jean portela práticas didáticas - um estudo sobre os manuais brasileiros de semiótica
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JEAN CRISTTUS PORTELA
PRTICAS DIDTICASUm estudo sobre os manuais brasileiros de
semitica greimasiana
Araraquara SP2008
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Faculdade de Cincias e Letras de AraraquaraPrograma de Ps-Graduao em Lingstica e Lngua Portuguesa
JEAN CRISTTUS PORTELA
PRTICAS DIDTICASUm estudo sobre os manuais brasileiros de semitica
greimasiana
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingstica eLngua Portuguesa da Faculdade de Cincias e Letras de Araraquara,
da Universidade Estadual Paulista, para a obteno do ttulo deDoutor em Letras (Lingstica e Lngua Portuguesa).
Orientador: Prof. Dr. Arnaldo CortinaBolsa de pesquisa: CAPES
Araraquara SPFevereiro de 2008
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Dedico este trabalho a todos aqueles que,
bravamente ss ou oportunamente acompanhados,por real necessidade ou duvidoso prazer, ousaraminterrogar a esfinge semitica.
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AGRADECIMENTOS
Sendo impossvel agradecer efetivamente a todos que contriburam, de uma forma ou
de outra, redao desta pesquisa, limito-me a agradecer queles cuja pacincia e cuidadoforam decisivos para que este trabalho fosse realizado. Eis, aqui, minha gratido sincera esempre insuficiente:
CAPES, pelo financiamento recebido ao longo de quatro anos de pesquisa.
Ao Prof. Dr. Arnaldo Cortina, meu orientador, que acreditou na idia inicial desta pesquisa eque a extraiu de mim a frceps, como era preciso.
Ao Prof. Dr. Jacques Fontanille, meu orientador no estgio de doutorando que realizei naUniversidade de Limoges, pelos estimulantes encontros e mensagens trocadas sobre a didticae a histria da semitica.
Ao Prof. Dr. Iv Carlos Lopes e Profa. Dra. Renata Marchezan, pelas contribuies quefizeram a esta pesquisa no Exame Geral de Qualificao.
s Professoras Doutoras Edna Maria Fernandes dos Santos Nascimento, Lucia Teixeira deSiqueira e Oliveira e Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan, que enriqueceram este trabalhocom observaes e correes no momento da defesa.
Aos funcionrios da Seo de Ps-Graduao do Programa de Ps-Graduao em Lingstica
e Lngua Portuguesa, cujo profissionalismo e receptividade fazem com que esqueamos queexiste uma mquina burocrtica implacvel nos bastidores do mundo das idias.
Aos colegas do GESCom (Unesp Bauru), do GELE (Unesp Araraquara) e do CASA (UnespAraraquara), grupos de pesquisa em semitica que serviram de berrio e confessionrio tantopara mim quanto para minhas idias sobre os manuais de semitica.
minha famlia, de Bauru a Araraquara, de Guarulhos a Mau, de Manaus a Florianpolis,pelo ambiente radiante e permissivo nos quais sempre vi florescer sentimentos e ideais.
Aos amigos da trplice aliana (Bauru Araraquara So Paulo), que, durante anos,
toleraram e tornaram mais leve a existncia precria deste fazedor de tese.
Ao Matheus, companheiro incansvel.
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RESUMO
Ttulo: Prticas didticas. Um estudo sobre os manuais brasileiros de semitica greimasiana.
Esta tese consiste em um estudo sobre a prtica didtica dos textos de introduo semiticagreimasiana publicados originalmente no Brasil. O corpusanalisado compreende um total denove textos (cinco livros de autoria individual, trs artigos publicados em coletnea e umacoletnea) editados entre 1978 e 2005. Partindo de uma reflexo semitica sobre ascaractersticas gerais da Didtica como disciplina e como mtodo prvia e intencionalmenteelaborado para a transmisso do conhecimento (modelos didticos de construo), procureidefinir a prtica didtica como a situao tpica em que um enunciador procura explicitamentetransmitir, por categorizao e tipificao dos contedos em um percurso cannico(motivao adaptao explicao exemplificao), o saber que julga essencial para oconhecimento de uma determinada matria, no caso, as bases da teoria semitica preconizadapor A. J. Greimas e a Escola de Paris. Eleitos entre os nove textos que compem o corpus, oslivros Elementos de Anlise do Discurso, de J. L. Fiorin, e Teoria Semitica do Texto, de D.L. P. de Barros, foram classificados como manuais prototpicos de semitica, porapresentarem um panorama integral da elaborao e aplicao do percurso gerativo dasignificao, construo terica que atua como limite/quadro sinptico para a exposiodidtica. Aps a anlise do discurso didtico-cientfico e do discurso editorial presentes nosdois manuais prototpicos, concluiu-se que os textos didticos em semitica, no que dizrespeito prtica didtica que empregam, podem ser divididos em textos de estratgiapragmtico-generalista (o manual de Fiorin) estilo adaptativo caracterizado pelaassimilao englobante do universo cognitivo do enunciatrio e pelo enfoque no objeto a ser
analisado e textos de estratgia terico-especfica (o manual de Barros) estilo que sedirige a um pblico mais restrito e que se concentra em expor a pertinncia e o alcanceepistemolgicos da teoria. Tais estilos adaptativos possuem nuanas e/ou hbridos, como seprocurou demonstrar na anlise dos outros sete textos que integram o corpusda pesquisa.
Palavras-chave: prticas semiticas; Didtica; Semitica greimasiana; manual de semitica;discurso editorial, Brasil.
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ABSTRACT
Title: Didactic practices. A study on the Brazilian handbooks of Greimassian Semiotics.
This thesis consists of a study over the didactic practice of introductory texts to theGreimassian Semiotics that were originally published in Brazil. The corpus is formed by ninetexts (five books of individual authors, three articles published in a collection and onecollection) edited between 1978 and 2005. Starting from a semiotic reflection about thegeneral characteristics of Didactics as a subject and as a method previously and intentionallyelaborated to the transmission of knowledge (didactic models of construction), I intended todefine didactic practice as the typical situation in which an enunciator explicitly searches totransmit, by categorization and typification of the contents in a canonical path (motivation adaptation explanation exemplification), the knowledge that is judged to be essential toone subject, in this case, the bases of the semiotic theory as conceived by A. J. Greimas andthe School of Paris. Among the nine texts that integrate the corpus, the books Elementos deAnlise do Discurso (Elements of Discourse Analysis), by J. L. Fiorin, and TeoriaSemitica do Texto (Semiotic Theory of the Text) by D. L. P. Barros were elected andclassified as prototypical handbooks of semiotics, as they present a broad view of theelaboration and application of the generative trajectory of meaning, theoretical concept thatplays a role as a boundary or a synoptical frame to the didactic exposition. After the analysisof the didactic-scientific discourse and the publishing discourse that were in both prototypicalhandbooks, it was concluded that the didactic texts in semiotics, regarding the didacticpractice that they hold, can be divided into texts of pragmatical-generaliststrategy (Fiorinshandbook) adaptable style that can be characterized by the global assimilation of the
cognitive universe of the enunciatee and by the focus on the object of the analysis and textsof theoretical-specific strategy (Barros handbook) style focused on a more restrictedpublic that concentrates on the exposition of the epistemological pertinence and scope of thetheory. Such adaptable styles have nuances or hybrids, as the analysis of the other seven textsthat integrate the corpus of this research tried to demonstrate.
Keywords: semiotic practices; Didactics; Greimassian Semiotics; Semiotics handbook;publishing discourse; Brazil.
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RSUM
Titre: Pratiques didactiques. Une tude sur les manuels brsiliens de smiotique
greimassienne.
Cette thse est une tude sur la pratique didactique des textes dintroduction la smiotiquegreimassienne qui sont publis originellement au Brsil. Le corpus analys regroupe unensemble de neuf textes (cinq livres dauteur, trois articles publis en recueil et un recueil)dits entre 1978 et 2005. partir dune rflexion smiotique sur les caractristiquesgnrales de la Didactique, considre comme une discipline et une mthode pralable etintentionnellement labore pour la transmission du savoir (modles didactiques deconstruction), nous avons cherch dfinir la pratique didactique comme la situation typiquedans laquelle un nonciateur cherche explicitement transmettre par catgorisation ettypification des contenus dans un parcours canonique (motivation adaptation explication exemplification), le savoir quil juge essentiel pour la connaissance dunematire dtermine qui se trouve tre, dans notre cas, les bases de la thorie smiotiqueprconise par A. J. Greimas et lcole de Paris. Parmi les neuf textes qui composent lecorpus, les livres Elementos dAnlise do Discurso de J. L. Fiorin, et Teoria Semiticado Texto de D. L. P. De Barros, ont t classs comme des manuels prototypiques desmiotique, car ils nous prsentent un panorama intgral de llaboration et de lapplicationdu parcours gnratif de la signification ; une construction thorique qui agit comme unelimite, comme un cadre synoptique pour lexpos didactique. Aprs lanalyse du discoursdidactique-scientifique et du discours ditorial qui apparaissent dans les deux manuelsprototypiques, nous concluons que les textes didactiques en smiotique, en ce qui concerne la
pratique didactique quils adoptent, peuvent tre diviss en textes de stratgie pragmatico-gnraliste(le manuel de Fiorin) un style adaptatif caractris par lassimilation englobantede lunivers cognitif de lnonciataire et par la mise au point sur lobjet tre analys et entextes de stratgie thorico-spcifique(le manuel de Barros) un style destin un publicplus restreint et qui sapplique exposer la pertinence et la porte pistmologiques de lathorie. De tels styles adaptatifs peuvent montrer des nuances et/ou des hybrides, comme nouslavons dmontr dans lanalyse des sept autres textes qui intgrent le corpus de la recherche.
Mots-cls: pratiques smiotiques ; didactique ; smiotique greimassienne ; manuel desmiotique ; discours ditorial ; Brsil.
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La botanique est l'tude d'un oisif et paresseux solitaire : une pointe et
une loupe sont tout l'appareil dont il a besoin pour les observer. Il se
promne, il erre librement d'un objet l'autre, il fait la revue de chaque
fleur avec intrt et curiosit, et sitt qu'il commence saisir les lois de
leur structure il gote les observer un plaisir sans peine aussi vif ques'il lui en cotait beaucoup. Il y a dans cette oiseuse occupation un
charme qu'on ne sent que dans le plein calme des passions mais qui
suffit seul alors pour rendre la vie heureuse et douce; mais sitt qu'on y
mle un motif d'intrt ou de vanit, soit pour remplir des places ou
pour faire des livres, sitt qu'on ne veut apprendre que pour instruire,
qu'on n'herborise que pour devenir auteur ou professeur, tout ce doux
charme s'vanouit, on ne voit plus dans les plantes que des instruments
de nos passions, on ne trouve plus aucun vrai plaisir dans leur tude,
on ne veut plus savoir mais montrer qu'on sait, et dans les bois on n'est
que sur le thtre du monde, occup du soin de s'y faire admirer ; ou
bien se bornant la botanique de cabinet et de jardin tout au plus, au
lieu d'observer les vgtaux dans la nature, on ne s'occupe que de
systmes et de mthodes ; matire ternelle de dispute qui ne fait pas
connatre une plante de plus et ne jette aucune vritable lumire sur
l'histoire naturelle et le rgne vgtal. De l les haines, les jalousies
que la concurrence de clbrit excite chez les botanistes auteurs
autant et plus que chez les autres savants.
Jean-Jacques Rousseau, emLes Rveries du promeneur solitaire.
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Au seuil de son travail, ltudiant subit une srie de divisions. En tant
que jeune, il appartient une classe conomique dfinie par son
improductivit : il nest ni possdant ni producteur ; il est hors de
lchange, et mme, si lon peut dire, hors de lexploitation :
socialement, il est exclu de toute nomination. En tant quintellectuel, il
est entran dans la hirarchie des travaux, il est cens participer un
luxe spculatif, dont il peut cependant jouir car il nen a pas la
matrise, cest--dire la disponibilit de communication. En tant que
chercheur, il est vou la sparation des discours : dun ct le
discours de la scientificit (discours de la Loi) et, de lautre, le discours
du dsir, ou criture.
Roland Barthes, emJeunes chercheurs.
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SUMRIO
INTRODUO............................................................................................................ 14
1. DIDASCLIAS SEMITICAS.............................................................................. 21
1.1 Educao, pedagogia, didtica: do projeto de formao ao mtodo ............. 22
1.1.1 Educao e destinador social ......................................................................... 22
1.1.2 A mediao transdisciplinar da pedagogia ..................................................... 24
1.1.3 Didtica como disciplina e como prtica observvel ..................................... 26
1.1.3.1 A contribuio de Comenius explicitao do fazer didtico ................. 27
1.1.3.2 A programao didtica: prtica observvel ............................................ 28
1.2 A semitica didtica........................................................................................... 28
1.2.1 Dos bastidores: a diversidade de objetos de estudo da semitica .................. 28
1.2.2 Jurisprudncia da semitica didtica .......................................................... 31
1.2.2.1 Os pioneiros: do espao didtico maiutica semitica .......................... 31
1.2.2.2 Dilogo e dissuaso: dois recursos retricos ............................................ 35
1.2.2.3 Aumento da competncia, aumento da responsabilidade ........................ 37
1.2.2.4 O fim um bom lugar para comear ........................................................ 38
1.2.2.5 Da competncia existncia, do modal ao passional .............................. 39
1.3O lugar do vulgar ............................................................................................... 41
1.4O ensino de Semitica: do oral ao escrito........................................................ 45
2. A PRTICA DIDTICA......................................................................................... 49
2.1 Antecedentes do estudo das prticas semiticas.............................................. 49
2.2 Primeira formulao sobre a prtica didtica ................................................ 54
2.3 O percurso da prtica didtica......................................................................... 56
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2.3.1 Motivao e adaptao: modos e estilos adaptativos ..................................... 57
2.3.2 A explicao e a exemplificao .................................................................... 60
2.3.3 Os ciclos explicativo-ilustrativos ................................................................... 63
3.ELEMENTOSE TEORIA: DOIS MANUAIS PROTOTPICOS........................ 66
3.1 Pequena histria dos manuais brasileiros de semitica greimasiana............ 66
3.1.1 Os pioneiros ................................................................................................... 66
3.1.2 Para Ler Greimas: enfim um manual de semitica? ..................................... 68
3.1.3 Os anos 80: a dcada (quase) ingrata ............................................................. 70
3.1.4 O apelo popular de Elementos....................................................................... 71
3.1.5 Os anos 90: Diana ao quadrado .................................................................. 72
3.1.6 A 2000 chegar, mas de 2000 no passar ..................................................... 73
3.1.7 Do artigo coletnea de iniciao Semitica .............................................. 74
3.2Elementose Teoria: os manuais escolhidos para anlise................................ 76
3.3Elementos de Anlise do Discurso(EAD)......................................................... 79
3.3.1 Enunciador, propsito e mtodo de Elementos.............................................. 79
3.3.2 O discurso editorial em Elementos................................................................ 83
3.3.3 A prtica didtica em Elementos................................................................... 85
3.3.4 Explicao e exemplificao na adaptao pragmtico-generalista .............. 87
3.4 Teoria Semitica do texto(TST)........................................................................ 91
3.4.1 Explicando e exemplificando a tematizao ................................................... 95
3.4.2 O discurso editorial em TST ........................................................................... 98
4. MAIS MANUAIS................................................................................................. 101
4.1 Livros de introduo semitica greimasiana.................................................... 103
4.1.1 Formas da cientificidade: motivao e adaptao em Para ler Greimas........... 103
4.1.2 Teoria do discurso: fundamentos acadmicos ................................................ 107
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4.1.3 Em cena, o objeto: o elogio aplicao de L. Tatit ........................................... 109
4.1.4 Prticas de edio e prticas analticas em Semitica: objetos e prticas......... 112
4.2 Artigos de introduo semitica greimasiana................................................... 117
4.2.1 Dois didatas, dois fazeres didticos: Tatit (2002) e Barros (2003) .................... 118
4.2.2. Um panorama histrico-conceitual: a proposta de Cortina e Marchezan ......... 121
CONSIDERAES FINAIS...................................................................................... 124
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS....................................................................... 128
ANEXOS....................................................................................................................... 141
Anexo I Textos brasileiros de introduo semitica greimasiana [9 obras] ......... 141
Anexo II Cronologia dos textos de introduo semitica greimasiana [42 obras] 142
Anexo III Cronologia dos textos brasileiros de introduo AD [5 obras] ............ 148
Anexo IV Cronologia dos textos de introduo semitica [70 obras] ................. 149
Anexo V Cronologia dos textos brasileiros de introduo semitica [18 obras] . 158
Anexo VI Actes Smiotiques:BulletineDocuments.. 160
Anexo VII Capas dos textos brasileiros de introduo semitica greimasiana .... 167
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LISTA DE TABELAS E FIGURAS
2. AS PRTICAS DIDTICAS
Figura I Floch apresenta os objetos que compe a prtica indumentria de Chanel .. 50
Tabela I Os nveis de pertinncia de uma semitica das culturas ............................... 52
Tabela II Os nveis de pertinncia: instncias formais e tipos de experincia ............ 53
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INTRODUO
Je ne pense pas vous livrer mon enseignement sous la formedun comprim, cela me parat difficile.
On fera peut-tre a plus tard. Cest toujours comme a quea finit. Quand vous tes disparu depuis suffisamment de temps,vous vous rsumez en trois lignes dans les manuels en ce qui meconcerne, manuels on ne sait dailleurs pas de quoi.
Jacques Lacan, em Place, origine et fin de mon enseignement
A mediao dos manuais
O excerto acima, extrado da introduo de uma conferncia ministrada por Jacques
Lacan no final dos anos 1960, ilustra com preciso o problema que esta pesquisa procura
abordar. Com a irreverncia que prpria a seu estilo, o psicanalista francs apresenta uma
caricatura mordaz e precisa da relao dos manuais com as teorias que eles pretendem
difundir. A preciso qual fao aluso no a do exguo nmero de linhas que os manuais,
segundo Lacan, dedicam explicao das teorias que abordam. Para alm do humor
lacaniano, pode-se ler nessas consideraes algo que parece ser essencial no que diz respeito
caracterizao de um manual enquanto objeto cognitivo, isto , semitico: o enunciador de
manuais exerce seu fazer-interpretativo sobre um discurso original e produz um discurso
outro, que, no entanto, ainda deve ser o mesmo, sendo essa a condio sine qua nonpara sua
identificao e utilizao como tipo textual (o gnero manual) e objeto de comunicao
(moeda de troca na interao didtica).
A natureza do fazer-interpretativo , como tambm o a do sentido, essencialmente
mediadora. De parecer em parecer, o sujeito transpe, traduz, sincretiza saber e crer, enfim,
estabelece as relaes de equivalncia que asseguram as condies de legibilidade do mundo.
esse esforo de mediao entre um saber j constitudo, dito cientfico ou de vocao
cientfica, e um saber de segundo grau (um meta-saber), dito didtico, pedaggico,
traduzido1pelos manuais, que ser o tema central de minhas investigaes neste trabalho.
1Traduo intralingual, para retomar o termo caro a Jakobson (1963, p. 79), e certamente interdiscursiva.
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O lexema manual empregado nesta pesquisa a meio caminho da etimologia e do
senso comum como o vocbulo que designa um conjunto condensado/reduzido (ele est
mo, cabe na mo) de preceitos de uma determinada teoria ou tcnica, utilizado
cotidianamente em contextos dspares mas que tm ao menos uma finalidade constante. Por
exemplo: Nunca leio os manuais de instruo, Que manual complicado! Melhor recorrer
direto fonte!, Este manual faz o difcil parecer fcil, Bebs deveriam vir acompanhados
de manuais!, Publicaram um novo manual culinrio, Sendo to nova, essa disciplina no
dispe ainda de um manual (ou no dispe de um manual completo). O repertrio de
situaes e glosas hipotticas que caracterizam o manual como objeto modal, como acesso ao
saber (facilitador, quando bem sucedido) quase inesgotvel.
Tudo aquilo que por ns, seres humanos, pode ser reconhecido/identificado, tudo o
que se repete de uma forma relativamente constante e que necessita de reproduo por um
indivduo ou um grupo de indivduos, pode ser objeto de um manual. H manuais que se
ocupam da realidade prtica (manual do bordado), outros da fantasia (manual dos
sonhos). Manuais ensinam-nos a variar o prazer do apetite (1001 formas de cozinhar...) ou
a recha-lo (manual da ltima dieta milagrosa). Fora do domnio da significao humana,
as cincias biolgicas tentam encontrar no DNA a inscrio de genes que determinam certos
comportamentos (saber constitutivo que nos chega sem que tenhamos conscincia dalio) e as cincias exatas, no domnio da pesquisa da Inteligncia Artificial (Redes
Neurais), procuram desenvolver equaes de aproximao probabilstica que ensinem as
mquinas a decidir, ou seja, que as ensinem a improvisar.
Ao contrrio do que um sujeito demasiadamente incrdulo possa pensar, no
inconcebvel a existncia de manuais de semitica, por mais que isso soe estranho fora dos
crculos acadmicos das cincias humanas. Como se sabe, eles existem e tratam das diversas
semiticas, embora poucos empreguem o lexema manual de maneira explcita (no ttulo, naquarta capa, na introduo, etc.). Em compensao, em um inventrio no-exaustivo sobre os
manuais de semitica em geral2(ver Anexo IV), no so raros, lexemas como elementos,
bases, fundamentos, introduo, iniciao, em portugus, ou Handbuch e
Handbook, em alemo e ingls respectivamente, ou, ainda, manuel e prcis, em francs
todos lexemas que traduzem e recobrem o sentido de manual.
2 Textos de introduo s vrias correntes tericas da Semitica, com propsitos distintos (introduo Semitica geral ou a correntes especficas) e com caractersticas editoriais igualmente variadas: livros de autoriaindividual ou coletiva; antologias, anais de evento, etc.
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Do corpuse dos objetivos
Entre manuais de diversas correntes semiticas existentes, escolhi como objeto deste
estudo textos brasileiros de introduo semitica greimasiana (ver Anexo I e VII) que, do
ponto de vista da manifestao textual (livros de autoria individual, artigos em coletneas e
uma coletnea inteira), constituem um corpusrelativamente heterogneo, somando um total
de nove obras que, a princpio, tm em comum to-somente a abordagem terica e a estratgia
geral de funcionamento discursivo, ou seja, a Semitica desenvolvida a partir dos anos 1960
por Algirdas Julien Greimas e seu crculo e o carter didtico dos textos. A reflexo que aqui
empreenderei revisita a histria da difuso da semitica greimasiana no Brasil, cujo primeiro
texto de flego Para ler Greimas, de Mnica Rector (1978), e o mais recente, Semitica:
objetos e prticas, obra coletiva organizada por Iv Carlos Lopes e Nilton Hernandes (2005).
O objetivo geral deste estudo conhecer melhor os textos didticos que contriburam,
nos ltimos 30 anos, para a formao de centenas de semioticistas e milhares de estudantes
que, independentemente de sua rea de formao (Letras, Comunicao, Artes, etc.),
encontraram nessas obras os primeiros rudimentos da teoria greimasiana do sentido.
J o objetivo especfico identificar e sistematizar as diversas prticas que esto em
jogo na construo enunciativa e enunciva dos manuais brasileiros de semitica greimasiana,isto , na forma como o enunciador administra o saber a que ter acesso o enunciatrio,
controlando os efeitos superficiais do enunciado terico-didtico.
Tendo esses objetivos em vista, realizarei, primeiramente, a anlise das obras
Elementos de Anlise do Discurso, de J. L. Fiorin, publicada originalmente em 1989, e Teoria
Semitica do Texto, de D. L. P. de Barros, cuja primeira edio data de 1990. Minha hiptese
fundamental para justificar tal segmentao a de que as duas obras so manuais de semitica
greimasiana prototpicos,3
pois atendem aos seguintes critrios: (a) um propsito explcito deiniciao teoria semitica, seja por meio da anlise de um corpushomogneo ou de vrios
objetos de estudo heterogneos; (b) uma viso de conjunto da metalinguagem greimasiana e
de sua aplicao, sem introduo de inveno/formulao terica original, limitando-se ao que
j conhecido e estabelecido no domnio da disciplina; (c) um mesmo formato (livros que
possuem praticamente a mesma quantidade de pginas) e (d) um mesmo eixo de exposio da
matria, configurado em torno do percurso gerativo do sentido. Aps analisar essas duas
3 Emprego aqui o adjetivo prototpico no sentido que o faz Kleiber (2004, p. 47-51), segundo o conceito deprottipo que aparece nos primeiros trabalhos de E. Rosch, que o designa como sendo o melhor exemplar(melhorequivalendo a maispropriedades tpicas) ou a melhor instncia, o melhor representante ou a instnciacentral de uma categoria.
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obras, com o propsito de explorar a aplicabilidade do modelo de descrio concebido,
proporei uma leitura de conjunto dos outros sete textos de introduo semitica greimasiana.
Profisso metodolgica e plano da tese
A Semitica de origem greimasiana uma disciplina que teve na segunda metade do
sculo XX o seu campo de construo e exerccio. Desde ento, essa disciplina conheceu
pocas de polmicas acirradas e produtivas, mas tambm perodos de estagnao e apatia, que
no a impediram de constituir-se como um complexo work in progress, que mantm, ainda
hoje, uma unidade considervel.
O fato que o pensamento de Greimas e sua Escola mantiveram, ao longo dos ltimos
40 anos, praticamente intacta a sua couraa epistemolgica, suas grandes linhas de reflexo (o
papel da imanncia na anlise textual, a narratividade, a reflexo sobre as modalidades, o
conceito de percurso e de gerao, etc.). No fundo, embora por vezes seja muito tentador,
da Semitica de Greimas, no se pode dizer o que Michel Henry disse sobre o marxismo em
seu Marx:4 a semitica greimasiana definitivamente no o conjunto dos disparates que
foram ditos sobre Greimas.
Unidade e fragmentariedade ou, ainda, fidelidade e mudana, como prefere A. J.Greimas (1983, p. 7). Foi esse o maior desafio que encontrei quando perpetrei minhas
primeiras formulaes sobre os manuais de semitica greimasiana. Para dar conta desse
objeto semitico, foi-me preciso sincretizar, reintegrar ao contnuo da reflexo
epistemolgica, a diversidade terica da Semitica greimasiana. Mais do que detectar e
classificar as disjunes metodolgicas dos textos tericos de base (Semitica standard?
Semitica das Paixes? Semitica Tensiva?), era preciso conceber os manuais que faziam sua
difuso como objetos de sentido autnomos, cuja construo enunciativa e enuncivamobilizasse todos os esforos de descrio. Uma outra preocupao era tratar o manual como
um texto pleno, como um todo de sentido a ser analisado, mais do que como um gnero que
possui uma funo social ou um subproduto oriundo quer do discurso cientfico, quer do
discurso propriamente didtico.5
4O marxismo o conjunto dos disparates que se disseram sobre Marx. Cf. HENRY, Michel. Marx. Paris:Gallimard, 1976. p. 9. A traduo da passagem minha tanto nesse caso quanto nos outros, salvo indicaocontrria.
5 A afirmao com a qual J.-F. Bordron (1987, p. 9) introduz sua anlise sobre as meditaes de Descartesparece-me tratar justamente da questo a que me refiro: O objeto de nossa anlise o texto, sem qualquer
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De uma forma geral, os estudos mais recentes sobre as prticas semiticasderam a
direo terica desta pesquisa. Foi graas a eles que pude pensar o manual de Semitica como
marcado no apenas lingisticamente por uma enunciao ou discurso especficos, mas por
uma prtica cultural fechada em si, detentora de leis e estratgias globais autnomas, a
prtica didtica. Estudar a prtica didtica no , de forma alguma, renunciar ao estudo dos
mecanismos textuais e discursivos que esto em jogo no enunciado didtico, mas, na verdade,
tentar integr-los e classific-los como ocorrncias-modelo pertencentes a uma atividade
humana, uma prtica significante, que os convoca e os determina. Afirmar a primazia das
prticas sobre os textos no cair na armadilha temerosa da determinao extralingstica
direta e irrevogvel, mas, sim, reconhecer o papel preponderante dos universos socioletais em
relao s linguagens que os manifestam e formular hipteses de hierarquizao na
constituio da expresso do mundo sensvel.6
Na anlise do corpus, lanarei mo dos procedimentos metodolgicos oriundos da
Semitica greimasiana. No empregarei, evidentemente, toda a metalinguagem semitica ao
mesmo tempo, nem em uma seqncia pr-determinada. Na maior parte das anlises, como
estratgia para o tratamento de um corpus dessa amplitude,7 priorizarei a anlise de
fragmentos, em detrimento da anlise detalhada e exaustiva, baseada nos moldes da Semitica
standard. evidente que a anlise de obras to prximas de minha formao e, sobretudo, de
meus formadores autores vivos e atuantes na pesquisa semitica h, em certos casos, ao
menos 30 anos oferece alguns riscos. Esses riscos gravitam em torno de uma questo
relativamente antiga, mas sempre muito atual nas disciplinas de vocao hermenutica: seria a
grade de leitura oferecida pela Teoria um anteparo suficientemente seguro (a boa distncia)
para proteger o analista do texto, ou melhor, o texto de seu analista? H um nmero grande de
controvrsias a respeito da resposta a essa questo, tanto que ela permanece teoricamentecontornvel, embora, na prtica, sejamos obrigados a reformul-la a cada anlise lida, a cada
considerao prvia sobre sua natureza. [...] A esse respeito, nossa hiptese de que nosso objeto dotado desentido e que no absurdo querer dizer algo sobre o sentido.
6 a tarefa qual se lanou, h no muito tempo, J. Fontanille (2005, p. 15-36), com seu percurso gerativo doplano da expresso, que ser abordado no Captulo II.
7Com exceo deLvi-Strauss et les contraintes de la pense mythique, de Joseph Courts (1973), obra na qualo pioneiro semioticista analisa os quatro tomos das Mitolgicas de Lvi-Strauss (I. O cru e o cozido; II. Domel s cinzas; III. A origem dos modos mesa e IV. O Homem nu), poucas foram as anlises de vastosconjuntos significantes na histria recente da Semitica. Na pesquisa brasileira atual, como exemplo de pesquisacom um corpusverdadeiramente extenso, pode-se citar a tese de livre-docncia de Arnaldo Cortina (2006) sobreos leitores contemporneos brasileiros, que prope uma anlise temtica das obras mais vendidas no Brasil entre1966 e 2004.
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vez que nos vemos como apreciadores do fazer de analista de nossos pares e do nosso prprio.
Na prtica analtica, a postura que procurei adotar foi a de um distante mas apaixonado
voyeur. Apaixonado, como so todos os curiosos, os sedentos do desejo e da expectativa. E
distante, pois o vcioassim o exige, como A. J. Greimas fazia questo de lembrar quando,
sua maneira, pregava contra o laxismo e fazia o elogio de uma espcie de ascetismo
analtico, maneira de conter os pendores autorais do analista.
Concebi este trabalho em quatro captulos. Os dois captulos iniciais tratam de
questes tericas de base, que me permitiro preparar o terreno para a formulao terico-
prtica. Os dois ltimos captulos apresentaro a aplicao das idias desenvolvidas nos
captulos anteriores e, com as consideraes finais, procurarei resgatar e articular as
contribuies da pesquisa. A seguir, em linhas gerais, apresento a arquitetura de cada um
desses captulos.
No Captulo I, intitulado Didasclias semiticas, usando como mote a acepo
teatral que o vocbulo grego didaskala (instruo, conjunto de recomendaes do autor
para a representao) tinha na Grcia Antiga, procurarei sintetizar algumas reflexes
semiticas correntes sobre a didtica, seu arcabouo narrativo (modal) e os aspectos
relacionados vulgarizao cientfica e ao ensino de semitica propriamente dito.
No Captulo II, A prtica didtica, buscarei caracterizar a didtica dos manuaisenquanto prtica semitica e estabelecerei, como sntese das aquisies tericas do captulo
precedente e das caractersticas gerais do corpusda pesquisa, opercurso cannico da prtica
didtica e suas fases (motivao adaptao explicao exemplificao), tratando
sobretudo do problema da explicao e da exemplificao, operaes cognitivas que
engendram a dinmica dos ciclos explicativo-ilustrativos.
Aps a reflexo essencialmente terica dos dois primeiros captulos, no Captulo III,
Elementose Teoria: dois manuais prototpicos, empreenderei uma breve apresentao dosnove textos brasileiros de iniciao Semitica que compe o corpusda pesquisa, retendo
para anlise apenas os j citados Elementos de anlise do discurso e Teoria Semitica do
Texto. A partir da anlise das duas obras, extrairei estratgias de segmentao e de
compreenso do universo discursivo dos manuais.
No Captulo IV, Mais manuais, valendo-me dos princpios de segmentao e
anlise elaborados no captulo anterior, estudarei os outros sete textos brasileiros de
introduo semitica greimasiana que compem o corpus, buscando estabelecer uma leitura
de conjunto de seus respectivos estilos de adaptao didtica que englobe os dois manuais de
semitica prototpicos e os sete manuais considerados como subtipos.
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Por fim, nas Consideraes finais, procurarei demonstrar as implicaes que o
percurso terico-analtico realizado neste estudo pode ter na didtica da Semitica
greimasiana, na medida em que explicita mecanismos de programao e de persuaso que
jazem esquecidos na transparncia insuspeita que a linguagem verbal pode conferir aos
discursos que manifesta.
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1. DIDASCLIAS SEMITICAS
O conhecimento das coisas no inato em mim, eu amo aantigidade e me aplico ao estudo com ardor.
Confcio, nosAnalectos
No se ouve o discurso do qual se pessoalmente o efeito.
J. Lacan, emAviso ao leitor japons
Entre os gregos antigos, o vocbulo didaskala (instruo) significava (1)
conjunto de preceitos e instrues relativos representao teatral (Aurlio), (2) indicao
de cena em uma obra teatral, um roteiro (Le Petit Robert) ou, mais economicamente, nos
termos do clssico Littr, (3) instruo dada pelo poeta aos atores. No tardou para que os
romanos, tomando em emprstimo o vocbulo grego, passassem a chamar de didascalia a
breve notcia, escrita no comeo das peas, que informava o leitor das circunstncias da
representao (Houaiss).
Essa rpida smula etimolgica fundamenta a escolha da palavra didasclia para
nomear este captulo, em que fornecerei as instrues de leitura, as reflexes e os conceitos
que me orientaro no estudo da didtica neste estudo. Fazendo as vezes de notaes de cena
ou de libreto, essas didasclias semiticas pretendem ser um guia sumrio para a
problematizao da questo didtica em Semitica greimasiana.
Revisitarei alguns textos clssicos que tratam direta ou indiretamente sobre ensino e
aprendizagem, com ateno especial aos domnios literrio e filosfico da cultura ocidental e
oriental, de modo a identificar e caracterizar os elementos bsicos que esto em jogo na
prtica didtica. Ao final do captulo, discorrerei sobre as especificidades dos discursos
didtico-cientfico e editorial e sobre os desafios do ensino de semitica.
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1.1 Educao, pedagogia, didtica: do projeto de formao ao mtodo
1.1.1 Educao e destinador social
Eu recebi, diz Husserl, a educao de um alemo, no a de umchins. A educao de um cidado de vilarejo, em um quadro familiale uma escola de pequenos burgueses, e no a formao de um fidalgode provncia, grande proprietrio rural, aluno em uma escola decadetes.
P. Bourdieu citando Husserl, emA economia das trocas simblicas
Quer se entenda o substantivo educao como tendo origem no verbo latino
educere (conduzir, treinar), quer se prefira identific-lo a uma outra origem, o verboeducare (treinar, nutrir, alimentar),8 a idia que ele descreve a de um fazer inscrito na
dimenso cognitiva e organizado por um percurso narrativo fortemente controlado e
aspectualizado (a incoao/terminao e a pontualidade/duratividade regulando a quantidade
de saber em circulao). Essa interao entre sujeitos tem, a montante, a orientao
persuasiva e formadora do sujeito-operador educador (ou didata) e, a jusante, a
recepo/interpretao do sujeito educando (ou aprendiz) que, do ponto de vista do sujeito
destinador da educao como um todo, ocupa a posio, por um lado, de destinatrio e, poroutro, de um mero objeto, a ser transformado e predicado. Nesse esquema de base, que
permite variaes, o destinatrio social que estabelece o quadro de valores nos quais os
sujeitos educador e educando desempenham suas competncias de sujeito e traam seus
campos de ao, seja do ponto de vista do sujeito educador:
Destinador social (Sistema Educacional)EducadorEducarEducando
Seja do ponto de vista do sujeito educando:
Destinador social (SE)EducandoSer Educado porEducador
Nutrindo ou treinando, conduzindo, o destinador social, representado pelo Sistema
Educacional (SE), quem decide sobre a misso do educador e sobre a sorte do educando,
este ltimo devendo ajustar-se, enquadrar-se no repertrio scio-cultural e lingstico que lhe
destinado. Ao aceitar tcita ou polemicamente a misso que o destinador social lhe outorga,
8Cf. Winch e Gingell (2007, p. 78) e Ghiraldelli (2006, p. 35n).
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o educador cumpre seu papel e deve exercer sua funo (educar) estritamente dentro dos
valores estabelecidos pelo destinador, que lhe acompanha os passos por meio de leis,
conselhos, chefes imediatados, projetos, cartilhas, enfim, instncias de controle mais ou
menos concretas, mas onipresentes.
Tal viso normativa da educao, quer com ela compactuemos ou no, perpassa toda a
estrutura educacional e determina sobremaneira a concepo das teorias educacionais
conservadoras (as educaes espartana e medieval, por exemplo), mas tambm, de uma forma
indireta, as teorias progressistas [as idias de Neill (1976) e Freire (1977)], que contra ela se
insurgem para transform-la.
Quando se objetiva o fazer do projeto educacional dessa maneira, descrevendo-o como
um tipo de linha de montagem humana, fica evidente que o cerne do problema reside na
extenso do poder do destinador e na hierarquia que ela supe. Como casos tpicos desse
sistema educacional forte, tm-se a Polticade Aristteles e aRepblicade Plato, em que o
sistema educacional onipresente e totalmente orientado para o bem comum da cidade (ou ao
menos de alguns comuns), sendo qualquer pretenso de liberdade descomprometida
considerada como traio coletividade. o caso tambm do ensino confuciano que,
elegendo basicamente o Cu, o Imperador e os Ritos por destinadores, no reserva muito
espao para a espontaneidade na ao humana, preferindo a cerimnia informalidade, acerteza surpresa.
No apenas nos regimes autoritrios de educao que o destinador social exerce sua
presso reguladora e uniformizante. No Emliode Rousseau (1999, p. 436-37), v-se que o
prazer, a sinceridade e a livre escolha que conduzem ao aprendizado. O educador no se
impe para evitar ferir o esprito delicado da criana (seu amor prprio). Da mesma forma,
nas idias preconizadas por Neill, o j citado fundador da escola inglesa Summerhill, a
liberdade e a espontaneidade so o que pode parecer paradoxal obrigatrias, so condiesdo processo educacional.
Seja qual for a posio do destinador (conservadora ou progressista), ela sempre
determinada por um poder e/ou um saber englobantes em relao aos de seus destinatrios, o
que explica como, do ponto de vista semitico, por mais que se procure variar, atenuar ou
enfraquecer o destinador social, todo Sistema Educacional est nele ancorado e dele no pode
prescindir.
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1.1.2 A mediao transdisciplinar da pedagogia
Para que haja, de fato, educao, para que o sistema educacional alcance seus
objetivos na forma de uma extenso mxima e homognea de seus valores, preciso um
conjunto de regras que os transmita: a pedagogia palavra de origem grega, cunhada a partir
dos vocbulos pas-paids (criana) e ago (conduzir).9
Tanto os filsofos quanto os historiadores da educao so unnimes ao atribuir
pedagogia um papel mediador e realizador em relao ao sistema de valores articulado pela
educao, como sugere Ghiraldelli (2006, p. 36):
[...] a pedagogia a teoria da educao: a narrativa sobre o que deve ocorrerna atividade educacional segundo fins preestabelecidos, de acordo comvalores que se quer preservar e reproduzir e em adequao a valores novosque se deseje instituir.
A ela tambm atribuda uma vocao transdisciplinar, como se v na definio de
Luzuriaga (1984, p. 2):
Chamamos pedagogia reflexo sistemtica sobre educao. Pedagogia a
cincia da educao: por ela que a ao educativa adquire unidade [...]Pedagogia cincia do esprito e est intimamente relacionada comfilosofia, psicologia, sociologia e outras disciplinas, posto no dependadelas, pois uma cincia autnoma.
Assim, a pedagogia atuaria de forma direta e objetiva no educando, valendo-se do
conjunto de regras que formaliza em sua prpria reflexo e pela reflexo das demais
cincias.10O carter disciplinar transversal da pedagogia faz dela uma cincia ancilar, mas
certamente no menos importante.
Uma pedagogia de base semitica ainda no encontrou muitos ecos nem na pedagogia
e nem na semitica modernas.11 Muito provavelmente, as dificuldades explcitas desse
casamento residam no carter normativo da Pedagogia que, como se viu, dirigida por um
9 Os gregos chamavam pedagogos, aqueles (geralmente escravos) que conduziam literalmente as crianas escola, fazendo-lhes companhia e vigiando-as.
10Sobre esse ponto, so esclarecedores estes votos de Jean Piaget: Possam bilogos e psiclogos colaborar unscom os outros, no futuro, at desvendar juntos os segredos de uma organizao organizante uma vez trazidos luz os da organizao organizada (apudLerbet, 1976, p. 73).
11No domnio de inspirao semiolgica e greimasiana, a nica exceo parece ser a obra de Michel Tardy,apresentada de forma muito completa na seleta de artigos organizada por Jaillet (2000).
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ideal educacional e tem metas claras a atingir em relao competncia do educando. Tal
carter normativo, ao mesmo tempo que faz a manuteno de alguns esteretipos culturais,
descarta outros tantos, segundo um padro valorativo rigoroso de triagem.
Sabe-se que, semioticamente, na transmisso de um saber, tanto a manuteno quanto
o descarte de elementos de uma cultura so assuntos controversos, na medida em que se sabe
que o conceito de norma ou regra tem um alcance to-somente local e que exige sempre um
destinador que o imponha e o preserve. Isso no equivale a dizer que a semitica uma
disciplina relativista por princpio, mas, sim, que ela s pode reconhecero que absoluto
e/ou relativo (e suas gradaes) no interior da cultura, identificar tais fenmenos e
descrev-los, sem, no entanto, atribuir-lhes outro valor que no aquele que garante sua
existncia autnoma como objetos semiticos. A semitica, ao contrrio da pedagogia, no
poderia, dentro de seu campo de reflexo, dizer quando uma criana deveria ter acesso s
maneiras de se comportar mesa. Ela se limitaria a dizer que existem diversas maneiras,
descrev-las-ia e concluiria que, em uma dada cultura, essas maneiras so assimiladas e
transmitidas ou no.
Mesmo diante da zona de atrito que se forma na fronteira do saber semitico e do
saber pedaggico, em um momento visionrio e otimista como poucos, o primeiro Greimas
cogitou, como se pode ler em seu artigo Transmission et communication (1969),12
serpossvel, por meio do ensino, a construo consciente, negociada e transparente, de um novo
homem, que seria educado segundo um modelo utpico baseado na cultura do futuro.
Como se ver mais adiante, no essa a posio que o mestre lituano sustentar alguns anos
depois, quando opta por uma reflexo estritamente formal sobre o ensino, abordando a
didtica em si, como um enunciado concreto, e no os desafios pedaggicos de que ela
objeto.
12ApudParret e Ruprecht (1985, p. LXII).
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1.1.3 Didtica como disciplina e como prtica observvel
Que a proa e a popa de nossa didtica sejam: buscar um mtodo para
que os docentes ensinem menos e os discentes aprendam mais; quenas escolas haja menos conversa, menos enfado e trabalhos inteis,mais tempo livre, mais alegria e mais proveito.
Comenius, naDidtica Magna
Depois de haver caracterizado o domnio de atuao da educao e da pedagogia,
hora de tratar da definio de didtica que, no interior desta ltima, distingue-se por sua
especificidade tcnica e prtica.
Em seu manual sobre didtica, Piletti (1997, p. 41-3) prope distinguir no domnio da
Pedagogia como disciplina trs aspectos que representam trs grandes ramos de investigao:
(1) o filosfico, composto pela Histria e Filosofia da Educao e pela Educao Comparada
e a Poltica Educacional; (2) o cientfico, formada pela Biologia, Psicologia e Sociologia da
educao; e (3) o tcnico, que integra a Administrao Escolar, Higiene e Organizao
Escolar, a Orientao Educacional e, finalmente, a Didtica Geral e a Didtica Especial.
Tal diviso presta-se perfeitamente ao recorte que gostaria de fazer no domnio da
Didtica como disciplina. No sendo uma reflexo em devir (uma filosofia), nem derivando
do domnio do verificvel (uma cincia), a Didtica possuiria como principal caracterstica
um repertrio convencionado de tcnicas que, ao longo da histria das idias, foi-se
solidificando, segundo hbitos e demandas socioculturais.13Esse arsenal de tcnicas, quando
pensado do ponto de vista do ensino generalista, independentemente da matria ensinada, diz
respeito Didtica Geral, disciplina que controla, com o objetivo de otimizar o aprendizado,
desde14(a) o espao fsico da sala de aula (a gestualidade e proxmica do didata, a arquitetura
e decorao do ambiente didtico, a ergonomia e posio do mobilirio), passando (b) pelos
textos em mdia destinados aos educandos (quadro-negro, projeo em vdeo, apostila, livro
paradidtico, jogos, etc.) e (c) as atividades de estmulo cognitivo (exposio de um tema,
exemplificao, avaliao, dilogos, ditados, adivinhas, etc.). Percebe-se que os elementos (a)
e (b) so mais facilmente aplicveis ao ensino de um nmero indiscriminado de disciplinas, na
medida em que derivam da manipulao do fazer somtico e da materialidade de alguns
13Em sua Histria da Educao, P. Monroe (1988, p. 123) advertir o leitor de que no sistema educacionalmedieval, a idia de organizar o estudo conforme o desenvolvimento mental do estudante ainda no existia esurgiria s sculos depois. poca, o mtodo em voga preconizava um ensino predominantemente lgico quefosse transmitido s crianas tal como era concebido por e para inteligncias amadurecidas.
14Os elementos que seguem foram reunidos por mim nesses trs grandes grupos a partir da leitura da DidticaMnima de Grisi (1985).
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suportes, com intuito de estimular o corpo e sentidos do aprendiz. J o elemento (c), devido a
seu carter eminentemente cognitivo, embora possa ser aplicvel tambm a qualquer situao
de ensino, um elemento que pode variar muito segundo a disciplina ministrada. Por
exemplo, no campo das chamadas Didticas Especiais, a didtica das cincias naturais diferir
da didtica das artes que, por sua vez, diferir da didtica religiosa e assim por diante.
1.1.3.1 A contribuio de Comenius explicitao do fazer didtico
No chamado perodo realista da histria das idias educacionais, segundo Monroe
(1988, p. 217-25), o grande sintetizador do esprito de sua poca foi Comenius (1592-1670),
autor daDidatica Magna, obra que lhe consumiu toda uma vida para ser elaborada e que trata
justamente de uma Didtica Geral nascente. As idias de Comenius (2002), do ponto de vista
pedaggico, so progressistas em vrios aspectos. Ele defende, por exemplo, a educao dos
menores de ambos os sexos, dentro de uma inclinao generalista e igualitria, na qual todos
tm direito a educao. Comenius estava firmemente convencido de que, para sermos
homens, precisamos passar obrigatoriamente por um processo de aprendizado. No entanto,
no so esses aspectos ideolgicos da obra de Comenius que me interessam. antes o seu
mtodo natural, como exposto sinteticamente por Marta Fattori na introduo da DidticaMagna (Comenius, 2002, p. 9):
A Didtica Magna [...] mostra a arte de ensinar tudo a todos, em geral,tomando a natureza como exemplo do seu mtodo e baseando-se em trsprincpios, para que tudo seja ensinado com solidez, seguranaeprazer: 1)analogia com o mtodo natural; 2) carter gradual e cclico do ensino (quedeve ser o das escolas, dos livros e das crianas); 3) vnculo entre palavras ecoisas: tudo deve partir do sensvel e do sabido, indo do conhecido aodesconhecido, do prximo ao distante, do concreto ao abstrato, da parte ao
todo, do geral ao particular.
O mtodo natural a que se faz aluso nesse excerto , segundo Monroe (1988, p. 219),
um mtodo inspirado nas cincias naturais da poca, nos moldes do mtodo de induo do
filsofo Francis Bacon (1561-1626), que buscava na natureza as causas formais ou
eficientes que davam origem aos fenmenos, de modo a empreg-las a favor do progresso do
homem.15 J o carter gradual e cclico do ensino, de certa forma inspirado tambm na
natureza, que se organiza por fases e ciclos, est intimamente ligado ao realismo sensorialista
15Cf. Eby (s/d, p. 135-8).
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da poca, que valorizava a evidncia e a simplicidade (de novo, as propriedades naturais),
em detrimento do artifcio e da complexidade.
1.1.3.2 A programao didtica: prtica observvel
A reflexo que Comenius formaliza em sua poca ainda orienta em grande parte o
imaginrio didtico ocidental, que acredita poder estabelecer diretamente, mesmo em se
tratando de uma operao puramente cognitiva, as etapas e operaes que conduzem a
determinados resultados. A tnica dessa didtica recai sobre a programao da ao, que
procura prever a sucesso de um ato dividindo-o em seqncias hierarquizadas e retomando a
ao s avessas, ao mesmo tempo em que estabelece relaes de causa e efeito entre suas
partes. Para Fontanille (2007, p. 194-5), essa programao, determinada por uma lgica
retrospectiva, a principal caracterstica do manual de instrues em geral (um kit de
montagem, uma receita culinria, etc.), tipo discursivo conhecido tambm como injuntivo.
Por mais programada e calculada que possa ser, a passagem ao ato didtico, por se
tratar de uma interao entre sujeitos que dispem cada um de um aparato modal e
interpretativo distintos, comporta riscos16e invoca a sensibilidade do programador/operador,
que convidado a todo momento a adaptar-se, segundo as respostas do destinatrio daprogramao. A reflexo que preconizo com este estudo procura centrar-se na anlise da
prtica objetivvel e observvel que a prtica didtica programada e enunciada, prtica da
qual formularei a extenso e a pertinncia no captulo II.
1.2 A semitica didtica
1.2.1 Dos bastidores: a diversidade de objetos de estudo da semitica
Ao longo de sua elaborao e consolidao como teoria da significao um perodo
de 40 anos, que vai de 1958, quando A. J. Greimas, ento professor de lingstica francesa em
Alexandria, rasga as 200 pginas de sua Semntica aps o contato com o pensamento de
16Ainda pouco explorado em semitica, o problema do risco, que determina, para Landowski (2005), o regimede interao do ajustamento um caminho promissor para a investigao da interao didtica em ato, da qualessa pesquisa no tratar, j que se limita a analisar o saber programado e acabado e no sua execuo em ato.
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Hjelmslev,17at os dias de hoje a Semitica greimasiana tomou sistematicamente diversos
tipos de linguagens, discursos e textos como objeto de estudo.
Em Semntica Estrutural(1966),18a exemplificao explorava o sentido daquilo que
nos rodeava (anedotas, ditados, discursos filosfico e poltico) e detinha-se no fenmeno
folclrico e literrio (o universo do conto maravilho segundo V. Propp e o imaginrio da obra
de G. Bernanos). Em Sobre o sentido (1970), as anlises retomavam objetos de estudo j
conhecidos: o senso comum (ditados, provrbios, palavras cruzadas), a mitologia e a
etnoliteratura. Quando estudada em relao a seus objetos de predileo, a obra de Greimas
oscila quase toda entre os discursos etnoliterrio (folclore e mitologia) e literrio, como
atestam obras como Essais de smiotique potique (1972), Maupassant (1976), Du sens II
(1983),Des dieux et des hommes(1985) e, finalmente,De limperfection(1987).
Fazendo exceo a essas preferncias, e partilhando espao com o incansvel Greimas
lexicgrafo,19 h o Greimas que se ocupa dos discursos sociais (o Direito, a Comunicao
Social, a Cincia), que pode ser encontrado em Smiotique et sciences sociales (1976) e
Introduction lanalyse du discours en sciences sociales(1979), obra coletiva, organizada em
parceria com E. Landowski. Curiosamente, essas duas obras so elaboradas e publicadas
poucos anos depois de Greimas ter dado, em 1974, sua segunda entrevista (a primeira fora no
Brasil, ao Estado de S. Paulo, para Mrio Chamie)20
a um jornal de grande circulao, o LeMonde, ocasio em que observou: Acho que hoje h uma espcie de imperialismo da
semitica literria [...] Ao passo que no campo da literatura oral, dos contos populares, dos
provrbios, das canes, h bem menos trabalhos.21Tal afirmao, proferida na fase dourada
do estruturalismo francs, em que R. Barthes e J. Kristeva, entre outros, procuravam levar o
estudo do fenmeno literrio at as ltimas conseqncias, era muito significativa: Greimas,
17 a histria que narra Hnault (1997, p. 102), baseada em entrevista indita de Greimas. Como o semioticistarelembra em seu comentrio sobre esse perodo, ele recebeu um verdadeiro coup de bambou intelectual ao leros Prolegmenos. Embora o contato de Greimas com as idias de Hjelmslev tenha sido fundamental, pode-sedizer que a data que marca formalmente o despertar semitico de Greimas 1956, ano em que publica o artigoLactualit du saussurisme, republicado em Greimas (2000, p. 371-82), no qual sada os 40 anos dapublicao do Curso de Lingstica Geral.
18As datas entre parnteses referem-se ao ano de publicao original e no ao ano de publicao das traduesbrasileiras.
19Cf. Greimas (1968), Greimas e Courts (1979 e 1986) e Greimas e Keane (1992).
20Um dilogo sobre o fundamento das significaes, O Estado de S. Paulo, 12 de agosto de 1973.
21ApudCoquet (1982, p. 134).
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ento com 57 anos de idade e alguns ttulos clssicos j publicados, convidava a comunidade
semitica a descortinar novos horizontes de anlise.
Certamente, a diversidade de objetos de estudo que a semitica greimasiana abordou
no pode ser medida apenas pelas obras de seu precursor. Embora grande parte dos
pesquisadores que se filiaram ao projeto semitico greimasiano o clube dos iguais, como
Greimas gostava de se referir a seus colaboradores22 estudassem o discurso literrio
(Courts, Geninasca, Zilberberg, Fontanille, Bertrand, entre outros), havia tambm vrias
excees, como testemunha a obra de I. Darrault (semitica e psicanlise), J.-M. Floch e F.
Thrlemann (semitica visual), M. Hammad (semitica do espao), J. Petitot (semitica e
matemtica), P. Stockinger (semitica e inteligncia artificial) e E. Tarasti (semitica
musical), para citar alguns dos semioticistas que, a partir da dcada de 1970, desbravaram
campos de estudo bastante originais em semitica.
No temrio das revistas greimasianas, a semitica didtica
O Grupo de Pesquisas Smio-lingsticas dirigido por A. J. Greimas na Escola de
Altos Estudos em Cincias Sociais, em seus primrdios animava duas revistas cientficas:
uma fundada em 1978, a Actes Smiotiques Bulletin, e a outra, em 1979, a ActesSmiotiques Documents(ver ndice geral de ttulos publicados no Anexo VI). Duas revistas
e duas concepes diferentes, misto de revista cientfica, atas de associao e atos dos
apstolos.
AAS-Bulletin, que circulou at 1987, era uma publicao temtica que reunia diversas
contribuies, geralmente introduzidas por um prefcio de Greimas ou de E. Landowski,
redator da revista. s contribuies seguiam-se resenhas, notcias de lanamentos de obras,
necrolgios, resumos e datas de defesas de teses, chamadas para congressos e, durante algunsnmeros iniciais, uma seo de anotaes semiticas esparsas, em estilo filosfico ou
literrio, intitulada Marginales. Em suma, a Bulletin trazia as pesquisas e as notcias do
Seminrio de Greimas, que a alimentava tematicamente.
J a AS-Documents geralmente publicava, a cada nmero, um ensaio de autoria
individual ou coletiva e tinha a funo de fazer circular, na forma de documentos de trabalho,
as contribuies mais slidas teoria. Prova disso que grande parte dos ensaios ali
22Cf. Landowski (1993).
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publicados foi retomada por seus autores e republicada em formato de livro nas dcadas
seguintes.
Uma leitura de conjunto dos temas de cadaBulletinoferece um panorama confivel da
insero e evoluo dos problemas tericos e dos objetos de estudo que o grupo greimasiano
abordou durante o perodo de 1978 a 1987, que , sem dvida alguma, o perodo mais
produtivo da histria da semitica, no qual as aquisies da dcada precedente foram
aprimoradas (o conceito de isotopia, a narratividade dos discursos no-figurativos, o aparato
modal) e os temas que ainda hoje recebem ateno dos semioticistas foram concebidos (como
a semitica das paixes e a semitica plstica, por exemplo).
Dos 44 nmeros publicados pela revistaAS-Bulletin, tive acesso a todos os volumes a
partir do nmero 7, isto , a 37 nmeros. Desses nmeros, 4 foram dedicados a
recenseamentos bibliogrficos ou relatrios, 11 foram consagrados a questes exclusivamente
tericas e 22 nmeros abordaram semioticamente problemas concretos, sendo nomeados
segundo o corpus analisado. De certa forma, essa predominncia relevante (59,5%) de
nmeros dedicados a anlises concretas revela, ao contrrio do que muitos sugerem, a opo
do crculo greimasiano por uma semitica aplicada.
Entre os 22 nmeros evocados, um dos trs temas a que foram consagrados dois
nmeros inteiros23
foi justamente a Semitica Didtica (n. 7 e n. 42), sobre a qual discorrereinas pginas seguintes, comentando o perodo em que se desenvolveu e as proposies tericas
de que foi objeto, enfim, historiando sua jurisprudncia.
1.2.2 Jurisprudncia da semitica didtica
1.2.2.1 Os pioneiros: do espao didtico maiutica semitica
Aquele que me interroga sabe tambm ler-me.
J. Lacan, em Televiso
Curiosamente, aquele que pode ser considerado um dos primeiros objetos didticos de
estudo para a Semitica greimasiana no um texto pertencente linguagem verbal, e, sim,
um texto tridimensional, palpvel, que perpassa toda a experincia sensorial humana: o
espao.
23s Paixes, dedicaram-se os nmeros 9 e 39, e Inteligncia Artificial, os nmeros 36 e 40.
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Publicada pela primeira vez em 1977, na revista Communication, sob o ttulo
Lespace du sminaire,24 a anlise de Manar Hammad (2006, p. 150) sobre a sala que
abrigava o seminrio de A. J. Greimas na Escola de Altos Estudos em Cincias Sociais tinha
como objetivo descrever basicamente: (1) a concepo e o acesso ao espao do seminrio; (2)
o papel dos membros do seminrio na utilizao do espao, compreendendo tanto seu uso do
mobilirio quanto seu deslocamento; e (3) as posies de visibilidade e de direo do olhar
que o espao do seminrio proporcionava a seus membros.
O autor parte do princpio de que est diante de um objeto semitico criado por um
fazer institucional, a saber, o da Escola de Altos Estudos em Cincias Sociais, a quem
pertence a sala do seminrio, que comps o cenrio espacial (mesas, cadeiras, lousa, portas de
acesso) em que a ao dos membros do seminrio dever realizar-se. Sua anlise mostra como
a cada elemento do plano da expresso espacial equivale uma posio actancial plena de
sentido. Na utilizao da mesa que ocupa a estreita sala, por exemplo, as extremidades so
valorizadas, a preferncia recaindo, da parte dos professores, na ponta da mesa mais prxima
da lousa. Em um outro exemplo, a estreiteza da sala, que no permitia que os membros do
seminrio se movimentassem com folga quando sentados mesa, fez com que Greimas
abolisse os intervalos entre as duas partes que compunham o seminrio.
O que preciso reter dessa anlise, para alm da descrio do espao em si, o papeldo destinador social nesse caso, a instituio universitria somada aos protocolos didticos
implcitos que dirige a cena do seminrio, reduzindo seus membros a posies
estereotipadas (o professor, o habitu, o visitante, etc.) determinadas quer pelo fazer somtico
controlado pelo espao, quer pela hierarquia cognitiva que a utilizao do espao permite
explicitar (os freqentadores assduos sentam-se mesa prximos a Greimas, enquanto os
novatos mantm-se em uma posio perifrica).
Em 1979, publicado o primeiro nmero da AS-Bulletin dedicado SemiticaDidtica e organizado pelo prprio M. Hammad. Esse nmero da revista conta com as
contribuies de A. J. Greimas (Pour une smiotique didactique), P. Fabbri (Champs de
manoeuvres didactiques), M. J. Gremmo et alii (Stratgies discursives didactiques), J.
Mouchon (Gestualit et discours), I. Darrault (Pour une description smiotique de la
thrapie psycho-motrice), A. Renier (Lcole et larchitecture) e M. Hammad (Espaces
didactiques : analyse et conception). Comentarei detidamente apenas os textos de Greimas e
Fabbri, que fundamentam teoricamente o conjunto de textos do boletim.
24Anos antes, em 1974, R. Barthes, em um nmero especial da revista LArc a ele consagrado, publicara umartigo sobre o seu seminrio chamado Au sminaire.
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O sinttico texto de Greimas, como amide ocorre com os textos do semioticista, faz
as vezes de manifesto terico, postulando os limites da abordagem semitica e a forma de
proceder a anlise do discurso didtico:
A didtica s pode beneficiar-se da abordagem semitica na medida em queela exclui de seu campo de investigao tanto os a priori ideolgicos queregem a implementao de suas prticas (transmisso conservadora daherana cultural ou sua renovao) quanto os contedos particulares quemanipula em suas diversas aplicaes (natureza e escolha do que deve serensinado). A anlise do discurso didtico como a dos discursos polticos epublicitrios, por exemplo tem como objetivo, em primeiro lugar, oreconhecimento das formas que a organizam. A explorao dos contedos,muitas vezes implcitos, que orientam essas formas diz respeito semiticadas culturas e das ideologias (p.4).
Essas consideraes do uma base eminentemente formal abordagem semitica da
didtica, que se limitaria a reconhecer as formas que organizam o discurso didtico enquanto
modelos didticos de construo, deixando os problemas de contedo e de investimento
ideolgico a cargo de outras semiticas conotativas. Foi justamente essa concepo do papel
da semitica em didtica que adotei anteriormente quando tratei das dificuldades de conceber
uma Pedagogia semitica que tomasse partido do que ou no apropriado ao ensino.
Avanando em sua exposio, Greimas descreve a enunciao didtica comoirradiadora de um /dever-ser/ que engendra um /dever-fazer/, segundo uma perspectiva que
postula uma gramtica normativacontrolada por um sistema modal de injunes, divididas,
basicamente, em proibiese prescries. nessa gramtica que intervm o que ele chama
de discurso de autoridade, regido por uma instncia de poder (o Destinador Social citado no
incio deste captulo).
O sujeito educador controla a competncia semntica do sujeito aprendiz pela
programao e objetivao, em uma sintagmtica, de uma tcnica especfica, e, ao mesmotempo, aumenta sua competncia modalem relao ao /saber-fazer/, e s outras modalidades
primitivas (no sentido de originrias): o /poder-fazer/, o /querer-fazer/ e o /dever-fazer/.
Percebe-se que, como se passa em quase toda obra de Greimas, a narrativizao e,
conseqentemente, o ponto de vista modal que conferem o grau de formalizao necessrio
descrio da semitica-objeto.
Se Greimas considera a programao como inerente ao discurso didtico
(programao que deve ser memorizada e repetida de forma eficiente pelo sujeito aprendiz), persuaso que ele atribuir um papel definitivo na transmisso do saber, j que esta
responsvel por instituir motivaes modais complexas que formam no somente o prazer
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de aprender, mas tambm o gosto pelo ofcio aprendido e, de uma forma mais geral, o gosto
pela vida e pela ao (p. 7).
guisa de concluso, o semioticista sintetiza sua viso da semitica didtica com uma
considerao reveladora: A semitica didtica, caso chegue realmente a concretizar-se, ser
essencialmente uma maiutica (idem, p. 8).
Por mais que Greimas procure limitar-se ao aspecto formal do enunciado didtico, ele
sempre deixa entrever em sua reflexo as linhas gerais de um projeto pedaggico humanista
de extrema liberdade, no qual um sujeito lcido, responsvel por sua existncia e pela do
outro, busca tornar-se destinador de si mesmo, atuando como destinador de outrem apenas em
um quadro formal superficial.
A idia de que a semitica didtica deva ser uma maiutica est baseada nesse
princpio de equivalncia e reciprocidade. Scrates, o parteiro de homens, como ele mesmo se
intitula no Teetetode Plato (2001, p. 45-49), exerce sua arte obstetrcia (maieutik) sem
ocupar uma posio superior em relao ao aprendiz:
[...] sou igualzinho s parteiras: estril em matria de sabedoria, tendo fundode verdade a censura que muitos me assacam, de s interrogar os outros,sem apresentar minha opinio pessoal sobre nenhum assunto, por carecer,
justamente, de sabedoria [...] O que fora de dvida que nuncaaprenderam nada comigo; neles mesmos que descobrem as coisas belasque pem no mundo... (p. 47).
A maiutica socrtica faz do destinador do saber uma pura posio, vazia e
intercambivel, pois circunstancial. Scrates, mesmo quando se diz inspirado pela divindade,
procura no se comprometer com os valores sociais estabelecidos, recusa-se a produzir um
discurso monolgico. Portanto, ao situar a pertinncia da semitica didtica no campo da
maiutica, Greimas ainda que formalmente reconhea a existncia e a necessidade da
programao e da persuaso na prtica didtica consegue desaxiologiz-la ao mximo,
preservando apenas sua estrutura essencial.
A batalha didtica
O estudo de Paolo Fabbri contido no mesmo volume do boletim em questo vai
ampliar a reflexo de Greimas na direo de uma problematizao das relaes dos atores da
interao didtica. Fabbri atribuiu ao sujeito educador no s o exerccio de um fazer-
persuasivo, mas tambm o de um fazer-interpretativo, j que, para persuadir a contento,
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preciso que ele saiba interpretar as reaes/respostas que seu aprendiz lhe fornece na situao
didtica. Modalizado pelo /fazer-saber/, e, sobretudo, pelo /fazer-crer/, o fazer-persuasivo do
didata s se atualiza em ato, oscilando conforme oscila a competncia receptiva do
aprendiz, de modo a reforar a linha tnue que une o /querer-ensinar/ do didata ao /dever-
aprender/ do aprendiz:
O discurso didtico vai mobilizar um verdadeiro arsenal de atos ilocutriose de manobras semiticas (provocaes, sedues, etc.) tendo comoobjetivo (re)construir essa competncia incessantemente ameaada. Emsuma, o contrato de transmisso, supostamente frgil, deve serconstantemente reativado por meio de procedimentos de captao (despertara ateno, provocar a curiosidade do auditrio, etc.) (p. 10).
Para Fabbri, por sucessivos processos de anaforizao semntica, o discurso didtico
reorganiza o material que pretende didatizar e recria novas relaes de pertinncia entre os
contedos, servindo-se, sumariamente, de: (1) redues-condensaes e expanses-
redundncias, que fazem variar figurativa e narrativamente o contedo ensinado; (2)
passagem do discurso do incerto provvel (discurso cientfico) ao discurso apodctico (do
certo e do excludo); (3) transformao de termos mono-isotpicos a pluri-isotpicos. Sua
concluso sobre a banalizao empreendida pelo discurso didtico to precisa quanto
severa: o discurso didtico adquire em certeza o que perde em pertinncia (idem).
Enquanto Greimas procura caracterizar o fazer didtico na regularidade dos modelos
didticos de construo, nota-se que Fabbri busca problematiz-lo e fragment-lo. L onde se
veria comumente a confiana (do aluno em seu professor), o autor encontra a desconfiana
(do professor no saber do aluno, do aluno nas intenes do professor). L onde se suporia um
contrato tcito, ele v a paz forada (p. 13). Essa viso de campo de manobras da
interao didtica enriquece em muito no s a compreenso da prtica didtica em ato, mas a
prtica didtica textualizada como pretendo analisar neste estudo.
1.2.2.2 Dilogo e dissuaso: dois recursos retricos
No comeo dos anos 1980, o semioticista canadense Joseph Melanon (1983) publica
a nica obra de autoria individual dedicada integralmente semitica didtica, a monografia
The semiotics of didactic discourse, na qual estuda o ensino de literatura no Qubec, tanto em
seu aspecto institucional quanto discursivo e textual.
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Em um captulo particularmente original de sua obra, chamado The status of dialogue
in didactics, Melanon (1983, p. 39-44) defende a idia de que a noo de dilogo em
didtica no passaria de uma estratgia didtica de cunho retrico-persuasivo, j que o
professor que dialoga com seus alunos no pode levar essa operao de dilogo at s
ltimas conseqncias, na medida em que ela pode colocar em xeque o prprio saber
transmitido ou, ainda, o destinador institucional meta-didtico. O ponto central da
argumentao de Melanon a relao assimtrica entre professor e aluno, que faz com que o
aluno, justamente para continuar a ser aluno, deva afirmar essa diferena. Assim, o nico
dilogo possvel em didtica, dar-se-ia como um discurso superficial de convencimento, no
qual o professor dialoga consigo mesmo, exibe seus conhecimentos, dialoga, no mximo, com
o destinador institucional ou com o saber que transmite, relegando o aluno ao papel de mero
observador.
No ensaio Pouvoir didactique/Pouvoir analytique chez Freud, dans Lintroduction
lIntroduction la Psychanalyse, editado em 1983 nos anais do Colloque dAlbi, Jacques
Fontanille detecta no texto de Freud um dispositivo que neutraliza, ao menos no nvel do
discurso, a assimetria apontada por Melanon na relao entre professor e aluno. Ao dirigir-se
a sua audincia para ensinar-lhe os fundamentos da psicanlise, Freud tenta dissuadir seus
estudantes de tornarem-se psicanalistas, argumentando que a psicanlise uma prticaarriscada, j que no existe um critrio objetivo para provar sua veracidade como cincia.
Paralelamente, ao longo de toda a introduo de sua conferncia, desenvolve uma explicao
sedutora e complexa das conquistas e aplicaes da psicanlise.
Nesse jogo de esconde-esconde aliciante, Fontanille (1983a, p. 82) v uma tcnica
para obter uma adeso consistente da parte do destinatrio da mensagem:
Talvez, ento, seja preciso levar a srio a dissuaso persistente que permeiasua exposio? Todavia, ao mesmo tempo em que ele convida os estudantesa liberarem-se do /poder/ do destinador e de sua doxa, ele os mantm sob ainfluncia do enunciador, cuja prpria dissuaso um modelo a fixar e areproduzir, modelo este que no pode sequer ser discutido no mbito darelao didtica.
Desse modo, o enunciador didtico, mais uma vez, no consegue escapar
determinao de seu fazer. Por mais que ele controle a intensidade e a manifestao do
/poder/ didtico, convidando seu enunciatrio a romper o consenso,25ele no consegue dele se
25Fontanille (1983b) tem um artigo, contemporneo a sua reflexo sobre Freud, chamado Stratgies doxiques,que estuda a estratgia consensual nos discursos cognitivos.
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livrar. No fundo, a assimetria entre os dois plos da relao didtica continua a mesma, s o
aparato retrico que a sustenta que se modifica.
1.2.2.3 Aumento da competncia, aumento da responsabilidade
Em 1984, Fontanille organiza o nmero 61 da revistaLangue Franaise, que tem por
tema Smiotique et enseignement du franais e conta com as contribuies (basicamente
aplicaes da semitica no ensino de lngua e literatura, sem uma reflexo terica realmente
original) de D. Bertrand, I. Darrault, G. Maurand, F. Rastier e F. Ravaux. Ao final desse
volume, possvel encontrar uma entrevista com A. J. Greimas sobre o ensino, realizada pelo
prprio Fontanille, em que ele, seis anos aps suas primeiras formulaes sobre o tema,
reitera o desafio da didtica para a semitica: Diante desses dois aspectos, a tarefa da
semitica dupla: otimizar o sujeito persuasivo e otimizar o sujeito interpretativo (p. 126).
nessa entrevista tambm que Greimas cunhar um conceito-chave para a compreenso do
fazer didtico, a competencializao:
Eu creio que o que caracteriza o discurso didtico a competencializao.Emprego esse barbarismo com um pouco de reserva, mas ele descreveperfeitamente essa operao de aumento desejado e programado dacompetncia que me parece especificamente didtica. , eu creio, o quepermite distinguir a didtica no mbito dos outros discursos persuasivos.Por exemplo, se o discurso poltico no somente uma persuaso, se ele tambm uma competencializao, isto , se o cidado v sua competnciaaumentada, ento, h didtica. Da mesma forma, se a defesa do consumidor algo mais do que uma dissuaso, se ela arma o consumidor para que ele sedefenda completamente sozinho no futuro, ento h didtica (p. 124).
Tal conceito acha eco nas primeiras formulaes de Greimas sobre a didtica expostas
aqui, mais especificamente sobre a natureza da programao e sua importncia em didtica. Acompetncia a que o autor se refere a competncia em transformar e ordenar os processos, a
capacidade de dominar uma tcnica especfica (competncia semntica). V-se que no se
trata, em hiptese alguma, da competncia modal calcada na simples persuaso.
O semioticista toca, um pouco mais adiante, em um ponto nevrlgico da prtica
didtica, que ele chama de responsabilizao: o aprendiz torna-se responsvel por si mesmo
depois do aprendizado (mais uma vez a lgica da maiutica vem tona). Nesse sentido, a
responsabilidade pelo ato de aprender surge como sendo to importante quanto a do ato deensinar. Se, por um lado, o sujeito didata responsabiliza-se pelo que ensina, o sujeito aprendiz
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no pode alegar desconhecimento de causa sobre esse ensino, isso partindo-se do princpio,
obviamente, de que o aprendizado foi bem-sucedido.
1.2.2.4 O fim um bom lugar para comear
Em 1987, o segundo nmero da AS-Bulletin (n. 47) dedicado semitica didtica
lanado, com organizao e introduo de Jean-Jacques Vincensini, que em seu texto
introdutrio afirma que a semitica didtica tem por objeto um duplo campo de
significaes: de um lado, as estratgias didticas, que ela ajuda a constituir, de outro, o
discurso didtico e seu funcionamento especfico, que ela quer modelizar. Percebe-se
claramente nessa declarao de princpios os traos da reflexo iniciada por Greimas (a
modelizao) e por Fabbri (a estratgia de interao) quase dez anos antes.
Nessa edio do boletim greimasiano, so publicadas contribuies de G. Bensimon-
Choukroun (Pratiques didactiques de lnonciation dans ltude des structures dialogiques),
J. Fontanille (Pour changer, commencer par la fin), G. Maurand e M. Naude (La
smiotique et le commentaire de texte) e J.-J. Vincensini (Prestations ducatives et
communication participative).
No conjunto dos textos, pelo seu rigor formal, o artigo de Fontanille que mais sedestaca enquanto proposio terica. O problema que ele sumariamente analisa o das
mudanas que ocorreram no sistema educacional francs, a partir dos anos 80, cuja principal
renovao didtica consistia em atribuir uma importncia cada vez maior avaliaoe suas
formas, tcnicas e funes. Classificando essa deciso do governo como uma opo pela
racionalizaodas prticas pedaggicas, o autor procura demonstrar que tal operao de
cunho semitico, j que se assenta, no nvel mais profundo, na idia de um percurso narrativo
cannico.Tal percurso cannico poderia ser descrito, em sua superfcie, por dois blocos
sucessivos:
OBJETIVO PEDAGGICOAVALIAO PEDAGGICA
Em que o objetivo pedaggico explicitado em um enunciado tpico que descreve
uma competncia para um fazer preciso e circunstanciado (p. 6):
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Ser capaz de + verbo + objeto + circunstante
(indicauma
operao)
(indica umcontedo
programtico)
(indica ascondies de
realizao daoperao)
Ao centrar as atenes no processo de avaliao que Fontanille subdivide
semioticamente em preditivo (diagnstico), formativo (sondagem de acompanhamento) ou
somativo (sano da integralidade do percurso) , o governo francs acredita ser possvel
reformar o ensino por meio daquele que geralmente o ltimo percurso da prtica didtica.
Pensa-se a competncia a ser construda a partir da performance realizada ou programada,
provando que, para mudar, nada melhor do que comear pelo fim.Da exposio de Fontanille, o que interessa abordagem proposta neste estudo a
forma como o autor materializa os objetivos pedaggicos (que integram a prtica didtica) em
um enunciado que tem a forma de um percurso cannico lato sensu(uma sintagm