando por “comunistas”, como em 1919. Durante o período

da Ditadura muitos operários foram presos e espancados, essa época deixou uma

figura emblemática, muitas vezes mencionada pelos operários. O contra-mestre

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Astério dos Santos, presidente do Sindicato na época, que lutava para que os

operários não se sujeitassem à exploração das fábricas. “A força do sindicato era

tanta que os militares denominaram o lugar de ‘Moscouzinho’ porque os operários

não se sujeitavam ao ‘regime de escravidão’ imposto pelos diretores da fábrica”

(PIRES, 1991, p. 14, grifos do autor).

Quando tratarmos dos relatos feitos pelos operários, mesmo depois de

quase trinta anos do fechamento das fábricas, ver-se-á que a figura de Astério dos

Santos é muitas vezes evocado como um dos líderes sindicais que mais lutou pelos

direitos dos operários de Santo Aleixo.

Diante de todos esses acontecimentos, pode-se perceber a importância

que as fábricas tiveram na construção de Santo Aleixo. Porém, as mudanças mais

profundas vieram quando os empresários Hermann Matheis e Othon Lynch Bezerra

de Mello compraram as Fábricas de Andorinhas e Santo Aleixo, respectivamente.

Foi através delas que o distrito recebeu os contornos que perduram até hoje, como a

construção das vilas operárias e os demais “aparatos institucionais” como o colégio,

o cinema, o armazém, o refeitório, os clubes de futebol, entre outras “benfeitorias”

realizadas pelas fábricas. É essa história que passaremos a contar agora.

4.2.1 A Fábrica Santo Aleixo: o difícil começo

De modo bastante sucinto pode-se dividir, segundo Stein, a história da

industria têxtil em três fases. A primeira delas vai de 1840-1892, que seria um

período de formação, onde o apoio do Estado se tornou imprescindível, foi utilizado

o capital do próprio país e maquinários importados. No segundo estágio, de 1892-

1930, apesar das flutuações econômicas, o setor consegue manter uma alta

lucratividade, atraindo muitos investimentos. No terceiro estágio, de 1930-1950,

temos novamente a intervenção do Estado como fator indispensável à sobrevivência

da industria têxtil, que sofreu um duro golpe com a perda dos mercados externos no

pós-guerra. Durante muito tempo o Estado serviu de protetor contra os efeitos da

obsolescência tecnológica e administrativa. Segundo Stein,

O planejamento a curto prazo, a visão limitada da economia nacional e o recurso constante aos expedientes imediatistas dominavam o pensamento e a ação dos empresários têxteis. Os padrões tradicionais de administração

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de empresas empregados com sucesso pela indústria têxtil algodoeiro do Brasil desde 1892 tornaram-se alvo de críticas após a Segunda Guerra Mundial (STEIN, 1979, p. 185-188).

Vários fatores contribuíram para que o Rio de Janeiro fosse um estado

privilegiado no processo de industrialização. Entre eles estão o fato de ser a capital

do Brasil naquele momento e a grande circulação de negócios na região, além de

possuir toda a estrutura portuária a facilitar o acesso à matéria prima e ao

maquinário necessário à produção fabril (FAUSTO, apud LOPES, 2006, p.22). Os

locais escolhidos para a implementação dessas industrias eram as serras, por causa

da água em abundância, “necessária para mover as turbinas que eram a força motriz

das máquinas da fábrica, seguindo um modelo da época” (MARINS, 2006, p. 44).

Desse modo, a Fábrica Santo Aleixo, segundo documento do Instituto

Histórico de Niterói, começou a ser construída em 1847. O documento é uma carta

enviada a José Maria da Silva Paranhos por Guilherme de Magalhães, descrevendo

o início das obras e a disposição dos donos da fábrica em concluí-las o mais rápido

possível, o custo total da obra foi estimado em torno de 15 a 20 contos de réis.

Muitos autores mencionam a Fábrica Santo Aleixo por seu pioneirismo e importância

no desenvolvimento industrial do Brasil, como nos mostra Marins,

A fábrica de Santo Aleixo é um exemplo de adaptações feitas por um empreendimento industrial durante aproximadamente 133 anos. Sua relevância está no fato de ter acompanhado um processo histórico de muitas transformações estruturais da sociedade brasileira e no mundo que aumentava a internacionalização de sua economia, agora no aspecto industrial. Ela está vinculada desde seu início nas relações de produções que extrapolam o território brasileiro, numa continuidade dos séculos anteriores, tanto pela origem dos seus fundadores e seus capitais, quanto do algodão, das máquinas de tecelagem e destino dos produtos como pela origem dos seus trabalhadores (MARINS, 2006, p. 72).

Entretanto o jornalista Renato Peixoto dos Santos se refere a ela como

“a primeira fábrica de tecidos do Brasil, quiçá da América do Sul” (SANTOS, R. P.,

1988, p. 45) e situa a sua construção em 1830, em outro livro o exagero é a ainda

maior situando a sua construção no ano de 1807 (SANTOS, R. P., 1957, p. 161).

A afirmação de Santos se tornou muito corrente entre os moradores de

Magé e muitas pesquisas e documentos encontrados na cidade situam a fábrica

nesse período. Em alguns sites19 - como os de pousadas, por exemplo - a fábrica é

utilizada como referência em mapas, sendo descrita como a primeira fábrica de

19 Como exemplo podem-se visitados os seguintes sítios: http://www.artnagual.com.br/imagens/mapa_sto.jpg. Acesso em 19 set. 2007. http://www.sitiorenascer.com.br/local.html. Acesso em 19 set. 2007.

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tecidos do Brasil, por vezes da América Latina. Na verdade ela foi um dos primeiros

estabelecimentos do Rio de Janeiro, mas as primeiras fábricas de tecidos instaladas

no Brasil se encontram na Bahia, como nos fala Stein: “a Bahia foi o primeiro núcleo

da indústria têxtil algodoeira, desde 1844 até o fim da década de 1860” (STEIN,

1979, p. 36).

Segundo Pereira, a implantação da fábrica teve diversos contratempos,

entre os quais as máquinas, importadas do Estados Unidos e os demais

equipamentos necessários não poderem ser desembarcados nas proximidades de

Santo Aleixo, mas no porto do rio, por motivos, talvez, alfandegários. Ficaram presos

no porto do rio “14 máquinas de fiar, 02 de fiar e tecer, 50 teares, duas máquinas de

descaroçar algodão, 03 máquinas de limpar, 03 de enrolar e 03 de dobrar, 04 de

preparar o fio para tecer e duas máquinas de engomar. [...] Isso causou um imenso

atraso na obra” (PEREIRA, 2006, p. 5).

O citado documento do Instituto Histórico de Niterói informa que os

primeiros proprietários da fábrica eram norte-americanos, tendo como primeiro

diretor Luis S. Moran que se associou a Francisco Jones. Outro documento, um

relatório do Tenente Ajudante do Chefe do 6º distrito de obras públicas da província

do Rio de Janeiro, de 1849, descreve minuciosamente a fábrica que já se

encontrava em funcionamento. No relatório a fábrica é descrita com cinco

pavimentos construídos em madeira, tendo janelas na frente e nos fundos. Na frente

existia uma torre que termina um condutor elétrico e este protege todo o prédio.

Além desse edifício, existe um outro estabelecimento feito também todo de madeira,

onde moram os operários. Todo o maquinário é movido à água que é conduzida por

uma vala. Trabalham na fábrica 116 operários de ambos os sexos, sendo a maior

parte composta por menores, todos livres e de diferentes nacionalidades, 84

alemães, 16 brasileiros, 12 portugueses, 2 franceses, 1 inglês e 1 americano. Mais

detalhes podem ser encontrados no referido documento que se encontra anexo.

Em pouco tempo a Fábrica Santo Aleixo se tornou um dos

estabelecimentos de maior porte do sudeste, segundo Soares,

Nos anos 1850, o estabelecimento têxtil mais importante do Sudeste era Santo Aleixo, que, concorrendo com os tecidos ingleses, conseguiu controlar uma parte considerável dos mercados para seus tecidos grosseiros de algodão. Além da concorrência estrangeira, a Santo Aleixo superou a concorrência dos demais estabelecimentos da região fluminense, da ‘Fábrica’ Canna do Reino e Minas Gerais e também das oficinas artesanais espalhadas por está Província que produziam o famoso ‘algodão mineiro’ e brins muito utilizados para roupas de escravos e camadas livres

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mais pobres. [...] Este estabelecimento de Magé contribuiu mais ainda para estreitar os mercados para outros estabelecimentos têxteis fornecendo fios de algodão para a produção doméstica de tecidos, que continuou existindo embora reduzidamente (SOARES, L. C., 1993, p.173-174, grifos do autor).

Não foram encontrados desenhos ou imagens sobre a Fábrica Santo

Aleixo dessa época, porém o selo da fábrica juntamente com a uma descrição de

aproximadamente 1861, pode dar uma idéia da arquitetura fabril. O prédio

acompanha o que Hardman e Leonardi chama de padrão colonial brasileiro, pois as

fábricas apresentavam fachadas semelhantes as das casas grandes de fazendas de

açúcar e café (HARDMAN E LEONARDI, apud, MOREIRA, 2007, p. 142).

Figura 13 – Selo próprio da Fábrica Santo Aleixo para impedir falsificação Fonte: Revista Guia e Cia

Construído sobre uma fundação de pedra, três andares de madeira e escoras de ferro, uma torre alta em frente, onde dois sinos convocam diariamente os operários ao trabalho ou para celebrar feriados religiosos da colônia de trabalhadores implantada nesse lugar remoto, ou ainda para mostrar no seu carrilhão o contentamento com a chegada de algum amigo dos dignos proprietários, comendador J. Antônio de Araújo Filgueiras e Cia. Além do prédio principal, havia outros situados simetricamente de cada lado da sede da fábrica, formando uma ampla área dominada, ao centro, pela torre. Nas proximidades, ficava o chalé ou a residência do proprietário da fábrica, um grupo de árvores, de um lado, e um ‘maravilhoso jardim’ do outro – tudo isso rodeado pelos contrafortes da Serra dos Órgãos. O contraste bucólico com a indústria deixava a impressão duradoura. ‘Quem entra no prédio principal da Santo Aleixo fica muito surpreendido ao se deparar com o movimento constante dos 52 teares no primeiro andar e com os fusos, em plena atividade, arrumados na sala principal do segundo andar’ e com os fusos, em plena atividade, arrumados na sala principal de vinte armações ou 2.640 fusos. No terceiro andar, estavam as cardadoras, as maçaroqueiras e aparelhos de separar mechas para início da fiação. Havia também oficinas de reparos (ferraria, carpintaria e marcenaria, ferramentas para trabalhar metais e serraria) salas para os equipamentos de descaroçar e outras para engomar e tingir os fios (STEIN, 1979, p. 54-55, grifos do autor).

Pela descrição percebe-se que a fábrica já não pertencia mais ao grupo

norte-americano, mas ao comendador Filgueiras de origem portuguesa, que parece ter

gerenciado a fábrica por bastante tempo, pois o Almanak Laemmert em 1878 ainda se

refere a ele como proprietário do estabelecimento (SANTOS, R. P., 1988, p. 39-42).

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Como vimos em 1850, a fábrica era uma da mais importantes do

sudeste, e em 1853, provavelmente motivados pelos lucros, foram comprados novos

maquinários, novamente os proprietários enfrentaram muitos problemas durante o

transporte e instalação dos mesmos, como nos fala Stein:

Uma idéia da natureza dos problemas enfrentados pelas fábricas têxteis de algodão, antes de 1885, nos é dada pela narrativa de como Santo Aleixo, próxima ao Rio de Janeiro, montou seus 2.500 fusos, 100 teares e equipamentos para descaroçar algodão em 1853. Essa fábrica sofreu no início contratempos, infortúnios e adversidades que retardaram seu progresso e fizeram os proprietários perder parte do capital empregado. A maquinaria imperfeita foi o primeiro contratempo, resultado da má-fé na oficina. A segunda adversidade foi o mau planejamento e construção das correias transmissoras que estavam com defeito e tiveram de ser reparadas. A última adversidade (que também prejudicou sua prosperidade) é a ausência de uma administração enérgica. A despeito desses impedimentos, a fábrica parece estar indo bem, desde que as novas máquinas foram instaladas (STEIN, 1979, p. 56).

A fábrica acompanhou as flutuações da economia brasileira,

apresentando períodos de maior ou menor prosperidade. Após o comendador

Filgueiras, não se sabe quais, nem quantos proprietários a fábrica teve. No

entanto, pode-se afirmar que a fábrica em 1925/1926 passou para a

administração do Major Benício Liberato Campos e do comendador Serafim

Clares, segundo compilação do Magé Jornal feita por Santos R. P.,(1988, p.

96/97). Depois deles a fábrica foi administrada pela Cia. Agrícola e Industrial

Magalhães, que iniciou a modernização do prédio.

A Fábrica Velha era do tipo assobradado, e foi construída com pinho de riga, madeira importada diretamente da Europa. Esse tipo de construção antiquada, dificultava a sua ampliação, devido à constante modernização da maquinaria têxtil, tornando-a mais pesada, razão por que, desde os Magalhães, [...] começou a remodelação da estrutura do prédio (SANTOS, R. P., 1957, p. 162).

Figura 14 - Foto da entrada da Fábrica Santo Aleixo Fonte: Magé Terra do Dedo de Deus

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Segundo Saia, durante a década de 1920-1930, a industria têxtil passa

por um grande desenvolvimento e os empresários procuram construir fábricas

modernas e ampliar as existentes. A autora observa que

[...] neste processo de afirmação como indício deste desenvolvimento, a solução padronizada com seus pavilhões e ‘sheds’20 estará presente, sobressaindo-se principalmente, quando adotada como áreas de expansão de fábricas montadas em períodos anteriores (SAIA apud MOREIRA, 2007, p. 143, grifo do autor).

Acredita-se que a Fábrica Santo Aleixo tenha adquirido, por volta de

1920-1930 as características típicas de um edifício fabril, com “adoção de princípios

utilitaristas, [...], a iluminação zenital21, além da utilização do ferro como elemento

estrutural de pisos e coberturas” (SAIA, apud, MOREIRA, 2007, p. 147).

Figura 15 – Vista aérea da Fábrica Santo Aleixo Fonte: Revista Guia e Cia

Sobre essas alterações também nos fala Ildes Magalhães, o

funcionário mais antigo do Grupo Bezerra de Mello,

[...] Agora quando chegou a eletricidade acabou esse perigo e eles começaram a horizontalizar a fábrica . Lá onde você vai ver no alto das colunas, 1922, 1923, 1928. Eles botaram mais um trecho e botava a data lá, botava mais um trecho e botava a data lá. Durante muito tempo, uma parte da tecelagem, da fábrica era alvenaria, outra parte ainda era da madeira. O

20 Shed - Cobertura com perfil em forma de dentes de serra. Alternadamente possui uma água de telhado feita com material transparente ou translúcido permitindo iluminação zenital. É usado principalmente em fábricas, armazéns e depósitos. (ALBERNAZ e LIMA, apud VICHNEWSKI, 2004, p. 12) 21 Iluminação zenital - Iluminação natural feita pelo telhado do edifício. Em geral decorre do uso de clarabóias, lanternins, telhas ou panos de vidro. É indicada, sobretudo, para prédios de maior porte, impossibilitados de terem todos seus recintos ou ambientes iluminados por vãos de janelas ou edificações cujo uso dificulta a abertura de vãos nas paredes externas, como mercados, hangares e bibliotecas. (ALBERNAZ e LIMA, apud VICHNEWSKI, 2004, p. 12)

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encalhamento para o telhado era todo de madeira e telha francesa. Depois, usando os Bezerra de Mello chegaram, tiraram a parte de madeira e completaram com tijolo...[...] eles melhoraram, depois eles construíram mais alguns galpões, depósito de algodão outras construções para ampliação eles construíram, para modernização eles construíram. Tanto a parte esquerda quanto a direita eles construíram. Tinha um armazém, uma farmácia, tinha uma residência que foi a residência do médico durante muito tempo. Hoje em dia, cada um foi sendo transferido para o comércio dentro ali do povoado mesmo, e a fábrica foi ocupando esses galpões que já eram conectados a fábrica mesmo (MARINS, 2006, p.62).

Figura 16 – Detalhe de uma das colunas com a data da sua construção Fonte: Foto da autora

Em 1942, a fabrica é vendida para o empresário Pernambucano Othon Lynch Bezerra de Mello, a partir daí passou por uma grande modernização chamando-se “Companhia de Fiação e Tecelagem Bezerra de Mello”, cuja família continua proprietária e que funciona como lavanderia, nos dias de hoje. Foi sobre a administração da família Bezerra de Mello que Santo Aleixo viveu um período de grande transformação.

Figura 17 – Sessão da Fábrica Santo Aleixo Fonte: Satie Mizubuti

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4.2.2 As mudanças trazidas pela família Bezerra de Mello

Othon Bezerra de Mello já tinha grande experiência no ramo têxtil

quando adquiriu a Fábrica Santo Aleixo. Nessa época, ele já possuía a Fábrica de

Tecidos Apipucos (depois, Cotonifício Othon Bezerra de Mello S.A.), a Fábrica

Amalita e a Fábrica de Malhas Várzea, entre outros empreendimentos. O empresário

parece ter adotado o modelo europeu de fábrica com vila operária, influenciado,

provavelmente, por técnicos de manufaturas inglesas, pois entre os anos de 1931 e

1932 o empresário Othon contratou técnicos em manufaturas de Manchester, na

Inglaterra. Além de entregar a contabilidade da fábrica aos contadores ingleses

(informação verbal)22.

Figura 18 – Vila Operária na descida da fábrica Fonte: INEPAC

A Fábrica Santo Aleixo situava-se longe dos grandes centros, rico em

energia hidráulica e onde facilmente podia ser construído um empreendimento

isolado e auto-suficiente, formando o que Leite Lopes denomina de “sistema de

fábrica com vila operária” onde os membros da classe operária estariam

subordinados duplamente ao patronato fabril, uma vez que este é proprietário das

casas e dos aparatos institucionais23 (LEITE LOPES, apud KELLER, 2006 p. 10).

22 Noticia fornecida por Mauro Fernandes, atual gerente da Lavanderia Esther, em fevereiro de 2008. 23 Keller (2006, p. 10) também chama a atenção para as diferentes denominações que alguns autores dão ao que Leite Lopes denominou de “aparatos institucionais”, Rago designa como “rede de

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[...] o operário têxtil, além de ser empregado, é simultaneamente inquilino do imóvel que pertence à fábrica e usuário da rede de serviços (armazém, armarinho, posto de saúde, farmácia, escola, clube social, capela) que funciona dentro do complexo fabril, transformando o que seria uma simples relação patrão/empregado em um relacionamento complexo (KELLER, 2006, p. 10).

Todas essas características favoreciam o controle dos operários, que

se tornariam mais submissos e produtivos. Além de garantir que a força de trabalho

fosse facilmente reposta pelos filhos dos operários. A Fábrica Santo Aleixo teve,

como as demais fábricas, seu período de auge na primeira metade do século XX,

cujo declínio se deu nas décadas de 1970 e 1980 com a venda das casas aos

operários e a desorganização dos aparatos institucionais (KELLER, 2006, p. 11-12).

Outro fator relevante para a adoção desse sistema é que, perto da

Fábrica Santo Aleixo, existia a Fábrica Andorinhas comprada, em 1935, pelo grupo

da Fabrica Unidas de Tecidos, Rendas e Bordados S. A., que logo passou a ser

administrada pelo alemão Hermann Mattheis sendo o primeiro a implementar o

sistema de fábrica com vila operária.

Figura 19 – Fábrica Andorinhas Fonte: INEPAC

É provável que a primeira vila operária tenha sido implantada pela

Fábrica Andorinhas, como nos fala Santos

[...] a construção da vila operária foi a imediata preocupação dessa firma, pois eram pouquíssimas as casas existentes, sem capacidade para abrigar a população e seus operários. [...] a firma dispões de 400 casas,

equipamentos coletivos e comerciais” e Weid e Bastos de “mecanismos de controle sobre sua mão-de-obra”. Neste trabalho adota-se a mesma utilizada por Leite Lopes.

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higienicamente construídas, contando com o abastecimento d’ água, luz e esgotos, oferecendo aos visitantes, o aspecto de uma pequena cidade (SANTOS, R. P., 1957, p. 166).

Tem-se a inauguração do Cine-Teatro Andorinhas em 1938, além da

construção de prédios destinados ao comércio local, como a Padaria e Confeitaria

Andorinhas, Loja Andorinhas e Bar-restaurante Andorinhas. A Fábrica Andorinhas

também manteve uma creche24 para os filhos das operárias desde 1946, vindo a

fechar juntamente com a fábrica na década de 1970. Lopes, em seu trabalho sobre a

creche da Fábrica Andorinhas, levanta questões sobre a disputa que havia entre

essas duas fábricas por mão-de-obra. Segundo a autora a proximidade entre as

duas fábricas não permitia “a mão-de-obra barata, pois existiam duas fábricas

enormes, em um mesmo lugar pequeno. Por este motivo deveria ser respeitada uma

média salarial, para haver um equilíbrio no número de funcionários das duas

fábricas” (LOPES, 2006, p.33).

Entretanto, a proximidade das fábricas não gera necessariamente

um aumento no salário como forma de atrair a mão-de-obra, mas pode fazer com

que cada fábrica procure oferecer melhores aparatos institucionais, como nos fala

Leite Lopes,

[...] o “transbordamento” das vilas operárias pela presença de outras fábricas próximas e de uma população operária trabalhando para essas outras fábricas, vem romper o equilíbrio mantido pela fábrica com relação à sua população operária, a fábrica acomodando-se a essa presença pagando salários mais baixos mas oferecendo casa e recursos acessórios aos seus operários (LEITE LOPES, 1979, p.61, grifo do autor).

A disputa aparente entre as duas fábricas tivera sido nesse sentido,

pois os próprios operários relatam os baixos salários, confirmado por artigos de

jornais da época que colocavam em evidência a exploração nas fábricas. Já em

relação aos aparatos institucionais, como ambas ofereciam os mesmos tipos, com

exceção da creche - só a Fábrica Andorinhas possuía - não se acredita que isso

fomentasse uma disputa por mão-de-obra. Esses aparatos parecem ter exercido, na

verdade, uma forte atração, pois muitas pessoas se dirigiam ao distrito em busca da

oferta de emprego e moradia oferecidos pelas duas fábricas. Infelizmente não se

pode precisar o impacto que a creche exerceu em relação à atração da mão-de-obra

para essa fábrica.

24 Sobre a Creche na Fábrica de Andorinhas ver: LOPES, Isabela Pereira, Sonhos em Retalhos: a creche da Fábrica Andorinhas em Santo Aleixo- RJ (1946-1970). Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.

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Figura 20 – Conjunto de Vilas perto da entrada da Fábrica Andorinhas Fonte: INEPAC

No entanto, havia uma rixa entre times de futebol, o time do Guarany

(que era patrocinado pela Fábrica Santo Aleixo) contra o time do Andorinhas (que

era patrocinado pela fábrica Andorinhas), até hoje se percebe essa rivalidade. Como

se pode ver no artigo de um dos jornais locais: “o distrito [de Santo Aleixo] promove

o maior clássico do futebol mageense, o Andorinhas X Guarany” (JORNAL

GAZETÃO, junho de 2003, p. 3).

Figura 21 – Estádio Hans Hartmut Backaus patrocinada pela Fábrica Andorinhas Fonte: Acervo Edson Golinelhi

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Disputas também aconteciam em relação aos blocos carnavalescos.

[...] “os ‘Blocos’ que no carnaval dão ênfase às ‘disputas’ entre os moradores das

duas vilas operárias, apontando assim para algumas diferenciações internas à

população do distrito” (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 36, grifos do autor).

Figura 22 – Bloco do Aranha Figura 23 – Bloco Carnavalesco Fonte: Acervo Edson Golinelhi Fonte: Acervo Edson Golinelhi

Desse modo, uma das primeiras medidas tomada por Othon Bezerra de

Mello foi a construção de casas para os operários, em seguida vieram os equipamentos

coletivos, como o refeitório, o armazém, o cinema, a escola, entre outros.

Segundo Santos, R. P. (1957, p.162), foi construído um núcleo residencial

de 450 casas. No entanto, segundo Oliveira, S. M. (1992, p. 34), as duas vilas

operárias somariam aproximadamente 1000 casas de alvenaria, onde residiam cerca

dos 3000 operários do distrito, sendo que a Fábrica de Santo Aleixo possuiria 400 casas

onde moravam a maioria de seus 1.100 operários. Concorda-se com Blay que entende

as vilas operárias como,

[...] solução proposta pela classe empresarial ela sempre visou, em todos os momentos, garantir um suprimento de força de trabalho, controlar níveis salariais e dominar movimentos políticos. Em conseqüência, a habitação foi um meio na relação patrões-empregados, que permitiu uma atuação em dois níveis: serviu para pressionar o comportamento social do emergente operariado urbano e atuou no processo de acumulação de capital a ser investido na indústria e na reprodução ampliada do capital, permitindo que certos empresários construíssem verdadeiros impérios. (BLAY, 1985, p.144)

A vila apresentava, apesar da padronização em série, diferentes tipos de

habitação, as casas eram oferecidas aos operários de acordo com a função que

exerciam dentro da fábrica, as melhores casas eram para os funcionários mais

qualificados ou especializados. Essas construções deveriam ser higiênicas e

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econômicas proporcionando o mínimo de conforto aos seus habitantes e a máxima

economia para seus construtores. Contudo, serviriam, principalmente, como

instrumento para a moralização e o controle do operariado, como nos fala Herédia,

[...] a variedade de estilos de vilas operárias não altera o objetivo principal de sua existência que é o da imobilização da força de trabalho. Não obstante todas elas apresentarem vantagens para os proprietários, a forma escolhida pela maioria é a do arruado, devido à vantagem da visibilidade imediata sobre o agrupamento de operários pelo observador hierárquico, que é aquele que representa a administração da fábrica. O controle, a vigilância e a observação, mesmo indiretas, são constantes nesse tipo de vila. Isso representa para o gerente a assiduidade dos operários, sua pontualidade. Ter o operário próximo garante a manutenção e continuidade do processo fabril. (HERÉDIA, 2003)

Figura 24 – Vila Operária em Santo Aleixo Fonte: Satie Mizubuti

Além das vilas, utilizavam-se também os dormitórios construídos pelas

fábricas como instrumento de transmissão da ideologia burguesa. Não existem

dados acerca de qual das duas fábricas construiu dormitórios para seus operários

em Santo Aleixo, ou o ano da sua construção, mas encontrou-se um registro

fotográfico, feita por volta de 1975, de um dormitório masculino.

Os dormitórios, segundo Eva Blay, teriam sido apropriados pela

ideologia burguesa para transmitir a emergente classe operária,

[...] valores e condutas consideradas adequadas ao comportamento do operário produtor de mercadoria. O operário em formação, convivendo com o trabalho escravo, numa nação apoiada na produção agrário exportadora, não encontra ainda seus parâmetros de comportamento. Ao oferecer quartos para dormir, os empresários ofereciam também modos de viver, regras, atitudes e valores a serem cumpridos. Na elaboração de uma

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ideologia de valorização do trabalho urbano livre e industrial, o processo de habitar é utilizado pela burguesia como veículo de transmissão dos novos valores (BLAY, 1985, p. 148).

Figura 25 – Alojamento masculino em Santo Aleixo Fonte: Satie Mizubuti

Assim como os demais aparatos institucionais, o Cine-Recreio que foi

construído em 1947 pela fábrica, que segundo Santos foi o lugar “onde os operários

e suas famílias passaram a assistir aos melhores produtos cinematográficos e a

organizar seus bailes, já tradicionais, animados gratuitamente por um Jazz-band,

mantida pela própria fábrica” (SANTOS R. P., 1957, p. 162-163). Nesse prédio ainda

funcionava o refeitório onde os operários que moravam mais distante das fábricas

faziam as suas refeições.

Figura 26 – Antigo Cine Recreio e refeitório Fonte: Acervo Edson Golinelhi

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Junto ao refeitório foi construído o armazém da fábrica, onde hoje

funciona uma escola, nele os operários podiam adquirir mantimentos e, depois,

tinham o valor dos mesmos descontados no pagamento.

Figura 27 – Antigo Armazém da Fábrica, hoje Escola Municipal Fonte: Acervo Edson Golinelhi

A importância da religião não foi esquecida e havia uma forte relação

entre a fábrica e a igreja católica. A fábrica ajudava na festa anual de Santo Aleixo e

construiu uma gruta para Nossa Senhora de Lourdes, em 1947. Além disso, ajudou

a edificar uma igreja dedicada a São Sebastião. Como nos fala Vianna (2004, p. 16),

“o industrial procurava encarnar a figura de homem religioso e caridoso, não

desprezando ações filantrópicas como testemunhos nesse sentido”.

Figura 28 – Inauguração da gruta de Na Sa. De Lourdes em 1947 Fonte: Acervo Edson Golinelhi

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A fábrica também ajudou a construir o Grupo Escolar Joaquim Leitão,

doando o terreno e também fomentando a escola por um tempo. Sua construção

deve ter se dado no final dos anos de 1940 e/ou início dos anos de 1950, pois em

1954 foi instalado junto ao grupo o Ginásio do Instituto Pedagógico.

Figura 29 – Grupo Escolar Joaquim Leitão Fonte: Magé Terra do Dedo de Deus

Além desses aparatos ainda foram construídos um consultório médico

e um odontológico para o atendimento dos operários e seus familiares. Assim como

foram realizadas várias obras pela direção da fábrica, como iluminação pública,

calçamento, construção de pontes, rede de água e esgoto, entre outros.

Figura 30 – Inauguração da Ponte do Carriça em 1947 Fonte: Acervo Edson Golinelhi

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Praticamente todos os aspectos da vida social do operário passavam

pelo controle da fábrica, este tinha a sua vida vigiada pelo médico, pelo dentista,

pelo padre, pelo treinador de futebol, pelo professor, etc..., Contudo, apesar desses

aparatos se apresentarem como benefícios sociais e elementos legitimadores da

dominação fabril, foram os operários que atribuíram “significado e valor às relações e

ao modo de vida que foi construído cotidianamente no interior das capelas, nas

salas de aula das escolas e nas diversas formas de lazer” (KELLER, 2006 p. 13).

Diante disso, se examinará, a partir dos depoimentos desses operários,

os modos como eles vivenciaram as transformações do lugar. Primeiramente, à

época do fechamento da fábrica, momento singular onde o todo um contrato social

se modificou. Bem como, o que persistiu na memória desses ex-operários sobre a

fábrica, cerca de 30 anos após o encerramento das atividades da mesma, de forma

a mostrar a importância da Fábrica Santo Aleixo para a memória local.

Figura 31 – Operários da Fábrica Santo Aleixo em 1944 durante a Festa do Pano

Fonte: Sonia Maria Gonzaga de Oliveira

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4.2.3 Os difíceis anos de 1979 a 1982: o fechamento da Fábrica Santo Aleixo.

Oliveira S. M. (1992) em sua dissertação, nos apresenta, através de

depoimentos, as dificuldades e os modos como os operários lidaram com o fecha-

mento da Fábrica de Santo Aleixo, no período compreendido entre os anos de 1979 a

1982, momento em que começaram as demissões até o encerramento das atividades.

Através desses depoimentos, Oliveira S. M. (1992, p. 1), fez uma

apresentação do lugar, onde alguns operários denunciam a exploração a que eram

submetidos enquanto outros mostravam uma visão idealizada, os depoimentos

colhidos hoje, como se verá mais adiante, ainda trazem essas duas situações.

Tu ta vendo o Dedo de Deus? Deus andou aqui com um ano. Com um ano de idade, passando por aqui, cortaram-lhe o dedo dele. Botaram o nome d’uma pedra de Dedo de Deus. Nunca mais voltou aqui. Porque aqui desde 1935 a fábrica explora dez por centro das meninas de dezessete, dezesseis anos... Nunca são punido. É apoiado por toda diretoria, e delegacia, e delegado de carreira Tá entendendo? Aqui vale tudo! Tudo pra fazer aquelas montanhas de pano. Aqui compra por cinco vende por cinqüenta, ta entendendo? Comerciante começa... com seis meses eles compra carro do último ano! Tomate eles compra a sessenta cruzeiros em Teresópolis, vende aqui a sessenta o quilo. Compra a sessenta a caixa, ta entendendo? Quer dizer... aqui tem tudo de ruim. (ex-tirador de fiação, ex-varredor de maçaroqueira, ex-ajudante de tecelão, demitido da fábrica por ter liderado greve)

Ali era um matagal, um matagal completo que eu me lembra... Onde é o cinema, onde é a vila. É, depois da ponte. Então quer dizer, que ali defronte à fábrica do outro lado do rio, defronte da fábrica aquilo ali era tudo mato, era brejo, era um brejal ali. Mas então eles (referência aos donos da fábrica) construíram aquela vila ali. Aí fizeram, conforme foram fazendo, foram vindo operário de fora, aquela coisa e tal, e foram organizando a 2ª turma, passaram pra 3ª turma. Aí passaram a tocar a fábrica dia e noite. As casas... Eles davam as casas por preço muito baixinho, sabe? Preço pra operário mesmo. Porque o velho, o velho (referência ao dono da fábrica) era um velho muito legal sabe? Muito bom. Tinha uma... sei lá... Ele tinha uma idéia de fazer isso aqui um lugar pitoresco, né? Ele conversava com a gente... E então ele dizia que os planos dele era as casas. Ele não queria as casas pra negócio não. Ele não queria casa pra ter resultado, pra fazer fortuna em aluguéis de casa, nada disso. As casas ele queria era pros operários, como também ele fez o cinema de fronte da fábrica, o refeitório, tudo aquilo... Tudo aquilo ele fez pra beneficiar o operário: o refeitório pra ter aonde a pessoa... andar comendo nas beira de rio, aquelas coisas, né? Então tinha lá um salão muito bem ampliado, direitinho, né? Mesas, bancos, tudo limpinho ali, com água, banheiro, tudo certinho, né? Ele dizia que queria ver o operário dele, os funcionário dele com conforto. Não queria ver o operário em sacrifício não... Então ele fez aquelas casas, mandou fazer aquelas casas, né? E aquelas casas ele dava ao operário. E daí foi indo... foi indo... (ex-varredor, ex-tirador de canelos, ex-fiandeiro, ex-ajudante de tecelão, ex-tecelão, ex-ajudante de contra-mestre, ex-contra-mestre, mestre aposentado) (OLIVIERA, S. M., 1992, p.1).

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A primeira categoria apresentada como de grande importância é a noção

de família, onde as relações se davam a partir da mediação da “grande família

operária”. Pode-se perceber duas dimensões dessa relação, por um lado se tinha as

relações de parentesco, de amizade, de coabitação nas casas da vila, que formavam

a família do operário. O outro eixo que complementava a noção de uma grande família

era a relação entre o patrão e os operários que parece se “fundar nas noções de

compromisso, lealdade e fidelidade a propósitos estabelecidos entre os postulantes de

um contrato social” (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 39). No depoimento do operário,

O dono da fábrica queria rodar com 3 turmas. Pra isso precisava de mais casa. Não havia condições do operário trabalhar aqui e morar fora. As gentes às vezes moravam em vários lugares. Viajava a pé uma hora pra ta dentro da fábrica. Naquela época tinha umas 120 casas na vila e mais algumas do lado da fábrica. Organizaram então a segunda e a terceira turma pra rodar dia e noite. Fizeram esses, correr de casas novas. Ele (o dono da fábrica) dava a casa por preço muito baixinho. Mas ele tinha tenção de fazer uma Igreja perto da fábrica... e fez, a Igreja ele fez. E também uma ponte pras pessoas passar da fábrica pra Igreja do outro lado do rio. Pensava numa boa creche, um bom posto médico, uma boa loja, um bom barracão pro operário comprar. Não fez tudo isso. Mas ele tinha tudo de bom. Era bom aquele “homem” (ex-varredor, ex-tirador de canelos, ex-fiandeiro, ex-tecelão, ex-contra-mestre, mestre aposentado) (OLIVIERA, S. M., 1992, p.41)

O compromisso, a lealdade para com o patrão, parecia ser ainda maior

da parte de quem recebia uma casa na vila, o que fortalecia os laços entre patrões e

operários. O fato de ser morador da vila também era visto como um privilégio,

mesmo entre os outros trabalhadores da fábrica.

Eu ganhei casa logo que comecei a trabalhar. Era difícil conseguir casa. Mas dependia muito da operaria. Se ela fosse boa trabalhadora, trabalhasse legal, ficasse até mais tarde quando o patrão necessitava... não fosse faltona, sempre conseguia. Pra ganhar casa, muitos tinham que esperar a vez e nem assim ganhavam. Mas eu nunca esperei. Já morei em outra casa aqui, essa é a segunda. (ex-ajudante de bobineira, bobineira) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 42)

Além disso, o desenvolvimento trazido pelas fábricas também era visto

como feito pelo dono na fábrica, reforçando ainda mais os laços de lealdade para com

o patrão, como se percebe pelo depoimento que se segue,

Sou criado aqui, trabalhei na fábrica, não tenho que falar, o lugar é bom. Só que ninguém olha pra gente. O prefeito de Magé, os governos nem quer saber. Antigamente as coisas eram diferentes, sempre se conseguia um progresso. E quando não fosse, numa inauguração essa gente vinha aqui. O velho (o dono da fábrica) sempre tava fazendo coisas, conseguindo coisas pro lugar... Antes dele não tinha asfalto era aquela lameira quando chovia (Mecânico) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 43).

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Quando houve a dispensa dos operários, o vínculo que existia entre a

grande família, composta pelos operários e pelo dono da fábrica, se desfez. De modo

que muitos operários resistiram em procurar empregos fora do distrito, na tentativa de

manter uma identidade social, que só fazia sentido enquanto ele fosse um operário da

Fábrica Santo Aleixo.

A grande família que habita e “faz” o lugar é constituído pelo dono da fábrica e pelos “seus operários” que viviam uma relação cuja lógica se inseria num contrato social que não se queria romper. Na manutenção dessa relação o operário iria também afirmando uma identidade social – a de morador do lugar. Identidade essa cuja reprodução pareceria ter como um dos veios o alcance e a permanência no trabalho da fábrica (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 44).

A noção de família ainda continua nos dias de hoje, é desse modo que

os antigos operários ainda se identificam, como pertencentes a uma grande família

operária, são comuns nos depoimentos declarações como: “era todo mundo

conhecido”; “foi o que restou pra gente... foi as amizades, né”.(Carloto, ex-operário).

Sobre isso apontava Oliveira,

trabalhar na fábrica e pertencer a uma família que residia na vila operária eram vistos como indícios de filiação à Grande Família que morava no lugar. [...] essa filiação se constituía num dos mecanismos de formação e reprodução de uma identidade social que se construía no cotidiano das famílias; no trabalho na fábrica e na moradia na vila operária; nas comemorações anuais; e nas menções a um passado que se fazia presente na memória das antigas famílias de ex-operários (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 50).

Existia uma crença na retomada das atividades da fábrica, uma

expectativa que tudo voltasse ao normal, os boatos e as notícias de uma possível

retomada dos trabalhos na fábrica corriam rapidamente através das redes de

informações familiares. Se a notícia partisse de pessoas próximas aos donos da

fábrica, que nessa época eram os filhos do falecido Othon Lynch Bezerra de Mello,

mais verdadeira ela se tornava como mostra esse depoimento,

Hoje corria lá no bar... o rapaz que trabalha lá me falou: olha seu Antonio a coisa vai melhorar, foi falado pelo seu Nelson que é homem lá de dentro do escritório da fábrica. Vai reabrir, vai tudo voltar ao normal. O pessoal já está comentando. Dizem que aqueles homens que vieram são de uma firma. A firma é muito boa, talvez melhore o lugar. É isso moça... o dono da fábrica também quando veio foi assim, fez muita coisa, depois tudo parou (ex-ajudante de tecelão, ex-tecelão, ex-ajudante de contra-mestre, ex-contra-mestre, contra-mestre aposentado) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 48).

Durante esse “tempo de espera” o operário “vivia a paralisação da

fábrica como uma ameaça a sua identidade social”. (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 52)

Por isso, ele criou formas de resistência, além de não procurar emprego fora de Santo

Aleixo, ele também buscava rendimentos em trabalhos informais, sem vínculo

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empregatício, tais como tirar areia do rio para vender às empreiteiras de construção

civil nas regiões vizinhas; trabalhar por empreitadas nas construções de veraneio em

locais próximos ao distrito; colher plantas ornamentais nas encostas montanhosas de

Santo Aleixo para depois vendê-las as margens da BR 116 (Rio-Teresópolis); a venda

de produtos hortifrutigranjeiros das “rocinhas” que serviam para o consumo das

famílias, entre outras atividades que pudessem garantir a sobrevivência da família e o

pagamento dos aluguéis das casas da vila.

Outra grande preocupação dos operários era com o destino das casas

da vila operária. As casas eram consideradas como um benefício concedido pelo

patrão ou “dadas” como explica Oliveira,

Antes da desativação da fábrica o aluguel era suposto na rubrica “descontos gerais” que constava nos envelopes25, que os operários recebiam mensalmente. Essa despesa embora especificada em contrato anualmente renovado não era veiculada pelo discurso dos operários – o pagamento da moradia era, de certa forma, naturalizado, a casa era “dada” na medida em que era um dos aspectos constitutivos da relação patrão-operário. A naturalização do aluguel pelos operários, assim como dos demais aspectos que formavam a relação com o patrão, era reforçada pela própria direção da fábrica, ao diluir essa despesa no conjunto de descontos feitos no salário dos operários. (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 53)

Essas tentativas de permanência no lugar podiam ser percebidas, não

só nas estratégias de sobrevivência, como nos esforços para o pagamento dos

aluguéis das casas. Esses esforços fizeram acionar ainda os políticos locais para que

advogassem junto ao Estado e ao Governo Federal, chamando-os a se

responsabilizar pela reabertura da fábrica, como se pode ver no seguinte depoimento,

A Fábrica Velha dizem por aí, foi vendida para uns japoneses da US STOP. Eles querem a fábrica vazia, sem operários... As casas ainda não se sabe o que vai acontecer com as casas, só na hora da quitação se irá saber. Fala-se que pagando direitinho todo mês eles tomarão as casas... Já foram (os operários) em comissão falar com os deputados. Os assessores do José Eudes (Deputado Federal/PT) já tiveram aqui. Reuni todo mundo. No sábado virão a Heloneida e o Alves de Brito. (referência a Heloneida Studart e José Alves de Brito, ambos deputados federais/PMDB) (ex-tirador de maçaroqueira, tecelão) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 54).

A direção da fábrica adotou uma estratégia de fechamento gradual,

assim como a durante o período de sua implantação. Uma vez que ela podia

“explorar todas as possibilidades e formas de controle, organizando o espaço

público, além de esquadrinhar e mapear a privacidade dos operários e de suas

25 “O salário que cada operário recebia mensalmente era entregue dentro de um envelope, onde por fora vinha a identificação do destinatário, às vezes a sua função, a remuneração a que tinha direito e os respectivos descontos” (OLIVEIRA, S. M., 1992, p.92).

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famílias”. (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 57) Nesse depoimento pode se perceber as

regras de desativação gradual feita pela direção da fábrica,

O pessoal foi dividido em duas turmas. Primeiro eles (o gerente e o encarregado da Fábrica Velha) falaram com os que ficaram. Depois falaram com a gente, sem deixar nenhuma esperança de quando viesse a rodar de novo. Vieram todos embora. E aqueles que não saíram também vieram, pra pegar num turno só. As pessoas começaram a sair no dia 10 (agosto de 1979). Primeiro saíram de 3 em 3, depois aos grupos. Começaram dispensando a 3ª turma. Os que ficaram só estariam até terminar o material. A gente... a gente não perguntou nada, nem pelas casas. Isso vai ser tratado quando for assinar o aviso... Mas, desde que as pessoas paguem podem ficar nas casas, né (ex-tirador de maçaroqueira, tecelão) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 57).

A princípio alguns setores foram sendo desativados, às vezes

chegavam a readmitir alguns funcionários, já que a fábrica dispunha de um exercito

de operários de prontidão e a disposição, situação produzida pela subordinação em

que se encontravam.

Infelizmente os homens (os operários) ainda perdem a fábrica com a seção de algodão trabalhando... Quer dizer que, praticamente, não pode dizer que a fábrica parou porque a seção de algodão ta trabalhando. Quer dizer que eles (os donos da fábrica) podem ir levando a vida assim: Fazendo fio, vendendo fio... mas o que resolve é a tecelagem né?. É que aí (na fábrica) tem tecelagem, tem tinturaria, acabamento. Tudo, né? Todo esse pessoal deixaram de trabalhar. E por enquanto ta tudo aí ainda. Todas as máquinas (contra-mestre, ex-delegado sindical da Fábrica Velha) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 57-58, grifos do autor).

A dominação através dos aparatos institucionais podia ser percebida

através dos discursos articulados pelo presidente do sindicato, este falava em nome

do dono da fábrica e procurava passar a imagem de que tudo voltaria a funcionar.

Fui falar com seu Arthur, dono da fábrica. Ele disse que o motivo da demissão foi o alto índice de estoque. Estavam trabalhando com fio de nylon que não tem no mercado. Mas a situação vai se normalizar... Foi melhor para os operários saírem agora quando a fábrica pode pagar a indenização totalmente. Ele me disse que durante dois anos ele não vai mexer nas casas (presidente do Sindicato de Trabalhadores Têxteis em Santo Aleixo) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 59).

No entanto, para muitos o sindicato não tinha muita credibilidade, sem a

mesma força que possuía na época de Astério do Santos, figura mítica sempre

invocada como um exemplo de um líder sindical que lutou pelos direitos dos

operários. Como pode se perceber na fala de um ex-delegado sindical,

O Sindicato existe há muito tempo. Muito tempo mesmo. Então... Depois com o esforço da diretoria que o Astério dos Santos era presidente, aí que isso foi indo. Foi indo... foi indo. Conseguiram fazer aquela sede. E foi daí pra cá que o Sindicato evoluiu, né? Ele funcionava ali (indica uma casa onde era a antiga sede). Depois então é que fez aquela sede. Igual a Astério nunca teve presidente não: Eu acredito que nunca teve e nunca terá, sabe? Ele foi um

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grande presidente mesmo... Que ele era um sujeito muito honesto, muito enérgico. Não tem ninguém pra continuar o trabalho dele... Ainda há esse fracasso da fábrica aí, né? Aí, por exemplo: Tinha um rapaz que ia se candidatar, mas a fábrica parou. Faliu. Quer dizer que ele foi embora, saiu da fábrica. Quer dizer que agora, essa eleição foi uma eleição que... praticamente sem interesse de uma parte e de outra. É que tinha que haver mudança, né? Esse rapaz (o que iria se candidatar à presidência do Sindicato) ta trabalhando, no Rio. A família dele ta aí ainda. Mas ele ta trabalhando fora, que não tinha jeito de ficar aí. Ele era contra-mestre de tecelagem, a tecelagem parou. Mas, de formas que tá uma situação ruim. Apesar de que esse rapaz que é presidente não é má pessoa. Mas não é uma pessoa de certo punho né? Conforme precisa ter. Pois é! É muito parado. Quer dizer que... ficou o mesmo (contra mestre, ex-delegado sindical na Fábrica Velha) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 59-60).

Cada vez mais os operários começavam a perceber que o fechamento

seria definitivo, principalmente com a desativação de vários dos aparatos

institucionais como o fechamento do Clube Social, onde só aconteciam poucas

partidas de futebol. Além da desativação do Barracão e do Posto Médico. Sendo que

a principal preocupação era o destino das casas da vila operária, pois a direção da

fábrica mantinha sigilo absoluto sobre suas intenções.

... As pessoas foram perguntar ao seu I. (encarregado geral da fábrica) como vai ser a venda das casas. A funcionária que fica na loja (Loja da Fábrica, atualmente desativada) tomando o nome das pessoas, só pergunta se a pessoa vai ficar com a casa em que está ou se quer comprar outra. Seu I. disse que não sabe de nada. Só no fim do ano pode dar uma explicação (fim de 80). Só depois que os Othon resolverem o caso de Curvelo (Município de Minas Gerais) é que tratariam de Santo Aleixo (bobineira) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p.63).

Os operários passaram a buscar explicações que legitimassem a sua

posse das casas. Questionavam, por exemplo, a legalidade da posse da terra pelo

Grupo Othon,

... Não vou entregar a casa. Vou continuar a pagar o aluguel. Pode acontecer o que aconteceu em Pau-Grande, as pessoas ficaram com as casas. Eles não podem vender porque o terreno é do governo. Eles não têm escritura. Dizem que isso é problema de herança nessas terras. Seu Arthur (dono da fábrica) tem que comprar parte de todos os herdeiros e então ficar dono (ex-servente, bobineira) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 64).

Outro questionamento era sobre a condição de quase proprietário, pelo

desconto compulsório subtraído do salário todos os meses durante vários anos.

Pagamento mais do que justo sobre um investimento parcial, já que parte fora

subsidiado pelo Governo Federal.

Você tem 12 filhos, compreende? E você sozinho trabalhando... E então não dá mesmo. Então você emprega os filhos na fábrica. Ai então... de forma que a vida decorreu... tá melhorando de um modo e piorando do outro. Mas do jeito que nós estamos é despejo! Trabalhou tudo! O tempo todo! Eu não digo já da lei da casa própria que eu não tiro do patrão. Mas pelo tempo que nos viemos pagando essas casas, elas não ficam numa mixaria. Das casas, eu tenho os

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detalhes aí... Essas casas não ficou nuns trezentos cruzeiros cada uma em 1941. Tudo dinheiro do governo, dinheiro do IAPI (tecelão aposentado) (OLIVIERA, S. M., 1992, p.65).

A situação só ficou definida em 1982, quando a Fábrica comunicou aos

moradores que venderia as casas. Os operários que desejassem poderiam comprar

ou devolver as casas, desde que tivessem os aluguéis quitados. Aqueles que

estivessem em atraso deveriam regularizar sua situação ou desocupar as casas.

Pode-se ressaltar ainda que as redes de solidariedade entre os operários

ajudou na assistência às famílias desempregadas pela fábrica. As doações recebidas

através de órgãos governamentais, ou das igrejas locais ou mesmo com os donativos

enviados de outros distritos, eram distribuídos de acordo com os critérios estabelecidos

pelos próprios operários.

Essa campanha da Fundação (Fundação Leão XIII) tem que fazer uma pesquisa antes. Tem que fazer uma pesquisa nas famílias... É importante. Uma pesquisa da seguinte forma: saber se tem alguém trabalhando; quem tem salário; quem não tem. Quem tem algum salário já tapeia, né? Tem que saber das pessoas que tão desempregadas e que não tem nada mesmo [...] (ajudante de contra-mestre aposentado) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 67).

Alguns operários buscavam empregos em outras fábricas, “alternativa

que ganhava legitimidade ao garantir a manutenção e reprodução da condição de

operário têxtil, pertencente a uma comunidade de trabalhadores fabris.” (OLIVEIRA,

S. M., 1992, p. 70) Muitos desses empregos foram conseguidos através das redes

de amizade, afinidades sempre acionadas em momentos de dificuldade.

Já tentei trabalho em fábrica lá em Bonsucesso, mas não tem condução, a passagem fica muito caro. Vou tentar lá em cima pra ver (referência a Fábrica Têxtil em Andorinhas, ao lado de Santo Aleixo). Eu tinha loucura que essa abrisse (a Fábrica Velha). Aqui a gente está acostumada com as pessoas, com as máquinas. A gente está acostumada aqui. Está fábrica tirou nós do inferno e botou no céu. Em vista do que eu vivia, trabalhando em fazenda... Não tinha direito a nada. As crianças ficavam doente, tinha que correr pra Magé. Aqui o lugar é muito bom, são tudo uma família. Muito bom, gente legal. Tem muito lugar que um quer comer o olho do outro. Aqui um ajuda o outro. Essa aqui, (indicando uma vizinha que acompanhava a conversa) num instante arrumou uma bolsa de comida pra mim e pros meus filhos quando a fábrica fechou (ex-servente, bobineira). (OLIVEIRA, S. M., 1992, p.66).

No entanto, as demissões acarretaram uma desestruturação nas

relações de sentido construídas na localidade, nessas relações de vizinhança e de

amizade. Na fala da tecelã, “Os vizinhos tá na mesma, a gente nem se fala. É aquela

tristeza porque a fábrica está parando de rodar. É tudo um bando de família triste. (ex-

servente, ex-ajudante de tecelã – tecelã)“. No dizer dos operários “agora tudo parou”.

(OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 45-56) A fábrica não voltou a funcionar, mas acabou

convertida em lavanderia pelo próprio Grupo Othon.

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Os operários, agora sem a tutela da fábrica, começavam a enfrentar os

problemas como moradores do lugar, com as “obrigações, compromissos e dívidas

próprias da vida anterior” (Oliveira, S. M., 1992, p. 78), entre eles a falta d’água.

Desde há 6 anos os operários pagavam água. A água estava escondida nos descontos da Fábrica. Só que a Fábrica nunca pagou a CEDAE. Agora, a gente deixa todos esses anos pra CEDAE. Pra fazer o requerimento tem que pagar Cr$ 1.500,00. A Fábrica colocou uns vigia na caixa dela. Agora eles podem controlar melhor a água deles. Eles sempre controlavam. Eles já sabiam de que hora em hora havia água. Agora nós tamos sem água, porque a CEDAE manda toda água pra Magé. Imagine que absurdo! Tanto riacho, o rio, tantos olhos d’água por aqui. É só colocar uns canos. Mas eles (funcionários da CEDAE) não fazem nada! (ex-bobineira, tecelã) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 78-79).

Os operários reagiram de diferentes maneiras a esse longo período de

desemprego e essa nova condição, alguns, como se viu, resistiram procurando

formas de permanecer no lugar, outros se retraíram, buscando um refúgio na

religião. Muitos resolveram voltar aos seus lugares de origem e aqueles que não

conseguiram enquadrar-se em outras atividades acabaram no alcoolismo.

Atualmente em Santo Aleixo as pessoas se entregam à religião e à bebida. Não há escapatória. Tem muitos ex-companheiros (de militância política) que só vive na Igreja Batista, na Assembléia de Deus. A. M. foi muito combativo, é uma boa pessoa pra conversar. Mas hoje, depois que a fábrica fechou só quer saber de beber (ex-operário, liderança política na região) (OLIVEIRA, S. M., 1992, p. 79).

Por fim, pretendeu-se mostrar através desses relatos a importância que

a fábrica tinha na vida das pessoas enquanto

[...] princípio organizador da vida. Assim sendo, o fechamento da fábrica vai significar a “privação” da vida pela ausência de rotinas, compromissos, obrigações e direitos que informavam as relações sociais entre indivíduos e grupos de indivíduos (famílias, por exemplo), garantindo sua reprodução social (OLIVEIRA, S. M., 1992, p.55).

Desde então se passaram quase trinta anos do fechamento da fábrica,

através dos depoimentos de ex-operários se verá o quanto a fábrica ainda é importante

para memória das pessoas, justificando desse modo sua indicação enquanto patrimônio

industrial.

4.3 A FÁBRICA PELOS SEUS OPERÁRIOS: O QUE FICOU NA MEMÓRIA

Trata-se nesse momento de uma análise quantitativa, optando-se pelo

método hermenêutico-dialético, tenta-se uma interpretação - mesmo após quase

trintas anos de fechamento da fábrica - da importância que esta imprimiu na vida das

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pessoas. Busca-se interpretar a fala no contexto onde ela foi produzida, juntamente

com a análise e a reflexão feitas a partir da experiência em campo.

Partindo dos dados sistematizados, juntamente com os relatos, pode-

se dividir o grupo em dois grandes blocos de análise: os donos da fábrica e os

operários. Nesse momento, se privilegiará a fala dos operários, uma vez que acerca

do primeiro grupo já foram feitas referências sobre as transformações que estes

acarretaram em Santo Aleixo.

Os aspectos pesquisados foram acerca do lugar, sobre a forma como

eram tratados os operários, de que maneira eram vistos os aparatos institucionais

patrocinados pela fábrica e o que representou o fechamento desta para a vida desses

ex-operários.

No primeiro momento, os antigos operários fizeram uma apresentação

do lugar, alguns operários falaram sobre a exploração a que eram submetidos e

outros mostravam uma visão mais nostálgica sobre os “bons tempos” onde existia

uma grande oferta de emprego e melhores condições de vida.

Santo Aleixo era um lugar animado...um lugar que... gerava muito emprego né... as fábricas.... as duas fábricas gerava muito emprego na época... era um lugar animado não tinha... o comércio também era pequeno... mas era... assim muito bom... as pessoas né... tudo ali em Santo Aleixo e Andorinhas girava em torno da economia das duas fábricas né... era emprego para as crianças assim... entrava com quatorze anos e trabalha até aponsenta...muita gente em Santo Aleixo e Andorinhas aposentou novo porque entrou trabalhando ali aos quatorze anos... os empregos que gerava ali era fonte de economia dos moradores de Santo Aleixo, Andorinhas e outros bairros também...como aqui em Jardim Esmeralda que eu morava aqui... as pessoas vinham de Magé trabalhar... de outros lugares...trabalhava ali também... é... Santo Aleixo e Andorinhas... quando a pessoa desempregava aqui já sabia que tinha emprego certo em Andorinhas... às vezes quando não tinha aqui... iam para outras fábricas que era ou Teresópolis né, Sudantec... ou Taquara... ou Niterói que tinha uma também... não lembro o nome... empregava as pessoas quando desempregava daqui ia para outro lado... (CARLOTO, 57 anos, ex-operário).

Era assim muito humilde sabe.... era assim um movimento assim regular... porque era as fábricas que faziam o movimento né... as fábrica... a Bezerra de Mello que é considerada a fábrica mais velha do Brasil os donos são Pernambucano... os antigo dono... então... tinha o apelido de Bezerra de Mello... porque uma das fábrica mais velha de tecido do Brasil... então apelidaram por fábrica velha... [...] tinha uma época na Bezerra de Mello ali... aproximou de seis mil operários... só a Bezerra de Mello... tinha três turnos... quando dava dez e quinze... Pooommm [apito da fábrica]... se via sair de três portões gente igual formiga sabe... quarenta minutos só para almoçar... [...] que nesse quase seis mil operários... só quem tinha um salarinho mais ou menos eram os mestres... mestres e contra-mestres... mas o tecelão... que era uma sessãozinha regular né... umas das mais regulares de toda a fábrica... tecelão... oficina tinha um salarinho mais ou menos... mas o restante... a turma externa por exemplo... eu trabalhei

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muitíssimo anos... com uma responsabilidade medonha ganhando um salário mínimo... eu... se eu quisesse... como eu sempre quis e quero ainda... trabalho até nos dias de hoje... eu tinha que todo serão possível fazer... pra acrescentar um pouquinho mais... tirando disso... não fizesse serão nenhum... fosse nos dias de hoje... quatrocentos e uns quebrado... era o salário... o mínimo né... então... uma fábrica que rendia um monte de dinheiro na época né... podia ter um melhor salário... mas o pessoal sempre foi muito explorado... em quase tudo... não tinha facilidade com saúde... médico essas coisas... caísse doente... eu não te falei agora mesmo... se alguém... adoecesse lá... o médico muitas das vezes ... ahhh isso não é nada não... o cara voltava pra trabalhar caia morto... muitos morria lá na máquina... significa o seguinte... a escravidão acabou à muitos anos mas por outro lado ainda permanece... (SANTOS, 71 anos, ex-operário).

É interessante ressaltar que apenas um dos entrevistados expressou

com muita mágoa a questão da exploração, como se pode observar nos trechos. Os

demais viam os baixos salários como uma condição natural dentro do quadro

industrial brasileiro.

então a fábrica era uma exploradeira terrível... todas as duas... [...] era um movimento terrível na época... muitos... muitos lembra até hoje com tristeza né... aquela fábrica... hoje ta só aquele pedacim de lavanderia ali né... o resto da fábrica ta isolada... criou até árvore lá enci... naquele lugar que nos cercava as telhas sabe.. [...] Com toda esse roubalheira... foi uma... uma lástima... porque quem ganha salário... um salário mínimo para manter família... é muito triste... e ser não ganhar nada?... Um modo de dizer né... era assim... com toda a roubalheira... que essas covardia toda, essa lambança toda... ainda era muito bom pro o lugar... Santo Aleixo quando todas essas três fábricas que... fecharam a pouco tempo... (SANTOS, 71 anos, ex-operário).

Olha... acha que explorava não... que cada um tinha que dá conta do seu serviço né... se o seu serviço é aquele ali tinha que dá conta... ela explorava... elas podia explorar que pagava pouco... mas o salário era aquele... na época era tudo assim... não era só ela que pagava... todas as fábricas de tecido na época era assim... era... tipo... tipo assim uma meia escravidão... que ela fazia o que queria... entendeu... ela... que... eu quando entrei na fábrica o meu salário mínimo era meio salário mínimo... (OLIVEIRA, 62 anos, ex-operário).

Como se assinalou antes, a noção de família ainda continua sendo muito

relatada, os dois depoimentos abaixo revelam como era pertencer a essa grande

família operária. Entretanto, quanto às redes de relações, não se pode afirmar se

continuam tendo a mesma força que na época do funcionamento da fábrica, uma vez

que não foram apontadas durante os relatos. É provável que essas redes estejam

restritas a grupos, tais como os religiosos.

Era todo mundo conhecido... gente conhecia todo mundo... era praticamente... era todo mundo daqui... então se conhecia todo mundo... era feito igual ta trabalhando numa... tudo irmão... tudo parente... (OLIVEIRA, 62 anos, ex-operário).

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... onde você olha o povo de Santo Aleixo... vc olha que eles são... praticamente família... vem pocas pessoas de fora... mas vc não vê... assim uma... uma... assim um... uma coisa... grave... dentro de Santo Aleixo não... raramente quando aparece um baderneiro... mas... o mais é só de família... todo mundo se conhece... muito bem... (XAVIER, 53 anos, ex-operário).

Quanto aos aparatos institucionais, também se pode notar que alguns

tinham uma visão mais idealizada, enquanto outros falam sobre a ótica da exploração.

Os relatos abaixo mostram as duas visões acerca do atendimento médico.

Recebia... assistência médica na fábrica... médica e odontológica... E quando um trabalhador se machucava... recebia assistência... na minha época eu fiquei... eu me acidentei na fábrica... na fábrica... [Othon] até tenho o dedo meio aleijado até hoje... fiquei parece que noventa e quatro dias... e eu... naquela época o INPS pagou tudo... os meus direitos e... me deu até os direito da hora extra que eu ganhava... ele... foi pago... foi remunerado... só no INPS.... só na... a respeito da indenização aqui que me enrolaram... recebi lá uma mixaria qualquer e ficou por isso mesmo... (CARLOTO, 57 anos, ex-operário).

[...] se vê a ladroagem como é que é heim... tinha uma... uma... como é que chama... muitos fala maca... mas é uma cama que carrega as pessoas... tinha uma turma lá preparada pra aquilo... vinha quatro puxa saco da fábrica... podia saber que o cara tinha morrido ali... levava para o posto... e tudo que tirava... [...] assim alguns metros retirado do portão... tudo que saísse, pela lei... saísse do portão pro posto... a Fabrica já tirava a responsabilidade da Fábrica pagar a vida da pessoa... ela nunca pagou uma vida ali... morreu diversos... entendeu a jogada? [...] Alguém podia falar assim... ahhh não esse aí ta morto... viu o cara... procurou o pulso nada... ta morto... ahhh mais é ordem levar para o posto... levava para o posto lá... e fazia uma média lá... nunca pagou uma vida... um rapaz caiu da escada... era vizinho nosso também... o irmão dele mora até lá perto é pedreiro também... tava numa escada muito alta... porque uma parte da fábrica lá é um pouquinho alta né... e assim na pirambeira fica mais alta ainda... o rapaz coitado... sei lá... não fez as coisas direito... não esperava que a escada desse aquela surpresa... falseou o pé... bateu lá no chão... no lugar que bateu ficou... mortinho... correram com a maca... levaram para o posto... não pagaram um centavo da vida também do rapaz... eu vi várias coisa... esses quatro e poucos que eu trabalhei lá... eu vi várias coisas... aí meu finado irmão falava.. isso aí é combinado... tem sujeira isso aí... tinha uns cara que ganha... ganha até um pouco pra fazer esse tipo de coisa... tinha maca... qualquer coisinha vem bota na maca e leva para o posto... isso é o... um passo pra fora do portão não tem ninguém pra pagar... era assim que eles faziam... (SANTOS, 71 anos, ex-operário).

O armazém foi apontado como elemento facilitador, uma vez que era

possível fazer compras e obter crédito, que posteriormente seriam descontados em

folha. Entretanto, em matérias de jornal da época o armazém da fábrica sofria severas

críticas, tanto pelos preços que praticava quanto pela qualidade dos alimentos26.

Apesar de não ter um tom de crítica o relato abaixo ilustra bem a questão da

exploração feita pelo armazém da fábrica. 26 Em matéria publicada no Jornal Imprensa Popular sobre o subtítulo: Exploração no Armazém dizia o seguinte: “O Armazém pertencente à fábrica cobra preços em muitos casos maiores que os do comércio. E pior que isso: não da direito a troca da mercadoria por mais deteriorada que esteja.” (1953, p.2). Para mais detalhes ver jornais em anexo.

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[...] era onde é o colégio hoje... [Colégio Ruth Taldo França] cortaram aqueles... acho que é marquise aquela bobagem assim né... deram um jeito de tirar aquela bobagem... ai... aquilo ali era a cooperativa... a cooperativa era um armazém grande da fábrica né... [...] fazia uma compra grande... tinha uma família por exemplo... fazia uma compra pra duas semanas por exemplo... aí aquelas notas ia para o escritório... tinha algum que quando recebia... dia de pagamento... recebia riscado, zerado... não tinha nada para receber... meu finado sogro era um... aconteceu várias vezes... família grande... ele queria comer muito né... o que ele recebia lá como carpinteiro... quantas vezes ele recebeu o... o cheque... o contra cheque de compra... em vez de ser saldo ele tava devendo na fábrica... (SANTOS, 71 anos, ex-operário).

Em relação à vida social existe um consenso sobre o financiamento

feito pelos donos da fábrica aos diversos setores de lazer e religioso. O antigo Cine-

Recreio funcionava no mesmo prédio onde os operários faziam as refeições,

servindo ainda para os bailes promovidos pela fábrica.

Ahhh os bailes eram muito bom... eram um baile que tinha os Fevers, Lafayete é... Painel de Controle... essas bandas aí eram muito boa... enchia muito... era muito... mas não tinha briga, não tinha confusão... raramente saia uma bobagenzinha... uma brigazinha... mas era muito... mas era... iam famílias né... participavam dos bailes... compravam mesas e ficavam lá assistindo baile a noite toda... tinha esse negócio não... hoje não se pode ir... que esse negócio de Funk aí virou uma bagunça né... mas naquela época era muito bom... (CARLOTO, 57 anos, ex-operário).

Conheci... fui muito cinema... a fábrica que fez o cinema né... fez... comprou os maquinários todos... aí cobrava o... cobrava... eles cobrava pra gente ir... ingresso... ia lá pagava... e ia... (OLIVEIRA, 62 anos, ex-operário).

... o refeitório... [...] ... era o antigo cinema... tudo ali mesmo... agora é o tal do vinte e quatro horas... [Posto de Saúde]... só vai mudando de nome mas o prédio era o mesmo... o negócio era o seguinte... ali as pessoas traziam a marmita de casa... mas a maioria... ali era o lugar apropriado pra gente almoçar... o segundo turno jantar né... um lugar de fazer lanche... ali é um lugar especial pra fazer lanche... (SANTOS, 71 anos, ex-operário).

As mesmas afirmações foram feitas em relação ao auxílio ao time do

Guarany, patrocinada pela Fábrica de Santo Aleixo. Assim como a assistência

religiosa onde a fábrica além de ajudar nas festas de Santo Aleixo, construiu a

capela para Nossa Senhora de Lourdes e a Igreja de São Sebastião, aproveitando o

forte espírito religioso dos moradores, como se percebe nos relatos abaixo.

Todas... tanto essa como a outra...[refere-se a igreja de Santo Aleixo] aquela igreja de São Sebastião... praticamente ela.. você conhece a igreja de São Sebastião? Quem fez... aquilo ali eu acompanhei porque eu morava no morro da Caixa D’água na época... aquilo ali do... do chão até lá foi a fábrica de Santo Aleixo que fez... (OLIVEIRA, 62 anos, ex-operário).

Sim ela dava um pouco assistência né... por exemplo, o Guarany que é o time principal de lá... o uniforme deles é vermelho... o Guarany... a fábrica ajudava né... com o antigo... com o campo ali... manter o clube... e tinha a sede do Guarany... que é na mesma rua... a rua Guarany... atrás do campo... tinha a sedezinha... meia baforete... mas tinha... [...] agora a fábrica fechou e o

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campo ficou um pouco... deserdado como diz o ditado né... éé... cinema muito tempo que não tem... baile praticamente não existe mais... carnaval pra não ficar em branco eles brinca... eles homenageia o diabo ali na sede do Guarany pulando... (SANTOS, 71 anos, ex-operário).

A educação também foi promovida pela fábrica, a construção do

colégio foi feita em terras doadas pelos donos da fábrica para atender aos filhos dos

operários. Não foram encontrados dados sobre o tipo de apoio oferecido pela

fábrica. No entanto, o colégio era muito valorizado pelos operários.

...ela apoiaram muito o pessoal principalmente os filhos... dos trabalhadores com a escola né... porque na época... o Joaquim Leitão mesmo... esse homi era doutor né... doutor Joaquim... então o Amaral Peixoto mandou na época o Valdemar Lima Teixeira construí três colégio igual aquele... bom aquele eu sei que tá ali os outros eu não sei onde ta... (risos)... se foi construído em Guapi... Piabetá... eu não sei... daquela forma eu só vejo aquele ali... então eu não posso dize muita coisa... mas... foi construído... para os trabalhadores... os filhos dos trabalhadores... Joaquim Leitão... na época... NA ÉPOCA... era um colégio que ele... ele tinha uma validadeeee... como se fosse uma faculdade hoje né... ele tinha curso de francês... tinha curso de biologia... [...] enfim... era um colégio de alta classe... no passado... [...] línguas... francesa principalmente... (XAVIER, 53 anos, ex-operário).

A respeito da vila operária, nenhum dos entrevistados morou nas casas

construídas pela fábrica. Sobre as casas de vila é interessante o relato do Sr. Ildes

Magalhães,27

G: A vila operária, como o pessoal que foi morara lá fazia? O que o senhor conhece sobre isso?*

I: Eu tenho um documento que dava a lista das propriedades adquiridas pelos Bezerra de Mello. Relacionava os galpões, o maquinário e as casas das residências dos operários. Agora, tinha muita casa muito rústica, casa de madeira que os Bezerra de Mello primeira coisa construíram sobre pelotis que também botaram abaixo e construíram de alvenaria. E depois construíram mais cerca de 240, 250 casas que é a atual chamada vila operária. Essa sim foi construída toda pelos Bezerra de Mello. Só havia uma turma. Eles apanharam a fábrica no auge da guerra, a Europa, os Estados Unidos todo mundo só cuidando de produtos para a guerra, então a fábrica dos Bezerra de Mello exportou muito. Exportamos para a África do Norte. Faturamos, eu faturei, eu fiz o faturamento também. Faturamos para a África do Sul, Jhonesburg, faturamos para os países da América do Sul, Bolívia e Paraguai vendemos muito. Faturamos para o norte da África, teve um país árabe que comprou muito tecido nosso. :E depois que acabou a guerra, a Europa e os Estados Unidos começaram outra vez a voltar a sua produção para as suas necessidades domésticas, que é a fabricação de tecido, ai nossa exportação de tecido para esta área acabou, e voltamos para o comércio interno.

I: Eu morava, eu podia dizer que morava na vila operária porque eu morava em casa da companhia. Todas as casas da empresa eram chamadas de vila operária, todas as casas da empresa. Agora, tinha a graduação: tinha o

27 Entrevista concedida a Geilson Sena Marins em seu trabalho intitulado: Fábrica de Santo Aleixo: Fundação em 1848 e Memória da Vila Operária no Século XX, Trabalho de Conclusão de Curso - Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.

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gerente que morava ali, o chefe de seção que morava ali e tinha o trabalhador braçal que morava ali. Uma casa melhor, outra casa mais modesta, mas todas com água encanada, cimentada, banheiro dentro da casa.

G: Tinha alguma espécie de pagamento por essas casas ou eram gratuitas?

I: Tinha um pagamento simbólico. Porque afinal a companhia não alugava a terceiros, alugava exclusivamente para os empregados e não ia cobrar um valor cobrado pelo povo de um geral. Cobrava uma quantidade simbólica, digamos hoje cobria R$ 10,00. Na proporção eu diria que hoje se cobraria R$ 10,00 pelo uso da casa. Agora a companhia também fazia a manutenção: uma telha quebrou, mandava lá consertar, um caibro deu cupim mandava lá trocar (MARINS, 2006, p. 58-71).

Um dos entrevistados relatou suas tentativas em conseguir uma casa

de vila, a obtenção da moradia era vista como um privilégio, pois a casa era

oferecida a um preço simbólico, como um benefício concedido pelo dono da fábrica,

ou no dizer dos operários: a fábrica “dava” as casas para os operários morarem.

... aquela vila... pelo que eu sei foi construída assim quando veio a fábrica eles construíram para trazer pessoas do nordeste pra cá... de outros estados pra dar condição de moradia... pessoas que sabiam trabalhar em outros estados... então dava moradia aquelas pessoas vinham... e ficavam trabalhando aí... e os contra-mestres já tinham uma casa melhor né... já era construída uma casa assim com mais condição... Para conseguir uma casa... a gente chegava lá... no escritório... já tinha uma pessoa lá no... departamento pessoal que atendia... esse... esse... essas pessoas... que nesse caso de casa né... ii colocava na na... fila né... quando desocupava... Tinha uma fila de espera... Encaixa... tinha a fila né que... não tem fulano, cicrano na frente... então era assim... é como hoje em dia... é tudo as coisas são assim... é uma fila... você tem que respeitar... Eu por exemplo nunca consegui uma casa... quando teve a enchente eu fui lá falar com o gerente pra ver se conseguia uma casa... a que eles me ofereceram não tinha condições... (CARLOTO, 57 anos, ex-operário).

É importante ressaltar que o oferecimento da moradia tinha como

finalidade atrair essa força de trabalho que a empresa necessitava, além de garantir

seu controle e a sua reprodução. A questão do despejo, uma das principais preocu-

pações do operário quando do fechamento da fábrica, já foi abordado anteriormente.

Entre as demissões em massa e o fechamento definitivo os operários

esperavam que tudo voltasse ao normal. É interessante ressaltar, que mesmo hoje, as

notícias de uma possível reabertura da fábrica ainda causam burburinho entre os

moradores, servindo também como plataforma eleitoral.

Da fábrica restou apenas o prédio imenso, onde uma pequena parte funciona a lavanderia central dos hotéis Othon, do grupo empresarial Othon Bezerra de Mello, que controlava a indústria. As máquinas e os teares, não mais existem; foram vendidos para outras empresas do ramo que conseguiram driblar a crise, vencer as dificuldades, sorte que não teve a população de Santo Aleixo e Andorinhas, que ficou desempregada, e muito mais que isso: desolada com o silenciar dos teares que contavam a própria historia, não só do Segundo Distrito, mas de todo o município de Magé. A reabertura da fábrica está sendo proposta ao Governo estadual pelo deputado José Barbosa Porto (PDT), que

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nos próximos dias entregará ao Governador Leonel Brizola a reivindicação de mais de 10 anos dos moradores de Santo Aleixo e Andorinhas, ansiosos para ouvirem novamente o som operário de uma indústria que foi escola, formando muitos líderes trabalhistas e sendo a mola mestra da economia local (Jornal O Povo na Rua, 1991, p. 14).

Além das influências já mencionadas, as lutas dos operários são de

grande importância na história do distrito. A participação do sindicato mostra fases

de avanços e recuos, oficialmente o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de

Fiação e Tecelagem de Santo Aleixo e Magé só foi criado em 1941, embora o

movimento sindical tenha se iniciado por volta de 1919. Durante a Revolução de

1964 o distrito foi cercado várias vezes pela polícia e oficiais do exercito a procura

dos comunistas, muitos dos ex-operários lembram-se dos espancamentos, das

prisões arbitrárias, mas principalmente do presidente do sindicato Astério dos

Santos, sempre lembrado como um exemplo de líder sindical que mais lutou pelos

direitos dos operários.

O: [...] greve o pessoal [...]... isso aqui era chamado... Moscou de Magé... que... o pessoal daqui era meio bravo na época...

J: Os operários chegavam a invadir as fábricas?

O: Não... isso não... não... o presidente do sindicato chegava no portão mandava parar na época e ia parando mesmo... parava...

O: Conseguia muita coisa através das greves... como perdemos muita coisa também... perdemos assim de ficar uma semana parado... não receber... entendeu... mas também ganhamos muita coisa... as greves duraram até 1964 quando entrou a ditadura militar e não se podia fazer greve pois as pessoas eram perseguidas... havia muita repressão... as pessoas apanhavam acusadas de serem comunistas... sumiam... se escondiam no mato... (OLIVEIRA, 62 anos, ex-operário).

[...] eles queria... os puxa saco dos donos lá... o escritório lá... queria pagar o mínimo as pessoa... possível fosse não pagar nada... mandar a pessoa embora... apresentava uma contazinha a jeito deles lá né... por exemplo... de três partes apresentava uma... aí tinha o sindicato que combatia... naquela época tinha... finado Astério dos Santos... é um homem que morreu praticamente... pelos direitos dos pobres né... então... ele falava forte e fechava mesmo... falava em greve... se deixasse fazia greve... falava não vocês vão pagar fulano isso aqui... quantidade... pela lei que cabe pra ele é isso aqui... e com isso os inimigos do direito... da justiça ficava envocadíssimo com ele... então a fábrica era uma exploradeira terrível... todas as duas... [...] a... muitos anos atrás... a gente tinha prazer de... ser um participante do sindicato... social sindicato... porque lá tinha um... um homem... sobrenome nosso era igual... Astério dos Santos era ele... aquele homem morreu pra tentar defender o pequeno... ele era presidente... ele foi praticamente o fundador daquele sindicato que você já viu ali... tem condição... [...] de ver... em sessenta e quatro houve uma... uma loucura lá sabe... negócio de comunismo né... inventaram negócio de comunismo... foi um... foi uns dias muito tristes em Santo Aleixo... muito chefe de família ali... apanhou desnecessariamente... É... porque os... os falsos... homens... entregava os chefe de família... se falava assim... ahhh fulano de tal é... fulano de tal é comunista... o cara tava trabalhando ali né... às vezes o cara

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entrava pra trabalhar... a polícia ia lá no... onde é que tava trabalhando... arrebenta... e já começava a bater de lá... saia batendo numa pessoa... chutando igual a bola de bate e buti... outro vinha e metia o cacete na pessoa... quantos acontecia... alguns morreram botando sangue pela boca... esconderam no mato para não apanhar... ficava procurando no mato a pessoa... diversos aconteceu isso... Astério apanhou muito em sessenta e quatro... o presidente... porque ele era o seguinte... ele... ele morreu pelos pobres foi o seguinte... ele tinha o sindicato né... mas se... quando dispensava... mandava algum trabalhador em... embora... ou mesmo suspendesse... que às vezes dava gancho... tem o negócio de gancho também né... É pra as pessoas perder uma porção de dias sabe.. troço pra prejudicar o pequeno... pobre trabalhador... então se fosse... reclamar com o Astério... Astério procurava ajudar as pessoas... e se mandasse alguém embora... que de vez em quanto mandava... quando tinha muito movimento né... toda semana é... saia um caminhão de gente e entrava outro caminhão de gente... mandava alguém embora que tinha... e eles fazia a conta lá a jeito deles... roubando as pessoas... Astério tinha contabilista mandava fazer contabilidade... chamava a pessoa na casa do gerente... ooo o pagamento de fulano é tal... vocês vão pagar tal ou eu vou fechar a fábrica?... Ele falava firme e forte... ele falava e fechava mesmo... vocês vão pagar o que a pessoa... merece que é de lei... ou eu fecho a fábrica... quantas vezes ele fez isso... aí ficaram tendo ele como o diabo material sabe... diabo materialista... É... e quando... em sessenta e quatro... houve muita caguetação... quebraram as máquinas do sindicato... das costureiras lá... aquele movimento... né... era tudo muito organizado... quase mataram o Astério.. então... muitos apanharam mas apanharam muito... levaram o nome de comunista... muitos apanharam inocentemente... até hoje se fala comunista mas em verdade mesmo a gente nem sabe o que é comunista... eles falavam assim pra um meio de atingi as pessoas sabe... (SANTOS, 71 anos, ex-operário).

Por fim, os operários ao serem indagados sobre o fechamento da fábrica

os operários demonstram bastante nostalgia, principalmente pela questão do emprego

e dos aparatos institucionais que eram mantidos pela fábrica.

Olha foi muito triste... isso aí... até hoje né as pessoas reclamam muito... porque quanto tinha ali... geravam emprego... e hoje ela se tornou... a fábrica... o fechamento das duas fábricas... se tornou assim... como um... vamos colocar assim... uma catástrofe no local... porque gerava emprego.. para os jovens né... e tirava os jovens da rua... enquanto que hoje os jovens ficam na rua... muitas das vezes... se envolvendo com drogas, com briga... então foi muito ruim... o fechamento das duas fábricas... o que eu tenho a dizer pra você é isso... infelizmente... enquanto ela funcionava... era esperança né... [quem tinha] seu filho entrava com treze, quatorze anos... já sabia que tinha um endereço certo pra trabalhar... naquele tempo ele trabalha ali durante aquele período... ganhava meio salário... mas em compensação tirava ele da rua... de noite ele ia para o colégio estudar... e hoje o quê que é que tem... hoje não tem... hoje fica todo mundo parado... os pais... aposentados... sustentam os netos... [...] Santo Aleixo era um lugar muito bom pra se morar... eu posso dizer que ainda é até hoje... mas era bem melhor... as casas dos funcionários tinha água encanada... luz... tudo funcionava direitinho... tinha manutenção... comentavam muito que ia reabrir aquilo ali... mas até hoje... por exemplo... nossos prefeitos... nossos governantes... nunca abriram precedência para entrar ... (CARLOTO, 57 anos, ex-operário).

É lamentável né... que.. hoje em dia você vê muitos jovens aí na rua... sem ter... emprego... indo pro mundo do álcool... das drogas... e na época delas trabalhando... era difícil tu vê um garoto de menor ou uma menina... na rua

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aí.. todo mundo trabalhando aí... foi lamentável isso... [...] a coisa que eu tenho a falar é que eu sinto saudade da... de todas essas duas fábricas entendeu... sinto saudade delas... uma coisa que marcou a minha vida né... até do apito da fábrica que acordava o bairro inteiro e era bem alto... eu tenho saudade... as crianças reclamavam... é uma das coisas que eu tenho mais saudade... um dia desses eu voltei a entrar na fábrica... tá tudo abandonado... cheio de lama... telhado quebrado... acho que o prédio é tombado por ser a primeira fábrica de tecidos do Brasil... (OLIVEIRA, 62 anos, ex-operário).

Ao recolher esses relatos pretendeu-se mostrar a importância da

Fábrica Santo Aleixo para a memória local e as relações desta com os moradores e

o distrito. Percebe-se nas falas os valores simbólicos, culturais e afetivos atribuídos

não só à fábrica, mas aos outros lugares que ela acabou por ajudar a construir. A

fábrica tornou-se um marco na vida de muitos habitantes, uma base concreta da

memória, como nos fala Bosi,

As lembranças se apóiam nas pedras da cidade. Se o espaço, para Merleau-Ponty, é capaz de exprimir a condição do ser no mundo, a memória escolhe lugares privilegiados de onde retira sua seiva. [...] O bairro é uma totalidade estruturada, comum a todos, que se vai percebendo pouco a pouco, e que nos traz um sentido de identidade. É um lugar nosso, e um lugar nosso deve ter, como ensina a Psicologia da Gestalt28, fechamento e proximidade de elementos, dever ser mais denso que seu entorno e permitir a dialética da partida e do retorno. Permitir também peregrinações que são percursos sagrados a lugares mais densos de significação na cidade e, às vezes, o sentimento de estar perdido num mundo vazio, monótono, violento. E o reencontro do caminho familiar, se ele ainda existe (BOSI, E., 1992, p. 146-148, grifos do autor).

Conseqüentemente, tal perspectiva faz surgir outras questões,

especialmente quanto às possibilidades de uso de uma antiga instalação industrial.

Acredita-se que a melhor forma de preservar um edifício antigo seja através da sua

reinserção ao tecido urbano, atribuindo-lhe uma nova função. Vários edifícios

industriais, no Brasil e em outros países, vêm sendo transformados em museus, salas

de espetáculos, habitações, shoppings, entre outros, evidenciando uma enorme

versatilidade. Nesse sentido, levantou-se algumas experiências de requalificação que

serão abordadas no próximo capítulo.

28 Considera-se que Von Ehrenfels, filósofo vienense de fins do séc XIX foi o precursor da psicologia da gestalt. O movimento gestáltico surgiu no período compreendido entre 1930 e 1940, e tem como expoentes máximos: Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Kôhler (1887-1967), Kurt Koffka (1886-1941) e Kurt Goldstein (1878-1965). A Psicologia da gestalt afirma que as partes nunca podem proporcionar uma real compreensão do todo. O todo é diferente da soma das partes, mas a psicologia acadêmica da gestalt ocupou-se predominantemente com as forças externas. De acordo com a gestalt, a arte se funda no princípio da pregnância da forma. O importante é perceber a forma por ela mesma; vê-la como "todos" estruturados, resultado de relações. Para mais informações ver: ENGELMANN, Arno. A psicologia da gestalt e a ciência empírica contemporânea. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 18, n . 1, 2002 Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722002000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 19 Julho 2008.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1 REUTILIZAÇÃO DE EDIFÍCIOS INDUSTRIAIS: ALGUMAS EXPERIÊNCIAS

Segundo Castro29 (2002, p.141) têm-se dois tipos de intervenções em

antigos prédios industriais, aquelas que respeitam as características arquitetônicas

dos edifícios e aquelas que acabaram por descaracterizar completamente o edifício.

No seu estudo, a autora escolheu algumas obras de destaque internacional e nacional

para discorrer sobre reutilização de antigos edifícios industriais, dos quais

escolhemos alguns, considerados interessantes, para ilustrar as possibilidades de

reutilização desses espaços.

Para Castro uma importante referência sobre a reutilização de espaços

fabris remonta os anos de 1960 quando

das antigas fábricas e armazéns desativados de antigas áreas industriais novaiorquinas em espaços para habitação e ateliers de artistas, os lofts, onde o pé direito alto, os espaços amplos e fartamente iluminados permitiam a acomodação das atividades criativas. As intervenções para adaptarem os antigos edifícios a este novo uso eram modestas, os espaços eram deixados livres acomodando as instalações hidráulicas e o mobiliário. Esta nova modalidade de espaço, unindo habitação e trabalho num mesmo espaço, com um mínimo de divisões entre os ambientes, gerou um estilo de vida e uma estética própria para morar; foi reproduzida em diversas cidades e chega até os dias atuais com várias adaptações conceituais, desvinculando o loft de sua origem, que associa-o ao antigo edifício industrial (CASTRO, 2002, p.144).

As obras escolhidas para ilustrar a requalificação desses complexos

industriais tentam esboçar suas inúmeras possibilidades de reutilização. Para tanto,

escolheu-se três obras internacionais, são elas o Gasômetro de Viena, a galeria de

arte moderna - a Taten Modern - de Londres e o Auditório Niccolò Paganini, na Itália.

5.1.1 O Gasômetro de Viena

O Gasômetro de Viena foi construído em 1896 sendo tombado em

1981 e desativado na mesma época. A estrutura é composta por quatro imensos

cilindros de 75 metros de altura e 65 metros de diâmetro, os cilindros metálicos eram

29 Sobre requalificações industriais ver: CASTRO, Cleusa de. Permanências, Transformações e Simultaneidades em Arquitetura. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2002.

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revestidos por cilindros de alvenaria que encobriam a sua presença na paisagem da

cidade. Sobre os seus usos nos fala Campos

Seus impressionantes 220.000 m² de área total construída garantiram o surgimento de uma nova urbanidade em uma área antes tipicamente industrial, [...] o desafio do Gasômetro era o de estabelecer todo um complexo de usos aliado à diversidade de soluções dadas para cada cilindro de um diâmetro aproximado de 64 metros por arquitetos tão distintos como Jean Nouvel, Coop Himmelblau, Manfred Wehdorn e Wilhelm Holzbauer. Sobre um grande shopping center que atravessa os dois primeiros níveis dos quatro gasômetros em um espaço contínuo, foram construídos mais de 600 apartamentos e cerca de 250 residências estudantis, combinados com escritórios, repartições da prefeitura, jardim de infância, garagens, um complexo de cinemas no edifício ao lado e que se conecta também diretamente com o gasômetro, além de uma grande arena para shows com capacidade para 3000 pessoas no subsolo do cilindro projetado por Coop Himmelblau, que mantém o uso dado ao gasômetro nos anos 90, onde aconteciam as maiores raves da cidade (CAMPOS, 2005).

Figura 32 – Vista aérea do Gasômetro Figura 33 – Gasômetro de Viena Fonte: Marcio Campos Fonte: Marcio Campos

5.1.2 A Tate Modern

A Tate Modern foi construída, entre outros motivos, para abrigar o

enorme acervo da Tate Gallery. P, para o empreendimento foi escolhido a antiga

estação de energia elétrica Bankside Power Station, localizada às margens do rio

Tamisa no sul de Londres. Inagurada em maio de 2000 foi um marco também por ser

o primeiro museu de arte moderna inglesa. O projeto de Jacques Herzog e Pierre de

Meuron foi escolhido através de concurso, que permitia nas propostas a demolição da

antiga Power Station, no entanto os dois arquitetos utilizaram o antigo prédio como

base para o seu trabalho,

Nossa estratégia foi aceitar a força física do edifício de tijolos de Bankside, maciço como uma montanha, realçando-o mais que o fraturando ou

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tentando minimizar sua presença. Esta energia é similar à do Aikido, onde um emprega a energia de seu inimigo em benefício próprio. Toma-se toda esta energia e, ao invés de lutar contra ela, dá-lhe uma forma nova e inesperada (CECÍLIA; LEVENE, apud CASTRO, 2002, p. 151-152).

Os dois arquitetos aproveitaram “o imenso vazio resultante após a

retirada dos equipamentos elétricos, a estrutura metálica, as características paredes

de tijolo aparente, e nesse envelope implantaram o novo programa” (ANTÔNIO,

2000, p. 72-79). Todos os maquinários foram retirados da antiga estação e foram

feitas várias demolições internas para que a nova estrutura pudesse abrigar a nova

função. Nas palavras do escultor Antony Gornley30, a Tate Modern “aponta para um

novo mundo, uma nova cultura que nasce das cinzas da revolução industrial” (BBC

Brasil, 2003).

Figura 34 – Tate Modern Figura 35 – Turbine Hall da Tate Modern Fonte: BBC Brasil Fonte: BBC Brasil

5.1.3 O Auditório Niccolo Paganini

O Auditório Niccolo Paganini foi projetado por Renzo Piano em 1997

transformando um antigo engenho de açúcar, a Fábrica Eridânia, em uma sala de

concertos na cidade de Parma, na Itália. Renzo Piano trabalhou junto com Richard

Rogers no famoso projeto do Centro Georges Pompidou em Paris.

30 Antony Gormley (1950) - Nasceu em Londres. Estudou antropologia no Trinity College, Cambridge (1968-70) e arte na Central School of Art and Design (1973-74), no Goldsmiths’ College (1975-77) e na Slade School of Fine Art (1977-79). Ligado à geração dos novos escultores dos anos oitenta, Gormley tornou-se conhecido através de uma série de esculturas modeladas a partir do seu próprio corpo, em tamanho natural, colocadas em espaços interiores e exteriores, que estabelecem diversos tipos de relações com o espaço circundante. O chumbo é o material mais utilizado por Gormley, nos últimos anos. Antony Gormley tem-se dedicado bastante à escultura pública de que são exemplos importantes The Angel (O Anjo) e Field for the British Isles (Campo para as Ilhas Britânicas).

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Castro (2002, p. 178) comenta a transformação da área em um parque, “utilizando-se da permanência histórica de grande impacto visual e emotivo, sem perturbar a caracterização ambiental”. Piano buscou dar uma nova função à antiga fábrica utilizando-se da simplicidade do conjunto edificado existente.

Trabalhou com conceitos de opacidade e transparência. Aos restos do passado atribuiu o testemunho material de uma opacidade característica da época, através das robustas paredes de tijolos, em contraposição trabalhou com a transparência, buscando dar leveza ao conjunto, metaforizando a apropriação à época da cultura imaterial. Trabalhando com o som e com a luz, codificou o novo espaço que se desenvolveu em sintonia com o antigo, sem renunciar a expressar a intervenção de seu tempo (CASTRO, 2002, p. 179).

O hall de entrada, em forma retangular possui 780 lugares com um tratamento acústico impecável, o prédio anexo foi mantido para acolher a sala de ensaios, os camarins e outros serviços de apoio. A chaminé foi mantida como símbolo do lugar. O projeto de restauração conseguiu dar uma nova utilização ao edifício sem, no entanto, prescindir de sua memória histórica, devolvendo ao tecido urbano esse espaço abandonado, que muitas vezes pode ter sido o núcleo inicial da cidade, como no caso da Fábrica Santo Aleixo.

Figura 36 – Auditório Niccolo Paganini Fonte Cleusa de Castro

Figura 37 – Auditório Niccolo Paganini Fonte Cleusa de Castro

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5.1.4 O SESC Pompéia

No caso do Brasil, a adaptação de espaços fabris para novos usos ainda

é bastante tímida, pois o interesse por esse tipo de edificação ainda é muito recente.

Os exemplares escolhidos como exemplos foram: o SESC Pompéia, obra pioneira de

Lina Bo Bardi; o Bangu Shopping, um dos mais recentes casos de requalificação e o

Centro de Convenções da UFOP.

O SESC comprou a antiga Fábrica de Tambores da empresa alemã

Mauser & Cia construída em 1938, com a idéia de demoli-la e aproveitar os 17mil m2

do terreno na construção de um moderno centro cultural e desportivo. Ao visitar o

espaço, Lina Bo Bardi, a convite de dois diretores do SESC resolveu manter a

estrutura original da fábrica. Segundo a arquiteta,

Encontramos uma fábrica com uma estrutura belíssima, arquitetonicamente importante, original, ninguém mexeu. Nós colocamos algumas coisinhas: um pouco de água, uma lareira. Quanto menos cacareco, melhor. Fizemos também um esforço para dignificar a posição humana (BARDI, apud Oliveira, L. P., 2007, p. 46).

Lina Bo Bardi mostrou uma forte preocupação com a importância

histórica e a memória do lugar. “Falando com os antigos moradores do lugar senti que

havia neles um apego pela construção. Então a preservação tinha razão de ser,

mesmo tratando-se de uma fábrica despojada, de arquitetura apenas técnica” (BARDI,

apud OLIVEIRA, L. P., 2007, p. 40). As preocupações em relação às intervenções

arquitetônicas podem ser percebidas na seguinte colocação da arquiteta,

Na prática, não existe o passado. O que existe, ainda hoje, e não morreu é o presente histórico. O que tem que salvar – aliás, salvar não, preservar – são certas características típicas de um tempo que pertence à humanidade. Mas, se a gente acredita que tudo o que é velho deve ser conservado, a cidade vira um museu de cacarecos. Em um trabalho de restauração arquitetônica, é preciso criar e fazer uma seleção rigorosa do passado. O resultado é o que chamamos de presente histórico (FERRAZ apud CASTRO, 2002, p. 199).

O SESC Pompéia, cuja primeira parte foi inaugurada em 1982, foi

dividido em duas etapas. Na primeira etapa os galpões foram adaptados para as

atividades culturais abrigando o galpão de atividades gerais onde são desenvolvidas

atividades como exposições, biblioteca, área de leitura, estar, jogos, entre outras. O

teatro tem 760 lugares, o palco foi “colocado no centro do espaço e duas

arquibancadas distribuem-se a partir dele, pois não se tinha altura suficiente para a

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disposição de uma única platéia” (CASTRO, 2002, p.216). O galpão das oficinas, onde

são oferecidas oficinas de marcenaria, cerâmica, cinzelamento, gravura e serigrafia,

tapeçaria, gráfica. Por último tem-se o restaurante-choperia, onde durante o dia são

servidas as refeições e que à noite é transformado em palco para shows, lançamentos

de livros, etc.

Na segunda etapa, de 1982 a 1986, foi construído o complexo esportivo,

interligado aos antigos galpões, com doze pavimentos que abrigam quatro ginásios,

com sete quadras poliesportivas, piscina, mais quatro salas para ginástica, dança,

condicionamento físico, etc. Completando o conjunto foi feito um grande cilindro de

setenta metros de altura, a torre da caixa d’água, em alusão à chaminé que foi

demolida pelo próprio SESC (CASTRO, 2002, p. 219).

O Sesc Pompéia idealizado pela arquiteta Lina Bo Bardi se tornou um

marco nas discussões sobre a revitalização no Brasil, servindo de inspiração para o

trabalho de outros arquitetos, como nos fala Jorge,

Este projeto é um acontecimento para a geração nos anos 80, que reconhecia na obra um ponto de inflexão na história da arquitetura contemporânea; dissonante num contexto marcado pela afasia; extravagante, provocativo e delirante onde só se via repetição; poético e criativo, ocupando um vazio de debates e reflexões. A antiga Fábrica de Tambores da Pompéia tornou-se um marco nos debates sobre revitalização no Brasil, a começar pelos cursos de arquitetura. A opção valorativa da revitalização dos edifícios, e o pensamento sobre formas de intervenção, se não chegaram a ser um trabalho onde a grande maioria dos arquitetos estivesse envolvida profissionalmente, tornou-se mais do que um tema oportuno, uma discussão comum nas escolas de arquitetura [...] (JORGE, 1999).

Figura 38 – Sesc Pompéia Figura 39 – Sesc Pompéia Fonte: Fernando Stankuns Fonte: Fernando Stankuns

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5.1.5 O Bangu Shopping

O Bangu Shopping, inaugurado em 2007, foi instalado na antiga Fábrica

de Tecidos Bangu - construída em 1891 e tombada pelo IPHAN em 1995. O Rio de

Janeiro já possui outro shopping nesses moldes, o Nova América Outlet Shopping

implantado nas antigas instalações da Fábrica de Tecidos Nova América.

Sobre o projeto nos fala Melendez

O projeto de adequação ao novo uso foi desenvolvido pelo escritório GCP Arquitetos e os interiores pelo Studio di Architettura, do arquiteto Mauro Neves Nogueira. A luminotécnica foi elaborada por LD Studio e Rio Branco & Faccini, este co-autor do trabalho. O conceito geral da luminotecnia buscou um desenho simples e eficiente, em harmonia com a arquitetura fabril de qualidade, segundo a avaliação da arquiteta Mônica Luz Lobo, do LD (MELENDEZ, 2008).

O terreno tem uma área total de aproximadamente 140.000 m², com

espaço para 200 lojas de diversos tamanhos, praças de alimentação com cerca de

mil lugares e estacionamento com 2.500 vagas, além de um teatro e um museu.

Figura 40 – Bangu Shopping Figura 41 – Bangu Shopping Fonte: Arco Web Fonte: Arco Web

5.1.6 O Centro de Convenções da UFOP

A última requalificação trata do Centro de Convenções da UFOP,

inaugurado em 2001, em Minas Gerais. Situado numa cidade emblemática como Ouro

Preto, tombada pela Unesco como patrimônio histórico mundial e onde se encontram

os mais importantes acervos de arte colonial do Brasil.

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O conjunto de edificações do Parque Metalúrgico é da primeira década do

século 20. “As construções – em sua maioria, grandes galpões - apresentam arquitetura

predominantemente eclética, atípica na cidade” (MOURA, 2001, p. 66-71). O projeto foi

desenvolvido de modo que a estrutura urbana sofresse o menor impacto possível. O

autor do projeto foi Alexandre A. de Souza Martins, Gilda Cardoso Dias, Luiz Eduardo

Ferreira, Maurício Sérgio de Castro e Solange Sarmento Goulart (colaboradores); José

Eduardo Ferolla, Fernando Ramos e Milton Castro (projeto executivo).

Sobre o projeto, que ocupa uma área de 11.500 m2, nos fala Moura,

Inicialmente, foram definidas as edificações de valor arquitetônico ou histórico a serem restauradas, a fragmentação dos novos volumes, a melhoria das condições de acesso ao conjunto e a área para estacionamento de veículos. As novas construções foram desenvolvidas de maneira a se integrar às antigas, mas deixando evidente sua contemporaneidade. A arquitetura adotada nesses projetos alterna linhas sinuosas, vidros e terraços, caracterizando acréscimos e espaços de articulação funcional (acessos, halls, circulações e recepções) com volumes básicos em seqüência aos existentes (MOURA, 2001, p. 66-71).

Figura 42 – Centro de Convenções da UFOP Fonte: ARCOweb

Figura 43 – Setor de Feiras Fonte: ARCOweb

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Pode-se perceber, através dos exemplos citados, que uma das melhores

maneiras de preservar um edifício histórico e devolvê-lo a dinâmica da cidade, através

da sua reutilização. Concorda se com Castro que,

Resgatar as permanências, aceitar as transformações e acomodar as simultaneidades em arquitetura através da reutilização de antigas fábricas implica em não querer apagar as marcas do tempo nem desfazer das forças da natureza agindo, ao longo deste tempo, sobre os feitos do homem, mas juntar-se a elas para também marcar, com novos feitos, os novos tempos que surgem e que também passam (CASTRO, 2002, p. 257).

5.2 CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho foi demonstrar a importância da Fábrica Santo

Aleixo enquanto patrimônio industrial, com vistas a resgatar sua história e

compreender as relações desta com o distrito que ela ajudou a formar. O principal

interesse da pesquisa foi demonstrar, através dos relatos dos moradores de Santo

Aleixo, o valor da fábrica tanto para a memória local quanto histórico, ressaltando as

relações desta com a cidade e seus habitantes com o objetivo de promovê-lo

enquanto patrimônio industrial. Além de identificar algumas experiências de

reutilização de espaços fabris como espaços culturais, de lazer, serviços, entre outros.

Procurou-se inicialmente analisar, de um ponto de vista histórico, a

trajetória da noção de patrimônio, desde as suas origens até a noção mais ampliada,

que é a do patrimônio como bem cultural. Desse modo, pode-se entender as razões

que levaram a qualificação de instalações industriais como bens a serem preservados.

Na consideração sobre a utilização do patrimônio na construção das

narrativas nacionais, viu-se de que forma o Estado Moderno utilizou-se do

patrimônio enquanto instrumento capaz de materializar a nação, vindo a cumprir

diversas funções simbólicas e principalmente como provas materiais dos discursos

oficiais da história nacional. No Brasil, esse processo teve início no bojo do

movimento modernista, tendo como marco a Semana de Arte de 1922. Nessa época

os intelectuais tomaram para si a missão de construir uma tradição brasileira

autêntica, por isso surgiram os primeiros debates acerca do patrimônio no país.

Identificaram-se duas narrativas importantes pelas quais as políticas

oficiais de patrimônio cultural brasileira foram construídas. A primeira está associada

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à figura de Rodrigo Melo F. de Andrade e a segunda ligada à imagem de Aloísio de

Magalhães, responsáveis, em grande parte, pela construção das práticas e das políticas

patrimoniais brasileiras. Os dois discursos tinham em comum a busca pela legitimação de

uma identidade nacional, embora essa procura fosse algo que estivesse sempre por se

realizar, o que se denominou de “a retórica da perda”. As ações em defesa do patrimônio,

desse modo, se justificavam, pois eles estavam sempre na iminência de se perderem de

modo irremediável.

Através desses discursos percebeu-se que a abordagem da noção de

patrimônio se tornou mais ampla, ganhando novas subcategorias. Dentre elas, a

noção de patrimônio industrial. Para compreender o interesse por esse novo tipo de

patrimônio, também foi necessário percorrer os caminhos históricos desse conceito e

a forma como ele tem-se desenvolvido desde o seu início, na Inglaterra, por volta de

1950. Junto com o conceito de patrimônio industrial, apresentou-se a chamada

arqueologia industrial, considerada por alguns autores uma nova disciplina que se

tornando um instrumento essencial para o estudo, preservação e compreensão do

patrimônio industrial.

No Brasil o interesse pelo patrimônio industrial, embora tenha crescido

nos últimos anos, ainda é muito recente. Percebeu-se que no país o estudo e a

conservação dos vestígios da industrialização ainda são incipientes e que ainda

predomina, na seleção dos bens culturais, o critério estético. No entanto, alguns

exemplares foram tombados, inclusive recebendo novos usos, porém muitos outros

encontram-se abandonados.

Na parte final do segundo capítulo discutiu-se qual seria a função do

patrimônio diante das transformações desse mundo onde a cultura, a economia e a

política estão cada vez mais interdependentes. A revalorização do patrimônio seria

uma resposta frente às incertezas desse novo quadro mundial, principalmente pelo

processo de mundialização da cultura. Pode-se apontar duas formas antagônicas de

utilização do patrimônio, uma baseada no seu valor econômico, transformado unicamente

em mercadoria e a outra está baseada no valor simbólico, por sua capacidade de

materializar conceitos como a identidade cultural, a memória coletiva e a nacionalidade.

Enquanto valor simbólico a questão patrimonial está intimamente ligada à questão da

cidadania, principalmente pela contribuição que o patrimônio cultural pode dar para o

desenvolvimento educacional e social das comunidades. Acredita-se que a tomada de

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consciência do patrimônio contribui para o fortalecimento da cidadania e

conseqüentemente uma efetiva melhoria na qualidade de vida das pessoas.

O terceiro capítulo trata da abordagem metodológica empregada na

coleta e análise dos dados. Para atingir os objetivos deste trabalho foi preciso

recorrer a mais de um procedimento metodológico. Portanto, optou-se pela pesquisa

bibliográfica; a pesquisa documental, além do levantamento de material iconográfico

e mapas que auxiliaram a contar a história do lugar e a demonstrar a importância da

fábrica nesse processo. Utilizou-se também da história oral com a intenção de

privilegiar as perspectivas dos moradores do lugar. Para a análise dos dados utilizou-

se uma abordagem hermenêutica-dialética, pois este método procura “interpretar a

fala no contexto onde é produzida e unir na análise o nosso olhar a partir da atuação

em campo, da reflexão sobre a dimensão simbólica das ações dos sujeitos e da

complexidade das relações sociais” (MINAYO; NJAINE, 2003, p. 120).

No quarto capítulo foram apresentados e discutidos os dados

encontrados. Inicialmente foi apresentado um pequeno histórico da cidade, relatando

os principais acontecimentos pelos quais passou o município. Em seguida, foram

reunidos dados referentes a atual situação em que se encontra a cidade,

apresentado um diagnóstico socioeconômico. A partir dessa introdução geral,

passou-se a centrar a discussão em torno do distrito de Santo Aleixo, a partir dos

dados reunidos pode-se refazer a história do distrito que girou em torno da fábrica

desde a sua instalação em 1847.

Após vários períodos de maior e menor desenvolvimento, a fábrica foi

vendida ao grupo Bezerra de Mello, foi nessa época que Santo Aleixo viveu seu

período de maiores transformações. O modelo adotado para o empreendimento

parece ter sido o europeu - de fábrica com vila operária. Em Santo Aleixo o

empresário pôde construir um empreendimento isolado e auto-suficiente, onde podia

submeter à classe operária a uma dupla subordinação, uma vez que o patronato era

proprietária das casas e dos aparatos institucionais tais como o cinema, o posto

médico, o armazém, entre outros. Pode-se perceber que estes se tornaram lugares

de sociabilidade que persistem até hoje no distrito.

Acompanhou-se também o período de fechamento da Fábrica Santo

Aleixo, entre os anos de 1979 a 1982, através dos depoimentos dos operários pôde-

se perceber as dificuldades enfrentadas por eles, as relações estabelecidas, as

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tentativas de permanência no lugar, a preocupação quanto ao destino das casas da

vila operária, entre outras. Enfim mostrou-se através desses relatos à importância

que a fábrica tinha na vida das pessoas enquanto princípio organizador.

No último item desse capítulo evidenciou-se, através da história oral, o

quanto a Fábrica Santo Aleixo ainda é importante para a memória local, as

lembranças do ex-operários demonstram as relações que está teve com os moradores

e o distrito. Percebeu-se nas falas os valores simbólicos, culturais e afetivos atribuídos

não só a fabrica, mas aos outros lugares que ela ajudou a construir.

Por fim, apresentaram-se também algumas experiências de reutilização

de espaços fabris, pois acredita-se que a melhor forma de preservar um edifício

antigo seja através de sua reinserção no tecido urbano, dando-lhe uma nova função.

Muitos edifícios, no Brasil e em outros países, vêm sendo transformados em museus,

salas de espetáculos, habitações, shoppings, entre outros, o que confirma uma

enorme versatilidade.

Assim sendo, conclui-se que além de possuir um respeitável valor

histórico, enquanto representante das diversas fases do desenvolvimento industrial

brasileiro, a Fábrica Santo Aleixo também mantém uma intensa relação histórica,

cultural e afetiva com a comunidade podendo assim ser indicada como um relevante

patrimônio industrial. Diante disto, acredita-se que mais do que comprovar uma

hipótese, este trabalho tenha contribuído para a preservação de um pedaço da

memória do distrito de Santo Aleixo.

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SILVA, Isabel Cristina dos Reis Lima e; LISBOA, Raul Cahet. Estrada de ferro Mauá: o trem do desenvolvimento urbano de Magé. 1º Concurso de Monografia CBTU 2005 – A Cidade nos Trilhos. 2005. Disponível em: <http://www.cbtu.gov.br/monografia/ 2005/publicacao/monografia04.pdf>. Acesso em: set. 2007. SILVA, Márcia Regina Turra. As implicações da nova configuração da assistência social para a intervenção dos Assistentes Sociais. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2005.

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SOARES, Ana Paula Taveira. Possibilidades da História Oral na Pesquisa sobre saberes docentes. In: Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ. 2006. Disponível em: <http://www.rj.anpuh.org/Anais/2006/conferencias/ Ana%20Paula%20 Taveira%20Soares.pdf>. Acesso em: jan. 2008.

SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação econômica e social escravista no sudeste: um estudo das atividades manufatureiras na região fluminense, 1840-1880. Dissertação (mestrado). Universidade Federal Fluminense, Departamento de História. 1993. STEIN, Stanley J. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil, 1850-1950. Tradução Jaime Larry Benchimol. Rio de Janeiro: Campus, 1979. THIESEN, Beatriz Valladão. Arqueologia industrial ou arqueologia da industrialização? Mais que uma questão de abrangência. Patrimônio: Revista eletrônica do Iphan. Disponível em: <http://www.revista.iphan.gov.br/materia.php?id=161> Acesso em: fev. 2006. THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Tradução: Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TCE-RJ. Estudo socioeconômico 2004; Magé. Rio de Janeiro: TCE-RJ / SGP- RJ, 2004. VARINE, Hugues. Patrimônio e Educação Popular. Ciências e letras: educação e patrimônio histórico-cultural .Revista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação. Rio Grande do Sul: Ciências e Letras, 2002. ______. A Experiência Internacional: notas de Aula. São Paulo: IPHAN. 1974. VIANNA, Mônica Peixoto. Habitações e Modos de Vida em Vilas Operárias. Trabalhos de Conclusão de Curso. Faculdade de Arquitetura. Universidade de São Paulo, 2004. VICHNEWSKI, Henrique Telles. As indústrias Matarazzo no interior paulista: arquitetura fabril e patrimônio industrial (1920-1960). Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. ZEVI, Bruno. O espaço, protagonista da arquitetura. In: Saber ver arquitetura. São Paulo: 5ª ed. Martins Fontes, 2002.

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APÊNDICE A - Levantamento fotográfico de Santo Aleixo em 2008

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Fabrica Santo Aleixo 1

Fabrica Santo Aleixo 2

Fabrica Santo Aleixo - parte abandonada

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Fabrica Santo Aleixo, antigo portão

Fabrica Santo Aleixo - parte abandonada

Fabrica Santo Aleixo - telhado em “sheds”

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a aGruta de N S de Lourdes

Antigo Armazém, hoje Escola Municipal Ruth Taldo França

Antigo Cine Recreio e Refeitório, hoje Posto de Atendimento Médico

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APÊNDICE B -Lista dos bens tombados em Magé pelo INEPAC e IPHAN

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Lista dos Bens Tombados pelo INEPAC em Magé

01 - E-03/06.999/80: Igreja de São Nicolau

02 - E-03/31.486/83: Caminhos de Minas: Trechos da Calçada de Pedra ou Caminho de Inhomirim

03 - E-03/34.922/78: Igreja de Nossa Senhora da Guia de Pacobaíba

04 - E-18/000.172/91: Serra do Mar/Mata Atlântica

05 - E-18/300.049/84: Capela de Nossa Senhora da Conceição, filial da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim

06 - E-18/300.049/84: Capela de Nossa Senhora da Conceição, filial da Freguesia de São Nicolau de Suruí

07 - E-18/300.049/84; Capela de Nossa Senhora dos Remédios

08 - E-18/300.049/84: Capela de Nosso Senhor do Bonfim

09 - E-18/300.049/84: Capela de Santana da Piedade, filial da Freguesia de N.S. da Piedade de Magepe

10 - E-18/300.049/84: Capela de Santo Aleixo, filial da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Magepe

11 - E-18/300.049/84: Capela de São Francisco de Croará

12 - E-18/300.049/84: Igreja de Nossa Senhora da Piedade de Magepe

13 - E 18/000.348/2005: Vila da Estrela

Lista dos Bens Tombados pelo IPHAN em Magé

01 - 506-T-54, ins. nº303, Livro Histórico, fls. Nº51: Estação Ferroviária da Guia de Pacobaíba

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APÊNDICE C - Roteiro para Entrevista

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FICHA DE ENTREVISTA

Nome: ______________________________________________________________

Endereço: ___________________________________________________________

____________________________________________________________________

Telefone: ____________________________________________________________

Ano de Nascimento: ___________________________________________________

Estado Civil: _________________________________________________________

Nome da Esposa: _____________________________________________________

Nome e data de nascimento dos Filhos:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

Começou a trabalhar na fábrica em: (período de ____________à ___________)

Religião: ____________________________________________________________

Escolaridade: ________________________________________________________

Lugar onde nasceu: ____________________________________________________

Senão nasceu em Magé quando Chegou? Ano _______________________________

Data e Local da Entrevista:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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ROTEIRO DE ENTREVISTA

A FÁBRICA: SEU AMBIENTE E AS RELAÇÕES DE TRABALHO

01 – Quando o Sr. começou a trabalhar na Fábrica Santo Aleixor? Como era o bairro

quando o Sr. trabalhava na fábrica? Ou como era o bairro quando o Sr. chegou aqui?

(senão for de magé).

02 - Como era o dia-a-dia na fábrica? Em que horário o Sr. trabalhava? (aos sábados,

domingos, meio período). Como era o ambiente de trabalho?

03 – Como eram as refeições? Havia algum intervalo?

04 - Vocês tinham férias remuneradas?

05 - Como era a relação do Sr com as pessoas com quem o Sr. trabalhava?

06 - Trabalhavam homens e mulheres juntos?

07 - Como o Sr. era tratado pelo seu patrão? O que o Sr. pensava dele?

08 - Os trabalhadores cooperavam, se ajudavam ou existia muita concorrência?

09 - A fábrica e a vila operária: como era essa relação? As casas eram alugadas?

Bastava ser trabalhar na fábrica para morar na vila?

10 - Vcs recebiam assistência médica? Quando um trabalhador se machucava como

ele era tratado?

A FÁBRICA NA VIDA SOCIAL

11 - Havia um clube dos que trabalhavam? Alguma outra diversão para os empregados?

12 - O Sr. conheceu o Cine-Recreio? Onde era? O que o Sr. pode me falar sobre ele?

13 - Ouvi dizer que a fábrica organizava bailes? O Sr. pode me falar um pouco sobre

isso? Vocês que trabalhavam na fábrica pagavam ingresso, tinham desconto?

14 - A fábrica ajudava os times de futebol? O Sr. pode me falar um pouco sobre isso?

A FÁBRICA NA VIDA POLÍTICA15 - O Sr. se interessava por política? O Sr. pertenceu a algum sindicato?

16 – Vcs se sentiam explorados? Os operários faziam muitas greves?

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A FÁBRICA NA VIDA RELIGIOSA

17 – O Sr. sabe se havia algum relacionamento entre a igreja e a fábrica?

18 - A fábrica ajudava na tradicional festa de Santo-Aleixo?

19 - Havia alguma festa para a Nsa Sra de Lourdes, já que os donos construíram

uma capela para ela?

A FÁBRICA E A ESCOLA

20 - O Sr. lembra da construção do grupo escolar Joaquim Leitão? O que o Sr. sabe

sobre o grupo escolar Joaquim Leitão?

O SIGINIFICADO DA FÁBRICA HOJE

21 – O Sr. saberia me dizer o motivo que levou a fábrica a fechar?

22 – Como o Sr. vê o fechamento da fábrica para Santo Aleixo? O que o Sr. pensa

sobre isso?

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ANEXO A - Inventário dos Bens Culturais de Magé / FUNDREM(páginas referentes à Fábrica Santo Aleixo)

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SANTO-ALEIXO - CARACTERIZAÇÃO

O acesso para Santo Aleixo, partindo da BR 119, não chega a galgar a serra e é da

maior importância para a história da industrialização de Magé, constituindo a ligação do 1centro com a primeira fábrica de tecidos do município - a Fábrica de Tecidos e Rendas

Andorinhas - ainda hoje em funcionamento. Localiza-se ao longo do Rio Roncador ou

Santo Aleixo, na margem oposta à da Capela de Santo Aleixo construída em 1747. Um

outro importante conjunto fabril foi implantado ao longo da estrada na década de 30, a

Fábrica Esther, do Grupo Bezerra de Mello. Partindo da estrada principal, ao longo do

caminho que leva à Fazenda das Pedras Negras, uma fazenda do início do século

domina a paisagem.

1 Houve um engano por parte dos pesquisadores, pois a Fábrica Santo Aleixo é a mais antiga da região.

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mapa

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Fazenda de Dona Maria, situada à beira da estrada da Fazenda das Pedras Negras; construção elementar de inicio do século com estrutura de madeira e fechamento de pau-a-pique.

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FÁBRICA DE TECIDOS ESTHER - CARACTERIZAÇÃO

A Fábrica de Tecidos Esther localiza-se em área plana situada ao longo da estrada oque leva à Fábrica das Andorinhas, em Santo Aleixo, 2 distrito de Magé, margeando o

Rio Santo Aleixo ou Roncador. No fundo do vale, circundado por densa vegetação, o rio

corre encachoeirado no leito coberto de seixos.

Todo o traçado urbano segue a conformação do vale, com vias calçadas em

paralelepípedo. O conjunto fabril se caracteriza com local de passagem, com

arruamentos seguindo a direção da estrada em ambas as margens do rio. Nas

imediações diretas da fábrica, a ocupação urbana toma a forma de conjuntos de vilas

operárias marcadas pela horizontalidade e pela repetição, enquanto nas áreas mais

afastadas aparecem as construções em centro de terreno, como pequenas chácaras

em meio à vegetação.

A construção da fábrica se desenvolve ao longo da estrada, com os “sheds”

ritmados dispostos na mesma direção ortogonal ao acesso. A fachada tem elementos

decorativos de gosto clássico com a marcação de cunhais e cimalhas.

A capela original da fábrica foi demolida, dando lugar a uma nova, construída na

década de 70 em concreto armado em posição de dominância.

O cemitério construído em 1951 (semelhante ao da Vila Inhomirim) reproduz o

gosto clássico nos seus elementos decorativos.

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Os conjuntos de vilas se sucedem ao longo do eixo da estrada; calçamento em paralelepípedo.

Fábrica Esther, construção de 1948 com cobertura em “sheds” na mesma direção ao longo da estrada; persistência de elementos decorativos de gosto clássico, como cimalhas e cunhais.

O Rio Santo Aleixo ou Roncador desce da Serra dos Orgãos em leito coberto de seixos rolados dividindo o conjunto fábril; na margem oposto à da fábrica os conjuntos de vilas, mais recentes, se extendem ao longo da via a paisagem da serra coberta com muita vegetação é marcada pela horizontalidade e pelo ritmo das construções

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Cemitério, 1951

Conjunto de vila situado próximo à construção da fábrica, com cober-tura em fibrocimento imitando ardósia, e com maior apuro construtivo.

O comércio local se estende ao longo da estrada que leva à Fábrica Andorinhas - construções de passagem de século.

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ANEXO B - Matérias de jornais e revistas

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Jornal O Fluminense / Niterói, 02/11/1979

Jornal do Comércio, 29/12/1979

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Jornal do Brasil, maio de 1973

Jornal O Dia,24 de agosto de 1980

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Publicação do MovimentoPró-Partido dos Trabalhadores/RJ

oAno I, n 2 / março de 1980

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Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1980o1 caderno

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Jornal do PTPublicação do Movimento Pró-Partido dos Trabalhadores/RJAno I, no 2 março de 1980

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Jorna do Brasil, 21 de agosto de 1982

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Revista Veja Rio, 15 setembro de 1993, p. 14

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Revista Veja Rio, 15 setembro de 1993, p. 15

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