jayme caetano braun - poesias

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AmargoJayme Caetano Braun

Velha infuso gauchescaDe topete levantadoO porongo requeimadoQue te serve de vazilhaTem o feitio da coxilhaPor onde o guasca domina,E esse gosto de resinaQue no amargo nem doce o beijo que desgarrou-seDos lbios de alguma china!

A velha bomba prateadaQue atrs do cerro despontaComo uma lana de pontaEncravada no repechoAssim jogada ao desleixoAt parece que esperaO retorno de algum cueraEsparramado do bandoQue decerto anda peleandoNalgum rinco de tapera!

Velho mate-chimarroAs vezes quando te chupoEu sinto que me engarupoBem sobre a anca da histria,E repassando a memriaVejo tropilhas de um ploSelvagens em atropeloEntreverados na orgiaDos passes de bruxariaQuando o feiticeiro incultoRezava o primeiro cultoDa pampeana liturgia!

Nessa lagoa paradaCheia de paus e de espumaVo cruzando uma, por uma,Antepassadas visesFandangos e marcaesEntreveros e bochinchosClarinadas e relinchosPor descampados e grotas,E quando tu te alvorotasNo teu ronco anunciadorEscuto ao longe o rumorDe uma cordeona floreandoE o vento norte assobiandoNos flecos do tirador!

Sangue verde do meu pagoQuando o teu gosto me invadeEu sinto necessidadeDe ver cu e campo aberto algum mistrio por certoQue arrebentando maneiasTe faz corcovear nas veiasComo se o sangue encarnadoVerde tivesse voltadoDo curador das peleias!

Gaudria essncia charruaDo Rio Grande primitivoChupo mais um, pra o estrivoE campo a fora me largo,Levando o teu gosto amargoGravado em todo o meu ser,E um dia quando morrer,Deus me conceda esta graaDe expirar entre a fumaaDo meu chimarro queridoPorque ento irei ungidoCom gua benta da raa!!!

Arroz de CarreteiroJayme Caetano Braun

Nobre cardpio crioulo das primitivas jornadas,Nascido nas carreteadas do Rio Grande abarbarado,Por certo nisso inspirado, o xiru velho campeiroTe batizou de "Carreteiro", meu velho arroz com guisado.

No tem mistrio o feitio dessa iguaria bagual, xarque - arroz - graxa - sal gua pura em quantidade.Meta fogo de verdade na panela cascurrenta.Alho - cebola ou pimenta, isso conforme a vontade.

No tem luxo - tudo simples, pra fazer um carreiteiro.Se fica algum "marinheiro" de vereda vem tona.Bote - se houver - manjerona, que d um gostito melhorTapiando o amargo do suor que -s vezes, vem da carona.

Pois em cima desse traste de uso to abarbarado, onde se corta o guisado ligeirito - com destreza.Prato rude - com certeza,mas quando ferve em voz roucaDeixa com gua na boca a mais dengosa princesa.

Ah! Que saudades eu tenhodos tempos em que tropeavaQuando de volta me apeavanum fogo rumbeando o cheiroE por ali - tarimbeiro, cansado de bater casco,Me esquecia do churrasco saboreando um carreteiro.

Em quanto pouso cheguei de pingo pelo cabresto,Na falta de outro pretexto indagando algum atalho,Mas sempre ao ver o borralho onde a panela ferviaEu c comigo dizia: chegou de passar trabalho.

Por isso - meu prato xucro, eu me paro acabrunhadoAo te ver falsificado na cozinha do povoeiroDesvirtuado por dinheiro tradio gauchesca,Guisado de carne fresca, no arroz de carreteiro.

Hoje te matam Mingua, em palcio e restauranteMas no h quem te suplante,nem que o mundo se derreta,Se s feito em panela preta, servido em prato de lataBombeando a lua de prata sob a quincha da carreta!

Por isso, quando eu chegar,nalgum fogo do alm-vida,Se l no houver comida j pedi a Deus por consolo,Que junto ao fogo crioulo,

Quando for escurecendo, meu mate -amargo sorvendo,A cavalo nalgum tronco, escute, ao menos, o roncoDe um "Carreteiro" fervendo.

BochinchoJayme Caetano Braun

A um bochincho - certa feita,Fui chegando - de curioso,Que o vicio - que nem sarnoso,nunca pra - nem se ajeita.Baile de gente direitaVi, de pronto, que no era,Na noite de primaveraGaguejava a voz dum tangoE eu sou louco por fandangoQue nem pinto por quireral.

Atei meu zaino - longito,Num galho de guamirim,Desde guri fui assim,No brinco nem facilito.Em bruxas no acredito'Pero - que las, las hay',Sou da costa do Uruguai,Meu velho pago queridoE por andar desprevenidoH tanto guri sem pai.

No rancho de santa-f,De pau-a-pique barreado,Num tranco de convidadoMe entreverei no banz.Chinaredo bola-p,No ambiente fumacento,Um candieiro, bem no centro,Num lusco-fusco de aurora,Pra quem chegava de foraPouco enxergava ali dentro!

Dei de mo numa tiangaaQue me cruzou no costadoE j sai entreveradoEntre a poeira e a fumaa,Oigal china lindaa,Morena de toda a crina,Dessas da venta brasina,Com cheiro de lechiguanaQue quando ergue uma pestanaAt a noite se ilumina.

Misto de diaba e de santa,Com ares de quem donaE um gosto de temporonaQue traz gua na garganta.Eu me grudei na percantaO mesmo que um carrapatoE o gaiteiro era um mulatoQue at dormindo tocavaE a gaita choramingavaComo namoro de gato!

A gaita velha gemia,s vezes quase parava,De repente se acordavaE num vanero se perdiaE eu - contra a pele maciaDaquele corpo moreno,Sentia o mundo pequeno,Bombeando cheio de enlevoDois olhos - flores de trevoCom respingos de sereno!

Mas o que bom se termina- Cumpriu-se o velho ditado,Eu que danava, embalado,Nos braos doces da chinaEscutei - de relancina,Uma espcie de relincho,Era o dono do bochincho,Meio oitavado num canto,Que me olhava - com espanto,Mais srio do que um capincho!

E foi ele que se veio,Pois era dele a pinguancha,Bufando e abrindo canchaComo dono de rodeio.Quis me partir pelo meioNum talonao de adagaQue - se me pega - me estraga,Chegou levantar um cisco,Mas no a toa - chomisco!Que sou de So Luiz Gonzaga!

Meio na volta do braoConsegui tirar o talhoE quase que me atrapalhoPorque havia pouco espao,Mas senti o calor do aoE o calor do ao arde,Me levantei - sem alarde,Por causa do desaforoE soltei meu marca touroNum medonho buenas-tarde!

Tenho visto coisa feia,Tenho visto judiaria,Mas ainda hoje me arrepiaLembrar aquela peleia,Talvez quem oua - no creia,Mas vi brotar no pescoo,Do ndio do berro grossoComo uma cinta vermelhaE desde o beio at a orelhaFicou relampeando o osso!

O ndio era um ndio touro,Mas at touro se ajoelha,Cortado do beio a orelhaAmontoou-se como um couroE aquilo foi um estouro,Daqueles que dava medo,Espantou-se o chinaredoE amigos - foi uma zoada,Parecia at uma eguadaDisparando num varzedo!

No h quem pinte o retratoDum bochincho - quando estoura,Tinidos de adaga - esporaE gritos de desacato.Berros de quarenta e quatroDe cada canto da salaE a velha gaita bagualaNum vanero pacholento,Fazendo acompanhamentoDo turumbamba de bala!

china que se escabela,Redemoinhando na portaE chiru da guampa tortaQue vem direito janela,Gritando - de toda guela,Num berreiro alucinante,ndio que no se garante,Vendo sangue - se apavoraE se manda - campo fora,Levando tudo por diante!

Sou crente na divindade,Morro quando Deus quiser,Mas amigos - se eu disser,At periga a verdade,Naquela barbaridade,De chnaredo fugindo,De grito e bala zunindo,O gaiteiro - alheio a tudo,Tocava um xote clinudo,J quase meio dormindo!

E a coisa ia indo assim,Balanceei a situao,- J quase sem munio,Todos atirando em mim.Qual ia ser o meu fim,Me dei conta - de repente,No vou ficar pra semente,Mas gosto de andar no mundo,Me esperavam na do fundo,Sa na Porta da frente...

E dali ganhei o mato,Abaixo de tiroteioE inda escutava o floreioDa cordeona do mulatoE, pra encurtar o relato,Me bandeei pra o outro lado,Cruzei o Uruguai, a nado,Que o meu zaino era um capinchoE a histria desse bochinchoFaz parte do meu passado!

E a china - essa pergunta me feitaA cada vez que declamo uma coisa que reclamoPorque no acho direitaConsidero uma desfeitaQue compreender no consigo,Eu, no medonho perigoDuma situao brasinaTodos perguntam da chinaE ningum se importa comigo!

E a china - eu nunca mais viNo meu gauderiar andejo,Somente em sonhos a vejoEm brbaro frenesi.Talvez ande - por a,No rodeio das aladas,Ou - talvez - nas madrugadas,Seja uma estrela chiruaDessas - que se banha nuaNo espelho das aguadas!

Cemitrio de CampanhaJayme Caetano Braun

Cemitrio de campanha,Rebanho negro de cruzesOnde noite estranhas luzesFogoneiam tristementeAt o prprio gado senteNo teu mistrio profundoQue s um pedao de mundoNoutro mundo diferente

Pouso certo dos humanosFim de calvrio terreno,Onde o grande e o pequenoSe irmanam num mundo s.E onde os suspiros de dDe nada significamPorque em ti os viventes ficamDiludos no mesmo p.

At o ar que tu respirasMorno, tristonho e pesado,Tem um cheiro de passadoQue foi e no volta mais.A tua voz, so os aisDo vento choramingandoEternamente rezandoGauchescos funerais.

Coroas, tocos de velasDe pavios enegrecidosQue em Teros mal concorridosForam-se queimando a meioCruzes de aspecto feioDe algum que viveu penandoE depois de andar rolandoRetorna ao cho de onde veio.

Mas que importa a diferenaEntre uma cruz falquejadaE a tumba marmorizadaDe quem viveu na opulncia?Que importa a cruz da indignciaA quem j no vive mais,Se somos todos iguaisDepois da existncia?

Que importa a coroa finaE a vela de esparmacete?Se entre os varais do teu breteNada mais tem importncia?Um patro, um peo de estnciaUm doutor, uma donzela?Tudo, tudo se nivelaPela insignificncia.

Por isso quando me apeioNum cemitrio campeiroEu sempre rezo primeiroJunto a cruz sem inscrio,Pois na cruz feita a facoQue terra a dentro se someVejo os gachos sem nomeQue domaram este Cho.

E compreendo, cemitrio,Que s a ltima paradaNa indevassvel estradaQue ao alm mundo conduzE aqueces na mesma luzAqueles que no tiveramE aqueles que no quiseramNo seu jazigo uma Cruz.

E visito, de um por um,No silncio, triste e calmo,Desde a cruz de meio palmoAo mais rico mausolu,Depois, botando o chapuMe afasto, pensando a esmo:Ser que algum far o mesmoQuando eu for tropear no Cu??

Chimarro do EstrivoJayme Caetano Braun

Mate do estrivo bendito,Amargo que a gente chupa,J de poncho na garupaPara a tropeada do mundo,Algum mistrio profundoTe revirou do avesso,Porque s doce no comeoE to amargo no fundo!

Quantas vezes te chupeiJunto ao cavalo encilhado,Tendo a china no costadoTristonha na despedida,Sem pensar - velha bebida! -Que ao te golpear sem rebuos,Ia bebendo os soluosDaquela prenda querida!

Velho mate carinhoso,Encilhado de erva mansa,Quando uma China te alcana,Olhando quieta pra gente,Deve pensar, certamente,Que depois de um beijo longo,O adeus como o porongoQue fica frio de repente!

Mil vezes te amanunciei,No pingo meio oitavado,Entre um pedido, um recado,De uma mana ou de uma prenda...Pois sempre algum recomendaQuando a gente meio novoQue no se meta em retovoJunto aos gaudrios de venda!

E depois quando parti-meDo Pago, campeando a sorte,Eu te chupei, mate forte,Bem junto do parapeito,E fui saindo, sem jeito,Dando rdeas ao gateado,Mas te guardarei bem cevadoNo porongo de meu peito!

Decerto por isso mesmoQue quando evoco a QuernciaEu te sinto, com violncia,Nas veias em atropelo,E at me ouria o cabelo.Pois do meu ser primitivo,Aquele mate do estrivoFoi o ltimo sinuelo!

E ao bom Deus que rio-grandenseSempre peo, enquanto vivo,Um chimarro para o estrivoQuando chegar o meu fim.E se Ele quiser assim,V destacando uma chinaQue l na Estncia DivinaPrepare o mate pra mim!

Chimarro e poesiaJayme Caetano Braun

O payador missioneiroSente o calor do braseiroBatendo forte no rostoE vai mastigando o gostoDa velha infuso amarga,Sentindo o peso da cargaQue algum ancestral comandaEnquanto o mundo se agrandaE o corao se me alarga

Sempre a mesma liturgiaDo chimarro do meu povo,H sempre um algo de novoNo clarear de um outro dia,Parece que a geografiaSe transforma - de hora em horaE o payador se apavoraDiante um mundo convulsoSentindo o brbaro impulsoDe se mandar campo fora!

Muito antes da cavernaEu penso - enquanto improviso,Nos campos do parasoO patro que nos governa,Na sua sapincia eternaE eterna sabedoria,Deu o canto e a melodiaPara os pssaros e os ventosPra que fossem complementosDo que chamamos poesia!

Por conseguinte - o Ado,J nasceu poeta inspirado,Mesmo um tanto abarbaradoPor falta de erudioE comps um poema pago sua rude maneira,Para a sua companheira,A mulher - poema beleza,Inspirado - com certezaNuma folha de parreira!

Os Menestris - os Aedos,Os Bardos - Os Rapsodos,Poetas grandes - eles todos,Manejando a voz e os dedosVo desvendando os segredosNas suas rudes andanas,As violas em vez de lanas,Harpas - flautas - bandolins,Semeando pelos confinsAs dcimas e as romanzas!

Tanto os poetas orientaisComo os poetas do ocidente,Cada qual uma vertente,Todos eles mananciais,Nos quatro pontos cardeaisEsparramando canesE - no rastro das legiesDo lusitano prefcio,A ltima flor do lcioNos deu Luiz Vaz de Cames!

No Brasil continentalChegaram as caravelasE vieram junto com elasAs poesias - com Cabral,Para um marco imemorialNestas florestas braviasPerpetuando melodiasDe imorredouro destaque:Castro Alves e BilacE Antnio Gonalves Dias!

Neste garro de hemisfrioQuando a ptria amanheciaSurgiu tambm a poesiaNo costado do gaudrioNa pia do batistrioDas restingas e das floresE a horda dos campeadoresBrbara e analfabetaPariu o primeiro poetaNo canto dos payadores!

E foi ele - esse vaqueanoDo cenrio primitivo,Autor do poema nativoMisto de plo e tutano,De pampeiro - de minuano,Repontando sonhos grandes;

Hidalgo - Ramiro - HernndezEl Viejo Pancho - AscassubiMamando no mesmo ubreDesde o Guaba aos Andes!

H uma grande variedadeDe poetas no meu pas,Do mais variado matizCheios de brasilidade,De um Carlos Drummond de AndradeAo mais culto e ao mais fino,Mas eu prefiro o Balbino,Juca Ruivo e Aureliano,Tranando de mano a manoCom lonca de boi brasino

Joo Vargas - e o Vargas NetoE o Amaro Juvenal,Cada qual um manancialQue ilustram qualquer dialeto,Manuseando o alfabetoNo seu feitio mais austero,Os discpulos de HomeroDe alma grande e verso leve,Desde sempre usando um "breve"De ferro de quero-quero!

Imagino enquanto escutoEsse brbaro lamentoQue a poesia o som do ventoQue nunca pra um minuto,Picum vestiu de lutoA quincha do Santaf,Mas ns sabemos porque Que o vento xucro no pra:So suspiros da JussaraChamando o ndio Sep!

ChinaJayme Caetano Braun

A maior das gauchadasQue h na Sagrada Escritura,- Falo como criatura,Mas penso que no me engano! - aquela, em que o Soberano,Na sua pressa divina,Resolveu fazer a chinaDa costela do Paisano!

Bendita china gachaQue s a rainha do pampa,E tens na divina estampaUm qu de nobre e altivo.s perfume, s lenitivoQue nos encanta e suavizaE num minuto escravizaO ndio mais primitivo!

Fruto selvagem do pago,Potranquita redomona,Teus feitios de madonaJ manearam muito cuera,E o teu andar de pantera,Retovado de malciaNesta querncia patrciaFez muito rancho tapera!

Refletem teus olhos negrosVelhas orgias pagsE a beleza das manhs,Quando no campo clareia...At o sol que te bronzeiaBeijando-te a estampa esguiaFaz de ti, prenda braviaUma pampeana sereia!

Jamais algum contestouO teu cetro de realeza!E o trono da natureza teu, chinoca lindaa...Pois tu refletes com graaAs fidalgas AorianasCharruas e CastelhanasVertentes Vivas da Raa!

A mimosa curvaturaDesse teu corpo moreno o pago em ponto pequenoFeito com arte divina,E o teu colo que se empinaQuando suspiras com nsiaSo dois cerros na distnciaCobertos pela neblina.

Quem no te adora o cabelomais negro que o picum?E essa boca de romNascida para o afago,Como que a pedir um tragoDesse licor proibidoQue o ndio bebe escondidoDesde a formao do Pago?

Pra mim tu pealaste os anjosNa armada do teu sorriso,Fugindo do Paraso,Para esta campanha agreste,E nalgum ritual campestre,Por fora do teu encanto,Transformaste o pago santoNum paraso terrestre!

CordeonaJayme Caetano Braun

De onde me vem, Cordeona, o formigueiroQue sinto n`alma, ao te escutar floreando?E essa vontade de morrer peleando.Ser que um dia eu j no fui gaiteiro???

De onde me vem esse tropel no pulso,E esse calor de fogo que incendeia?Por que ser que fico assim, convulso,E s de ouvir-te o sangue corcoveia???

o atavismo, eu sei, Cordeona amiga,Sem que tu digas, sem que ningum diga,Parceira guasca que nos apaixonas.

E se mil vidas Deus me desse, um dia,Uma por uma delas, eu daria,Pr ter mil funerais de mil Cordeonas!!!

Est na horaJayme Caetano Braun

Eu penso enquanto mateio,e mateando a gente pensa,ser que morreu a crenada indiada do pastoreio?Com trs sculos e meio,fazendo ptria e querncia,ou ser que a incompetnciade uns e a m f de outrostiraram de ndios potros ato ar de independncia!

Aprendi na mocidade,algo que ningum me tira,que no h meia mentira,tampouco meia verdadee nem meia liberdade,pois no pode ser cortada,quem acha o rumo da aguada,no morre de sede a mngua,e quem fala meia lngua,termina dizendo nada!

J hora da indiada,que a velha capitania,dentro da democracia,voltasse o que foi outrora,gachos de ontem, agora,sempre o mesmo sentinela,a ptria verde-amarelanasceu aqui nestes planos,e os velhos taipas pampeanosnunca se apartaram dela!

Meu grito de revoltaneste descontrole imenso,mas um alerta ao bom senso,e sempre a melhor escolta,para que o pas de volta,por si s se siga sozinho,o patrocnio daninho, de fora,ns no queremos,deus permita, superemos,'solitos' nossos caminhos.

Dentro da filosofia a qualsempre nos filiamosquando ptria nos tornamosna essncia e na ideologia,o gacho de hoje em dia,tem a mesma dimensoe guardada a dimensoentre presente e passado, o mesmo pastor soldado,do incio da formao.

Se as distncias encolheram,as inquietudes ficaramse os tempos se transformaram,as nsias permaneceram,e os centauros no morreram,no sentir e no pensar,o impulso de gauderear,latente se transfigura,na defesa da culturaque ningum pode esmagar.

A est o gacho atual,muito mais do que pilchado,alerta e conscientizadode todo o seu potencial,a transformao social foi feita,ele permanece,tem conscincia, no esquece,conhece a luz que procurae sabe que a noite escura,termina quando amanhece!

hora depois da espera,que haja uma volta por cima,o povo, matria prima,merece uma primavera,e os que manejam a esferaencontrem uma maneirap'ra que a nao brasileira,no v a tranco e solavanco,pulando de banco em banco,como coruja em tronqueira.

Faca-CoqueiroJayme Caetano Braun

Cabo de madeira brancaE a folha de palmo e meio,Esta faca que palmeio,Sovando uma palha "buena",Larga, assim, como novenaNas festanas do Divino,Foi presente do GaldinoFilho da Dona Pequena!

Na prancha meio azuladaDeste regalo campeiro,Est gravado um coqueiroAssim como um distintivoQue me faz lembrar, altivo,O charrua melenudo,Bombeando longe, sisudo,O velho solo nativo!

nesse ferro criouloQue o meu flego embacia,A cancha reta braviaPor onde o fumo se espalha,Com ele eu ajeito a palha,Lonqueio, e aparo crina,E a barba, p'ra ver a chinaQuando no tenho navalha!

Quando corto num churrascoDeixo branqueando o espeto,E se na encrenca me metoNo sobra garro inteiro,Pois este ferro campeiroDe ponta, como de pranchaTem mania de abrir canchaNo costilhar do parceiro!

Por isso que ao te palmear,Sovando a palha do milhoEu sinto, rude utensilio,Que muito primeiro que euO guasca j te benzeuQuando num berro de touro,Junto ao "bendito" de couroNalgum rival te embebeu!

E ao te arrancar da bainhaDe ponteira reforada,Evoco a rudez passadaDo teu spero trajetoQuando o xiru analfabetoContigo de companheiraNas andanas da fronteiraLonqueava o nosso dialeto!

Traste mil vezes relquiaPor ser presente de amigo;Hei de levar-te comigoSempre ao alcane do braoE acolherar no teu aoO Presente e o PassadoAt que pranche enredadoPor algum "seio de lao"!

E fica certo, Galdino,Ao te agradecer de novo,Que no singelo retovoDo meu gauderiar sem norte,Esta faca, enquanto corte,At os ltimos momentos,H de estar lonqueando os tentosDa nossa amizade forte!

Galo de RinhaJayme Caetano Braun

Valente galo de rinha,guasca vestido de penas!Quando arrastas as chilenasNo tambor de um rinhedeiro,No teu mpeto guerreiroVejo um gacho avanandoEnsangentado, peleando,No calor do entreveiro !

Pois assim como tu lutasFrente a frente, peito nu.Lutou tambm o chiruNa conquista deste cho...E como tu sem paixoEm silncio ferro a ferro,Cala sem dar um berroDe lana firme na mo!

Evoco neste teu sangueQue brota rubro e selvagem.Respingando na serragem,Do teu peito descoberto,O guasca de campo aberto,De poncho feito em frangalhos.Quando riscava os atalhosDo nosso destino incerto!

Deus te deu, como ao gachoQue jamais dobra o penacho,Essa de altivez de ndio machoQue ostentas j quando pinto:E a diferena que sintoE que o guasca, bem ou mal!,S luta por um idealE tu brigas por instinto!

Por isso que numa rinhaEu contigo sofro junto,Ao te ver quase defunto.De arrasto, quebrado e cego,Como quem diz: "No me entrego,Sou galo, morro e no grito,Cumprindo o fado malditoQue desde a casca eu carrego!"

E ao te ver morrer peleandoNo teu destino cruel.Sem dar nem pedir quartel.Rude gacho emplumado.Meio triste, encabulado,Mil vezes me pergunteiPor que que no me boleeiPra morrer no teu costado?

Porque na rinha da vidaJ me bastava um empate!Pois cheguei no arremateBatido, sem bico e torto ..E s me resta o confortoComo a ti, galo de rinha,Que se algum dobrar-me a espinhaH de ser depois de morto!

GineteandoJayme Caetano Braun

A la putcha meu patrcio,Como lindo e perigosoQuando um bagual baixa o tosoCorcoveando num lananteSabendo que quele instanteS nos separam da morteAs rdeas e a cincha forteFeita de couro e barbante!

E como lindo cruzarEnforquilhado nos bastos,Riscando o lombo dos pastosO mesmo que uma centelhaOu na vrzea desparelhaPro ndio sair passeandoDepois de pisar na orelha!

Quando pi, foi o prazer,Que nunca troquei por outroSaltar no lombo dum potroQuando a manada saa- Artes que a gente fazia,Se acaso estava solito,E depois pregava o gritoQuando o bagual se perdia!

Terneiro de marcao,Ao se levantar do pialo,J me levava a cavaloAli, bem sobre as cadeira.Les digo, uma brincadeiraQue a gente faz sem pensar,Mas parte regularDa aprendizagem campeira!

E cheguei at a pensar,Pobre guri sem estudo,No lombo dum colmilhudoMais quente que amor de prima,Que Deus no fez melhor rimaDo que as esporas cantando,Um redomo corcoveandoE um ndio grudado em cima!

Cresci sabendo que o chucroExige muito cuidadoMas que o cavalo aporreadoExige cuidado e meio.Levei algum tombo feioDe grande e at de pequenoMas cavalo que eu enfrenoD pra danar num rodeio!

Mas pra aquele que no sabeEnsino como se faz,- a moda do capatazDa estncia onde fui guri -E posso mostrar aqui,Em linguagem resumida,As passagens dessa lidaDa forma que eu aprendi.

Me ajuda, amigo parceiro,Pega um lao, eu pego outro,Laa de vereda o potroBem ali contra o gargaloDeixa que corra que eu pialoE enforca, que se boleia,E antes mesmo da maneiaMete o bual no cavalo!

Depois enfia o boal,Porque o bagual no se amima,Que a lngua fique por cimaE bem cuidado o arrocho.E se for de queixo roxo, bom dar algum tiroQue j levante do choMeio tonto e garro frouxo!

Deixa, antes disso, o cabrestoApresilhado no lao,Pra evitar um manotaoSe o bagual le toma a frente- Nunca demais ser prudenteLidando com animal.Se golpear, no puxe mal,Pra evitar que se arrebente.

E depois de agarrar firme,No mo direita, o fiador,Leva a outra, sem temor,Na orelha esquerda do guachoE puxa firme, pra baixo,Mas tendo sempre o cuidadoPra que o bagual desconfiadoNo enxergue onde me acho!

Olha bem como se fazVai a carona primeiro,Pois nem precisa bacheiroNessa primeira encilhada.Lombilho, cincha apertadaBem sobre o osso do peito.Rabicho, pra agarrar jeito,Pelegos, cincho, mais nada!

D um n nas rdeas, parceiro,Que a cousa fique parelhaE depois me deixa a orelhaE vai montando no ms -Aprende como se faz,Pra que nada te acontea,Cuida do potro a cabeae atira o corpo pra trs!

No te preocupa com cerca,Que tu no anda sozinho,Saio junto e amadrinhoPra que no haja desconto.Finca-lhe o mango, de pronto,E as chilenas, mas cuidadoNo olha pra nenhum ladoPra mode no ficar tonto!

E ao passear tuas chilenasDas paletas virilha,Vendo as gramas da coxilhaOra bem longe, ora perto,Tu compreenders, por certo,Essa atrao sem igualQue exerce em ns um bagualBerrando um cmapo aberto!

Quando os corcovos pararemDeixa correr e golpeia,Flocha o corpo e ladeia,Puxando em cada costadoQue o potro que bem golpeadoDs queixos, no se retova,E j na terceira sova,Quando esbarra, est domado!

Essa a primeira lio,Mas no esquece parceiro,Do que te diz um campeiro,Que no foi arrocinado:- Um flete s bem domadoQuando manso de garupaPra poder levar num upaA china do nosso agrado.

HermanoJayme Caetano Braun

Seu nome - nunca se soube,nem ele mesmo sabia.Numa noite muito friadeu de casa na estncia.Vinha de longa distnciados fundos da noite grande,mas nos galpes do Rio Grandeisso tem pouca importncia.

Ningum lhe perguntou nomenem lugar de procednciaque vinha de outra quernciase via no sufragante,um buenas noites vibrantede campeira fidalguiae a galponeira franquia:- ... Apeie... e chegue pra diante!

O chapu com barbicacho,negra e comprida melena,pele queimada, morenasem luxos na vestimenta,bombacha de brim - cinzenta,adaga e faca cinturae um olhar misto ternuracom lampejos de tormenta.

Mi nombre es Hermano, hermanosdisse - enquanto chimarreava peonada que escutavamui atenta - por sinal,e no mesmo tom casual,palmeando a cuia de mate,afirmou como arremate:- Soy de la banda Oriental!

Desde essa noite o Hermanoficou na estncia - ajudando,que o ndio que anda cruzandono se ajusta como peo,vai ficando no galpo- a velha casa reina -onde os prias sem fortunabuscam calor de fogo.

Sempre alegre e prestativo,naquele meio dialeto,era um gacho completo,de ao pronta e destorcida,demonstrando em qualquer lidaque era desses campechanosque j nasceram vaqueanosdos mil atalhos da vida.

Depois que se enforquilhavano seu basto castelhanonem o bagual mais tiranosacava o ndio dali.Aos gritos de ibi-bi-bi,ia surrando cruzadopulando mais que douradonas enchentes do Ibicu!

Cantava uma flor de truco, velha moda gachae num jardeio - qe pucha,sempre saa primeiro,corredor mui tarimbeiro,desses com sete sentidosque at parecem nascidosnas cruzes do parelheiro.

Laava... e como laava,de a p como de a cavalo,tanto fazia no pealo,ser sobre-lombo ou cucharra;companheiro numa farrados que no refugam nadae que mo aveludadapra pontear uma guitarra.

Quando cantava se vianaquele olhar machucadoo pensamento empacadonalguma reminiscncia,talvez a velha querncialonge na barra pampeana...talvez alguma paisanadesgarronada na ausncia...

Numa milonga macia,numa cifra - num estilonunca se viu como aquilotamanha fidelidade,ora olfateando saudadenuma nostalgia langue;ora farejando sanguenum berro de liberdade.

Quando os dedos se perdiamentre a quarta e a bordonapareciam vir tonabarbarescsa ressonncias,clarins furando distnciasnum ltimo chamamentoe laos cortando ventosno amanhecer das estncias.

Depois amaciava o trancocom patas aveludadase evocava madrugadascom luas e meias-luas;pr-de-sis nas pampas nuascom romances proibidosnos pelegos estendidospara divs das chiruas!

Sbado encilhava o baiorumbeando aos ranchos da estrada,beber ternura comprada,onde os prias vo beber,pois nesse meio viver,o ndio sem parador,nunca encontra o bebedorda sanga do bem querer.

Foi num Domingo de tarde,ao retornar de uma andana,a noite caa mansae o paisano vinha srio,o pensamento gaudrioperdido longe... distante,sem saber que, logo adiante,ia enfrentar o mistrio.

Quando embicava no passoque faz fundo na invernada,j na boca da picada,o baio parou-se um gato,bufou com espalhafato,como prevendo tragdia,o ndio bancou na rdea,j meio dentro do mato.

Ouviu um - morre bandidodos covardes, de emboscada,j na primeira trovoadaplanchou-se o baio cabano.Baleado embora, o Hermano,ao se apartar do lombilhovinha puxando gatilhodum trinta e oito orelhano.

Seis tiros dados no rumoe um alarido de morte.Depois, a sangueira fortee um frio que vinha do miolomas o ndio era crioulo,teve um sorriso esquisito:- no ia morrer solito,pra o taura, sempre um consolo.

E ajoelhado, atrs do baio,parceiro de mil jornadas,j de pupilas vidradaspela morte repentina,passou-lhe a mo pela crina,como quem nana crianae um arrepio de vinganaescureceu-lhe a retina.

Com trs ou quatro balaosbordando a pele morena,nem ouvia a cantinelae o fogonear dos balaos,meio de arrasto - c'os braos,rumbeou para o tiroteio:- galo fino - no careio,coloreando de puaos...

Era um gacho Orientale um Oriental no recua,honra a tradio charruae nem a morte o abala,no prprio sangue resvalamas segue no mesmo tranco,agora, de ferro-branco,porque j no tem mais bala.

Sente que a vista faltae uma brbara dormncia,mas resta-lhe uma incumbncianessa noite de Domingo,se entrevera e - no respingo,mete a adaga em carne humana,gritando em voz insana:- esta les doy por mi pingo!

Com vinte e tantos balaos,escoriaes e facadas,as roupas esburacadas,j cego - e peleando aos gritos,como a confirmar os gritosdalgum Confncio campeiro:- Covarde morre ligeiro,o taura, morre aos pouquitos.

Trs mortos - mais o Hermanoe o baio - morto encilhado,no foi identificadonem um s daquele trio,o restante, se sumiu,na imensidade campeira,deixando apenas sangeirae o choro do vento frio.

Nunca se soube o motivodaquela barbaridade,nem a prpria autoridadenem gente da vizinhana.Foi com certeza, vingana,feita por gente mandada.Restam na velha picadaquatro cruzes por lembrana.

Seus nomes nunca se soube,trs cruzes sem inscriodefronte - noutro muncho,uma cruz tem nome: Hermano.Descansa nela o paisanoque usava melena preta,um poncho azul de baeta,montava um baio cabano.

E l est a cruz de pau ferropalanqueando o castelhano,ltimo adeus do Hermano,na tarde triste e cinzenta,ao ver a cruz - representaque a gente v - na lonjura,seu olhar, misto ternura,com lampejos dde tormenta.

Hora da SestaJayme Caetano Braun

O sol parece uma brasana cinza do firmamento.Sobre o campo sonolentoningum est de viglia,na lagoa - uma novilha,bebe - de ventas franzidase duas graas perdidassentam na grama tordilha.

No galpo - tudo silncio,e a cachorrada cochilae a peonada se perfila,estirada nos arreios,s se escutam os floreiosda mamangava lubanafazendo zoada, importuna,nos buracos dos esteios.

Rompe o silncio da setana guajuvira da frenteo t-t-t impertinentedo bico dum pica-pau.No galpo - um ndio mauquase enleia na aoiteiraa naniquinha poedeiraque vem botar no jirau.

Mas a soneira mais fortedo que os gritos da galinhae at as chinas da cozinhacochicham meio em segredo,No h rumor no arvoredo,nos bretes e nas mangueiras,dormem as velhas figueirass quem no dorme o piazedo.

hora de caar lagartose peleguear camoatim,hora das artes sim fimque o grande faz que ignorae quanto guri de foracriado no desamor,numa infncia de rigors foi guri nessa hora.

Hora de sesta - Saudades,de juventude e de infncia,Hoje - ao te ver distncia,quando a vida j raleia,qual um sol bruxoleianum canhado se perdendo,hoje - afinal - eu compreendopor que guri no sesteia!

Jogando TrucoJayme Caetano Braun

O TRUCO um jogo to guascaComo a Tava e as Chilenas.Velhas cartas SarrancenasQuatro a quatro, do s ao ReiTrucando assim me crieiDe Mano, Quatro, Oito ou SeisE at jogando de TrsMuito Carancho tosei.

Baralho e mando que cortemDando por baixo, uma a uma,Cuidando se algum se aprumaPra ver senha de jeito. preciso muito peitoPra no sair do recauOlho esquerdo o s de Paus de espada - olho direito.

Hay que ter muita malciaQue TRUCO jogo do diabo.A senha do Sete BraboQue vem primeiro, o de Espada,Carta muito cobiadaTem uma importncia louca:Canto direito da bocaMais ou menos repuchada.

Sete de Ouro, canto esquerdo,Carta de muita valia.Um pobre Trs se arrepiaQuando o Belo cai no cocho.Senha pra Dois um muxoxoQue desnorteia o mais sbio.Pra Trs, se morde o lbioQuando o jogo corre flocho.

Quem joga bem, faz senhaAt de Geime e de Rei.Com Cavalo j ganheiE a Sota as vezes escora.No jogo hay sorte e caipora,Conforme a volta nos topa.Dei QUERO em cinco de copaSem botar partida fora.

Envite o jogo dos pontosDigo ENVIDO ou REAL ENVIDO- A Falta seu atrevido!- QUERO mesmo e te esborracho!Trinta e dois ponto macho,Trinta tambm do diabo,Mas Trinta e Trs o mais brabo,Levanta os outros por baixo.

So linda de ouvir-se as falasE os refres do jogador.Trs cartas de um naipe FLORQue a gente acusa cantando:"Iba a mis pagos rumbeandoDerecho a mi podre RanchoQuando cruzome un caranhoMi FLOR de china llevando!"

E assim meio entreveradoNum dialeto de FronteiraSe canta FLOR de Abobreira,De Espada, de Ouro e de Pau:"Estaba un capincho anidauHacindo un cigarro de hollaDiciendo a la panza flojaYo tengo FLOR mi cuau!"

" Su nombre, no era Floduarda,Ni tampouco Florentina,Su nombre era FlorisbelaE ahijuna! Que FLOR de china!"E assim, nessa relancina,Sem dar prejuzo nem lucro,O TRUCO o jogo mais chucroDa carteao campesina.

Com FLOR se pucha trs tentosSeis pontos - Da CONTRA FLORTRUCO dois, seja onde forRETRUCO em trs tentos fica.VALE QUATRO o nome explicaNo precisa ensinamentos.Perde tambm quatro tentosQuando algum com FLOR se achica.

O ENVIDO comea em doisQuando o parceiro no pulaMas tem gente que nem mulaQue vai at a FALTA ENVIDO.Geralmente o mais engridoQuando pegado em mentiraRi amarelo enquanto atira:"Vou le dar seu atrevido!"

bom que saiba quem joga:Jogandor nunca sinceroPois "Queria" no QUERONem "Vou le dar" tem valor.E aquele que fala FLORSe no tiver, perde ponto,Isso acontece com tontoQuando se mete a cantor.

De quatro, de Seis e de OitoH um segredo entre os primeiros:No brigar cos companheirosE o P mandar na jogada. a cincia mais acertadaDe quem maneja uma vaza:A primeira, sempre em casa,O resto se faz na estrada.

E dizer, quando se P:Companheiro! No se afogue,Venha e nem negra me jogueSeu parceiro taura forte.Com cueradas no se importeSe algum lhe pulsear a vaza,Pois formiga cria asaQuando est querendo a morte.

Se algum le contrapontearDo outro lado da carona:- Rinho a ponto essa rabona- Pois no fio nem empresto,Erga sempre o seu protesto,No fuja de pulseador,Nunca se achique com FLOR,Meta: - CONTRA FLOR O RESTO!

Jogador que nem chinaNo se contenta com QUEROE aquele Sete que esperoPra um Trinta e Trs bem fanhosoQuase sempre mentirosoComo promessa de amorE s louco truca FLORQuando o naipe perigoso.

E com Trinta e Trs de espadaNunca jogue o seis primeiro.FLOR pequena, meu parceiro,Sempre se canta em voz alta,Pois se a fraqueza ressaltaNo faltar quem le minta.Com ponto abaixo de TrintaNo bote nem queira falta.

Nunca tive pretensesDe mestre nem professorMas chambo cantando FLORJamais me rouba o sossego,Pois tirei, quando borrego,Meu diploma de carpetaDebaixo de uma carretaSobre um carnal de pelego.

E aprendi que nesse jogoSe mente grosso at a morte.A magra a dona da sorteE tem tudo a seu favor,

Mas comigo, no senhor,Pouco me importa o que faaPode roubar-me a carcaaMas morro cantando FLOR!

MateandoJayme Caetano Braun

Meu patrcioA foi o mateV chupando despacitoQue triste matear solitoQuando a velhice nos batePor isso, neste arremateQue chegou no arrepioMeu velho peito vazioQue j teve tanta donaRessonga que nem cordeonaNos bailes de rancherio

No que me falte fibraNem firmeza no garroPois meu velho coraoBem com passado ainda vibraQuem gastou libra por libraDa sorte fazendo alardeNo cala por ser covardeNem chora por ser manheiroLamenta el sol verdadeiroQue vai borcando na tarde

a saudadeEssa punilhaQue vai nos roendo canalEsse caruncho infernalQue fura at curunilha a derradeira tropilhaDa vida martironiada

Que chegando ao fim da estradaSe d conta num segundoQue veio e vai deste mundoSofrendo a troco de nada

triste matear sozinhoDe tarde ou de madrugadaAmargando a paleteadaDe algum passado carinho

Como di lembrar o ninhoQue o tempo levou na enchenteMas porm deixou sementeDe tristeza e de amarguraPra reviver a ternuraDe algum que j foi da gente

por isso meu PatrcioQue no mateio solitoEmbora o verde benditoPra mim seja mais que vcio o meu ltimo muncioQue no despenso, nem largoE peo a DeusSem embargoDa xucreza do meu cantoQue no cuMe guarde um santoParceiro pra um mate amargo.

Momento SrioJayme Caetano Braun

Levantam-se na paisagemdesta minh'alma campeira,as crinas da cabeleiradaquela indiada selvagemque misturava coragemcom rasgos de fidalguia,entremeando ventania,com terra e com sacrifcio,- peleadores por ofcio,porque a vergonha exigia.

Olho no espao e vejo,na brasa que o cu destapa,a minha terra farrapafruto do nosso falquejo,- o bero altivo do andejoque encarava o sol de frente;a gente da minha gente,a cepa - o tronco a raz,posta perante o Pas,na condio de indigente!

Velhos sinais de perigo,ou - melhor dito - de luto,at parece que escutotrovoadas de um tempo antigo,quando o taura - ao desabrigo,com sangue meia costela,calava o p na cancela,neste garro de querncia,pra manter a permannciada Ptria Verde Amarela!

Chego at a escutar os gritosde soldados e paisanos,'de ndios e castelhanos,surgidos dos infinitos,cumprindo os sagrados ritosde guardar - linha e barranca,legendas que no se arranca,dos que queriam viver,mas preferiam morrera erguer a bandeira branca!

Talvez que alguns te reneguem,cho dos meus antepassados,mas que importam renegados,eles e aqueles que os seguem?que se avacalhem - se entreguem,haver sempre um turuna,haver um garro de tuna,com fibra e com corao,para dizer que este chono uma terra reiuna!

Aqueles que no entendem,nossa base de estrutura,ou no leram a escriturade onde os gachos descendem,os que compram e que vendemsem respeitar a legenda,os do encobre e do remenda,do esbulho e do desmande,no sabem que este Rio Grandeno uma sucata venda!

Natal GalponeiroJayme Caetano Braun

A cuia do chimarro, o clice do ritual,E o galpo a CatedralMaior da terra pampeana,Que de luzes se engalana,Para esperar o NATAL.

A cuia aquece na palmaDa mo da indiada campeira,Dentro da sua maneira,Rezando e chairando a alma,Para recuperar a calma,Que fugiu do mundo inteiro.Enquanto o estrelo viajeiro,J vem rasgando caminho,para anunciar o "Piazinho",A Virgem e o Carpinteiro.

Em nome do Pai,- Do Filho e do Esprito Santo, o chimarro que levanto,E o vento faz estribilho,A prece do andarilho,Ao Piazito Salvador,Filho de Nosso Senhor,Do Esprito e do Pai,De volta a terra aonde vai,Falar de novo em amor!

Tem sido assim - dois mil anos,Ningum sabe - mais ou menos,Vem conviver com os pequenos,De todos os meridianos,E repetir aos humanos,As preces de bem querer.Quem sabe at - pode ser,Que um dia seja atendido,E o mundo velho perdido,Encontre paz para viver.

Ele sabe da apertura,Em que vive o pobrerio,A fome - a misria - o frio,Porque passa a criatura,Mas que - inda restam - ternura,Amizade e esperana, que pode, a cada andana,Mesmo nos ranchos sem po,Aliviar o corao,Num sorriso de criana!

Pra mim - que ouvi na misses,Causos de campo e rodeio,Do "Negro do Pastoreio",Cruzando pelos rinces,Das lendas de assombraes,E cobras queimando luz.Foste - Menino Jesus,O meu sinuelo de f,Juntando ao ndio Sep,O Nazareno da Cruz!

E a Santa Virgem Maria,Madrinha dos que no tem,Fez parte - sempre - tambm,Da minha filosofia,Eu que fiz de Sacristia,Os ranchos de cho batido,E que hoje - encanecido,Sou sempre o mesmo guri,A bendizer por a,O pago que fui parido!

E o Nazareno que vem,Das bandas de Nazar,Chasque divino da f,Rastreando a luz de Belm,Ele que vai morrer tambm,Pra cumprir as profecias. Natal - nasce o MESSIAS,Salve o Menino Jesus!Mas o que fogem da luz,O matam todos os dias.

Presentes - "Papais Nois",Um ano esperando um dia,Quando a grande maioria,Sofre destinos cruis.O amor pesado a "mil-ris",E mortos vivos que andam,Instituies que desandam,Porque esqueceram JESUS,O que precisa, mais luz,No corao dos que mandam!

Que os anjos digam amm,Para completar a prece,Do gacho que conhece,As manhas que o tigre tem.No jogo nenhum vintm,Mesmo sendo carpeteiro,Mas rezo um Te-Dum campeiro,Nessa Catedral selvagem,Pra que faa Boa Viagem,O enteado do Carpinteiro!

Negrinho do PastoreioJayme Caetano Braun

Quando de noite transitoNo meu gauderiar andejo,Me paleteia o desejoDe encontrar-te, duende amigo,Pois sei que trazes contigo,Negrinho esmirrado e feio,O Rio Grande em pastoreioNo sinuelo do passado,E que ali, no descampadoQue a luz da vela clareia,O teu vulto esguio, bombeia,Como Deus de rito estranho,A gauchada de antanhoQue se perdeu na peleia!

Juntos iremos lembrarAquele maula estancieiro,Que ao botar num formigueiroO teu corpo de criana,Cravou bem fundo uma lanaNo prprio ser do rinco;Trazer a recordao,Aquela velha tropilha,Que do topo da coxilhaEsparramou-se a lo lu,Para juntar-se no cuContigo e Nossa Senhora,E hoje cruza, noite a fora,No meio dum fogaru!

Hs de contar-me o que visteNa tua ronda infinita,Desde a povoao jesutaAo reduto Guaiacur,Quando Sep TiarajuMorrendo de lana em punho,Dava um guasca testemunhoDa fibra continentina,E quando, nesta campina,O velho pendo farrapoCruzava altaneiro e guapoComo uma beno divina!

Dizem que trazes por dianteDos fletes que pastorejas,Assombraes malfazejasDas campanhas do JARAU,Repontas o fogo mau,Do andarengo BOITAT,E vagando, ao Deus dar,Nessa ronda de amargura,Vives na eterna procura,Pelas canchas e rodeios,De prendas, trastes e arreiosExtraviados na planura!

Tu conheces os segredosDe ranchos e cemitriosOnde paisanos gaudriosAssinalaram passagem,Revives cada paragemNuma evocao singela,Por entre tocos de velaDe humildes promessas pagasOnde o S das adagasFazia o papel de cruz, -E onde num raio de luz,Brilhava sempre a velinha,Invocando tu'a madrinhaA Santa Me de Jesus!

Presenciaste o velho dramaDo gacho em formao,Quando este imenso rincoEra um selvagem deserto,Tudo cu e campo abertoE onde Deus Nosso SenhorPs o guasca peleador,De lana e de boleadeiraE mandou fazer fronteiraOnde quisesse, a lo largo,Dando o pingo, o mate-amargoE a china pra companheira!

Por tudo isso que sofroQuando altas horas despontasEntre os fletes que repontasNum barbaresco tropel,Lembrando o dono cruelQue num gesto asselvajadoTe fez cumprir este fadoDe andar penando no ermo,Esperando sempre o termo,Que tarda tanto em chegar,E onde haveremos de estar,Enquadrilhados a gritoDiante do Deus infinitoQue vai por fim nos julgar!

E assim como tu, Negrinho,Que um dia foste espancadoE por fim martirizadoNum formigueiro do pago,O meu peito de ndio vagoTambm sofreu igual sorte,E hoje vagueia, sem norte,Sem fugir, por mais que ande,Deste formigueiro grandeOnde costumes malditosTentam matar aos pouquitosAs tradies do RIO GRANDE!

Paisagens PerdidasJayme Caetano Braun

A tarde recolhe o manto,carqueja e caraguat;na corticeira um sabifloreia o ltimo canto!Alargando o gargarejo,da sanga que se desmancha,h um eco pedindo canchano primitivo falquejo!

A lua nasce num beijo,prateando o lombo do cerroe um grilo acorda um cincerro,do meu retiro de andejo!

Paisagens de campo e almaperdidas no vem e vai,soluos do Uruguaique bebe lua e se acalma:a noite passa mo salva,com ela vem a saudade,olfateando a claridadedas brasas da Estrela DAlva!

Nascem rugas no semblante,paisagens da naturezaque a fora da correntezano pode levar por diante;ento exige que eu cantequando me encontro desperto,mas sempre que chego pertomeu sonho est mais distante!

Paisagens de sombra e luz,como que pude perd-las?Ficaram as 5 estrelasfazendo o sinal da cruz !

Payada do Ano NovoJayme Caetano Braun

Feliz Ano Novo - indiada,Feliz Ano Novo - gente, a maneira reverenteDe iniciar esta payada,Nesta hora iluminadaDe ptria e de melodiaE o payador se arrepiaDe tradio campesinaNa primeira sabatinaDo ano que principia!

Payada do SafenadoJayme Caetano Braun

Pede licena o tropeiroNada mais que um payadorCurandeiro e domadorDo reduto missioneiroE alm disso curandeiroDa vivencia campesinaMaestros da medicinaAqui nas pampas gaudriasNs ensinamos matriasQue a ctedra no ensina.

Nessa vida de rigorA gente fica mais rudeSem proteo a sadeNem remdios contra dorAqui no tem medidorPara presso arterialAqui no tem hospitalNem sala de cirurgiaO galpo a sacristiaE o bloco ambulatorial.

Foi assim, desde o incioDa nossa gesta campeiraQuando fizemos fronteiraNo velho solo patrcioPeliando meio por vicioNo lombo da sesmariaA canha era anestesiaFazendo ptria a trompadasE aprendendo nas carneadasAs noes de anatomia.

Vero, primavera, invernoAli no faz diferenaPara curar qualquer doenaCada gacho um internoQuem vive naquele infernoNo se assusta nem se acanhaNas urgncias de campanha rpida a cirurgiaE se estanca uma sangriaCom terra e teia de aranha.O brao, a perna quebradaTodo e qualquer acidenteSe atende imediatamenteSem anestesiar a indiadaFaca sempre bem afiadaE a segurana na curaTalho grande se costuraSem alterao nem teimaE quando um cristo se queimaSe mija na queimadura

Remdios, no tem mistrioNa zona do pastoreioAprendemos num rodeioA lidar com causo srioNaquele ambiente gaudrioDe horizonte e campo nuQualquer domador xiru mestre numa suturaCom tentos de couro cru

Existe, claro, exceesOs magos das venzedurasQue as vezes realizam curasConjujos com oraesAo tratar de coraesNo vo atrs de magiaAli o ndio se arrepiaA no ser que seja loucoPorque reza vale poucoSe o caso cardiologia

Uma mal estar, a tonteiraFalta de ar, taque cardaDe vereda se aliviaDando um ch de laranjeiraDe cidr, de erva cidreiraTemos um estoque fartoO tiro, a facada, o partoIsso qualquer um medicaMas a coisa se complicaCom derrame, angina, infarte.

A morte no manda avisoE chega sempre certeiraNo perde pulo a traioeiraNo seu ataque precisoMe lembro neste improvisoQue at passei um vexameUma situao infameQue compreender no distingoUma vez matei um gringoPara o salvar de um derrame

Pois o meu atendimentoPara salv-lo da morteCom sangria, no momentoO mandei sem sacramentoPara a ltima viajadaTenho a mo meio pesadaSe viu, depois no exameE o gringo em vez do derrameVeio a morrer da facada.

Eu, que ajo por instintoTalvez pelo atavismoNesse meu primitivismoL no meu interior, sintoQue o corao distintoIsso qualquer um descobreCorao um rgo nobreO msculo mais perfeitoQue bate do mesmo jeitoNo rico como no pobre.

Ele o relgio da vidaQue ao bater das pulsaesMarca nossas sensaesNa estrada larga e compridaCom durao definida o que ns chamamos, sinaMas que um dia se terminaPor longe que a gente vE as vezes a gente o dO meu eu dei pra uma china

E tive minha experinciaDepois que vim pra cidadeCauso srio de verdadeQuase me rouba a existnciaCom toda minha experinciaDe curandeiro primrioUm problema coronrioDo filho da BoorocaPor pouco que no convocaMeu agente funerrio.

Levado a um pronto socorroAo qual tenho restriesE que no tem condiesNem de atender um cachorroNo sei como que no morroMaestros da medicinaTenho provas que o incriminaE me diga por palpiteConfundindo com gastriteUm infarto ps angina

Seis horas ali, penandoTrancado naquele breteCom doses de tagameteQue eles iam me injetandoCompreendi que ali ficandoMeu destino ia ser brutoMe mandei pra um institutoDo corao, e aqui estouMeus amigos, se no voDeixava a china, de luto.

Que lindo entender da lidaComo esses homens entende at milagre que emendeUma linha j rompidaFazendo voltar a vidaA chama que se terminaIsso Deus que determinaS de lembrar me comovoE assim, eu nasci de novoNo efeito da eparina

Nunca bom esse namoroDa morte que nos acostaE nem milagre que possaSalvar o ndio mais touroMas me livraram o couroComo quem benze uma nguaJ ia morrendo a mnguaO payador do BrasilIsordil, mais isordilPlantado embaixo da lngua.

Depois, o cateterismoUma espada na virilhaDo payador farroupilhaDentro do seu fatalismoEm completo imobilismoPreparado de antemoVendo na televisoUma tela esbranquiadaAquela cinta prateadaNo rumo do corao.

Vendo o estrago causadoPor cada infarto traioeiroNo corao missioneiroTotalmente esburacadoDestrudo e necrosadoNum jeito que dava penaAli, o ndio se apequenaAnte a fraqueza da vidaE eu fui levado em seguidaPara as pontes de safena.

Me serraram pelo meioAli no osso do peitoNo vi nada, mas suspeitoPorque me encontrava alheioMas, sai bem, j lo creioQue a cautela no poucaA cincia uma cousa loucaEu no sei por onde andeiAt que ao fim me acordeiCom um tubo, enfiado na boca.

No brinquedo, so francoOuvia mas no falavaDe um grupo que me cercavaTodo vestido de branco pior que juro de bancoA sensao que sentiMe encontrava na UTIMe dei conta no momentoMeu primeiro pensamentoEra me mandar dali.

Mas esse um caso pessoalMe perdoem o excessoSe nesse tema eu ingressoSem ser um profissionalMas uma lio geralDo payador do rincoSe o corpo humano a naoCom vida circulatriaPra mim que conheo a histriaO Rio Grande o corao.

Porque desde que brotoFoi ponto de refernciaControlador da freqnciaDo corao que pulsoVentrculo que mandoO sangue puro, filtradoAo pulmo, ptrio sagradoLigando veias artriasGuardies da estirpe da IbriaDo primeiro antepassado.

No passado foi assimGravamos nossos ditamesCom ameaas de derramesE de infartos, que por fimCuramos neste confimOnde crescemos peliandoDe sentinela guardandoComo pastor e guerreiroO corao brasileiroPra que seguisse pulsando.

Infelizmente, hoje em diaPeriga nossa estandarteO perigo de um infarteEm nossa soberaniaExige uma cirurgiaMuito urgente no instanteO nosso pas giganteMinado de obstruesPor um grupo de ladresEst a pedir um transplante.

O sistema vascularTotalmente obstrudoCrebro comprometidoQue j nem pode pensarSem comer, sem respirarQuando vejo me comovoPrecisa um corao novoAquele que a gente sonhaQue bata com mais vergonhaE tenha respeito ao povo.

O que fazer desse doente?Maestros, eu vos perguntoNo brbaro contrabutoDo garro do continenteTendo em vista que o pacientePerdeu a soberaniaJ no tem democraciaMas a dvida persisteSer que o doente resisteAo menos a anestesia.

Pra mim, como curandeiroDe um rancho da reduoJ cheguei a conclusoQue o problema brasileiroNo falta de dinheiroMas muito pelo contrrio problema coronrioA crise dos trs poderesQue esquecendo dos deveresSe fartaram de salrio.

A terra continentinaPrecisa nova confianaContra o conchavo que avanaEm nossa ptria divinaE o payador se iluminaNo poder do pensamentoImaginando um inventoQue alcance logo sucessoE se consiga um congressoQue respeite o oramento.

O povo mesmo que tropaNo rumo do matadorO eterno sofredorQue o prprio regime entopaCarnaval, novela, copaMinha alma se compadeceE eu a mim se me pareceQue uma grande lio ficaQuanto mais se sacrificaMais o meu povo se empobrece

Se eu fao essa confissoAqui da terra farrapaSe me arrancarem do mapaFica um buraco no choPorque eu calcei o garroPra um tiro de volta e meiaNo me assusta cara feiaTo pouco falta vergonhaE duvido que algum ponhaUma idia na cadeia.

Payador, Pampa e GuitarraJayme Caetano Braun

Payador - pampa e guitarra,guitarra - payador - pampatrs legendas de uma estampaonde a retina se amarra,payador - pampa e guitarra,flecos de ptria e poesiaalma - terra e melodia,sangue de um no corpo d'outrobotas de garro de potro da lonca da geografia.

Payador - alma e garganta,emoo e sentimento,melodioso chamamento que da terra se levantaparecendo quando canta,com entonao bagualaque as aves perdem a falae o vento apaga os rumores,pois para escutar payadoresat o silncio se cala.

Pampa - matambre esverdeadodos costilhares do prataque se agranda e se dilatade horizontes estanqueados,couro recm pelechadoque tem ptria nas razesaos teus brbaros matizes,os tauras e campeadoresmisturam sangue as corespra desenhar trs pases.

Guitarra - china delgada queum dia chegou da Ibriapara tornar-se gaudria -da pampa venta rasgada,- ao payador amasiada, -nas soledades charruas,- morando em quartos de luas, -guitarra e lua so gmeas,- e Deus no fez duas fmeasmais lindas do que estas duas.

A guitarra - o Payador e o pampa -sempre afinadosso cordas dos alambrados da vida,esse corredor;paz - liberdade - e amorque nunca sero proscritosporque nos ermos solitosonde o canto se desgarra,cada alma uma guitarrapresa entre dois infinitos

Pra Ti GuriaJayme Caetano Braun

Pra ti chirua crinudados ranchos de cho batidocom babados no vestido,na orelha um galho de aruda,morena Deus nos acuda.

Pra quem ama com eu amoestrela pampa proclamonas horas de nostalgiaeu te pergunto guria,porque no vens quando eu chamo.

Quando abrao esta cordiona como se te abraasse, mesmo que desejasse quetu fosses minha dona. E o meusser se condiciona ao teu carinhoso abraochego a sentir um laaoneste meu corpo franzinopois se te perco imagino que voupeder um pedao.

Calangreas e cotovias,as palomas, as torcassasse alvorotam quando passasmomurando melodias,e o calor dos meio dias vose acalmando aos relentose at as guitarras dos ventosse entreveram cordionaconfirmando que s a dona detodos meus sentimentos.

Vibram todas as escalasnos meus dedos tocadoresrudes acariciadoresdas tuas tranas bagualase o cho batido das salascom barbara bruxariae completando a magia deste teutranco macio co gostode pasto e rio eu canto pra ti guria.

PreceJayme Caetano Braun

A terra que eu carpoTem erva daninhaDevia ser minhaPor lei de famliaE os sonhos que eu sonhoTambm deveriamSe a Ptria que eu amoFizesse a partilhaDos tempos que andam,Ficaram fazendasPorm os que mandamS pensam em vendas

A terra de todosPertence a to poucosTalvez porque tantosDeixaram que sejaNo h quem protejaDe abusos e agravosE o canto dos bravosQuer ptria pra todosDistante dos lodos,Saraus e conchavos

E o cu desta terra,Ser que venderam?A herana mais belaDa flor amarelaDa nossa fortunaSe a prpria lagunaTem cus dentro delaSinuelo dos tauras,Bandeira dos livres,Eu sinto que vivesFlaneando nas almasAos incrus que dirigemInspira e acordaCom a luz que recordaO bero e a origem

Querncia, tempo e ausnciaJayme Caetano Braun

No carto de procedncia,Pouco importa onde nasci,Busquei rumo e me perdi,Querncia, minha querncia,Desde ento me chamo ausncia,Porque me apartei de ti.Como cavaleiro andante,Das lguas que caminhava,Sempre que me aproximava,Do sonho correndo adiante,Mais me sentia distante,Daquilo que procurava!

Quem vira mundo no para,Nem tampouco desanima,H uma lei que vem de cima,Na estrada do tapejara:O tempo que nos separa, o que mais nos aproxima,Quem vira mundo no para,Nem tampouco desanima...

E nesse andejar em frente,Sem procurar recompensa,Fui vendo - na diferena,Entre passado e presente,Que a lembrana de um ausente,Tem mais fora que a presena!J no final da existncia,Saudade - tempo e distncia,Pra conservar a fragrncia,Da primitiva inocncia,Me tornei canto de ausncia,Querncia da minha infncia.

Remorsos de CastradorJayme Caetano Braun

Um pealo --- um tombo --- grunhidosde impotente rebeldia,o sangue da cirurgiaNo lao e no maneador.Nada pra tapear a dordo potro que --- sem saber,perdeu a razo de serna faca do castrador.

H um brbara eficincianessa rude medicina,a faca limpa na crinaque alvoroada revoa,pouco interessa que doa,a dor faz parte da vida.H de sarar em seguida,desde guri tem mo boa.

Aprendeu --- nem sabe como,a estancar uma sangria.Sem noes de anatomia um cirurgio instintivoque --- por vezes --- pensativo,afundou na realidadeda crua barbaridadedesse ritual primitivo.

J faz tempo --- muito tempo,que um dia --- na falta doutro,castrou seu primeiro potro,um zaino negro tapado.Que pena v-lo castrado,o entreperna coloreandoe os olhos recriminando,num protesto amargurado.

Depois do zaino --- um tordilho,depois --- baios e gateados,um por um sacrificadospela faca carneadeirae o rude altar da mangueiraa pedir mais sacrifciosdos bravos fletes patrcios,tits de campo e fronteira.

Por muitos e muitos anosandou nos galpes do pampa,castrando pingos de estampacom renomada experincia,cavalos reis de querncia,parelheiros afamados,pela faca condenadosa morrer sem descendncia.

s vezes, durante a noite,um pesadelo o volteiae o remorso paleteia.Castrador!... que judiaria!E quando sem serventiapor a deixar sementeno mundo onde h tanta gentepedindo essa cirurgia.

E ali est --- defronte ao rancho,pastando o mouro do arreio,pingo de campo e rodeioque castrou --- quando potrilho.O mouro --- mesmo que filhodo xir velho campeiro,o ltimo companheirodo seu viver andarilho.

Na primavera --- outro dia,um potranca lazona,linda como temporona,vestida em pelagem de ouro,veio se esfregar no mouro,mordiscando pelo e crina,mais amorosa que chinanum princpio de namoro!

E o mouro? --- pobre do mouro!No pode ter namorada.Veio, direto ramada,numa agonia sem fim,olhando pro dono, assim,num brbaro desespero,como dizendo: parceiro,v o que fizeste de mim!!

Sem DiplomaJayme Caetano Braun

Bendito aquele que estudaporque estudar importante,embora o ignorantetem sempre um santo que ajuda,s vezes a sorte muda,quando existe um santo forte,cada qual procura um norte,por isso no encabulo- que a tava que bota culo a mesma que bota sorte!

Meu tetrav foi fronteiro,meu bisav domador,o meu av - alambradore o meu pai foi carreteiro;a mim no sobrou dinheiropra cursar a faculdade,mas tive a felicidadegraas ao nosso senhore me tornei payadorpra guardar a identidade!

O estudo muito bonitoe at muito necessrio,mas este cantor primrio,cruzando o pago infinito,continua - a trotezito,mesmo sem ser diplomadoe me sinto conformado,o que meu - ningum me toma,pois duvido que um diplomatorne um burro advogado!

Como lindo colar graunum salo de faculdade,embora essa qualidadeno transforme o bom em mau,o Jayme Caetano Braun,dessa linha no se afasta,a inspirao no se gastanem me torna mais cruel,eu conquistei um anelo de gacho - e me basta!

Seu EsmilindroJayme Caetano Braun

Aquele ali, se esquentando,Que parece estar dormindo, o velho seu EsmilindroQuando lhe falam, responde,Mas seno, vive calado,Olhar triste, entrecerradoPerdido, no sei onde!

desses ndios de estnciaQue ningum conhece o drama.Tem s os arreios da camaE um poncho velho que o cobre.E embora nunca se dobre,Nem ao guascao mais duro,Pouco lhe importa o futuro,Pois j nasceu pra ser pobre!

Conhece de tudo um pouco,Trana, laa e gineteiaNo fala da vida alheiaNem se mete em discussoE j ao primeiro claro,A estrela dalva saindoEncontra o velho EsmilindroDe p, batendo tio!

quem recolhe os cavalosBem antes que o dia venha,Puxa gua e corta lenhaPra as chinocas da cozinha. quem cuida de galinhaE d quirera pra pinto.Sabe tudo por instinto

E o que no sabe, adivinha!Surgiu um dia na estnciaAo tanco dum baio-ruanoE ficou. Passou-se um ano,Foi ficando, at ficar...E ao fim de tanto penarS tem, alm da ossamenta,Esse fogo onde se esquentaE esse galpo que o seu lar.

A ningum diz de onde veioNem tampouco pra onde vai.No tem mo, nem teve paiQue lhe acolherasse um nomeE medida que se someNo tremendal da amarguraVai vendo que sem ternuraAs almas morrem de fome.

Por isso que ao p do fogoCabisbaixo e silenciosoVive a pensar no repousoDa cruz do campo, sozinha,Quando ali de tardezinhaO vento for repetindo:Dorme aqui um tal de EsmilindroQue nem sobrenome tinha!

Tio AnastcioJayme Caetano Braun

Entre a ponte e o lageado,na venda do bonifcio,conheci o tio anastcio,negro velho j tordilho;diz que mui quebra em potrilho,hoje pobre despilchado,de tirador remendadonum petio doradilho...

Quem visse o tio anastcio,num bolincho de campanha,golpeando um trago de canha,oitavado no balco,tinha bem logo a impresso,que aquele mulato srioera o rio grande gaudriofugindo da evoluo!

A tropilha dos invernostinha lhe dado uma estafa,e aquela meia garrafa,dentro do cano da bota,contava a histria remotado negro velho curtidoque os anos tinham vencidosem diminuir na derrota.

Mulato criado guachonos tempos da escravatura,aquela estranha figurana vida passara tudo;ginetao macanudo,j desde o primeiro berrosaia tranando ferrono potro mais culmilhudo!

Carneava uma res, num upa,com toda calma e percia!reservado e sem malcia,negro de toda confiana,bem quisto na vizzinhana,dava gosto num rodeio,de pingo alado no freiopealando de toda trana

Tinha cruzado as fronteirasda argentina e do uruguai;andara no paraguai,peleando valentemente,e voltara, humildemente,como tantos ndios tacosque foram vingar nos chacosa honra da nossa gente!

Caboclo de qualidadeque no corpeava uma ajudana encrenca mais peleagudasempre conservava o tino,garrucha boca de sinocarregada com amore um faco mais cortadordo que aspa de boi brasino!

Porm depois que os janeirosforam ficando a distncia,andou, de estncia em estncia,e foi vivendo de changa:repontando bois de canga,castrndo com muita sorte,e, em tempos de seca forte,arrastando gua da sanga...

Ficou sendo um desses ndiosque se encontra nos galpese ao derredor dos fogesfala aos moos, com pacincia,de que aprendeu na existncia,ao longo dos corredores,alegria, dissabores,curtido pela experincia!

Tio anasstcio pra qui;tio anastcio pra l...mandado mesmo que pipr aquela redondeza;nos remendos da pobreza,entrava e passava inverno,como um tronco so no cerno,pelegueando a natureza!

Por isso que nos bolinchoss se alegrava bebendocomo se cada remendoda velha roupa gaudria,fosse uma sangria sriapor onde o sangue do pagose esvaisse, trago a trago,por ver tamanha misria!

E at parece mentira- negro velho de valor!morreste no corredorcomo matungo sem dono;no tendo neste abandono,ao menos um companheiro,que te estendesse o baixeiropara o derradeiro sono!

E agora que estas vivendona estncia grande do cuengraxando algum sovuprao patro velho buenacho,no te esquece aqui de baixoonde alolargo ainda existemuito xiru velho tristecomo tu, criado guacho!como tu, tio anastcio...

Trovador NegroJayme Caetano Braun

Negro de sorriso claro,Como sinuelo de pampa,Que sintetizas na estampaLongnquas reminiscncias;Negro que lembras dolnciasDe alegrias e tristezasQue andaram nas correntezasDos rios de muitas querncias.

Essa cordeona que abraasCom ciumenta intimidade,Traduz - na sonoridade,Quando teus dedos passeiam,Madrugadas que clareiam,Campos pelechando em flor,Chinocas pedindo amorE potros que corcoveiam.

E quando a cordeona espichasAberta - como pr um pialo,E o verso sai - de a cavalo,Sobre a cadncia da nota,Tua mirada remotaSe perde - coxilha acima,Como quem busca uma rimaSem saber de onde ela brota.

Tu sim - s poeta - e o mundo,Pr ti - se torna pequeno.E nem mil poetas - moreno,Expoentes de Academia,Campereando - noite e dia,O vocabulrio gastoPodem dar cheiro de pastoComo tu ds poesia.

Negro de sorriso abertoComo claro de alvorada,Abre essa gaita aporreada,E canta - a mais no poder.Canta negro - at morrer,Com fora de mil gargantas,Pois cantando como cantasNingum te iguala em saber.

ltima RainhaJayme Caetano Braun

Calcei o frango PrateadoQue foi pinto em meu terreiro,Pra soltar no rinhedeiroOnde estava um Colorado.Havia povo amontoadoDe p, sentado e de joelho.O jogo muito parelhoDe mansito comeou,At que um pardo gritou:Cem mil no galo vermelho!

Era um galo da Argentina,Diz que campeo de torneio,O meu era um frango feio,Mas de pua muito fina,Porm a voz repentinaDo alarife jogadorTrouxe como que um tremorDe surpresa e impacinciaQue fez vibrar a assistnciaAo derredor do tambor!

Foi como chuva no zinco,E a cousa j pegou fogoComeando a sair jogoDe at vinte mil por cinco,Mas havia tal afincoQue um dos lados se encolheu,Houve at quem se benzeu,Num gesto de carpeteiro,Fazendo cruz no dinheiroJogando a favor do meu!

E me deixaram de lado,Solito e sem parceria.E eu joguei o que podiaContra o galo Colorado.Depois, soltei o PrateadoQue ciscando na serragem,Bateu asas, de coragem,E cantou com imponnciaComo quem diz a assistncia:No dou e nem peo vantagem!

J na primeira topada,Antes de tranarem ferro,O meu frango deu um berroNuma voz esganiada,Tinha uma vista arrancadaE o grito fora inconsciente,Mesmo que um grito de genteQue ele soltou sem sentirMas sem meno de fugir:Oigal, bicho valente!

Senti um brbaro arrepioQue me correu pela espinhaMas, porm, seguiu a rinha

E o meu frango no fugiu,Cambaleou mas no caiuE se aprumou de vereda,Enquanto que pela sedaDo pescoo levantadoDescia o sangue encarnadoNum brilho de labareda!

E voltando com furor.Respondeu ao com ao,Puao atrs de puao,Que estremecia o tambor.Era mesmo peliadorO tal galo Colorado,J nem falo do PrateadoQue bem de p, como um potro,Veio pra cima do outroMesmo que um tigre baleado!

E amigos, naquele instanteMe amaldioei em segredoDas vezes que tive medoDe algo insignificante,Ao ver ali, impressionanteAquele galo ferido,No prprio sangue esvado,Torto, quase cego at,Disposto a morrer de pPra no se dar por vencido!

Afogado na sangeiraE abaixo de tempo feio,Vi que no ia a careioAssim, daquela maneira,A cabea uma peneira,Do pescoo, j nem falo,Eu sem poder ajud-lo,Ele peleando sozinhoE eu repetindo baixinho:Vamos?! Coragem meu galo!

E o vermelho ia ponteando,Mais brabo do que uma cobraQue perna, tinha de sobra,E raa, tambm sobrando,E foi a, seno quando,Que o frango do meu terreiro,Num tiro de desespero,Mais certo que um balao,O desnucou de um puaoNo meio do rinhedeiro!

E ali est o galo PrateadoCercado pelas galinhas.Eu at deixei de rinhasTalvez por penalizado,Ou talvez espicaado,Que o remorso no perdoa,Por que se a vida to boa, um banditismo da genteFazer um bicho valenteMatar ou morrer -toa!