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Jesus e Os Salmos Na Vida Dele

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Jesus e os Salmos:

Jesus e os Salmos 9

Jesus e os Salmos

A Orao dos Salmos na vida de Jesus

frei Carlos Mesters, O. Carm.

Os primeiros cristos, sobretudo Lucas e Joo, nos conservaram uma imagem de Jesus orante que vivia em contato permanente com o Pai. A respirao da vida de Jesus, o seu alimento dirio, era fazer a vontade do Pai (Jo 5,19). Em vrios momentos ele aparece rezando, sobretudo nos momentos decisivos de sua vida. No centro desta vida de orao esto os Salmos. 1. Contexto e ambiente da orao dos Salmos no tempo de Jesus

A escola de orao de Jesus

Durante o exlio na Babilnia e, sobretudo, depois, criou-se no povo judeu o costume de reunir a famlia para rezar, diariamente, nos mesmos momentos em que, l no templo de Jerusalm, se costumava oferecer o sacrifcio: de manh, ao meio dia e na boca da noite. Foi tambm durante e, sobretudo, depois do exlio, que comeou o lento surgimento da sinagoga, isto , das reunies semanais nos sbados.

Assim, aos poucos, foi nascendo todo um contexto de orao com um ritmo dirio, semanal e anual. O ritmo dirio transmitia-se dentro da Casa, no ambiente da famlia. O ritmo semanal desenvolvia-se na Sinagoga, no ambiente da comunidade. O ritmo anual, que ns chamamos de Ano Litrgico, irradiava a partir do templo de Jerusalm para a vida da nao, do povo.

Criava-se, assim, um ambiente familiar e comunitrio impregnado pela leitura orante da Palavra de Deus, dentro do qual as pessoas aprendiam de memria os salmos e as oraes, como hoje se aprendem de memria os cnticos. Havia preces e bnos para todos os momentos importantes da vida. At hoje, se conservam aquelas oraes. Nos benditos que cantavam e nas bnos que invocavam, lembravam os acontecimentos mais importantes do passado. Isto as ajudava a reforar a prpria identidade, a conhecer a histria do povo e a no perder a memria. Era uma verdadeira catequese.

A escola de orao de Jesus era, antes de tudo, esta vida do dia-a-dia em casa na famlia e na comunidade. Foi l que ele aprendeu a conviver, a rezar e a trabalhar. O povo rezava muito, todos os dias, de manh, ao meio dia e noite. Desde criana, Jesus aprendeu os salmos de memria. A me ou a av os ensinava (cf. 2 Tim 1,5; 3,15).

Os salmos eram rezados no s com os lbios, mas com o corpo todo. A expresso corporal fazia parte da reza dos salmos. Por exemplo: procisso (Sl 68,24-25; 95,2), prostrao (Sl 5,8; 95,6), inclinao e genuflexo (Sl 95,6), estender as mos (Sl 63,5; 141,2), orientao na direo do Templo que ficava no Oriente (Sl 138,2), dana (Sl 149,3; 150,4), canto (Sl 147,1), grito (Sl 3,5; 142,2.6), colocar a cabea entre os joelhos (1Rs 18,42), etc. A expresso corporal contribua para criar e reforar o ambiente de orao.

O trplice ritmo da orao no tempo de Jesus

A orao diria era cultivada em Casa na famlia. Ela consistia em rezar trs vezes por dia as 18 bnos (manh, meio dia, noite) e duas vezes o Shem (manh e noite). A recitao destas preces era intercalada com salmos. Eis o esquema da orao que Jesus rezava todos os dias:* As 18 bnos (de manh, tarde e noite)

* O Shem, composto de trs benditos e trs leituras (de manh e noite)

1. Um bendito ao Deus Criador que cria o povo

2. Um bendito ao Deus Revelador que se revela e elege o povo

3. Tres leituras:

Dt 6,4-9:receber o Reino

Dt 11,13-21:receber a Lei de Deus

Nm 15,37-41:receber a Consagrao

4. Um bendito ao Deus Salvador que liberta o povo

* Tanto as 18 bnos como o Shem, tudo era o misturado com Salmos.

A orao semanal era cultivada no ambiente comunitrio da sinagoga. No tratado Pirque Abbt, Rabi Aqiba descreve este ambiente comunitrio da seguinte maneira: O Mundo repousa sobre trs colunas: a Lei, o Culto e o Amor. A Lei (tor) era a leitura da Sagrada Escritura. O Culto (abodh) era a celebrao, a orao dos Salmos. O Amor (hesed) era a preocupao em descobrir como ajudar as pessoas necessitadas da comunidade. At hoje, este o ambiente que se cria nas nossas comunidades. O povo rene para ler e meditar a Bblia, para rezar juntos e para ver como pode ajudar as pessoas necessitadas da comunidade.

A orao anual era cultivada atravs das romarias. A lei recomendava que, a cada ano, todos fossem ao templo de Jerusalm para comparecer diante de Deus nas trs grandes festas do ano: Pscoa, Pentecostes e Tabernculos (Ex 23,14-17; 2Crn 8,13).

Eis um resumo do ambiente da orao dos salmos, dentro do qual Jesus nasceu, cresceu e se formou:

1. O ritmo dirio em casa, na famlia

Em casa, o povo rezava trs vezes ao dia: de manh, ao meio dia e noite, isto , nos exatos trs momentos em que, l no Templo, se oferecia o sacrifcio. Assim, a nao inteira se unia diante de Deus.

2. O ritmo semanal da vida comunitria na sinagoga

Nos Sbados, reuniam na sinagoga para ler a Bblia, rezar e discutir a vida da comunidade. Havia um esquema fixo para as leituras da Lei de Moiss. A leitura dos profetas dependia da escolha do momento (Lc 4,17).

3. O ritmo anual da vida do povo ao redor do Templo

Era baseado no ano litrgico com suas festas. Cada ano, faziam trs romarias a Jerusalm para visitar o templo (Ex 23,14-17; 2 Crn 8,13).

A funo dos salmos na vida do povo no tempo de Jesus

Casa-Famlia-Dia, Sinagoga-Comunidade-Semana, Templo-Povo-Ano. Os salmos faziam parte deste ambiente de orao. Formavam o seu eixo. Destacamos aqui trs aspectos da funo que eles exerciam na prtica orante do povo:

1) Como modelo ou amostra. Andar se aprende andando. Era recitando, repetindo e ruminando os salmos que o povo rezava e aprendia a rezar. Foi assim que Jesus os rezou ao longo de toda a sua vida.

2) Como muleta ou recurso em momentos de desolao. Quando o sofrimento criava um vazio de secura na pessoa e lhe faltavam palavras para rezar, ento, nesses momentos, o que lhe restava era recorrer memria e usar a muleta do salmo decorado para dirigir-ses a Deus. Foi assim que Jesus rezou os salmos quando estava morrendo na cruz.

3) Como desafio ou provocao. A recitao constante dos salmos no podia levar a pessoa a uma rotina, mas devia leva-la a uma maior criatividade. O objetivo da recitao freqente dos salmos era fazer com que cada um, cada uma, chegasse a elaborar o seu prprio salmo. Foi assim que Jesus rezou os salmos, pois, como veremos, ele chegou a fazer o seu prprio salmo e o ensinou aos discpulos.

A orao dos salmos na vida das pessoas ao redor de Jesus

Mesmo no sendo histricos no sentido estrito da palavra, os dois primeiros captulos do evangelho de Lucas nos oferecem uma amostra de como era a piedade popular naquela poca e de como esta piedade era marcada pela orao dos salmos. Estes captulos comunicam um contexto de orao que transparece nas atitudes orantes de algumas pessoas que conviveram com Jesus ou que eram da mesma poca:

Maria, a Me de Jesus.

O cntico de Maria (Lc 1,46-55) parece uma colcha de retalhos, retalhos quase todos tirados dos salmos. Ele mostra como os salmos estavam no corao da vida orante do povo no tempo de Jesus e das primeiras comunidades crists. A concordncia da Bblia de Jerusalm mostra claramente como este cntico est impregnado pelos salmos. Alm disso, o cntico de Maria uma prova de como a recitao freqente dos salmos provocava nas pessoas a criatividade e as levava a fazer o seu prprio salmo.

Zacarias e Isabel.

O cntico de Zacarias (Lc 1,67-79) tem as mesmas caractersticas j observadas no cntico de Maria. Ele tambm fruto da meditao dos salmos e da histria do povo de Deus. O contexto da visita de Maria a Isabel (Lc 1,39-45) um contexto orante em que duas mulheres, duas donas de casa, experimentam a presena de Deus numa das coisas mais comuns da vida humana: a visita que uma faz outra para prestar-lhe um servio. Maria aparece ajudando Isabel num parto de risco.

Simeo e Ana.

O mesmo se diga do velho Simeo (Lc 2,25-35) e da profetisa Ana (Lc 2,36-38). Os dois viviam no ambiente de orao, que se criou ao redor do Templo, e por isso tornaram-se capazes de reconhecer a presena de Deus numa criana recm nascida, levada para o templo por um casal pobre.

Jesus convivendo no ambiente de orao do seu povo

Nos evangelhos Jesus aparece convivendo e participando nesse contexto da vida orante do seu povo com seu trplice ritmo de orao. Enumeramos aqui s alguns momentos de orao. Quem for pesquisar, encontrar outros espalhados pelos quatro evangelhos.

Ritmo dirio e familiar

* Levanta bem cedo para rezar (Mc 1,35)

* Reza antes das refeies (Lc 9,16; 24,30).

* A pedido das mes ele d a bno s crianas (Mc 10,16).

Ritmo semanal e comunitrio

* Tem o costume de participar da orao na sinagoga nos sbados (Mc 1,21Lc 4,16)

* Durante a reunio semanal, ele se levanta para fazer a leitura (Lc 4, 16)

* Nos sbados participa da reunio para transmitir o seu ensinamento ao povo presente (Mc 6,2).Ritmo anual do templo

* Aos doze anos de idade, ele vai ao Templo, Casa do Pai (Lc 2,46-50).

* Participa das romarias ao Templo de Jerusalm nas grandes festas (Jo 5,1).

* Celebra a Ceia Pascal com seus discpulos (Lc 22,7-14).

* Ao sair da Ceia para o Horto reza salmos com os discpulos (Mt 26,30).

Resumindo. Foi naquele contexto familiar e comunitrio, impregnado pela orao dos salmos, e na convivncia com pessoas como aquelas descritas por Lucas, que Jesus nasceu e se formou, que ele "crescia em sabedoria, graa e tamanho diante de Deus e dos homens" (Lc 2,52). O ritmo dirio, semanal e anual era a sua escola, o seu sustento e o seu quadro de referncias. Era o ambiente que o levava a participar das romarias em busca da casa do Pai (Lc 2,42), e em que aprendeu a passar as noites em orao (Lc 5,16; 6,12).2. Jesus, usando os salmos, rezando a vida, ensinando a rezar

A maneira como Jesus usava e rezava os salmos

"Desde pequeno", Jesus aprendeu de memria os salmos (cf. 2Tm 3,15; 1,5) e os usava de vrias maneiras, entre outras, para dirigir-se ao Pai, para transmitir sua mensagem ao povo e para refutar as crticas dos adversrios.

Usava os Salmos para dirigir-se ao Pai

Alm da reza diria dos salmos em casa na famlia e da sua recitao semanal na comunidade, Jesus aparece rezando os salmos, sobretudo nos momentos difceis do sofrimento, no Horto e na Cruz. No Horto, ele desabafa Minha alma est triste (Mc 14,34). A frase lhe fornecida pelo mesmo salmo que ele rezou na cruz ao entregar o Esprito (Sl 31,9-10). O mesmo sentimento de dor e de tristeza aparece em outro salmo (Sl 42,5-6). Na cruz, Jesus reza dois salmos: Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste? (Mc 15,34; Sl 22,1) e Em tuas mos entrego o meu esprito (Lc 23,46; Sl 31,6).

Alm disso, os evangelhos recorrem aos salmos para descrever certas cenas que acontecem durante a paixo e morte de Jesus: voltam atrs os que planejam o mal contra mim (Jo 18,6; Sl 35,4); dividiram minhas vestes e sobre a tnica lanaram a sorte (Mc 15,23; Sl 22,19); na minha sede me deram fel de beber (Mt 27,28; Sl 69,22); aquele que comigo pe a mo no prato, esse me entregar (Mt 26,23; Sl 41,10); confiou em Deus, que o livre agora (Mt 27,43; Sl 22,9); nenhum osso lhe ser quebrado (Jo 19,36; Sl 34,21). Era uma maneira para sugerir aos leitores que Jesus, aquele que estava sofrendo e morrendo na Cruz, era de fato o messias que o povo estava esperando.

Usava os salmos para ensinar o povo

Aqui, h todo um campo a ser investigado. De acordo com a concordncia da Bblia de Jerusalm, vrios ensinamentos de Jesus so evocaes de frases de salmos. Por exemplo:Felizes os mansos, porque herdaro a terra (Mt 5,4; Sl 37,11)

Felizes os que choram porque sero consolados (Mt 5,5; Sl 126,5)

Felizes os puros de corao, porque vero a Deus (Mt 5,8; Sl 24,3-4).

O pai que v em segredo, escutar a prece feita em segredo (Mt 6,4; Sl 139,2-3).

O abandono providncia divina (Mt 6,25-34; Sal 127)

A parbola da vinha (Mc 12,1; Sl 80,9-19).

Eu sou o bom pastor (Jo 10,11; Sl 23)

Assim, h muitas outras evocaes de salmos espalhadas pelas frases e ensinamentos de Jesus. Algumas provm do prprio Jesus, outras, muito provavelmente, das comunidades que usavam as frases conhecidas dos salmos para transmitir os ensinamentos de Jesus.

Usava os salmos para refutar e criticar os adversrios

Nas discusses com os fariseus e escribas, Jesus responde com frases tiradas do livro dos Salmos, pois eram conhecidas de todos. Da boca dos pequeninos e das criancinhas preparaste um louvor para ti (Mt 21,16; Sl 8,3 LXX).

A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular (Mt 21,42; Sl 118,23).

O Senhor disse ao meu Senhor: senta-te minha direita (Mt 22,44; Sl 110,1).

Vereis o Filho do Homem sentado direita do Poderoso (Mc 14,62; Sl 110,1)

Jesus, rezando a vida

A maneira de Jesus rezar e usar os salmos revela uma pessoa orante em profunda unio com Deus. Jesus rezava muito. Passava noites em orao (Lc 6,12) para estar com o Pai e conhecer a sua vontade (Mt 26,39). Alm dos momentos que j vimos, os evangelhos, sobretudo o de Lucas, nos conservaram outros momentos desta vida orante de Jesus. Nestes outros momentos, porm, os salmos quase no aparecem nestas preces. Por que ser?

que os salmos so como o pavio da vela, que no se v por causa da cera que o esconde aos nossos olhos. As oraes e preces so a cera que esconde o pavio. Mas o pavio que faz com que as preces e benditos possam iluminar a mente e esquentar o corao. As oraes e preces so como as numerosas folhas verdes que escondem os galhos da rvore. Mas so os galhos invisveis que geram as folhas. Os salmos so os galhos. Quando bem rezados geram as folhas das preces e das oraes espontneas. Eis s alguns destes outros momentos, em que Jesus aparece rezando:* Na hora de ser batizado e de assumir a misso, ele reza (Lc 3,21).

* Na hora de iniciar a misso, passa quarenta dias no deserto (Lc 4,1-2).

* Na tentao, ele enfrenta o diabo com textos da Escritura (Lc 4,3-12).

* Na hora de escolher os doze Apstolos, passa a noite em orao (Lc 6,12).

* Na hora de fazer levantamento da realidade e falar da sua paixo (Lc 9,18).

* Na alegria de ver Evangelho revelado aos pequenos (Lc 10,21).* Na ressurreio de Lzaro: Pai eu sei que sempre me ouves! (Jo 11,41-42)

* Procura a solido do deserto para rezar (Mc 1,35; Lc 5,16; 9,18).

* Rezando, desperta vontade de rezar nos apstolos (Lc 11,1).

* Na crise sobe o Monte da transfigurao para rezar (Lc 9,28).

* Na hora da despedida reza a orao sacerdotal (Jo 17,1-26).

* Na angstia da agonia pede aos trs amigos para rezar com ele (Mt 26,38).

* Na hora de ser pregado na cruz, pede perdo pelos carrascos (Lc 23,34).

* Jesus morre soltando o grito, a orao dos pobres (Mc 15,37).

Esta lista mostra como Jesus aparece rezando em quase todos os momentos importantes e difceis da sua vida: na crise e na tentao, na escolha dos apstolos, na deciso de ir para Jerusalm, na agonia do Horto, na hora de morrer na cruz. Ele vivia em contato com o Pai. Sua vida era uma orao permanente: "Eu a cada momento fao o que pai me mostra para fazer!" (Jo 5,19.30). A ele se aplica o que diz o Salmo: "Eu (sou) orao!" (An tefilh) (Sl 109,4).

Jesus, ensinando a rezar

O jeito de rezar de Jesus era contagiante e provocava nos outros o desejo de aprender a rezar. Certo dia, assim informa o evangelho de Lucas, Jesus estava rezando. Era durante a subida para Jerusalm, onde seria preso e morto. Os apstolos chegaram perto e pediram para ele ensinar-lhes a rezar como Joo Batista tambm tinha ensinado a seus discpulos (Lc 11,1). A resposta de Jesus aos discpulos foi o Pai-Nosso.

A recitao dos salmos tinha uma dimenso mstica e criativa. A sua reza era o momento no s para recitar devotamente as oraes que outros tinham feito, mas tambm para cada um, cada uma, vivenciar a sua prpria unio com Deus. Naquele tempo, o ideal era este: cada pessoa devia aprender a rezar os salmos de tal maneira que por eles fosse despertada a formular seu prprio salmo. Jesus aprendeu a lio dos salmos. Como bom judeu chegou a fazer o seu prprio salmo e o ensinou aos apstolos, que o transmitiram para ns. o Pai-Nosso.

O texto do Pai-Nosso, conservado no evangelho de Lucas (Lc 11,2-4), mais curto que o texto conservado em Mateus (Mt 6,9-13). O texto de Mateus uma cartilha que resume em forma de sete preces tudo que Jesus ensinou ao povo.

Alm deste exemplo bem concreto do Pai-Nosso, Jesus deu vrios outros conselhos de como rezar que so como que o fruto da sua prpria experincia de orao, alimentada pela recitao dos salmos. Eis alguns destes conselhos:

* em nome de Jesus que se deve pedir as coisas a Deus (Jo 15,16; 16,23-24).* Deve-se pedir com muita confiana, sem esmorecer (Lc 11,5-13; Mc 7,7-11)

* No convm usar muitas palavras nem confiar no muito palavreado (Mt 6,7-18).* No rezar para ser visto pelos outros, mas entrar no quarto, fechar a porta e rezar no segredo, pois o Pai nos v (Mt 6,5-6).

Os evangelhos conservaram tambm algumas das oraes que Jesus rezou e algumas das intenes pelas quais rezou: * Formulou uma prece diante do sepulcro de Lzaro (Jo 11,41-42)

* Fez uma prece para expressar sua alegria ao perceber que os pobres e pequenos entendiam a mensagem do Reino (Mt 11,25-30)* Formulou uma prece no Horto: Pai, afasta de mim este clice (Mc 14,36)

* Rezou por Pedro, para que no desfalecesse na f (Lc 22,32).

* Passou a noite em orao para saber a quem escolher (Lc 6,12).* Recomenda rezar na hora da tentao (Lc 22,40).* Diz que certos males s saem na base de muita orao (Mc 9,29).* Manda pedir que Deus envie operrios na sua messe (Lc 10,2).* O testamento de Jesus uma prece pela unidade (Jo 17,1-26).* Diz que o Esprito Santo s se obtm atravs da orao (Lc 11,13).* Pediu perdo ao Pai pelos seus carrascos (Lc 23,34).3. As Comunidades: a continuao de Jesus oranteO livro dos Atos o segundo volume da obra de Lucas. No primeiro, ele fala de Jesus. No segundo, fala das comunidades como sendo a continuidade de Jesus. Existe um paralelismo muito claro e quase explcito entre o que Jesus faz no Evangelho e o que as comunidades fazem em Atos. Atravs da ao do Esprito Santo, estas so a presena continuada de Jesus diante de Deus e diante dos homens. De modo particular, isto vale para a orao. Assim como Lucas acentua, mais que os outros evangelistas, a orao em Jesus. Da mesma maneira impressiona a freqncia com que ele, em Atos, menciona a orao na vida das comunidades. Como no evangelho, tambm em Atos, a cera das preces esconde o pavio dos salmos. Mas a quantidade impressionante de momentos de orao em Atos revela a fora de irradiao dos salmos na vida das comunidades. Segue aqui uma lista (quase montona) dos textos de Atos que, de uma ou de outra maneira, mencionam a orao:At 1,14: A comunidade persevera na orao com Maria a me de Jesus.

At 1,24: A comunidade ora para escolher o substituto de Judas.

At 2,25-35:Pedro cita salmos durante a pregao.

At 2,42: Os primeiros cristos so assduos na orao.

At 2,46: So assduos tambm em freqentar o Templo.

At 2,47: Eles louvam a Deus.

At 3,1: Pedro e Joo sobem ao Templo para a orao da hora nona.

At 3,8: O aleijado curado louva a Deus.

At 4,23-31:A comunidade reza na perseguio.

At 5,12:Os primeiros cristos permanecem no prtico de Salomo.

At 6,4: Os Apstolos se dedicam orao e palavra.

At 6,6: Eles rezam antes de impor as mos aos diconos.

At 7,59: Estevo reza: "Senhor, recebe o meu esprito!"

At 7,60: Reza ainda: "Senhor, no lhes leve em conta esse crime!"

At 8,15: Pedro e Joo oram para os convertidos receberem o Esprito.

At 8,22: Ao pecador se diz: arrepende-te e ora, para obter o perdo.

At 8,24: Simo Mago diz: "Reze por mim a Deus!"

At 9,11: Saulo est orando.

At 9,10ss:Dilogo de Ananias com Deus.

At 9,40:Pedro reza pela cura de Dorcas.

At 10,2:Cornlio orava a Deus constantemente.

At 10,4:As oraes de Cornlio sobem ao cu e so ouvidas.

At 10,9: Pedro reza na sexta hora no terrao.

At 10,13s:Dilogo de Pedro com Deus.

At 10,30:Cornlio faz orao na hora nona.

At 10,31: Cornlio escuta o anjo dizer: "Tua orao foi ouvida".

At 11,5: Pedro informa ao povo de Jerusalm: "Eu estava em orao!"

At 12,5: A comunidade ora quando Pedro preso.

At 12,12: Na casa de Maria, muitos esto reunidos em orao.

At 13,2: O envio dos missionrios acontece durante uma celebrao.

At 13,3: A comunidade reza no envio de Paulo e Barnab em misso.

At 13,48: Os pagos se alegram e glorificam a Palavra de Deus.

At 14,23: Os missionrios oram para designar os coordenadores.

At 16,13:Em Filipos, junto do rio, h um lugar de orao.

At 16,16: Paulo e Silas iam indo para a orao.

At 16,25: De noite, Paulo e Silas cantam e rezam na priso.

At 18,9: Paulo tem uma viso do Senhor durante a noite.

At 18,18: Paulo raspou a cabea para cumprir uma promessa.

At 19,17: O Nome de Jesus engrandecido por todos.

At 19,18: Muitos confessam os seus pecados.

At 20,7: Eles esto reunidos para a frao do po (Eucaristia).

At 20,32: Paulo recomenda a Deus os coordenadores das comunidades.

At 20,36: Paulo reza de joelhos com os coordenadores das comunidades.

At 21,5: Colocam-se de joelhos na praia para rezar.

At 21,14: Diante do inevitvel, o povo diz: Seja feita a vontade de Deus!

At 21,20: Glorificam a Deus pelo que Paulo realizou.

At 21,26: Paulo vai ao templo cumprir uma promessa.

At 22,7ss:Dilogo de Paulo com Jesus.

At 22,17: Paulo orou no Templo e teve uma viso.

At 22,18ss:Dilogo de Paulo com Deus.

At 23,11: Preso em Jerusalm, Paulo tem uma viso de Jesus.

At 27,23ss:Paulo tem uma viso de Jesus durante a tempestade no mar.

At 27,35:Paulo abenoa o po antes de aportar em Malta.

At 28,8: Paulo reza sobre o pai de Pblio que est doente.

At 28,15: Paulo d graas a Deus ao encontrar os irmos em Putoli.

Nestas oraes das comunidades, observa-se o mesmo que observamos na orao de Jesus. Os primeiros cristos continuam a tradio do povo e mantm o que aprenderam desde pequeno: rezam em casa na famlia, em comunidade na sinagoga e junto com o povo no Templo. Como Jesus, criam um novo jeito de rezar com um novo contedo. Alm da participao na liturgia tradicional, eles tm seus prprios momentos de orao que acompanham os atos importantes da vida em comunidade: rezam na hora do batismo, no momento de receber o Esprito Santo, na imposio das mos, na transmisso dos ministrios, na escolha dos novos ministros, no envio dos missionrios. Como em Jesus, a sua orao intensifica-se nos momentos difceis e crticos da caminhada: rezam na perseguio, na despedida, na doena, na hora da morte, na converso de uma pessoa.

A raiz desta abundncia de orao brota da nova experincia de Deus que Jesus nos trouxe e da conscincia clara que elas tm da presena de Deus no meio delas. Os cristos formavam comunidades orantes, dedicadas Palavra e Orao (At 6,4).

4. Uma chave para os Salmos: rezar como Jesus rezou

Para os judeus, o importante era "rezar como Davi rezou". Para ns cristos, o importante "rezar como Jesus rezou" para criar em ns os mesmos sentimentos que animaram a Jesus durante toda a sua vida (Fl 2,5).

Como vimos, a escola de orao de Jesus era a vida em casa com a me e na sinagoga com a comunidade. Mas era tambm e, sobretudo, a sua vida de intimidade com Deus, seu Pai. Aqui atingimos o corao, a respirao da vida de Jesus, onde ningum penetra. A gente s o adivinha por aproximao a partir do que os evangelhos informam.

A intimidade com o Pai dava a ele um critrio novo para ler e rezar os salmos. Jesus buscava o sentido na fonte. No ia da letra at raiz, mas ia da raiz at letra. A partir da sua experincia de Deus, os salmos adquiriam para ele um sentido novo, mais pleno. Por isso, ns cristos, quando rezamos os salmos, costumamos termina-los com a invocao da Santssima Trindade. a maneira de rezar os salmos como Jesus os rezava, a partir da mesma experincia de Deus, que ele nos revelou.

No tempo de Jesus, a imagem que o povo se fazia de Deus era de algum distante, cujo nome no podia ser pronunciado. Em vez de Jv diziam Adonai, Senhor. O relacionamento com Deus era feito, sobretudo atravs da observncia das normas da lei, ensinadas pelos escribas e fariseus. Ora, foi exatamente neste ponto da imagem de Deus que Jesus trouxe uma grande novidade para o seu povo e para todos ns. Atravs das suas palavras e aes, nascidas da sua experincia de filho, o mesmo Deus que parecia to distante e severo adquiriu os traos de um Pai bondoso de grande ternura, sempre presente, pronto para acolher e libertar! Esta Boa Notcia de Deus, comunicada por Jesus, era e continua sendo a nova chave para reler todo o Antigo Testamento e rezar os salmos com um novo olhar.

No basta o estudo para que os salmos liberem o seu sentido. preciso ter nos olhos e no corao a conscincia e a liberdade de filhos e filhas de Deus que Jesus nos comunica. Do contrrio, os salmos continuam cobertos por um vu que impede a descoberta plena do seu sentido. " s pela converso ao Senhor que o vu cai. Pois o Senhor Esprito e onde h o Esprito, a h liberdade" (2Cor 3,17).

O texto do salmo como uma lmpada. O estudo do texto limpa a lmpada e tira a poeira de sculos que grudou do lado de fora abafando o brilho. A experincia de Deus e da vida, vivida e partilhada na comunidade, gera a fora que acende a lmpada do salmo pelo lado de dentro e produz o brilho.

Dizia Cassiano (sculo V): "Instrudos por aquilo que ns mesmos sentimos, j no percebemos o salmo como algo que s ouvimos, mas sim como algo que experimentamos e tocamos com nossas mos; no como uma histria estranha e inaudita, mas como algo que damos luz desde o mais profundo do nosso corao, como se fossem sentimentos que formam parte do nosso prprio ser. Repitamo-lo: no a leitura (lectio, estudo) que nos faz penetrar no sentido das palavras, mas sim a prpria experincia adquirida anteriormente na vida de cada dia" (Collationes X,11). Milton Nascimento diz a mesma coisa com outras palavras: Certas canes caem to bem em mim que perguntar carece por que no fui eu que fiz!

Para fazer este artigo utilizei alguns textos que tivemos que fazer para o 4 e 8 volume do Projeto Tua Palavra Vida, editados pela CRB e Loyola.