jeanne carmichael - depois do baile

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Depois Do Baile - Jeanne Carmichael A Moment Madness - Julia Época Especial 01.1

Juliana Chevron não podia acreditar no que estava lhe acontecendo. Recebera 1 proposta para casar-se com Johnny

Travassos. Considerado irreverente, louco e destruidor de corações, ele sempre preferira as perigosas corridas de obstáculos às festas de debutantes. Seu irmão, porém, pensava diferente, e fizera 1 proposta irrecusável para

Juliana ser 1 troféu definitivo da vida de Johnny!

Digitalização e Correção: Nina

Julia Época 1 (Especial Tripla) :

-1º História : Jeanne Carmichael - Depois do baile -2º História : Phyllis Taylor Pianka - Segredos do passado

-3º História : Barbara Neil - Dom-Juan Apaixonado

Dados da Edição: Ed. Nova Cultural 1995 Publicação original: 1992 Gênero: Romance Histórico

Estado da Obra: Corrigida

Série Moment Of Madness Ordem Título Ebooks Data

1 A Moment Of Madness

Julia Época Esp.01.1 - Depois Do Baile Jun-1992

2 Madcap Johnny Jan-1993

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CAPITULO I

Juliana Chevron endireitou os ombros quando o mordomo a conduziu a uma ante-sala e pediu que aguar-

dasse. Ele informou, desnecessariamente, que havia outras interessadas na vaga. Podia ver isso por si

mesma. Havia pelo menos umas dez damas na sala, todas mais qualificadas que ela, de acordo com seu

julgamento. Talvez nem tivesse sentido perder tempo esperando para ser atendida pelo conde.

Juliana ponderou que precisava do emprego que, a julgar pelo anúncio no Gazette, parecia ser muito

bom. Sentou-se, decidida a esperar.

A porta abriu-se e o mordomo chamou uma mulher bastante elegante, que ergueu-se, majestosa.

Juliana pensou em sua aparência naquele momento. Não estava nada bonita. Anna, sua amiga, havia

protestado ao vê-la prender os cabelos em um coque rígido, que a fazia parecer mais velha do que seus

vinte e dois anos. Ficara abismada ao perceber que além de tudo ela usava um vestido largo, que escondia

suas formas graciosas. Mas Juliana permaneceu irredutível na decisão de parecer mais velha e sem graça.

O mordomo reapareceu, chamando a próxima candidata. A mulher que se levantou tinha uma aparência

desamparada, o que fez com que Juliana sentisse muita pena dela.

Será que tinha onde morar? Por sorte, Juliana contava com Anna e o marido bem-humorado, William

Goodbody. Ao ser despedida por lady Poole, procurara a antiga babá, que insistira para que ficasse com

eles até encontrar outro emprego.

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Ela detestava ser um fardo para eles. A casa minúscula onde moravam mal abrigava o casal e os dois

filhos pequenos. E, por mais que ambos negassem, sabia que tinham dificuldade para alimentar mais uma

pessoa.

Perdida nos próprios pensamentos, Juliana espantou-se ao ouvir o mordomo chamar seu nome.

— É a sua vez, senhorita. Siga-me, por favor.

Ela pôs-se de pé, quase tropeçando na barra do vestido. Ouviu um murmúrio vindo de uma das

candidatas. Endireitou os ombros e seguiu o mordomo, decidida.

O criado atravessou o corredor em direção a uma porta, que abriu, fazendo um gesto para que Juliana

entrasse.

— A sita. Chevron, milorde — anunciou.

Spencer Drayton, o quarto conde de Granville, estava de pé atrás de uma enorme escrivaninha de

mogno. Ao notar a aparência distinta, os ombros largos e o olhar penetrante do conde, imaginou-o em

meio a barões e príncipes. Sentiu-se intimidada.

— Entre — o nobre cavalheiro ordenou, ríspido, observando-a caminhar através da sala.

Ele havia especificado que procurava uma mulher de estirpe e só apareciam candidatas desqualificadas.

Esta não parecia ser melhor que as outras. Fez sinal para que ela se sentasse em uma cadeira em frente à

escrivaninha.

Hesitante, Juliana sentou, as mãos agarrando-se, com força aos braços da cadeira. Observou a

expressão impenetrável do conde. Precisou engolir, antes de conseguir falar.

— Obrigada por atender-me, lorde Granville.

Ele não respondeu. Estava ocupado demais, estudando-lhe as feições, reconsiderando sua primeira

opinião. Ela não passava muito dos vinte anos. Ainda por cima possuía lindos olhos verdes, parecidos com

os de lady Eastbourne. As sobrancelhas escuras conferiam uma expressão dramática ao rosto, que chamou

a atenção do conde.

— Posso pedir que tire o chapéu, sita. Chevron? Juliana ergueu a mão, hesitante.

— Tirar o chapéu? Por quê?

— Gosto de ver as pessoas com quem estou falando. Meu pai sempre dizia que o rosto mostra o caráter

de um homem. Com certeza o mesmo se aplica às mulheres. Por isso peço-lhe que tire o chapéu.

Que homem arrogante, Juliana pensou. Desamarrou a fita com dedos trêmulos, baixando o olhar, ao

tirar o chapéu.

O conde não deixou transparecer a satisfação que sentiu ao ver a espessa massa de cabelos negros.

Nervosa com o silêncio prolongado, Juliana ergueu o olhar. Não lhe foi possível adivinhar o que

passava na cabeça do conde. Ficou, porém, aliviada por ver que ele se sentava, o que indicava que não a

dispensaria tão rápido quanto as candidatas anteriores.

— A senhorita fala francês? Parlez vous français?

— Bien sür, monsieur — respondeu ela, e continuou em um francês impecável: — Minha mãe era

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inglesa, mas papai era francês e fez questão que eu aprendesse a língua.

— Que bom — disse o conde, pouco entusiasmado.

Juliana calou-se e observou-o.

Ele apoiou os cotovelos na mesa, cruzando as mãos, pensativo. A jovem falava francês tão bem

quanto lady Mary Montagu, e a voz era de uma suavidade inebriante. A qualidade agradaria tia Geórgia.

Ele lançou um olhar à lista de exigências, depois encarou-a.

— A senhorita parece ter sido bem-educada. Quais são seus outros dotes?

— Eu toco cravo muito bem, desenho e tive aulas de dança.

— A senhorita sabe montar?

Juliana ergueu as espessas sobrancelhas.

— Seria parte das minhas tarefas?

— Sim. Meu... tutelado é um cavaleiro entusiasmado.

— Um rapazinho, então? — Ela ficou contente; gostava de trabalhar com meninos. — Eu gosto de

cavalgar, apesar de não fazê-lo há anos.

O conde recostou-se na cadeira.

— Conte-me mais a seu respeito, srta. Chevron. Disse-me que sua mãe era inglesa?

— Sim, da ilha de Wight. Minha mãe e meu pai se conheceram quando ele fugiu da França, após a

revolução. — Ela fez uma pausa, abrindo um sorriso. — Foi amor à primeira vista.

Granville suspirou. Seu olhar se dirigiu a um quadro sobre a lareira. Ele também se casara por amor.

Contemplou o retrato da jovem dama, vestida de vermelho, até que um movimento de Juliana o

despertou do devaneio.

— A família de sua mãe não se opôs ao casamento? — o conde continuou.

— Meu avô foi contra mamãe casar-se com um imigrante sem fortuna. Afinal, havia dois cavalheiros

de posses interessados nela. Mas mamãe declarou que só se casaria se fosse com Christian Chevron.

Vovô acabou cedendo, mas sempre demonstrou seu desagrado em relação ao casamento. Principalmente

quando... — ela calou-se abruptamente.

— Quando o quê?

— Papai retornou à França, decidido a recuperar as terras que lhe foram tomadas durante a revolução.

Nunca mais ouvimos falar dele. Mamãe ficou desolada e adoeceu, morrendo um ano depois.

— Entendo. E seu avô?

— Morei com ele até dois anos atrás, quando faleceu. Juliana o encarou, conformada.

— Não quero ser impertinente, mas seu avô não lhe deixou nada?

— Ele perdeu muito dinheiro e, quando faleceu, foi necessário vender Carisbrook, a mansão da

família, para pagar as dívidas. É por isso que estou procurando emprego.

— Carisbrook? A senhorita é neta do general Claxton? Juliana aquiesceu.

— O senhor o conheceu?

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— Ele era muito amigo de meu pai. Conheci-o quando menino; um cavalheiro decidido.

— Era mesmo — respondeu Juliana, sorrindo diante da descrição atenuada dos modos tirânicos do avô.

Granville notou que o sorriso de Juliana iluminava-lhe os olhos. Além de bonita, ela era de boa

família. Agora ao teste final. Seria difícil julgar a beleza do corpo da candidata sob aquele vestido, mas

era necessário. John era exigente. Ele pôs-se de pé.

— A senhorita se importaria de levantar e dar uma volta?

Ela permaneceu sentada; sentia-se afrontada. Sabia o que pensar de alguém que contratava uma

governanta baseado na aparência.

— Srta. Chevron... — Lorde Granville contornou a mesa. Juliana levantou-se e, sem uma palavra,

caminhou até a porta.

— Srta. Chevron, espere! Ainda não terminei...

Irritada com a presunção do conde, ela virou-se, tremendo de raiva.

— Como se atreve, senhor? Posso não possuir mais nada, mas pretendo continuar sendo uma dama.

— Se houvesse alguma dúvida a este respeito eu não a estaria entrevistando.

A voz, assim como o olhar do conde, diziam a Juliana que ele estava ofendido. Confusa, ela hesitou.

— Sugiro que se acalme, assim poderemos conversar sobre o emprego — o conde pediu e, vendo que

Juliana ainda hesitava, esclareceu: — Estou pagando cem libras por ano.

Cem libras! Era mais do que Juliana pretendia receber nos próximos anos. Com cem libras poderia até

dar uma ajuda a Anna e Will. Ela aproximou-se do conde, encarando-o. A simpatia no olhar dele a

desarmou.

— Sente-se, por favor, sita. Chevron.

— Obrigada. Mas, antes de continuarmos, eu gostaria de saber qual seria o meu trabalho.

— É claro... Tenho uma proposta a lhe fazer — disse, voltando a sentar atrás da mesa. — Espere só

um momento.

Lorde Granville chamou o mordomo e pediu que lhes servisse um chá.

— Ah, Hadley — chamou, quando o mordomo já ia saindo —, por favor, dispense as outras moças.

Juliana esperou que o criado saísse para indagar:

— Não está sendo precipitado, milorde?

— Não. Entrevistei várias damas; nenhuma chegou sequer perto do que procuro — explicou, sério.

— Agradeço sua confiança, milorde, mas fico apreensiva por desconhecer as exigências do trabalho.

Qual é a idade do menino?

— Falaremos sobre o menino enquanto tomamos chá — ele disse, sorrindo.

A ênfase dada à palavra menino deixou Juliana insegura, mas Hadley apareceu com o chá antes que

ela pudesse dizer alguma coisa. O conde pediu que deixasse a bandeja sobre uma jnesinha de mogno,

perto da lareira.

Contornando a escrivaninha, lorde Granville ofereceu-lhe o braço.

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— Vamos, srta. Chevron?

Juliana permitiu que ele a conduzisse até um sofá, em frente à mesinha, que fazia conjunto com duas

poltronas. Ficou aliviada ao vê-lo sentar-se em uma das poltronas, mas sentia-se desconfortável com o

olhar intenso que o conde lhe dirigia.

— A senhorita se incomoda de servir?

Juliana tirou as luvas e as depositou sobre o chapéu ao seu lado. Serviu o chá com elegância. Sentindo-

se observada, estendeu a xícara de fina porcelana para o conde.

— Esta mesinha é esplêndida — comentou, tentando começar uma conversa.

A mesa em questão tinha o centro de couro e a borda de metal dourado, incrustado com doze

miniaturas em marfim, representando diversas cenas mitológicas.

— Seu gosto é perfeito. De todos os objetos desta sala, com certeza, a mesa é o mais valioso.

— O senhor ia me contar a respeito do menino — ela mudou de assunto.

— O menino? Oh, sim, meu irmão mais novo tem vinte e sete anos, srta. Chevron. Talvez já tenha

ouvido falar em lorde John Drayton? — lorde Granville perguntou, depositando a xícara sobre a

mesinha.

— Johnny Travassos? Acredito que toda a Inglaterra já ouviu falar nele.

— Infelizmente, acho que tem razão. Johnny é meu irmão mais novo.

Juliana estava atônita. Johnny Travassos; lindo, namorador e brincalhão, era parente do conde? Parecia

inacreditável. Sem saber o que dizer, ela tomou um gole de chá.

O conde a observava, pensando em como lhe fazer a proposta. Concluiu que seria mais fácil ir direto

ao assunto.

— Seria capaz de casar-se com ele, srta. Chevron?

Juliana quase derramou o chá.

— Francamente, lorde Granville! Não vejo o que isso possa ter a ver com meu emprego! — exclamou

ela, indignada.

— Responda, por favor.

— Duvido que jamais me fosse dada a oportunidade, já que não pertencemos ao mesmo círculo social.

Mas acredito que seria capaz, sim. Pelo que ouvi dizer, ele faz o maior sucesso entre as moças.

— E também é irresponsável, perdulário e libertino.

Juliana esboçou um sorriso.

— A um homem rico e belo, perdoa-se muita coisa, milorde.

Lorde Granville levantou-se e contornou o sofá, postando-se atrás de Juliana.

— Lorde John é meu herdeiro. Venho tentando fazer com que ele se case e se torne um homem

responsável. Acredito que conseguirei convencê-lo, caso eu encontre uma mulher que venha ao encontro

das expectativas dele.

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As mãos de Juliana tremiam ao compreender aonde o conde queria chegar. Depositou a xícara sobre a

mesinha, lembrando-se das palavras do anúncio: "Procura-se uma dama de ótima família para trabalhar

na casa do conde de Granville".

— A senhorita preenche os requisitos, srta. Chevron.

— É um absurdo, milorde! O senhor não pode procurar uma mulher para seu irmão por intermédio de

um anúncio.

— Também achei, a princípio — disse ele, voltando a sentar-se na poltrona. — Quando minha tia

Geórgia apareceu com a idéia, não gostei. Mas, ao pensar no assunto, depois da última brincadeira de

John, achei que poderia dar certo.

Juliana balançou a cabeça.

— Não posso acreditar. Deve ser alguma brincadeira.

— Juro que estou falando sério.

— E quanto ao seu irmão? Como pretende convencê-lo? "Johnny, encontrei uma esposa para você, por

um anúncio no jornal?"

— Sente-se, minha cara, enquanto explico meu plano. Depois de ouvi-lo, se ainda não concordar, pode

ir embora. Eu a recompensarei pelo tempo perdido.

Granville serviu mais chá para ambos, antes de começar a falar.

— Temos algo em comum, srta. Chevron. Eu também perdi meus pais cedo. Estava com catorze anos

quando papai morreu; John só tinha oito anos. Tivemos tutores e governantas, mas eu sempre me senti

responsável por John. E quando ele fazia suas travessuras eu o encorajava. Achava-o tão destemido...

A admiração era evidente na voz do conde e Juliana sentiu-se tocada.

— O senhor tem sorte por ter um irmão. Eu sou filha única.

— Não sei se é tanta sorte assim. As travessuras de John aumentaram demais e, nos últimos anos, seu

nome esteve associado a um escândalo após o outro. As damas o acham encantador e o estimulam.

— Ele fez uma pausa, encarando-a, pensativo. — Espero que, com minha ajuda, a senhorita seja

capaz de pôr um fim a este comportamento.

— Mesmo que eu concordasse, milorde, não acho que conseguiria. Afinal, acredito que inúmeras

mulheres já tentaram.

— Ah, mas nenhuma contou com minha ajuda. Conheço-o bem e preparei uma lista das preferências

dele.

Juliana riu alto.

— E um absurdo. Não se pode governar as emoções.

— Discordo, srta. Chevron, e estou disposto a convencê-la do contrário. E, mesmo que eu falhe,

prometo que receberá sua parte.

— Qual é o plano?

— Caso concorde, a senhorita se mudará para Crowley, minha casa de campo em Chelmsford. Lá,

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receberá um guarda-roupa novo confeccionado pelas melhores estilistas de Londres. Com minha ajuda e de

minha tia, Geórgia, aprenderá a agradar John, exercitando os dotes que mais o agradam. Quando estiver

pronta, será apresentada à sociedade como protegida de minha tia. Irá conhecer a nata da sociedade e, se

meu plano der certo, tornar-se-á lady Drayton e, futuramente, condessa de Granville.

Juliana encarou-o, incrédula.

— Ainda não consigo acreditar. E uma loucura! Mas, suponhamos que eu concorde em participar, seu

irmão se apaixone por mim e peça minha mão em casamento.

Granville balançou a cabeça, encorajador.

— E, no final, eu descubra que não quero me casar com ele.

— Ainda não conheci uma mulher que não o quisesse. Caso isso aconteça, ainda assim receberá o

salário combinado e poderá ficar com as roupas.

— Está determinado a arriscar bastante para ver seu irmão casado...

— Estou — respondeu lorde Granville, erguendo a cabeça, orgulhoso. — Ele é o último dos Drayton.

Não quero que nossa família se acabe.

— E por que o senhor não se casa?

Apesar da impertinência da pergunta, ele concluiu que, devido às circunstâncias, devia-lhe uma

explicação.

— Eu me casei, mas minha mulher morreu oito meses após o casamento. Eu a amava demais para poder

pensar em colocar alguém em seu lugar.

Juliana espantou-se. Não imaginava que o conde fosse um romântico. Em sua mente prática não havia

lugar para esse tipo de sentimentalismo bobo.

Granville encarou-a e ensaiou um sorriso.

— Então, srta. Chevron, o que me diz?

Ela considerava a idéia absurda. Mas cem libras eram uma quantia enorme.

— Pensarei na oferta, milorde e, já que a idéia foi de sua tia, gostaria de conhecê-la antes de dar uma

resposta.

— Perfeito! — o conde respondeu. — Se lhe convier, posso buscá-la amanhã à tarde para tomarmos chá

com tia Geórgia.

Granville estava entusiasmado, porém Juliana avisou:

— Ainda não aceitei a oferta, milorde.

— Não mesmo, minha cara

CAPÍTULO II

— Não estou gostando da idéia. Uma dama não deveria aceitar uma oferta dessas. Afinal, que tipo de

homem deve ser Johnny Travassos, se o próprio irmão não confia nele? — Anna Goodbody especulava,

enquanto espalhava farinha sobre a mesa, para esticar a massa da torta que estava preparando. Juliana

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respondeu:

— Ele é o tipo com que toda moça sonha: bonito, galante...

Anna cocou a sobrancelha, deixando cair farinha no rosto.

— E um imprestável. Se metade do que se diz por aí for verdade, trata-se de um cavalheiro com o qual

sua mãe não gostaria de vê-la casada.

— Eu não tenho que me casar com ele. O conde deixou isso bem claro.

Juliana caminhou até a janela. William e Tommy, o filho mais velho do casal, carregavam alguns

móveis, feitos por William, em uma carroça. Willie, o caçula, brincava com um cachorro ao qual dera o

nome de Ciclope. Não havia sinal da carruagem do conde.

— E o irmão não é nada melhor — continuou Anna, estendendo a massa sobre a mesa. — Tentar

envolvê-la nesse plano absurdo!

O gato de Anna entrou na cozinha, aproximando-se de Juliana à procura de carinho.

— Tome cuidado com o gato, para que sua roupa não fique cheia de pêlos — a antiga babá advertiu. —

Vamos, Mouser, saia daí!

O animal fugiu para de baixo da mesa.

Anna observou, pensativa, enquanto Juliana sacudia a saia.

— Cada dia você se parece mais com sua mãe — comentou. — Fico imaginando o que ela diria se a

visse envolvida neste plano vergonhoso.

— Anna, por favor, pare. O conde me pareceu um cavalheiro respeitável — explicou Juliana.

As duas ouviram o barulho de um veículo se aproximando. Juliana viu uma elegante carruagem,

conduzida por quatro baios marrons, parando em frente à casa. Só podia ser o conde.

— Ele chegou — Willie gritou, enfiando a cabecinha ruiva pela

porta entreaberta. — É a carruagem mais bonita que já vi.

Com isso, ele tornou a sair.

— Cuidado com o gato — avisou Anna, tarde demais.

O animal aproveitou a porta aberta para escapulir.

Ao deparar-se com o cachorro de Willie, o gato pulou para cima da poltrona que William e Tommy

carregavam e de lá para a carroça. Ciclope correu atrás dele, esbarrando em William, que caiu no chão,

com a poltrona sobre si. Vendo que não alcançaria o gato por ali, o cachorro circundou a carroça. Willie

correu atrás dele, mandando que parasse, mas o cachorro não lhe deu atenção. Ele fazia o impossível para

alcançar o gato e estava quase conseguindo.

A apenas alguns passos de distância, lorde Granville descia da carruagem. Aproveitando a chance de

escapar, pulou para cima do conde, arranhando as costas do elegante casaco. Ciclope retomou a caçada,

pulando sobre o peito do distinto cavalheiro, derrubando-o no chão.

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Mouser aproveitou a confusão que se seguiu para correr em direção à casa, onde Anna, que assistia à

cena, abriu-lhe a porta, fe-chando-a em seguida. O cachorro, satisfeito por ter livrado o quintal do

inimigo, deitou-se, contente, aos pés dela.

Descabelado e assustado, Willie encarava lorde Granville, os olhos arregalados perante o estrago

causado pelo cachorro.

Anna correu em direção ao conde, seguida por William e Tommy. Ela ajudou-o a levantar, torcendo

para que não houvesse se machucado. Quando deu um passo para trás, para examinar o estrago, ficou

consternada ao ver que sua mão, cheia de farinha, havia sujado a manga do casaco do cavalheiro.

— Quem é o louco que deixou esse animal solto? Ele deveria estar acorrentado! — bradou Granville,

tentando, sem sucesso, sacudir a sujeira da manga.

— Sinto muito, milorde — Anna começou a se desculpar, sendo interrompida pelo protesto de Willie.

— Ciclope é um bom cachorro. Foi o gato de mamãe que causou toda a confusão.

Anna puxou-o pela orelha.

— Cale-se! Peça desculpas ao conde, depois prenda seu cachorro

no canil, onde é o lugar dele.

O garoto baixou a cabeça, murmurou um pedido de desculpas e foi cumprir a ordem dada pela mãe.

William tirou o chapéu, segurando-o com as duas mãos, e dirigiu-se ao conde:

— Eu sou William Goodbody, senhor. Sei que veio buscar a srta. Juliana e peço-lhe que não a culpe

pelo incidente.

— Sr. Goodbody — o conde respondeu —, não quero parecer rude, mas estou com pressa e gostaria de

saber se a srta. Chevron já está pronta.

— Ela o está aguardando, milorde — Anna informou. — Mas por favor, entre um instante, para que eu

passe uma escova em seu casaco.

Apesar de não acreditar que a mulher seria capaz de limpar sua roupa, o conde seguiu-a para dentro da

casa.

Juliana, que os aguardava à porta, precisou se conter para não rir ao ver a figura do conde. Aígravata

de seda branca estava suja de terra; o casaco de casimira empoeirado. Mas foram as pantalonas que mais

sofreram, quando o conde caíra sobre o chão barrento. Era o oposto do homem que a examinara, altivo,

no dia anterior.

O conde adivinhou o pensamento dela com facilidade.

— Pode rir, srta. Chevron, eu não me importo — falou.

Ela abriu um sorriso.

— Oh não, milorde. Mamãe sempre me disse que uma dama não deve rir nestas ocasiões — respondeu,

maliciosa.

— Então, por favor, leve esse gato embora, antes que ele me ataque outra vez — o conde pediu,

encarando Mouser, receoso.

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— Oh, não precisa ter medo, milorde. Mouser é muito educado. A culpa é de Willie, que trouxe

Ciclope...

— Ciclope? Que nome apropriado! O monstro da mitologia — lorde Granville comentou, depois

virou-se para Anna, que esfregava-lhe a manga do casaco. — Obrigado, madame, acho que já está bom.

Se estiver pronta, srta. Chevron, podemos ir.

Naquele instante Willie entrou na sala, cabisbaixo, e pediu permissão para se dirigir ao conde.

Pelos olhos avermelhados e maneiras tristonhas, Granville percebeu que o menino havia levado uma

bronca.

— Você é Willie, não? Já prendeu a fera? — perguntou o conde.

— Ele está no canil, senhor — assegurou-lhe o garoto, sem graça.

— Peço desculpas por ele haver estragado seu casaco. Eu havia economizado três libras, o senhor pode

usá-las para o conserto.

Ele estendeu as moedas para o conde, que as aceitou, com a expressão solene.

— Muito obrigado, Willie. Aconselho você a treinar o cachorro com afinco, ele vai dar um ótimo cão

de guarda.

O menino concordou, ansioso.

— Já estou começando a treiná-lo. Ciclope é muito inteligente.

— Há um rapaz que trabalha para mim que tem muito jeito com cães. Vou pedir a ele que venha até aqui

para lhe dar umas instruções.

Alguns instante mais tarde, já na carruagem, Juliana pensava, contente, em como lorde Granville havia

lidado com Willie, aceitando o dinheiro do menino para não lhe ferir o orgulho e oferecendo-lhe a ajuda

de um treinador.

Mas, ao chegar à casa de sua tia, lady Alynwick, em Grosvenor Square, o conde assumiu de novo o ar

sério, que lhe era habitual.

O mordomo de lady Alynwick, um sujeito altivo, precisou con-ter-se para não demonstrar seu espanto

ao ver o estado das roupas de lorde Granville.

Ele os conduziu até uma pequena sala de estar. O conde dirigiu-se a um bar, em um canto, observando,

disfarçadamente, a reação de Juliana perante aquela sala.

Ela estava fascinada. Os móveis todos eram pretos, laqueados, com elaborados desenhos dourados e

vários detalhes em vermelho. Três paredes eram cobertas com papel de parede com um motivo

representando várias casas chinesas em torno de um lago. A quarta parede era dominada por janelas com

cortinas carmesins de babados dourados. Ela examinava um sofá forrado com uma estampa chinesa, onde

predominavam as cores preta e vermelha, que fazia jogo com duas poltronas e dois escanos forrados com

o mesmo tecido.

— O efeito é impressionante, não? — o conde perguntou, aproximando-se.

— Eu nunca vi nada tão... exótico — Juliana disse, sem desviar o olhar da mobília. — Que sala perfeita

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para se passar uma tarde chuvosa.

— Obrigada, querida.

Juliana virou-se, deparando-se com lady Alynwick, que acabara de entrar na sala. A dama, que não

chegava a um metro e sessenta de altura, usava um elegante vestido verde-claro, que combinava com a

pele cor de marfim, cabelos loiros e olhos azuis.

— Fico contente por você ter encontrado alguém com bom gosto — a tia do conde comentou, oferecendo

a face ao sobrinho, ao mesmo tempo que franzia o nariz. — Você está com um cheiro horrível, querido.

Antes que ele pudesse responder, lady Alynwick continuou:

— Presumo que seja a sita. Chevron. Spencer não me disse que era tão bonita.

— Srta. Chevron, permita-me apresentar-lhe minha tia, lady Alynwick — disse lorde Granville,

suspirando.

— Amélia Eastbourne será ofuscada—a tia declarou, interrompendo o conde. — O que é ótimo, já que não

faço questão de tê-la na família.

Lady Alynwick fez um gesto para que Juliana se sentasse ao seu lado no sofá. O conde acomodou-se

na poltrona.

— Desculpem-me por fazê-los esperar, mas a princesa Esterhazy e Maria Sefton avisaram que viriam

me fazer uma visita e eu estava verificando se a sala de visitas está arrumada. Já pedi a Hornsby para

trazer um chá, assim podemos conversar um pouco.

Mal ela disse essas palavras, o mordomo apareceu, seguido de uma criada, carregando uma bandeja,

que colocou sobre a mesa, diante de lady Alynwick. Depois disso, os dois se retiraram. A tia de

Granville serviu o chá.

— Aceita uma xícara, querida?

— Sim, obrigada — respondeu Juliana, encantada com o bom humor e a energia evidentes da elegante

senhora.

— Então, srta. Chevron... não, não gosto de tanta formalidade. Vamos fazer o seguinte, eu a chamarei

de Juliana e você me chama de Geórgia, está bem?

— Tia, a srta. Chevron ainda não aceitou a proposta — o conde interveio.

— Não? Então você não explicou direito. — Ela se virou para Juliana. — Minha cara, o que meu

sobrinho disse para deixá-la hesitante? Pode ser franca comigo.

— Não foi nada que lorde Granville tenha dito... na verdade, a idéia me deixou um tanto transtornada;

acho tudo muito estranho.

— Então precisamos conversar a respeito, mas antes... — Lady Alynwick interrompeu o que dizia e

dirigiu-se ao sobrinho: — Não estou mais suportando esse cheiro. Garanto que há tempo suficiente para

você ir até sua casa trocar de roupa enquanto eu converso com Juliana.

Granville levantou-se, sorrindo.

— Querida tia, suas manobras são impressionantes.

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Ele fez uma mesura para Juliana e retirou-se. Lady Alynwick abriu um sorriso.

— O que ele disse é verdade, mas não precisa ficar assustada, querida. Eu só interfiro na vida dos

outros para fazer o bem. Sou uma ótima casamenteira. A única vez em que falhei foi com meu próprio

sobrinho, Spencer.

— Lorde Granville?—Juliana perguntou, intrigada. — Pela forma como ele me falou sobre a esposa,

pensei que ainda a pranteasse.

— Ele a pranteia — confirmou lady Alynwick. Enquanto falava, ela gesticulava com as mãos, como

que para enfatizar o que dizia.

— O que é uma pena. Cynthia March era uma moça muito simpática, mas não era para meu querido

Spencer.

Ao ver um sorriso se esboçar nos lábios de Juliana, Geórgia Alynwick apressou-se em explicar:

— Não pense que eu a culpava por isso. Ela era filha de um vigário e foi criada sob severo rigor

religioso. Você com certeza conhece o tipo?

— E claro. O tipo de pessoa que jamais aceitaria seu plano maluco —sugeriu Juliana, forçando-se a manter

a expressão solene.

Lady Alynwick riu com gosto.

— Exatamente. Fico contente por ver que você é espirituosa. E uma qualidade necessária para se

conviver com Johnny. A querida Cynthia nunca aprovou o comportamento do cunhado. Para dizer a

verdade, também não aprovava o do marido. Assim que se casou, começou a tentar mudá-lo. Ele não

podia rir alto, dançar valsa ou tomar mais do que um cálice de xerez.

— Ele deve tê-la amado muito para aceitar tantas censuras — comentou Juliana.

Geórgia concordou.

— Coitado. Acho que ele se apaixonou por um rosto bonito.

Quando deu por si, percebeu que por trás do rosto havia uma pessoa com uma personalidade difícil. Se ela

ainda estivesse viva, meu sobrinho estaria maluco. Eles moravam no campo e, já naquela época, Spencer

passava mais tempo na cidade, a pretexto de trabalhar no parlamento, do que com Cynthia.

Juliana depositou a xícara sobre a mesa.

— Lady Alynwick... — começou a dizer, mas foi interrompida.

— Prefiro que me chame de Geórgia, querida.

— Está bem, mas eu não vejo como esse plano pode dar certo. E mesmo não sendo tão virtuosa como

Cynthia, acho um tanto imoral montar uma armadilha para lorde John.

Juliana com certeza não esperava pela gargalhada que se seguiu ao seu comentário.

— Minha cara — lady Alynwick disse, recobrando-se —, você nunca percebeu que as mulheres se

utilizam de pequenas artimanhas para conquistar os homens? Senão qual seria o motivo para todas se

exibirem feito mercadorias no Almack's?

— Não é a mesma coisa — protestou Juliana.

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— Ah, não? Uma jovem usa seu melhor vestido e quase estraga o cabelo para prendê-lo em um

penteado bonito e tudo isso por quê? Para exibir-se para as outras moças? Não, querida, as damas usam

esses truques para conquistarem os cavalheiros.

— Mas você está aprontando uma armadilha para o próprio sobrinho. Parece-me injusto.

— Eu só quero o bem dele — explicou Geórgia.

— Entendo seu interesse e, se você se limitasse a apresentar algumas damas a ele, não haveria

problemas. Mas colocar um anúncio no jornal... — Juliana calou-se ao ver a expressão risonha de Geórgia.

Seus lábios se curvaram num sorriso, quando acrescentou, maliciosa: — Acho que a querida Cynthia não

aprovaria sua atitude.

Lady Alynwick abraçou Juliana.

— Quando Spencer me contou a seu respeito eu sabia que iria adorá-la. Seja um anjo e sirva mais um

pouco de chá, enquanto vou buscar minha lista — pediu, desaparecendo em um redemoinho de seda

verde.

Juliana estava rindo; Geórgia sabia realmente manobrar as pessoas. Não se lembrava quando, nem

como, mas o fato era que havia concordado em participar do plano.

O cheiro forte do perfume de gardênias de lady Alynwick interrompeu o devaneio de Juliana.

— Estou espantada — afirmou Geórgia. — Eu e Spencer elaboramos uma lista sobre as qualidades que

John admira em uma mulher. Parece que estávamos descrevendo você.

Juliana leu em voz alta.

— Cabelos tão negros quanto os de lady Stapleton.

— Johnny acha os cabelos dessa dama lindos, mas os seus possuem muito mais brilho.

Juliana prosseguiu, encabulada:

— Olhos verdes iguais aos de lady Eastbourne.

— Seus olhos são lindos, querida. E não precisa corar, é bom uma dama saber reconhecer as próprias

qualidades.

— Corpo tão bem-feito quanto o de Elizabeth Greesham.

O rubor de Juliana acentuou-se. Ficou feliz por lorde Granville não estar presente.

— Spencer ficou em dúvida a esse respeito — informou Geórgia —, mas tenho certeza de que, depois

que suas roupas ficarem prontas, a srta. Greesham vai ter uma concorrente à altura.

Com o rosto ardendo, Juliana leu o restante da lista. Precisava dançar com graça, tocar cravo com

perfeição, falar francês fluentemente e saber conduzir uma parelha. Esse era apenas o começo. Nas páginas

seguintes estavam listadas as cores que John preferia, seus pratos favoritos, as peças de que mais gostava e

as músicas que mais admirava.

Um item na lista deixou-a preocupada.

— Eu nunca dirigi uma parelha — informou a Geórgia. — Jamais conseguiria competir com Diana

Fielding.

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Diana Fielding era famosa em Londres pela maneira arrojada com que conduzia seus cavalos.

— Não precisa se preocupar—Geórgia lhe assegurou —, Spencer é membro do Clube dos Cavaleiros.

Ele vai ensinar-lhe.

— Com todo prazer — lorde Granville a interrompeu, entrando na sala. — Quer dizer então que a

senhorita aceitou a proposta?

Juliana encarou o conde. Ele exibia uma expressão irritada.

— E claro que sim, querido — respondeu Geórgia. — Mas o que aconteceu para deixá-lo com essa

cara, Spencer?

— John foi preso. Ele saqueou a carruagem de lorde Cochrane na Great North Road, perto de Hatfield.

CAPÍTULO III

Granville atravessou a sala, tentando conter seu aborrecimento.

— Sobrou chá?

Juliana arregalou os olhos, espantada. O irmão do conde estava preso e ele ainda pensava em tomar chá! E lady

Alynwick servia-lhe uma xícara, como se nada tivesse acontecido. Estavam todos loucos.

— Sente-se, Spencer — sugeriu a tia — e conte-nos o que aconteceu, antes que Juliana enlouqueça. Foi

alguma aposta?

— Segundo as palavras de John foi justiça poética — o conde explicou. — Ele e o idiota do George Somerset

decidiram dar uma lição em lorde Cochrane.

— Oh, meu Deus! Justo neste homem desagradável e intrigueiro. Por que Johnny fez esta bobagem?

O conde suspirou.

— Ele estava com Somerset no Boodle's na sexta-feira, quando Francis Pindar entrou, contando que havia sido

assaltado na estrada. Pelo nervosismo dele, ficou claro que sequer havia tentado reagir. Você conhece Cochrane,

logo começou a se gabar, dizendo que preferia morrer a entregar a carteira. Preciso continuar?

— Não. Johnny encarou a declaração como um desafio — respondeu a tia.

Juliana não conseguiu conter a curiosidade.

— O que aconteceu? — gritou. — Lorde Cochrane atirou nele?

— Claro que não, querida — declarou Geórgia —, senão Spencer não estaria tão calmo.

— Desculpe-me, srta. Chevron, se a alarmei. Vou contar o final da história: meu irmão e Somerset jogaram

cara ou coroa para ver em jfja simular um assalto à carruagem de Cochrane. Johnny venceu.

__ g gjaro — interrompeu Geórgia, a voz demonstrando orgulho.

__ Quando eles souberam que Cochrane faria uma viagem para o norte dirigiram-se a Hatfield, onde

aguardaram pela carruagem dele. Não foi difícil render o motorista e o criado que os acompanhava.

Johnny contornou a carruagem e ordenou que o proprietário descesse. Não houve um único movimento. Meu

irmão mandou que o criado abrisse a porta; Cochrane estava deitado no chão. Seguindo as ordens de

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Johnny, primeiro ele entregou-lhe a pistola e em seguida a carteira, depois, por conta própria, pôs-se de

joelhos e implorou a Johnny que não lhe fizesse nada. Meu irmão jogou a pistola e a carteira no chão da

estrada e, tirando a máscara, aconselhou Cochrane a parar de contar vantagens sobre os outros, já que não

passava de um grande covarde.

— Foi muito bem feito! Eu adoraria ter visto a cena. Você também não gostaria, querida? — perguntou

Geórgia, empolgada.

Juliana riu.

— É claro. E fico encantada por saber que você quer que eu me case com esse homem — comentou,

irônica. Depois dirigiu-se ao conde, curiosa: — Mas como se deu a prisão de lorde John?

— Meu irmão diz que foi um acaso do destino. Ele cavalgou até o local onde Somerset o esperava e

ambos abriram a champanha que haviam levado para comemorar. Enquanto isso, Cochrane recolheu a

carteira e a pistola e seguiu caminho, tendo se deparado, logo a seguir, com dois patrulheiros montados.

Ele contou aos homens que havia sido assaltado e seguiu com eles à captura de Johnny.

— Mas, com certeza, os patrulheiros devem ter percebido que seu irmão não é um bandido — notou

Juliana.

— Seria de se supor. Mas com Cochrane gritando, exaltado e Johnny e Somerset bebendo alegremente,

os guardas não sabiam o que fazer, de forma que levaram todos até a delegacia. E claro que, assim que

Cochrane admitiu que a carteira lhe havia sido restituída, Johnny foi libertado. Assim que saiu da prisão,

ele correu para minha casa para me contar o ocorrido.

— Acho que ele agiu bem — comentou a tia. — Espero que você não tenha sido muito duro com ele,

Spencer. Estava mesmo na hora de alguém ensinar uma lição a Percy Cochrane.

— Mandei John para Southwell, já que Thomas escreveu, dizendo que os estábulos estão necessitando de

reformas urgentes. Acredito que ele só volte dentro de um mês. Até lá os ânimos estarão mais calmos. O

conde depositou a xícara sobre a mesa e dirigiu-se a Juliana:

— Então, srta. Chevron, essa história não a fez mudar de idéia?

— Spencer! — exclamou Geórgia, furiosa. — Você acha que Juliana iria desistir de Johnny apenas por

ele ter ensinado boas maneiras a um cavalheiro arrogante?

— A senhora tem toda razão — respondeu Juliana, divertida, depois voltou-se para o conde. — Aceito

sua oferta, milorde. Só lhe peço para não comentar nada sobre essa aula de boas maneiras na frente de

Anna. Ela não entenderia.

— E a opinião de sua antiga babá lhe é tão importante assim? — perguntou ele, curioso.

— Anna é a pessoa mais próxima que eu tenho e confio muito no julgamento dela.

— Então eu não direi nada. Agora, acho que devemos marcar a mudança para Chelmsford o mais cedo

possível. Estou pensando em viajar depois de amanhã, se lhe convier.

— Querido, você deve estar brincando. Não posso viajar de uma hora para a outra... — Geórgia parou

ao ver a expressão do sobrinho.

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— Está bem! — continuou. — Juliana, espero que compreenda que temos uma certa pressa.

Granville respondeu por ela:

— Se a srta. Chevron aceita um salteador como marido, com certeza não vai se incomodar com a

nossa pressa.

— Francamente, Spencer! — replicou Geórgia, indignada. — Sei que é apenas uma brincadeira, mas

chamar Johnny de salteador... —ela interrompeu o que dizia ao ver o mordomo entrar na sala.

— Sim, Hornsby?

— A princesa Esterhazy e lady Sefton chegaram, milady. Eu as conduzi ao salão azul.

— Obrigada, já estou indo — enquanto falava, lady Alynwick pôs-se de pé, tomando as duas mãos de

Juliana. — Sinto muito, querida, mas preciso receber as duas, afinal, precisaremos delas quando

retornarmos à cidade. Ambas são influentes no Almack's.

No caminho para casa, Juliana estava muito bem-humorada, o que surpreendeu o conde. Granville

imaginara que ela desistiria de participar do plano ao ouvir a última loucura de John, mas ela parecia estar

se divertindo.

Anna também notou a diferença. Os olhos de Juliana brilhavam pela primeira vez desde que chegara à

sua casa, um mês antes. Escutou, extasiada, enquanto Juliana descrevia o que aconteceria na casa de

campo do conde. Um famoso cabeleireiro iria cortar-lhe o cabelo, enquanto duas costureiras produziriam

um guarda-roupa novo; um professor de dança iria ensinar-lhe as danças de salão e aprenderia com lorde

Granville a conduzir uma parelha.

— E, quando eu estiver pronta — continuou ela, com um suspiro —, voltaremos a Londres, onde serei

apresentada à sociedade. Lady Alynwick já está tentando conseguir um carne para que eu possa

freqüentar o Almack's. Anna, ela é um amor, eu gostaria que você a tivesse conhecido. Se lorde John for

igual à tia, estou certa de que irei adorá-lo.

Anna não disse nada. Por mais que reprovasse o plano maluco, percebeu que Juliana teria a temporada

que o avô não pudera lhe proporcionar.

Lembrava-se que o general tentara casar a neta com um fazendeiro da região onde morava, mas Juliana

não estava se interessou pelo pretendente.

Quando o avô dela morrera, o fazendeiro fizera-lhe nova proposta, mas como Juliana não aceitou o

pedido, ele a ajudara a arrumar um trabalho como dama de companhia de lady Biderford. Algum tempo

depois, a senhora, já idosa, falecera. Juliana conseguira empregar-se como governanta na casa de lady

Poole, que a despedira por um motivo ridículo.

Não seria Anna quem impediria que Juliana aceitasse o novo emprego, por mais louca que a idéia lhe

parecesse. Depois de haver conhecido o conde, ficara mais tranqüila; apesar do olhar triste, ele era um

perfeito cavalheiro. Pena que não era ele quem estava precisando de utna esposa.

Anna deu um beijo de boa-noite em Juliana e lembrou-a de que precisaria acordar cedo no dia seguinte,

se pretendesse fazer algumas compras antes de viajar.

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Juliana sorriu e ficou mais um tempo na cozinha, pensando em como Anna e o marido estavam sendo

gentis com ela.

Naquela tarde, William a chamara para uma conversa e explicara que, caso ela não gostasse do lugar ou

do trabalho, bastaria escrever uma carta, que ele iria buscá-la na mesma hora.

Juliana pôs-se de pé e entrou no quartinho dos meninos, indo deitar-se na cama que habitualmente

dividiam. Viu as cabeças raivas dos garotos deitados no chão. Logo eles teriam suas camas de volta,

enquanto ela estaria deitada... onde? Como seria sua cama em Chelmsford? Ansiosa e pensativa, levou

um bom tempo para conseguir adormecer.

No dia seguinte, Juliana foi acordada por um grito excitado de Willie. Vestiu-se, apressada e foi até a

cozinha. O conde havia mandado entregar duas cartas, uma aguardava por Juliana sobre a mesa e a outra

era para os Goodbody, um adiantamento para que William confeccionasse vários móveis para

Chelmsford.

Anna contou o dinheiro. Era muito mais do que William costumava cobrar e sustentaria a família por

vários meses.

Juliana sorriu para a amiga.

— Mas por que Willie estava gritando? Com certeza não era por causa da encomenda.

William riu.

— Acertou. Acho que o garoto nem imagina de onde vem seu sustento.

Tommy o interrompeu:

— Foi o mensageiro que trouxe as cartas, srta. Juliana. Ele vai ajudar Willie a treinar Ciclope.

— Lorde Granville está pensando na própria segurança — brincou Juliana, servindo-se de uma xícara de

café, enquanto fitava a outra carta, insegura.

— Vamos, abra — Anna a incentivou.

Hesitante, Juliana abriu o envelope, do qual caíram várias notas de dinheiro.

— O que significa esse dinheiro? — Anna perguntou, curiosa.

— O conde achou que eu poderia querer comprar alguma coisa antes de viajar, por isso mandou meu

salário adiantado. Cem libras Anna! — exclamou Juliana com a voz embargada.

— Por que ela está chorando, pai, se acabou de ganhar cem libras? — perguntou Tommy ao ver as

lágrimas escorrerem pelas faces de Juliana.

No dia seguinte, logo cedo, uma carroça veio buscar sua bagagem. Por sorte, ela só tinha um baú, pois o

veículo estava abarrotado com a bagagem do conde e de lady Alynwick. O motorista informou-lhe que

lorde Granville e a tia viriam buscá-la dentro de duas horas.

O conde chegou às onze horas e Juliana ficou imaginando como ele conseguira tirar a ria da cama tão

cedo. A expressão cansada da dama demonstrava que não estava acostumada a levantar-se àquela hora.

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Não querendo fazer Geórgia esperar, Juliana despediu-se apressadamente dos Goodbody, abraçou os

meninos e fez um carinho em Ciclope, que ficou sentado ao lado do dono, sem se mover. Granville

percebeu o fato e cumprimentou Willie, que corou de felicidade.

Apesar do tempo ruim, o conde viera montado em um magnífico baio, que arrancou gritinhos de

admiração dos rapazes.

Juliana entrou na carruagem, onde Geórgia, sonolenta, aguardava por ela.

— Querida — lady Alynwick cumprimentou —, fico contente por vê-la tão bem disposta a essa hora.

Juliana riu.

— Pensei que as damas da sociedade nunca se levantavam antes do meio-dia.

— Pensou certo, principalmente depois de ter ido dormir às três da manhã.

— Às três horas? Admiro-me por estar acordada.

— Na verdade estou mais dormindo do que acordada, por isso peço que me desculpe, pois vou tirar

uma soneca.

Com isso, Geórgia recostou a cabeça e logo a seguir dormia a sono solto. Juliana seguiu-lhe o exemplo

e ambas só acordaram ao atingirem o destino.

Estava chovendo e Juliana não pôde ver muito da propriedade. Lorde Granville ajudou as damas a

descerem da carruagem.

— Bem-vinda a Crowley — disse ele, ao estender a mão para Juliana, sem conseguir ocultar uma nota

de orgulho na voz.

— Ela irá sentir-se mais confortável longe da chuva, Spencer. Não nos deixe paradas aqui — pediu

Geórgia.

Os três entraram na casa e Juliana pegou-se analisando o hall, ornamentado com colunas gregas, escuro

demais para que se pudesse apreciar as pinturas que cobriam toda uma parede. Numa outra parede

destacavam-se as janelas, que, porém, permaneciam escondidas por pesadas cortinas de veludo vermelho,

o que contribuía para escurecer o ambiente.

A criadagem de lorde Granville estava toda perfilada em uma enorme coluna, que ocupava todo o hall,

incluindo desde o mordomo, chefe de cozinha e governanta até as criadas e os lacaios de libre com as

cores do conde, azul e prata.

Granville falou com cada um deles e Juliana percebeu que ele era muito querido. O conde dirigiu-se a

todos pelo nome, fazendo sempre alguma pergunta de ordem pessoal. Os serviçais também gostavam

muito de lady Alynwick e lhe deram calorosas boas-vindas.

Granville apresentou Juliana como uma grande amiga e protegida de sua tia, mas os serviçais

cumprimentaram-na com a distância reservada a um estranho.

Piedmond, o velho mordomo, disse todas as palavras apropriadas, mas Juliana sentiu-se pouco à

vontade. A governanta, sra. Jamison, agradou-a mais, lembrando-lhe um pouco Anna. Foi ela quem ex-

plicou que Dorcas, uma jovem alta e magra, serviria Juliana.

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Terminadas as apresentações, Juliana seguiu Dorcas escada acima, caminhando através de um enorme

corredor, repleto de quadros, até chegarem ao seu quarto. Havia recebido um dos melhores quartos de

hóspedes, com vista para o jardim. Apesar da elegância e opu-lência, Juliana achou a mobília pesada e

opressiva, o que emprestava uma atmosfera fria e pouco aconchegante ao ambiente. Dos dois lados da

lareira as paredes eram cobertas por prateleiras de carvalho, repletas de livros. Juliana aproximou-se, atraída

pelos títulos. A divina comédia de Dante, O livro da duquesa de Chaucer, Don Quixote de Cervantes,

diversas obras de Shakespeare, incluindo A Comédia dos Erros e Os dois cavalheiros de Verona. Do

outro lado, mais sério, havia vários volumes da evangélica Hannah More. Juliana pegou um ou outro

livro a esmo. Todos pareciam intatos, como se jamais tivessem sido lidos. Colocou os livros de volta,

comentando com Dorcas que tratava-se de uma coleção impressionante.

— Sim, senhorita, foi obra de lady Granville. Ela mandou construir estantes em todos os quartos e

encomendou os livros para colocar nas estantes.

— Que maravilha! Eu adoro livros, acho que qualquer hora visitarei os outros quartos, para ver o que

encontro.

— Não é necessário. Os livros são os mesmos em cada quarto.

— Os mesmos livros?

Juliana riu perante tamanho absurdo.

— Exatamente. A condessa queria oferecer o máximo conforto aos hóspedes, por isso consultou lorde

Hastings, de Oxford, que aconselhou-a com relação aos livros que deveria comprar e milady encomendou

seis de cada.

— Compreendo — murmurou Juliana, cujo amor aos livros não permitia que aceitasse um desperdício

tamanho apenas por conveniência.

— E também foi ela quem decorou a casa — a criada continuou a tagarelar, enquanto ajeitava um

travesseiro. — Milorde não mexeu em nada desde que ela morreu.

O que era uma pena na opinião de Juliana. Apesar da preocupação evidente com o conforto dos

hóspedes, a decoração era por demais rígida para deixar alguém à vontade. Como iria passar algum tempo

naquele lugar, ela resolveu criar um canto aconchegante para si e, cruzando o quarto em direção à lareira,

mudou uma poltrona de posição.

— Faça o mesmo com a outra — ordenou a Dorcas que estava boquiaberta. — Já que há tantos livros

maravilhosos por aqui, é melhor que essas poltronas fiquem perto da claridade, para que eu possa lê-los.

Dorcas ajudou-a, obediente, e o resultado foi um cantinho íntimo, perto do fogo, fazendo com que todo o

quarto parecesse mais agradável.

— Ficou bom assim, senhorita, mais informal — comentou a criada, afastando-se para apreciar o

resultado.

— Eu também gostei.

Juliana prendeu o cabelo, depois, com um rápido movimento, desarrumou as almofadas do sofá.

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Satisfeita com.o pequeno ato de rebeldia, ela seguiu Dorcas através dos intermináveis corredores até a

pequena sala de estar onde o conde e lady Alynwick haviam dito que estariam.

Juliana entrou, parando a seguir, atônita, ao deparar com um quadro em tamanho real, que dominava o

ambiente. Pendurado na parede em frente à porta, logo ao entrar já se avistava o desenho da bela dama,

vestida sobriamente, que encarava todos com um ar de superior. Era a querida Cynthia.

CAPITULO IV

O conde, acostumado com o efeito que o quadro exercia sobre as visitas, aproximou-se de Juliana,

segurando-a pelo braço.

— Entre, srta. Chevron. O jantar será servido daqui a pouco; ainda temos tempo de tomar um cálice de

xerez.

— Está bem, milorde — aceitou Juliana, deixando que ele a conduzisse até um sofá.

Ela não conseguia relaxar. A riqueza de detalhes da pintura fazia com que Cynthia estivesse ali

presente, entre eles.

— Você parece atônita, querida — comentou Geórgia. — Eu sempre digo a Spencer para tirar este

quadro da parede. As pessoas ficam tão pouco à vontade na presença dele.

— Minha tia não gosta dessa pintura — informou Spencer, um pouco aborrecido. — É o estilo de sir

Thomas. Cynthia viu o retrato que ele fez de lady Jersey e ficou impressionada, então eu o encomendei

como presente de casamento.

— Realmente é uma pintura impressionante — comentou Juliana, concordando mentalmente com lady

Alynwick; dava para sentir a reprovação de Cynthia no ar.

— Obrigada — disse o conde, tomando o comentário como um elogio. — Cynthia redecorou toda a

casa. Ela era da opinião que cabia à nobreza dar o exemplo de usar a decoração clássica inglesa, sem se

deixar influenciar pelos estilos francês e oriental, tão em voga.

— A querida Cynthia nunca teve a oportunidade de viajar para o exterior — explicou Geórgia. —

Temo que você vá achar o estilo dela um tanto limitado.

— O que achou da decoração, srta. Chevron? — o conde quis saber.

— É bastante diferente — respondeu ela, sem faltar à verdade. — Em meu quarto há uma estante de

livros fantástica. Estou ansiosa por ler alguns deles.

Pela forma como o conde moveu a cabeça, Juliana percebeu que o surpreendera.

— Gosta de ler, srta. Chevron?

— Sim, muito.

Geórgia riu e segurou a mão de Juliana.

— Querida, nunca deixe os homens perceberem que você aprecia a leitura. Eles ficam inseguros, não é

verdade, Spencer?

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— Quanto ao meu irmão, pelo menos, tenho certeza de que ele se assustaria.

— Johnny na verdade detesta livros — explicou Geórgia. — Não faça cara feia, Spencer, Juliana

precisa saber a verdade para poder lidar com ele.

O conde pareceu aliviado ao ouvir o gongo soar, indicando que o jantar estava servido.

O conde explicou, enquanto conduzia Juliana, que quando estavam em família, ele preferia jantar na sala

menor, que, Juliana percebeu, atônita, comportava doze pessoas à mesa. Como o resto da casa, aquela

sala também possuía móveis enormes e pesados e as grossas cortinas bloqueavam a passagem do sol de

final de tarde. A sala só estava clara graças à presença de várias velas sobre a mesa.

Geórgia percebeu que Juliana estava espantada.

— Cynthia também tinha seus truques — comentou. — Ela sabia que a luz de velas favorece mais as

mulheres do que a luz direta do sol.

Granville, sentado à ponta da mesa, franziu o cenho.

— Devo lembrar-lhe, tia, que Cynthia era minha esposa e não vou tolerar què se divirta às custas dela.

— Oh, céus, não leve tudo tão a sério, Spencer. Eu só estava fazendo um elogio a Cynthia.

Juliana reprimiu uma risada, perante a expressão inocente de lady Alynwick, mas o conde não parecia

nada divertido.

— Cynthia só tinha dezenove anos e possuía uma beleza tal, que não necessitava de artifícios —

Granville defendeu-a.

— Querido, peço-lhe desculpas — disse a tia. — Agora mudemos de assunto, antes que Juliana pense

que não sabemos como tratar os hóspedes.

Juliana, porém, preferiu manter os olhos baixos, fingindo estar concentrada na sopa de tartarugas, mas

não conseguiu reprimir o sorriso que se formava em seus lábios, o qual não passou despercebido ao

conde.

Granville esperou que o lacaio tirasse o prato de sopa.

— Preciso voltar a Londres amanhã mas irão apreciar a companhia uma da outra.

O conde partiu para Londres logo cedo na manhã seguinte e Juliana mal notou a ausência dele, apesar

de seu nome ser mencionado por diversas vezes. Geórgia estava se empenhando no papel de professora e

mal lhe dava tempo para que se ocupasse com os próprios pensamentos.

Juliana passou manhãs intermináveis na sala de costura, enquanto duas costureiras provavam vestidos e

mais vestidos. As provas se mostraram compensadoras quando, no terceiro dia, madame Letícia terminou

o primeiro vestido de noite. Lady Alynwick ficou maravilhada, quando Juliana o proyou, nervosa.

— Está perfeito, querida. Nenhum cavalheiro em Londres seria capaz de resistir ao seu encanto com

este vestido.

— Mas o decote... — Juliana ergueu uma mão, insegura, até o colo.

— Está na moda, meu anjo. Fique feliz por ter um corpo tão bonito, que possa usá-lo com orgulho.

Agora, abaixe a mão e endireite os ombros. Assim ficou bem melhor.

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Lady Letícia havia lhe confeccionado uma roupa de montaria azul-marinho, que logo se tornou sua

vestimenta preferida. Todas as tardes a jovem dedicava um tempo para montar; lorde Granville havia

deixado ordens de que deveria haver sempre uma montaria a sua disposição e ela se decidira por um baio

castanho, chamado Ladyslipper.

A tarde estava quente e agradável e Juliana estava bem-humorada ao aproximar-se do estábulo, onde

Ian, o cavalariço, a esperava, com o cavalo selado. Ela abaixou-se para acariciar um spaniel sentado ao lado

do cavalariço.

—Eu já estava achando que não havia cães em Crowley — comentou ela, enquanto acariciava a orelha

do cachorro que lambeu-lhe a mão.

Ian não respondeu, limitando-se a ajudá-la a montar no cavalo. Juliana ficou feliz ao constatar que quem iria

acompanhá-la na montaria naquela tarde era Alwyn, o filho mais velho e mais loquaz de lan.

Enquanto apreciava a cavalgada na tarde ensolarada Juliana escutava o falatório do rapaz.

— Já viu os filhotinhos que acabaram de nascer? Eles pertencem a Ginger, aquela cadela que estava em

frente ao estábulo. A senhorita gosta de cães?

— Mas é claro — respondeu Juliana, preguiçosa.

— Lady Granville não gostava — informou o rapaz. — Nem de cães, cavalos ou gatos ela gostava. E

por isso que não há cães na casa. Meu pai disse que antes de casar lorde Granville vivia cercado de

spaniels, já que ele tem muito jeito com cachorros.

Pensando em Ciclope, Juliana abriu um sorriso, mas preferiu não responder e logo o assunto morreu.

Ao aproximarem-se do estábulo, ela avistou a cadela sentada ao lado da porta, próxima a lan. O

cavalariço ajudou-a a desmontar. Em um impulso Juliana perguntou se podia ver os filhotes.

lan ficou quieto por um instante, depois respondeu:

— Alwyn o mostrará à senhorita.

Os cachorrinhos estavam na sala onde eram guardados os equipamentos e o rapaz conduziu Juliana até

lá. Ginger os seguiu e ficou sentada à porta, orgulhosa, enquanto a jovem se ajoelhava sobre a palha para

admirar os filhotes. Quatro coisinhas miúdas, mais parecendo novelos de lã, tentaram subir-lhe pelo braço,

lambendo suas mãos.

— Eles são lindos — disse Juliana, erguendo uma bolinha marrom,

de língua cor-de-rosa e olhinhos negros.

Ela acariciou a orelha sedosa, lembrando-se de outro spaniel que fora seu fiel companheiro enquanto

morara em Carisbrook.

— Eu posso lhe dar um, se a senhorita quiser — ofereceu Alwyn em um impulso.

Juliana fitou-o, sorridente.

— Obrigada, mas o que eu faria com ele?

— Mesmo que não possa ficar com o cão para sempre, poderia levá-lo para casa enquanto estiver aqui

e fingir que ele é seu.

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Ela aninhou o animal em seus braços, sentindo o calor que emanava daquele pequeno corpo. Estava

adorando a idéia de poder conviver com ele por algum tempo.

Juliana ergueu-se.

— Acho que posso levá-lo para a casa e mostrá-lo a lady Alynwick.

Geórgia estava cortando rosas no jardim quando viu Juliana aproximando-se da casa. Chamou-a:

— Você está aí, querida. Eu já ia mandar chamá-la. Madame Letícia terminou mais um vestido e quer

que você faça uma última prova. Mas o que é isso que você está segurando?

Juliana virou-se de forma que Geórgia pudesse ver o animalzinho adormecido em seus braços.

— Uma cadela teve filhotes nos estábulos e eu não resisti; resolvi trazer um para que você visse. Ele

não é lindo, Geórgia?

— Apesar de preferir gatos, não posso negar que seja um encanto. O que você pretende fazer com ele?

— Acho que vou levá-lo de volta para a mãe — respondeu Juliana, abaixando-se para beijar o focinho do

animal.

Ela não viu a expressão determinada no olhar de Geórgia.

— Por que não fica com ele tia casa enquanto estiver aqui? Estou certa de que Spencer não se

incomodará.

— Tem certeza?

— Querida, mesmo que ele não goste a princípio, nós o convenceremos, afinal, os homens são feito

manteiga nas mãos de uma mulher que sabe o que fazer com eles. E só você usar uma arma, a adulação.

— Adulação? Não entendi.

— Mas é simples! Não existe homem no mundo que resista a um pouco de bajulação. E incrível como

eles acreditam em qualquer elogio que se lhes façam, por mais inverossímil que possa parecer. E só uma

mulher dizer a um homem que ele é o mais bonito, o mais inteligente, o mais corajoso, que eles

acreditam.

— Não acredito que isso funcione com lorde Granville.

— Que tola! Como você acha que Cynthia o enrodilhou? Agora já para cima que eu quero ver como

ficou o novo vestido em você, depois tomaremos um chá, antes de você praticar um pouco de canto. Sua

voz é linda.

— Juliana pretendia manter o filhotinho, batizado de Félíx, em seu quarto. Mas, cada vez que ficava

sozinho, ele começava a chorar. Logo, ela passou a levá-lo consigo para onde quer que fosse. Félix

ficava deitado a seus pés enquanto tocava cravo, observava-a girar pelo salão quando praticava dança

com monsieur Durand e quando Juliana e Geórgia estavam jantando, o animal dormia, feliz, na cadeira ao

lado da sua.

Aos poucos, Crowley estava passando por uma grande transformação, que não se limitava à adoção do

cãozinho por Juliana. Todas as tardes ela costumava cantar, praticando as músicas favoritas de lorde

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John e sua voz clara e doce era ouvida em toda a casa. Durante o dia podia-se ouvir as empregadas

murmurando as mesmas canções enquanto trabalhavam.

Sexta-feira à tarde Juliana vestiu o vestido azul claro de cetim com sobressaia de renda. Lady Alynwick

insistia para que ela usasse suas roupas novas todos os dias, a fim de que se acostumasse com os decotes

ousados.

— Você está encantadora, querida — Geórgia cumprimentou-a,

quando desceu as escadas.

Juliana realmente estava linda, parecia haver desabrochado com os mimos de lady Alynwick; os olhos

verdes brilhavam alegres e os lábios se curvavam em sorrisos constantes.

— Você acha que lorde Granville vai aprovar minha aparência? — Spencer? Mas é claro que sim. E

Johnny vai ficar enfeitiçado quando a vir. Mal posso esperar para apresentá-los.

Juliana também estava apreensiva, mas ela se preocupava igualmente com a reação do conde à sua

transformação. Sabia que o novo corte de cabelo havia lhe dado um ar de sofisticação, complementado

pelos vestidos novos.

Félix latiu irritado, não gostando de ser ignorado.

— O que foi, meu queridinho? — perguntou Geórgia. — Você também está lindo.

Juliana sorriu, deliciada com a cena.

— Posso jurar que Félix a entende. Veja como ele olha para você.

Piedmont apareceu à porta com um ar solene.

— Desculpe-me por interrompê-la, lady Alynwick, mas milorde acaba de chegar. Posso mandar servir o

jantar?

— Dentro de meia hora, por favor. E diga ao conde que estamos aqui. Você está linda, mas talvez seja

melhor tirarmos Félix...

Não houve tempo de afastarem o spaniel, pois naquele instante Piedmont abriu a porta novamente e

lorde Granville entrou. O conde estava chegando de Londres e ainda usava o casaco azul de montaria, com

calças largas, enfiadas, na altura dos joelhos, dentro das botas pretas. Ele tirou as luvas de couro olhando

de Juliana para a tia e de volta para Juliana.

— Spencer, que surpresa. Eu o esperava amanhã — Geórgia disse, cruzando a sala para cumprimentá-lo.

Juliana observou-o beijar a face da tia, mas o olhar permaneceu fixo nela e não era de admiração e sim

de desaprovação.

O conde a cumprimentou com um curto aceno de cabeça e dirigiu-se à tia.

— Estou surpreso por encontrá-las aqui. Houve algum problema com a sala azul?

— Não, claro que não. Eu apenas acho essa sala mais confortável e você disse que eu deveria agir

como se estivesse em casa.

— Eu só não esperava que você virasse a casa de cabeça para baixo — respondeu Granville,

apontando para a janela aberta.

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— Estava abafado, Spencer. Casas são como pessoas, precisam de ar fresco.

Geórgia observava o sobrinho atentamente. Ele estava irritado e nada que ela dissesse mudaria seu

humor. O olhar dele dirigiu-se outra vez para Juliana, tornando-se gélida.

— Este é um de seus novos vestidos, sita. Chevron? Teremos de mandar reformá-lo. Não está

apropriado para uma sala de visitas. Apenas uma mulher que não tivesse nada mais a oferecer revelaria

tanto assim de seus... dotes.

Geórgia engasgou-se e Juliana corou intensamente. Ela ergueu o queixo, desafiadora, os olhos verdes

faiscando.

— Então é mais do que adequado, milorde, já que estou me vendendo pela melhor oferta!

Granville deu um passo em direção a Juliana, mas foi detido por uma pequena bolinha marrom, que se

jogou contra ele, rosnando, furiosa.

— Mas que diabos? — Ele olhou para Félix, grudado, valente, em suas pernas, o grunhido de ameaça

destoando da aparência desprotegida.

— Félix, não! — ralhou Juliana, ajoelhando-se ao lado do animal e oferecendo, sem querer, uma visão

mais reveladora de seu colo ao conde.

— Será que cada vez que nos encontramos eu tenho de me defrontar com um cachorro, srta. Chevron?

Levante-se.

Hesitante, Juliana pôs-se de pé.

— Senta! — Granville ordenou ao pequeno animal e Félix, reconhecendo a autoridade na voz,

obedeceu, balançando o rabinho.

O conde deu um passo para a frente, abaixou-se e afagou o pêlo macio do spaniel.

— Bom menino — disse ele, tão baixo, que só foi ouvido por Félix.

O cachorro deitou-se de costas, balançando as perninhas no ar.

CAPÍTULO V

A risada de Geórgia quebrou a tensão. — Muito esperto, Félix. Já reconheceu o chefe da casa.

Granville encarou-a.

— O cachorro te pertence?

— Na verdade, ele é seu. A spaniel do estábulo teve filhote e Geórgia achou que o senhor não se

importaria se um deles fosse criado na casa.

— É claro que não se incomodará, não é, Spencer? Você sempre criou cães em casa.

O conde fitou Félix, que havia se sentado outra vez e o encarava, ansioso.

— Pelo menos ele é mais bem-comportado do que Ciclope — disse, fitando Juliana com um sorriso

nos lábios.

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— E também do que certas pessoas — respondeu ela, tentando sorrir.

Seu esforço, no entanto, não foi muito bem-sucedido. As palavras do conde ainda lhe ecoavam na mente.

Granville percebeu o que se passava dentro dela e apressou-se em pedir desculpas.

— Srta. Chevron, sinto muito pelas minhas palavras impensadas. Eu não pretendia ofendê-la, só...

— Oh, Spencer, vocês homens são todos iguais. Você ficou perturbado com a aparência magnífica de

Juliana, assim como eu espero que todos os cavalheiros em Londres fiquem — interveio Geórgia, com um

sorriso nos lábios. — Venha, querida — continuou —, vamos ensinar um pouco de educação a este meu

sobrinho.

Juliana sentou-se ao lado de Geórgia, ignorando o conde ostensivamente. Precisou esforçar-se para

esconder um sorriso. Seria possível que ele houvesse ficado perturbado por causa de sua aparência? O

conde caminhou até a cadeira em frente a elas, seguido por Félix, e sentou-se. Ele tomou o cãozinho no

colo e acariciou-lhe a orelha sedosa.

— Pelo menos você me entende, não é? Só porque eu pretendia elogiar uma bela dama, estou sendo

desprezado. Olhe só para a srta. Chevron. Ela será a sensação de Londres com este corpo bem-feito,

cabelos brilhantes.

— Acho que você já se redimiu, Spencer — comentou Geórgia. — Mas precisa adotar uma postura

menos rígida em relação à vida e às pessoas. Você precisa aprender a sorrir com mais freqüência.

— Sinto muito, tentarei mudar. E peço-lhe que me desculpe, srta. Chevron.

— Está desculpado. Quanto ao vestido, confesso que eu também tinha minhas restrições, mas Geórgia

insistiu...

— O vestido está lindo. Temo estar desatualizado quanto à moda londrina. Deixe minha tia orientá-la,

pois ela entende muito bem do assunto.

— Está vendo, querida, Spencer também gostou do vestido.

Juliana ainda não estava totalmente convencida e encarou o conde, desconfiada.

— O senhor fala sério, milorde?

— Sim. Eu falei sem pensar. Sinto dizer que me deixei levar pelas idéias de Cynthia. Ela foi criada com

muito rigor e desaprovava qualquer vestido mais...

— Revelador — completou Geórgia. — Mas também a coitada jamais poderia usar um vestido desses

com o corpo que tinha!

Granville sentiu o sangue ferver mas, ao ver que Juliana corava profundamente, percebeu que também

ficara constrangida com o comentário e preferiu mudar de assunto.

— Acho que soou a campainha do jantar.

Mesmo incerta quanto a ter ouvido algum som, Geórgia aceitou o braço que o sobrinho lhe ofereceu.

— Como está se saindo na dança, srta. Chevron? — perguntou.

— Poderá julgar por si mesmo, mais tarde, quando eu estiver praticando com monsieur Durand.

— Ela dança que é uma maravilha. Até mesmo Durand, que não é dado a elogios, reconheceu o fato.

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Juliana procurou pelo cãozinho, mas ele não estava em seu lugar, aos pés dela. Então viu lorde

Granville pegar um pedaço de carne na mão e estendê-la para debaixo da mesa, enquanto continuava

conversando, como se nada estivesse acontecendo.

Ele declarou que, para ver Juliana dançar, seria até capaz de abrir mão do charuto com brandy após o

jantar e, logo, os três estavam reunidos na sala verde e branca. O conde sentou-se, confortavelmente em

uma poltrona, observando lady Alynwick se instalar, cerimoniosa, atrás do cravo. Félix deitou-se,

contente, aos pés do conde.

Um lacaio foi encarregado de buscar monsieur Durand, que apareceu logo a seguir. Ele cumprimentou

as damas com a pompa habitual, fez uma mesura perante o conde, e perguntou-lhe sobre a saúde. Depois

da troca de amenidades, dirigiu-se a Juliana.

— Primeiro o minueto, mademoiselle — murmurou, segurando sua mão.

— Muito bem, minha cara — cumprimentou o conde.

Juliana fez uma cortesia, contente pela brisa que refrescava suas faces afogueadas. Mas Geórgia logo

entoou uma balada escocesa e desta vez não houve hesitação nos passos de Juliana, apenas um prazer

evidente.

Depois de quase uma hora de dança, monsieur Durand declarou que Juliana não precisava mais de um

instrutor. Ele acompanhou-a para perto de Geórgia.

— Sua protegida está pronta para ser apresentada, lady Alynwick. E garanto-lhe que nenhuma dama em

Londres dança com tamanha graça.

Geórgia estendeu-lhe a mão, sorridente.

— Obrigada, monsieur. O senhor fez um trabalho maravilhoso com Juliana.

O conde aproximou-se do grupo.

— Realmente foi um belo trabalho, mas eu não o vi dançar nenhuma valsa com a srta. Chevron.

O francês sentiu-se afrontado.

— Eu, Maurice Claude Durand, não ensino a indecente dança alemã a ninguém. O que é que os

alemães entendem de graça e leveza? Não perca seu tempo, senhorita, esta dança jamais será aceita pela

aristocracia.

Geórgia esperou até que ele saísse da sala, antes de comentar:

— É uma pena que ele seja intransigente. Uma pessoa tão graciosa como Juliana precisava aprender a

dançar a valsa. — Enquanto falava, Geórgia começou a dedilhar os acordes iniciais de uma valsa. — Além do

mais, Johnny adora valsar. Vamos, Spencer, ensine-lhe os passos.

Juliana corou quando o conde fez uma mesura, depois segurou-lhe a mão direita.

— Relaxe, srta. Chevron. Trata-se de uma dança deliciosa e são poucas as pessoas que a reprovam.

Ele a conduziu com extrema facilidade. Apesar da insegurança inicial, logo Juliana estava se movendo

com desenvoltura pela sala nos braços de lorde GranvilJe. Ela fechou os olhos, deliciada; dançar com o

conde era bem diferente do que com monsieur Durand.

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30

— Maravilhoso! Com um pouco mais de treino você estará esplêndida. Vamos tentar outra vez?

— Amanhã — disse Granville. — A srta. Chevron deve estar cansada e eu preciso cuidar de alguns

papéis. Com sua licença?

Ele desapareceu antes que alguém pudesse responder. Juliana não sabia se sentia-se aliviada ou

desapontada.

— Talvez eu tenha pisado demais no pé deje — brincou.

— Bobagem, querida. Spencer é assim mesmo. Ele é muito responsável e sempre põe o trabalho em

primeiro lugar.

Mas lorde Granville não estava trabalhando. Ele encontrava-se sentado atrás da escrivaninha, fumando

um charuto, absorvido em pensamentos. Demorou alguns minutos para ele perceber que Félix o havia

seguido.

— Olá, companheiro — disse, acariciando a orelha do animal. — O que você achou da exibição? Ela

dança bem, não? Mas aquele vestido consegue distrair qualquer um. Pobre John, sinto que seus dias de

solteiro estão se acabando.

Granville foi o primeiro a descer para tomar café. Parou à porta da sala de jantar, observando a

mudança efetuada, as cortinas abertas permitiam que o sol iluminasse o ambiente; o pesado jarro de prata,

que costumava ficar no centro da mesa fora transferido para uma mesinha lateral e sobre a mesa havia

apenas um delicado vaso de porcelana repleto de flores frescas.

A sra. Jamison trouxe o café enquanto ele se sentava e abria o jornal.

— Bom dia, milorde. Está um lindo dia, tão ensolarado.

— Já percebi — respondeu ele com um gesto em direção às cortinas abertas.

— Não é maravilhoso poder tomar café vendo o sol brilhar sobre a relva úmida?

O conde ergueu uma sobrancelha e mirou-a por cima do jornal.

— Eu não conhecia o seu lado poético, sra. Jamison.

— É difícil ser poético quando a casa toda está fechada e escura. Mas quem falou sobre a relva foi

lady Alynwick.

— E imagino que também foi ela quem mandou abrir as cortinas e encher a casa de flores.

— As flores foram idéia da sita. Chevron. Ela própria parece uma flor, tão doce e bonita.

— Isso também foi minha tia quem disse?

— Não, milorde. Esta frase é do sr. Piedmont.

Ela deixou lorde Granville em paz para ler o jornal, mas ele encontrou certa dificuldade em concentrar-

se nas notícias de Londres. O lacaio estava lhe servindo uma segunda xícara de café, quando ele se deu

conta de um murmúrio vindo do corredor. O conde olhou para o rapaz, curioso.

— Que barulho horrível é este, Albert?

— É Maggie fazendo a faxina, milorde — respondeu o lacaio, reprimindo um sorriso.

— Ela está doente?

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— Não, milorde. Ela está cantando. Desde que a srta. Chevron começou a praticar canto, Maggie vem

fazendo o mesmo. Devo mandá-la parar?

— Não, eu já terminei. Conte-me uma coisa, é assim que soa o canto da srta. Chevron?

— Não, senhor. A srta. Chevron parece um anjo cantando.

Nesse instante ouviu-se a voz de Juliana e a conversa foi encerrada. A moça entrou na sala, seguida

por Félix que, ao sentir o cheiro de comida, foi sentar-se, esperançoso, aos pés do conde.

— Bom dia, milorde — cumprimentou ela, sorrindo. — Vejo que resolveu ajudar-nos a mimar Félix.

— O quê? Oh, acho que deixei cair um pedaço de bacon. Este cão come como se estivesse morrendo

de fome.

— Ele faz de propósito — respondeu Juliana, rindo —, só para ganhar uma porção extra de comida.

Nem mesmo Ciclope é tão interesseiro.

— A senhorita quer dizer que Ciclope é mais educado? Por enquanto eu discordo. O rapaz que cuida

dele ainda é jovem mas me parece ter jeito com animais.

— Ele os adora. O pai já desistiu de contar com a ajuda dele no trabalho, pois cada vez que vai

procurar o filho ele está metido com algum cachorro.

— Foi o que o sr. Goodbody me contou ontem à tarde, quando eu parei na casa dele, a caminho daqui.

Por isso eu tive uma idéia quanto ao que fazer com o rapaz, mas primeiro quero ouvir sua opinião. A

propósito, Anna lhe mandou lembranças.

O brilho no olhar de Juliana, ao agradecer-lhe, deixou o conde sem graça. Ele ergueu-se,

interrompendo o que ela dizia.

— Quero que você conheça Alf Tyrell, que vive perto. Se lhe for conveniente, poderemos visitá-lo

esta tarde, aproveitando para começarmos com suas aulas de direção.

— Oh, sim, milorde, eu adoraria.

— Então partiremos às duas.

Ele ergueu-se antes que a jovem pudesse responder, deixando a sala. Félix o seguiu até a metade do

caminho, depois olhou de volta para Juliana, hesitando, antes de resolver voltar para o lado dela.

— Cachorro interesseiro. Não pense que me engana. Você só ficou porque a comida está aqui.

Lorde Granville aguardava por Juliana em seu cabriolé em frente à casa. Ela desceu a escada, usando

o mesmo vestido amarelo da manhã, acrescido de um chapéu de palhas adornado com plumas amarelas e

luvas de couro. Um observador casual veria apenas uma bela mulher que se dirigia à carruagem, sem

perceber o nervosismo que a dominava.

Granville ajudou-a a subir no cabriolé e tomou as rédeas, fazendo os cavalos andar. Juliana acalmou-se

um pouco. Pelo menos não seria obrigada a dirigir logo de imediato. As palavras dele confirmaram esta

impressão.

—Por enquanto, quero que você observe como eu seguro as rédeas e qual a reação dos cavalos. Mais

tarde, se sentir-se segura, poderá tentar fazer igual.

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Ela aquiesceu, observando as mãos do conde, que seguravam as rédeas soltas, sem dificuldade alguma.

— Você tem que mantê-las firmes o suficiente para que os cavalos reconheçam o controle, mas ao

mesmo tempo deve dar uma folga para não machucar a boca dos animais. Meus cavalos são treinados e

respondem com facilidade.

Juliana continuou a observar as rédeas e, ao ver sua seriedade, o conde sorriu.

— Cavalos são como mulheres, sita. Chevron. Costumam corresponder a um ligeiro toque.

Juliana ergueu o olhar, furiosa, mas sossegou, ao notar que ele sorria.

— Eu não consideraria esta afirmação muito galante, senhor.

— Mas a maioria dos homens tem seus cavalos em muito alta estima. Comparar uma dama a eles é um

dos maiores cumprimentos que se pode fazer a ela.

— Tentarei aceitar a observação como um elogio — respondeu ela, rindo.

Juliana percebeu que, apesar de carregar um chicote, o conde jamais fazia uso dele e perguntou-lhe o

motivo.

— Uso o chicote apenas para fazer figura — explicou ele, divertido. — Ou quando estou em uma

corrida, um estalo dos chicotes, próximo ao ouvido dos animais faz com que aumentem o passo. Mas não

gosto de bater nos meus cavalos.

— Entendi, o senhor não gosta de violência.

— Acertou, srta. Chevron. E, já que é tão esperta, acho que pode se aventurar com as rédeas. Não fique

nervosa. Coloque suas mãos sobre as minhas e eu lhe passarei o controle.

Foi uma operação delicada mas, quando terminou, Juliana segurava as rédeas e, pelo visto, os cavalos

sequer haviam notado.

— Relaxe. O máximo que pode acontecer é eles empinarem e eu estou aqui para impedir que isto

aconteça. Agora, mova as rédeas um pouquinho para a direita, estamos no meio da pista. Isso mesmo. Perfeito!

Juliana mal ouviu o elogio, estava concentrada demais em guiar os cavalos. Uma sensação de poder a

invadiu, abandonando-a logo em seguida, quando viu uma carruagem aproximar-se no sentido oposto.

— Lorde Granville!

— Estou vendo, srta. Chevron. Não há por que se preocupar. E só manter o rumo.

O veículo passou por eles e pelo canto dos olhos Juliana viu que o motorista cumprimentava o conde e

ele erguia o braço para responder à saudação. Sentiu vontade de gritar; estavam aproximando-se de uma

curva.

Granville percebeu seu estado e decidiu que para a primeira aula era suficiente. Tomou as rédeas outra

vez.

— Por enquanto é só. A senhorita saiu-se muito bem.

Juliana recostou-se, aliviada.

Mal percebeu quando o conde deixou a rua principal, seguindo por uma viela, até parar em frente a uma

cabana. O barulho dos cães latindo chegou-lhe até o ouvido. Será que iriam visitar um canil?

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Um velho, apoiado em uma bengala, apareceu.

Granville virou-se, cumprimentado o homenzinho calorosamente.

— Alf, meu velho, como vai? Vejo que está usando a bengala. A perna o está incomodando?

— Nada que eu não possa agüentar, milorde.

— Trouxe uma visita, Alf. A srta. Chevron é uma protegida de minha tia e acho que ela pode ajudar-

nos com nosso problema.

— Qual problema, milorde?

— Arrumar-lhe um ajudante. E não comece a achar que eu o estou aposentando, trata-se apenas de um

rapaz para você ensinar. Sarah está em casa?

— Está — respondeu o homem, rude. — Não quer entrar, senhorita? Sarah está fazendo chá e com

certeza ela vai lhe oferecer um pão recém-saído do forno.

Juliana sorriu e já ia agradecer, mas o velho virou-lhe as costas e foi entrando na casa.

O velho deixou-os na sala, sumindo cozinha adentro. Uma mulher, com os cabelos cacheados tão

brancos quanto os de Alf, apareceu para cumprimentá-los.

— Meu Deus, é lorde Granville! Faz muito tempo que o senhor não nos visita. E quem é a jovem

bonita?

Lorde Granville apresentou Juliana à mulher, que convidou-os a sentarem. Juliana sentou-se no sofá, ao

lado dela, e o conde acomodou-se em uma poltrona, pequena demais para seu tamanho. Mas ele nada disse

e aceitou de bom grado o chá e pão oferecidos por Sarah.

— Sabe, Sarah, eu vim falar com Alf sobre contratarmos alguém para ajudá-lo com o canil.

Sarah lançou um olhar preocupado em direção à cozinha.

— Também acho que Alf precisa de uma ajuda, mas desde que o senhor falou em aposentá-lo, ele está

morrendo de medo de ficar longe dos cães. Seria sua morte.

— Eu sei, Sarah. Confie em mim. Alf, eu conheci um rapazinho, amigo da srta. Chevron, bem educado

e com bastante jeito para cães e acho que com sua ajuda ele se sairia muito bem com os animais.

Alf segurava a bengala com as duas mãos e recusava-se a encarar o conde.

— O rapaz só tem oito anos, mas você sempre diz que um treinador deve começar cedo e eu acho que

se você o ensinar desde já, dentro de uns dez ou vinte anos ele será um bom assistente.

O velho ergueu o olhar, interessado.

— O senhor disse oito anos?

— Ele é filho de um marceneiro, mas não tem o mínimo interesse pela profissão. O pai vive se

queixando que o menino só quer saber de cachorros. Pareceu-me uma pena não lhe dar esta oportunidade,

mas eu sei que estaria pedindo demais de você e Sarah. Ter uma criança em casa o tempo todo...

— Um treinador deve começar cedo, senão não adianta. O senhor disse que ele tem jeito com cães?

Granville aquiesceu.

— Ele treinou muito bem um vira-latas. Mandei Homer ajudá-lo, mas...

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— Hum. E melhor mandar o garoto vir ter comigo. Aquele Homer não entende nada de cães.

Sarah estava radiante quando falou:

— Um rapazinho em casa. É melhor eu começar a cozinhar. Sei como as crianças gostam de comer.

Como é ele, milorde?

— Pergunte à srta. Chevron. Ela o conhece melhor do que eu.

Passou-se quase uma hora antes que eles conseguissem partir.

Juliana lançou um último aceno ao casal. Seria uma ótima oportunidade para Willie e Alf e Sarah

pareciam contentes com a idéia de terem uma criança em casa.

CAPÍTULO VI

Com um movimento do pulso, Juliana guiou o cabriolé com destreza pelo caminho que ia dar em

Crowley. Depoi; de duas semanas de aulas com Granville, ela conduzia a parelha ;om um ar confiante,

que agradava ao conde.

— Fico espantado ao ver como a senhorita aprendeu rápido.

— Vindo do senhor, trata-se de um grande elogio, mas eu sei que jamais serei capaz de competir com

Diana Fielding.

— O que me deixa contente. Uma mulher dirigindo feito louca em volta do Hide Park já é mais que

suficiente.

Juliana riu.

— E eu que pensei que as aulas tinham por finalidade transformar-me em uma concorrente dela.

— Saber lidai com uma parelha já basta — explicou ele, observando o vento brincar com o cabelo em

volta do rosto de Juliana.

— O senhor acha? Geórgia disse que lorde John admira muito Diana Fielding.

— Meu irmãc pode admirá-la, assim como vários cavalheiros o fazem, mas nenhum deles jamais se

casaria com ela. Ninguém quer por esposa uma mulher que gosta de chamar atenção como ela.

— Agora o serhor se parecendo com Geórgia, quando ela começa a dizer do que ós cavalheiros gostam

— provocou-o Juliana.

— Mantenha as olhos na estrada — advertiu ele, ao ver uma carruagem ao longe. Como havia pouco

tráfego nas proximidades de Crowley, Juliana ainda não se acostumara a desviar de outras carruagens.

Granville observou-a morder o lábio inferior, como fazia quando se concentrava.

Ela segurou as rédeas com firmeza.

— Alguém está com pressa — comentou, ao ver a nuvem de poeira deixada pelo outro veículo.

— Um louco, pela maneira como dirige — respondeu Granville, preocupado.

Ele já estava pronto para assumir o comando, caso fosse necessário. Amaldiçoava o homem que dirigia

um faetonte puxado por quatro cavalos naquela estrada, como se estivesse na pista de corridas de Brighton.

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Juliana segurava as rédeas, confiante. Só precisava manter o curso, que nada aconteceria.

A atenção de Granville estava dirigida para os quatro cavalos cinzentos que puxavam o faetonte. Não

existiam muitos iguais àqueles na Inglaterra e ele podia apostar que conhecia o motorista do veículo.

— Faça os cavalos pararem, srta. Chevron — ordenou, mal-humorado.

Juliana obedeceu, relutante. Pretendia entregar as rédeas ao conde, mas este estava concentrado em

observar o faetonte e ela acompanhou-lhe o olhar. Apesar de achar que só um louco dirigiria daquela

forma, não pôde deixar de admirar o homem que estava dentro do veículo. Um olhar de relance foi

suficiente para que notasse um rosto bonito e bem-proporcionado, 'com mechas negras, onduladas, caídas

sobre a testa.

O belo motorista passou por eles mas, ao perceber que Granville lhe fazia um sinal, parou no mesmo

instante, fez a volta com habilidade um uma parte estreita da estrada, retornando para perto deles.

— Spence, meu velho! Que maravilha encontrá-lo em uma carruagem dirigida por uma dama tão bela.

Eu estava justo indo visitá-lo — disse o motorista, abrindo um amplo sorriso para Juliana.

Ela correspondeu ao sorrido. Não precisou esperar que o conde lhe contasse que aquele era Johnny

Travassos.

— Olá, Johnny — respondeu o conde. — Eu não o esperava tão cedo. Arrumou tudo em Southwell?

— Tão cedo? Já faz quase um mês que estou fora. — Ele não desviava o olhar de Juliana. — Mas pelo

jeito você não andou sentindo minha falta.

— Assim que chegarmos em Crowley eu lhe apresentarei a srta. Chevron.

— Então vamos logo.

Mal acabou de falar, ele já estava a caminho. Porém, antes, lançou um desafio a Juliana.

__ Vamos ver quem chega primeiro em Crowley?

_ Não estamos interessados em apostar corridas — o conde respondeu por ela.

Tanto Juliana quanto lorde John viraram os veículos na parte mais larga da estrada. Juliana saiu na

frente, mas logo Johnny a estava tentando ultrapassar, decidido a correr sua corrida particular. Ao

lembrar-se que ele era admirador de Diana Fielding, o pulso da jovem se acelerou e ela agiu sem pensar,

impelindo os cavalos a aumentarem a velocidade.

— Vá devagar, srta. Chevron — advertiu lorde Granville. — Não ligue para John. Tanto faz se ele

chegar em Crowley antes de nós.

Mas a visão dos cavalos cinzentos ao seu lado era mais forte do que a boa intenção de Juliana. Ela

deixou que os cavalos dessem o máximo de si, apesar dos protestos do conde. Tarde demais, percebeu que

havia perdido o controle sobre eles.

O caminho fazia uma curva bem em frente à casa e a carruagem teria seguido reto se lorde Granville

não houvesse se apoderado das rédeas. Ele puxou-as com força, lutando contra os animais que, no último

instante, diminuíram o passo, permitindo que o conde os manobrasse para fazerem a curva.

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Johnny passou por eles, soltando um grito de júbilo e, parando logo a seguir ao chegarem à casa,

desceu do faetonte no mesmo instante.

— Muito bem, Spence — gritou para o irmão, que estava chegando naquele momento. — Cheguei a

pensar que você não conseguiria fazer a curva.

Granville não respondeu e, com a expressão sombria, deu a volta ao cabriolé para ajudar Juliana a

descer.

Ela estava sentada, cabisbaixa, o rosto corado de vergonha, sabendo que a fúria do conde era justa.

Sentia-se incapaz de encará-lo.

— Srta. Chevron?

Relutante, ela permitiu que Granville a ajudasse a descer. Assim que atingiu o solo, ergueu o olhar, os

olhos verdes refletindo seu arrependimento.

— Sinto muito, milorde. Não sei o que aconteceu comigo...

— Minha cara, nunca peça desculpas a ele — Johnny a interrompeu, sorrindo. — Só vai aumentar-lhe

a ira. E, além do mais, se alguém estivesse errado, o que eu não acredito, seria eu.

Granvílle fez um esforço visível para controlar-se.

— Srta. Chevron, por favor, avise minha tia que John está aqui — pediu a Juliana. — Nos reuniremos

a ela na sala de visitas em alguns instantes.

Juliana obedeceu imediatamente. Encontrou Geórgia na pequena sala de estar e, antes que a mulher

mais velha pudesse dizer alguma coisa, contou-lhe a tolice que fizera.

— Foi horrível, Geórgia — disse, nervosa. — Granville foi tão bom em me ensinar e eu agi de uma

forma estúpida. Só espero não ter machucado os cavalos.

— Bobagem, querida — murmurou lady Alynwick, ausente. — Quer dizer que Johnny está aqui.

Precisaremos alterar um pouco nossos planos. Mas acho que talvez seja melhor assim. Agora suba

correndo para trocar de roupa. Ponha o vestido azul; lembre-se que azul é a cor preferida de Johnny.

Juliana riu do senso prático de Geórgia. Sentindo-se melhor, subiu a escada a fim de fazer o que a tia de

Johnny sugerira.

Juliana ainda não estava pronta vinte minutos mais tarde, quando Geórgia bateu a sua porta.

— Você ainda não trocou de roupa? Que bom! Resolvi mudar os planos e disse a Johhny e Spencer

que você ficou muito abalada com o acontecido e resolveu descansar até a hora do jantar.

— O que tem em mente, Geórgia?

— Você deixou Johnny perturbado, querida, e ele está ansioso demais por conhecê-la, de forma que

resolvi provocá-lo um pouco. Você sabe que não é bom fazer tudo o que os homens querem — explicou

ela, acariciando a orelha de Félix.

Juliana sorriu.

— Você acha mesmo que eu devo evitá-lo até a hora do jantar?

— Querida, a primeira coisa que precisa aprender a respeito dos cavalheiros é que eles sempre desejam

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aquilo que não podem ter com facilidade. No momento, o que Johnny quer é conhecê-la. Precisamos tirar

proveito da situação. Confie em mim.

Juliana concordou, levantando-se para acompanhar Geórgia até a porta, uma coisa porém, a incomodava.

— Geórgia, lorde Granville estava muito zangado? Não seria melhor eu ir pedir desculpas a ele?

— Mas é claro que não! Não ouviu o que eu disse? Você vai ficar no quarto até a hora do jantar. Se ele

estiver bravo será com o irmão e pode ter certeza de que Johnny sabe como lidar com Spencer.

Depois que Geórgia saiu, Juliana tentou, sem sucesso, descansar. Mas não conseguia deixar de pensar

na gentileza do conde. O fato de havê-la ensinado a dançar e a conduzir uma parelha, poderia ser em

interesse próprio, mas ele havia sido generoso ao fazer a encomenda com William e também ao arrumar

o posto de aprendiz para Willie. Desde que o garoto estava com Alf, Granville a levara duas vezes para

visitá-lo. O rapaz estava contentíssimo e, graças aos doces de Sarah, já havia engordado um bocado.

Juliana tentara'agradecer ao conde, que respondera que ele era quem deveria agradecer. Afinal, ela

havia arrumado um ótimo aprendiz de treinador para seu canil e, além de tudo, lhe apresentara um

marceneiro de confiança, que ele recomendara a todos os amigos, os quais haviam ficado satisfeitos por

conhecerem alguém tão competente e honesto.

Mas não importava o que Granville dissesse, Juliana sabia que devia muito a ele e lhe pagara

causando-lhe desgosto e, quem sabe, até machucando seus cavalos. Por mais que Geórgia dissesse o con-

trário, não descansaria enquanto não lhe pedisse desculpas.

Tendo tomado a decisão, Juliana chamou por Dorcas, passou um pente pelos cabelos e já estava

entrando no vestido quando a criada apareceu.

— Pensei que a senhorita estivesse descansando.

— Preciso resolver um assunto — explicou Juliana, virando as costas para a moça. — Ajude-me com

esses botões, por favor.

Dorcas fechou todos os botõezinhos do vestido.

— Lady Alynwick disse que a senhorita iria descansar até a hora do jantar.

— Eu tentei, mas não consegui. Preciso falar com o conde. Você sabe onde ele está?

— Nos estábulos — respondeu a moça.

É claro, ele precisava verificar o estrago cometido por Juliana em seus cavalos.

— Deseja mais alguma coisa, senhorita?

— Não, obrigada. Só precisarei de você mais tarde, para me arrumar o cabelo para o jantar.

Juliana esperou que Dorcas se retirasse para esgueirar-se pelo corredor vazio em direção à escada, que

desceu sem fazer barulho. Ouviu vozes indistintas vindas da sala, o que achou ótimo, pois era um sinal de

que Geórgia ainda estava conversando com lorde John.

Cruzou o hall e, antes que o lacaio tivesse tempo de lhe abrir a porta, abriu-a com cuidado, apenas o

suficiente para conseguir sair.

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Alwyn estava escovando uma égua em frente ao estábulo, quando avistou Juliana. Aproximou-se dela,

solícito.

— Vai montar hoje, sita. Chevron? Eu apronto Ladyslipper em um instante.

— Não, obrigada, Alwyn. Estou procurando milorde. Você o viu?

O rapaz fez que sim com a cabeça.

— Ele está lá dentro — respondeu, com um gesto em direção ao estábulo.

Juliana penetrou no recinto escuro, parando à entrada para fazer um carinho em Ladyslipper. Avistou

o conde no fundo, próximo a um dos cavalos cinzentos que lofde John estivera conduzindo, as costas

voltadas para ela, enquanto acariciava o cavalo.

— Milorde, eu precisava encontrá-lo para lhe pedir desculpas pelo meu comportamento desta tarde.

Fui muito tola em... incitar seus cavalos a correrem daquela forma.

Ele nada disse, nem mesmo se virou; Juliana só percebeu que ele a ouvia porque a mão que acariciava

o animal parou.

— Por favor — continuou ela —, perdoe-me. Sei que agi mal, principalmente depois de tudo o que o

senhor fez por mim. Será que eu posso fazer algo para melhorar a situação?

— Poderia dar-me um beijo, quem sabe? — sugeriu ele, afastando o cabelo negro da testa. Com um

olhar especulativo, acrescentou: — Perdoarei qualquer coisa se...

— É o senhor? Como pôde me deixar continuar falando se sabia muito bem que eu o havia confundido

com seu irmão?

— Como eu poderia agir de outra forma? — perguntou lorde John, sorrindo.

Com dois passos ele chegou perto dela. Os olhos eram de um azul mais profundo que os do conde, repletos

de prorressas lentadoras.

— A senhorita estaria perdendo seu tempo ao pedir desculpas a Granville, enquanto eu perdoaria qualquer

coisa a uma dama de cabelos tão escuros quanto a noite e olhos mais verdes que uma floresta — murmurou

ele, segurando-a pelo queixo e erguendo-lhe o rosto.

Juliana sentiu o hálito quente de John em suas faces e percebeu as linhas rígidas do pescoço dele.

Permaneceu imóvel. Apenas quando sentiu-o baixar a cabeça, deu um passo para trás, rindo alto.

Não era a reação que Johnny esperava, mas ele não ficou nem um pouco ofendido.

— Fico encantado por lhe proporcionar tanto divertimento, sita. Chevron.

— Então quer dizer que se lembra de meu nome? — ela o provocou.

— Mas é claro — respondeu ele, recostando-se contra a porta. — Eu jamais me esqueceria. Seus olhos

são iguais aos de uma feiticeira e os lábios parecem uma rosa vermelha, aveludada, abrindo-se para o

beijo suave do orvalho da madrugada.

A risada divertida de Juliana ecoou nas paredes do estábulo. Johnny encarou-a, intrigado, reparando na

forrna elegante do seu pescoço e na forma como jogava a cabeça para Irás quando ria.

— Não entendi o motivo da risada — comentou.

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— Oh, milorde, agora eu lhe devo um pedido de desculpas. — Ela abriu um sorriso matreiro. —

Apesar do senhor haver dito que perdoaria qualquer coisa que eu fizesse...

— Mas por um preço, linda morena — disse ele, aproximando-se de Juliana. — Se a senhorita...

— Por favor, não recomece com essas bobagens — ela o interrompeu, erguendo a mão. — Sinto

muito, fui rude em rir, mas suas palavras pareciam saídas de um romance barato.

— É mesmo? — perguntou ele, intrigado. — Bem, não pode me culpar por isso, já que nunca leio

romance algum.

— Mas que cabeça a minha. Seu irmão já havia comentado que o senhor não gosta de ler — disse ela,

tentando, sem sucesso, ocultar um sorriso. Tentou explicar-lhe o que quisera dizer. — E o tipo de coisa

que o herói diz para a heroína e ela cai em seus braços, apaixonada.

— Eu diria que este tipo de heroína não combina com a senhorita.

— De forma alguma. Eu acho difícil acreditar que qualquer pessoa possa sucumbir a uma adulação tão

descarada.

— Acontece com mais freqüência do que possa imaginar — respondeu ele, com um sorriso maroto.

— Fico surpresa por saber — comentou Juliana. — Agora eu lhe peço licença, mas pretendo procurar

por lorde Granville.

— Para pedir-lhe desculpas? Não há necessidade. Os cavalos estão bem e ele já deve ter esquecido o

incidente.

— Eu gostaria que fosse verdade.

— Pode acreditar em mim. Quando Spencer fica bravo ele explode na hora, mas a raiva passa logo.

— Imagino que o senhor tenha bastante experiência neste assumo. Lorde John riu, divertido.

— Spence já brigou comigo várias vezes. Ele deu um passo para fora do estábulo.

— Deixe-me acompanhá-la até a casa — sugeriu, oferecendo-lhe o braço.

Juliana lembrou-se que não deveria ser vista com lorde John.

— Talvez até o jardim. Eu deveria estar em meu quarto, descai-sando. — Lembrando-se da instrução

de Geórgia, ela acrescentoa: — Espero que o senhor não tenrja intenção de mencionar a sua tia que nos

encontramos aqui.

— Acho que posso deixar de fazê-lo, apesar de se tratar da minha tia preferida — explicou ele, depois

acrescentou, risonho: — mesrro sendo a única que eu tenho.

— O senhor nunca fala sério? — perguntou Juliana.

— Spencer se encarrega do lado sério da família. Ele me lembra meu pai, sempre muito correto. Meu

irmão com certeza não aprovara encontrar a senhorita aqui.

— Sem dúvida o senhor tem razão. Peço-lhe para não mencionar o ocorrido a ele — pediu ela,

tentando manter a voz tranqüila.

— Será o nosso segredo, eu lhe prometo — disse ele, sorrindo.

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CAPÍTULO VII

Juliana hesitou à porta da sala. Ela viu lorde John parado ao lado da lareira e Geórgia sentada no sofá,

mas não havia sinal de Granville. Ao chegar à casa, perguntara por ele, mas o lacaio informara que o

conde havia saído.

— Ei-la, afinal — disse Johnny, caminhando em sua direção. — Fique tranqüila, minha cara, nosso

segredo será mantido — falou ele, baixinho, antes de conduzi-la até Geórgia, pedindo à tia: — Se você

não me apresentar a esta bela dama agora mesmo, acho que vou enlouquecer.

Juliana começou a rir.

— Agora entendo por que o chamam de Johnny Travassos — comentou.

John juntou-se a ela na risada.

— Posso lhe garantir que não sou tão terrível quando me pintam.

Granville, que entrara na sala naquele instante, caminhou até o irmão e lhe passou o braço em torno do

ombro.

— John tem razão, sua reputação não lhe faz justiça — disse.

— Está vendo? — Johnny perguntou, contente. — Obrigado, Spence, meu velho...

— Na verdade — continuou o conde, interrompendo o irmão —, ele é muito pior do que as pessoas

imaginam.

— Francamente, Spencer — Geórgia interveio —, assim Juliana terá uma impressão errada sobre

Johnny. — Ela tomou a mão de Juliana. — Permita-me apresentar-lhe meu outro sobrinho, lorde John

Drayton. Johnny, esta é a sita. Juliana Chevron, filha de uma grande amiga. Terei o privilégio de

apresentá-la à sociedade em Londres.

— Juliana repetiu ele, devagar. — Que lindo nome. Combina com a senhorita. Se não me engano era o

nome de uma deusa, não?

— Não sei, senhor — respondeu ela, sorrindo. — O nome é em homenagem ao meu avô, Jules.

— Parece-me que houve uma deusa com esse nome, feito Afrodite, que inspirou Byron e tantos outros

poetas.

— Acredito que esteja enganado — respondeu Granville, sentando-se em sua poltrona habitual. — A

não ser que esteja pensando em algum santo, feito São Juliano, mas não consigo associar a srta. Chevron

a um santo. — O conde lançou um sorriso irônico em direção a ela, antes de voltar a atenção ao irmão.

— Está se interessando por literatura, Johnny?

— Acho que sim, Spencer — respondeu Geórgia, sorrindo. — Imagine que esta tarde seu irmão pediu-

me para emprestar-lhe alguns livros!

Juliana reprimiu um sorriso, olhando em direção a Johnny, que ficou ligeiramente embaraçado.

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Durante o jantar, enquanto Granville permanecia quieto, lorde John divertia a todos com suas histórias.

Estavam apreciando a sobremesa, quando Geórgia pediu ao sobrinho que lhes contasse sobre o incidente

com Percy Cochrane.

Johnny contou-lhes o acontecido com muito bom humor, sem tentar se fazer passar por herói.

— Apesar de pensar que você não devia tê-lo provocado, acho que Percy merecia uma lição e fico

feliz por você tê-la dado a ele.

— Espero que continue pensando da mesma forma quando Cochrane resolver se vingar — disse

Granville.

Os olhos de Geórgia arregalaram-se, refletindo sua preocupação.

— Você acha que ele seria capaz de tentar prejudicar Johnny?

— Percy possui uma língua afiada e com certeza a usará para piorar a reputação de John.

Por um instante, lorde John pareceu preocupado.

— Estou certo de que você teria resolvido o assunto com prudência. Eu gostaria que tivesse estado lá,

Spence.

— O resultado seria o mesmo — retrucou o conde.

— Não quero ouvir mais uma palavra sobre esse assunto desagradável — declarou Geórgia, erguendo-

se. — Não permitirei que esse sujeito odioso estrague a temporada de Juliana. Venha, minha querida,

vamos para a sala de estar, onde meus sobrinhos se juntarão a nós, após haverem terminado a conversa e

tomado seu vinho do Porto.

Geórgia, que era mestra em estratégia, fez com que Juliana se sentasse ao cravo, arrumando, as músicas

que a jovem dama tocaria. Todas as canções que Johnny admirava estavam no repertório e ela as arranjou

de forma que as baladas melancólicas viessem antes, deixando as melodias alegres para o final, a fim de

que a noite terminasse animada.

Lady Alynwick deu um passo para trás, observando o efeito da luz em Juliana e aproximou um

candelabro dela a fim de destacar o brilho do cabelo negro.

— Assim está perfeito. Ninguém conseguiria resistir a sua aparência. Mas por que não está usando o

vestido azul? Não importa, o verde lhe fica muito bem, realça a cor de seus olhos.

— Muito bem, srta. Chevron — disse o conde, entusiasmado, entrando na sala e sentando-se na

cadeira ao lado da tia.

Johnny caminhou até Juliana.

— Esteve maravilhosa. Espero que cante mais uma música para nós; eu posso ajudá-la, virando as

páginas.

Juliana concordou e começou a próxima canção, que lorde John logo reconheceu, acompanhando-a no

refrão.

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Mais tarde, naquela noite, Juliana bateu à porta da biblioteca, determinada a falar com lorde Granville.

Assim que ela terminara de tocar, o conde se retirara para lá e Juliana ficara com a nítida sensação de

que ele a estava evitando.

— Entre — bradou Spencer, espalhando vários papéis sobre a mesa, fingindo estar trabalhando, pois a

última coisa que desejava era conversar com o irmão.

— Desculpe-me por interrompê-lo, milorde — disse Juliana ao abrir a porta.

— Oh, é a senhorita. Pensei que fosse Johnny. A senhorita deveria estar dormindo, seu dia amanhã será

longo.

Lorde Granville percebeu que estava dizendo o que lhe vinha à mente, apenas para não se deixar levar

pela imagem de vulnerabilidade que ela transmitia.

— Eu sei, mas não consegui dormir e... e estava procurando por Félix.

— Ele está aqui do meu lado.

Juliana aproximou-se da mesa, observando o cãozinho que dormia.

— Seria maldade acordá-lo.

— Pode deixá-lo aqui, se quiser.

— Geórgia disse que seria melhor não levá-lo para Londres, pois ela acha que Félix não iria se

adaptar...

— Está preocupada com o cãozinho, srta. Chevron? Fique tranqüila. Prometo-lhe que tomarei conta

dele, afinal, acabei me apegando.

— Tenho certeza de que o senhor cuidará bem dele. Não é isso que me preocupa, milorde.

— Então o que é, minha cara?

O conde sentou-se, resistindo ao impulso de caminhar até Juliana para confortá-la. Ele sabia que era

impróprio ela estar sozinha com ele àquela hora e não queria piorar a situação.

— Geórgia me disse que lorde John irá acompanhar-nos até Londres amanhã, pois o senhor não poderá

ir e eu... eu não poderia partir sem lhe pedir desculpas. Meu comportamento esta tarde foi...

— Mas o que foi que eu disse para deixá-la tão preocupada?

— O senhor mal falou comigo desde então e depois... saiu da sala assim que eu parei de tocar.

— Eu precisava examinar alguns papéis que chegaram hoje pelo correio — mentiu Granville. —

Quanto ao acontecido, entendo que a senhorita tenha agido por impulso, o que pode acontecer a qualquer

um.

Ao ouvir o que Granville dissera, Juliana tranqiiilizou-sè e um sorriso aflorou-lhe aos lábios enquanto

se levantava.

— Obrigada, milorde, o senhor tem sido muito gentil comigo, sientirei sua falta em Londres.

Lorde Granville levantou-se, determinado a pôr um fim à conversa, antes que fizesse algo de muito

impróprio.

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— Pode ir dormir tranqüila, srta. Chevron, eu tomarei conta de Félix e garanto que a senhorita não terá

tempo de sentir minha falta, e que estarei em Londres dentro de poucos dias.

Juliana retirou-se com a impressão de haver agido tolamente e retornou ao seu aposento sem fazer

barulho.

Quando a jovem já estava dentro do quarto, Geórgia fechou a porta de seu próprio dormitório,

devagarinho. Ela lavia visto Juliana entrar na biblioteca e sabia que era uma atitude imprópria, mas não

ligava para as convenções e sabia que com Sptncer a moça não tinha nada a temer. Já se fosse Johnny...

O dia seguinte amanheceu ensolarado. Quando todos terminaram o café da manhã, a bagagem já havia

sido despachada e a carruagem os aguardava à porta. Juliana voltou ao seu quarto, sentindo-se relutante

em partir.

Dorcas bateu à porta e abriu-a.

— Está pronta, srta. Chevron? Lady Alynwick está esperando-a lá embaixo.

Ao ver a porta aberta, Félix passou pela criada, correndo até Juliana. Sentou-se, feliz, em frente a ela,

o rabinho abanando e os grandes olhos castanhos a encará-la.

Juliana ajoelhou-se, acariciando a orelha macia.

— Seja um bom menino, Félix e tome conta do conde — sussurrou ela.

Dorcas, que aguardava à porta, tossiu baixinho. Juliana ergueu-se, com um sorriso sem jeito.

— Sentirei falta dele — explicou, pegando as luvas e a bolsinha e tirando uma nota de uma libra da

carteira. — E também sentirei falta de você, Dorcas. Muito obrigada por ter cuidado de mim — disse,

colocando a nota na mão da criada.

— Oh, muito obrigada! Todos nós estamos tristes por vê-la partir e esperamos que retorne em breve.

— Eu também espero.

Lady Alynwick aguardava no hall quando Juliana desceu a escada.

— Vamos, querida, precisamos nos apressar, os cavalos já estão impacientes.

— Já estou indo, Geórgia — respondeu ela, cruzando o hall para se despedir dos criados.

Terminadas as despedidas, Juliana seguiu Geórgia para fora, onde Lorde John aguardava por elas,

conversando com o irmão. Granville estava de costas para elas, mas virou-se assim que Johnny as chamou.

Geórgia deu um abraço em Spencer, depois aceitou que lorde John a conduzisse até a carruagem.

— Muito bem, srta. Chevron — disse Granville, oferecendo-lhe o braço —, sua aventura vai começar.

Desejo-lhe boa sorte.

— Obrigada, milorde — murmurou ela, aceitando o braço estendido, enquanto caminhavam em direção

à carruagem. — O senhor irá juntar-se a nós em breve, não?

— Sim, dentro de poucos dias. Mas a julgar pelo começo, a senhorita não precisará de minha ajuda.

Johnny está fascinado pela senhorita.

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Eles se aproximaram da carruagem e o conde ajudou Juliana a entrar, fechando a porta a seguir.

Juliana observou-o despedir-se de Johnny e em seguida a carruagem começou a andar. A última imagem

que ela viu foi a de Granville parado em frente à casa com Félix aos seus pés.

Quando elas chegaram em Grosvenor Square naquela tarde, Geórgia insistiu em conduzir Juliana

pessoalmente até seu aposento, cortesia que não lhe passou despercebida. Era um quarto grande, de

canto, que dava para os fundos da casa, parcialmente envolvido pela sombra de um enorme carvalho. A

decoração era de bom gosto, em tons de amarelo, e Juliana deitfou transparecer certa surpresa.

— A decoração exótica eu deixo para a sala de estar — explicou Geórgia, rindo. — Agora vamos trocar

de roupa e depois tomaremos chá enquanto discutimos nossos planos. Milly vai lhe mostrar o caminho,

quando estiver pronta — acrescentou, indicando uma moça, baixa, parada discretamente perto do armário.

— Entre, querida — convidou Geórgia. — Hornsby providenciou um chá delicioso para nós.

Juliana entrou na sala, sentando-se em frente a Geórgia, enquanto olhava em volta.

— Cada vez que entro nessa sala fico impressionada — comentou.

— Você gosta mesmo dela? Não está dizendo isso só para me agradar? Spencer diz que a decoração é

muito espalhafatosa.

— E lorde John, o que acha? — perguntou Juliana.

Lady Alynwick riu, enquanto estendia uma xícara de chá para Juliana.

— Vou lhe contar o que ele disse quando entrou aqui pela primeira vez, acompanhado de Spencer. Eu

estava sentada a um canto e ele não me viu, então comentou com o irmão: "Spence, esta sala parece um

bordel de luxo."

— Oh, não! — Juliana riu, visualizando a cena. — Ele deve ter ficado mortificado ao vê-la.

— Você não conhece Johnny. Eu me levantei e ao me ver ele disse a Spencer "agora vejo que me

enganei, trata-se de uma sala abençoada, pois há um anjo dentro dela".

— Seu sobrinho é irreverente, Geórgia.

— Johnny parece ter nascido para lisonjear os outros, já Spencer, apesar de muito correto e de também

fazer elogios, não os faz com tanta freqüência.

— Talvez por isso mesmo eles sejam mais sinceros.

Geórgia estendeu uma fatia de bolo a Juliana, pensativa, mas não teve oportunidade de responder, pois o

mordomo apareceu à porta.

— Lorde John e lorde Guilford estão aqui, milady — anunciou ele.

— Que maravilha! Diga-lhes que entrem — disse Geórgia, le-vantando-se e quando Hornsby se

afastou, ela sussurrou para Juliana. — Depois de um mês fora é hora de eu me divertir um pouco.

Juliana ergueu-se, observando Geórgia cumprimentar o sobrinho que, depois de receber um beijo

rápido da tia," caminhou até Juliana, enquanto Geórgia se dirigia, entusiasmada, a lorde Guilford, um ca-

valheiro mais velho e bem mais alto do que ela. Apesar do cabelo branco denunciar-lhe a idade, lorde

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Guilford possuía uma extrema vitalidade. Ao observar a expressão radiante de lady Alynwick, Juliana

entendeu a qual divertimento a dama havia se referido.

— Diga-me se não fui esperto — sussurrou lorde John, fazendo uma mesura para Juliana. — Eu trouxe

lorde Guilford comigo, para distrair minha tia. Ele é um antigo admirador dela.

Antes que Juliana pudesse responder, Geórgia chamou por ela, apresentando-lhe lorde Charles

Guilford. Depois disso, sentaram-se todos, as damas no sofá e cada cavalheiro em uma cadeira, lorde

John ao lado de Juliana e lorde Guilford ao lado de Geórgia. Uma criada trouxe mais chá e lady

Alynwick, corada como uma mocinha, serviu uma xícara a lorde Guilford. Depois, como se houvesse

lembrado naquele momento, serviu outra xícara para o sobrinho.

Como dama de companhia Geórgia não era nada adequada; toda sua atenção estava focalizada em lorde

Guilford e Juliana poderia desaparecer com Johnny, que ela sequer perceberia.

— Decidimos que duas damas tão encantadoras não devem passar sua primeira noite na cidade sozinhas

— explicou lorde John a Juliana. — Está sendo apresentado O Mercador de Veneza em Drury Lane, mas

se o teatro não for de seu agrado, podemos ir todos a Vauxhall Gardens.

— A decisão cabe a sua tia e acredito que ela tenha planejado uma noite tranqüila em casa.

— Melhor ainda. Ela com certeza nos convidará para jantar e os jantares de tia Geórgia são divinos.

— O senhor possui muita confiança em si mesmo.

— Não em mim... em Guilford — disse ele em voz baixa. — Ele e minha tia já foram namorados.

Guilford estava na guerra e os dois sempre se correspondiam. Assim que a guerra terminasse eles

pretendiam se casar. Então Charles foi dado como desaparecido. Tia Geórgia esperou por ele durante três

anos e, finalmente, casou-se com tio Halbert. Seis meses depois, Guilford voltou para casa.

— Que horrível. Ela deve ter ficado mortificada.

— Coitada, ela viveu com meu tio até ele morrer, mas acho que nunca deixou de pensar em Charles.

— E lorde Guilford?

— Eu ainda era criança na época, mas pelo que sei ele casou-se um ano mais tarde para agradar a mãe

e conceber um herdeiro. A mulher dele, quase morreu durante o parto e o bebê não sobreviveu. É o que

eu digo, casamento é um negócio muito arriscado.

Juliana reprimiu um sorriso.

— E agora?

Lorde John abriu um sorriso maroto.

— E uma história delicada. Talvez fosse uma boa idéia nós darmos uma volta no jardim enquanto eu

sussurro o final nesta sua linda orelha.

A risada de Juliana interrompeu a brincadeira dele..

— Pelo menos eu tentei — afirmou Johnny, bem-humorado. — A esposa de Guilford ficou inválida

após o parto. Ele a levou para morar no campo, onde morreu, há alguns anos. Guilford viajou para o

exterior, faz poucos meses que retornou.

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— É uma história romântica, milorde.

— A senhorita poderia me chamar de Johnny — sugeriu ele. — Afinal, somos quase parentes.

Os lábios de Juliana se curvaram em um sorriso, mas ela perguntou, séria:

—Como assim, milorde?

—A senhorita é protegida de minha tia, o que nos torna primos ou algo do gênero, não?

—Não, milorde, o senhor está enganado.

—Juliana — interrompeu-os Geórgia, erguendo-se —, lorde Guilford sugeriu que déssemos um passeio

pelo parque. O que você me diz?

—Acho a idéia maravilhosa mas, para ser sincera, estou um pouco cansada da viagem. Você se importa se

eu ficar em casa descansando?

—Mas é claro que não, querida — assegurou-lhe, Geórgia, nem pouco descontente. E você, Johnny?

As regras sociais não permitiam que ficasse com Juliana, sem acompanhante, nem ele queria atrapalhar o

passeio da tia com Guilford.

— Acho que vou dar um pulo no Boodle's para ver quem está na cidade. Mais tarde eu venho lhe fazer

uma visita.

Geórgia concordou com a mente ausente. Ela parecia tão excitada quanto uma garotinha, ao sair da

sala para buscar chapéu e luvas. Lorde Guilford, animado com a perspectiva do passeio, saiu para o

jardim. Coube a Juliana acompanhar lorde John até a porta.

—Está realmente tão cansada, Juliana?

—Não — respondeu Juliana, sorrindo. — Mas depois da história que o senhor me contou, achei que

poderia proporcionar a Geórgia algum contentamento, deixando que ela saísse sozinha com seu amado.

— E quanto a mim? Não mereço nada por trazer Guilford até aqui? Quem sabe um beijo?

— Seu chapéu, milorde — disse Hornsby, aparecendo no hall, a expressão impassível.

Juliana deu um passo para trás, o olhar divertido.

— Boa tarde, milorde — despediu-se. — Ficarei a sua espera esta noite.

— Bem que minha tia podia contratar um mordomo mais discreto — queixou-se Johnny num sussurro,

ao inclinar-se para beijar a mão de Juliana. Depois acrescentou em voz alta. — Foi uma pena termos sido

interrompidos no meio da conversa, srta. Chevron, mas prometo-lhe que continuaremos mais tarde.

CAPITULO VIII

Juliana foi apresentada à sociedade londrina em uma reunião oferecida por lady Úrsula Spalding. Como

Geórgia havia previsto, seu sucesso foi instantâneo, pelo menos entre os rapazes, ainda mais por ter

chegado acompanhada de lorde John. A maioria achou-a simpática e educada.

Lady Carew comentou com a sra. Sidney que depois disso talvez sua filha, Cláudia, parasse de pensar

em lorde John e começasse a se interessar pelos outros rapazes. A sra. Sidney concordou, pensando na

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própria filha, que passava pelo mesmo problema. Era consenso entre as mães de moças em idade de se

casar, que quanto antes alguém tirasse lorde John de circulação, mais cedo suas filhas pa-rariam de

sonhar com ele.

A srta. Carew e a srta. Sidney não compartilhavam da opinião de suas mães e não gostaram nem um

pouco daquela srta. Chevron que, além de haver enfeitiçado lorde John ainda atraíra a atenção de todos

os outros cavalheiros da festa.

A srta. Ruth Taunton observava a tudo de um canto da sala e em certo momento conseguiu captar a

atenção de Johnny, chamando-o para ir ter com ela e apresentar-lhe a acompanhante, já que Ruth não

alimentava nenhuma ilusão romântica com relação a ele ou a qualquer outro cavalheiro.

— Minha cara Ruth, como vai?

— Estou ótima, apesar de estar morrendo de sede. Seja um anjo e traga um refresco para mim, por

favor. Srta. Chevron, quer me fazer companhia por alguns minutos?

— Com prazer.

— Imaginei que a senhorita não estivesse se sentindo muito à vontade com as outras moças.

— De fato, algumas pessoas me trataram com certa frieza.

— Mas era de esperar que elas agissem assim, afinal, chegar em uma festa acompanhada de Johnny

provoca o ressentimento de quase todas as damas presentes.

— Menos o seu, não é, srta. Taunton?

Havia algo de errado, pensou Juliana, observando Ruth Taunton; a moça possuía olhos castanhos,

profundos, cabelos negros, sedosos e um corpo esbelto; sem dúvida era uma moça muito bonita. Então,

por que estava naquele canto, isolada?

— Oh, não! Johnny é um ótimo amigo e eu adoraria vê-lo apaixonar-se, finalmente. Existe alguma

coisa entre vocês? Eu quero ser a primeira a saber.

— Prometo-lhe que contarei... se por acaso acontecer. Agora explique-me por que a senhorita está

sentada aqui, sozinha? Mesmo que não se sinta atraída por lorde John, com certeza deve simpatizar com

algum dos cavalheiros aqui presentes.

Ruth corou ligeiramente, mas logo abriu um sorriso determinado e encarou Juliana com firmeza.

— John não lhe contou? Eu sou paralítica, srta. Chevron.

Juliana não conseguiu evitar um olhar sem graça ao vestido amarelo, que cobria as pernas da srta.

Taunton.

Ruth riu, insegura.

— Peço-lhe desculpas por havê-la deixado constrangida. Agora a senhorita entende por que todos me

evitam.

— Não, não entendo. Pelo que me consta a paralisia não é contagiosa.

Ruth riu com naturalidade e seu olhar estava aquecido quando segurou as mãos de Juliana.

— Obrigada. Espero que nos tornemos amigas. Estou tão cansada dos olhares de dó que me lançam.

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— Eu sinto muito se a sua enfermidade a impede de dançar, srta. Taunton, mas não consigo sentir dó

de uma dama tão bonita como a senhorita. Não me diga que todos os cavalheiros são cegos?

— Como é bom conversar com você. Me chame de Ruth, por favor. Quanto aos cavalheiros... Eu os

deixo sem graça. Mesmo Johnny, que eu adoro, você percebeu como ele ficou sério quando me viu? Eu

daria tudo para ser tratada como as outras garotas.

— Então precisamos fazer alguma coisa a respeito.

Ela logo percebeu o que a moça queria dizer. Johnny entregou o copo a Ruth, puxou uma mesinha para

perto dela e perguntou em uma voz preocupada se estava tudo bem com ela. Ruth agradeceu a lorde John

e lançou um olhar divertido à nova amiga.

— Vá buscar uma cadeira para nos fazer companhia, milorde. Eu ia começar a explicar a Ruth as

regras de um brincadeira que costumávamos fazer em Stapleton, chamada imaginação. É bem fácil e

divertida. — Ela olhou em volta da sala e percebeu que George Somerset ouvia, entediado, enquanto a

srta. Sidney falava sem parar.

— Se quiser convidar o sr. Somerset para juntar-se a nós, o jogo ficará mais interessante a quatro.

Lorde John parecia intrigado, mas fez o que ela sugeriu.

— Juliana! O que você está fazendo? Por favor, não pense que precisa ficar sentada comigo para me

agradar.

— Você acha que eu prefiro ficar com a srta. Sidney e a srta. Carew? Garanto-lhe que aqui será muito

mais divertido.

Os cavalheiros se aproximaram com suas cadeiras e Juliana explicou que o jogo consistia em

descrever um determinado objeto, sendo que o primeiro jogador começaria sua descrição com a primeira

letra do alfabeto e os seguintes com as próximas letras e a primeira palavra precisava rimar com a última

da descrição anterior. Lorde Somerset custou um pouco a entender, mas depois que compreendeu,

entusiasmou-se.

Quando surgiu um impasse quanto a quem começaria o jogo, lorde John sugeriu, protetor:

— Já que a parte mais fácil cabe ao primeiro jogador, não será justo que a srta. Chevron, que já

conhece o jogo comece, sugiro que Ruth seja a primeira.

— Eu não — respondeu ela, rebelde. — Gosto de desafios. Serei a última a jogar. Deixe que o sr.

Somerset comece.

Depois de alguns minutos de diversão, estavam todos tão absorvidos que mal perceberam o quanto

riam. Phillip Norwick, um cavalheiro de Oxford, foi o primeiro a abandonar a companhia das srtas.

Sidney e Carew em favor da brincadeira de Juliana, no que foi seguido pelo amigo, Edward Hastings.

Harriet Malvern, Louise Holt e Olívia Penbroke aproximaram-se do grupo e os cavalheiros apressaram-se

em buscar cadeiras para as três. Conforme o grupo crescia, as rimas iam ficando mais engraçadas e as

risadas podiam ser ouvidas até na sala de carteado.

Ao ouvir o barulho, lady Spalding foi até o salão, retornando a seguir, sorridente.

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— Sua protegida organizou um jogo — explicou a Geórgia — e a maioria dos jovens está participando

com gosto.

— Fico contente. Agora conte-me o motivo deste seu sorriso satisfeito.

— Juliana é um anjo. Ela conseguiu fazer com que minha sobrinha participasse da brincadeira. Ruth

parece ser o centro das atenções, enquanto Cláudia Carew e Blanche Sidney estão a um canto, tendo

apenas Roland Tilbury por companhia.

Geórgia sorriu. Sabia como Ursula se preocupava com Ruth e ficou contente por Juliana haver feito

amizade com ela... só não gostou que fosse às custas da inimizade de Cláudia Carew, que faria o

possível para criar problemas a Juliana, no que seria ajudada com todo prazer pelo primo Percy

Cochrane.

—Lorde John e o sr. Somerset irão participar de um torneio de arco e flecha e lady Spalding disse que

faria companhia a mim e a Ruth se você não se opusesse.

Geórgia concordou que ela fosse e, assim, mais tarde, naquele dia, Juliana passeava ao lado de lorde John,

enquanto o sr. Somerset caminhava com Ruth. A srta. Taunton havia hesitado, de início, mas George

Somerset garantira-lhe que andaria devagar e ofereceu-lhe o braço como apoio, assim ela concordara,

contente, em caminhar pelo parque.

Eles retornaram à rotunda na hora da competição. Lorde John havia conseguido uma ótima mesa para se

sentarem e lady Spalding encomendara um chá, que estava sendo servido na hora em que eles chegaram.

Lady Spalding estava ocupada demais com os preparativos do chá para perceber que sua sobrinha

tirou um lencinho da bolsa, es-tendendo-o, timidamente, para George Somerset, que o guardou, reverente,

no bolso.

Juliana, porém, viu e sorriu, contente. O sr. Somerset era um romântico, que encontrara na doce Ruth

uma pessoa delicada e sensível. Por isso ele iria participar do torneio com o lenço da sua querida no

bolso, como mandava a tradição.

— É costume carregar um talismã nas competições — sussurrou Johnny no ouvido de Juliana. — Que

tal um beijo seu, Juliana?

— O senhor é incorrigível — disse ela, rindo; mas soltou uma fita azul do cabelo e entregou-a para

ele. — Boa sorte, Johnny.

Ele beijou-lhe a mão e, em vez de contornar a grade que os separava da arena, pulou por cima dela.

George Somerset, ao ver a atitude do amigo, seguiu-lhe o exemplo.

O torneio era patrocinado por uma tradicional associação de Londres, à qual pertenciam vários

membros da nobreza. O arco e flecha, no entanto, era praticado por poucos.

Somerset terminou a competição em terceiro lugar e Johnny em quarto.

— Se você treinasse um pouco mais poderia ser o melhor de todos.

— Mas então que graça teria? — respondeu Johnny, bem-humorado.

Quando eles saíram, lorde John tomou as rédeas do cocheiro,

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com a intenção de manobrar a caleça através do tráfego, o que foi uma decisão acertada, já que em

poucos minutos havia se livrado do congestionamento. Ele dirigia, tranqüilo, quando George Somerset deu

um grito de alarme.

As damas foram pegas de surpresa. Lady Spalding, sentada ao lado de George, ergueu o olhar a tempo

de ver o cabriolé amarelo vindo direto em sua direção, mas Ruth e Juliana, sentadas de frente para eles,

não viram nada, sendo atiradas para a frente quando a caleça parou de repente.

Juliana caiu quase no colo de lady Spalding, mais assustada do que machucada e virou-se, curiosa para

descobrir o que havia acontecido. Johnny entregou as rédeas para o cocheiro, tencionando tirar satisfação

com o motorista do cabriolé e Juliana desceu da caleça, decidida a acompanhá-lo. Qual não foi a surpresa

de ambos ao descobrirem que quem dirigia o cabriolé era Cláudia Carew.

A srta. Carew parecia achar tudo muito divertido. Ela estivera dirigindo o cabriolé de Roland Tilbury

e, ao avistar a caleça de lorde John, decidiu interceptá-lo. Quando ele acusou-a de dirigir de maneira

imprudente, Cláudia apenas riu.

— Ei, Johnny, não faça drama. Ninguém saiu ferido, nem mesmo seus preciosos cavalos.

Juliana percebeu que Johnny apesar de estar furioso, controlava-se para não dizer nada, afinal, ele era

um cavalheiro. Mas não havia nada que a impedisse de dizer o que pensava.

— Eu fui atirada para fora de meu assento, srta. Carew, assim como a srta. Taunton, graças a sua

infantilidade.

— Oh, meu Deus — disse Cláudia, em tom debochado. — Eu não sabia que a aleijadinha estava com

vocês. Espero que esteja tudo bem com ela.

Juliana conteve-se para não bater em Cláudia Carew.

— Apesar de sua imprudência ela está bem. Mas sugiro que tome algumas aulas antes de dirigir outra

vez, srta. Carew.

O rosto de Cláudia se contraiu em uma expressão irada.

— Acho que a senhorita se imagina melhor condutora do que eu.

— Pela demonstração que acabo de ter, é claro que sim.

Juliana sentiu que Johnny segurava-lhe o braço, tentando levá-la de volta para a caleça.

— Calma, senhoritas — pediu Roland Tilbury. — Estou certo de que ambas são ótimas condutoras.

— É o que veremos — desafiou Cláudia. — Isto é, se a srta. Chevron tiver coragem.

— Uma corrida! — gritou alguém da multidão.

Juliana virou-se, confusa. Em sua ira, não notara que o acidente atraíra tanta gente. Ela viu lady

Spalding acenando-lhe da janela e percebeu que deveria voltar para dentro da caleça; estava se com-

portando de forma escandalosa.

— Então, srta. Chevron? — provocou Cláudia ao perceber a hesitação de Juliana. — Irá aceitar o

desafio ou prefere procurar refúgio junto de sua amiga aleijada?

Johnny tentou conter Juliana, mas foi impossível.

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— Diga a hora e o local, srta. Carew — respondeu Juliana, virando-se para encará-la.

— Cornhill, depois de amanhã às três horas — disse Cláudia na mesma hora. — Iremos do topo da

montanha até St. Michael's, contornaremos a alameda e voltaremos a subir.

— Até quarta-feira, então, srta. Carew, se a senhorita conseguir dirigir o cabriolé até lá.

Johnny segurou o braço de Juliana com firmeza, conduzindo-a de volta para a caleça. Ela sabia que

estava vermelha e baixou o olhar.

— Queixo erguido, mocinha — sussurrou Johnny. — Agora é tarde para arrependimentos. Tem certeza

de que não somos parentes, Juliana? Este foi o ato mais louco e corajoso que já vi.

Lady Spalding era de opinião diferente.

— Oh, querida, o que lady Alynwick vai dizer? Uma briga em público! Antes do anoitecer toda a

cidade já estará sabendo.

— Não foi culpa de Juliana, tia Úrsula. Foi aquela insuportável da Cláudia Carew que a desafiou —

atalhou Ruth, segurando a mão de Juliana. — Ouvi o que ela disse e não me importei: já estou

acostumada. Mas adorei a cara que ela fez quando Juliana sugeriu que tomasse aulas de direção!

Tanto Juliana quanto lady Spalding não puderam evitar de sorrir. Somente George Somerset

permaneceu impassível.

— O problema é um só: a senhorita sabe dirigir, srta. Chevron? — perguntou ele.

Lady Spalding insistiu em acompanhar Juliana até em casa. Ela assumiu a responsabilidade pelo

incidente e disse que o mínimo que poderia fazer seria explicar o acontecido a lady Alynwick. Ruth

ofereceu-lhe apoio e George Somerset garantiu-lhes que sentia-se na obrigação de permanecer ao seu

lado. Foi assim que os cinco adentraram pela sala de estar de Geórgia, interrompendo sua conversa

particular com lorde Guilford.

Foi difícil dizer qual dos dois ficou mais surpreso. Geórgia corou, enquanto os olhos exibiam o brilho

que havia se tornado uma constante e lorde Guilford assumiu uma expressão sem graça.

Geórgia cumprimentou a todos, perguntando como fora o torneio e ofereceu-lhes chá, enquanto

sentavam-se. Quando todos recusaram, ela percebeu que havia algo de errado. Ursula Spalding estava

muito pálida, Juliana e Ruth mantinham os olhares baixos, enquanto Johnny e George ficaram parados a

um canto, em silêncio, em vez de promoverem a algazarra que lhes era habitual.

Lorde Guilford pôs-se de pé.

— Talvez seja melhor eu ir embora...

— Não, não — protestou Geórgia. — Acho que posso precisar de você, Charles. — Ela olhou em

volta. — Alguém pode me dizer o que está acontecendo?

— Geórgia, foi um acaso infeliz... — começou lady Spalding.

— Eu assumo plena responsabilidade. Eu não deveria ter descido ia caleça — falou Johnny ao mesmo

tempo.

— Juliana só estava me protegendo — disse Ruth, nervosa. — A senhora não a pode culpar.

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— Oh, Geórgia, eu sinto muito — choramingou Juliana. — Eu não queria dar um vexame destes...

— Um por vez, por favor. Não estou entendendo nada — disse Geórgia, erguendo uma mão. Todos

ficaram quietos e ela encarou o sobrinho. — Johnny, você se meteu em outra enrascada?

— Mais ou menos — informou ele. — Nós estávamos deixando o parque quando Cláudia Carew nos

abalroou, dirigindo o cabriolé de Roland Tilbury.

— Não entendo como uma pessoa amável como Margareth Carew pôde ter umà filha tão desagradável

— interrompeu lady Spalding.

— Por sorte eu consegui desviar a caleça de forma a evitar um acidente — continuou Johnny —, mas a

pobre Ruth e Juliana foram arremessadas para fora de seus assentos.

— Meu Deus, vocês se machucaram? — perguntou Geórgia, preocupada.

— Não. Sinto muito, eu não pretendia provocar um escândalo, mas ela disse cada coisa...

— Ela fez vários comentários maldosos sobre a minha paralisia — Ruth a interrompeu, solícita.

— E eu lhe disse que deveria tomar aulas de direção — concluiu Juliana.

Houve um silêncio momentâneo e Geórgia olhou em volta, confusa.

— Mas eu não entendo por que tanto...

— Cláudia desafiou Juliana para uma corrida — explicou Johnny. — Quarta-feira à tarde em

Cornhill.

— Meu Deus! Você... você não concordou, não é? Por favor, diga-me que não concordou com esta

loucura.

O rubor no rosto de Juliana deu-lhe a resposta. Geórgia virou-se para Guilford.

— O que nós vamos fazer?

— Juliana não teve opção — explicou Johnny. — Cláudia a desafiou e com todas aquelas pessoas

gritando...

— Pessoas? Houve testemunhas?

— Algumas — admitiu ele. — Você sabe como as pessoas acorrem ao local de um acidente.

Geórgia fechou os olhos.

Juliana levantou-se, ajoelhando em frente a lady Alynwick, segurando as mãos frias da amiga entre as

suas.

— Eu sinto muitíssimo. Jamais pensei em lhe dar este desgosto.

— Juliana, entenda-me, eu não a culpo pelo ocorrido, mas você não pode participar desta loucura.

Dirigir em volta do parque é uma coisa, mas participar de uma corrida, ainda mais em Cornhill! E justo

na quarta-feira? — reclamou ela.

— Qual é o problema com quarta-feira, tia? — quis saber Johnny.

— O baile, seu tolo! Consegui as entradas para o AImack's esta tarde. Você acha que Juliana poderá

aparecer por lá, depois da corrida?

— Só o que podemos fazer é tentar lidar com o fato da melhor forma. Se todos nós formos assistir,

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ninguém poderá dizer uma palavra.

— É o que você pensa — disse Geórgia. — Todos terão muito a dizer. Cláudia e o primo, Percy

Cochrane, tirarão o máximo proveito da situação.

— Oh, céus, eu havia me esquecido deste idiota — disse Johnny, caminhando até o bar e servindo-se

de um drinque. — Mas será que ele faria alguma coisa, prejudicando também a própria prima?

— Você se esquece que esta é a segunda temporada de Cláudia e que ela tem o nome da família a lhe

proteger? Além do mais, está praticamente noiva de Roland Tilbury. Quanto a Juliana... quem não a

conhece irá julgá-la com base no escfândalo. Com certeza, ela será ignorada no Almack's!

— Disso eu e George podemos cuidar. Garanto-lhe que nós e nossos amigos ocuparemos todas as

danças de Juliana, com exceção das valsas. E, com seu apoio e o de lady Spalding, em breve a crise

estará superada. O único problema é Percy. Talvez seja melhor eu ter uma palavrinha com ele.

— Não! Eu proíbo. Só iria piorar a situação. Prometa-me que ficará longe dele.

— Sua tia está certa — falou Guilford, calmo. — Não deixe que Percy perceba que você está abalado,

senão será pior.

— Eu quero saber o que Spencer dirá quando souber disso — suspirou Geórgia.

— O que direi sobre o quê? — perguntou uma voz profunda, vinda da porta.

Sete rostos surpresos viraram-se para encarar o conde de Granville. Apenas o barulho do relógio de parede

quebrava o silêncio que se fez.

CAPITULO IX

O conde entrou na sala, como se não houvesse percebido a confusão causada por sua chegada. Ele

manteve-se quieto, enquanto várias pessoas começavam a falar ao mesmo tempo.

A voz de Geórgia se sobressaiu das outras quando ela levantou-se para cumprimentar o sobrinho.

— Spencer, querido, que bom que você chegou. Estávamos falando de você agora mesmo.

— Estavam? — perguntou ele, seco.

— Spencer, meu velho, você chegou na hora certa... — começou Johnny, mas foi interrompido pela tia.

— Eu estava dizendo como seria horrível se você ficasse sabendo da novidade antes que eu e Charles a

contássemos a você. — Ela deu uma risada nada convincente e pendurou-se no braço de Guilford. — Você

sabe como as fofocas correm e eu fui um tanto indiscreta. Charles estava me advertindo que queria que

você nos desse a sua bênção antes de tornarmos nosso noivado público.

Guilford levou a mão à gravata, extremamente sem graça.

— Fico contente com a novidade — Spencer murmurou, intrigado.

Ele virou-se, cumprimentando lady Spalding, Ruth e por fim Juliana, que estava profundamente

ruborizada.

Lady Spalding quebrou o silêncio desconfortável.

— Que surpresa agradável, não lorde Granville? Acho melhor deixá-los a sós para discutirem o

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assunto em família. Vamos, Ruth.

— Eu as acompanho — Somerset ofereceu-se, correndo para o lado de Ruth.

— Viemos na minha caleça, lembra-se? — perguntou Johnny.

— Eu as levo até em casa. — Depois sussurrou baixinho para Juliana: --- Conversaremos mais tarde. Não

sei o que tia Geórgia tem em mente, mas siga a orientação dela.

— Você volta para o jantar, não, Johnny? — perguntou a tia, com um olhar de súplica.

— Mas é claro que sim — disse Johnny, apertando a mão de Charles. — Parabéns, Guilford. Tenho

certeza de que será um casamento feliz.

Apesar de estar totalmente confuso, lorde Guilford agradeceu. Saíram todos da sala, Ruth caminhando

ao lado de Juliana.

— Eu sinto como se a culpa fosse minha. Talvez se eu conversasse com o conde...

— Não pense assim. A culpa é da minha maldita língua, mas não se preocupe, Geórgia vai arrumar

uma saída.

Os olhos negros de Ruth denunciavam seu remorso e ela abraçou a amiga.

— Oh, tomara que sim.

Juliana conseguiu sorrir enquanto se despedia de todos à porta, depois voltou para a sala, onde

Granville estava sentado em frente a Geórgia, que segurava a mão de lorde Guilford como que procu-

rando proteção. Juliana sentou-se ao lado da dama e, ao sentir que o conde a observava,' baixou o olhar.

Quando Granville chegara, Juliana sentira um certo alívio e tivera o ímpeto de confessar-lhe o que

fizera. Mas Geórgia não lhe dera tempo para abrir a boca e agora ela via que o conde não a perdoaria.

Quando ele ficasse sabendo sobre seu comportamento escandaloso, com certeza consideraria que ela não

era a mulher ideal para o irmão.

— Muito bem, srta. Chevron — o conde interrompeu-lhe o pensamento. — Parece que haverá um

noivado na família. É algo para ser comemorado, não acha?

— Oh, sim, milorde. — Ela conseguiu abrir um sorriso trêmulo ao se dirigir a Geórgia. — Eu ainda

nem lhe desejei felicidades. Você já marcou a data?

— Ainda não. — Geórgia riu. — Você deve compreender que não estou com cabeça para pensar nisso

no momento, com toda a temporada pela frente. Mas acho que o casamento deve acontecer entre

dezembro e janeiro.

Lorde Guilford tossiu, embaraçado.

— Devo pedir-lhe desculpas, Granville. Acho que eu deveria ter falado com você antes.

— Como meu consentimento é mera formalidade mesmo, não há problema algum. — Ele fez uma

pausa, fitando Guilford com curiosidade. — Fiquei surpreso não com o noivado em si, mas com a forma

precipitada com que foi anunciado. Eu esperava um maior planejamento de um militar.

— É verdade — concordou Charles Guilford, fitando Geórgia com adoração, antes de prosseguir. —

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Mas até mesmo um militar sabe que quando lhe é dada uma chance de ouro não deve pensar duas vezes.

— Agora chega — protestou Geórgia. — Eu não quero ser comparada a uma cidade a ser tomada.

— É o preço que se paga quando se casa com um militar. Nós civis devemos ser muito gratos aos

militares, não acha, sita. Chevron?

Ela ergueu o olhar, confusa.

— Sim, é claro.

— E a senhorita também deve concordar que lorde Guilford merece nosso agradecimento.

— Sim, mas não vejo...

— Então vamos presenteá-lo com alguns minutos a sós com sua amada. Vamos dar uma volta pelo

jardim.

Ela não pôde deixar de rir com a manobra do conde.

— Depois o senhor diz que sua tia é a estrategista da família!

— Qual o motivo de tanto silêncio, sita. Chevron? Será que o clima de casamento a deixou pensativa?

— Não, senhor. Na verdade, sua tia não tem me deixado muito tempo para pensar. O senhor ficaria

surpreso se soubesse quantas pessoas eu já conheci, e minha apresentação oficial só ocorrerá na quarta-

feira.

— Não me diga que minha tia conseguiu arrumar convites para o Almack's?

Ela aquiesceu.

— A princesa Esterhazy os forneceu e Johnny irá me acompanhar.

— Pelo que vejo nosso plano está dando certo, já que meu irmão concordou em acompanhá-la a um

baile tão importante.

— Sim, mas infelizmente a companhia constante de lorde John já fez com que eu conseguisse uma

inimiga em Londres.

Granville fez uma pausa, enquanto arrancava uma rosa do pé.

— Só uma?

— Oh, há várias damas que me invejam, mas apenas uma foi tão longe a ponto de tornar-se um inimiga

declarada. O senhor conhece a srta. Carew?

0 conde virou-se, presenteando-a com a rosa recém-colhida. Suas mãos se tocaram de leve e ele sorriu

ao notar a expressão terna dos olhos verdes e quando viu a boca de Juliana entreaberta, lutou contra o

desejo de beijá-la.

Granville deu um passo para trás, tentando lembrar-se do que ela havia perguntado.

— Quer dizer que Cláudia Carew a está incomodando?

— Ela bem que gostaria de tentar me prejudicar, mas eu não sou sua única vítima; a srta. Carew também

está atacando Ruth Taunton.

— Acho que vocês duas deveriam sentir-se contentes; Cláudia Carew não é o tipo de pessoa que ataca

à toa, ela só o faz quando percebe que sua popularidade está sendo ameaçada. Aconselho-as a não

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prestarem atenção a ela.

Juliana engoliu uma risada.

— Uma pena que o senhor não estivesse na cidade há mais tempo, milorde. Seu conselho... é sempre de

grande valor.

O conde percebeu a hesitação na voz de Juliana. Havia algo de errado e ele gostaria que a jovem dama

confiasse nele. Granville segurou o braço dela com carinho.

— Há alguma coisa a incomodá-la? Se eu puder fazer algo para ajudá-la é só dizer.

Juliana balançou a cabeça, incapaz de falar e manteve o olhar focalizado na porta do terraço.

Quando eles retornaram a criada havia trazido chá fresco, que Geórgia serviu a todos.

— Spencer, querido, recebi hoje uma carta do administrador de minha propriedade em Alresford,

informando que ele está tendo dificuldades com os carneiros. Você não poderia ser um anjo e viajar até lá

para resolver o problema?

Granville respondeu com uma expressão estranha no olhar.

— Acho que está na hora de seu noivo começar a cuidar das suas propriedades, querida tia.

Guilford sobressaltou-se.

—Não! Eu não entendo nada do assunto, sou um militar.

Geórgia suspirou.

— Acho que você tem razão Spencer, mas, para isso, Charles precisará de seu auxílio até aprender

como fazê-lo e acho que esta é uma excelente oportunidade para você começar a ensinar-lhe.

Juliana observava o conde; podia jurar que ele estava se divertindo com a situação, apesar de tentar

permanecer sério.

— Perfeito! Que tal viajarmos na sexta-feira, Guilford?

— Não! — bradou Geórgia, acalmando-se a seguir. — Vocês devem partir imediatamente. Pelo que

Siddon escreve, parece que o problema é urgente.

O conde deu de ombros, erguendo as mãos em um gesto de desamparo.

— Eu não gostaria de decepcioná-la, mas tenho negócios na cidade amanhã e quarta-feira. Só poderei

partir na sexta-feira. Além do mais, amanhã de manhã terei um tempo livre e queria convidar a srta.

Chevron para um passeio de carruagem.

A sugestão dele pegou Juliana de surpresa.

— Eu gostaria muito, milorde, mas acho que Geórgia tem outros planos...

— Não, querida, eu só vou fazer uma visita a lady Pembroke e garanto-lhe que irá se divertir muito

mais saindo com Spencer.

— Ótimo — disse Granville, antes que ela pudesse arrumar outra desculpa. — Posso vir buscá-la ao

meio dia?

Juliana aquiesceu e desviou o olhar. Sentia-se desconfortável sob o olhar do conde. Desejou que ele

fosse logo embora, assim poderia conversar com Geórgia.

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Lady Alynwick, no entanto, pensava bem diferente e a última coisa que ela desejava era que Spencer

fosse embora. Geórgia segurou a mão do sobrinho, que havia se levantado.

— Sente-se e tome um pouco mais de chá.

— Preciso ir agora, mas espero vê-las mais tarde. Quais são seus planos?

— Estamos pensando em passar uma noite agradável em família — mentiu Geórgia, esquecendo-se

convenientemente da festa da sra. Malvern. — Johnny deve voltar em breve e eu pensei em realizarmos

um jantar em família. Você vai ficar, não, Spencer?

Pelo olhar do conde percebia-se que a situação o divertia.

—Fico contente com este súbito interesse pela minha companhia, mas preciso ao menos trocar de roupa.

Prometo-lhe que estarei de volta para o jantar.

Geórgia não insistiu mais ao perceber que não adiantaria.

— Agora só podemos torcer para que Spencer não encontre ninguém — comentou ela, depois que o

sobrinho partiu. — E se conseguirmos mantê-lo em casa esta noite, é capaz que ele não descubra nada

sobre a infeliz corrida.

— Eu acho melhor contar-lhe a verdade — interveio Juliana. — Mais cedo ou mais tarde ele há de

ficar sabendo.

— Nem pense nisso. Nós vamos dar um jeito de contornar este problema, mas não deixe que Spencer

saiba de nada.

— Você acha que o conde ficaria muito aborrecido? — perguntou Juliana, corando profundamente.

— Aborrecido não é bem a palavra. Entenda, Juliana, ele dá muito valor ao nome da família e talvez

não lhe aprouvesse que você usasse seu sobrenome depois de um escândalo destes.

Guilford pigarreou.

— Não quero interferir, mas parece-me que Johnny não ficou transtornado com o incidente. E se

mesmo assim ele quiser a srta. Chevron, será que o conde faria alguma objeção?

Geórgia acariciou-lhe a mão.

— Acredite em mim, Charles, sei o que estou dizendo. — Ela levantou-se e caminhou até Juliana. —

Querida, tente não se preocupar; vai dar tudo certo. Agora suba e descanse um pouco.

Antes que Juliana pudesse responder, Geórgia acompanhou-a até a escada e deu ordens expressas à

criada de que ela deveria repousar.

— Francamente, Charles — disse, quando retornou à sala de estar —, você quase estraga tudo com

aquela bobagem sobre Johnny.

— Não estou entendendo...

— Eu sei — falou ela, segurando-lhe as mãos. — Pelo menos alguma coisa está dando certo —

murmurou, tão baixinho que ele não ouviu.

Guilford beijou-lhe a testa.

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— Pretendo aproveitar as próximas horas ao seu lado — disse ele —, pois imagino que o jantar será

uma catástrofe. Vamos sentar-nos, depois você me conta o que quis dizer com respeito a Johnny.

Geórgia riu, seguindo-o até o sofá.

— Johnny não importa. Você não percebeu como Juliana e Johnny se comportam um com o outro? Eles

parecem irmãos. — Geórgia balançou a cabeça. — Acho que eles não combinam nem um pouco.

— Mas você não disse que a queria ver casada com seu sobrinho?

— Sim, com Spencer. Juliana o adora e se você abrir os olhos perceberá que ele está apaixonado por ela.

É claro que Spencer ainda não sabe que a quer e eu tenho medo de que se ele tomar conhecimento deste

escândalo, acabe não querendo saber mais de Juliana.

Ao deixar a casa de Geórgia, Granville dirigiu-se, incontinenti, a St. James Square, a fim de visitar lady

Fitzhugh. Se havia alguém em Londres que sabia de tudo o que acontecia, este alguém era ela.

O conde esperou, paciente, enquanto o mordomo apresentava seu cartão à dama. Minutos depois, o

criado retornou, dizendo que lady Fitzhugh teria o maior prazer em recebê-lo. Granville o seguiu pelo

corredor imponente, até a sala decorada em todos os tons de verde e rosa. Quando ele entrou, uma enorme

matrona ergueu-se da poltrona em que estivera sentada. Ela usava vestido verde e turbante cor-de-rosa,

ornamentado com um enorme brilhante, beirando à vulgaridade. A dama o saudou, contente.

— Granville, meu caro. Confesso que estou surpresa. Não esperava que viesse me visitar no dia de sua

chegada em Londres.

— Seus informantes são incríveis, Maria. Eu estou na cidade há poucas horas e você já está sabendo.

Ela riu, a voz rouca ecoando pela sala.

— É por isso que o estimo, Granville. Você vai direto ao assunto. -i- Ela fez sinal para que o conde se

sentasse. — Aceita um refresco?

— Não, obrigado. Estou com pressa. Vim a sua casa movido por impulso, esperando ter a sorte de

encontrá-la sozinha.

— Acertou a hora. Sally Jersey acaba de sair daqui e acho que teremos cerca de meia hora antes que

apareça alguém. Agora conte-me, sua tia já conseguiu agarrar Guilford? Pelo que sei ele a está

cortejando.

— Acho que eles se definiram esta tarde — informou o conde, sorrindo. — Acho que vão se casar em

dezembro.

— Eu se fosse ela não esperaria tanto, depois do que aconteceu da outra vez — comentou lady

Fitzhugh, bem- humorada. — Vamos lá, Spencer, pode ser direto comigo. O que o trouxe aqui?

Ele riu.

— Estou hesitante porque não sei exatamente o que eu quero saber. Acho que Johnny e tia Geórgia a

estão escondendo alguma coisa de mim. — Ele inclinou o corpo para a frente, o olhar demonstrando

preocupação. — Você sabe se Johnny se meteu em alguma encrenca?

— Johnny? Ele tem se comportado de maneira exemplar, desde que retomou à cidade. Pelo que sei o

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problema é com aquela linda jovem que sua tia trouxe para a cidade. Parece que ela e Cláudia Carew não

estão se dando muito bem.

O conde franziu o cenho.

— Juliana me disse alguma coisa sobre não ter se dado bem com a srta. Carew, mas eu pensei que

fosse por causa de Johnny. O que foi que aconteceu entre elas?

— Cláudia desafiou a srta. Chevron para uma corrida em Cornhill e ela aceitou.

— Cornhill! Eu não acredito. É o morro mais íngreme de Londres. Ela poderia quebrar o pescoço!

— Eu sabia que não devia ter-lhe contado. Pelo seu modo de olhar já sei que fará tudo para impedir.

No entanto, seria o acontecimento mais emocionante dos últimos tempos em Londres. Não se fala em

outra coisa.

— Pois eu farei o possível para que a corrida não aconteça — afirmou o conde, pondo-se de pé.

— Sente-se, Granville. Juliana Chevron não teve culpa, Cláudia a desafiou. Se você forçá-la a desistir,

ela nunca mais poderá andar com a cabeça erguida em Londres.

— E preferível a vergonha a um pescoço quebrado. Maria notou a expressão mais do que preocupada do

conde.

— O que ela é sua?

— Minha? Eu... eu espero que ela se case com Johnny. Já é hora de ele sossegar e constituir uma

família.

Maria esforçou-se para conter o sorriso divertido que aflorou-lhe aos lábios. Quando falou, a voz era

solene.

— Entendo, ele não poderia se casar com uma moça envolvida em um escândalo.

— Não me interessa o escândalo! Estou preocupado com Juliana.

— Então sente-se e vejamos o que pode ser feito.

CAPITULO X

Lorde Granville não era um homem vingativo, de forma que sua decisão de não contar aos parentes o

plano desenvolvido em companhia de lady Fitzhugh não era movida por desejo de vingança e sim de ver

até onde Geórgia e Johnny chegariam para manter o segredo. E Juliana. Seu olhar iluminou-se ao pensar

na bela morena que conseguira perturbar-lhe a mente tão ordenada e que achava que poderia arriscar a

própria vida sem que ele interferisse. Oh, a srta. Chevron teria uma surpresa.

Ele voltou para casa bem-humorado, trocou de roupa e partiu para o próximo compromisso. Já não se

sentia tão alegre ao bater à porta de Percy Cochrane. O mordomo, ao ver quem era, tentou dizer que o

patrão não estava em casa.

Percy, porém, ao ouvir baterem à porta, havia .acorrido ao alto da escada e, ao deparar-se com o

conde, não pudera se esquivar de recebê-lo, embora quisesse.

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— Devo subir, Cochrane, ou você vai descer? — perguntou Granville, a voz firme.

Percy Cochrane era um notório covarde e, se houvesse a mínima chance, fugiria para não precisar

enfrentar o conde. Mas ao ver que não havia como escapar, desceu a escada com um ar pomposo.

— Meu estimado Granville, quanta honra. Acho que é a primeira vez que tenho o prazer de receber

uma visita sua.

Percy notou-lhe o olhar de repugnância e parou deliberadamente no terceiro degrau de forma a encarar

o outro de cima.

— Então, senhor, a que devo a visita?

— Eu vim pedir-lhe desculpas, Percy. Fiquei sabendo que Johnny abordou sua carruagem há cerca de um

mês. Um acontecimento lamentável e posso lhe garantir que meu irmão está arrependido. Os olhos de

Percy estreitaram-se.

— Foi sorte dele eu ter estado adormecido, pois se eu estivesse acordado... Estou certo de que irá

ensinar a seu irmão as regras do comportamento civilizado, Granville, de forma que poderemos deixar que

este desagradável incidente caia no esquecimento.

— Com certeza, afinal, seria embaraçoso demais se todos ficassem sabendo do ocorrido. Diga-me,

Percy, aqui entre nós, é verdade que você ficou de joelhos, pedindo por clemência?

O mordomo, que estava parado próximo à porta, disfarçou a risada iminente com um acesso de tosse.

Cochrane encarou o homem, furioso.

— O que você está fazendo aí? Não lhe pago para ficar ouvindo minhas conversas.

Granville viu o criado obedecer com o rosto inexpressivo. Sorriu.

— Agiu muito bem, afinal, todos sabem como os serviçais são fofoqueiros. E como os mexericos se

espalham rápido...

— Está bem, Granville. O que você quer?

— Lady Fitzhugh está promovendo um evento beneficente em favor dos órfãos e eu tenho certeza de que

você, uma pessoa tão generosa, fará questão de participar deste acontecimento na quarta-feira.

— Mas eu não ouvi falar em'nenhum baile de caridade.

— Você está confundindo as coisas, Percy. Não se trata de um baile e sim de uma exibição de

montaria. Os membros da Sociedade Eqüestre de Londres irão exibir-se e Johnny e Somerset executarão

alguns truques sobre cavalos.

Percy deu de ombros.

— E o que eu tenho a ver com isso?

— Como você vive se gabando de suas habilidades, eu prometi a lady Fitzhugh que nós dois

participaríamos de uma corrida em Cornhill... para benefício dos órfãos, é claro.

Percy percebeu, afinal, onde o conde queria chegar. Bem que ele dissera a Cláudia para não se meter

com a srta. Chevron.

— E se eu não quiser participar?

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— Pensei que não seria necessário ameaçá-lo, Percy — disse o conde, devagar. — Você vai correr com

Cláudia como passageira, assim como eu vou correr, levando Juliana ao meu lado e garanto que assim

ninguém mais poderá dizer uma palavra a respeito da sua falta de coragem. Fui claro?

— Eu nunca pensei que fosse vê-lo recorrer à chantagem, Granville.

— Quer dizer que nos encontraremos quarta-feira às três? — perguntou o conde, implacável.

— Estarei lá, Granville. O conde virou-se.

— Não se preocupe em acompanhar-me até a porta. Fazendo com que Cochrane comparecesse,

Granville sabia que

podia deixar o resto a cargo de Maria Fitzhugh. Com certeza ela transformaria a famigerada corrida no

evento beneficente do ano. Só o que ele precisaria fazer seria falar com Johnny mais tarde. Quanto a sua

tia e Juliana... poderiam esperar até amanhã. Naquela noite ele pretendia divertir-se um pouco com as

desculpas que Geórgia inventaria para tentar afastá-lo da cidade.

O jantar não transcorreu na melhor das atmosferas. Apesar de Granville ter se divertido muito e Johnny,

como sempre, haver mantido o bom humor, os outros não conseguiram relaxar.

Lorde Guilford, o hóspede de honra, recorreu ao vinho com mais freqüência do que o habitual, e antes

do jantar terminar já estava com um ar distante.

George Somerset, que costumava participar das brincadeiras de Johnny, estava tão preocupado com

Ruth Taunton, que mal se preocupava com o amigo. Cada vez que Granville dirigia uma pergunta a

Ruth, ele o interrompia, com uma falta de educação gritante que, porém, era recompensada com sorrisos

agradecidos da moça.

Ruth, que nunca soubera mentir, corava a cada vez que Granville dirigia-lhe a palavra.

Mas quem deixou o conde mais intrigado era Juliana. Ele observou-a conversar com Guilford, com

um ar tão calmo, que levou-o a concluir que deveria ter algum plano em mente, principalmente depois de

vê-la trocar um olhar cúmplice com Johnny por cima da mesa. O coração de Granville se apertou. Por que

ele não era apenas alguns anos mais moço?

— O senhor pretende retornar a Crowley em breve, Granville?

— perguntou lady Spalding, interrompendo-lhe o pensamento.

Geórgia havia lhe ordenado que mantivesse o conde ocupado durante o jantar e ela fez de tudo para

cumprir a missão, apesar de considerá-la difícil.

— Vai depender dos próximos dias — informou o conde.

Lady Spalding assustou-se ao ouvir a resposta... Será que ele sabia alguma coisa?

O conde aumentou o tom de voz, dirigindo-se a todos os presentes.

— O tempo anda muito bom. Por que não planejamos um passeio? Poderia ser na quarta-feira...

Foi Guilford quem se recompôs primeiro e respondeu.

— Você está se esquecendo do Almack's, Granville.

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Geórgia ficou apreensiva. Achava que o sobrinho não sabia de nada, mas ficou em dúvida, imaginando se

ele não a estaria provocando.

Recobrando-se, ela pôs-se de pé, fazendo sinal às damas de que era hora de se retirarem.

— Espero que não se demorem muito, cavalheiros. Juliana prometeu cantar para nós esta noite e Ruth a

irá acompanhar no espinete. Posso lhes garantir que irão se divertir.

— Não tenho dúvida — respondeu Granville. — Apesar de já estar me divertindo bastante.

— Ele sabe — sussurrou Juliana a Geórgia, quando deixaram a sala de jantar.

— Eu também pensei nisto, mas é impossível. Ele não esteve com ninguém esta tarde.

— Mas eu sinto que ele sabe — insistiu Juliana. — Não agüento mais, Geórgia. Deixe-me contar a ele,

por favor.

— Bobagem. Ele talvez tenha percebido que estamos lhe escondendo alguma coisa, mas com certeza

não sabe o quê. Senão teria entrado nessa casa feito um furacão.

Fez um esforço para conseguir dedilhar no cravo a balada alegre, introduzida por Ruth.

A voz baixa de Juliana soou através da sala, impregnada de uma melancolia que não condizia com a

música.

Juliana estava pronta, quando o conde veio buscá-la no dia seguinte. Usava um vestido verde, peliça

verde com barra marrom e um chapéu verde cobria-lhe as madeixas morenas. Apesar de os olhos

denunciarem uma noite insone, ela estava feliz com a própria aparência, o que era importante, já que

Juliana pretendia contar a verdade ao conde naquela tarde e poderia ser a última vez que o via. Por isso,

queria estar o mais bela possível.

Granville estava bem-humorado e seus olhos aprovaram a aparência da jovem dama.

— Esta cor lhe cai bem, srta. Chevron — comentou ele, pensando no colar de esmeraldas, que

pertencera a sua mãe. Como ficaria lindo em Juliana!

Ela fitou-o, curiosa. Por que o conde a estava encarando de forma tão estranha?

— Obrigada, milorde — murmurou, precedendo-o para fora da casa.

Granville seguiu-a, surpreso com a própria reação à aparência de Juliana. Temia estar se tornando um

daqueles velhos obscenos, que não podem ver uma jovem bonita.

Ela fitou, espantada, o cabriolé parado em frente à casa. Imaginara que o conde usaria a carruagem de

cidade.

— Preciso passar em alguns lugares antes, mas achei que depois a senhorita poderia querer dirigir um

pouco — explicou ele, ao perceber-lhe a surpresa. — Afinal, é necessário praticar, para não ficar fora de

forma.

— Quanta consideração.

A última coisa que Juliana pretendia fazer naquele momento era dirigir, mas mesmo assim ficou

encantada com a facilidade com que o conde manejava as rédeas.

— Para onde estamos nos dirigindo, milorde? Não conheço esta parte da cidade.

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— Preciso cuidar de alguns negócios. Já ouviu falar no Hospital da Criança Abandonada?

— Vagamente. E onde as mães solteiras deixam as crianças para serem adotadas, não?

— Se tiverem sorte — respondeu ele. — O hospital vive lotado e não pode aceitar todas as crianças

que aparecem.

Aproximaram-se do hospital e Juliana assombrou-se com o número de mulheres que esperavam à

porta.

— O hospital aceita crianças com menos de doze meses — Granville estava explicando.

— E as crianças que não são aceitas? O que acontece a elas?

Granville fez um gesto de impotência.

— Elas se viram como podem. Muitas não passam dos oito ou nove anos. Nós precisamos de mais

orfanatos, pois este só pode aceitar cerca de um terço das crianças que o procuram.

— Como é feita a escolha das crianças a serem aceitas?

— E uma questão de sorte. O hospital vive em busca de recursos e este é um assunto que desejo

discutir com a senhorita mais tarde, já que estou ajudando a organizar um evento beneficente.

— Ficarei feliz em ajudá-lo — prontificou-se Juliana.

Quando entraram, Granville deixou Juliana esperando em uma sala, enquanto ia resolver alguns assuntos.

Quando ele voltou, ela examinava as paredes, cobertas de quadros de pintores, alguns famosos, outros

nem tanto.

— Todas as telas estão à venda — explicou o conde. — Algumas são doadas pelos próprios pintores, outras

por colecionadores particulares.

— O senhor está bem informado, milorde.

— Não é à toa. Minha avó foi uma das vinte e uma fundadoras do hospital, minha mãe trabalhava na

administração e agora eu sou conselheiro da instituição.

— Fico impressionada e me sentirei honrada se puder colaborar de alguma forma.

— Sua ajuda será de um valor inestimável, srta. Chevron. Aposto como conseguiremos levantar bastante

dinheiro. Agora preciso passar em outro lugar, antes da sua aula de direção.

O conde acompanhou Juliana até a carruagem, sem perceber-lhe o olhar melancólico. Estava

chegando a hora de revelar a verdade e ela estava apreensiva, temendo nunca mais vê-lo por isto mante-

ve-se quieta durante todo o trajeto.

Granville parou o veículo no alto de uma colina.

— A sua direita, srta. Chevron, está a bolsa de valores — anunciou ele, apontando para um pórtico com oito

colunas gregas. — Descendo a montanha fica a catedral de St. Paul. Dá para se ver o domo, lá embaixo.

Juliana observava tudo, quieta. Granville colocou os cavalos em movimento outra vez, descendo o

morro íngreme. Quando terminou a descida, Juliana suspirou, aliviada, imaginando se Granville tinha

algum motivo especial para aquele passeio.

Como se lesse o pensamento dela, o conde disse:

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— Eu a trouxe até aqui para lhe mostrar onde vai acontecer a exibição em prol do Hospital de Criança

Abandonada.

— Compreendo.

— Não, não compreende, mas breve entenderá. A rua que acabamos de descer chama-se Cornhill. Acho

que o nome lhe é familiar. Venha, minha cara, vamos dar um passeio.

Ela obedeceu, mal percebendo o que estava fazendo. Seus pensamentos giravam, confusos, fazendo

com que se sentisse zonza.

O conde conduziu-a por um caminho arborizado, deixando que o silêncio se interpusesse entre eles

por vários minutos. Quando finalmente falou, a voz demonstrava certo desapontamento.

— Eu esperava que a senhorita confiasse em mim, minha querida.

— Era o que eu queria fazer. Eu sabia que não adiantaria tentar manter segredo.

— Então por que não contou?

— Nós... quer dizer, eu sabia que o senhor ficaria zangado. E Geórgia disse que jamais me perdoaria.

— O que prova que minha tia não é tão entendida em cavalheiros como pensa.

O tom de brincadeira na voz do conde fez com que Juliana erguesse o olhar.

— O senhor não está zangado?

Lutando com a vontade de acariciar o rosto de Juliana, Granville fez um gesto em direção a um banco.

— Vamos sentar-nos um pouco. E claro que fiquei aborrecido ao saber que pretendia arriscar o pescoço

em um desafio tão tolo, mas depois que ouvi a história toda, entendi que a provocação foi demais.

Ela sorriu, hesitante, mal percebendo que suas mãos estavam envolvidas pelas dele.

— E quanto ao escândalo? Geórgia disse que o senhor ficaria furioso e...

— Vou lhe contar o que planejei para driblarmos o escândalo.

Ele explicou como seria a exibição do dia seguinte e Juliana ouviu atenta, as mãos apertando as dele.

— Não sei como agradecer-lhe, milorde — disse ela, erguendo o rosto e, antes que ele percebesse o

que estava fazendo, deu-lhe um beijo rápido no rosto.

Foi apenas uma ligeira carícia, mas Granville sentiu a pele do rosto ferver onde Juliana encostara

gentilmente os lábios. Apenas as mãos dela, segurando as suas com força, impediram o conde de abraçá-

la e beijá-la com ardor.

Ela recostou-se, radiante.

— A idéia é maravilhosa. Johnny já sabe? — perguntou Juliana, levantando-se.

Granville fez um esforço enorme para manter o sorriso no rosto. Estava tudo indo tão bem, até que ela

perguntara sobre Johnny; mas afinal, o irmão era mais novo, mais bonito e era natural que qualquer jovem

dama se apaixonasse por ele. E o beijo... era o beijo que qualquer moça daria em um irmão mais velho ou

em um tio muito querido.

Juliana estendeu as mãos para o conde.

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— Vamos andar um pouco? Não consigo ficar parada. Como é que o senhor consegue ficar aí

sentado?

CAPÍTULO XI

Granville, que fora previdente o suficiente para reservar lugar em um café em pleno Cornhill, conduziu

seus acompanhantes até lá. Juliana, Ruth, Lady Spalding e Geórgia, sentaram-se à janela, enquanto lorde

Guilford instalava-se, protetor, por trás delas. Olhando para o relógio, Granville calculou que faltava

cerca de uma hora até que ele e Juliana tivessem que se retirar, durante a exibição de Johnny e Somerset,

para se prepararem para a corrida.

Olhando pela janela, Juliana concluiu que a multidão que se reunira para assistir a exibição era a maior

que jamais havia visto.

Em determinado momento, Ruth descobriu Johnny e Somerset em meio às pessoas que lotavam a rua

e apontou-os para Juliana.

— George não está bonito? — perguntou, corada de excitação.

Juliana aquiesceu, mas sua atenção estava voltada para um grupo de cavalheiros, usando roupas bastante

estranhas. Eles vestiam casacos escuros com grandes botões de latão, coletes de listras azuis e amarelas,

calças folgadas e chapéus redondos. Flores amarelas enfeitavam as casas dos botões dos seus casacos.

Ruth riu ao ver que a amiga estava espantada.

— Aquele na frente é sir John Lade, seguido por Tom Ankers. Eles pertencem à Sociedade Eqüestre

de Londres e, se você achou a roupa deles estranha, nunca lhes diga isto, essa vestimenta é considerada

uma marca de distinção e privilégio.

Juliana abanou a cabeça, olhando de soslaio para lorde Granville. Como sempre, ele usava roupas

conservadoras: casaco preto, pan-talonas verde-musgo e botas pretas. Ela achou o traje do conde muito

mais elegante do que o dos cavalheiros da Sociedade Eqüestre.

Granville percebeu que Juliana olhava em sua direção e sorriu.

— Lady Fitzhugh fez um bom trabalho, não acha?

— É extraordinário — disse ela. — Não dá para acreditar que ela organizou toda essa festa em tão

pouco tempo. Gostaria que ela estivesse presente para poder agradecer-lhe.

Geórgia interveio na conversa.

—Lady Fitzhugh é quem deve lhe agradecer. Esta exibição vai angariar bastante fundos para o

Hospital da Criança Abandonada e tudo graças a você.

Juliana sorriu. Quem ouvisse Geórgia falando, imaginaria que desde o princípio a idéia havia sido de

promover um espetáculo beneficente. Quando o conde lhe contara o plano que elaborara em conjunto

com lady Fitzhugh, sua tia não havia ficado nem um pouco surpresa e não se.mostrara nada arrependida

por haver mentido para o sobrinho. Ela apenas abraçara Juliana.

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—Não lhe disse que tudo acabaria dando certo? — perguntara à jovem.

Granville rira, mas Juliana ficara indignada por Geórgia não dar valor ao trabalho do sobrinho e disse-

lhe isso assim que ele foi embora.

— Mas eu nunca duvidei que ele nos ajudaria.

— Então por que não me deixou contar-lhe tudo?

— Era melhor que Spencer descobrisse por si mesmo. — Ela abriu um sorriso maroto. — Além do

mais, eu não podia perder oportunidade de ficar noiva de Charles.

— Geórgia! Você agiu deliberadamente...

— Calma, querida. Você precisa aprender que às vezes os cavalheiros precisam de um empurrãozinho.

Se eu houvesse deixado as coisas nas mãos de Charles, ele levaria mais um ano até pedir-me a mão.

Juliana lembrou-se da expressão satisfeita de Guilford, logo depois de passada a surpresa e concluiu que

talvez Geórgia tivesse razão.

—Acho que vai começar — disse Ruth, chamando a atenção de Juliana para o espetáculo.

Ela olhou em volta, vendo as pessoas erguerem as cabeças, curiosas, em direção ao morro, de onde

vinha o barulho da primeira carruagem a aproximar-se. Era um faetonte amarelo, puxado por quatro

impressionantes baios, com as ermas prateadas brilhando ao sol. A multidão gritava entusiasmada "sir

Frederick" quando ele passava, acompanhado por uma jovem dama, que usava uma peliça preta e um

chapéu repleto de flores e acenava, feliz, para todos os lados. Na parte de trás do faetonte estavam dois

lacaios de libre verde e dourada.

— Sir Frederick Agar — explicou Geórgia. — E acho que aquela é a srta. Ramsey ao lado dele.

Atrás dele começaram a alinhar-se outras carruagens e Juliana surpreendeu-se com a quantidade de

veículos, puxados pelos mais belos cavalos que jamais havia visto.

— Está na hora de irmos — o conde informou a Juliana, logo depois.

Ela sentiu o estômago contrair-se, mas conseguiu sorrir, enquanto levantava-se. Ruth apertou-lhe a mão

para encorajá-la e Geórgia deu-lhe um beijo de boa sorte.

— Lembre-se, querida, mantenha a cabeça erguida — aconselhou Geórgia.

Juliana, sentada ao lado de Granville, lembrou do conselho da amiga e endireitou os ombros, mantendo

o olhar altivo, sem perceber que transmitia a imagem de uma rainha ao lado de seu príncipe consorte.

Cláudia Carew, sentada ao lado do primo, viu a pose de Juliana e comentou, azeda:

— Acho bom você ganhar esta corrida, senão seremos alvo de chacota em toda a cidade.

Percy Cochrane cerrou os lábios ao lembrar-se que fora obrigado a recorrer à chantagem para obrigar

Cláudia a participar da corrida ao seu lado, já que ela não confiava nem um pouco na habilidade do

primo. Mas ele iria mostrar a todos que era melhor do que Granville, vencendo esta corrida e se o conde

resolvesse lhe criar dificuldades, ainda tinha um ás na manga.

O conde ajustou as rédeas e fez sinal ao cavalariço para afastar-se. A corrida não era importante, e ele

pensava seriamente em deixar Percy Cochrane vencer, para não provocar-lhe ainda mais a ira.

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O juiz ergueu a pistola e Granville sentiu Juliana estremecer.

— Não olhe para baixo — aconselhou ele. — Prometo-lhe que chegaremos inteiros, de forma que o

melhor que tem a fazer é recostar-se e encarar os espectadores com um sorriso nos lábios.

Juliana ficou agradecida com a preocupação do conde e decidiu seguir-lhe o conselho. Abriu um

sorriso e fitou a multidão. Em meio às pessoas que aguardavam, ansiosas, pela corrida, ela divisou uma

cabecinha muito vermelha e percebeu tratar-se de Willie, ao lado dos pais e do irmão, o que lhe incutiu

um pouco de coragem.

A carruagem de Percy passou por eles, abrindo alguns metros e Juliana pôde ver Cláudia olhar para

trás, com um sorriso maldoso nos lábios. Ela olhou para Granville, que conduzia seus cavalos,

impassível.

O cabriolé a sua frente inclinou-se perigosamente para o lado, quase parando. Juliana fechou os olhos,

temerosa de que fosse haver um acidente, mas o conde desviou-se com destreza, ultrapassando Cochrane

e assumindo a dianteira.

Ao chegarem à base do morro, Percy já havia recuperado terreno e quando alcançaram a alameda, ele

aproveitou e açoitou seus cavalos sem piedade, a fim de passar por Granville voltando a assumir a

liderança.

Assim que eles começaram a subir o morro, os cavalos de Percy deram o primeiro sinal de cansaço e

não foi difícil para o conde encurtar a distância entre ambos.

O coração de Juliana batia em disparada e ela ergueu o olhar para o céu em uma prece silenciosa. Foi

per acaso que avistou o garoto no telhado de uma casa. Ela gritou quando o viu arremessar uma pedra

em sua direção, mas não houve tempo para o conde desviar-se.

O objeto acertou seu alvo, batendo no cavalo cinzento de Granville. O animal urrou e esperneou,

nervoso, e a multidão se dispersou, com medo que a carruagem se desgovernasse.

O conde afrouxou as rédeas por um instante e, assim que o animal se controlou, lentamente manejou a

parelha para que retomasse a corrida. Ele agia com tanta segurança que mal se percebia o movimento de

suas mãos.

A intenção de Granville de deixar Percy ganhar, esvaneceu-se. Ele respirou fundo e utilizou de toda

sua habilidade para tirar o máximo rendimento dos cavalos, que se aproximavam inexoravelmente da

outra carruagem.

Cochrane olhou para trás e viu que o conde chegava perto. Com um movimento das rédeas, guiou seu

cabriolé para a direita, bloqueando a passagem de Granville.

Juliana sentiu um movimento brusco e rápido, quando o conde incitou seus cavalos a assumirem o lado

esquerdo da pista, empa-relhando-se, assim, com Percy.

Granville cruzou a linha de chegada cerca de dez metros à frente do adversário.

— Sorria, querida, e acene para a multidão — murmurou ele para Juliana.

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Ela ergueu a mão enluvada, alegre. Quando a carruagem parou, o conde ajudou-a a descer, indo logo a

seguir verificar o estado do animal atingido. Ao perceber que o ferimento não era tão grave como

parecia, deixou os animais aos cuidados do cavalariço e voltou para junto de Juliana, que a essa altura já

estava acompanhada de Johnny e Somerset.

— Vamos beber à saúde dos campeões — sugeriram eles.

A idéia foi aceita e todos se dirigiram ao café, onde Guilford e as damas os aguardavam.

— Muito bem, meu velho — Johnny cumprimentou o irmão, entusiasmado.

— Você precisa chamar-me sempre de velho? — queixou-se o conde, mas ninguém o ouviu.

Johnny estava comentando a corrida com Juliana e Somerset. Granville aproveitou para olhar em volta à

procura de Percy, mas a carruagem dele havia desaparecido.

Geórgia estava parada ao lado de Granville, à noite, no Almack's, observando contente, Juliana dançar

uma quadrilha com Johnny. A exibição eqüestre havia sido um sucesso e boa parte do crédito coubera a

Juliana, que agora brilhava no baile. Quase todos os cavalheiros lhe pediram para que lhes reservasse uma

dança.

Granville, no entanto, não estava nada contente. Não queria comparecer ao baile, mas Geórgia o havia

persuadido e agora estava louco para ir embora.

Com a atenção voltada para o sorriso que Juliana dirigia a Johnny, o conde não reparou na bela dama

que parou ao seu lado. A jovem precisou bater-lhe com o leque no braço para captar sua atenção.

— Condessa Lieven — disse ele, fazendo uma mesura e presen-teando-a com um de seus raros

sorrisos.

— O senhor parece preocupado, meu amigo — disse ela, olhando para a pista de dança. — Estou

surpresa por ainda não tê-lo visto dançar com a srta. Chevron. Todos estão esperando que o faça, depois da

corrida desta tarde.

— Foi o que eu lhe disse, condessa — afirmou Geórgia, percebendo que arrumara uma aliada.

— Sinto desapontá-las, mas as danças da srta. Chevron já estão todas prometidas — falou Granville.

— Com exceção da próxima, que é uma valsa, mas Juliana ainda não recebeu permissão para dançar

valsas — comentou Geórgia com ar inocente.

Sendo uma das patronas do Almack's, a condessa podia conceder tal permissão a Juliana. Ela fitou

Granville, depois olhou para a bela morena que estava dançando e abanou a cabeça.

O conde, ao perceber o que iria acontecer, tentou fugir, mas Geórgia segurou-lhe o braço com firmeza,

enquanto a condessa sorria para ele.

— Acho que seria mais do que adequado, meu amigo, se o senhor conduzisse a srta. Chevron em sua

primeira valsa.

— Obrigado, condessa — respondeu ele,, tentando esconder o ciúme. — Mas acho que a honra deve

caber ao meu irmão.

— Caro Granville, às vezes é preciso curvar-se à vontade dos outros e não é o Travassos, mas sim o

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senhor que todos querem ver dançando com a bela srta. Chevron.

Granville deu-se por vencido e não ouviu o resto das palavras da condessa, ocupado que estava em

admirar Juliana, que caminhava em sua direção, acompanhada por Johnny. Ela estava linda, usando um

vestido branco que realçava o corpo bem-feito e várias rosas da mesma cor enfeitavam-lhe os cachos

negros. Juliana virou-se para ele, os olhos verdes transbordando de alegria ao oferecer-lhe a mão.

Granville não teve escolha senão conduzi-la, sob aplausos, até a pista de dança. Quando a orquestra

começou a tocar, o conde passou o braço sobre o ombro de Juliana, contendo-se para não puxá-la para si

até sentir o aroma inebriante das flores que lhe enfeitavam o cabelo. Juliana jogou a cabeça para trás,

sorrindo, contente, e Granville pensou que era uma sorte que a jovem, tão inocente, não pudesse

adivinhar os pensamentos lascivos que lhe passavam pela mente.

— Obrigada, milorde — disse ela, baixinho.

— Por que, querida? — As doces palavras escaparam dos lábios do conde antes que ele se desse conta.

— Por dançar comigo, por me salvar do escândalo, por ganhar a corrida, por... por ser o mais perfeito

cavalheiro.

Granville encarou-a, incapaz de responder. Ele a girou através do salão, sentindo-se a mais feliz das

criaturas. Então era esta a sensação descrita em todos os livros, em todos os poemas de amor? Como era

bom vivê-la, nem que fosse por um momento fugaz, e depois conservar a lembrança pelo resto da vida.

Eles se moviam pelo salão, sem perceber que eram o único casal a dançar. Os outros haviam se retirado

e os observavam em silêncio. Havia algo de mágico na maneira como os dois se entendiam, o elegante

cavalheiro de preto e a bela dama de vestido branco.

Quando a música acabou, o aplauso vigoroso que se seguiu trouxe-os de volta ao mundo. O conde fez

uma mesura e conduziu Juliana de volta para a companhia de Geórgia. Granville sentia-se entusiasmado

depois de uma dançalão perfeita com aquela dama maravilhosa e precisava de alguns instantes a sós para

recuperar o equilíbrio. Afastando-se de todos, ele encontrou um canto sossegado e escondido.

Em meio às vozes das pessoas que passavam por perto, Granville reconheceu a voz de Maria Sefton.

— É assim que se deve dançar uma valsa — dizia ela. — Foi um espetáculo divino.

— Pois eu achei horrível — respondeu uma voz anasalada. — Granville estava praticamente fazendo

amor com a moça.

O conde não gostou do que ouviu e esperou até que as duas se afastassem antes de sair de seu

esconderijo. Encontrou o senhor Willis, o mestre de cerimônias, e pediu-lhe que avisasse a tia que ele já

havia partido; Johnny poderia acompanhá-la e a Juliana até em casa. Granville saiu para a noite fresca,

erguendo o olhar para as estrelas. Acabara de viver um momento de pura loucura.

Juliana olhou em volta, mas o conde havia desaparecido. Ela não podia acreditar que ele houvesse ido

embora sem lhe dizer uma palavra. Mas foi Johnny quem lhe fez companhia durante o jantar, tentando

avivar-lhe o espírito.

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— Pelo visto, a srta. Carew não só perdeu a corrida, mas também o posto de sensação da temporada.

Você, minha bela Juliana, está fazendo o maior sucesso. Não é motivo suficiente para lhe arrancar pelo

menos um sorriso?

Ela tentou sorrir, mas Johnny notou a sombra em seu olhar.

— Desculpe-me Johnny — pediu Juliana. — Estou com dor de cabeça — explicou, brincando com a

lagosta em seu prato.

— Então é isso? — perguntou ele, tocando-lhe o rosto com delicadeza.

Juliana lutava contra as lágrimas.

— Não sei o que você está dizendo, Johnny. Eu só estou cansada e... com dor de cabeça.

— E não sou eu quem tem o poder de curá-la, não é? Bem, já que vou perdê-la, fico contente que seja

para Spencer. O que você vai fazer a respeito?

Ela abanou a cabeça, contente por poder abrir-se com alguém.

— Não há nada que eu possa fazer...

— Oh, não? Justo você, uma protegida de minha tia? Ela por acaso sabe disso?

— Não. — Juliana tomou um gole de água. — Ninguém sabe. Granville não... ele não sente o mesmo...

— Vamos, não chore, nem tudo está perdido..

Juliana lhe deu um sorriso desconsolado.

— Obrigada, Johnny, mas eu sei reconhecer quando perdi. Por favor, esqueça essa história. — Ela

secou discretamente as lágrimas e ergueu o queixo. — Estou partindo amanhã.

Johnny suspirou. A situação era pior do que ele imaginava.

CAPÍTULO XII

Juliana acabara se apaixonando pelo irmão errado. O conde poderia até considerá-la adequada para

Johnny, mas nunca para si próprio. Se ele alguma vez tornasse a se casar, seria com uma dama muito

correta.

Juliana sentiu vontade de chorar e levantou-se, decidida a comunicar sua decisão a Geórgia, antes que

sucumbisse ao desejo de permanecer perto de Granville. Era muito tentadora a idéia de continuar na casa

da amiga, onde poderia encontrar-se com o conde, dançar com ele ocasionalmente ou mesmo sair para

um passeio em sua companhia. Mas sabia que o melhor a fazer era retornar para a casa de Arma e

procurar um outro emprego, que não lhe deixasse tempo para pensar em Granville.

Decidida, Juliana atravessou o corredor em direção ao quarto de Geórgia, onde bateu à porta,

esperando que a amiga já estivesse adormecida. Mas a criada abriu a porta no mesmo instante. Geórgia

estava penteando o cabelo.

Através do espelho ela percebeu a expressão grave de Juliana e dispensou a criada, levantando-se.

— O que aconteceu, querida? Você está com uma cara tão triste!

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— Sinto muito, Geórgia. Vou voltar para a casa de Anna. Pensei bem e cheguei à conclusão de que não

posso me casar com Johnny, de forma que não é correto eu permanecer aqui.

Geórgia recostou-se, estudando a jovem ao seu lado.

—Você tem certeza do que está fazendo?

Era óbvio que Juliana percebera que estava apaixonada por Spen-cer, mas então por que desejava ir

embora?

— Sobrou parte do salário que me foi pago adiantado e pretendo devolvê-lo a lorde Granville.

— Não seja tola. Granville não quer seu dinheiro e ficou estabelecido desde o início que você não era

obrigada a casar-se com Johnny se não quisesse. Mas, para dizer a verdade, estou confusa; pensei que

você gostasse de meu sobrinho e sei que ele lhe dedica especial afeição.

Juliana riu, apesar da tristeza que sentia.

— Johnny se afeiçoa a todas as damas que conhece. Faz parte do seu charme.

— Sim, mas ele parece tratá-la de forma diferente. Todo mundo notou isso.

— Seu sobrinho me trata como uma irmã. Às vezes ele flerta comigo, mas é apenas por hábito.

— Muitos casamentos são baseados em bem menos do que isso, querida. A não ser que esteja

apaixonada por outro cavalheiro, você poderia ter uma vida agradável ao lado de Johnny e mesmo que

não houvesse muito em comum entre ambos, vocês poderiam viver cada um a própria vida; é um hábito

bastante comum na sociedade.

— Eu não posso, Geórgia. Por favor, não me pressione; você não entenderia.

— Entendo melhor do que imagina. .Você tem certeza de que sabe o que está fazendo? Fique só mais

uma semana. Que diferença faz alguns dias?

Juliana levantou-se, sacudindo a cabeça, quase incapaz de falar.

— Não posso. Agradeço-lhe por tudo o que fez por mim. Você foi um amor e...

— Não permitirei que você diga adeus. Se insiste em partir, pelo menos deve prometer que escreverá

para mim com freqüência e que virá me visitar de vez em quando.

Juliana aquiesceu e, num impulso, deu um beijo no rosto da amiga depois saiu correndo do quarto.

Geórgia balançou a cabeça, pensativa. Ainda bem que ela sempre estava por perto para corrigir os

erros cometidos pelos amigos e parentes. Tocou o sino para chamar a criada, compondo mentalmente o

bilhete que escreveria a Spencer.

Lady Alynwick não era a única pessoa que pretendia intrometer-se nos problemas de lorde Granville.

Enquanto ela escrevia o bilhete para o sobrinho, Johnny estava entrando na casa do irmão, após uma

batalha com o mordomo, que não quisera permitir-lhe a entrada, afirmando que o patrão não estava em

casa.

— Eu espero. Será que ele demora?

O mordomo bloqueou a entrada para o hall.

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— Milorde não saiu exatamente.

Johnny fitou-o, franzindo o cenho.

— Lorde Granville está na biblioteca, senhor, mas não deseja ser incomodado e ordenou-me que não

admitisse visitantes.

— Mas eu sou irmão dele e preciso vê-lo. Se ele fizer alguma objeção eu digo que o nocauteei.

O mordomo recuou, percebendo que fora vencido. E talvez até fosse melhor assim, considerando-se o

quanto lorde Granville havia bebido, era capaz que a visita do irmão lhe fosse benéfica.

Johnny entrou na biblioteca. Granville parecia não haver notado sua presença, estava esparramado

sobre uma cadeira perto da lareira, um copo de brandy em uma das mãos.

— Alguma comemoração particular, Spence?

— O quê? Oh, é você.

— Espero que não esteja esperando ninguém nessas condições. — Levei Juliana para casa, se é que lhe

interessa. Foi extremamente rude da sua parte deixá-la no Almack's sem uma palavra de despedida.

— Eu sabia que você cuidaria dela.

— Foi o que fiz, apesar de perder um compromisso com certa atriz de Drury Lane, que é uma beleza.

— Uma atriz! Juliana vale muito mais do que qualquer atriz.

Johnny tomou-lhe o copo, impressionado; jamais vira o irmão bêbado antes.

— O problema é que Sally, a atriz, me acha maravilhoso, enquanto para nossa querida Juliana eu não

passo de uma companhia agradável.

Granville suspirou. Por mais que tentasse focalizar Johnny, havia duas imagens do irmão dançando à sua

frente. Johnny levantou-se.

— Eu pretendia pedir a mão dela em casamento esta noite.

— Você está ficando maluco? Casar-se com uma atriz! — Granville estava furioso. O irmão preferia a

companhia de uma atriz à de Juliana. — Eu vou...

— Eu não estava falando da atriz. Spencer, você tinha que ficar bêbado justo esta noite?

Granville encarou-o e Johnny abriu um sorriso.

— Precisamos conversar, meu irmão, mas antes acho melhor tomarmos um café.

Quando o mordomo apareceu, Johnny pediu-lhe que trouxesse um café bem forte e pouco tempo

depois Granville segurava uma xícara na mão.

— Vamos, beba — ordenou Johnny. — Precisamos conversar a respeito de Juliana.

— Case com ela, Johnny.

Lentamente, ele esvaziou todo o conteúdo da xícara. Johnny suspirou aliviado.

— Assim é melhor, agora podemos conversar.

— O que você está fazendo aqui, afinal? Eu disse a Hadley que não deixasse ninguém entrar.

— Não culpe seu mordomo, Hadley fez o que pode, mas eu forcei a entrada e acho que agi muito bem.

O que aconteceu para você beber deste jeito? Não é do seu feitio.

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— E verdade, essa atitude combina mais com você. Quanto ao que aconteceu, meu caro irmão, é

problema meu e eu gostaria que você fosse embora.

— Não, enquanto não falarmos sobre Juliana.

— Apesar de estar com a mente um pouco confusa, lembro-me de ter ouvido você dizer que pediu-lhe

a mão esta noite. Se deseja minha bênção, eu a concedo, mas qualquer outro detalhe que queira discutir,

pode esperar até amanhã.

— Você entendeu errado, o que não me surpreende, em vista do seu estado. O que eu disse foi que

pretendia pedir a mão de Juliana. Sei que você gostaria de me ver casado, e como simpatizo com Juliana,

resolvi que poderia casar-me com ela, já que é uma moça que não me deixa entediado, feito as outras.

Mas há um pequeno problema.

— Qual?

— Ela não quer saber de mim.

— Por quê? O que você fez a ela?

— Eu não fiz nada. Qualquer pessoa pode lhe dizer que tenho sido um modelo de comportamento

desde que retornei à cidade. Mas acontece que Juliana está apaixonada por outra pessoa.

— É impossível! Ela não demonstrou o mínimo interesse por qualquer outro cavalheiro...

— Apenas por você, Spence.

Granville encarou-o, atônito. A bebida deveria ter-lhe subido à cabeça; ele não acreditava no que

ouvira.

— Juliana está apaixonada por você. Ela não me quer, nem deixou que eu começasse a falar.

— Bobagem! Você está inventando esta história. Eu sou muito velho para Juliana, todo mundo diz

isso.

— Menos Juliana. Se você a quer é melhor agir logo. Ela pretende ir embora amanhã.

Granville endireitou-se.

— O quê? Mas isso é impossível! Não há motivo para Juliana partir e para onde ela iria?

— Ela falou alguma coisa sobre uma antiga babá. Goodwill? Goodboy?

—Goodbody — corrigiu Spencer. — Não entendo por que Juliana pretende partir. Ela foi contratada por

um ano e...

—Contratada? Por quem? Do que você está falando?

— Oh... nada. Johnny, se o que você está dizendo é verdade, preciso falar com Juliana imediatamente.

Johnny tirou o relógio do bolso.

— Acho melhor você tomar mais um pouco de café. São duas horas da manhã e ela deve estar

dormindo a esta hora.

Granville saiu da sala, deixando Johnny atordoado. Spencer sempre fora o irmão correto, enquanto ele

aprontava das suas. Será que agora a situação iria se inverter?

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Johnny não teria ficado tão calmo se tivesse ouvido as ordens do irmão enquanto subia para trocar de

roupa. Mandou que o criado sonolento levasse uma mensagem ao estábulo, para que selassem um

garanhão branco.

— Vamos, companheiro, quero experimentar toda a loucura da lua cheia.

Granville conteve-se um pouco ao aproximar-se de Grosvenor Square. A casa de sua tia estava escura

e o único som que se ouvia era o de um cão uivando para a lua. Ele desmontou, circundou a casa,

amarrou o cavalo o cavalo no portão que dava para o jardim dos fundos e entrou por ali. Ele e Johnny

haviam passado muitos verões naquela casa e Granville lembrava-se de terem brincado em um carvalho,

cujos galhos mais altos chegavam bem perto da janela do quarto que Juliana estava ocupando.

O conde encontrou a árvore, pensandona temeridade do que estava planejando. A noite estava quente e

ele livrou-se da capa, pois precisaria de liberdade de movimento.

Granville agarrou-se a um dos galhos mais baixos, impulsionando o corpo para cima. Esperou um

instante para ver se a árvore agüentava o peso, depois prosseguiu, devagar, com a escalada.

— Você não está surpresa, Juliana? — sussurrou o conde, es-gueirando-se para a frente sobre o galho,

que se curvou de forma assustadora. — Eu precisava falar com você, então lembrei-me dessa velha

árvore. Sei que não estou agindo da maneira tradicional, mas também não estou tão velho que não

possa...

— Granville! — gritou ela, quando o galho se curvou, quase derrubando o cavalheiro. — Não se mexa,

o galho não vai agüentar seu peso. Meu Deus! O senhor está maluco?

— Maluco? É bem possível. Achei que seria romântico irromper em seu quarto desta maneira para

pedir sua mão em casamento, mas confesso que estou me sentindo um tolo.

Os olhos de Juliana brilharam à luz das velas e ela o encarou, atônita.

— O que... o que o senhor disse?

— Eu disse que estou me sentindo um tolo. Mas juro que não estou bêbado. Johnny me fez beber duas

xícaras de café e eu...

Juliana gritou e seu coração quase parou de bater quando ela escutou o conde escorregando através

dos galhos até cair no chão.

— Granville? Granville, responda, por favor!

Ela virou-se apressada, quase colidindo com Geórgia, que acabara de entrar no quarto.

— Querida, aconteceu alguma coisa? Eu a ouvi gritar...

— Granville caiu de cima do carvalho. Enquanto saía, ela ouviu vozes vindas do jardim.

Granville estava deitado na grama, a cabeça e os ombros apoiados por um lacaio de Geórgia.

Juliana, empurrando um dos lacaios para poder chegar mais perto de Granville, tomou uma das mãos

dele nas suas e sentiu-se mais aliviada ao vê-lo sacudir a cabeça ainda zonzo, abrindo os olhos. O conde a

encarou por um longo instante e Juliana ficou temerosa de que ele não a reconhecesse, mas logo a seguir

Granville abriu um sorriso. Como você conseguiu chegar tão rápido se agora mesmo estava à janela?

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Geórgia enterneceu-se ao chegar perto do sobrinho, que sangrava através dos vários cortes e arranhões

que havia sofrido.

— Muito bem, Spencer, parece-me que você conseguiu superar Johnny em suas travessuras.

O ligeiro tom de admoestação não perturbou o conde, que respondeu, sorridente.

— Mesmo que não tenha conseguido, pelo menos eu tentei.

— Não vou aborrecê-lo, pedindo uma explicação, mas quero que me diga se está em condições de

levantar-se, senão pedirei aos lacaios que o carreguem para dentro de casa.

Granville levantou-se, dando um passo inseguro, mordendo os lábios com força, para não demonstrar

a dor que o ato de andar lhe provocava.

— Acho que precisarei ser carregado.

Já estava quase amanhecendo quando Juliana finalmente conseguiu falar a sós com o conde. O médico

havia sido chamado e, após um exame minucioso, concluíra que sofrerá apenas algumas escoriações.

A perna não estava quebrada, mas o conde levaria cerca de três semanas até conseguir andar de novo.

Lorde Granville aceitara o veredicto com bravura, mas mandara chamar a srta. Chevron.

Juliana aproximou-se da sala de estar, tentando manter-se calma. Ela bateu à porta, depois entrou,

deparando-se com Granville deitado no sofá, com a perna esticada por cima de uma almofada. Ele estava

mais pálido do que de costume, mas os lábios sorriram ao vê-la.

Juliana lutou contra a vontade de correr até ele para confortá-lo.

— Minha querida, eu a assustei? Ela anuiu, acanhada.

— Primeiro eu pensei que era um ladrão, mas quando vi que era o senhor, achei que estava sonhando.

Mas não estava realmente apavorada, pelo menos até o senhor cair. Granville parecia sem graça.

— No futuro, deixarei tais atitudes para Johnny, que com certeza não teria caído da árvore.

Juliana ajoelhou-se ao lado do sofá.

— Johnny sequer tentaria algo tão arriscado.

Granville virou a cabeça e Juliana viu o arranhão no rosto dele, desde o canto do olho até perto dos

lábios. Ela conteve-se para não acariciar-lhe o rosto.

— Você deve achar que eu sou um tolo.

— Eu jamais pensaria isso.

— Tive uma idéia romântica de cavalgar até aqui montado em um garanhão branco, subir pela árvore,

invadir seu quarto e... pedir sua mão em casamento.

O sorriso de Juliana iluminou-lhe o rosto, curvando os lábios e fazendo os olhos brilharem. Ela baixou

o olhar, tímida.

— Realmente era uma idéia romântica, mas um pedido convencional surtiria o mesmo efeito.

— Juliana... você tem certeza de que me quer? Eu sou muito mais velho do que você.

— Eu o acho perfeito em tudo...

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O conde acariciou-lhe os cabelos, puxando-a para perto de si. Seus lábios encontraram-se e Juliana

surpreendeu-se por revelar uma paixão que sequer sabia possuir. Quando se separaram, ela beijou o

arranhão no rosto de Granville, em toda sua extensão.

— Continue a me beijar assim, minha querida, e logo você verá que eu não sou o cavalheiro que você

imagina — brincou o conde, acariciando o pescoço dela.

— Eu não me importo — respondeu Juliana, e só não beijou Granville outra vez porque Geórgia

entrou na sala naquele instante.

— Então, meus queridos, já está tudo acertado? — perguntou ela, contente.

Spencer fitou a tia, intrigado. -— O que deveria estar acertado?

— O noivado de vocês, é claro. E devo dizer que vocês demoraram um bocado a se decidirem. Mas

agora precisamos cuidar dos preparativos, estive pensando em marcarmos o casamento para dezembro e...

— Setembro.

—Querido, é daqui a um mês. Não conseguiremos sequer preparar o enxoval de Juliana em tão pouco

tempo.

—Primeiro de setembro — repetiu ele, abraçando Juliana.

—Spencer, pense no que as pessoas irão dizer.

—Dirão que Granville, tão sensato, perdeu o juízo, mas estou pouco me importando. O casamento será

no dia primeiro de setembro e acho bom a senhora começar os preparativos já. A propósito, feche a porta

quando sair, está bem?

Geórgia saiu da sala, fechando a porta, sorridente. Como era bom ter o velho Spencer de volta. Ela

ainda sorria ao deparar-se com Johnny, alguns instantes depois.

—Eu estava indo para casa e quando vi as luzes acesas imaginei que Spencer estivesse aqui.

—Acertou em cheio, querido.

—Pelo seu olhar, eu posso imaginar que está acontecendo alguma coisa. Pode ir contando, tia.

—O que é isso, querido? Eu só estava pensando no noivado de seu irmão.

—E o que há de tão engraçado para você estar rindo?

—Oh, nada — respondeu a tia, alargando ainda mais o sorriso. — Creio que a querida Cynthia não

teria aprovado nem um pouco este casamento.

A risada dos dois ecoou através das paredes enquanto atravessavam o corredor.

FIM