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A Deusa da Morte – Jason Dark 2

Jason Dark

Digitalização e revisão : Jo Slavic Genius

Romances Góticos Fantásticos e Sobrenaturais

A DEUSA DA MORTE

A Índia cheia de mistérios!

Uma terra perigosa, enigmática, que repentinamente é assolada pelo terror. Os servos da Deusa da morte, Kali, de seis braços, estavam novamente ativos. E encontravam as suas vítimas. Nas cidades, nas aldeias, no jângal – a selva

indiana.

Somente havia poucas pessoas que não temiam Kali e os seus servos. Uma delas era Mandra Korab, meu amigo. E foi ele quem me chamou para a Índia.

Para mim aquele foi quase um voo fatal.

Título do original: "Die Todesgottin" © 1981 by Bastei — Verlag © Da tradução — Editora Tecnoprint S.A., 1988 As nossas edições reproduzem integralmente os textos EDITORA TECNOPRINT S.A.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 3

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im Marlowe sabia das coisas! Não apenas nos bordéis de Bombaim ou Calcutá, mas também nos jângales impenetráveis e pantanais mortíferos do imenso continente indiano.

Trinta anos nesta terra amaldiçoada, mais ainda assim fascinante, tinham transformado Jim Marlowe num tipo que Jack London certamente teria usado como personagem principal dos seus romances de aventuras. Este homem natural da Inglaterra já tinha muita coisa atrás de si.

Guerra, cativeiro, fugas. Ele fora guarda-costas de um marajá, condutor de elefantes e garimpeiro à procura de ouro. Quando foi moda, ele fora traficante de tóxicos e contrabandista de bebidas alcoólicas.

Era também um excelente aviador. Que era, aliás, a sua verdadeira profissão, à qual ele voltara novamente já há alguns anos. O Cessna ele ganhara de presente, conseguindo chegar outra vez a uma posição representativa, e abrindo a sua própria firma, na qual era o único empregado e empregador. Nos seus voos transportava homens de negócios e turistas. Pulava de cidade em cidade ou aterrissava em pistas difíceis no meio do jângal Jim Marlowe era realmente um ás entre os pilotos do jângal.

Todo mundo ficara sabendo que ele não conhecia o medo, além de ser um excelente aviador, por isso não precisava se queixar de falta de clientes para os seus voos. Há muito tempo, as coisas não tinham andado tão bem quanto nestes últimos dez meses.

No momento ele tinha um novo cliente para um voo. Um arqueólogo inglês. O homem viera procurá-lo, pedindo-lhe informações a respeito de um templo que ficava situado bem no meio da floresta virgem. O templo da deusa Kali.

— Quer visitá-lo? — perguntou o piloto. — Não diretamente. O arqueólogo, um tipo magriço de cabelos grisalhos, sorriu. Quero apenas

que o senhor o sobrevoe. — Aha! Marlowe na realidade não estava entendendo nada, mas fez de conta. — E o que é que acontece então? — Eu fotografo o templo. Minha câmera é excelente. Consegue tirar fotos de

grande altura. — E não vai mais nada, embutido nisso? —Não, por quê? — Porque estou admirado. Não é barato fretar o meu avião. E só para

fotografar um templo, eu acho isso um pouco salgado. O senhor também não acha? Depois dessa resposta sucinta, Marlowe não fizera mais perguntas,

concordando com o voo. Ele sabia, mais ou menos, onde ficava o templo. Eles tinham levantado voo

em Calcutá, rumando para o oeste. Trezentas milhas aéreas adiante ficava

J

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Jamshedpur. Ali tinham feito escala, tomando combustível. A cidade ficava ao pé das montanhas e era ponto de partida de inúmeras expedições para as florestas tropicais. E o jângal agora estava por baixo deles. Uma paisagem verde, ondulante, que de algum modo lembrava um imenso mar. Sempre que voavam mais baixo, de vez em quando viam as águas de algum rio, que interrompia aquele verde exuberante.

Jim Marlowe conhecia a paisagem. Não era a primeira vez que ele voava neste trecho e não tinha razões para ficar olhando através da janela. Isto ele deixava ao seu passageiro, que parecia não se cansar de ficar olhando aquilo, remexendo na sua câmera, e de vez em quando tirando algumas fotos. "Cara estranho", pensou Marlowe, mas o principal é que ganhei o seu dinheiro".

Os motores estavam funcionando redondos. Nenhuma indicação de que alguma coisa pudesse sair errada. Boas condições para um voo favorável, se no poente não houvesse aquela frente escura.

Aquilo não agradou absolutamente ao piloto. A mesma erguia-se ali como um paredão ameaçador. Voar em volta dela ele não podia, uma vez que o destino do seu passageiro era mais ou menos onde se erguia esta frente. Ele tinha que entrar diretamente nela.

O compatriota dele estava sentado no assento a seu lado, ocupando-se com a sua câmera. Era um sujeito silencioso, mal falava uma palavra e só se interessava em deixar sua câmera pronta para tirar as fotos, quando chegassem ao destino. De vez em quando ele lançava um rápido olhar para Marlowe, como se quisesse perguntar-lhe alguma coisa.

A frente de nuvens aproximou-se. Jim avaliou a distância. Ele era um piloto experimentado e sabia muito bem

que eles alcançariam aquela frente em cerca de dez minutos. Se a grande distância ela parecera um tanto cinza-claro, agora parecia quase negra, à medida que eles se aproximavam. Jim Marlowe contava com o fato dela abrigar buracos traiçoeiros.

Aquilo tinha jeito de trovoada. E foi o que ele disse ao arqueólogo. O cientista ergueu, interrogativa, uma sobrancelha. — E pode ficar difícil? — Sim, muito fácil não é, mister. O senhor já passou por uma trovoada

tropical? — Sim, na América do Sul. — E o que achou? — Eu sobrevivi Marlowe sorriu, irônico. — Neste caso vamos esperar pelo melhor, meu caro. O senhor é quem comanda aqui — disse o arqueólogo, que atendia pelo

bonito nome de Archibald Waynright.

Na realidade só havia poucas coisas que Marlowe odiava realmente. E entre estas estava uma trovoada tropical. Ele já passara por algumas, que só se poderia descrever como um verdadeiro inferno. Bem, ele as sobrevivera, porém cada trovoada era diferente, como também estes malditos tufões, que às vezes nasciam do nada, rodopiando sobre a terra, e deixando um rastro de destruição atrás de si. Voar para dentro de uma frente de trovoada sempre era perigoso. A temperatura caiu. Em volta da frente formara-se uma zona mais fria, que entretanto desapareceria, logo que eles tivessem bem no meio dela. E entrar nela eles precisavam.

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Há muito já não se via claramente. Marlowe perguntava-se como o cara do seu lado, afinal de contas, pretendia fotografar. Ele não podia ver nada, pois já agora grossas nuvens escuras deslizavam rapidamente pelas janelas do Cessna.

E então relampejou pela primeira vez. Foi um raio em leque, que primeiro relampejou num amarelo forte,

cindindo-se depois, em uma ramificação, formando uma imensa rede, que rasgou a frente de nuvens escuras.

Estas ramificações eram perigosas. Se eles fossem apanhados por elas, só haveria duas alternativas. Ou tinham sorte ou azar. Marlowe rezou para que se realizasse a primeira alternativa.

Ele agora estava sentado, concentrado, atrás do manche. O seu rosto, parecendo um pouco encovado, estava tenso. Rugas profundas iam das narinas até o queixo, entrecortando a pele. Os olhos eram tão negros quanto os cabelos, e o bigodinho tremia um pouco. Tomara que conseguissem passar.

Os motores funcionavam tranquilamente. Isso era um bom sinal. Pois se um motor parasse e talvez o segundo também ainda falhasse, eles podiam empacotar. Por cima da floresta indiana não haveria ajuda para eles.

Ali eles estavam totalmente entregues a si mesmos. O homem tinha que lutar contra a natureza, e freqüentemente esta se mostrava mais forte.

Um trovão violento. Eles mal tinham visto o raio, mais ouviram aquele trovejar formidável,

sentindo também alguma coisa do vento forte, que agarrou o Cessna de dois motores, empurrando-o na direção do solo como uma folha de papel.

Jim Marlowe praguejou entre os dentes, enquanto o arqueólogo mostrou um rosto desfigurado, como se tivesse mordido um limão. Provavelmente ele imaginara esta viagem de outro modo. Chance de voltar não existia mais. Eles estavam no melo do atoleiro e tinham que dar um jeito para colocar atrás de si esta maldita frente tempestuosa.

De há muito tempo que Marlowe não conseguia ver mais nada. Eles estavam voando através de uma sopa cinzenta, que de vez em quando era fendida por fortes raios, que lambiam como línguas incandescentes as nuvens escuras. Marlowe sorriu amarelo, ao pensar na câmera do arqueólogo

—Agora não vai poder mais fotografar nada, homem! — gritou ele. —Talvez a coisa melhore. —Claro, mas então já teremos passado do seu destino. O voo foi a toa. Ele mal tinha pronunciado a última palavra quando as nuvens diante

deles pareceram explodir. Por segundos eles foram ofuscados, por tanto tempo relampejou, até o raio cindir-se em ramificações que envolveram o avião, parecendo não mais querer soltá-lo.

A luz tremelicou. Ficou escuro. Depois claro novamente. A tempestade sacudia as asas e o leme. O Cessna estremeceu e gemeu,

corcoveando para cima, como em protesto, mal ainda obedecendo aos lemes. Depois entrou em queda. A asa esquerda fora apanhada por uma lufada

repentina de vento forte, que literalmente primeiro o jogou para cima, empurrando-o depois para dentro daquele paredão de chuva.

Agora os homens não viam mais nada mesmo. Chovia a cântaros. A água batia no metal externo, martelava nas vidraças, os limpadores de

pára-brisa não conseguiam mais afastar a torrente, e até mesmo o altímetro parecia enlouquecido, o que Marlowe pôde ver no brilho bruxuleante da iluminação dos instrumentos.

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Ele já não sabia mais a que altitude estava voando, e na sua nuca começou a escorrer o primeiro suor.

—Isso pode acabar em droga — murmurou ele. — Maldição, isso vai dar droga —- mas falou tão baixo que Waynright nada ouviu.

O arqueólogo estava sentado no seu assento como um montinho de miséria. Jim não podia ver a cor do rosto do outro, mas achou que estava pálida. As mãos, tremendo muito, seguravam a câmera tão fortemente como se ela fosse sua última âncora de salvação, e pudesse ajudá-lo a sair daquele dilema.

O temporal transformou-se num inferno. Jim Marlowe, o aventureiro, teve que confessar-se honestamente que jamais

em sua vida tinha entrado numa tempestade tropical igual a esta. Relâmpagos, trovões, raios, trovões... Ininterruptamente, sem pausa. Aquelas lanças dentadas, amarelas, lançavam-se violentamente de dentro das pesadas nuvens negras que a tempestade chutava à sua frente como se fossem simples bolas de futebol.

— Agora, na realidade, as montanhas deviam ficar mais altas — murmurou

Jim Marlowe. Ele já voara sobre esta área e sabia que eles podiam tncontrar muitas dificuldades. Como as costas de um monstro antidiluviano os rochedos nus se elevavam acima do verde da floresta tropical. Os raios brilhavam avermelhados, agora entretando não se podia ver interferências elétricas demais.

E novamente um relâmpago projetou-se de dentro das nuvens. Era uma seta

amarela, bastante larga. Ela bateu na asa direita, balançando-a, depois foi seguida por um trovão.

O tufão caiu em cima deles como um animal furioso. Cortinas invisíveis de

chuva batiam contra o aparelho. Um solavanco violento. Waynright gritou, o piloto trincou os dentes e quase se engasgou num

palavrão. De repente elas estavam ali. Copas de árvores imensas, que apareceram como mãos gigantescas de

dentro da névoa das nuvens e da chuva, tentando agarrar-se ao trem de aterrissagem do Cessna bimotor.

E agora Marlowe soltou o palavrão. Ele quis puxar o aparelho para cima, porém uma lufada violenta de vento,

vinda da esquerda, jogou-o novamente para o lado. O Cessna gemia e estertorava com se estivesse sentindo dores.

O aviâozinho literalmente continuou pulando adiante, até que aquilo aconteceu definitivamente. Estalos, coisas arrebentando, uma pancada violenta. De repente as nuvens tinham sumido. Da cortina de chuva surgiu o verde leitoso da luxuriante vegetação do jângal.

— Agora só lhe resta rezar! — gritou Marlowe. O avião cortou uma picada dentro da floresta. O trem de pouso varreu para

longe as copas das árvores, como se fosse uma enorme foice. O Cessna foi sacudido por vários solavancos violentos. Parou, novamente foi lançado para a frente, perdeu altura definitivamente, e enfiou-se para dentro do inferno verde.

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Depois disso só se ouvia ainda estalos, galhos quebrando, e os gritos dos homens, que foram abafados pelo barulho ensurdecedor.

Mais um solavanco violento —- e fim. A Jim Marlowe pareceu um grande milagre o fato dele ainda estar vivo. No

céu certamente ele não estava. Lá não se sentia dores na nuca nem nas costas. E também não se ouviam palavrões, como estes que lhe chegavam aos ouvidos.

Cuidadosamente ele girou a cabeça e abriu os olhos. Primeiro não viu nada, porque alguma coisa vermelha, úmida, lhe tomava a visão. Ao pensar nisso, chegou a conclusão que devia ser sangue. Cuidadosamente ergueu o braço direito, limpou o sangue e recuperou uma visão mais ou menos clara.

Waynright, o arqueólogo, estava praguejando. Tal como Marlowe, também ele ainda estava amarrado ao seu assento e vivia.

Ambos viviam... "Pelo menos alguma coisa", pensou o piloto, "mesmo que o Cessna já não

prestasse mais para nada." Sim, ele estava completamente destruído. 0 jângal crescia para dentro do aparelho, cujo pára-brisa estava partido, as

asas quebradas, com parte delas espetando para os lados como uma dessas esculturas modernas malucas. De algum modo Marlowe achou que era um milagre eles ainda estarem vivos. A chance de sobreviver a esse tipo de queda era de um para cem.

Eles realmente tinham tido esta sorte inacreditável. Só que — teria mesmo sido sorte?

A chuva caía do céu cinza-chumbo, como se por lá houvesse seres especialmente para derramarem cântaros. Marlowe e Waynright estavam totalmente encharcados. As suas roupas colava-lhes no corpo.

— Ei, parceiro! — tossiu Marlowe. — Você ainda vive? — Mal e porcamente. O piloto riu. — Alegre-se, não podemos mais cair. — Como assim? — Porque agora vamos ter que voltar a pé. E isso vai ser um espetáculo, pode

confiar em mim. Waynright não respondeu. Ele mexeu-se no seu assento, e fez com que o

Cessna balançasse. — Cuidado! — advertiu-lhe o piloto — caso contrário vamos para O chão, junto com o aparelho. — Mas nós vamos ter que sair daqui. — Claro, mas deixe que eu o faça — Marlowe imediatamente pôs em ação o

seu pensamento. Ele soltou-se do seu assento. Até agora o cinto o segurara, depois a coisa foi melhor.

Primeiro ele arrastou-se para a esquerda e olhou para baixo. Eles se encontravam praticamente dentro de um imenso emaranhado de árvores, para dentro do qual o Cessna se precipitara. Devia tratar-se aqui de árvores velhíssimas e também muito fortes, caso contrário elas não teriam podido deter o aparelho na sua queda.

Marlowe já em outras vezes descera dos céus de modo pouco convencional, e sabia das coisas no caso de uma queda, portanto sabia também agora o que precisava fazer.

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Nada de movimentos em falso, caso contrário ele cavaria sua própria sepultura. Por isso deu instruções a Waynright para deixar o aparelho pelo mesmo caminho em que ele o faria.

Jim precisou de um quarto de hora, depois tinha conseguido o que queria. De certa altura ele simplesmente deixou-se cair ao solo. Bateu no

chão, mergulhando imediatamente num dilúvio de chuva, que formara um verdadeiro lago no chão da floresta.

Só que aquilo não aumentaria mais, porque a chuva entrementes ter-minara. As nuvens ainda estavam muito baixas, e aos homens parecia es-tarem num inferno cheio de vapores. Quando Archibald Waynright se viu de pé ao lado do piloto, ele ainda tremia.

Marlowe sorriu. — O que está acontecendo? O arqueólogo virou a cabeça. — Eu estou feliz com o tempo. É muito divertido. — Não é mesmo? O senhor consegue andar? — O senhor não vai me carregar — ou vai? — Humor o senhor tem. Meus respeitos. — Ora, quer saber de uma coisa? Certa vez me vi enterrado num túmulo

egípcio. Quem tem isso atrás de si, precisa de muita coisa para ficar perturbado. Só no avião eu tive um pouco de medo, pois lá dentro a gente parece tão indefeso, porque nada pode fazer pessoalmente.

— Eu também conheço isso. Archibald Waynright olhou em tomo. Ele tinha ainda, inclusive, a sua

câmera. Agora ele passou a mão no rosto. — O que é que o senhor tem? — perguntou Marlowe. — Na realidade nós fizemos este voo para vermos o templo da deusa Kali. Já

que estamos no chão, nós poderíamos dar uma olhada, para vermos se... — O senhor pretende ir até o templo? — perguntou o piloto, espantado. — Ele não fica no nosso caminho? — Eu acho que o meu tigre perdeu o rumo — Marlowe bateu com o indicador

na testa. — O senhor tem idéia do que significa querer atravessar o jângal a pé? — Ainda não. — Eu gostaria de ter o seu humor — depois Marlowe bateu no ombro do

cientista. — Ok, parceiro. Vamos ir andando. Vamos caminhar algumas milhas, só por causa de um templo.

— Exatamente, e os meus cigarros estão molhados. — E o seu chá? Archibald Waynright fez uma cara de chateado. — Sorry, este infelizmente não trouxe comigo. Mas ainda não é hora do chá. — Ingleses no jângal, é coisa que eu não agüento! — retrucou Jim Marlowe —

Não, realmente não. É demais — ele lançou um olhar de despedida ao aviãozinho, que mais parecia um monumento de um outro tempo, dependurado na ramagem das árvores altas.

E então começou a sua marcha. Logo logo passou-lhes a vontade de fazerem piadas. A floresta tropical era um

só inferno. As chuvas fortes tinham transformado áreas úmidas em verdadeiros lagos, e às vezes eles tinham que caminhar enterrando os pés e as pernas na água e na lama até os joelhos.

Além do mais havia essa umidade Era tão terrível, que os homens mal conseguiam respirar. O céu, entrementes de um azul forte, curvava-se por cima das

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árvores tropicais, e mal podia ser visto, porque o arvoredo alto formava uma abóbada verde.

E os insetos estavam em plena temporada! Eles procuravam as áreas descobertas dos homens. Logo o piloto e o arqueólogo desistiram de afastar os bichos com as mãos. Eram simplesmente insetos demais que queriam beber o sangue deles. Os rostos dos excursionistas involuntários estavam inchados, a pele brilhando avermelhada.

Um mundo estranho os recebeu. Não era apenas o chão, que mais parecia um pântano, e o mato baixo espesso, também o mundo animal era estranho para Waynright em sua composição.

Os gritos dos macacos e o barulho dos pássaros. Cobras deslizavam rapidamente através de pequenas poças de água, ou pendiam preguiçosamente de galhos de árvores, tão bem camufladas, que mal era possível diferenciá-las do verde das moitas.

Os homens continuaram lutando para vencer este inferno nevoento, mal conseguindo atravessá-lo. Agora que a rápida trovoada tropical desaparecera, os raios solares se infiltravam. De algum modo conseguiam penetrar através daquela folhagem exuberante até o chão. Ali alcançavam as poças de água que evaporavam. Às vezes formavam-se imagens das mais bizarras, quando os raios do sol penetravam nas nuvens de vapor, fazendo a neblina úmida rodopiar.

Jim Marlowe ia na frente. Normalmente eles teriam que abrir caminho com um facão ou machadinha. Uma machadinha eles não tinham trazido consigo, uma faca sim. Infelizmente apenas um canivete, e com isto não se conseguia muita coisa no jângal pantanoso do continente indiano.

E Marlowe portava um revólver. Um Colt de nariz curto, que estava carregado. Caso a coisa realmente ficasse preta, os homens podiam defender-se. O seu relógio incluía uma bússola. Nela Marlowe podia verificar que rumo eles tinham tomado. Estavam indo para o sudoeste. Se com isto iriam topar exatamente com o templo, ele não sabia. Era possível; entretanto também poderiam não encontrá-lo.

Era uma luta contra a natureza. O verde luxuriante, as flores coloridas e as plantas, elas simplesmente envolviam os dois homens num cinturão mortal. Eles já estavam a caminho há duas horas, entretanto tinham a sensação de mal terem saído do mesmo lugar, porque tudo parecia igual. Simplesmente não havia variação. E somente a bússola mostrava que eles não tinham andado em círculos. Archibald Waynright manteve-se excepcionalmente bem. Ele era um tipo de quem não se diria o quanto era durão. O arqueólogo não se queixava nem reclamava, ele simplesmente aceitava ter que lutar muito para poder atravessar aquele jângal. Em determinado momento Marlowe parou. A água corria-lhe em torrentes por cima da cara picada por insetos. Ele respirava de boca aberta, Sua roupa estava molhada completamente e toda suja, mas ele vivia. Waynright não tinha melhor aspecto, também ele mostrava traços de exaustão e os seus olhos brilhavam como se estivesse com febre.

— O senhor ainda insiste nesse maldito templo? — perguntou Jim Marlowe. — Não. O piloto sorriu, irônico. — Neste caso, o senhor poderia ter ido sozinho, meu caro. —- Quantas milhas, na realidade, conseguimos deixar para trás? — quis

saber Waynright. — Milhas? — o piloto riu. — No máximo uma milha. — E isso depois de todo esse trabalho.

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— Justamente. — Neste caso, estaríamos dias a caminho, antes de alcançarmos... — Sir, o senhor sabe calcular muito bem — sorriu o piloto. — Por aqui não há nativos. Quero dizer, algum tipo de trilho de jângal? — Por aqui não. Estes todos se transferiram para as cidades, onde vivem na

miséria. A verdade destas palavras eles puderam verificar logo adiante, meia hora

depois, quando toparam com os restos de uma aldeia. Eram cabanas simples, que a floresta virgem, depois de abandonadas pelos homens, simplesmente devorara. O mundo verde das plantas sufocava as ruínas cobrindo-as como uma enorme cama. Por ali não se via um único homem.

Waynright interessou-se pela aldeia abandonada. Ele adiantou-se e ficou andando por entre as cabanas, porque como arqueólogo talvez pudesse descobrir alguma coisa interessante por ali.

Marlowe ficou para trás. Gemendo, ele sentou-se num tronco de árvore caído no chão e enterrou o rosto inchado, molhado de suor, em ambas as mãos. Waynright continuou a sua busca. Aquilo o interessava ardentemente Metade de sua vida ele andara escarafunchando por entre as velhas ruínas de culturas esquecidas. Esta cultura aqui naturalmente não estava esquecida, mas mesmo assim, era possível recolher-se muitos conhecimentos.

Marlowe ficou sentado, ele não queria estragar o divertimento a Waynright. O piloto estava bastante exausto. Ele fechou os olhos, continuando naturalmente a perceber os ruídos da floresta tropical, e acreditando encontrar-se sentado num mundo de sonhos. Só que ao abrir os olhos, viu novamente diante de si aquela imagem colorida, exuberante.

E então ele ouviu o chamado. Jim levantou-se, assustado. Ele quase tinha pegado no sono. Agora ele olhou

em torno, e ouviu, pela segunda vez, a voz estridente do arqueólogo. — Venha até aqui. Aqui — o templo! Templo? Jim Marlowe acordou definitivamente. O homem falara de um templo Será

que, por acaso, eles teriam realmente topado com as ruínas?

Pouco mais tarde ele estava parado ao lado do cientista, e os seus olhos se abriram desmesuradamente.

Ali estava realmente o templo, ou melhor, aquilo que sobrara dele. Paredes e muros de pedras grossas, que tinham ruído num dos lados, mas

que se erguiam do outro como uma pirâmide. Naturalmente não tão pontuda como as construções dos antigos egípcios, mas achatada, mas ainda assim parecida.

— Lá está ele! É ele! — murmurou Waynright deslumbrado. Todas as canseiras e estafas estavam esquecidas. — Maldição, este é o templo!

Depois ele silenciou. E também Marlowe nada disse. Silenciosamente os homens olharam para a construção, na qual ainda era

possível reconhecer-se a grande entrada. Um buraco quadrado, em parte recoberto pelo jângal, mas mesmo assim ainda bem visível, pois em diversos lugares, aqui e ali, cipós e plantas mais grossas tinham sido cortados. Era possível entrar na construção sem maiores dificuldades.

Aquilo queria dizer que alguém já pusera os pés lá dentro. Não se viam rastros. Estes não permaneceriam muito tempo. O chão

simplesmente era mole demais, tudo era logo recoberto outra vez. E mais uma coisa chamou-lhes a atenção.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 11

O silêncio. Aqui não guinchava nenhum macaco, nenhum pássaro cantava aqui. O

silêncio era quase sinistro. Alguma coisa parecia estar à espreita por aqui. Um mau agouro, uma quietude perigosa, que envolvia alguma coisa indescritivelmente cruel, e que não podia ser entendida pela inteligência humana.

O Mal... O piloto sentiu isso, e interpelou o arqueólogo. Waynright ergueu os ombros. — Eu não sei o que está querendo dizer, Marlowe. Também as antigas

tumbas dos reis no Egito, não ficam exatamente envolvidas pelos ruídos do meio ambiente.

— Mesmo assim, isso não me agrada. — O senhor está com medo? — Mais ou menos. — Neste caso, o senhor pode esperar. Marlowe pigarreou. — Isso quer dizer que o senhor pretende entrar no templo? — O senhor ainda pergunta? Acredite-me, eu não perderia esta chance por

nada — o arqueólogo voltou rapidamente a cabeça. Nos seus olhos brilhava uma vontade fanática. — Uma chance como esta, eu não terei nunca mais. Um templo da deusa Kali! Isso é um verdadeiro espetáculo.

— Mas o senhor sabe o que contam, a respeito de Kali? — Claro. Ela era conhecida por sua crueldade, mas isso não é diferente

daquilo que se diz dos deuses egípcios. Eu conheço alguns deles que colocam Kali facilmente na sombra.

— Eu, no seu lugar, não entraria ali. — Não, Marlowe, esse templo eu tenho que ver de perto. O senhor, afinal de

contas, pode ficar aqui fora. — Vamos ver. Archibald Waynright já não ouviu mais a resposta dada pelo piloto. Ele já se

pusera em movimento, caminhando lentamente em direção ao templo... Quanto mais perto chegava, mais nitidamente via a entrada. E ficou surpreso com o seu tamanho. Aquilo era um buraco imenso. De algum modo ele irradiava um frio estranho, que não parecia enquadrar-se absolutamente neste jângal quente, fumegante.

Archibald Waynright sentiu um calafrio. Naturalmente ele deu-se conta daquele frio, mas o ignorou. Waynright repentinamente estava como que possuído, ele queria entrar nesse templo e explorar os seus segredos. Para isso, afinal de contas, ele aceitara enfrentar todos os esforços e o trabalho de atravessar a floresta indiana. Nada de voltar atrás, depois de alcançar o seu destino.

Antes de pôr os pés naquela construção semi-destruída, ainda lançou um olhar por cima do ombro.

Jim Marlowe estava parado ali, levemente inclinado para a frente. Como se estivesse hesitando e refletindo, se não devia, afinal, seguir mesmo o arqueólogo. Porém Marlowe já ouvira coisas terríveis acerca de Kali. Ele não era um nativo, mas tinha vivido tempo suficiente na Índia. Nesta terra havia coisas que normalmente eram impossíveis. Aqui viviam santos e saltimbancos, deuses e ídolos, gurus e monges. Ele conhecera pessoas que se faziam enterrarem vivas, e outras que ficavam, durante dias, sentadas, imóveis, no frio do Himalaia, totalmente nus, sem que isto os afetasse de qualquer modo.

Uma terra cheia de enigmas. E também um enigma era a deusa da morte, Kali.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 12

Ela tinha um grande número de fiéis, que a adoravam. E também o antiguíssimo culto da morte, cruelíssimo, espalhara-se. Entre os seus fiéis contavam-se pessoas de todas as camadas. Desde os mais humildes operários, até os muito ricos. A irradiação do culto de Kali não parava de aumentar.

Na sua conta inscreviam-se milhares de vítimas. Assassinatos ritualísticos, conjurações, a deusa exercia uma fascinação imensa sobre os homens. E não apenas na Índia. O culto da morte se espalhara. Nas capitais européias existiam sociedades secretas, cujos membros adoravam a deusa da morte.

Os Tongs estavam por toda parte. Quem era um Tong, permanecia um Tong por toda a vida. Ele disseminava os

ensinamentos da cruel Kali, e também agia de acordo com os mesmos. Sua própria vida, nisto, nada valia, apenas a da deusa da morte.

Waynright sentiu sua tensão interior. Ele parecia carregado de eletricidade, tanto a visita ao templo o atingia emocionalmente. O seu coração bateu agitado, quando ele olhou para dentro daquela garganta escura.

Realmente escura? Depois de ter caminhado alguns passos, e quando já ia tirando a lanterna do

bolso, ele viu um resplendor avermelhado, no qual se misturava um brilho dourado. De onde vinha a luz, ele não sabia dizer, a fonte não era visível.

Ele continuou andando, já movimentando-se na ponta dos pés. Seus olhos brilhavam como numa febre. De repente ele estava parado diante do alvo dos seus desejos. Há muito, muito tempo, ele procurara e investigara. Ele jamais imaginara poder descobrir um dos templos amaldiçoados tão perto da civilização.

O arqueólogo pensava apenas nas suas investigações, não nos perigos que poderiam estar à espreita num templo destes. Ele naturalmente lera muito sobre isso, porém nunca realmente admitira a veracidade do que lera.

Quanto mais ele se aproximava da fonte da luz, mais intensa esta ficava. Já chegavam até ele os prolongamentos do brilho vermelho-amarelado, cobrindo-o como um véu.

De repente aquele homem parecia estranho. Pálido e vermelho ao mesmo tempo.

Sentiu um calafrio descendo-lhe pela espinha. Não provocado pelo frio, que não existia, era toda a atmosfera que reinava aqui.

O Mal estava onipresente neste templo. Ele quase chegou a bater contra uma parede, tão mergulhado estava nos seus pensamentos. No último instante ele notou que teria que caminhar para a esquerda, para alcançar o seu objetivo.

E foi então que ele a viu. Kali, a Deusa da Morte! Aquela visão era simplesmente fascinante. Ela parecia ser de puro ouro. E parecia imensa. Alcançava praticamente até o teto, apesar de estar sentada

de pernas cruzadas, no chão. Waynright conhecia sua real aparência horrenda, porém nada disso estava visível nesta estátua.

O seu rosto rebrilhava tão dourado quanto os quatro braços que ela possuía. Também os olhos não brilhavam vermelhos, e o colar de cabeças humanas mostrava a mesma cor dourada, tal como as palmas das mãos, onde não se via uma só gota de sangue.

O arqueólogo ficou fascinado por aquela visão. Ele finalmente chegara à meta dos seus desejos. Durante anos ele investigara, ele trabalhara à meta dos seus desejos. Durante anos ele investigara, ele trabalhara, começara um gigantesco puzzle — um quebra-cabeças — que reunira peça por peça, e agora ele o concluíra.

Sim, era ela.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 13

Só que ele sempre a imaginara totalmente diferente. Não tão bonita e suntuosa, pois Kali sempre fora mostrada nas descrições e nos desenhos como uma criatura feia e horrenda.

O colar de cabeças humanas realmente estava em volta do seu pescoço. Waynright admirou-se que este acessório horripilante não o intimidava, porém neste momento de triunfo ele aceitou aquilo como inteiramente natural. O colar simplesmente fazia parte. Ele não devia faltar, caso contrário Kali estaria incompleta.

Ele adiantou-se alguns passos, pois queria tocar a estátua, que estava sentada, tão imóvel, bem no centro do templo. Ele nem percebeu o que ia em volta. Também não prestou atenção às enormes conchas ovais de sacrifícios, cujos fundos estavam recobertos por algo vermelho-escuro. O sangue coagulado das vítimas.

Com os olhos muito abertos ele olhou fixamente para os quatro braços da deusa. Dois tinham crescimento normal. Como num ser humano, eles saíam dos ombros. Os outros dois, entretanto, começavam na altura dos quadris. As quatro mãos não estavam fechadas, mas abertas, de modo que os dez dedos se destacavam.

Eles pareciam que estavam prestes a agarrar alguma coisa a qualquer momento. Porém Kali não vivia, ela estava morta, ele aqui via apenas uma estátua diante de si, um monumento, que os seus servos haviam erigido.

Abruptamente ele parou. Waynright descobrira algo. Por antigas tradições, transmitidas oralmente,

ele sabia que deviam ser doze as cabeças as que compunham o colar. E ele recontou-as cuidadosamente. E chegou a um outro número. Onze!

Faltava uma cabeça. Portanto o colar fora interrompido. A tradição dizia que, quando algo assim

acontecia, os servos da deusa se preocupariam em completar o colar novamente. Portanto eles estavam precisando de uma cabeça.

Era exatamente a última cabeça, a que faltava no macabro colar. Aquela que devia estar dependurada bem embaixo, mais ou menos na altura dos seios da deusa. Se Waynright se colocasse nas pontas dos pés, poderia alcançar, com a mão estendida, o colar. Ele não apalpou a cabeça, mas tentou sentir de que material o colar consistia. O mesmo era estranhamente mole ao toque. Alguém certa vez falara de pele humana, que seria atravessada pelos crânios. Cada crânio tinha, à direita e à esquerda, dois orifícios, de modo que a pele podia passar exatamente por ali.

Para que as cabeças, numa interrupção da corrente, não escorregassem para fora, logo atrás dos buracos, tinham sido feitos grossos nós.

"Muito engenhoso", pensou ele. Febrilmente o arqueólogo ficou pensando. Quem teria roubado aquela

cabeça? E por que acontecera isso? Ele lembrava-se das histórias que diziam que os servos da deusa, quando entrassem na posse de uma cabeça destas, alcançariam o poder.

Poder sobre os homens, pois a força da deusa Kali então passaria para eles. Um ruído fê-lo erguer os olhos assustado. O mesmo podia ser comparado, de algum modo com um arranhão como se

algum animal estivesse se esgueirando através da gruta. Mas não era nenhum animal, era outra coisa.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 14

A deusa mexera um braço. Era um dos direitos, e aquele que começava na altura dos seus quadris, portanto mais próximo ao arqueólogo.

Waynright ainda virou a sua cabeça. Ele viu o fenômeno, porém não conseguiu entendê-lo, pois então a deusa já o agarrara. Cinco dedos envolveram os quadris do homem, apertando-o fortemente. Tão fortemente que Waynright gritou instintivamente, e só então, segundos depois, entendeu o alcance do que se passava.

A deusa o pegara! E o segurou. Os olhos de Waynright se abriram muito. De repente ele deu-se conta que

estava metido numa armadilha. Uma armadilha que ele armara para si mesmo. Ele entrara na mesma de livre e espontânea vontade. Para uma volta era tarde demais, pois a deusa despertava para uma vida horrenda.

Ela o levantou. Waynright perdeu contato com o chão, e golpeou violentamente o braço

dourado da deusa. Que não mostrou qualquer reação. Parecia que arqueólogo batera contra

metal. Mas metal que vivia? Não, aquilo já não era mais nenhum metal, pois o brilho dourado sumiu

como a luz do dia, quando a escuridão e a noite caíam. Cada vez mais ele empalideceu, e cada vez mais nitidamente podia ver-se a

real imagem da deusa. A cruel, a terrível! Aquilo começou pelo rosto, onde a cor dourada desapareceu primeiro,

deixando para trás um negro profundo. Ao mesmo tempo os olhos começaram a faiscar num vermelho profundo, e este vermelho mostrou-se novamente nos cabelos em desalinho. Porém não exatamente como cor, mas como sangue. Sangue, tal como nas palmas das mãos da deusa, e mesmo do colar desapareceu a cor dourada.

As cabeças humanas de repente pareceram normais. Elas se encontravam bem próximas dos olhos do arqueólogo, de modo que ele pode ver a maioria delas. Era uma coisa horrível.

Waynright realmente viu-se confrontado com o terror. Ele viu cabeças de homens e mulheres. E no meio daquilo, de crianças. Nativas e estrangeiras, o colar de Kali era uma sinfonia do terror.

O seu olhar deslizou mais para cima. Ele queria ver aquele rosto, a máscara horrenda, a imagem do inferno, que irradiava a frieza e a crueldade do cosmo.

O sangue cintilava nos cabelos dela, que representavam um jardim emaranhado no qual se distribuíam as gotas grossas, isoladas, correndo como lodo visguento ao longo das madeixas isoladas. Os olhos vermelhos pareciam pedaços de brasa do fogo do inferno, o restante do rosto era chato, mal se podia reconhecer um nariz, e a boca era apenas uma goela. Não muito grande na sua abertura, porém quando o arqueólogo olhou para dentro da garganta, pareceu ver uma profundidade negra, insondável.

Ele sacudiu-se todo, enquanto ainda estava dependurado nas garras da deusa da morte.

Agora ela rolou os olhos, de modo que estes lhe lembravam pequenas girándolas. Da bocarra saía um vapor avermelhado, entremeado de um visgo verde-veneno, que bateu no rosto de Waynright queimando a sua pele como o vapor de um ácido.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 15

Ele teve medo. Um medo inverossímil, que aumentava de segundo a segundo,

transformando-se num dilacerante medo da morte. Apesar desse medo, o seu cérebro funcionava claro e penetrante. Ele conseguia pensar, e ele lembrou-se da cabeça que faltava no colar.

Uma cabeça, que precisava ser reposta. A dedução era simples. A deusa da morte estava com um prisioneiro que

ainda vivia, nas mãos. Passos interromperam seus pensamentos. Eles tinham ecoado do seu lado, e ele conseguiu virar a cabeça. Da escuridão do templo separou-se um vulto. Era um hindu. Ele usava um

turbante branco como a neve, e fora disto apenas uma tanga que amarrara como um pedaço de couro em volta da cintura.

O seu rosto estava rígido, não mostrando qualquer marca, nenhuma pintura ou sinal de casta. Em contrapartida, no seu peito brilhavam três olhos.

Olhos vermelhos. E três olhos Siva sempre possuíra, o esposo de Kali. A visão deste homem de

aparência estranha fascinou tanto o prisioneiro, de modo que por um momento chegou a esquecer suas próprias agruras. Entretanto logo foi lembrado disso, quando tirou o seu olhar do seu corpo propriamente dito, para cair no objeto que o indiano segurava na sua mão direita.

Era uma espada! E foi então que Waynright começou a gritar...

Jim Marlowe ficara inquieto. Nervosamente ele andava de um lado para o

outro, não pudera mais agüentar sentado no tronco de árvore, o desaparecimento do seu parceiro o preocupava muito. Este entrara no templo e desde então não mais voltara. Ele teria descoberto alguma coisa? Talvez a deusa da morte, Kali? Jim sabia que existiam milhares de imagens dessa deusa cruel. Era absolutamente possível que uma delas existisse dentro deste templo em ruínas, no meio do jângal.

O piloto estava balançando entre o medo e a consciência do dever. Por um lado ele não queria deixar o arqueólogo na mão, por outro tinha um grande medo do templo e do seu conteúdo desconhecido.

Como deveria se comportar? Aqui fora não acontecia nada. Ele continuava em meio a uma paz enganosa,

que mal era interrompida por algum ruído. Ele já vivia há tempo bastante na Índia para saber interpretar certos sinais. Eram freqüentemente os animais, que se mostravam os primeiros advertidores. Uma vez que eles silenciavam, devia haver alguma coisa por perto, da qual eles tinham um medo enorme.

A maldição da Deusa da Morte. Devia ser isso. Jim Marlowe sentia nitidamente as irradiações. Elas

davam-lhe um mal-estar físico, sentiu um calafrio na espinha, coisa que ele via como primeiro sinal de um grande medo.

Por que este maluco Waynright não voltava, finalmente? Então tudo estaria em ordem. Eles poderiam deixar este local aqui o mais depressa possível e...

Um grito interrompeu os seus pensamentos. Um grito feio, horripilante, que ecoara de dentro do templo, provando-lhe que

o arqueólogo estava em grande perigo de vida. Ele deveria ir ajudar? Marlowe não era nenhum covarde, ele conhecia as leis do jângal. Aqui só

sobrevivia o mais forte, e ele tinha uma arma. Se ele não possuísse o Colt, talvez

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tivesse saído dali correndo, porém confiando no revólver e na força dos seus tiros, ele pôs-se a caminho do templo.

Correu como um louco através da entrada, na escuridão. Depois, cau-telosamente, pôs um pé diante do outro. Também ele teve sua atenção chamada para aquele brilho avermelhado, que penetrava na escuridão à sua frente. O mesmo não tinha nenhuma fonte específica, pelo menos ele não podia ver nenhuma, o brilho simplesmente existia e parecia sair de dentro das paredes do templo como um veneno insidioso.

Este aqui não era nenhum perigo normal, palpável, que ele tinha à sua frente, isso devia ter alguma coisa a ver com ocultismo e conjuração de espíritos; isso, pelo menos, era o que Jim Marlowe raciocinava.

Um mundo estranho, sinistro, o envolveu. Ele realmente não entrava num templo pela primeira vez, porém este aqui era diferente daqueles que conhecia. Ele irradiava o Mal, que chegava a ser assustador. Dentro e no meio destas paredes se manifestava o terror, o espírito malévolo da deusa da morte da morte Kali.

Jim Marlowe sacudiu-se todo, só de pensar nisso. Daqui ele dificilmente sairia novamente, sem ter tido uma experiência marcante, disso ele tinha certeza. Talvez um encontro com a Morte?

Ele parou. A palma da mão, que tocava a coronha da arma estava úmida de suor. A arma quase escorregou-lhe da mão, ele teve dificuldade de segurá-la, e perguntava-se se ela realmente iria ajudá-lo em alguma coisa.

Os gritos tinham silenciado. Uma calma sinistra espalhara-se no interior do templo. Um silêncio que fazia mal aos nervos de Jim, e que ele podia descrever como enganoso.

Nervosamente sua língua passou pelos lábios. Estes estavam secos e esturricados. Na sua testa brilhava o suor. Ele abaixou um pouco a parte superior do corpo, enquanto ia em frente, mergulhando mais profundamente no templo, até chegar a uma parede, pela qual ele teria que passar pela esquerda, para alcançar a fonte de luz.

Agora Jim pôde vê-la mais nitidamente. A luz realmente era irradiada pelas paredes internas do templo da floresta. Ele sacudiu a cabeça. Jamais passara por isso. Isso simplesmente não podia

ser verdade, pois normal a coisa não era, mas um fenômeno inexplicável. A deusa! Pela primeira vez ele viu uma estátua da deusa Kali deste tamanho

imponente. Surpreso o piloto parou. Ele estava fascinado e repugnado ao mesmo tempo, o seu pomo-de-adão movimentava-se para cima e para baixo, enquanto ele engolia em seco.

Jim Marlowe, aventureiro e piloto, experimentava a visão da deusa da Morte, Kali, em todo o seu horror. Ele viu a figura com os cabelos pretos, embebidos de sangue, o rosto cruel, o colar de cabeças humanas, e as suas pernas tremeram, enquanto ele se aproximou ainda mais.

Quase tropeçou por cima de um objeto escuro, estendido no chão. Imediatamente parou e abaixou o olhar.

Jim Marlowe pensou que ia enlouquecer. Diante dele estava caída uma pessoa sem cabeça, somente ainda um torso, em meio a uma poça de sangue escuro.

A luz avermelhada era suficiente para que ele pudesse ver quem tinha diante de si.

Archibald Waynright, o arqueólogo. Ele tinha pago sua curiosidade com a própria vida.

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Mas onde estava a sua cabeça? Só com muito custo o piloto ergueu os olhos. Uma suspeita terrível brotara dentro dele. Tão terrível e tão cruel, que ele hesitou em deixar que seus olhos a confirmassem.

Mas não havia outro jeito. Novamente o seu olhar fixou-se na estátua da deusa. Como atingido por uma chicotada ele estremeceu violentamente, quando teve confirmada a crueldade.

Jim agora sabia onde se encontrava a cabeça do arqueólogo. A mesma formava o último elo na corrente macabra, que estava dependurada em volta do pescoço da deusa da morte.

Olhos parecendo revirados, estarrecidos, fixaram o piloto, os cabelos pendiam úmidos e despenteados da testa do crânio, e a bocarra da deusa da morte se repuxara num sorriso malévolo e diabólico, que marcava o triunfo que ela sentia. Esta visão foi demais para Jim Marlowe.

Girando nos calcanhares, ele abandonou, em fuga desabalada, o temido do terror...

2 meu cigarro já estava consumido até a metade, quando o joguei no cinzeiro de pé. Eu mesmo fiquei sentado na poltrona junto do cinzeiro, deixando que o barulho do

grande hall do aeroporto me envolvesse. A mim parecia que a metade de Londres estava saindo em viagem, e a outra

metade estava voltando. Neste dia as coisas estavam realmente terríveis. Daqui saía-se para todo o mundo. Eu já partira muitas vezes de Heath-row,

só que nesse dia eu não pretendia sair voando, mas sim ficar com ambos os pés no chão da boa terra-mãe.

Eu tinha marcado um encontro. Suko, novíssimo inspetor, ocupava o lugar no birô, enquanto me haviam chamado ao aeroporto.

O chamado, neste caso partira de um homem chamado Bill Conolly, que, ao lado de Suko, era meu melhor amigo.

Bill captara alguma coisa, que ele dizia me interessaria. Quando indaguei, ele mostrou-se bastante misterioso, fechara-se em copas, prometendo entretanto aparecer no aeroporto com seu informante, onde eu ficaria sabendo de tudo.

Por isso eu tinha saído ventando e agora esperava perto do guiché da Indian Air Unes pelo repórter e pelo seu informante. O assento da poltrona de couro era caído para trás. Eu estava mais dependurado dentro deste móvel do que sentado, olhando atrás das pessoas que passavam por mim todas com muita pressa.

De algum modo davam-me a impressão de estarem todos chateados. Havia o rápido olhar ao relógio, os rostos às vezes pensativos ou preocupados dos managers, cujas mãos se agarravam ferozmente às alças de suas pastas 007.

Mulheres, coloridamente vestidas, aliviavam um pouco a imagem daquela multidão de gente que se movimentava de um lado para o outro. Vi inúmeras girls bonitas, às vezes vestidas exageradamente na última moda, lânguidas e com olhares arrogantes, que só se iluminavam quando descobriam algum homem, que formalmente cheirava a manager e a dinheiro.

Aquelas garotas chiques nem me deram atenção. Isso não me pareceu trágico. Aliás, eu não viera ao aeroporto para flertar, eu estava esperando por Bill Conolly.

E ele já estava atrasado.

O

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Highnoon, fora a hora marcada para o encontro. Doze horas — meio dia declarara o repórter, um pouco grandiloqüentemente. Agora ele já estava atrasado dez minutos além da hora marcada, e eu continuava não vendo nada dele, apesar de levantar-me, colocando-me na ponta dos pés e lentamente olhando em volta, para poder olhar por cima das cabeças das pessoas.

Realmente aquilo não era jeito do Bill, deixar-me plantado desse modo, e eu já estava ficando preocupado. Isso, no nosso trabalho era compreensível, afinal não apenas eu mas também Bill Conolly estávamos bem entre os primeiros na lista dos marcados para morrer de nossos adversários. A tragédia, vinda de outras dimensões, era capaz de golpear sem piedade e com a velocidade de um raio. Próximo dali havia vários telefones. Orelhões protegiam os aparelhos, facilitando o seu uso no meio daquele barulho todo.

Eu fiquei brincando com a idéia de telefonar para a casa dos Conolly, para perguntar se o bom Bill realmente já partira de viagem. Isto, entretanto, não foi mais necessário, pois o repórter apareceu. Ele estava realmente com pressa, e passou quase correndo através da muldtidão, de vez cm quando afastando alguém com os cotovelos.

Eu acenei. Bill neste momento olhava para a frente, viu meu sinal, e acenou de volta.

Segundos mais tarde ele estava do meu lado. Somente agora vi que ele não estava sozinho. Era acompanhado de um

homem, que mal me chegava aos ombros, tinha cabelos pretos como piche e uma cor bem mais escura que a minha. Os olhos também eram pretos. Ele usava um temo cinza e por baixo um pulôver preto. Em Londres havia milhares de hindus. Este homem era um deles.

Bill cumprimentou-me e apresentou o homem, que atendia ao nome de Kisulah.

- Onde podemos conversar sem sermos incomodados? perguntou-me o repórter.

Eu apontei para a esquerda. Ali ficava o quadrado de uma lanchonete, em cujo balcão algumas banquetas ainda estava livres. Bill Conolly concordou.

Imediatamente perguntaram o que queríamos e todos pedimos café. O indiano ficou sentado, meio agachado na sua banqueta. Chamou minha atenção o fato dele freqüentemente olhar em volta, muito timidamente, como se temesse estar sendo perseguido.

Eu fiquei preocupado, mas não falei nada. —Trata-se da deusa Kali — disse Bill depois de um gole. Eu olhei para Bill, vi aquela expressão séria nos seus olhos e fiquei ainda

mais preocupado. O que é que eu sabia acerca da deusa? Diziam que ela possuía quatro braços

e que tinha sido a esposa de Siva. Ela tinha sido venerada na índia, mas também na Europa, pois os hindus tinham trazido consigo o cruel culto da morte da deusa sangrenta para o Velho Mundo. Sobretudo para as grandes metrópoles, e ali, por sua vez, nos enclaves asiáticos, tinham sido fundados sociedades secretas, cujos membros se autodenominavam Tongs. Também em Londres havia muitos deles, só que até agora eles tinham conseguido manter-se em segundo plano. Quando eles executavam os seus cruéis rituais assassinos, isto ocorria com a exclusão do público, e mesmo de suas vítimas nada era encontrado, porque eram queimadas e suas cinzas jogadas ao Tâmisa.

Meta das sociedades secretas era a difusão da religião do terror. Kali, a deusa da morte, devia encontrar fiéis para venerá-la em todo o mundo. As mesmas

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pertenciam somente homens. Quem se tivesse curvado ao juramento de Kali, jamais se livraria do mesmo. Ele encontrava-se atado a ela por toda a eternidade. Traição era castigada com a morte. Quem fazia parte dos servos de Kali calava a boca. Poderiam submetê-lo a tortura, pichá-lo e emplumá-lo. De seus lábios não arrancariam uma só palavra que pudesse incriminar os Tongs.

Justamente por isto era difícil para os europeus — quase impossível — romper este círculo do silêncio. Se Bill conhecera alguém que realmente queria abrir a boca, o repórter já teria conseguido algo sobre-humano.

Bill cutucou-me. — Você de repente ficou tão pensativo, meu caro. — E não deveria estar? —! Deveria, se acontecer o que Kisulah tem para nos contar — Bill virou-se

para ele. — Você pode contar tudo ao Inspetor-Chefe Sinclair. Aqui ninguém está nos escutando.

O indiano estremeceu. — Eu não sei se eles ainda não descobriram nada, mas para mim tanto faz.

Eles assassinaram minha irmã, porque ela não quis obedecer, e eu quero vingança. — Quem são eles? — perguntei. — Os Tongs. — E eles existem em Londres? — Sim, há muito tempo já. Eles, aliás, também são auxiliados por gente da

índia. Passaram-se anos de relativa paz, porém agora o poder da deusa da morte Kali foi novamente ressuscitado.

— Como assim? O homem olhou para Bill. Meu amigo anuiu, estimulando-o a falar. — Conte tudo, desde o princípio. O Inspetor-Chefe Sinclair é um bom

ouvinte. O indiano anuiu e baixou a cabeça. Olhou para a madeira lisa, enquanto

começou a falar em voz baixa. Durante muito tempo nós, indianos, fomos deixados em paz pelos Tongs. A

deusa da morte Kali parecia ter mergulhado num longo sono. Naturalmente sempre houve tentativas de chamá-la de volta à vida, porém os Tongs na Índia, e também aqui em Londres, onde eles têm a maior filial, não conseguiram o seu intento, na prática. Outros problemas eram mais importantes. A pobreza na índia, o ódio racial na Inglaterra, a luta pela simples sobrevivência, desemprego, agitação dos estudante, também entre meus compatriotas e finalmente o reconhecimento de que nada disso adiantava alguma coisa. Os brancos têm o dinheiro, eles eram mais fortes, são mais poderosos. Nos guetos de estrangeiros em Londres, onde vive a maioria dos homens de cor, espalhou-se o ódio e a reinação. Um campo ideal e receptivo para a doutrina de Kali. Tudo aconteceu praticamente sem uma grande transição. De repente eles tinham chegado. Os Tongs se ergueram, se levantaram como se sempre tivessem estado ali, e eles encontraram servos. Entre os intelectuais tanto quanto entre os mais pobres. Todas as ligações foram reativadas. Trabalhava-se junto com os bandos do país natal, onde dizem existir um templo misterioso, no qual a deusa Kali existe, como figura viva, em todo o seu horror. Ela é novamente adorada. As pessoas acreditam nela, no seu poder e na sua força. E para tomá-la ainda mais forte, em sua honra fizeram-lhe sacrifíios. Criou-se um novo colar, porque o antigo havia sido destruído. Por um homem chamado Mandra Korab. Este não temia nada e se opôs aos Tongs.

— Um momento - interrompi o indiano. O senhor mencionou o nome de Mandra Korab? — Sim. É ele o valente.

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—Eu conhecia Mandra Korab. Muito bem até, nós já havíamos lutado lado a lado. Por último, aqui mesmo em Londres, contra os Silfos, os escaravelhos sinistros.

— E Mandra Korab destruiu o colar, do qual o senhor falou? — E assim — confirmou Kisulah. — Mas isso foi na Índia. — Sim. —E quando? — A ocasião exata eu não sei dizer — respondeu ele, erguendo os ombros. —

Provavelmente já faz alguns anos. — E o que há de extraordinário com esse colar? - Quis eu saber do hindu. Este me olhou, abrindo muito os lhos. — O senhor não abe? — Não. Bill fez um gesto defensivo. — Não é falta de cultura, John. Eu também não o sabia, até algumas horas

atrás. Você poderia explicá-lo mais uma vez, Kisulah? — Sim, claro. O colar consiste de cabeças humanas. São as cabeças das

vítimas nas sacrificadas. Doze têm que ficar dependuradas em volta do pescoço da deusa da morte, para que o círculo se feche, pois doze meses tem o ano, e também são doze os signos do zodíaco. Se por alguma razão o colar é interrompido, é preciso que se encontre, o mais depressa possível, uma nova vítima, para com a sua cabeça novamente fechar o círculo. Assim ordenam as antigas leis.

— E esta corrente foi interrompida? — Sim, Sir — Kisulah anuiu. — Alguém a interrompeu. E não foi por

descuido, isso foi feito conscientemente, porque as cabeças, enquanto estão dependuradas em volta do pescoço de Kali, absorvem algo da magia de Kali, transformando o respectivo possuidor de uma cabeça numa pessoa muito poderosa. Uma cabeça foi retirada do colar de crânios, e esta cabeça encontra-se a caminho de Londres, para aqui ser entregue.

— O que é que o senhor está me dizendo? — eu parecia eletrizado. Kisulah anuiu.

— Por isso justamente eu sugeri este encontro aqui mesmo no aeroporto. O mensageiro vindo da índia chega ainda hoje aqui em Londres.

Ele estará trazendo consigo a cabeça, que certa vez esteve dependurada no colar da deusa da morte, para que o seu poder passe também para os Tongs londrinos.

Isso era difícil de digerir. — John, isso certamente não é nenhuma brincadeira — disse o

repórter. — Acredito piamente no que você está dizendo. Para uma brincadeira este

assunto é sério demais — eu sacudi a cabeça e esvaziei minha xícara. — Isso é terrível, muito ruim até.

— Mas o senhor ainda poderá evitar alguma coisa. O avião deverá chegar dentro de pouco menos de quarenta minutos. Basta que o senhor agarre o homem e evite que ele consiga contrabandear a cabeça do colar para dentro de Londres. Então, as coisas não serão tão terríveis.

— O mensageiro vai ser recebido? — Provavelmente. Exatamente não pude obter esta informação. — Eu devia

mesmo ter trazido Suko comigo — disse eu, mais para mim mesmo. — Pena que não pensei nisso. Em determinadas circunstâncias, vamos ter que lidar com

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inúmeros adversários, e estes são como aviadores-camicases, sempre prontos para sacrificarem suas vidas.

Bill tinha ouvido minhas palavras murmuradas — Suko não será capaz de chegar aqui em tempo, John. — Também receio

que não. — Se o senhor surpreender os outros, estes não terão nenhuma chance —

declarou Kisulah muito convencido. Eu também era dessa opinião. Mesmo assim eu ainda quis saber porque ele

nos escolhera, justamente a nós, para contar-nos tudo isso. Uma grande tristeza apareceu nos seus olhos. — E que se trata de minha irmã. Ela foi assassinada pelos Tongs, porque o

seu noivo filiou-se ao bando, e ela o queria ter de volta. Ele entretanto colocou-se do lado da deusa da morte e atraiu minha irmã para uma cilada. O que fizeram com ela eu não sei. Com toda certeza ela teve uma morte sob torturas.

— O senhor pode provar isso? — Não! Não me foi possível. Eu não consigo praticamente nenhuma

informação. Que hoje deve chegar aqui esse indiano, eu consegui saber através de uma mensagem gravada em fita que minha irmã me deixou como herança. Como eu, ela também trabalhava na embaixada. Eu ali intervi junto aos meus superiores, porém ninguém quer ter nada a ver com os Tongs. As pessoas têm um medo terrível deles. Foi então que me lembrei de Bill Conolly. Eu o conhecia de antigamente. Certa vez ele escreveu um artigo sobre nossa terra, com muita objetividade. Eu sabia que ele é um homem a quem não é fácil fazer com que dobre seus joelhos, e além do mais sabia, também, que ele tinha boas relações. Conforme estou vendo, eu realmente não me enganei.

— Não, o senhor não se enganou — disse eu. — Infelizmente Kisulah não conhece o nome do mensageiro. Vamos ler que confiar inteiramente no nosso faro e na nossa sorte, John. Naturalmente — eu olhei o relógio. Ainda tínhamos um pouco de tempo. — Acha que devíamos informar aos funcionários da alfândega? Bill Conolly achava que sim.

— Eles têm prática do assunto, e poderão deter alguns suspeitos. Eu também era dessa opinião.

— Para Kisulah naturalmente é perigoso que ele tenha entrado em contato conosco — disse o repórter. — Ele terá que contar com o fato de que eles o matarão, se alguma coisa disso tudo chegar ao público.

— Bill colocou sua mão no ombro do indiano. — Por isso eu agora quero sugerir que o senhor desapareça. — Bill tratava o homem às vezes por você às vezes de senhor.

— Isso seria bom. O repórter pagou a conta. Eu escorreguei de cima da minha banqueta e olhei

em volta. Para Kisulah representava perigo de vida ter se encontrado conosco. O outro lado tinha assassinado sua irmã, e se os Tongs adicionassem um mais um, certamente chegariam ao resultado de que o homem representava um perigo para eles. Isso tinha afiado minha desconfiança.

Infelizmente ainda havia muita gente por ali. Aquela multidão quase não se conseguia abranger com a vista. Gente de todas as raças e de todas as nações povoavam o grande hall.

Este aeroporto na realidade era uma pequena cidade em si mesmo. Aqui havia inúmeros esconderijos e incontáveis possibilidades para chegar perto de alguém sem ser visto em tempo.

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Naturalmente o local era policiado por dentro e por fora. Forças de segurança patrulhavam a dois, os corredores. Os homens estavam armados com metralhadoras de cano curto.

Aqui e ali eu pude ver seus uniformes. E também os indianos. Há pouco eles ainda tinham estado juntos, os dois. Eles tinham chamado

minha atenção, porque cada um usava um turbante. Agora eles tinham se separado. Um deles vinha na direção da lanchonete. Enquanto Bill esperava pelo troco, Kisulah escorregou de cima do seu tamborete e virou-se lentamente.

E então arregalou muito os olhos. Ele tinha visto o indiano, que ficara parado, com ambos os braços pendentes ao lado do corpo.

De repente eu escutei aquele assobio. Ainda no mesmo segundo percebi aquele golpe surdo, o estertorar, e vi o sangue que brotava da boca do hindu. Um punhal acertara o homem bem no meio do peito!

*** Não fora o indiano quem o atirara. Isso estava patente. Ele estava parado ali,

de pé, olhando para nós, e um ligeiro sorriso aflorou-lhes aos lábios. Isto eu vi dentro de um segundo, antes de virar a cabeça inteiramente para a esquerda, voltando-me para Kisulah.

Ele ainda estava de pé. Num último reflexo, ele tinha se agarrado no corrimão, as mãos meio

contorcidas, mas ele ainda se mantinha ereto, o que para mim era inverossímil. E então ele fechou os olhos, e foi para o chão. Agora as primeiras pessoas começaram a gritar. Os fregueses que estavam

sentados junto ao balcão da lanchonete deram-se conta do que acontecera. Em fuga eles abandonaram os seus lugares, precipitando-se para dentro do turbilhão de gente, que povoava o grande hall.

O que eu queria era pegar o assassino traiçoeiro. E se eu não conseguisse agarrá-lo, então, pelo menos, o seu cumpincha, pois aquele indiano que sorria ironicamente certamente estivera acumpliciado com o outro. Também este homem mergulhara na multidão, além do mais algumas pessoas ainda me atrapalharam a passagem, de modo que ficou difícil encontrar uma saída.

Por sorte o homem usava um turbante. O tecido branco brilhava, de modo que eu o descobri. O indiano corria exatamente para o lugar onde cintilantes escadas rolantes levavam ao andar superior. E dali ele teria também as melhores possibilidades de fuga.

Com um salto formidável eu voei literalmente por cima de duas crianças, fazendo com que a mãe quase desmaiasse, rodeando em ziguezague um grupo de adolescentes barulhentos, e logo cheguei à escada. O indiano já estava praticamente lá em cima.

Ele lançou um olhar por cima do ombro, e sorriu friamente. E não dava absolutamente a impressão de estar com medo, mas sentia-se até muito seguro. Eu poderia ter puxado a Beretta, porém queria evitar chamar aten ção deste modo, de qualquer jeito. Neste caso, eu teria gerado um enorme pânico. Por isso saltei os degraus acima e já tinha a metade da escada rolante atrás de mim, quando o indiano desapareceu. Eu tomei mais um impulso, e corri adiante.

Finalmente a escada estava atrás de mim. E diante de mim vi um enorme hall O teto era apoiado por enormes colunas.

As mesmas eram quadradas. Mais para a frente, onde ficava a testada do hall elas era delimitadas por enormes vidraças. Uma balaustrada escura, à direita da

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escada, servia para que as pessoas pudessem olhar para o andar abaixo, sem risco de caírem.

O indiano correra para a direita. Ele conservou-se perto da balaustrada e de vez em quando olhava para trás. Ele simplesmente tinha que me ver, por isso lhe gritei:

— Para onde está! Ele não me ouviu e continuou correndo. Eu acelerei minha velocidade. Este

cara não me escaparia, e ele, aliás, nem pensava em fugir, pois repentinamente parou, girou sobre si mesmo E FICOU olhando para mim.

Maldição, que maldade ele tinha em mente agora? Outras pessoas passaram correndo por nós. Também elas ouviram ritos, que ecoavam até nós, vindos do andar debaixo. Ainda corri três passos, para depois parar. A rápida mudança de opinião do indiano não me parecia confiável, por trás disso havia alguma coisa, queria descobrir o que era.

Para logo abrir o jogo, declarei-lhe quem eu era. — Eu logo imaginei que o senhor era da Scotland Yard — retrucou ele

anuindo. Com exceção do seu turbante ele estava vestido à moda ocidental. O seu

terno cinzento não era mais moderno, mas isso pouco importava. Sob o paletó ele usava uma camisa branca, que curiosamente não tinha botões, mas era aberta. Era possível separar-se as duas partes.

E então ele disse uma coisa com a qual eu não contara absolutamente, pois aos meus olhos ele era o perdedor, que não podia permitir-se esse tipo de conversa.

— Eu agora dou-lhe a chance de sumir e esquecer tudo. Se não atender à minha ordem, não receberá uma segunda chance.

Ora, isso era o fim da picada. Isso só podia ser visto como uma impertinência intolerável. Jamais tivera diante dos meus olhos algo como esse portentoso exemplar de indiano.

— Quem dá as cartas aqui sou eu — retruquei duro. — E eu vou Interrogá-lo. — Eu o avisei. — Isso não me interessa. O senhor vai me seguir até o edifício da Scotland

Yard. Não me force a fazer uso de violência. Então ele sacudiu a cabeça. — Seu tolo, seu tolo idiota. Eu o avisei, agora terá que agüentar as

naquele corpo de serpentes. Os atiradores se mantinham em posição meio abaixada, sentindo-se como heróis de filmes, com as suas metralhadoras de cano curto.

E ficaram loucos. Não conseguiram nada. Pois, se tivessem azar, inocentes seriam atingidos pelos ricochetes. E foi o que eu gritei aos homens.

As armas silenciaram. Eles naturalmente não tinham atingido todas as cobrinhas. A rajada de balas

penetrara naquele amontoado, porém no mínimo uma dúzia de serpentes ainda viviam.

E estas se mantiveram juntas. Antes que alguém pudesse impedi-lo os bichos haviam se juntado, formando uma bola, que se movimentou e saiu rolando. As serpentes restantes naturalmente queriam sumir desse jeito, o que não me convinha absolutamente.

Eu fui mais rápido que uma bala. E tinha a cruz. E queria ver se, de fato, a mesma podia ter efeito contra as serpentes.

Com dois dedos segurei a corrente de prata, depois deixei cair a cruz. Exatamente em cima da bola de cobras!

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Primeiro não aconteceu nada. Ela apenas parou. Depois, entretanto, contraiu-se e aqueles corpos verde-avermelhados tomaram outra coloração. Ficaram cinzentos, depois pretos, para logo se desintegrarem.

Minha cruz o conseguira. Desta vez, sim. A mitologia estranha, portanto, não perturbara o seu efeito. E

isso era bom saber. Um adversário fiel à deusa da morte a menos. Uma gota de água sobre a

pedra quente, só isso. Nós não sabíamos quantos ela ainda possuía, e estes poderiam ser centenas, ou até mesmo milhares.

As pessoas que me olhavam, estavam muito pálidas. Em muitos daqueles rostos pude ler perplexidade. Sim, eles simplesmente não conseguiam entender o que haviam visto ali.

Tive que me ocupar com os homens do serviço de segurança, que vieram ao meu encontro. Aparentemente eu não lhes inspirava confiança, pois eles seguravam suas armas, de modo que suas bocas apontavam diretamente para mim.

Por sorte apareceu um dos seus superiores. Ele abriu caminho através da multidão. Seu rosto estava muito vermelho, a agitação tomara conta dele. Ele me viu, parou, e engoliu em seco.

Sou o Inspetor-chefe Sinclair declarei-lhe. — Eu estava procurando pelo senhor. — Ótimo, então já me achou — eu sorri. — O que há de novo? — E o senhor ainda pergunta? Eu não estive presente ao assassinato... Eu

levantei a mão. — Por favor adote outro tom de voz, Sir disse eu, e uma ligeira zombaria

acompanhou minhas palavras. Eu não sou exatamente um garoto inexperiente ao qual o senhor pode dar ordens. Isso o senhor pode fazer com seus homens, não comigo. Lembre-se disso.

— Mas a segurança... — Também é garantida quando os seus homens ficam marchando para cima

e para baixo, como soldadinhos de chumbo. Ou eles foram capazes de evitar o assassinato?

— Não, isso não. — Justamente — eu fiz um gesto depreciativo, porque o assunto para mim se

esgotara. Além do mais, eu queria saber o que acontecera à Bill Conolly. Ele muito bem podia ter encontrado sérias dificuldades.

— O senhor conhece Mr. Conolly? — perguntei ao agente de segurança. — Sim, ele ainda está junto ao morto. — Obrigado deixei o homem plantado, e fui embora. Até onde ficava a lanchonete não era exatamente longe. Rapidamente cu

deixei para trás aqueles poucos metros. Não via o morto propriamente dito. Um círculo de pessoas se formara em volta do local do crime. Eu segurei minha identidade na mão, de modo que fosse facilmente visto, a que firma eu pertencia.

E me deixaram passar. O informante estava deitado de costas. A faca continuava enterrada no seu

peito. Bill estava parado junto dele. Estava bastante pálido no rosto, e respirou aliviado quando me viu.

— Conseguiu pegar o outro? quis ele saber. Eu sacudi a cabeça. Explicações não houve. Aqui havia ouvintes demais. A polícia do aeroporto também aparecera no local do crime. A delegacia ia de

homicídios também já fora informada. Os homens logo deveriam chegar.

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Que o homem morrera, eu sentia muito. Por sorte, antes do seu falecimento, ele ainda pudera prestar-nos algumas informações. Sabíamos quando chegava o avião e que alguém estava vindo à Londres, de quem não sabíamos absolutamente nada. Teríamos que descobri-lo entre os que chegariam. E não tínhamos mais muito tempo até a hora do pouso. Avisei ao agente de segurança onde poderia nos encontrar. Depois saímos dali.

A caminho expliquei ao repórter o que me acontecera. Bill sacudiu a cabeça. — Mas isso não existe — disse ele. — Ele se desfez em um amontoado de

serpentes? — Sim, e tinha três olhos no peito. — Você tem alguma explicação? — Não, ainda não. Mas esses três olhos devem ter algum significado, Conolly

parou de repente, batendo com a mão espalmada na testa. — Agora eu sei o que está acontecendo. — Sabe? — Os três olhos, John, são um sinal. É o sinal de Siva. Se não estou muito

enganado, esse deus tem três olhos, em todas as suas imagens que cu conheço. E Kali era a esposa de Siva, pelo menos é isso que diz a mitologia.

— Quer dizer que entre Siva, Kali e os seus servos existe uma conexão provocadora?

Temos que partir desse princípio. Eu parei. — Bill, alguma coisa está sendo jogada em cima de nós. Tenho a sensação de

que não vamos encontrar a solução para este caso aqui em Londres, mas na índia. — Se é você quem o diz... Pode ter certeza. Falamos com o responsável pela alfândega. Ele chamava-se Burns, era um

sujeito de cabelos castanhos, que usava um par de óculos de aros escuros, sobre o seu nariz bastante adunco. O homem ficou nos escutando, anuindo algumas vezes. Como minha identificação especial também servia para ele, tínhamos o direito de dar-lhe ordens.

E isso ele percebeu logo, sem se insurgir. — E como é que o senhor pensa em agir, neste caso? quis ele saber, curto. Não sabemos como este homem se chama. Também não conhecemos a sua

aparência. Além do mais, é importante que ele não desconfie de nada. Vai também depender do senhor e dos seus homens, que este caso seja liquidado, na medida do possível, de modo limpo e sem chamar muita atenção.

Difícil, muito difícil — respondeu ele. — Posso imaginar, mas tente-o, assim mesmo, Mr. Burns. O homem da alfândega assentiu. Ele estava parado diante do grande mapa

detalhado do aeroporto, que ficava dependurado atrás de sua escrivaninha. Tinha franzido a testa, e parecia refletir.

Nós ainda poderíamos desviar o avião — murmurou ele. — Como assim? Neste caso ele iria parar numa região menos movimentada do aeroporto —

retrucou ele. — Isso não seria mau. — É uma coisa dessas não chama a atenção? perguntou Bill. Não aos

passageiros do avião, e para o piloto tanto faz onde ele pousa. Preciso falar primeiro com a segurança do voo. Um momento,

gentlemen.

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Burns ligou, pedindo para falar com o chefe. A conversa não demorou muito. Apenas trocaram informações, e Burns pareceu satisfeito.

— O controle de voo não vê nenhum problema — declarou-nos ele. — Podemos tomar todas as medidas necessárias.

— E onde o avião vai pousar agora? Burns sorriu, e colocou o seu boné. - Venham comigo, gentlemen, e logo saberão de tudo. Naturalmente poderíamos ter feito esse caminho a pé, mas isso demoraria

demais. Tomamos o ônibus interno, de pista, que circulava entre as diversas partes deste aeroporto gigantesco. Enquanto este nos levava por uma das pistas de rolamento, fiquei olhando um Jumbo descendo. Era uma imagem fascinante ver aquele pássaro gigante lentamente fazer a aproximação da cabeceira da pista.

Depois de mais sete minutos, também o nosso avião pousaria. Teríamos ainda exatamente o tempo necessário para alcançá-lo.

O plano já fora explicado. Todos os passageiros foram encaminhados através de um corredor estreito. Isso acontecia freqüentemente, e dificilmente despertaria desconfiança. Bill e eu pretendíamos ficar em segundo plano, tal como três agentes armados da polícia de segurança. Deste modo era quase certo conseguirmos encontrar o nosso homem.

Quando já estávamos todos prontos, à espera, as rodas do aparelho tiveram o seu primeiro contato com o solo. Depois rolou lentamente, desligando as turbinas. O seu destino era o grande tubo articulado, através do qual os passageiros podiam abandonar o avião, entrando diretamente nos grandes halls do aeroporto.

Eu estava um pouco nervoso. Bill não menos. Também ele mudava de posição constantemente, de um pé para o outro. Nós pudemos sentir na própria pele a brutalidade de nossos adversários. Eu agora estava curioso por saber como eles reagiriam. Se o mensageiro da índia distante notasse alguma coisa, ele certamente perderia as estribeiras, disso eu tinha quase certeza absoluta. E quem é que podia imaginar, a força de sua ligação com a deusa Kali?

Os primeiros passageiros apareceram na boca do tubo de desembarque. Era uma família inglesa, cujas malas rapidamente seriam liberadas. Primeiro, entretanto as peças de bagagem eram sondadas eletronicamente em busca de armas e outros objetos metálicos, depois as três malas tiveram que ser abertas.

O seu conteúdo não era suspeito. A pessoa seguinte mostrava o rosto magro de um indiano. Ele continuou

impassível, enquanto o funcionário da alfândega revistou a sua mala, liberando-a. O que as pessoas traziam consigo! Com um japonês baixinho, os

funcionários encontraram peças de roupa feminina, cor-de-rosa, rendada. Que cobria um bom número de revistas pornográficas.

Normalmente eu teria dado uma boa risada. Infelizmente o caso era sério demais, para fazer alguma piada.

Mais da metade dos passageiros já haviam passado pelo controle quando chegou a vez de um indiano, que chamou minha atenção pelo seu tamanho. Ele era exatamente o contrário do homem que eu perseguira. De baixa altura, muito largo nos ombros. Seus olhos lembravam-me de pedras negras. Tão frios e escuros eles fitavam em torno.

Na primeira verificação nada aconteceu. Depois exigiram que o homem abrisse a mala.

Ele hesitou, e os seus olhos pareciam ainda mais sombrios. — Por favor, Sir, abra a mala — exigiu-lhe o funcionário do controle pela

segunda vez, cortesmente. — Por quê?

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— Nós não estamos autorizados a explicar-lhe nossos motivos, Sir. Bill Conolly me cutucou.

— Pode ser ele — murmurou o repórter. O homem assentiu. Colocou oito dedos na tampa da mala e com

o polegar tocou a alavanca dos cadeados. Que se abriram com um ruído característico. O funcionário da alfândega

esperou até que o passageiro levantasse a tampa da mala ele mesmo. Só depois o homem começou a inspeção. Peças de roupa, dois ternos, calças, tudo isso se ofereceu aos nossos olhares. Um conteúdo inofensivo, que normalmente não despertava suspeitas.

Porém o funcionário continuou a sua busca. — Eu não tenho nada — disse o indiano. — Sir, isso o senhor terá que deixar a nosso critério. Quando o funcionário da

alfândega quis mergulhar ambas as mãos na mala, o indiano reagiu. Com a rapidez do raio ele puxou a peça de bagagem para si. Com isto o

agente alfandegário não contara — nem nós também. Porém o indiano teve azar. A mala não fora novamente fechada. A parte inferior escorregou por cima do canto da banqueta de controle, para depois cair no chão, enquanto o indiano ainda segurava a alça.

As roupas, em parte, caíram para fora. E com elas deixou a mala também um objeto que até então ainda não fora

descoberto. Uma cabeça!

... Todos nós estremecemos. Também Bill e eu levamos um susto. Talvez nós fossemos um pouco mais

escaldados que os funcionários da alfândega, que nada fizeram, tão surpresos ficaram, pois nenhum deles contara com aquilo.

A cabeça caíra ao chão, rolara um pouco, e agora parara de tal modo que os olhos mortos me fixavam. Estavam um pouco revirados, por trás das pupilas brilhava o branco do globo ocular. A boca estava ligeiramente aberta. Dentes amarelos brilhavam numa carreira. Não eram presas de vampiro, mas dentes normais. Tão normais como todo o crânio, que devia ter vindo do colar de Kali.

O indiano se recuperou rapidamente. Nisto, o seu rosto se desfigurou, e através dos lábios ele sibilou uma ordem.

Com um pulo, saltei por cima do balcão. Esse sujeito amaldiçoado não devia escapar de modo algum, pois somente ele poderia dar-me

informações. Os acontecimentos seguintes, entretanto, se precipitaram. Enquanto eu

ainda me encontrava no ar, o crânio reagiu, à ordem do seu mestre. Ele praticamente decolou do chão. Parecia que ele estava dependurado de algum fio invisível, e de repente ele se

encontrava à altura dos ombros. Não pude prestar atenção no indiano, o crânio era-me muito mais importante.

E ele era perigoso. Quando abriu a bocarra, eu imaginei coisas terríveis, me abaixei e escapei de

uma nuvem vermelha, que saiu violentamente de sua boca, voando ao meu encontro.

Atrás de mim um dos funcionários da alfândega gritou. Eu não o vi,

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mas pude imaginar que ele hovesse sido atingido pela nuvem. Tiros chicotearam. Duas balas passaram a milímetros de minha pele, para irem penetrar no

crânio pairante. O mesmo foi jogado para trás. Ficou com dois buracos, sacudindo-se, como se alguém tivesse despejado água sobre ele.

Um dos olhos foi destruído. Da abertura jorrou uma massa vermelha, e no instante seguinte o crânio bateu no chão.

Estava liquidado? Não, os ferimentos fecharam-se novamente. Renovadamente ele tentou

erguer-se. Atrás de mim ouvi as vozes agitadas dos funcionários da alfândega. Em voz

alta, gritei: — Não atirem! — em contrapartida peguei minha cruz. Ela ajudara ainda há

pouco, talvez também desta vez ela destruísse este crânio maldito. Quando ele me atacou, eu já estava segurando o crucifixo na mão direita. Desta vez ele não teve chance nenhuma. Crânio e cruz se chocaram violentamente. O Bem e o Mal, a eterna luta, e o Bem desta vez venceu. O perigoso crânio

arrebentou, como se alguém o tivesse golpeado com um martelo. Em inúmeros pedaços ele voou para todos os lados, que nem chegaram a cair no chão, diluindo-se ainda em pleno ar, como fumaça.

Liquidado! E o indiano? Ele estava parado ali, olhando para nós. Duro como uma estátua, como se

não tivesse vida alguma. Eu girei sobre mim mesmo e toquei o homem. Duro como uma tábua ele tombou, batendo violentamente com as costas no

chão, onde ficou estirado. Morto... Do que ele morrera, nenhum de nós soube dizer. Vimos apenas um fio

vermelho, muito fino, que brotou de sua boca ligeiramente aberta, escorrendo pelo queixo.

Eu respirei fundo. Virei-me para olhar para os funcionários da alfândega e também para Bill Conolly.

Todos estavam pálidos. Também o repórter. O pessoal da alfândega ainda estava segurando suas

armas nas mãos. Um deles, inclusive, atirara, porém o crânio não fora liquidado pelas suas balas, somente a cruz o tinha conseguido.

Naturalmente os tiros não tinham ecoado sem serem ouvidos. Havia testemunhas, que não tinham apenas medo, mas também eram curiosos. Eles se mantinham a uma distância segura do local do crime, vendo-me ajoelhar ao lado do morto. Eu queria ver do que ele morrera.

Mas isso não podia ver-se. Infelizmente não. Ele devia ter tido alguma coisa escondida dentro de sua boca.

Quando me levantei novamente, Burns estava junto de mim. Ele tirara o seu boné, e estava limpando o suor da testa com as costas da mão. Nunca passei por nada igual — murmurou ele. — E o senhor? Eu ergui os ombros. Não fazia sentido perder tempo com uma longa explicação, disso eu estava certo.

O que é que o senhor sugere, Inspetor? Mande remover o homem para fazerem a autópsia. Os médicos poderão encarregar-se disso.

—E o senhor acha que vamos descobrir alguma coisa?

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— É possível eu me abaixei mais uma vez, pegando a mala. Era uma importante peça de prova. O seu conteúdo me interessava. — Posso examinar a mala, por aqui, em algum lugar, sem ser incomodado? perguntei.

— Naturalmente, venha comigo. Houvera uma interrupção. Os passageiros estavam ficando inquietos. Eles

teriam que esperar para serem controlados, até que o morto fosse removido dali. Bill e eu fomos até um pequeno birô, no qual normalmente eram procedidas

as inspeções de pessoas suspeitas. Agora estava vazio. Eu coloquei a mala sobre uma mesa, e Bill Conolly ajudou-me a

desempacotar aquilo tudo. Eu não tinha esperança de achar muita coisa. Uma depois de outra eu retirei

as peças de roupa, colocando-as sobre a mesa. Tudo aquilo era perfeitamente inofensivo. Coisas que todo viajante leva consigo.

Até que Bill encontrou o livrinho. Em triunfo ele o ergueu, sorrindo irônico. — O que foi? perguntei. Bill folheou o livrinho. Na primeira página vimos uma imagem da deusa Kali. Não era uma foto, e

sim um desenho, que nós examinamos com muito cuidado. — Essa senhora tem uma cara bem horrenda, não é mesmo? — achou o

repórter. Nisso ele tinha razão. O desenho fora feito a cores. Nitidamente vivos aquele

rosto negro da deusa da morte e também os cabelos pretos. Porém o vermelho neles não parecia tinta, mas sangue. Em volta do pescoço da deusa realmente pendia um colar de cabeças humanas. As cabeças tinham sido desenhadas com tanta precisão, que pudemos reconhecer até os traços daqueles rostos. O desenho fora realmente feito por um artista.

— Nada mal — disse eu, anuindo. — Depois que os braços da deusa agarrarem você, não há nada que liberte

mais dali. disse Bill, sacudindo-se todo. Eu pensei em Londres. — Será que nós também temos, por aqui, uma imagem do ídolo? — Não brinque com fogo. Acho que nem preciso. O indiano quisera entrar em Londres, para trazer a mensagem de Kali.

Portanto aqui também devia existir um grupo, que adorava a deusa da morte. E eu me perguntei se este grupo já seria tão poderoso quanto aquele da terra-mãe, a índia. Provavelmente não. Aqui em Londres eles provavelmente ainda estavam no início, e estes começos nós tínhamos perturbado. Um dos servos londrinos já não existia mais, e o mensageiro da Índia também não. Portanto eles tinham perdido dois homens. Quando esta notícia chegasse à pátria, certamente mandariam outro mensageiro de lá. E este trataria de fazer a coisa mais habilmente que o primeiro. Disso eu tinha certeza. A vinda deste segundo homem, entretanto, eu teria que evitar. Usando de todos os meios. Em Londres não podíamos fazer muita Coisa nesse sentido, e o mal teria que ser atacado na sua raiz. E esta se encontrava na índia. Eu teria que ir até lá.

Comuniquei isto a Bill Conolly, além das minhas conclusões, e ele concordou plenamente comigo.

— Sim, temos que ir até lá. — Nós? Bill sorriu, matreiro. — Você acha mesmo, John, que eu deixaria você viajar sozinho? Aínial de

contas fui eu que botei este caso para rolar, e com Sheila eu sei como me entender. — Esse é um problema seu.

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— Claro. Eu dei mais uma olhada no livro. Quando cheguei à página quatro, vi a

imagem de um outro deus pagão. Era Siva, esposo de Kali. Se a deusa da morte tinha um aspecto horrendo, Siva na realidade nada lhe

ficava a dever nesse sentido. Tal como Kali ele possuía também quatro braços. Só que nele pude contar três olhos. Também do seu pescoço pendia um colar. Não de cabeças humanas, mas de caveiras. Acima do colar e também no pescoço do ídolo, enrolara-se uma serpente da grossura de um braço. Cobras também lhe serviam de pulseiras, e em torno dos seus ombros usava uma pele de tigre.

— Se tivermos que enfrentar estes dois, vamos nos divertir muito disse Bill, no seu péssimo humor negro.

Mas ele tinha razão. Você pretende telefonar para Mandra Korab? — Isso eu faço do meu birô. E depois me comunico com Sir James e com

Suko. Mais uma vez isso vai dar despesa. Eu levantei os ombros. Como é que dizem? Gente de sucesso custa caro. Bill sorriu amarelo. Eu gostaria de ter o seu otimismo, John. — Sim, este não custa nada. Burns entrou no recinto. — O senhor encontrou alguma coisa? quis ele saber. Eu já guardara o

livrinho no bolso. Não, infelizmente não. A cabeça foi o único indício. Que foi mais que

suficiente para mim. — Acredito-lhe piamente. Aliás, quando terminarem a autópsia, por favor

mande-me uma cópia do laudo da perícia. E além do mais o senhor poderá me informar, quando vamos ter o próximo avião para Calcutá.

Os seus olhos se abriram muito. — O senhor realmente quer ir para a índia? Sim. Por que não? Afinal temos que cortar o mal pela raiz. Visto deste modo,

certamente. Eu, de qualquer modo, desejo-lhe boa sorte. — Muito obrigado, vamos precisar disso.

3

les encontraram Tom Marlowe quando ele já estava mais morto que vivo. Até um rio ele conseguira chegar. Junto da água ele fora para o chão, e não mexera mais dali. Enquanto as ondinhas cobriam suas

mãos estendidas, e Marlowe não conseguiu mais se levantar de tão fraco, um pequeno barco a motor vinha descendo o rio, com o seu tuque-tuque característico. O mesmo vinha com dois homens, que vestiam apenas calças compridas, mas tinham a parte superior do corpo totalmente nua. Os homens estavam armados com armas modernas de fogo rápido. Que eles precisavam muito, porque tinham partido à caça de um tigre. O animal naturalmente não devia ser morto, mas apenas dopado. O mesmo já fora avistado algumas vezes, e havia o perigo de que, em sua busca por alimento, ele se aproximasse de algum povoado, onde poderia fazer grandes estragos.

O tigre devia ser apanhado, para ser solto depois novamente, mais para o oeste, onde o jângal ainda era muito espesso, e onde sobretudo havia pouca gente.

E

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A melhor maneira de penetrar através do jângal ainda era com um barco, sempre que se queria atingir determinada área. Esta também era a opinião dos dois homens, que eram empregados pelo Estado, para a

captura de animais. E eles eram especializados em tigres. Já mais de uma vez eles tinham conseguido pegar um desses fabulosos gatos selvagens, dopando-os, para depois soltá-lo novamente a milhas de distância.

Com seus binóculos eles passavam em revista as margens do rio. Podia muito ser que o animal estivesse deitado num daqueles bancos de areia, gozando dos quentes raios solares.

O tigre não foi visto pelos capturadores, entretanto viram um homem, caído numa prainha junto do rio, sem se mexer.

Imediatamente desligaram o motor, diminuindo assim a velocidade do bote, mudando o rumo. O bote agora ia em diagonal na direção da margem do rio, onde, entre a água e o jângal, havia uma estreita restinga de areia, sobre a qual Jim Marlowe estava caído. Logo a quilha tocou a Weia, e ambos os homens poderiam abandonar o barco. Um, entretanto, ficou sentado, enquanto o outro se ocupava com Jim Marlowe, deitado n<i margem.

Ele o levantou, colocando-o de costas. Primeiro o indiano achou que Marlowe não vivia mais, tão pálido estava na cara. Quando entretanto procurou pelas batidas do seu coração, sentiu as mesmas na altura do peito, muito levemente.

O branco não estava morto. Estava apenas exausto. A julgar pela sua aparência, ele devia ter passado por um mau bocado, no mínimo por uma longa marcha através da floresta tropical.

O capturador de animais não conseguiu levar o nativo inglês para dentro do barco. Precisava mesmo da ajuda do seu colega. A dois, foi fácil.

Marlowe parecia dormir. Aquilo mais parecia um desmaio do que alguém dormindo normalmente, pois mesmo quando os dois o sacudiram nos ombros, ele não acordou.

Ele murmurou algumas palavras, que escutando atentamente foram entendidas, e os dois homens se assustaram.

Ele falara de um templo, e da deusa da morte Kali, aquela criatura lioi renda, da qual praticamente todos os hindus têm medo, não importando serem habitantes modernos, ou aqueles enraizados na tradição.

Kali. Ele falou Kali! sibilou um dos capturadores de animais, olhando cuidadosamente à sua volta, como se a deusa da morte pudesse

estar à espreita de dentro do jângal verde. — Sim, eu ouvi. — Será que ele a viu? — Talvez. — Fala-se de que aqui no jângal deve existir um antigo templo. Certamente o

branco o encontrou. — Isso seria terrível. Os dois capturadores de animais silenciaram por algum tempo. Cada um

pensando naquilo que acontecera. O que, aliás, era terrível para eles. — O que devemos fazer? — perguntou o homem que primeiro desembarcara

do barco. — Vamos levá-lo conosco. Mas para onde? Os homens não tinham, assim rapidamente, uma resposta para isso. —

Antes de mais nada precisamos colocá-lo novamente de pé — sugeriu um deles. — Mas isso também não é uma solução. Então diga-me uma melhor, Sabu.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 32

Sabu olhou para aquele homem exausto totalmente. Não deu qualquer resposta, mas ajoelhou-se, batendo levemente no rosto do homem. O estranho devia finalmente acordar, para que lhe pudessem dar alguma coisa de comer e beber. Provisões eles traziam a bordo.

0 indiano teve êxito. Pouco mais tarde, Jim Marlowe abriu os olhos. O seu olhor ainda incerto. Podia ver-se claramente que o homem estava se lembrando de alguma coisa, ou que pelo menos tentava recordar-se de algo.

Sabu sorriu. O senhor está em segurança disse ele para Marlowe, no seu parco inglês. — Como assim? Eu só sei que atravessei o jângal e... Tome isso entregaram uma garrafa a Jim, cujo gargalo ele levou à boca, para

cuidadosamente tomar alguns goles. Aquilo era forte, e queimou-lhe a garganta. Marlowe achou que o homem lhe dera aguardente, feita domesticamente, para beber. Uma bebida do diabo, que era capaz de até botar mortos novamente de pé. Também ele já se sentia melhor.

Sabu pegou a garrafa novamente. Gostaria de comer alguma coisa? perguntou ele então. Não, não tenho fome, obrigado — Marlowe sentou-se, ereto. Mas tremia

muito ainda. Havia suor na sua testa. O olhar ainda incerto, quando Marlowe virou a cabeça, olhando por cima de bordo para as águas que fluíam preguiçosamente rio abaixo. Os capturadores de animais não o importunaram. Ele devia encontrar-se primeiro consigo mesmo, talvez depois ele falasse.

O barco era embalado levemente, e Jim Marlowe fechou os olhos. Depois começou o seu relato. Ele o fez em voz baixa, como se tivesse medo de que suas palavras pudessem chegar a ouvidos para os quais não se destinavam.

Falou do charter do arqueólogo, depois do voo, que começara bem, até terem encontrado uma frente de trovoada, pela qual tiveram que entrar, sem poderem se desviar mais. Também a queda do avião ele não ocultou, nem a longa caminhada através do jângal, até terem encontrado o templo da deusa da morte.

Eu a vi — murmurou ele. — Eu a vi nitidamente. Ela tem um colar em volta do pescoço. Um colar feito de cabeças humanas, e uma cabeça foi acrescentada ao mesmo. A do arqueólogo, ela estava dependurado do colar. Eu fugi, corri. Tive medo. A deusa é horrenda.

Com isto não dizia nada de novo aos dois capturadores de animais. Eles já tinham tomado a sua decisão. Não queriam penetrar mais

profundamente no jângal. Se Kali tinha acordado para uma vida horrenda, isto devia ter acontecido bem perto dali, pois aquele homem não podia ter corrido muito longe.

Vamos voltar — ordenou Sabu. Para onde? perguntou Marlowe. Sabu era o mais velho. Além disso, era um

homem que já andara muito por aqui. Ele conhecia algumas pessoas, pessoas importantes e inclusive um homem que não temia a deusa da morte, um homem que certamente lhe declararia luta.

Vamos levá-lo até Mandra Korab — explicou Sabu. Ele certamente o ajudará em tudo que for possível.

Quem é ele? — perguntou o inglês. Sabu sorriu. Um homem que conhecemos muito bem e que não conhece nenhum tipo de

medo. Nem mesmo de Kali. E existe alguém que não tem medo dela? — Sim, Mandra Korab. Mandra Korab sabia que nós vínhamos. Ele infelizmente mal entendera

alguma coisa, porque a ligação estava mais que ruim, mas ele voltou a chamar e

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confirmou meu telefonema, sendo que a sua voz também quase foi sufocada pelos ruídos estranhos da ligação.

A três, nos pusemos a caminho. Bill Conolly, Suko e eu. O repórter ainda telefonara para a redação de uma grande revista ilustrada,

prometendo-lhes uma reportagem sobre Calcutá. Esta não era a primeira vez que ele ia para a Índia. Eu precisava apenas lembrar-me do caso com os vampiros voadores, quando Bill viveu uma aventura terrível na índia, podendo entretanto chamar minha atenção para ele, através de algo semelhante a telepatia.

Mas isso já fazia muito tempo. Eu já voara muitas vezes em minha vida. Cada vez aproveitava a

oportunidade para uma sonequinha. No tempo restante eu comia ou então via alguns filmes.

Até mesmo um filme de terror estavam apresentando. Chamava-se Terror Eyes" (Olhos do Terror), e tratava-se de um decapitador de mulheres que tomava insegura a cidade de Boston.

O filme era bem feito, um elogio ao diretor, que quase possuía as qualidades do infelizmente falecido Alfred Hitchcok.

O segundo filme tinha uma história meio boba para o meu gosto. Era urna historinha de amor, que acabou me fazendo dormir.

Em Bahrain nós fizemos escala, uma parada, mas não pudemos deixar o aparelho, e através das janelas podíamos ver as altas torres de per-

furacão, que bombeavam do fundo do solo, o ouro do deserto, o petróleo. O Emirado de Bahrain enriquecera com o seu petróleo. O pequeno estado não sabia o que eram dívidas.

Depois de uma hora prosseguimos no nosso voo. Rumo ao oriente. Nosso curso dirigido ao imenso subcontinente indiano, uma terra na qual

contos de fadas ainda podiam tornar-se realidade. Na índia havia um luxo imenso, ao lado de uma pobreza inimaginável. O

progresso e a tradição se emparelhavam ali, no que o progresso poderia ser visto como precário pelo menos em alguns pontos, já que até agora não conseguira arrancar o país de sua miséria.

A índia era a terra dos saltimbancos, dos gurus e dos contadores de lendas fantásticas. Além do mais, dividida em muitas províncias, nas quais eram faladas inúmeras línguas e dialetos. As pessoas do norte não entendiam os seus compatriotas do sul, do mesmo modo era o caso entre o leste-oeste. Nós dificilmente conheceríamos alguma coisa da terra, e também não podíamos nos preocupar com os problemas da população. Nossa tarefa era outra.

A destruição da deusa da morte, Kali! Se conseguiríamos isto, realmente ainda estava escrito nas estrelas.

Entrementes eu lera bastante sobre Kali. Ela era temida, as pessoas tinham medo dela, e ao mesmo tempo, entretanto, adoravam a deusa. Esperavam receber dela o poder e o dinheiro, para que pudessem ser arrancados do poço da pobreza absoluta.

A deusa dos quatro braços. Quem se aproximasse demais dela estava perdido, não tinha salvação. A não ser que tivesse consigo uma arma, com a qual pudesse se defender.

E uma arma dessas eu trouxera. Era a espada, que eu tomara do carrasco de demônios Destero. A mesma

estava bem acondicionada numa caixa. Caso nós realmente nos defrontássemos

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com a deusa, eu esperava poder fazer alguma coisa contra este demônio feminino de quatro braços, com esta arma de magia negra.

Com a sua lâmina eu pretendia cortar-lhe os braços! O aparelho estava lotado somente pela metade. Eu pudera conseguir um

lugar junto de uma janela, e olhava para fora. Nós estávamos voando acima das nuvens. A vista era belíssima e nós tínhamos um maravilhoso céu azul. Ele se estendia como um pano infinito sobre nós, a sua imensidão de algum modo parecia gigantesca. Quando se pensava nisso, inquestionavelmente chegava-se ao resultado de que, como ser humano, se era realmente pequeno e insignificante.

Suko dormia. Bill estava fazendo algumas anotações. Eu também não queria incomodá-lo,

por isso caminhei para a parte traseira do avião, onde havia um pequeno bar. Era possível sentar-se ali, e tomar um drinque. Além de mim, ainda havia um casal ali, tomando chá.

A aeromoça morena sorriu, charmosa, quando tomei lugar. Perguntou logo o que eu queria.

Eu preferi um whisky. Scotch ou bourbon? Eu pedi Scotch. Recusei gelo, levantei o copo e fiquei girando o mesmo na

mão. Tomei aquele líquido dourado, saboreando-o lentamente, e o mesmo logo depois esquentou-me o estômago. Fazia bem, poder se livrar um pouco da tensão, e não precisar pensar em mais nada.

Tudo o que eu queria era descansar por uns cinco minutos e fechei os olhos. O calor agradável do álcool logo tomou posse de todo o meu corpo, e eu não

me sentia propriamente dentro de um avião, mas como se estivesse em minha própria casa, na sala de estar. Mas não valia a pena sonhar, eu tive que me contentar novamente com a realidade, e pensei outra vez na tarefa que tinha diante de mim. Íamos contra Kali, e isso não seria nada fácil.

O livrinho que tínhamos encontrado com os dois indianos, no aeroporto de Londres, estava no bolso interno do meu paletó. Eu o tirei e o abri. Queria dar mais uma olhada na deusa da morte, para gravar bem a sua imagem.

Quando abri a página onde podia encontrar o desenho, arregalei os olhos. A página estava vazia. Kali não existia mais! *** Esta realmente foi uma surpresa inesperada. E não uma boa, pelo que eu

achei. Uma figura não desaparece de um livro, assim sem mais ntm menos, atrás disso havia magia. Com isso estavam perseguindo um plano. E eu me perguntei qual. Quase deixei cair o livro, com o susto. De repente me senti observado, e me lembrei que, até mesmo aqui, dentro do avião, não estava seguro contra meus adversários. Estes estavam enfiados em toda parte. Cada um dos passageiros poderia estar colocado do outro lado.

Eu folheei ainda mais aquele misterioso livrinho. Depois de algumas páginas encontrava-se o desenho do deus Siva. Este ainda estava ali. Quando depois folheei de volta novamente, olhando para a página que antes tinha sido decorada com a deusa da morte, uma coisa chamou minha atenção.

Esta página não estava mais em branco. Quando eu segurava o livrinho um pouco enviezado e contra luz, ali se cristalizavam algumas letras. Infelizmente numa escrita que eu não sabia ler. A mesma era usada na Índia.

Fiquei pensando. Meu olhar caiu na aeromoça, parada atrás do bar. Talvez ela pudesse ler a

escrita, afinal era uma indiana. Será que eu poderia arriscar-me, colocando-lhe aquele livro nas mãos?

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Ela notara o meu olhar e sorriu. — Posso servi-lo em alguma coisa, Sir? perguntou ela, cortês. Talvez. — Do que se trata? Trata-se deste livro eu o levantei, para que ela pudesse vê-lo melhor. Por fora,

o mesmo parecia perfeitamente normal, não se notava nada do seu conteúdo esquisito.

O que há com ele? — Bem, numa das páginas está impressa uma coisa que eu não sei ler.

Provavelmente está em hindu. Poderia me fazer a gentileza de traduzi-lo para mim? Eu a recompensaria com uma taça de champanhe ou coisa assim.

Não, Sir, não tomamos bebidas alcoólicas enquanto estamos em serviço. Aliás, eu nunca tomo nada disso, mas terei prazer em verificar o texto que o senhor mencionou.

Seria muita gentileza sua eu entreguei o livro à aeromoça e acendi um cigarro.

A garota abriu-o, folheando suas primeiras páginas. Eu fiquei observando-a por cima da chama do meu isqueiro.

O seu rosto transformou-se. Os olhos, grandes com pupilas escuras como avelãs, mostravam um susto

muito grande. De repente havia suor na sua testa e também nas suas faces. Nervosamente passou a língua por seus lábios cheios, depois, enretanto, a comissária ergueu os ombros e conseguiu, com algum esforço, sorrir novamente.

Sinto muito, mister, mas infelizmente não sei traduzir esse texto. — Que pena. O mesmo é escrito num dialeto. — Nesse caso, acho que não se pode fazer nada retruquei e sorri. Depois

peguei o livro novamente. Essa menina não conseguira me enganar. Ele entendera muito bem aquele texto, isso eu pudera deduzir de sua reação. Mas por que ela não queria me dizer nada? O que havia de tão grave no mesmo?

Eu esvaziei o meu copo e escorreguei de cima da banqueta. Através do corredor central, voltei novamente para minha poltrona. Suko ainda dormia. Bill apenas levantou os olhos, rapidamente, de suas anotações, quando eu me sentei. A respeito da imagem desaparecida eu não contei nada, nem a Suko nem a Bill Conolly. Eu prentendia guardar aquilo só para mim.

Do meu lugar eu podia ver o barzinho, ao girar a cabeça. A comissária olhou para onde eu estava. E no seu olhar não vi nenhum traço de amabilidade.

Ela estaria mancomunada com os servidores da deusa da morte? Eu olhei o relógio.

Nós ainda ficaríamos algumas horas no ar, até termos alcançado Calcutá. Durante este tempo muita coisa podia acontecer, e talvez eu também conseguisse tirar a comissária de sua reserva, e ao mesmo templo desmascará-la.

Esta oportunidade eu tive mais cedo do que esperava. A aeromoça abandonou o seu lugar atrás do bar, desaparecendo na pequena pantry Sua colega continuava atendendo aos passageiros. Estava ocupada mais adiante, com duas crianças, às quais o voo acabara sendo chato demais. A comissária estava lendo para elas alguma historinha, de um livro grosso.

Eu segui a sua colega. A pantry logo foi encontrada, além do que eu estava ouvindo o ruído de louça sendo lavada. Eu empurrei a porta estreita, que silenciosamente abriu para dentro, com isso ocasionando um golpe de ar, que foi notado pela comissária. Ela virou-se rapidamente. De susto, empalideceu. Mas logo se recuperou e perguntou: Deseja alguma coisa, Sir?

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— Quero falar com a senhorita. — Sir, é proibido nos envolvermos, de qualquer modo, com os passageiros,

e... Não diga tolices! — com esta frase e um gesto áspero da mão, eu a

interrompi. — A senhorita sabe exatamente por que razão eu vim procurá-la. — Sinto muito, Sir, não tenho a menor idéia. — Trata-se do livro. — E daí? Eu não consegui traduzi-lo. Ou o senhor não acredita em mim? — De sua reação eu deduzi que a senhorita pode traduzi-lo muito bem, mas

que não se atreve. Tem medo, menina. Um medo pavoroso dessa tal Kali! Agora ela já sabia. Eu pronunciara aquele nome e a comissária estremeceu

toda, como se eu a tivesse chicoteado. Mas continuou muda. — Não tenho razão? O seu olhar endureceu. — Vá embora! — murmurou ela, asperamente. Por favor, saia daqui, e não

mencione mais este nome, se preza a sua vida. Às vezes eu sei ser teimoso. Não sempre, mas nesta ocasião era um dos meus

dias de teimosia. — Eu quero saber o que está escrito nesse livrinho. Antes de me dizer isso, eu

não sairei desse recinto. Fui bem claro? — Está cometendo um erro, um erro muito grande até. — Isso é assunto meu — eu cruzei os braços diante do peito. — Muito bem,

sou todo ouvidos. — Não! — ela sacudiu a cabeça. — Eu não posso dizê-lo. E nem vou dizê-lo. O

espírito dela penetraria em mim, transformando-me numa escrava da deusa. É isso que o senhor quer?

— Isso são desculpas apenas. — Nada disso. Kali está em toda parte. Ela não precisa mais ser ressuscitada,

ela já chegou. Nas profecias isso ficou bem claro. — Então era uma profecia, o que estava escrito no livrinho? Sim. — Agora só preciso ainda do texto, e tudo estará em ordem. — Este eu não posso dizer-lhe. — E porque não? — Porque não é possível. Eu olhei-a com um pouco de pena. — A senhorita não acredita mesmo que possa se livrar de mim tão facilmente.

Não, minha querida, agora que já disse A, terá que dizer também o B. Ela sacudiu a cabeça. No seu cabelo levantado soltou-se um grampo, e

aquela cabeleira escura caiu-lhe do lado direito até o ombro. O texto! exigi eu. O seu rosto se contraiu, como se estivesse sentindo fortes dores. Depois ela

anuiu, e nos seus olhos apareceu repentinamente um fogo fanático. Sim, eu lhe direi o texto, estrangeiro. Você vai ouvi-lo!

E ela pronunciou as palavras. Palavras duras, sons guturais saíam-lhe da boca. Eu não entendi o que ela

dizia, pois fora tomado pela surpresa. A comissária, além do mais, falava numa voz que não lhe pertencia, mas que era de uma pessoa estranha.

Kali! A voz soava oca. Oca e misteriosa. Ela saía do fundo da goela, como se ali

estivesse alguém que falava por essa mulher. Acentuava cada palavra de modo diverso, e eu não precisava ser um conhecedor do idioma para ter certeza de que ela me lançava uma maldição.

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A maldição da deusa! As palavras me acertaram em cheio. Eu não entendi o seu significado

separadamente, porém o que eu ouvia parecia cruel e perigoso. Palavras terríveis, palavras que um ser humano jamais proferiria, a não ser que estivesse possuído, como agora a comissária.

Alguma coisa se modificara. Era a atmosfera. Ainda há pouco o ar dentro da pantry me parecera bastante quente, agora ele se refrescara, e nuvens invisíveis, geladas, pareciam fluir ao meu encontro. Ao mesmo tempo mudou a aparência da comissária.

Os seus cabelos tomaram um brilho fosco. Eles se levantaram, formando sobre a cabeça uma confusão incrível de madeixas pretas. O rosto ficou mais largo, tomando uma expressão indizivelmente má e fria. Por baixo das axilas, de repente arrebentou o uniforme. Cotos de carne apareceram, que imediatamente cresceram, formando ali dois novos braços.

O espírito de Kali metera-se na comissária. E era tão forte e poderoso, que a indiana se transformara, numa caricatura da deusa.

Uma caricatura perigosa... Uma suspeita terrível tomou forma dentro de mim. A figura do livrinho

desaparecera, e não sei por que estranhos caminhos, devia ter se apossado do espírito da comissária. Sim, uma outra possibilidade eu não conseguia imaginar.

Ela escancarou a boca. Tal como com o servo no aeroporto, saiu da mesma uma nuvem vermelha,

uma neblina sangrenta, cujo alvo era a minha pessoa. Eu peguei de minha cruz. Antes da neblina poder me tocar, ela teve contato

com a cruz. Sibilou como se água tivesse caído em cima da chapa incandescente de um

fogão. Mal as duas correntes opostas se tinham tocado, a névoa sangrenta se desmanchou e desapareceu.

Eu entretando peguei o livrinho, coloquei-o sobre uma mesinha e toquei-o com o meu crucifixo. Meu cálculo estava certo. Novamente um sibilar, a prata consagrada queimou um buraco na capa, penetrou nas páginas, devorando tudo, e então o livro se dissolveu.

Para trás ficou apenas uma fumaça azul-preta, que fedia bestialmente, sendo sugado pelo exaustor. Eu deveria ter destruído este livro maldito já muito antes, pois neste caso, teria poupado muita coisa à comissária. Assim, entretanto, ela cambaleou para um lado, bateu contra a parede, e antes que eu pudesse segurá-la, já fora ao chão.

No primeiro instante temi que ela estivesse morta, curvando-me rapidamente para verificar.

Não, ela vivia. Estava pálida, e eu já estava novamente olhando para o seu rosto normal. O

espírito da deusa da morte não apenas saíra da garota, com a destruição do livrinho, mas a mesma também se normalizara, e já não estava mais possuída.

Eu respirei aliviado, olhei em torno e encontrei uma cadeira desocupada, onde a sentei. Depois umedeci uma toalha e limpei-lhe o rosto com a mesma.

A água fria ajudou. A comissária abriu os olhos, mostrando-se totalmente confusa.

— Onde... onde estou? foi sua primeira pergunta. Em segurança — retruquei.

Só agora ela parecia me notar, e arregalou muito os olhos. — Quem é o senhor?

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Eu vou resumi-lo. Por algum tempo fiquei ocupado, acalmando a aeromoça. Ela não se lembrava mais de nada, e eu evitei mencionar o nome da deusa Kali. Ela não precisava ouvi-lo. Finalmente levei a conversa para coisas como falta de memória, tonteira, desmaio, e assim por diante. A comissária pareceu entender, só que preocupava-se em não mais poder voar, por causa disto.

Eu voltei para o meu lugar. Suko e Bill me olharam, acusadores. — Onde é que você se meteu? — perguntou-me o repórter. — Fui lavar as mãos. Os dois não acreditaram na minha resposta. Eu, aliás, não queria deixá-los

mais tempo sem uma explicação, e relatei-lhe o que me acontecera realmente. Bill e Suko compreenderam. Seus olhares sérios diziam-me isso. 0 espírito da deusa da morte no avião. Por sorte eu ainda havia notado isso em tempo. Era difícil fazer uma idéia do que poderia ter acontecido, se Kali tivesse desdobrado suas forças através da comissária. Ela poderia ter deflagrado um verdadeiro inferno. Deste modo, entretanto, o perigo fora afastado.

A aeromoça voltou novamente, retomando o seu serviço como se nada tivesse acontecido. Algumas vezes ela fixava longamente os seus olhos em mim. Eu então lhe sorria, e ela se acalmava novamente.

Até o pouso em Calcutá não aconteceu mais nada de extraordinário.

4 andra Korab não era apenas uma pessoa muito rica, mas também um homem de muitas relações. Nós tínhamos certeza de que, no aeroporto de Calcutá, não teríamos que nos submeter a longos

controles alfandegários. Eu poderia apostar nisso, e teria ganho a aposta. Naturalmente desembarcamos junto com os outros passageiros, porém

imediatamente nos pediram para nos separarmos dos outros muitos passageiros. A comissária ainda me lançou um último olhar. Eu pude vê-la, quando mais

uma vez me voltei rapidamente. Já de saída, o clima da Índia me afetava seriamente. O mesmo não era

apenas quente, mas também abafado, sufocante. Um clima que, como europeu, era difícil suportar. E nós, ainda por cima, teríamos que sair à caça de demônios.

No aeroporto reinava uma confusão tremenda. Um turbilhão de gente de todas as cores. Apesar deste formigueiro humano nós o vimos imediatamente.

Lá estava Mandra Korab. Muito alto, musculoso. Uma figura de homem. Ele faria boa figura em

qualquer filme de aventuras. E estava sorrindo. A sua boca se alargara, os dentes rebrilhavam, os braços estendidos, para nos saudar.

Bem-vindos à India! — gritou ele. Nós nos sacudimos as mãos. Eu não precisei apresentar meus amigos,

Mandra Korab conhecia os dois. O nosso último caso juntos fora em Londres. Eu o olhei mais detidamente. — O que foi que você fez com a sua barba? — quis saber. — Tirei. — Por quê? — Simplesmente porque me incomodava. Nós rimos.

M

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— Incomodava especialmente às mulheres, pelo que posso imaginar — disse o repórter. — O que é que há com as belezocas da terra?

— Você ainda não escolheu nenhuma, em particular, para si? — Não, não consigo me decidir. Suko apontou para mim. — Como John. Este, ao que parece, nasceu para ser um solteirão eterno. — Por que deveríamos nos dependurar, por toda vida, numa só mulher?

disse Mandra Korab. Nos jardins do mundo florescem muitas rosas, como vocês certamente também sabem.

— Eu sorri. — Então não sei? — E vocês deixaram Londres sem proteção? — Sim, meu caro. As coisas que a gente faz, para atender a um amigo como

você. Isso fez Mandra Korab rir. Em primeiro lugar, trata-se de Kali. E só em segundo, venho eu. Se é que eu

conto. — Claro, mas temos que falar sobre isso aqui? — Não, vamos tomar alguma coisa. Por aqui há um pequeno bar, que

inclusive tem ar condicionado. E foi para lá que fomos. Mandra tomara a ponta. O seu turbante verde estava

enrolado de acordo com as antigas tradições e se mantinha, muito reto, sobre sua cabeça. O que tornava Mandra ainda mais alto do que era na realidade. Mandra usava um terno também verde-brilhante, com uma japona que lhe ia até os quadris. Ele certamente era um homem de aparência imponente, e as pessoas davam-lhe, respeitosamente, passagem, caso se atravessassem no seu caminho.

No restaurante havia lugares vagos suficientes para todos nós. Nós línhamos comido no avião, mas queríamos beber alguma coisa. Uma grossa vidraça protegia o bar contra o barulho do aeroporto. Mandra Korab pediu uma bebida nativa, que parecia ser uma espécie de chá, que eu antes |amais havia tomado. Entretanto era gostoso.

Depois fiz o meu relatório. Mandra Korab ficou escutando atentamente quando lhe contei da transformação da comissária de bordo do avião. Ele assentiu algumas vezes e disse:

O seu espírito está em toda parte, e contra isto você nada pode dizer, John Sinclair.

Mas nós temos que acabar com ela. — Isso vai ser difícil. Eu tomei um gole de chá. Eu já lhe conheço durante bastante tempo, Mandra, mas jamais o vi tão

pessimista. Na realidade isso é uma exceção. Suko e Bill concordaram, anuindo vivamente Também eles eram de minha

opinião. Vamos ter que enfrentar Kali — disse ele. E daí? perguntou Bill. Mandra

virou-se para o repórter. Esta uma frase, na realidade, já deveria ter-lhe dito tudo. Não.

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— Eu não tenho nada contra vocês, amigos, mas os europeus, em minha opinião, cometem um erro. Vocês subestimam o poder dessa deusa tremendamente. Se existe alguém poderoso, e que sabe como usar o seu poder, esse alguém é Kali. A deusa da morte conseguiu subsistir, e o círculo de seus adeptos não diminuiu absolutamente, podem acreditar no que lhes digo. Aqui na índia, em parte, o tempo parou. A crença nos antigos deuses e nas suas macabras profecias continua firme como antes, podem acreditar no que lhes digo. Diariamente temos provas disso por aqui, e eu não estou pintando-lhes um quadro em negro, pois vocês me conhecem.

Ele tinha razão. Mandra Korab era um homem sem medo. Ele não desistia,

mas enfrentava os problemas. Sempre que pudesse ajudar, ele estava presente. Ele aproveitava o seu poder e sua influência, para lutar contra as forças das trevas.

Mandra Korab era originário de uma antiga estirpe de marajás. Ainda agora

ele possuía extensas glebas de terra, inúmeras casas e palácios. Mas não era dessas pessoas que usam o seu dinheiro e a sua influência com fins egoístas. Não, Mandra Korab colocava-se, a si mesmo e a sua fortuna, a serviço de todos. Cautelosamente, pois de outro modo era impossível, ele tentava introduzir reformas. Ele era de opinião que também os pobres tinham direito a uma vida digna do ser humano. Em crasso contraste a isso, estava o modo de pensar de seus compatriotas, divididos num sistema de castas, e por isso muitas vezes era impossível para Mandra executar aquilo que desejaria.

Os servos da deusa, aqui na índia, despertaram para uma grande atividade?

perguntei ao nosso amigo asiático. Isso eu não posso dizer. Os Tongs e sociedades secretas, que adoram Kali,

existem sempre, e nunca será possível exterminá-los. Temos que aceitar isso. A isto junta-se uma coisa, que a maioria das pessoas nem imagina. Kali não existe apenas uma vez, isso deve ser tido como pressuposto. Esta deusa tem o poder de apresentar-se em inúmeras figuras. Por todo o país existem templos misteriosos, nos quais Kali é adorada. Do jeito que você a viu, John, ela se mostra em sua imagem primitiva. Entretanto também pode aparecer de outro modo. Por exemplo, como mulher bela com quatro braços ou como monstro. Além do mais ela está sob a proteção de Siva, e Siva também faz parte dos grandes e poderosos deuses indianos. Eu esvaziei minha xícara.

Se continuo escutando você desse jeito, parece que você está querendo nos desencorajar...

O indiano riu. O que é que eu posso fazer? Vocês querem saber da verdade, e esta eu lhes

comuniquei. Mas deve haver algum jeito de detê-la — disse Suko. Você — Já tem algum plano? — Sim. Se vocês quiserem, eu tive a ajuda do acaso. É que apareceu um

homem de nome Jim Marlowe... Nos minutos seguintes Mandra Korab contou-nos a respeito do piloto, que

tinha atrás de si uma odisséia terrível, e que devia a sua vida à pura sorte.

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Atentamente ficamos escutando, e quando Mandra começou a falar sobre a

troca das cabeças, espichamos os ouvidos ainda mais. — Como foi isso? — perguntei, rápido. A cabeça do arqueólogo agora enfeita

esse colar? — É isso. Bill, Suko e eu nos entreolhamos. O repórter disse o que todos os três

pensamos. — Neste caso, a cabeça que você destruiu em Londres, John, provavelmente

era aquela que estivera dependurada neste colar horrendo. — Pode muito bem ter sido — confirmou Mandra Korab. — Uma coisa, entretanto, eu não entendo — disse eu, ao hindu. Como é que

o meu crucifixo conseguiu destruir essa cabeça? E que já passamos por casos, em que lutávamos contra mitologia estranhas, quando este não foi o caso. Minha cruz então de nada adiantou. Basta lembrar-me do Junco do Diabo, no qual eu poderia ter jogado fora a minha cruz, pois de nada valia ali.

Mandra ergueu os ombros largos. A sua resposta não soou exatamente

alentadora. — Também eu, neste assunto, só posso adivinhar. Então tente, pelo menos

isso. — Qual era o aspecto da cabeça? Eu ri. — De uma cabeça. — Claro, John. Só que era um asiático, um chinês, ou um indiano? — Não, era um branco! — Esta poderia certamente ser a solução do enigma, meu caro. Um branco,

que afinal de contas também tem sua origem numa outra área vital e de magia que aquela de um nativo daqui, e ainda não está inteiramente integrado da magia da deusa. Foi por isso que a sua cruz pôde destruí-la. Outra possibilidade eu não vejo.

— Isso, naturalmente, era uma explicação. Porém não me era o bastante e foi

o que eu disse. Mandra ergueu os ombros. — Talvez você encontre uma outra alternativa, John. — Sim, talvez — eu olhei para o meu relógio. Eu já corrigira o fuso horário. —

O que você pensa em fazer agora?

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A Deusa da Morte – Jason Dark 42

— Antes de mais nada vamos até minha casa. Ali vocês poderão refrescar-se e descansar um pouco.

Eu sorri. — Mas preste atenção, para que não nos aconteça a mesma coisa que da

última vez — com estas palavras eu aludia à minha primeira visita a esta terra, quando, em casa de Madra, fomos atacados por criaturas da magia negra, e eu pude ver o indiano verdadeiramente em ação.

— Não se preocupe, isso não vai acontecer. — Neste caso, estou muito tranqüilo. E depois, o que faremos? — Conforme já lhes disse ainda há pouco, é difícil lutar contra a deusa Kali e

seus fiéis. Mas difícil ainda é conseguir informações a seu respeito. Depois do seu telefonema, eu imediatamente passei a investigar. Eu conheço a cidade e o país, de modo que sei onde preciso procurar. Eu pude trabalhar, não apenas com as informações do piloto, mas também consegui encontrar um servo da deusa da morte, que sabia ainda mais.

— E ele falou? — perguntou Suko, cético. Mandra sorriu, amarelo. — É que existem certos meios de ajuda, com os quais é possível fazer uma

pessoa falar. E foi estes que eu empreguei. Hipnose profunda. Sim, Mandra entendia da coisa. — E eu realmente consegui quebrar o bloqueio. O servo deu com a língua nos

dentes. Nós tivemos uma sorte incrível, pois ainda esta noite haverá uma reunião dos discípulos de Kali. Aqui mesmo em Calcutá, num antigo sítio de cremação junto ao Ganges. E eu gostaria que fizéssemos uma visita a esta reunião, apesar de não convidados, se vocês não têm nada contra.

— De modo algum. — Foi o que pensei. Entretanto, lembrem-se disso. Os servos da deusa estão

prontos para tudo. Para eles não importa matarem — sem aviso — nem importa-lhes morrerem pela deusa.

Isto nós sabíamos. Como resposta, expliquei a Mandra todas as funções de

nossas armas. Falei também da espada de Destero, que entre-mentes estava comigo.

O indiano anuiu. — Isto é uma boa coisa. Com ela você poderia causar danos à deusa. — Danos? Não, meu caro, eu quero destruí-la. Ela deverá morrer sob golpes

de espada; é isso que pretendo fazer.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 43

— Eu lhe seria grato. Bill ainda tinha uma pergunta. — E o que há com o seu informante? Onde é que ele está metido? — Em minha casa. — E você tem certeza de que a deusa ou os seus discípulos não o

encontrarão? — Tenho muito esperança que não. — Então vamos em frente — disse eu, levantando-me. Também os outros se

ergueram. Inúmeros olhares nos seguiram. O bar entrementes estava cheio. Do jeito que as pessoas nos olhavam, eu não pude deixar de pensar que entre eles provavelmente se encontravam inúmeros adeptos da deusa da morte. E não me senti exatamente confortável com isso.

Eu não tenho nada contra países estranhos, mas sempre é difícil a gente se mexer ali. As pessoas pensam diferente, têm uma outra mentalidade, rituais, costumes e usos. Por sorte nós tínhamos, em Mandra Korab, um excelente apoio.

O seu carro estava estacionado num parqueamento vigiado, que também

havia por aqui. Era um Mercedes preto, no qual cabíamos todos confortavelmente. O guarda curvou-se respeitosamente quando Mandra pôs uma rúpia na sua mão. Lembrei-me de que tinha apenas dinheiro inglês, que ainda precisava cambiar. Mas deixei isso para mais tarde.

Nas proximidades do aeroporto ainda era possível passar razoavelmente com

aquele carro. Depois, entretanto, mergulhamos de cabeça no burburinho da metrópole junto ao Ganges.

Conheço Londres, conheço Paris, Nova Iorque e inúmeras outras cidades

grandes, porém pode-se esquecer o trânsito de lá, depois de ter passado pelo de Calcutá.

Era o inferno. Um inferno de fedor de gasolina, automóveis, motos, carretas de burro ou

puxadas por bois. E todos trafegando como se para eles as regras de trânsito não existissem absolutamente.

Agumas vezes vimos policiais. Ficavam parados nos cruzamentos maiores,

fazendo um enorme esforço para controlar o trânsito. Se alguém me oferecesse esse trabalho, certamente depois de cinco minutos eu estaria pronto para a aposentadoria. Honestamente, amigos.

Mandra Korab não. Ele conhecia a cidade e também os hábitos de trânsito

dos seus compatriotas. Às vezes escapávamos por um fio de um acidente. Instintivamente eu fechava os olhos, quando novamente surgia à nossa frente algum carro de boi ou um caminhão de entregas, caindo aos pedaços.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 44

Vimos a indescritível miséria dessa cidade e ao lado dela os edifícios luxuosos

dos grandes hóteis internacionais. Calcutá, entre outras coisas, era também um centro econômico e de negócios, de modo que aqui, freqüentemente, homens de negócios estrangeiros reuniam-se para conferências e congressos.

Por sorte o carro tinha instalação de ar condicionado, de modo que no interior do Mercedes não se sentia absolutamente o calor e o abafamento que havia do lado de fora.

O palácio de Mandra Korab não ficava longe de um afluente do Ganges. Mandra tinha herdado a casa, porque não deveria morar ali?

Antes de chegarmos à sua casa, atravessamos uma cidade-templo, na qual não se sentia absolutamente a confusão que reinava na Calcutá normal. Grandes jardins, paz e poucas pessoas nas ruas, bem como nas calçadas.

Plantas tropicais bordavam a pista de rolamento, e as mesmas plantas também vimos, depois, nos jardins de Mandra Korab. Realmente era um fabuloso pedaço de terra, onde a flora tropical se espraiara. Empregados, jardineiros, cuidavam para que o jardim não fosse invadido e sufocado por plantas daninhas, como num jângal.

Nós rolamos até um estacionamento, que ficava ao lado da casa, branca como a neve. A mesma tinha diversos andares, na parte traseira um grande terraço, e diante da casa um passeio de arcadas, e aberturas que serviam de portas, e que na sua parte superior tinham o formato tipicamente em ogiva.

Nós desembarcamos. Imediatamente dois criados de branco estavam ao lado do carro, curvando-se e cruzando os braços diante do peito.

Os homens quiseram carregar nossa bagagem. Nós entretanto fizemos um gesto de dispensa, e Mandra Korab mandou os criados embora.

Um aroma de flores exóticas chegou à minhas narinas. Ouvimos o canto de pássaros, entramos na casa, e chegamos a um vestíbulo, cujo chão de mosaicos mostrava coloridas imagens do mundo da saga e da mitologia hindu.

Mandra parou. E não eram palavras vazias, quando ele disse:

— Minha casa pertence a vocês — depois ele sorriu, deu-nos mais uma vez as boas-vindas e acompanhou-nos aos quartos, que ficavam no primeiro andar.

Cada quarto possuía um banheiro próprio, onde podíamos nos refrescar. Mandra sugeriu uma reunião dentro de meia hora. Que devia ter lugar lá embaixo, no vestíbulo.

Com isto todos concordamos.

— Que casinha, não? — disse Bill. — Dá até para ter inveja.

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Você não tem do que se queixar — retrucou Suko. O que é

que nós vamos dizer, que moramos num prédio de apartamentos?

Bill sorriu.

— Foi só uma maneira de falar. Até mais tarde.

Nossos quartos ficavam na parte traseira do prédio. Eu tinha uma vista maravilhosa do jardim. Dois jardineiros estavam trabalhando ali. Podando árvores. Os passarinhos nem se incomodavam com aquele trabalho. Continuavam voando e cantando como antes.

Uma imagem cheia de paz, porém eu sabia o quanto esta paz podia ser enganosa.

Depois de uma chuveirada gostosa eu me senti bem melhor. Mandra Korab deixara pronta uma roupa leve, que enfiei. A mesma parecia agra- davelmente fresca junto a pele, e correspondia às medidas das roupas européias.

Também pude colocar minhas armas. A Beretta, o punhal, o cama- feu, o giz mágico, a cruz já no pescoço. Somente a espada eu deixei no quarto. Seria um estorvo, nestas circunstâncias.

Eu ia abrir a porta, quando bateram. Suko estava parado do lado de fora. Também ele trocara de roupa. Os seus cabelos brilhavam, molhados.

— Bill já desceu — declarou-me ele.

Foi o que imaginei.

Nós o encontramos junto de Mandra Korab, no vestíbulo. Ambos es avam sentados sobre grandes almofadões no chão, e tinham diante de si, um grande copo de refresco. Também Mandra não usava mais as roupas que vestira no aeroporto.

— Vocês querem tomar mais alguma coisa, ou acham que devemos primeiro preocupar-nos com o informante, para que possam ter uma idéia a seu respeito?

— Com qual dos dois? perguntei. — Não com Markowe, John. Este dificilmente poderá contar-nos alguma coisa,

porque está acamado, curando a sua febre. O outro agora é mais importante. Talvez ele possa dar-nos alguns indícios, que possam ser de ajuda mais tarde.

Nós seguimos Mandra Korab, atravessamos uma daquelas portas ogivais, e chegamos a um corredor, do qual saíam diversas portas.

Aqui mora o pessoal declarou-nos o indiano.

Num quarto vago, o informante fora alojado. Mandra fechara à chave. Trazia a chave consigo, abriu a porta e empurrou-a para dentro.

Primeiro ouvimos um grito.

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Depois vimos o homem.

Ele estava deitado em cima da cama, e mal era possível reconhecer- se que se tratava de uma criatura humana.

O seu corpo era uma única confusão de cobrinhas verde avermelhadas...

...

Eu me colocara exatamente por trás de Mandra Korab e pude olhar por cima do seu ombro. Jamais em minha vida eu esquecerei o que vi, tão horrível era aquilo.

O homem ainda vivia, apesar de realmente dever estar morto, pois as cobrinhas tinham tomado posse da parte superior do seu corpo, de modo que apenas sua cabeça ainda sobressaía. O que começava abaixo do pescoço era uma massa de cobras que se movia e remexia, cobrindo todo o seu corpo.

Não era mais possível ajudar aquele homem. Provavelmente estava cheio de veneno injetado, só que ainda vivia. Ele inclusive mexeu a boca, rolou os olhos, e o branco ocular brilhou atrás de suas pupilas escuras.

Ele abriu a boca, depois fechou-a novamente, parecendo que estava querendo dizer alguma coisa.

— Eu vou até lá — disse Mandra. — Vá com cuidado — aconselhei.

Mandra mal tinha dois passos atrás de si, quando o homem começou a falar.

Eu não o entendi, por por umas duas vezes ouvi a palavra Kali, e isto, na realidade me bastava.

Mesmo aqui, na casa de Mandra Korab, ele não estivera em segurança. A deusa da morte o alcançara, tendo se vingado terrivelmente do seu servo traidor.

As serpentes nada nos fizeram. Também não se preocuparam com Mandra

Korab, quando este aproximou-se mais do seu informante, sem entretanto afastar os olhos daquela confusão de cobrinhas.

Eu tinha pegado de minha cruz. Bill segurava sua Beretta de balas de prata, na

mão, pronta para atirar; Suko o chicote de demônios. Caso Mandra Korab fosse atacado, nós interviríamos imediatamente. Nós também tínhamos penetrado mais dois passos no recinto, parando numa

posição de espreita.

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Mandra estava parado ao lado da cama. O homem olhou para ele e nem sequer estremeceu quando o indiano colocou-lhe a mão direita na testa.

Mandra provavelmente devia ter apertado um pouco forte demais, pois

repentinamente a cabeça se mexeu. E não só isso, ela rolou um pouco para o lado, de modo que a ligação com a confusa massa de serpentes rompeu-se.

A cabeça tinha se separado do corpo! Até mesmo Mandra Korab ficou horrorizado. Rapidamente ele deu um passo

atrás. Um seu olhar nos acertou. No seu rosto espelhava-se todo o seu espanto. Também a nós a visão daquela crueldade atingiu duramente. Não apenas eu

senti um frio na espinha, também Bill respirava pesadamente. Mais uma vez éramos confrontados com a falta de compaixão da deusa da morte. Sua magia era extraordinariamente forte, e ela rebatia imediatamente, quando algum dos seus servos não dançava conforme a sua música. E com isso ele morria de uma morte lenta, dolorosa.

O homem abriu a boca como se mais uma vez quisesse tomar ar. Depois um

grito estridente saiu-lhe dos lábios, o último sinal de vida, que ouvimos dele. Enquanto o grito ainda tremia ricocheteando pelas paredes do quarto, ecoando pelo corredor, de sua boca, olhos e narinas saíam diminutas serpentes, que me lembravam enormes minhocas. Elas se con-torciam para fora, descendo por cima do rosto estarrecido do homem.

Suko não agüentou mais. As três correias confeccionadas de peles de demônios

de sua chibata de demônios já tinham saído do cabo. Suko ergueu a arma e golpeou.

Ele bateu naquela massa que se contorcia e estremecia, combatendo magia com

magia, e conseguiu destruir aquela ninhada. As cobras se desfizeram. A sua tonalidade colorida desapareceu, elas ficaram cinzentas, repugnantes, e finalmente tomaram-se negras como piche. Depois elas se dissolveram completamente.

A assombração passara. Nós silenciamos e olhamos para a fumaça, que formara uma nuvem por cima do

leito. Ela permanecia ali como uma bola de algodão, sem parecer querer sair dali levada pela corrente de ar.

Isso significava alguma coisa. E logo vimos o que era, pois no meio da quela

fumaça amarelo-esverdeada formou-se uma cara, que espelhava todo o horror e a crueldade que representava a deusa da morte.

Kali olhava para nós. Eu vi a sua imagem. Os cabelos em desalinho, o sangue coagulado no mesmo,

os olhos cruéis e aquela boca cinicamente repuxada.

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Ela parecia sorrir, pois conseguira uma vitória. Pegue o chicote — disse Mandra Korab.

De qualquer modo Suko pretendia fazer justamente isso. E agora ele golpeou. Nós ouvimos o sibilar das três correias, enquanto

penetravam na nuvem, transformando-a num turbilhão. O rosto desapareceu, para trás ficou apenas fumaça normal, que também foi levada, quando Mandra Korab abriu uma janela, de modo a provocar uma ligeira corrente de ar.

Agora sabemos o que vamos ter que enfrentar — disse o indiano, em voz baixa.

...

Não precisamos responder-lhe nada. A resposta estava escrita em nossos rostos.

Um local de cremaçâo às margens do Ganges, dissera Mandra Korab. Só a lembrança disso já me provocava um calafrio. Nem todos, entretanto, tinha dinheiro para um grande funeral. Para onde, afinal, iriam os mais pobres dos miseráveis, quando acabavam morrendo de fome em plena via pública? Realmente é difícil acreditar, mas nessa terra, gente simplesmente morria de fome, sem que alguém se preocupasse por isso. Simplesmente ninguém conseguira, até agora, controlar a miséria, todas as tentativas tinham malogrado, e deste modo deixava-se à iniciativa privada mitigar um pouco aquela miséria. Como por exemplo Madre Tereza de Calcutá, que tentava pelo menos tirar as crianças da indigência. E nunca era demais louvar» esta iniciativa, como altamente positiva e humana.

Estes pensamentos me torturavam, enquanto corríamos no nosso carro ao longo da margem do Ganges. Infelizmente não numa rua, e muito mais numa pista empoeirada. A esquerda fluíam as águas de um rio imenso. Na sua superfície pude ver grandes manchas de óleo, e botes parecendo bem precários e velhos, lutavam contra a correnteza.

Nas margens viam-se inúmeras pessoas. Olhavam para as águas, na qual

mulheres vindas de barracos miseráveis de palafitas, lavavam suas roupas. Enxames de moscas dançavam em volta de suas cabeças, e por cima daquilo tudo estava um sol quente, abrasador, no céu. Esta região aqui era um caldeirão de miséria e pobreza.

Tínhamos que rodar devagar. Crianças tinham descoberto nosso carro. Ficaram

correndo, de ambos os lados do Ford, olhando-nos com seus grandes olhos famintos, através das vidraças corridas. Eram figuras macilentas, envolvidas em trapos, que provavelmente nunca em sua vida tinham comido o bastante para saciar sua fome.

Eu apertei os lábios fortemente. Um nó formou-se na minha garganta, quando

me lembrei que, em nossa sociedade próspera, tanta coisa era jogada ao lixo. Bill e Suko sentiram a mesma coisa. As vezes o repórter mexia os lábios como se

quisesse dizer alguma coisa.

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Mandra Korab, que dirigia o carro, conscientemente escolhera um outro veículo. Se este já chamava atenção, imaginem se tivéssemos tomados o seu carrão de luxo, quase novo.

Quando a estradinha alargou-se um pouco e à direita terminaram os barracos

de palafitas, o indiano levou o Ford para uma pracinha poeirenta, onde cresciam algumas moitas quase secas de capim. A cerca de cinqüenta metros de distância, vimos duas vacas à procura de pasto.

Desembarcamos. Imediatamente o calor nos colheu. Nas proximidades do rio era ainda mais

úmido, quase como na floresta tropical. O sol brilhava avermelhado. Descia na direção da linha do horizonte, para pôr-se pouco mais tarde. Uma escuridão compadecida então cobriria a terra como um imenso véu.

— Ainda é muito longe? — quis saber, de Mandra Korab. Ele apontou para a frente. Olhando melhor pude ver o muro, que formava uma

barreira na direção do rio. — Atrás do mesmo fica o lugar, pelo que sei. — Acha que devemos? Mandra fez que sim, mas logo em seguida sacudiu a cabeça. Uma explicação

logo se seguiu. Acho que ainda está claro demais. Eu prefiriria esperar até que o sol se tenha

posto totalmente. Então podemos tentá-lo. — E isso acontece rapidamente, nos trópicos. Mandra sorriu. — Tem razão. Vocês vão ficar surpresos, em ver como aqui escurece depressa. Eu nada tinha para acrescentar. Mandra Korab era que comandava aqui, não

nós. As crianças não tinham mais nos seguido. Fiquei espantado com isso e

perguntei a Mandra Korab por que. Não somente os adultos estão por dentro, e sabem que lugares e locais devem

evitar, na medida do possível, mas também as crianças foram vacinadas contra isso. O lugar ao qual queremos ir é maldito. Daquele lugar, anteriormente sagrado, fez-se um lugar de assombração. Nem mesmo a polícia aparece por aqui. Os homens têm medo da maldição da deusa da morte.

Mandra realmente não havia exagerado. Normalmente aqui, na franja da

cidade, concentravam-se os bairros miseráveis dos mais pobres, porém aqui

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pudemos ver um grande terreno vazio, sem utilização. Havia uma espécie de círculo em volta do local de cremação.

Eu suava, apesar de nada estar fazendo. Simplesmente estava insu

portavelmente abafado. Quando Mandra Korab pôs-se em movimento, eu o segui, para ser honesto, de má vontade.

Também Mandra Korab se armara. Ele não trazia apenas uma adaga curva e

curta, mas também alguns punhais, que distribuíra num cinturão especial. Eu jamais vira este tipo de facas, pois as mesmas tinham lâminas estreitas, pretas, enquanto os cabos brilhavam num vermelho misterioso. O vermelho não era pintado, mas brilhava como uma nuvem que vogava de um lado para o outro dentro do cabo transparente.

As facas naturalmente me interessaram, e perguntei ao indiano sobre as

mesmas. Estávamos caminhando um ao lado do outro. Mandra sorriu, antes de dar-me

uma resposta. — Os punhais na realidade são algo muito especial — retrucou ele. — Nisso

você tem mesmo razão. — E de onde vieram? — De acordo com a lenda, o deus Vishnu os tinha em seu poder. Eu os

encontrei num antigo sepulcro, no qual duas deusas tinham sido enterradas. Os ataúdes estavam apodrecidos, e o ouro não me interessou, somente os punhais eu tomei para mim. Durante muito tempo investiguei sobre a sua origem. Num mosteiro das montanhas, finalmente tive a resposta. Dizem que Vishnu os formou dos braços de demônios moribundos, que serviam à deusa Kali e sobretudo ao deus Siva. Ele se armara com eles para lutar contra os seus inimigos. Depois de tê-lo morto, ele pôs os punhais de lado e saiu voando dali, nas costas de Garuda, a águia.

— Garuda? — murmurei. — Sim, você o conhece, não? — Se conheço — murmurei. Tive que lembrar-me de Apep, a Serpente Infernal.

Há algum tempo atrás, ela ocupara, com seus servos, o edifício de apartamentos em que Shao, Suko e eu morávamos. Nada conseguimos fazer contra Apep, mas depois aparecera Garuda, e a ele poderia designar-se como o inimigo de morte da serpente. Ele é um pássaro gigante, com corpo dourado e a cabeça de uma águia. O corpo mostra formas humanas, enquanto dos seus ombros cresce um formidável par de asas.

Garuda e Vishnu. Dois nomes — uma ligação.

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Fiquei imaginando que Garuda talvez também pudesse nos ajudar, e perguntei-o à Mandra.

— Isso vai ser difícil — retrucou o hindu. — E:u, no seu lugar, não teria muita

esperança nesse sentido. Não se pode simplesmente trazer Garuda para cá. Ou ele aparece, e está repentinamente entre nós, ou permanece no seu reino.

— A mim ele ajudou — disse eu. — Neste caso, alegre-se — retrucou Mandra. — Garuda também é um inimigo da deusa da morte? — Isso ele é, pelo que sei. Mas em nenhuma parte está escrito que ele já lutou

contra ela. Se ele fosse um grande inimigo dela, Kali talvez já nem existisse mais. Isso era possível. Eu não fiz novas perguntas, apenas silenciei. Mandra Korab parou no lugar no qual o terreno subia um pouco, e nós tivemos

que descer um talude lamacento, para alcançar o local de cremação. O mesmo ficava bem perto da margem do largo rio. Só agora eu vi que os locais

de cremação tinham um telheiro. Minicrematórios, de algum modo. Tinham sido erguidos com tijolos escuros, eram retangulares e possuíam nas suas testadas uma entrada aberta, não muito mais larga que uma porta normal. De onde nos encontrávamos podíamos olhar através das mesmas, vendo do outro lado as águas amarelas e barrentas do Ganges.

Somente a metade do sol ainda estava visível. Ele parecia metade de uma

laranja avermelhada. Mandava seus raios vermelhos-dourados por cima daquele tapete de água suja, assim sublimando um pouco a miséria

nas margens do rio. Suko e Bill tinham parado do nosso lado. Mandra Korab apontou para a frente. — Aquilo é o local de incineração com os seus três crematórios. — E ninguém é mais queimado aqui? — perguntou Suko. Mandra Korab ergueu os ombros. — Oficialmente, não. Infelizmente íiada sei do que se passa aqui, quando se

reúnem os servos da deusa Kali. — Parece bastante abandonado — murmurou Bill. — Provavelmente chegamos cedo demais — observei. Mandra pareceu-me muito sério.

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— Na realidade, não — murmurou ele. — Cedo demais, não creio. Tenho certeza absoluta que os servos se encontram aqui. Normalmente eles já deviam estar por aqui. O sol já quase desapareceu. Ê estranho, mas não consigo encontrar uma explicação.

— Poderia ser uma armadilha — disse Suko, secamente. Com isso, aliás, nós inclusive, contávamos. Eu dera a minha espada para Bill.

Depois da suspeita de Suko, ele puxou a arma da sua bainha. O aço um tanto escuro da lâmina foi atingido pela luz do sol se pondo e rebrilhou, vermelha.

Vermelha, como sangue... — Acha que devemos? — perguntou Suko. Também ele estava mantendo

pronta, nas mãos, a chibata de demônios. Ninguém de nós pretendia caminhar de olhos fechados para dentro daquela armadilha. Eu trazia a minha cruz visível, a Beretta estava ao alcance da mão, tal como o punhal.

O talude era bastante íngreme. Dois a dois, escorregamos para bai xo. Uma

poeira marrom-amarelada foi lançada para o ar pelos nossos pés, envolvendo-nos, como uma nuvem, as cabeças.

Nós terminamos a descida mais ou menos na altura do grande recin to de

cremação. Por cima de nós, no ar, pude ver grandes pássaros. Animais semelhantes a urubus, que passavam, batendo preguiçosamente as asas, à procura de despojos. Eles mal encontravam alguma coisa no lixo, pois quase tudo era consumido pelas criaturas humanas.

Nós paramos e ficamos discutindo se devíamos ou não nos separar. Todos acharam que não. De algum modo a atmosfera se transformara. Apesar do marulhar do rio,

parecia-me que estávamos numa ilha de silêncio. Até mesmo os inúmeros insetos aqui já não dançavam, como a apenas algumas centenas de metros, antes. As crianças também tinham ficado para trás, nem sequer nos olhavam. Este lugar realmente parecia ser amaldiçoado.

Por acaso fiquei olhando atrás de duas moscas, que voavam na direção da

construção maior, voltando, entretanto, ainda antes de alcançá-la. Elas nem se agarraram naquelas paredes ásperas, de tijolos aparentes.

O que estaria à espreita ali? O sol se pôs. E isto foi muito rápido, quase repentinamente escureceu. Era

assim nos trópicos. A atmosfera parecia condensar-se, comprimir-se, ainda mais. Ficou mais

misteriosa, e mais perigosa.

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Mandra Korab segurava a sua espada pronta para golpear, quando pôs os pés no primeiro local de cremação. Ele o fez o mais silenciosamente possível, mais parecendo pairar em pleno ar.

Como um fantasma ele mergulhou no escuro local de cremação. eu o segui bem

de perto. No interior desta grande câmara de incineração ainda estava mais escuro que

do lado de fora. Apesar disso não precisamos de luz, para reconhecermos os objetos que estavam colocados ali.

Quatro armações de ferro eram claramente visíveis. As mesmas ficavam de

ambos os lados das entradas. Por baixo das armações encontrava-se um forno de tijolos, que podia apanhar as cinzas, que deviam cair da grelha, sobre a qual eram colocadas as pessoas.

Eu senti um calafrio, pensando nisso. Tudo isto pode soar brutal, mas nós nos

encontrávamos numa outra terra, num continente distante, e ali os costumes e usos são diferentes dos da Europa.

Nós tínhamos trazido lanternas. Suko e eu iluminamos aquilo. Ninguém estava

nos espreitando. Aqueles fachos de luz branco-amarelados dançaram agora pelas paredes, também enegrecidas por dentro, da câmara de incineração.

Tudo isso era muito, muito estranho. Será que Mandra Korab não teria mesmo se enganado? Ele certamente devia ter

lido meu pensamento, pois quando olhei para ele, sacudiu a cabeça. — Não, John, aqui está acontecendo alguma coisa. Ninguém me mentiu. — Mas não consigo descobrir uma armadilha. — Talvez não devesse mesmo ser uma cilada — achou Bill Conolly. Isso naturalmente também era possível. Nós só podíamos esperar pelo melhor.

— Vamos dar uma olhada nos outros crematórios — sugeriu Suko. Ele ainda não terminara a frase, quando ouvimos um leve ruído, vindo de fora.

Passos! Eles eram arrastados, e podia perceber-se claramente que diversas pessoas

se aproximavam da câmara de cremação. Bill foi o primeiro a olhar junto a uma das saídas. Ele olhou para fora, e ouvimos o seu chamado.

Maldição, gente, olhem só isso! Suko correu para Bill, eu coloquei-me do lado

de Mandra Korab. E todos pudemos ver aquele mesmo quadro. Vultos se aproximavam da câmara de cremação do meio. Seres negros como

piche, que vestiam longos hábitos ou capas redondas, e cujos olhos brilhavam,

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vermelhos, como brasas acesas. Também estavam armados. Cada adversário trazia uma espada na mão, formada de um osso branco, muito pontudo...

...

— Maldição! murmurei. Quem são eles? — Mandra Korab deu-me a resposta. — Estes são os espíritos macabros de Kali. Seus servos mais terríveis e mais

brutais. Podemos esperar algo de muito sério, vindo por aí. — E de onde vêm eles? Provavelmente eles estavam à espreita nas duas outras câmaras

crematórias. Não é isso que quero saber. Interessa-me saber a quem eles devem a sua

existência. Ao inferno, John, se é que você aceita esse modo de me expressar. São os

espíritos dos cremados, que não encontram paz. Como guarda-costas, eles protegem a deusa Kali.

E então ouvimos um grito. Mas não tinham sido os espíritos, o grito fora dado por um ser humano. De

qualquer modo parecia isso. Ele estava parado lá em cima, na borda do talude, brandindo uma espada reluzente. A parte superior do seu corpo estava nua, e no seu peito brilhavam três olhos. Na cabeça usava um turbante branco.

E três olhos, também Siva possuíra. — Quem é ele? perguntei, num murmúrio. É Sabra — explicou Mandra

Korab, baixinho. — De acordo com as lendas, um demônio imortal em forma humana. Ele foi colocado ao lado de Kali, por seu esposo Siva, para defendê-la de inimigos. Ele é também o carrasco decapitador, cuidando, com a sua espada, para que o colar de cabeças humanas da deusa esteja sempre completo!

Sabra, o decapitador. Senti um frio na espinha. Meu Deus, no que nos

havíamos metido! Não podemos ficar aqui esperando por muito mais tempo ou — Vamos dar

uma olhada nos outros crematórios — sugeriu Suko. Ele ainda não terminara a frase, quando ouvimos um leve ruído, vindo de fora.

Passos! Eles eram arrastados, e podia perceber-se claramente que diversas pessoas

se aproximavam da câmara de cremação. Bill foi o primeiro a olhar junto a uma das saídas. Ele olhou para fora, e ouvimos o seu chamado.

Maldição, gente, olhem só isso! Suko correu para Bill, eu coloquei-me do lado

de Mandra Korab. E todos pudemos ver aquele mesmo quadro.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 55

Vultos se aproximavam da câmara de cremação do meio. Seres negros como piche, que vestiam longos hábitos ou capas redondas, e cujos olhos brilhavam, vermelhos, como brasas acesas. Também estavam armados. Cada adversário trazia uma espada na mão, formada de um osso branco, muito pontudo...

... — Maldição! murmurei. Quem são eles? Mandra Korab deu-me a resposta. — Estes são os espíritos macabros de Kali. Seus servos mais terríveise mais

brutais. Podemos esperar algo de muito sério, vindo por aí. — E de onde vêm eles? Provavelmente eles estavam à espreita nas duas outras câmaras

crematórias. Não é isso que quero saber. Interessa-me saber a quem eles devem a sua

existência. Ao inferno, John, se é que você aceita esse modo de me expressar. São os

espíritos dos cremados, que não encontram paz. Como guarda-costas, eles protegem a deusa Kali.

E então ouvimos um grito. Mas não tinham sido os espíritos, o grito fora dado por um ser humano. De

qualquer modo parecia isso. Ele estava parado lá em cima, na borda do talude, brandindo uma espada reluzente. A parte superior do seu corpo estava nua, e no seu peito brilhavam três olhos. Na cabeça usava um turbante branco.

E três olhos, também Siva possuíra. — Quem é ele? perguntei, num murmúrio. — É Sabra — explicou Mandra Korab, baixinho. — De acordo com as lendas,

um demônio imortal em forma humana. Ele foi colocado ao lado de Kali, por seu esposo Siva, para defendê-la de inimigos. Ele é tam bém o carrasco decapitador, cuidando, com a sua espada, para que o co lar de cabeças humanas da deusa esteja sempre completo!

Sabra, o decapitador. Senti um frio na espinha. Meu Deus, no que nos

havíamos metido! Não podemos ficar aqui esperando por muito mais tempo ou vi Suko dizendo.

A mesma me parecia calma como sempre. Entretanto, eu estava certo que também o meu parceiro tremia interiormente.

Então vamos de uma vez — disse eu, atravessando a porta aberta de um

salto... Sonhos febris o torturavam, e ele se jogava de um lado para o outro sobre o

leito, inquieto. De sua boca aberta

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A Deusa da Morte – Jason Dark 56

já saíam gemidos desesperados, como se adversários invisíveis lhe estivessem causando muitas dores. O seu corpo estava coberto de suor, e a sede o torturava como um fogo que tudo consumia.

Algo fresco foi colocado na sua testa. Jim Marlowe sentou-se no leito, assustado.

E arregalou os olhos. O rosto preocupado de um nativo olhava-o. — Está passando mal, senhor? — Como, o quê? Marlowe sacudiu a cabeça. Ele apoiou-se sobre um cotovelo.

Quando o criado quis deitá-lo novamente sobre o travesseiro, ele retirou a mão do mesmo, com um tapa. Não, não quero.

— O senhor precisa ficar deitado. Está com febre. Marlowe repuxou a cara. — Febre? Sim, eu estou com febre, ou tive um sonho mau. — Quer que lhe traga alguma coisa, senhor? Talvez um chá frio vá ajudá-lo. — Traga-o. O criado desapareceu. Jim Marlowe, entretanto, ficou sentado. E olhou pela

janela. No jardim já se via o crepúsculo. Mais alguns minutos e escureceria

totalmente. Marlowe ficou pensando no que lhe havia acontecido, e levou algum tempo até poder recapitular tudo. Quando o criado voltou, ele perguntou mais uma vez, por uma questão de segurança:

— Eu realmente estou na casa de Mandra Korab? Sim, meu senhor o criado curvou-se e entregou a xícara a Marlowe. O piloto

segurou-a com ambas as mãos. Mesmo assim quase derramou a metade, tão fortemente lhe tremiam as mãos.

Ele bebeu em grande sorvos, sedento como estava, e notou que o c há o

refrescava. Aquele calor interno apagou-se, e ele já se sentia um pouco melhor. Respirando fundo, ele pôs a xícara de lado.

— Quer mais um pouco, senhor? — Não, obrigado, já basta. — Posso fazer mais alguma coisa pelo senhor! — Não, obrigado. O criado desapareceu. Jim Marlowe ficou para trás, sozinho. Ele sentia-se extenuado quando

deitou-se novamente, apoiando a cabeça no travesseiro claro.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 57

Automaticamente lhe vieram lembranças. Novamente ele viu diante de si aquela frente de trovoada, como eles entraram com o Cessna, querendo atravessá-la voando, mas tendo azar, porque acabaram metidos num tufão. Tinham escapado com muita sorte, tinham encontrado o templo por acaso, e ali então ele se confrontara com o terror.

O arqueólogo não conseguira escapar. Jim tinha fugido, e agora estava

deitado na cama, sacudido pela febre, e seus pensamentos agora giraram para o passado recente. Ele não conseguia livrar-se deles de modo algum, por mais que o tentasse.

E novamente viu diante do seu espírito aquele vulto que surgira de dentro da

escuridão do templo. O decapitador! Ele segurava a sua espada na mão, e no seu peito rebrilhavam três olhos. Os olhos de Siva! Jim Marlowe já vivia bastante tempo nesta terra estranha, para saber que

cometera um erro. Jamais devia ter posto os pés no templo da deusa. Até o fim de sua vida ele nunca mais encontraria paz.

Assim calculava ele, imaginando até que nunca mais escaparia dos seus

pesadelos. Eles voltariam sempre. Noite após noite. Eles certamente... Os seus pensamentos foram interrompidos bruscamente. Sem que na

realidade se desse conta, virara-se para o lado. Com isto podia olhar diretamente para a janela, onde viu aquele vulto.

O decapitador viera! Ele estava parado na janela. Ou seja, ele devia ter subido pela fachada, pois,

pelo que Jim Marlowe sabia, este quarto ficava no segundo andar. Mas ele havia chegado, e só isso contava. Estava ali para buscá-lo? Jim Marlowe acreditava firmemente que aquela fera em forma de gente, com

os três olhos no peito nu, viera para terminar a sua obra. Como é que ele podia ter acreditado ter chance de escapar do círculo de ferro

da deusa? Não, ela alcançava todos. Sem piedade... E o decapitador aproximou-se. Também desta vez ele usava apenas a tanga e

o turbante branco como neve. Ágil como um gato, ele trepou para dentro do quarto, sempre segurando a espada numa de suas mãos — a espada que era unicamente consagrada à deusa Kali.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 58

Mal se ouviu um ruído quando o decapitador pulou de cima do peitoril da janela. O seu rosto, parecendo magro e encovado, com a pele apergaminhada, continuou impassível, enquanto lentamente se encaminhava

para o leito do piloto acamado. Depois de já ter metade da distância atrás de si, Marlowe não agüentou mais.

Todo o seu medo descarregou-se num grito horripilante, que ricocheteou pelas paredes do quarto, espalhando-se para fora do mesmo.

Esse grito também foi ouvido pelo criado, que fora destacado por Mandra

Korab para cuidar da vida do piloto. O seu senhor imaginara que nem tudo transcorreria normalmente, e tomara medidas de segurança. O cria-do engatilhou a sua pistola-metralhadora automática, deixou para trás a curta distância até o quarto com rápidas passadas e abriu a porta violentamente.

Aquela visão o deixou perplexo por alguns segundos. Ele viu o hóspede sentado na cama. Com o rosto transfigurado pelo medo, e

as mãos fechadas em punho, olhando para o sinistro decapita-dor parado no meio do quarto.

O guarda-costas de Kali estava parado à sua esquerda. O criado precisava

girar o braço com a sua arma. E foi o que fez. Quando quis apertar o gatilho, ouviu o assobio. Ainda fechou os olhos, como

se não quisesse ver aquela coisa horrível, que veio voando na sua direção, depois não sentiu mais nada.

A morte o alcançara de um segundo para o outro. Duas vezes ouviu-se

alguma coisa saindo, estrepitosamente, ao chão. Uma cabeça e um corpo... O guarda-costas de Kali não conhecia piedade, tal como a deusa. Sua

brutalidade era difícil de ser suplantada. Depois ele virou-se e voltou-se para Jim Marlowe, estarrecido de medo. Com isso manteve a espada abaixada. Da ponta, até o chão, escorria um fio de sangue.

Marlowe quis gritar. E já abrira a boca, quando Sabra executou um giro,

rápido como o raio, estacando milímetros do pescoço do piloto. Mais um ligeiro movimento, e Jim Marlowe já não estaria mais entre os viventes.

O piloto sabia disso. Ficou sentado, duro e ereto, respirando apenas pelo

nariz. A sua vida está em suas mãos falou Sabra, com uma voz oca, arranhada, que

ficaria muito bem no fundo de um sepulcro. Se eu, apesar de tudo, poupar você, isso tem o seu motivo, Jim Marlowe.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 59

— O que é que você quer? Os outros. Mas não sou eu quem os quero, é a deusa da morte, Kali. Eles

atrapalharam, pelo menos por enquanto, o seu grande plano, para pôr um pé também numa outra terra, e tiveram ainda o descaramento de vir até aqui. Através dos servos de Kali eu sei onde eles se encontram. Eu enviei-lhes os vigilantes da morte, e vou ficar como espectador dessa luta. Caso esses homens vençam, será a sua vez de entrar para o plano. Você me entendeu?

— Sim — A resposta era quase inaudível. Sabra sorriu. — Isso é bom. E agora ouça-me com muita atenção, pois se você esquecer

uma só palavra, daquilo que vou lhe dizer, a sua vida estará perdida...

5

ma vez que os cruéis servos da deusa da morte nos tinham cercado, nós nos separamos.

Ou seja, Suko e Bill abandonaram o local de cremação do lado do rio, nós

ficamos do outro lado. Agora podíamos nos mexer e enfrentamos os esbirros do reino das trevas. Não é fácil descrever o conflito. Foi um verdadeiro combate, que transcorreu

com a velocidade do raio e que foi executado intransigentemente. Bill e Suko foram os primeiros a intervir. Contaram cinco adversários. Eu

dera a espada ao repórter, uma arma de magia negra, com a qual Bill esperava poder fazer alguma coisa contra seus adversários.

Bill emitiu um selvagem grito de guerra e concentrou-se naquele par de olhos

incandescentes. Era ali que ele pretendia golpear. Ele agarrara a espada com ambas as mãos. Girava-a como uma clava, e antes que seu adversário pudesse atacar com a espada de ossos, Bill já tinha golpeado, arrancando-lhe o crânio.

Mas nada caiu ao chão. Somente os olhos chamejaram por um momento,

depois a fazenda dobrou-se, e um fino fio de fumaça subiu para o alto. Imediatamente o repórter girou sobre si mesmo. Ele viu Suko, que estava

sendo atacado logo por três adversários, tendo que recuar bastante. Agora aqueles vultos de olhos vermelhos mostraram de quanto eram

capazes. Eles manejavam as suas espadas de ossos magistralmente, e nos seus

U

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A Deusa da Morte – Jason Dark 60

golpes lembravam-me os lutadores de Kendo japonês. Bill via apenas sombras que giravam, entre elas listras vermelhas e o chinês Suko, que fazia uso de todos os seus conhecimentos de caratê.

Suko era rápida Sempre conseguia esquivar-se dos golpes, habilmente

girando o corpo, porém nunca conseguia aproximar-se suficientemente dos vestidos de negro, para poder usar efetivamente a sua chibata de demônios. Os vigilantes da morte eram rápidos demais e além disso mantinham-se a uma boa distância.

Somente uma vez o chinês conseguiu enfiar a sua mão fechada entre aqueles

olhos de fogo. Imediatamente ele puxou o braço novamente para trás, pois uma dor violenta atravessou-lhe a mão.

Bill veio em seu auxílio. Suko cambaleou para o lado. O que houve? — perguntou o repórter. — Não toque neles, Bill! O repórter já vira isso. E viu que uma outra criatura ia se precipitar sobre

Suko. Bill ergueu a espada. E então Suko reagiu. Provavelmente a dor tinha atiçado a sua raiva, pois ele

veio como um tufão. E trazendo a sua chibata de demônios. — Saia do caminho, Bill! berrou Suko, abaixou-se para escapar de um qolpe

rápido com uma seta, e golpeou lateralmente com aquele chicote perigoso. Acertou dois adversários. As correias abriram grandes buracos nos hábitos

negros. De repente as sombras entraram num turbilhão. Elas não conseguiram mais manter-se sobre suas pernas, e acabaram indo para o chão, quando brotou uma fumaça negra de suas roupagens em farrapos, que era levada pelo ar na direção das margens do rio.

Mais um adversário! Deste, Bill tomou conta. Primeiro ergueu bastante a espada. A ponta da

mesma praticamente tocou o chão, e depois ele bateu de baixo para cima. Ele ouviu até o assobio, quando a arma de magia negra cortou o ar. O servo do ídolo não foi acertado por Bill, entretanto acertou a sua arma de ossos, que com um som alto, cantante, foi partida ao meio.

Uma metade foi catapultada por cima do corpo do vulto. Ela ainda não tocara

o solo quando o repórter já saltava para a frente. Desta vez, a espada formava o prolongamento do seu braço direito. E Bill acertou em cheio.

A lâmina atravessou o hábito negro como a noite, e um segundo mais tarde o

vulto dissolveu-se numa bandeira de fumaça. Este era o último. Bill anuiu para o chinês. Ambos olharam em volta, porém não havia mais

nenhum adversário à vista.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 61

Entretanto ouviram ruídos de luta, do outro lado. Para John Sinclair e Mandra Korab o litígio ainda não terminara.

Bill e Suko não hesitaram nem um só segundo. 0 repórter assentiu. Vamos! — gritou ele para o chinês. Até lá! E logo saíram correndo. Nós realmente ainda não conseguíramos vencer nossos adversários. Que

estavam em superioridade numérica. Oito, exatamente. E nós éramos apenas dois. Não conhecíamos o medo, nem devíamos conhecê-lo, precisávamos passar

por aqui, não importava como. Os servos da deusa da morte Kali não deviam sobreviver de modo algum.

Os primeiros dois, nós pudéramos liquidar com relativa facilidade. Mandra com a espada e eu com minha cruz.

Seis imediatamente recuaram, quando viram que seus comparsas se dissolviam. Agora eles realmente ficaram cuidadosos, e não nos atacaram mais atabalhoadamente.

Eles andavam de costas, subindo aquele talude íngreme assim mesmo. Para eles tanto fazia, teriam uma melhor posição que nós. Para nós não seria tão fácil subir aquela ladeira, lutando ao mesmo tempo.

Palidamente brilhavam as armas feitas de ossos nas suas mãos. Elas eram tão pontudas como adagas normais ou espadas, e nós tínhamos que cuidar para não sermos atingidos por elas.

E então dois deles se destacaram. Eu não calculara até então que eles também conseguissem voar, mas quando perderam contato com o Eu me abaixei, puxei minha Beretta e fiz fogo em cima do primeiro adversário. Uma luz clara saiu da boca da minha arma. E a bala acertou, mas danificou apenas o hábito. Ela não podia atingir o próprio corpo, uma vez que este nem existia. Este era um fato. Por baixo do hábito não havia nada, e isto lembrou-me novamente do Assombração, que também costumava apresentar-se desse modo. Por um segundo terrível eu não podia parar para respirar, pois tive que me esquivar, caso contrário aquela maldita espada de ossos ainda teria me acertado.

Mandra liquidou um, que chegara muito próximo dele, ao alcance de sua

espada. Eu tentei atrair o meu adversário, girei sobre mim mesmo e saí correndo, na direção da margem do rio, esperando que o sujeito sinistro me seguisse.

E foi o que aconteceu. Eu o vi, quando lancei um olhar por cima do ombro. Ele tinha esticado o seu

corpo, deslizando como uma sombra por cima do solo, e correu para dentro de minha cilada.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 62

De repente eu atirei-lhe a cruz. Não podia deixar de acertar a criatura, pois ela era grande demais. O crucifixo consagrado acertou. Tal como com o primeiro adversário, uma nuvem verde-amarela formou-se, e logo ele tinha sumido.

E isso tinha que ser assim. Eu corri de volta. Ainda estávamos com quatro adversários. E estes Mandra Korab tomou para

si. Pela primeira vez vi-o fazendo uso daqueles seus punhais. o indiano estava de pé, meio inclinado no barranco, tirou um punhal depois de outro do cinturão e atirou-os contra seus adversários.

E acertava. O primeiro ele acertou em pleno voo. Onde o punhal bateu no hábito, mal

podia ser visto, de qualquer modo a criatura foi destruída. Naturalmente não como com minha cruz. O hábito de repente pegou fogo. Labaredas verdes saíram do mesmo, e de repente ouvimos gritos. Eram gritos queixosos, baixinhos, que se desfaziam, como se viessem de algum mundo.

Mandra parecia nem ouvi-los. Ele já estava se ocupando dos outros três. Eu

pude ver o hindu em plena ação, e não podia deixar de reconhecer-lhe o valor. O que ele conseguia era fenomenal. Nunca parava no mesmo lugar, mostrando-se sempre em movimento, e atirando os seus punhais mágicos com uma precisão mortal.

Por cima do crematório queimou o seguinte. Uma bola de fogo verde se

iluminou. Até uma chuva de faíscas da mesma cor ergueu-se num semi-círculo. Quando um dos servos quis rachar a cabeça de Mandra com a sua espada, o

indiano jogou-se ao solo, rápido como o raio, rolou sobre si mesmo e logo estava novamente de pé.

Antes de encontrar-se realmente de pé, ele já tinha atirado o punhal

seguinte. Novamente ouvimos aquele grito. Eu apenas precisei ficar olhando, pois também o resto foi liquidado por

Mandra Korab. O penúltimo ele acertou, quando este quis se virar. O punhal mágico o destruiu.

Restava mais um. Eu vi Bill e Suko. Eles agora vieram correndo, parecendo eles mesmos

criaturas das trevas, enquanto os seus rostos brilhavam, pálidos, na escuridão. O repórter quis intervir com a sua espada, mas não era mais necessário. Mandra Korab acertou também o último, quando este já se encontrava bem junto do solo.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 63

Da altura dos quadris, o punhal saiu voando. Atirado com precisão, uma coisa giratória, que destruiu o servo da deusa da morte impiedosa-mente.

Fim. Eu quase bati palmas, de tal modo a luta de Mandra Korab me fascinara. Bill e Suko riram, enquanto Mandra apenas anuiu, para logo começar a

recolher os punhais. Ele os fez desaparecer no seu cinturão especial. — Eu apenas faço uso deles raramente — declarou ele. — Porém desta

vez tinha que ser. Nossos adversários eram terrivelmente rápidos. Fique contente por tê-los disse eu. — Sim — ele olhou em tomo. Alguém de nós está ferido? Ninguém estava. Graças às armas mágicas e nossa habilidade, tínhamos

conseguido liquidar com os servos da deusa da morte. Um obstáculo já tínhamos vencido! Mas não mais que isso, pois Mandra Korab preveniu-nos imediatamente. — Estas criaturas, em princípio, não são fortes — falou ele. — Kali apenas os

mandou na frente para testar-nos. Eles, sozinhos, não estavam em situação de produzir qualquer tipo de magia, e podemos tranqüilamente descrevê-los como subordinados, executores de ordens. Se naturalmente eles encontram alguém desarmado, este não tem qualquer chance, mas nós simplesmente fomos melhores.

— Infelizmente nada ganhamos — opinou Suko. Era uma afirmação, que realmente estava certa — Okay, nós tinhamos

liquidado os servos, mas na realidade isso não nos aproximara em nada de nossa meta. Podia-se olhar aquelas criaturas como uma espécie de entulho, apenas, pois Kali vivia como antes.

Mas nós temos que chegar a ela — murmurou Bill, olhando-nos um depois

do outro. Alguém tem alguma idéia? Mandra olhou em volta. Ele não parecia ter ouvido a pergunta de Bill. O seu rosto parecia perplexo. — O que é que você tem? — perguntei. Mandra sorriu. — Bill, esta sua suposição é um erro. Você parece não conhecer muito bem

os demônios hindus. Nenhum deles jamais perde tempo com amuos. Pense bem. Eles nos enviaram diversos avisos. Especialmente a vocês. Isso ja começou em

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Londres, continuou durante o voo e agora aqui. Não, meu amigo, ainda vamos ter combates muito duros, pode contar com isso. Da próxima vez, eles serão mais cuidadosos, Bill.

— Mas nós também — retrucou o repórter, num tom de convencimento. Certo — Mandra concordou com a cabeça. — O que é que ainda nos está segurando aqui? — perguntou Suko. Esta exatamente foi a deixa. Nós voltamos para o carro e abandona mos o macabro local das cremações, que quase se tornara uma armadilha

mortal para nós. Em Calcutá todas as luzes já estavam acesas. Bem longe, à nossa frente,

vimos o clarão. Os edifícios altos dos grandes hotéis sobressaíam de Iodos os outros prédios. Eles se mostravam como um muro gigantesco, que se erguia para o céu, transformados numa verdadeira obra de arte, com suas muitas luzes brilhantes.

Em enorme contraste estavam os bairros dos pobres. Aqui as pessoas não

tinham luz elétrica, e só usavam lamparinas de querosene, O hindu ergueu os ombros. Estou sentindo falta de alguém. O sujeito de três olhos — disse Suko, imediatamente. — Exatamente. Diacho! Nele nós nem tínhamos pensado. Aliás, ele também não tomara

parte na luta. — Você o conhece? perguntei a Mandra. — Não, para falar a verdade, não. Porém existe uma antiga lenda. A deusa

Kali costuma rodear-se de inúmeras criaturas, entre as quais estes seres de sombra, que acabamos de liquidar. De acordo com a lenda ela deve ter um guarda-costas. Este homem ou demônio, seja lá o que for, diz chamar-se Sabra.

— Você está querendo dizer que nós vimos Sabra? Mandra olhou para mim. — Correto, John. Simplesmente tem que ser ele. Turbante branco, torso nu,

os três olhos no peito, não vejo outra possibilidade, sinto muito. — Onde é que ele pode ter se metido? quis saber Suko. Mandra levantou os ombros.

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— Existem diversas possibilidades. Ele pode ter voltado novamente para os braços de sua senhora, ou então pode estar tentando armar-nos uma cilada.

Nós nos entreolhamos. Cada um queria saber a opinião do outro. — Uma cilada? — Bill deu de ombros. — Eu não sei muito bem, se isto ainda

valeria a pena. Pois ele deve ter visto o que fizemos com os servos. Eu acredito mesmo que ele deve ter se recolhido em algum lugar, amuado.

simplesmente um fogo aceso. Em volta do mesmo podiam ver-se as pessoas sentadas, à claridade bruxuleante. Eles mais pareciam seres fantasmagóricos, que tinham se perdido por aqui.

Lentamente rolamos novamente para o centro da cidade. Nenhum de nós

falava. Cada qual perseguia seus próprios pensamentos, e estava claro que estes não eram nada otimistas.

O mais difícil ainda tínhamos pela frente. Com quase cem por cento de

certeza, teríamos que penetrar na floresta tropical, no jângal indiano. Por sorte havia um piloto de nome Jim Marlowe. Ele poderia indicar-nos o caminho, pois já o voara uma vez.

Quando chegamos à casa de Mandra Korab, fomos recebidos por um forte

odor de flores. Ele espantava os fedores dos bairros pobres, que ainda se alojavam em nossas narinas.

Dentro de casa tudo estava quieto. Atrás de algumas janelas havia luz acesa.

Certa vez vimos a sombra de um criado deslizar sobre o retângulo iluminado. Algum perigo, por aqui realmente não parecia nos espreitar. Pelo menos era

isso que pensávamos. Mandra Korab parou o Ford perto do prédio. Quando desembarcamos, um

homem saiu de dentro da casa. Bill Conolly chegou a dar um grito, espantado. Diabos, aquele não é Jim Marlowe? O repórter não se enganara. O homem que acabara de atravessar o umbral

da porta, era realmente o piloto. Ele, inclusive, acenou para nós. Mandra foi o primeiro a alcançá-lo. Houve alguma coisa de novo? —

perguntou ele. — Propriamente dito, não. O que quer dizer com "propriamente dito"? Venha, eu lhe mostro Marlowe virou-se, porém Mandra Korab segurou-o

pelos ombros. Um momento. Contra a força das mãos do indiano, Marlowe não tinha nenhuma chance. E

nem tentou escapar, mas olhou para Mandra Korab. Nós tínhamos nos aproximado, e vimos que Mandra franzira as sobrancelhas. A luz de uma lanterna, afixada à parte externa da casa, caiu sobre os dois homens, de modo que podíamos ver-lhes bem os seus rostos.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 66

— Fale! O que foi que aconteceu? perguntou o hindu. — Eles estiveram aqui. — Quem? — Os do outro lado. Mandra Korab pigarreou. — Marlowe, não me venha com conversas tolas. Eu quero uma in formação

exata, entendeu? Que "outro lado" esteve aqui? Quantos? — Um só. — Como era ele? O seu aspecto? Jim Marlowe descreveu-nos o homem que nós também tínhamos avisado

junto ao rio. O indiano nos olhou. Ele pode ter razão. Deve ter sido o guarda-costas dela. — Ele apresentou-se como Sabra, o decapitador — explicou o piloto. E depois? Ele fez alguma coisa? Jim Marlowe assentiu com a cabeça. Cada um de nós pôde ver o suor na sua

testa, e também no seu rosto muito pálido. — Fale! Ele... ele matou um dos seus criados. Com uma espada, ele cortou-lhe a

cabeça. Agora aquilo fora dito. Por um momento ficamos parados ali, estarrecidos,

horrorizados. A crueldade dessa criatura nos chocou profundamente. Ele matara um homem totalmente inofensivo, apesar de não ter nenhum motivo para isso.

Realmente não haveria um motivo. Eu não tinha muita certeza disso. Em noventa e nove por cento dos casos,

demônios e criminosos tinham algo em comum. Eles nunca faziam alguma coisa sem motivo, mesmo que estes motivos pudessem ser diferentes entre si, eles sempre existiam.

Aqui também eu não acreditei num assassinato totalmente sem sentido,

apesar de cada homicídio em princípio ser sem sentido, porém nossa profissão nos obrigava a raciocinar deste modo.

Mandra Korab provavelmente pensava de modo diferente, neste caso. — Onde é que está o morto? gritou ele para Jim Marlowe. No meu quarto. Mandra soltou o inglês. Ele fez-nos um sinal com a cabeça. Venham, o que

ainda estão esperando?

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A Deusa da Morte – Jason Dark 67

Eu ainda quis dizer alguma coisa, porém Mandra já partira na frente. E talvez a minha suspeita não passasse mesmo de uma especulação totalmente sem fundamento.

Isso logo veríamos. Bill me seguiu, Suko formava a retaguarda. Isso eu preciso mencionar, já que

é tão importante. Com passos de gigante, atravessamos a casa do indiano. O quarto de Jim

Marlowe ficava do outro lado. Tínhamos um caminho bem longo diante de nós. Pouco antes de chegarmos à porta do quarto, eu alcancei o indiano. A mão de Mandra já estava na maçaneta. Rapidamente ele abriu a porta, deu um passo para a frente, olhou para dentro do recinto. Eu o segui, ainda percebendo o leito, os móveis, e no instante seguinte fomos agarrados por uma formidável sucção, que nos arrastou consigo, como um redemoinho em alto-mar. Eu ainda joguei meus braços para cima, ouvi meus próprios gritos, vi um fogo vermelho, mas frio, me rodeando, e fui arrastado para profundezas, insondáveis, sem fundo. Eu tinha arregalado os olhos. Vi também Mandra e Bill, e uma cara imensa, gigantesca, por cima de mim, com cabelos manchados de sangue. A cara da deusa da morte, Kali! Depois perdi a consciência...

... 6 Suko formara a retaguarda. Também no seu interior espalhara-se uma

sensação indefinível. Ele não confiava muito naquilo tudo, e viu confirmada a sua suspeita, quando olhou mais uma vez atrás de Jim Marlowe. O piloto, de algum modo estava sorrindo, ironicamente.

Devido a uma ligeira hesitação, Bill, Mandra e John tinham se adiantado um

pouco. Mandra abriu a porta e entrou no quarto. John Sinclair e Bill o seguiram. E então fechou-se a armadilha. Suko já colocara o seu pé no umbral da porta, sentiu alguma coisa daquela

sucção sinistra, mágica, que queria arrastá-lo também, mas, fazendo um esforço tremendo, conseguiu jogar-se para trás. Nisto chocou-se contra a parede, ainda caiu ao chão, e rolou sobre si mesmo.

A porta fechou-se, batendo violentamente. Como um trovão, o eco chegou aos ouvidos do chinês, quando Suko se

levantou. Os três amigos tinham desaparecido. Eles tinham reconhecido a armadilha

mágica só tarde demais. Mas havia alguém que sabia dela, e que atraíra os homens para a mesma.

Jim Marlowe. Suko virou-se. Olhou corredor abaixo e viu Jim Marlowe desaparecendo. O

piloto corria o mais depressa que podia. Suko iniciou a perseguição. Se existisse alguém que ainda poderia ajudar,

arranjando-lhe informações, esse alguém era Marlowe.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 68

Quando Suko alcançou a saída, não viu mais nem um fio de cabelo de Jim Marlowe.

O chinês não cometeu o erro de parar na porta aberta. Flexível, ele virou-se para o lado, para não ser atingido pelo clarão das luzes externas.

Ele queria pegar Marlowe. Diante dele, o jardim escuro. Havia naturalmente algumas lanternas acesas,

mas ficavam tão distanciadas entre si, que suas fontes de luz mal eram reconhecíveis. Somente um clarão aparecia de vez em quando por entre as flores, ou pairava fantasmagoricamente sobre o gramado muito verde. Dentro de casa ainda estava a criadagem. Suko não queria intrometer esta gente no caso. Ele realmente não sabia de que lado eles estavam.

O chinês movimentou-se para a frente, abaixada Os animais noturnos, que também existiam neste jardim, tinham acordado para a vida. Ruídos estranhos envolviam o chinês. Havia grasnados e chiados, um retum-bar e coaxar, mas tudo só abafado, como se a escuridão atuasse como

um enorme funil, que tudo engolia e filtrava. Suko era um homem que sabia integrar-se a natureza. Ele chamava isso de

adaptação. Concentrou-se muito, e conseguiu praticamente eliminar os ruídos da noite. Deste modo, ele podia concentrar-se inteiramente no seu adversário, que infelizmente não sabia onde estava escondido.

Que Jim Marlowe estava com a consciência suja, não havia mais dü-vida.

Caso contrário ele não teria fugido. Na opinião de Suko, o piloto devia ter recebido uma visita na ausência de Mandra. E esta visita conseguira fazer com que ele bandeasse para o seu lado.

Esse tipo de coisa era muito fácil para os demônios. Certamente esse tal

Sabra dera-lhe uma sangrenta demonstração de sua força. Suko acreditava que Marlowe não inventara a história do decapitador. Sabra realmente devia ter-lhe aparecido.

Com passos deslizantes o chinês esgueirou-se pelo macio tapete do gramado.

Sua meta era um canteiro redondo, cheio de flores e plantas típicas. Um jardim pequeno, maravilhoso, no meio de outro maior.

O gramado macio podia ser uma vantagem, mas também uma desvantagem.

Ele abafava os passos demais. Suko mal poderia ouvir o seu amigo muito especial O chinês tomara cobertura atrás das plantas do canteiro. Ele gostaria agora

de ter os olhos de um gato, pois com seus olhos normais a escuridão não se deixava penetrar.

Um ruido atrás dele. De sua posição agachada, Suko deixou-se cair ao chão, rolou sobre o seu

próprio eixo, e de repente segurava a Beretta pronta para atirar, esperando para disparar.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 69

Fora apenas um pequeno animal que passara. Tal rápido que o chinês nem conseguira identificá-lo.

Suko retomou novamente sua antiga posição, e ficou pensando. De nada

adiantava ficar parado aqui, esperando que Jim Marlowe se mostrasse. Talvez ele devesse tentar um outro método.

— Ei, Jim Marlowe! — gritou Suko. — Está me ouvindo? Com toda a certeza o piloto o escutara. Só que não respondeu. Em vez disso,

na casa, abriu-se uma janela, e a cabeça de um criado apare ceu. Ele trazia, inclusive, uma arma na mão, que agitava ao ritmo dos mo

vimentos de sua cabeça. Suko não estava com vontade de levar um balaço pelas costas, por isso gritou

para o homem: — Não faça confusão, e fique dentro de casa. Imediatamente o cano da arma foi levado na direção de Suko. O homem

respondeu alguma coisa em hindi, que Suko não entendeu, depois bateu a janela. "Espero que tenha entendido", pensou Suko. Novamente ele fez uma

tentativa. - Ei, Marlowe, não faça besteiras. O senhor não vai conseguir sair daqui ileso.

Eu quero apenas uma informação sua. Todo o resto não me interessa. Vamos esquecer o que aconteceu ainda há pouco. Se quiser ainda salvar alguma coisa, trabalhe em cooperação conosco. Isso realmente é melhor!

O piloto nem pensava em dar uma resposta a Suko. Em contrapartida

apareceu o criado, que ainda há pouco olhara pela janela. Ele saiu de dentro da casa, sempre com a arma na mão, pronta para atirar. O cano da arma rebrilhava, e apontava, inclusive, na direção de Suko. O homem parecia ter anotado de onde lhe haviam falado antes.

O garoto estava nervoso, gritou alguma coisa, e chegou mesmo a atirar. Suko mudou rapidamente de posição, pois a bala batera desagrada-velmente

perto dele. Como uma cobra, o chinês arrastou-se por cima do gramado, enquanto o criado, sempre apontando a arma, se aproximava. Ele caminhava, levemente agachado, escutando para todos os lados, sempre mantendo o dedo no gatilho.

O recém-empossado inspetor da Scotland Yard estava azedo. O tempo urgia.

Seus amigos tinham sumido sem deixar rastros, Marlowe, que poderia ajudá-lo, nem piava. E no fim de tudo, ainda tentavam matá-lo com um tiro.

Realmente uma coisa de louco. Suko queria desarmar o criado o mais

depressa possível. Ele agachou-se na grama, era apenas uma sombra, e deixou que outro viesse. Ele passaria, lateralmente, por ele, se continuasse caminhando nesta

direção. Suko deixou-lhe ainda dois metros, depois sakou.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 70

O chinês era um homem que dominava todas as técnicas de lutas asiáticas. Ele aprendera a ser rápido e extraordinariamente ágil. Em zigue-zague, ele atirou-se em cima do criado, que por sorte somente o percebera um pouco tarde, virando-se e querendo atirar.

Mas Suko então já ia em pleno ar. Uma perna esticada para a frente e

também o braço direito. Como o saudoso Bruce Lee, na sua melhor época, Suko atacou o garoto com

a arma. O pé de Suko acertou o pescoço do homem lateralmente, atirando o criado ao chão. Este perdeu a arma, girou sobre si mesmo e ficou esticado.

Inconsciente... Suko anuiu e apanhou a arma. Não queria destruí-la, por isso atirou-a num

matagal, onde certamente seria encontrada mais tarde. E agora ele podia ocupar-se de Jim Marlowe. E realmente o viu. Jim era apenas uma sombra, que por acaso deslizou dentro do círculo

luminoso de uma lanterna. Mesmo assim, aquele curto espaço de tempo, fora o bastante para o chinês.

Ele vira em que direção o piloto desaparecera, e imediatamente retomou sua perseguição.

Suko teve que rodear o grande canteiro, correu alguns passos, viu uma

árvore muito frondosa e abaixou-se para passar sob os seus galhos cheios de folhas.

Algumas folhas, nisto, bateram no seu rosto. Na sua parte inferior havia um

líquido xaroposo, de modo que duas destas folhas se colaram no rosto de Suko. E então o chinês ouviu o grito. Era um chamado desesperado, emitido por alguém terrivelmente assustado,

que vê a morte diante de si. Suko soube imediatamente que a gratidão dos demônios só podia significar a morte do seu ajudante.

E isso ele pretendia evitar! Eles estavam encarapitados na ramagem de uma árvore. Duas feras

vermelhas como sangue, nuas, disformes, de caras desfiguradas. Dos seus olhos saíam faíscas de um fogo claro, e os seus braços eram simplesmente serpentes vermelhas, que tinham, ambas, suas bocarras abertas, sibilando. Línguas bifurcadas sibilaram ao encontro de Jim Marlowe, que estarrecido de medo, já tinha certeza de que batera a sua última horinha.

De algum modo ele conseguiu frear a sua corrida, antes das cobras o

tocarem. Ele girou sobre si mesmo, e começou a gritar estridentemente. Durante a fuga ele tropeçara em um declive, artificialmente construído, acima. Quando se virou, sentiu dificuldade de manter o equilíbrio. Ele sentiu a perna direita falhar, e

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A Deusa da Morte – Jason Dark 71

acabou caindo. Dando voltas sobre si mesmo, rolou novamente declive abaixo. E ele também sabia que aqueles dois terríveis demônios não mais o deixariam levantar-se. Ele devia ter dado ouvido a pessoa que o chamara. Agora era tarde demais, para ficar pensando nisso. Os demônios seriam mais rápidos.

Com um salto fantástico, aquelas duas figuras do terror jogaram-se ao seu

encontro. Mantinham ambos os braços estendidos, as bocarras das duas cobras estavam muito abertas. Dentes pequenos, brancos, muito pon tudos, brilhavam nas suas bocas, prontos para injetar o seu veneno demoníaco.

De repente tudo estava diferente. O próprio Jim Marlowe não pôde entender porque os dois demônios, ainda no

meio do salto, se jogaram para trás, para assim mudarem de direção. Alguma razão eles deviam ter, e o piloto logo ficou sabendo da mesma.

O chinês viera correndo. O homem que também o chamara em voz alta, queria salvá-lo. E ele segurava alguma coisa na mão, que lembrava ao piloto de uma chibata, de qualquer modo ele girava três correias no ar.

E estas acertaram. Como fitas elas se enrolaram numa velocidade de segundos em volta do

corpo da criatura horrenda. O chinês deu um forte puxão, e a chiba ia soltou-se, simplesmente porque tinha cortado o corpo exatamente ao melo, e este caiu ao chão em três partes.

Incrédulo, Jim Marlowe olhou para o monstro partido, cujas partes formavam uma secreção vermelha, que voava por cima do gramado, evaporando-se.

Marlowe parecia tão fascinado com o que estava acontecendo, que nem

chegou a ver quando o chinês atacou a segunda criatura. Com esta o jogo não foi tão fácil. A mesma era rápida como um dervixe,

sempre conseguindo desviar-se dos golpes do chicote. Depois subiu bastante, deu um grito estridente e de repente estava por cima do chinês. Este não era menos hábil na luta, abaixou-se, girando o braço ao mesmo tempo em que golpeou com a chibata, fazendo girar as correias sobre a sua cabeça. Deste modo pretendia atingir o demônio.

Nisto Suko teve azar. As correias do chicote de demônios enlaçaram-se nos

galhos da árvore, sobre a qual os dois demônios tinham estado à espreita. Suko simplesmente não teve mais tempo de arrancar a arma dali, o outro atacou imediatamente, pois sentira a fraqueza do seu adversário.

Jim Marlowe, que já passara por muita coisa e que dificilmente podia se

espantar com alguma coisa, gemeu alto. O chinês conseguira eliminar um adversário, porém no segundo ele teria que fracassar, pois agora ele estava desarmado, enquanto aquele perigoso ser com seus braços em forma de serpentes se lançava sobre ele.

E então Jim Marlowe pôde ver em ação um homem, como até agora só vira no

cinema. Um lutador de caratê, fantasticamente rápido e ao mesmo tempo frio como gelo, que encolheu o corpo, formando um alvo o menor possível, e como se tivesse sido atirado por uma catapulta, voou para cima.

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O movimento do seu braço direito mal pôde ser seguido pelos olhos, porém o golpe recebido pelo demônio, não era de desprezar. Com este golpe, Suko certamente teria destruído um monte de telhas, umas sobre as outras, não podendo destruir o demônio com o mesmo, mas pelo menos mantê-lo tão longe de si, que este nem pensou em logo atacá-lo novamente.

Ele foi levantado e atirado alguns metros para o lado, para sair rolando em

cima do gramado. Suko trincou os dentes. Novamente a sua mão doeu, como se ele a tivesse

colocado sobre uma chapa de fogão incandescente. Os corpos dessas criaturas realmente eram quentes. Ao serem tocadas, queimava-se a carne das mãos.

O chinês não podia permitir-se uma pausa, pois o seu adversário pusera-se

novamente de pé. Desta vez, entretanto, ele não atacou Suko, mas Jim Marlowe. Ele fazia

questão de executar a sua tarefa. Corra, saia daqui! — berrou Suko. Marlowe não o ouviu ou não quis ouvi-lo. Como pregado ali, ele estava de

cócoras sobre o gramado, vendo aquela criatura sinistra aproximar-se cada vez mais dele.

Dentro de um segundo, Suko teve que tomar uma decisão. Ele naturalmente poderia pegar o seu bastão, e com o mesmo parar o tempo. De pois disso, porém sempre demorava um pouco, até que o bastão se regenerasse. E como Suko não sabia o que ainda tinha pela frente, resolveu-se pela segunda possibilidade.

Arrancou a chibata de demônios dos galhos da árvore, levou o seu braço por cima do ombro, para trás, fez mira e atirou o chicote exatamente em cima da criatura em fuga.

E Suko acertou. As três correias bateram lateralmente contra o demônio. Ele parou, no meio

da corrida, gritou como um animal, e jogou ambos os braços — serpentes para cima. Depois caiu ao chão, com estrondo.

Ele morreu como o seu comparsa, depois que o corpo tinha segre-gado aquele líquido vermelho.

Suko respirou fundo. Conseguira sobreviver àquela luta. E não fora nada fácil.

Jim Marlowe olhava-o, de olhos muito arregalados, enquanto Suko apanhava

o seu chicote, para colocá-lo no cinturão. Antes ele o segurara de tal modo que as correias novamente escorregaram para dentro do cabo.

O chinês parou perto de Marlowe. — Tudo isto poderia ter sido bem mais fácil para o senhor, disse ele. Jim concordou com a cabeça. Estava pálido e tremia muito. Suko estendeu o

braço e ajudou o piloto a levantar-se. O mesmo ficou parado, ainda meio cambaleante, precisando ser apoiado.

— Foi terrível disse ele, chegando a soluçar nervosamente. Eu... eu não podia

fazê-lo diferente, creia-me...

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Ninguém o está censurando retrucou,Suko. A criança, infelizmente, caiu no

poço. Se vamos poder salvá-la, depende do senhor. — Mas o que é que eu posso fazer? Logo vamos determinar isso — Suko apontou para a casa. — Mas não aqui. — Okay. Obediente, Jim Marlowe trotou ao lado do chinês. Também passaram pelo

lugar onde Suko tinha dominado o criado. O homem não se mexia. O seu desmaio continuava.

— O senhor tem um soco..., — disse o piloto. Havia qualquer coisa de

respeito na sua voz. Suko fez um gesto defensivo. — Dá para o gasto. Eles entraram na casa. O piloto quis parar no grande vestíbulo. Suko

sacudiu a cabeça. — Não, Mr. Marlowe, venha comigo. — Para onde? — Vamos dar uma olhada no seu quarto. O piloto empalideceu. — Eu... eu... não quero mais entrar ali — gaguejou ele. — Por que não? Aquele morto lá. Cortaram-lhe a cabeça. Talvez nós nem mais vamos encontrá-lo disse o chinês. — O que quer dizer com isso? — Logo veremos. Entrementes eles tinham ido adiante e já estavam diante da porta. Jim

mantinha a cabeça pendida, mordendo o lábio inferior. Com um movimento parecendo nervoso, ele passou a mão pelos cabelos. Suko puxou de sua Beretta, e também da chibata de demônios. Ele esperava talvez experimentar uma surpresa infernal, e com um forte puxão abriu a porta, para logo baixar novamente as duas armas.

O quarto estava vazio.

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Vazio, exceto pelo mobiliário e um morto, que realmente oferecia uma

imagem terrível. Sabra não tivera piedade, e golpeara friamente. O senhor fica para trás disse o chinês, e viu o satisfeito assentimento do

piloto. Os pensamentos na cabeça de Suko eram uma turbulência só. Ele não

conseguia entender a transformação, que viera tão rápida e inesperadamente. Ainda há pouco o próprio inferno estava solto, agora tudo parecia normal. Isso simplesmente não podia existir, a não ser que tenha sido trazido à realidade pela magia negra.

Naturalmente, essa era a solução. Suko parou bem no meio do recinto. Ele

teve presente mais uma vez a situação, que encontrara com os outros, quando pretendiam entrar naquele quarto. De repente aparecera aquela sucção perigosa, que tinha agarrado três deles, arrastando-os consigo. Arrastados para onde?

Suko sabia, tanto quanto os outros membros do time-Sinclair, de

assim-chamadas armadilhas dimensionais os portais transcendentais. Estes eram determinados buracos nas dimensões, fendas gigantescas, de modo que por elas alguma coisa se transpunha.

De repente era possível mergulhar-se, da terceira dimensão, normal, numa

outra, invisível. Deste modo a maneira também era possível ao ser humano efetuar viagens no tempo.

E uma dessas viagens no tempo John, Bill e Mandra Korab deviam ter atrás

de si. Para que destino? Isto Suko precisava descobrir de qualquer jeito, e Jim Marlowe teria que

ajudá-lo nisso. O chinês voltou e fechou a porta. Jim Marlowe olhou-o, abrindo muito os olhos. E então? Conseguiu alguma coisa? Não, como poderia fazê-lo? —Mas o morto ainda estava lá? — Naturalmente. Jim sacudiu a cabeça. O que fazemos agora, maldição? — soluçou ele. Eu

não sei mais o que fazer.

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— Antes de mais nada, o senhor precisa acalmar o seus nervos, Marlowe retrucou Suko. É que eu vou precisar de sua ajuda.

Marlowe ergueu a cabeça, — Minha ajuda? Eu ouvi bem, mister? Como é que eu posso ajudá-lo? Olhe

bem para mim. Eu sou um fracassado, um nada, só isso. — Não se subestime disse Suko. — O senhor é exatamente o parceiro certo

para mim. — Não consigo entender isso. — Pois eu explico. Mas não aqui. Venha, vamos sentar-nos em algum lugar

— eles foram sentar-se no grande vestíbulo, cujo teto era amparado por colunas, e onde grossos tapetes abafavam o som das vozes.

Suko quis saber exatamente o que Jim Marlowe experimentara. Sa-bra viera,

fizera a proposta ao piloto, e Marlowe acabara aceitando-a. Na realidade ele nem precisara fazer muita coisa. Bastaria abandonar o

quarto e mais nada. — Sabra não lhe disse o que pretendia fazer? — Não. — E o senhor não tem a menor idéia para onde meus três amigos podem ter

desaparecido? Marlowe sacudiu a cabeça. — Mas eu tenho disse Suko. — O senhor? Como assim? Afinal, o senhor nem sequer... — Momento, Mr. Malowe, deixe-me terminar. Quando se disseca este caso

parte por parte, levando tudo exatamente em conta, só se pode chegar a um resultado. Meus três amigos se encontram no mesmo lugar de onde o senhor fugiu.

O piloto entendeu. — No templo da deusa? — perguntou ele, ainda assim. — Exatamente. — Isso não existe — Jim bateu com a mão espalmada na testa. — Isso, para

mim, é impossível, realmente. Eu ainda acabo maluco aqui. Eles não podem simplesmente entrar nesse quarto aqui, e depois reaparecer, sem mais nem menos, num outro lugar, bem diferente.

Suko anuiu.

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— Podem, Mr. Marlowe, eles podem. O senhor já vive tempo suficiente nesta

terra, para poder compreendê-lo. Lembre-se dos magos, gu-rus, dos feiticeiros e contadores de lendas, bem como dos encantadores de serpentes. Isto, por acaso, é natural?

— Isso são truques. — Correto. E agora, por favor, lembre-se de sua aventura no templo. Aquilo

também foi um truque? Jim Marlowe sacudiu a cabeça. — Pois então. Apesar do progresso da civilização, a índia continua sendo a

terra dos grandes enigmas. Mas nós vamos fazer uso desse progresso para executarmos nossa tarefa. O senhor é piloto, Mr. Marlowe, e está nas suas mãos se eu, algum dia, ainda vou rever meus amigos ou não. O senhor estava querendo penitenciar-se, de algum modo. E agora o senhor poderá fazê-lo, pois eu aceito a sua oferta com o maior prazer!

Suko falara muito sério e com intensidade. Marlowe baixou a cabeça. Olhava

o bico dos seus sapatos, depois ergueu os ombros. — Eu tenho outra escolha? — Eu não posso obrigá-lo. — E onde vamos arranjar um avião? — Pelo que sei, Mandra Korab possui um avião. Com este podemos partir. A

pista de pouso faz parte dos seus terrenos. Não há problema. — Mas eu não vou reencontrar o lugar. Além do mais, está escuro. Tente voar

no escuro por cima da floresta tropical. E também não posso pousar ali. — E nem precisa. Eu levo um pára-quedas comigo! Suko bateu no ombro do

piloto. Venha, meu caro, nada de bancar cansaço. Nós temos muito que fazer. — Neste caso vamos em frente retrucou Jim Marlowe, como num anúncio de

tevê, e levantou-se. Jamais ele temera um voo. Ele nem conhecia, uma coisa dessas. Mas agora

suas pernas tremiam. Ao contrário do chinês, Jim Marlowe não acreditava que a excursão acabaria com sucesso. A sepultura de ambos, no jângal, certamente já fora previamente cavada...

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7 oda viagem entre as dimensões sempre era um tanto diferente. O princípio era o mesmo, porém nas diferentes viagens, sempre se tinha impressões novas e diferentes.

Neste caso especial eu não notei absolutamente nada. Não vi vultos, nem

demônios, nada de estrelas, nada de sóis. Somente uma profunda escuridão, que de algum modo parecia existente, pois repuxava e se agarrava ao meu corpo.

Mãos invisíveis pareciam apalpar no escuro, deslizavam sobre braços,

pernas, ombros, barriga e quadril, como se estivessem tateando para ver se eu realmente estava ali.

De meus amigos eu nada via. Que eu pudesse pensar neles, comprovou-me

que não tinham conseguido apagar a minha memória. Esta ainda funcionava. Apesar de tudo, não era possível avaliar alguma velocidade. Eu não sabia se

aquilo era um deslizar ou uma corrida louca, de qualquer modo, notei que a viagem de repente foi interrompida.

No destino? Eu abri os olhos. Nenhuma dor, nada de cabeça inchada, mas eu vi uma luz mortiça, que

brilhava vermelha e dourada ao mesmo tempo. De onde vinha? A resposta a esta pergunta foi adiada para mais tarde, pois perto de mim ouvi

um praguejar ranzinza. Pela voz reconheci meu velho amigo e especialista, Bill Conolly.

— Olá, compadre disse eu. — Também acordou novamente? — E como! Bill se mexeu. — Mas ter que encontrar você por aqui, não estava

no meu programa. Por outro lado, não posso estar no céu, pois ali eu certamente não estaria vendo você.

Tive que sorrir. Aquilo era típico de Bill Conolly. Era difícil que perdesse o seu

senso de humor. E no céu nós certamente não estávamos. Ali, com toda certeza, não devia ser como aqui.

Como se Mandra Korab tivesse lido meus pensamentos, ele disse: — Provavelmente nos encontramos no centro do templo de Kali. E isso pode

acabar muito mal. — Mas nós não estamos amarrados disse Bill. — E ainda temos nossas armas ouvi-me dizer. Eu já me revistara. A cruz

estava ali, assim como minha Beretta. Também descobri o camafeu e o punhal

T

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A Deusa da Morte – Jason Dark 78

mágico. Bill estava com a espada, Mandra Korab tinha seus punhais mágicos, que já uma vez nos tinham ajudado muito.

Se olhássemos tudo por este lado, podíamos olhar o futuro com certo

otimismo, apesar de nos encontrarmos no quartel-general da parte contrária. — Neste caso, vamos em frente — disse Bill, colocando-se de pé. I Afinal,

quero dar um bom dia a essa querida deusa Kali. Dizem que é um exemplar fabuloso.

Bill caminhou alguns passos, depois recuou, rápido. Ele virou-se e nós

pudemos ver que ele tinha o rosto espantado. — O que aconteceu? perguntei. — Alguma coisa está errada por aqui — a voz de Bill, parecia de quem estava

à espreita. — E o que é? — Nem imagino ele adiantou-se novamente. Eu repentinamente sinto-me tão

exausto, como se me tivessem dado pílulas para dormir. Eles tinham nos deixado nossas armas. Eu não conseguia livrar-me da

suspeita de que isto não acontecera simplesmente por esquecimento, mas que devia ter alguma razão. Kali e seus servos certamente conseguiriam por-nos de joelhos, de alguma outra maneira. Disto eu estava firmemente convencido. Também não acreditei que Bill estivesse imaginando coisas. Seguindo um impulso, olhei o relógio.

Apesar do salto no tempo, ele não parara, porém já se tinham passado horas. Cinco, exatamente! Uma viagem no tempo, que na realidade eu avaliara como de poucos

minutos. Isso realmente era um fenômeno que eu não entendi. Bill novamente caminhou adiante. Ainda não notamos nada, mas vimos que

seus passos se tornavam arrastados, como se tivesse correndo contra algum obstáculo, que visivelmente tinha sido armado no alto. E havia somente uma única entrada. Mais adiante, onde a luz reverberava num vermelho dourado. Ali nós podíamos entrar e sair.

— Em que tipo de armadilha estamos metidos aqui? — Bill sentou-se novamente. — Maldição — praguejou ele. — Parece que minha cabeça está com o dobro

do seu tamanho. E eu, afinal, não bebi nada, e também não aspirei gás. Gás!...

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A Deusa da Morte – Jason Dark 79

— É isso, Bill! gritei-lhe. Eles estão soprando gás para dentro da caverna, um

gás que deverá nos debilitar. — Errado! disse Mandra Korab. Dê uma olhada para cima! Nós levantamos os olhos. O teto ficava bastante alto por cima de nós, desaparecendo inclusive dentro

da escuridão. Apesar disso vimos os longos fios, que se destacavam do alto, e lentamente deslizavam para baixo, para cima de nós.

— O que é isso? — murmurou Bill. — Parecem lombrigas-solitárias — murmurei. — John, temos que tentá-lo disse Mandra Korab, levantando-se. — Pegue

você a espada. Bill entregou-me a mesma, com muito gosto. Eu levantei-me e olhei para cima. Apesar dos fios longos, vermelhos,

deslizarem silenciosamente para baixo, ainda emitiam pequenas nuvens avermelhadas, que pairavam sobre nossas cabeças.

Era deles a responsabilidade por nos sentirmos tão mal? Na realidade não havia outra possibilidade, e eu já estava sentindo os seus

efeitos. Meus braços estavam ficando pesados. Eu tive medo de não mais poder manejar a espada.

Com ambas as mãos segurei o cabo. Mordi os dentes tão fortemente que

chegaram a ranger e tentei levantar a espada. Com ela eu queria destruir os vermes vermelhos, que deslizavam para baixo.

Também Mandra Korab tentou-o, empregando para isso toda a sua força.

Nele aconteceu o mesmo fenômeno que comigo. Também ele não conseguiu mais erguer os braços.

A ponta de minha espada pairava meio palmo acima do chão, mais que isso

simplesmente eu não conseguia fazer. Eu tossia, reuni todas as minhas forças, e continuei tentando, pois não queria desistir. Mais uma vez eu me espichei, e vi novamente aos fios deslizarem para baixo, vindos do teto. Eles me lembravam de compridos vermes vermelhos ou também serpentes, e de suas bocas diminutas fluía esse gás vermelho, que se espalhara como uma rede gigantesca e com cada inspiração penetrava mais profundamente nos nossos pulmões.

Mais dois passos! Minhas pernas falharam. Logo eu iria cair, e tive que me apoiar na minha

espada. Eu estava parado ali. Cambaleante, como uma criatura humana bem

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novinha, que está aprendendo a andar. À minha direita escutei um gemido. Mandra Korab emitira aquele barulho. Ele caiu e bateu violentamente no chão. Sua adaga curta ele mantinha ainda na sua mão direita. O que acontecera com Bill eu não pude mais ver, ele provavelmente estava caído atrás de mim.

De nós três eu ainda era o único que estava de pé, mas também apenas

porque conseguia me apoiar no cabo de minha espada.

Por quanto tempo ainda?

Nuvens de neblina vermelha pairavam diante de minha cara. Arregalei bem os olhos, para poder penetrar aquelas nuvens com a vista, e ali onde tínhamos observado primeiro o clarão avermelhado, apareceu um vulto.

O mesmo já estava novamente desaparecendo da minha vista. Apesar disso tive a sorte de identificá-lo.

Eu já o vira antes. Era uma criatura masculina

Até à tanga de couro, ele estava nu, mas sobre a sua cabeça havia um briho branco.

Um turbante!

Agora eu sabia quem viera.

Sabra, o servo da deusa — Sabra, o decapitador!

E ele segurava a sua espada na mão, enquanto vinha ao meu encontro. O seu rosto era uma máscara, na qual o sorriso diabólico parecia congelado.

Ele iria me matar? Agora e aqui?

Novamente uma nuvem vermelha pairou em minha direção. Ela era demais. O último golpe, que me levou ao chão. Não consegui mais me segurar, nem mesmo no cabo da espada. Lentamente caí para a frente.

Exatamente na direção do decapitador! Diante dos pés dele fiquei caído, mas isso eu já não percebi mais...

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A Deusa da Morte – Jason Dark 81

8

aparelho está em ordem — verificou Jim Marlowe depois de um exame do avião. — E é até um Cessna, conforme já disse.

— Então está tudo em ordem — disse Suko Quando podemos partir?

Preciso antes dar uma olhada no mapa.

O material, o piloto encontrou no cockpit. Suko verificou que Marlowe era um ás. Ele recalculou, comparou, anuiu algumas vezes e deu a impressão de estar muito satisfeito.

— Sim, acho que é isso disse ele, apontando para um ponto ao oeste de Calcutá. — Por que acha isso? — Muito simples. Eu recalculei. Na minha fuga, acabei ousando na margem do

rio, e também pude ficar sabendo o nome do rio. É aqui — com o indicador ele seguiu uma linha azul.

— Isso naturalmente é bom disse Suko. — Então vamos.

A partida foi sem problemas, e Jim Marlowe imediatamente achou se no aparelho como um peixe dentro da água.

Com velocidade máxima, eles voaram para o oeste, na direção das montanhas. Fizeram ainda uma escala, para apanhar combustível.

Suko já estava com o pára-quedas afivelado, Jim Marlowe voava bem Algumas vezes ele tinha tentado fazer com que o chinês desistisse de sua intenção, porém Suko não o ouvira. Nisso, ele não conhecia nenhum perdão.

O céu era de um maravilhoso azul-escuro. Um incontável exército de estrelas espalhava-se como lascas de diamantes em cima de um pano escuro.

Noite tropical como num livro de gravuras. Normalmente Suko teria dado mais que uma olhada naquilo, porém a sua tarefa era mais importante. Ele não sabia se os seus amigos ainda viviam, e também não sabia se eles realmente era prisioneiros no templo da deusa.

Ao olhar para baixo não via luz alguma. Mas imaginava que lá embaixo ficava o perigoso paredão do jângal. Jim Marlowe não podia voar por contato visual, ele tinha que confiar totalmente na sua eletrônica, que tinha sido embutida no aviãozinho. Mandra Korab não tinha poupado nisto, o que agora era-lhes de grande vantagem.

— Logo chegaremos! gritou Marlowe, quando já estavam quatro horas a caminho.

— Por favor, avise-me com bastante antecedência quando posso saltar exigiu Suko.

O

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A Deusa da Morte – Jason Dark 82

— Claro.

Passaram-se outros minutos. Certa vez Suko achou ver uma luz que se movia. Ele chamou a atenção de Jim para a mesma, porém este também já a tinha descoberto.

— Parece ser um barco. — Neste caso já estamos perto do rio.

Marlowe sorriu.

— Exatamente.

Suko não podia deixar de admirar a eficiência do piloto, dizendo-lhe isso mesmo.

Marlowe fez um gesto depreciativo.

— Isso tudo não é mais tão difícil como antigamente, onde mal se tinha ajuda eletrônica. Nós também não tínhamos holofotes de busca, como hoje. Em total escuridão tínhamos que voar por cima do jângal, procurando nosso destino. Isso era um verdadeiro show, posso garantir-lhe.

— Mesmo assim, é preciso ser capaz.

Jim sorriu.

— Acha mesmo? — e então o seu rosto ficou sério. — Uma outra pergunta, mister, como é que o senhor vai voltar novamente, presumindo- se que realmente consiga alguma coisa?

Nós daremos um jeito de alcançar o rio a pé, como o senhor também já o fez.

É um caminho dos diabos.

— Sabe de alguma coisa melhor? — Não, honestamente não, pois na floresta não posso aterrissar ele anuiu para

Suko. — Eu agora vou voar num círculo. Fique atento. Prepare-se.

Já chegamos?

— Quase. Já saltou alguma vez? — Muitas vezes — retrucou Suko.

Isso é bom, e não preciso lhe dizer tudo que aprendemos como

piloto.

Sim, mas só em sonhos — explicou Suko. — Como páraquedista, eu ainda não ganhei nenhuma coroa de louros.

Jim Marlowe chegou a encolher-se no seu assento.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 83

— Ó, Deus, e o senhor pretende realmente saltar?

Eu tenho alguma outra escolha?

Se é assim que vê as coisas, não.

Suko examinou seu equipamento. Estava tudo nos lugares certos. O cinto estava apertado, o páraquedas dobrado, conforme as prescrições. Na realidade nada poderia dar errado.

Suko girou na sua poltrona. Ainda havia um sorriso nos seus lábios.

Jim não sorriu de volta. Ele estava preocupado.

— E preste atenção para não aterrissar na copa de alguma árvore muito alta, ficando dependurado ali. Isso pode ser uma chateação.

Obrigado pelo conselho — Suko já se encontrava perto da saída. Ele puxou para trás a grande tranca da porta e abriu-a. O avião agora encontrava-se num voo calmo. Não havia mais aquele vento que os sacudira. Para Jim Marlowe era quase uma brincadeira voar desse jeito. E ele subira o suficiente, para garantir uma boa saída ao chinês.

A porta estava aberta. Através da abertura, o vento assobiava. Era mais frio que no solo, e desgrenhou os cabelos de Suko. Ele e Jim tinham combinado um sinal. Somente quando o mesmo fosse dado, Suko devia saltar.

Ele ainda estava olhando na direção de Marlowe.

O sinal. Jim colocou o polegar direito para cima, e depois o dobrou.

Suko entendeu.

Por um momento ele olhou para baixo. Aquilo parecia sinistro, exatamente porque não via coisa alguma. Nenhum caminho, nenhuma estrada, nenhum rio e nenhuma luz...

Ele tinha que saltar no escuro, no nada...

Suko tomou um impulso e saltou. Instintivamente ele se enrolou sobre si mesmo, foi agarrado pelo turbilhão, sacudido para todos os lados, como se mãos invisíveis o estivessem empurrando. De repente ele já não sabia mais onde era em cima e onde era embaixo, viu as luzes de posicionamento do avião ficar cada vez menores e finalmente se apagarem.

Ele caía.

Nos seus ouvidos parecia uma cascata. As roupas esvoaçavam, o vento brincava com ele, agarrava-o, jogava-o de um lado para outro. Suko esticou pernas e braços.

Quantos segundos tinham passado? Cinco, dez, quinze?

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A Deusa da Morte – Jason Dark 84

A argola!

Suko puxou no lugar certo, que ele anotara mentalmente muito bem.

Um solavanco! Um puxão!

De repente e com uma força incrível ele acertou Suko sob as axilas. 0 chinês quase gritou de júbilo, pois por cima dele alguma coisa branca foi atirada para o alto, desdobrando-se logo num grande cogumelo branco.

O páraquedas funcionara! Um pesadelo de todo páraquedista também não acontecera a Suko, que agora teria que concentrar-se no pouso.

Ele continuava não vendo nada, ao baixar a cabeça, olhando para baixo. Além do mais, ele se achava bastante indefeso nesta posição, pois mal podia influenciar no restante de sua viagem. Apenas através de movimentos bruscos, pendulares e girando o corpo.

Como expectadores no solo, sempre vemos os páraquedistas pairarem muito lentamente para baixo. Isso era um engano. A Suko, a velocidade pareceu bastante elevada, ao aproximar-se cada vez mais das copas das árvores do jângal.

Medo ele não sentia. O chinês fazia parte destas pessoas que conseguiam desligar este sentimento. Ele concentrou-se totalmente no pouso.

E viu uma coisa.

Uma sombra ainda mais escura. A terra era cheia de colinas, já quase montanhosa, e as árvores não cresciam numa altura regular.

Também Suko foi tomado por uma tensão. Onde ele iria aterrissar? Talvez ele penetrasse no meio de uma horda de macacos dormindo, assustando-os, acordando-os.

As árvores!

Ele as via mais nitidamente. Elas pareciam um paredão negro, contra o qual ele teria que se chocar. Instintivamente o chinês encolheu as pernas. Só mais segundos, depois...

O choque!

Mais macio do que fora esperado, no primeiro momento. Mas então tudo começou. Ramos quebraram, também galhos menores, outros cediam. Suko fechou os olhos. Ele encontrava-se dentro de uma confusão de ramos, galhos e cipós muito lisos. Aquilo batia no seu rosto, chicoteava- lhe o corpo, abria-lhe a pele, e de repente os arredores se encheram com gritos estridentes, como somente macacos são capazes de gritar quando estão agitados, e querem avisar seus semelhantes.

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Suko realmente aterrissara bem dentro de um bando de macacos dormindo. Um dos animais escolheu o seu ombro para plataforma de salto, e logo depois desapareceu.

E aquilo continuava quebrando e partindo. Galhos e ramos o abraçavam como mãos famintas, porém a queda tinha diminuído consideravelmente sua velocidade. A árvore o impedia.

Por cima dele rasgou-se, com um barulho irritante, a seda do pára- quedas. Muito ao longe, pareceu-lhe ouvir um ronco. Depois a luz de um holofote branco passou, pela fração de segundos, por cima dele. Jim havia ligado o holofote de busca, e Suko pôde ver que estava dependurado dentro de uma confusão de galhos. Ele precisava tentar ganhar apoio para os pés em algum lugar, caso contrário estaria condenado, como os pá raquedistas, que ficavam dependurados, batendo com as pernas, muito acima do solo, sem poder sair dali.

Um último puxão. Mais uma vez o pára-quedas cedeu, e então o chinês ficou dependurado, sem se mexer.

Tinha conseguido.

E também conseguira apoio. Suko encolheu as pernas, para depois estendê-las novamente, e encontrou um galho forte, no qual podia se apoiar.

Isso era bom!

Os gritos dos macacos em fuga perderam-se na distância. Os animais deviam ter recebido um choque para o resto de suas vidas, quando Suko perturbou o seu sossego.

Ele deu-se cinco minutos, para livrar-se da tensão. Depois tinha que prosseguir. Suko ficou admirado de como era simples sair de dentro do páraquedas. Depois de tê-lo conseguido, ele começou a descida pela árvore. Lentamente escorregou para baixo. Suko escolhia sempre os galhos mais fortes, que agüentavam o seu peso. Duas vezes quebraram, e o chinês só conseguiu segurar-se, porque rapidamente se agarrara a um outro galho por perto.

Levou alguns minutos até finalmente atingir o solo. Suko pulou para baixo. Ele ainda vestira botas, e isso era bom, pois o chão era úmido e pantanoso.

A natureza à sua volta aquietou-se novamente. Mas a floresta vivia. Havia um ciciar, roncar e chilrear. Ás vezes um grito como um queixume, um gemido, ou um assobiar estridente.

O mato baixo parecia impenetrável. Olhos verdes às vezes brilhavam como diamantes e desapareciam com a velocidade do pensamento, quando Suko ligava a sua lanterna de bolso, e eles eram ofuscados pelo facho claro de luz.

O chinês tinha uma bússola. Além disso, um mapa. Jim Marlowe realmente tinha lhe arranjado tudo que era importante. Apesar disso, era um jogo de sorte, encontrar aquele templo no escuro.

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O jângal mais parecia uma estufa. Isto Suko notou logo depois de ter deixado os primeiros metros atrás de si. Logo as suas roupas pareciam soltar vapor, e inúmeros insetos, atraídos pelo claro facho de luz, dançavam à sua volta, procurando exatamente a sua cara, como lugar de pouso preferido.

Com o facão o chinês abriu uma picada. Era mais uma machadinha curta, mas tremendamente afiada. Suko adiantava-se bem e parou, quando diante de si ouviu alguma coisa rumorejar.

Aquilo era o rio, do qual Jim Marlowe falara. Pouco depois, Suko viu confirmada a sua suspeita. Alguma coisa clara rebrilhava através da confusão do mato baixo. E agora começou outra fase também difícil. Suko estava parado na margem, olhou para as águas que rebrilhavam e agora teria que seguir o caminho de volta, que Jim Marlowe tinha seguido. Aquilo seria um trabalho dos diabos.

Por sorte, Martowe tinha anotado mentalmente a direção. Ambos, ainda no avião, tinham estudado o mapa, que Suko trouxera consigo. A luz da lanterna de bolso, ele olhou mais uma vez o caminho demarcado com uma esferográfica. Aquilo era apenas o trecho mais ou menos conhecido, e ele teria muita sorte, se realmente encontrasse o templo.

O chinês era um otimista. Quem não ousa, não ganha, pensou ele e pôs-se a caminho.

Foi um trabalhão. A machadinha funcionava o tempo todo, especialmente quando cipós e outras plantas que pendiam das árvores lhe atrapalhavam o caminho. Este floresta pluvial tropical o jângal indiano realmente tinha suas maldades.

Talvez Suko jamais tivesse encontrado o templo, sem todos os meios de auxílio de que dispunha, se não tivesse tido sua atenção chamada para aquele clarão vermelho.

Um clarão vermelho no meio do jângal!

Isso não era normal e deveria significar alguma coisa. O templo se encontraria ali?

Suko manteve exatamente aquela direção. Agora mais rapidamente que antes, ele prosseguiu o seu caminho. Com o facão ele abriu a picada, trabalhando furiosamente, sem tirar os olhos nunca daquele clarão.

Quanto mais ele penetrava na selva, mais intenso ficava aquele clarão. E depois, praticamente sem transição, ele alcançara o seu destino. De repente abriu-se, à sua frente, aquele paredão verde. Suko tinha uma visão livre do templo.

Ele estava ali — diante dele!

Grande e monumental. De algum modo lembrando as pirâmides do antigo Egito. Uma parte do templo tinha ruído, porém a parte principal ainda se conservava de pé.

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Suko também viu a entrada.

Um formidável buraco quadrado, através do qual saía aquele clarão vermelho, espalhando-se aqui fora como uma cúpula, que englobava o templo todo.

Realmente um fenômeno!

Suko não cometeu o erro de sair logo correndo. Antes de mais nada, ele olhou em torno.

Pelo que podia ver, diante do templo e nas suas laterais não havia nenhum dos seus adversários à espreita. O chinês estava totalmente sozinho. E dos seus três amigos ele também não via nenhum rastro. Se eles estavam aqui, então estariam no interior do templo.

Só agora o chinês encaminhou-se para a entrada do templo. Estava muito acordado, atento a qualquer ruído, e ficou admirado que em volta do templo estivesse tudo tão quieto. Provavelmente também os animais da selva tinham sentido o terror que espreitava por trás destes muros.

No seu bolso lateral, assim como o bastão herdado de Buda. Estas armas seriam suficientes para destruir Kali?

Era ocioso ficar pensando nisso durante muito tempo. Experimentar era melhor

que estudar, por isso o chinês decidiu entrar logo no templo. Mal ele dera um passo além do umbral, quando viu aquela cortina vermelha. Imediatamente Suko parou. Naturalmente não era uma cortina no verdadeira sentido da palavra. Porém do

teto pendiam longos, finos vermes, tão profusos, que já formavam uma cortina. Também emitiam nuvens vermelhas, que tinham ene-voado a entrada.

Quando Suko inspirou, ficou tonto. Ele recuou rapidamente, e por um

momento ficou tomado de resignação. Esta segurança tinha sido desgraçadamente bem pensada, muito refinada. Se uma criatura humana entrasse no templo e respirasse, imediatamente era posto fora de combate.

Justamente através destes vermes compridos. Porém Suko não pensou em desistir. Provavelmente os vermes estavam

carregados de magia negra, e ele possuía uma coisa com a qual podia lutar contra a magia negra.

A sua chibata de demônios! Suko bateu uma vez em círculo no chão, e imediatamente as três correias

rolaram para fora.

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Agora ele estava pronto. Imediatamente o chinês golpeou. Com o olhar seguiu as três correias, que

golpearam transversalmente para dentro dos vermes que pendiam do teto. Suko realmente apostara no cavalo certo, pois o seu sucesso deu-lhe razão. Os vermes mágicos foram destruídos. Quando a chibata de demônios os tocou,

eles sibilaram, ficaram cinzentos, nojentos de se ver, e foram esmigalhados como lama ressecada, que se tritura entre os dedos. O primeiro golpe já tinha conseguido um rasgão formidável. O seguinte alargou ainda mais a abertura, de modo que Suko pôde penetrar no templo sem dificuldade.

E mais uma coisa aconteceu. Os outros vermes recuaram, como se sentissem de que aqui viera alguém

contra quem eles não estavam à altura. Eles se enrolaram, movimentando-se novamente em direção ao teto, de onde tinham caído.

Suko tinha caminho livre. Da lanterna ele não precisou. O clarão que vinha do interior do templo era mais

que suficiente para que ele pudesse orientar-se. Diante de si Suko viu um corredor bastante comprido, mas também bem largo, que no seu fim terminava numa parede. De qualquer modo parecia assim, do ponto onde Suko se encontrava.

O chinês lutava há bastante tempo contra os poderes das trevas, paro também

sentir o terror que espreitava neste templo. Não era possível tocá-lo ou vê-lo simplesmente estava ali, existia. Como espírito invisível acompanhou Suko no seu caminho para o interior do templo.

Este templo era marcado pela deusa da morte. Um vulto. Suko viu-o, abruptamente. Ele apareceu ali onde o corredor terminava. Por um

momento o chinês parou e olhou na direção do vulto. Era um homem. No seu tórax nu viam-se três olhos. Uma tanga, cobrindo-lhe o sexo, o turbante

branco e a espada. Sabra, o decapitador, estava diante de Suko. E atacou!

9

ossa situação era ruim. Não era ruim, era péssima! Pois não tínhamos como nos defender.

Apesar de não estarmos nem amarrados nem algemados, mesmo assim estávamos dominados pela deusa.

Ela tinha quatro braços.

N

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E com três deles nos agarrara. Mãos gigantescas nos seguravam pela cintura. Conseguíamos nos mexer, encolher e esticar pernas e braços, mas isso não adiantava muito: a deusa, afinal de contas, era mais forte.

A mim, o braço direito da deusa mantinha agarrado. Era aquele que lhe saía do

ombro. Eu pairava muito alto acima do solo, e se aquela mão me soltasse de repente, e eu caísse lá embaixo, era muito possível que acabasse quebrando o pescoço.

Mandra Korab não estava em situação melhor. Ele fora agarrado pela mão da

deusa que lhe saía do ombro esquerdo. Ao erguer a cabeça, eu podia vê-lo. A expressão do seu rosto me pareceu decidida. O que me mostrava que Mandra Korab não pretendia desistir de modo algum.

E Bill? Eu só precisei olhar para baixo para vê-lo. Ele tinha sido envolvido pelo terceiro

braço da deusa, enquanto, por baixo dele, no chão pedregoso, estava caída a espada de Destero.

Reunidas todas as nossas chances, elas pareciam desgraçadamente ruins. E eu também vi a deusa. Não, entretanto, na cor com que a vira na figura do livro. Não, aqui ela brilhava

dourada, e uma remota semelhança com o Buda Dourado chamou minha atenção. Também ele era uma figura monumental, que entretanto vivia.

Eu ainda não me sentia inteiramente bem. Na minha cabeça ainda

Havia uma sensação de oco. As seqüelas do gás que tínhamos aspirado, naturalmente ainda se faziam sentir.

Como é que conseguiríamos sair daqui?

Apertados dentro daquelas grandes mãos douradas, nós éramos seguros com tanta força, que era praticamente impossível alcançarmos nossas armas. A única chance provavelmente era a minha cruz, mas ela seria capaz de enfrentar as forças da deusa da morte?

Passos interromperam os meus pensamentos. Não víamos a pessoa que se aproximava da grande figura, porque vinha dos fundos do pavilhão do templo. Somente quando ela parou diante da estátua, é que a reconhecemos.

Era o degolador!

Ele riu, quando nos viu. Seus olhos brilharam, e também a tatuagem no seu peito rebrilhou num fogo sombrio.

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— Fòi por isso que eu esperei — disse ele. — Eu sabia que vocês viriam, e os recebi condignamente. Vocês conseguiram matar os servos da morte de Kali, não foi difícil, concordo, mas agora que a própria deusa os tem em suas mãos, vocês estão perdidos ele deu uma gargalhada, muito alta e selvagem. O eco reverberou através da gruta, e no instante seguinte ele caiu de joelhos, diante da deusa.

Mostre-se, Kali. Mostre a eles, os sacrílegos, o seu verdadeiro rosto, cuja visão é capaz de enlouquecer qualquer ser humano!

E Kali obedeceu.

Ela se transformou. Como se retirada por uma mão mágica, desapareceu a cor dourada do seu corpo. Dando lugar ao seu verdadeiro aspecto horrendo e cruel.

Negra como a noite, agora era a sua pele. Vimos aquele rosto grande, feio, maldoso, os cabelos escuros, desgrenhados, dentro dos quais se distribuía sangue mal coagulado, e de repente vi até o sangue escorrendo para cima de mim e dos corpos dos meus amigos, porque a deusa também mostrava agora mãos ensangüentadas.

Também do colar macabro desapareceu a cor dourada. Vimos as cabeças como realmente eram.

Rostos pálidos, muitos com manchas carcomidas, como é possível ver em cadáveres, a pele balofa, mas o que era pior: as cabeças viviam!

Elas rolaram os olhos, as bocas se abriam, eu vi línguas moles, goelas escuras, e quando levantava a cabeça olhando para a cara da deusa da morte, podia ver dentro do negro o vermelho dos dois olhos em brasa.

Kali existia e vivia realmente! Não era apenas uma imaginação dos servos, não era uma lenda, nós a viamos diante de nós, e além do mais estávamos em seu poder.

Sabra ficou olhando a transformação. Ele ainda estava ajoelhado, e curvou tanto a parte superior do seu corpo para a frente, que quase tocava o solo com a testa. Nesta posição humilde ele permaneceu, até que a transformação se completasse inteiramente.

Kali abriu a sua boca.

Uma fumaça verde e parecendo um vapor espesso, saiu da mesma. Por sorte ela não nos envolveu, mas subiu para o teto, onde se espalhou.

Sabra levantou-se. Ele puxara a sua espada e a girava de modo selvagem por cima de sua cabeça. Eu temi por Bill Conolly, pois a ponta da lâmina passava muito perto do seu rosto.

Kali, deusa da morte, da noite e das trevas! gritou Sabra. Eu lhe trouxe estes homens, porque eles não acreditam em você. São sacrílegos, pessoas que querem matar e banir você. Agora eles estão nas suas mãos, em seu poder. E eu, Sabra,

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vou me vingar deles. Eu os decapitarei, para que suas cabeças possam alargar ainda mais o seu colar. Três novas cabeças a tornarão ainda mais forte, levando-a bem para o alto na escala dos supremos demônios. Pois estes três são seus inimigos mortais. Todos lhe agradecerão, seu poder crescerá, e se espalhará pelo mundo inteiro. As pessoas novamente passarão a pronunciar o seu nome, apenas em murmúrios, cheios de medo. Estes estranhos mataram servos seus, agora chegou a sua vez de se vingar. Eu colocarei a cabeça deles aos seus pés. Eu...

De repente ele não continuou falando. Antes ele falara conscientemente em nossa língua natal, para que nós o entendêssemos, mas agora ele emudecera.

Ele se abaixou, como se alguém o tivesse golpeado, e depois virou- se lentamente.

O que teria acontecido?

Furtivamente Sabra caminhou alguns passos para a frente, até ter alcançado a entrada do pavilhão do templo, olhou atrás do canto da parede, ao mesmo tempo em que escutava.

Passaram-se segundos. Tudo estava quieto, e também nenhum de nós ousava pronunciar uma palavra. Depois Sabra virou-se rapidamente e apontou para nós.

Eles estão recebendo reforços disse ele. O quarto homem está penetrando no templo!

Céus, isso só podia ser Suko! Enchi-me de esperança, e também Man- dra Korab e Bill tiveram a mesma sensação. Suko realmente teria conseguido transformar o impossível em realidade?

Tudo apontava para isso. E Sabra tentaria matá-lo.

Mas para isso ele teria que fazer muita força, pois não era fácil vencer o chinês.

De repente vi o mundo e minha situação inteiramente com outros olhos. Mas brutalmente nossa esperança foi destruída, pois Sabra gritou: Eu tenho que lutar, Kali. Agora não posso mais entregar-lhe as cabeças. Pegue-as você mesma. E devore-as!

10 Machadinha contra espada!

Era esta a escolha das armas, e Suko tinha esperanças de obter uma vitória, apesar de não poder subestimar esse Sabra de nenhum modo.

Ambas as armas se chocaram, tinindo. Sabra atirara-se violentamente em cima de Suko, mas o chinês aparou bem o golpe.

Depois ergueu sua perna direita, acertou Sabra com o joelho e atirou-o para trás.

O indiano girou sobre si mesmo, fazendo o mesmo com a sua espada, segurando o braço bem esticado. Se Suko o tivesse perseguido, provavelmente teria caído sobre a lâmina.

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Deste modo, entretanto, ela escorregou perto dele, e Suko golpeou com a machadinha. Foi um golpe violento, que deveria verrer a espada das mãos do indiano, porém Sabra a segurava ferreamente. Ele não desistia tão facilmente. Pulou para trás e deu uma gargalhada selvagem. Com isso atirava suas forças interiores, que o ligavam ao poderoso e grande Siva.

Três olhos no peito. Até agora estes olhos pareciam vazios. Agora as pupilas tomaram uma outra

cor. Um brilho verde, claro, era emitido por eles, que de segundo a segundo ficava mais forte, para finalmente rebrilhar como se fortes lâmpadas no interior do corpo espalhassem aquela luz.

Apesar da luz não ser branca nem muito clara, o chinês foi ofuscado. Ele teve que recuar.

Sabra registrou aquilo com um sorriso maldoso e satisfeito. Era um sinal para o ataque. Ele queria matar o chinês, que segurava o seu braço livre, diante dos olhos, para protegê-los.

O grito de Sabra vibrou através do corredor do templo, encontrando nas paredes um eco de terror.

E ele golpeou. De cima para baixo veio a pesada espada. Suko conseguiu levantar a sua

machadinha, segurando a sua lâmina curta em posição horizontal, porém ele não tinha mais nada para opor à terrível violência daquele golpe. A machadinha foi-lhe arrancada da mão, e bateu tilintando no chão.

E novamente Sabra golpeou na direção de Suko. O chinês agradeceu apenas aos seus reflexos o fato de escapar com vida. De

repente ele estava caído ao chão, rolou sobre si mesmo, jogou-se para o lado e ouviu a lâmina bater bem perto dele na pedra dura, abrindo-a em dois pedaços, pois o indiano realmente batera com uma força descomunal.

O golpe seguinte teria que acertar e acertaria, sobre isso Suko não tinha nenhuma ilusão.

Deitado de costas, o chinês atirou-se para a frente. Suas pernas esticadas encontraram o seu alvo.

Ele sentiu uma coisa mole, e ouviu uma praga violenta, quando Sabra foi atirado para trás. Suko conseguiu pôr-se de pé mais rapidamente que o indiano. Ele arriscou tudo. Ainda tinha o chicote de demônios. Apesar de ainda ofuscado, abriu muito seus olhos, e simplesmente golpeou para dentro daquele centro verde.

E ouviu o estalo. Acertara em cheio! Um grito. Estridente e horripilante, ele vibrou através do corredor. Chegou a

doer nos ouvidos de Suko. A luz verde tornou-se mais fraca, e no instante seguinte sumira inteiramente.

O chinês arregalou bem os olhos. Infelizmente ele ainda sentia os efeitos do ofuscamento, não podia ver nada, só aos poucos os contornos da gruta e do seu adversário se cristalizaram diante dele.

Sabra estava caído ao chão. E agora não passava de um amontoado indefeso, que gritava. Segurava ambas

as mãos diante do peito, no lugar onde antes se viam os três olhos do deus Siva. Que agora não existiam mais.

A chibata de demônios os destruíra, abrindo neste lugar um ferimento enorme, do qual brotavam estrias de fumaça, finas, vibráteis, que subiam para o teto.

Ao mesmo tempo iniciou-se em Sabra um processo de envelhecimento. Seu rosto ficou encovado, a pele cinza e quebradiça, os olhos perderam todo o brilho.

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Caíram-lhe as unhas.. Um último gemido choroso saiu da boca do servo do ídolo, depois ele morreu. E ficou deitado ali, um ancião... Suko respirou aliviado. Ele conseguira uma vitória parcial. Aproximara-se mais um pouco de sua tarefa

principal. Mas só isso. Ele ainda não encontrara os seus amigos, e não precisava ser nenhum vidente, para saber que eles deviam estar numa situação terrível.

O chinês começou a correr... * * *

Nós realmente estávamos numa situação terrível!

Kali entendera muito bem a exortação do seu servo e agiu imediatamente.

Primeiro ela mexeu os braços. Não separadamente, mas todos os quatro ao mesmo tempo. E isto, para nós, era mais que perigoso. Eu fui empurrado para baixo, e Bill Conolly para cima. Assustado, verifiquei que nós nos aproximávamos cada vez mais e acabaríamos batendo violentamente um contra o outro.

No último instante Kali puxou a mão, dentro da qual eu me encontrava, para dentro. Bill passou por mim, eu entretanto fui apertado contra o peito da deusa da morte, e justamente no lugar onde estava dependurado o colar de cabeças humanas. Eu naturalmente vi as mesmas surgirem diante de mim, grandes, levantei os meus braços e segurei a cruz com ambas as mãos.

Antes mesmo de bater contra o colar, a cruz consagrada tocou numa cabeça.

Tudo realmente dependia da fração de um segundo. Seu eu não conseguisse pegar a espada, tudo estaria perdido.

Bill soltou o cabo. Eu levei a mão — e segurei com firmeza. Maldição, eu o conseguira! E já estava sendo arrastado para cima. Novamente em direção à goela da deusa,

e desta vez eu sabia, exatamente, que ela não mais me pouparia. Mas eu também não. Como antes Bill Conolly, eu segurava o cabo da arma conquistada a Destero

firmemente, com ambas as mãos. Quando eu me encontrei bem diante do rosto da deusa, enfiei a lâmina.

Não na goela, não no queixo, mas no olho esquerdo. E acertei em cheio!

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A Deusa da Morte – Jason Dark 94

Quase até a metade, a lâmina sumiu dentro daquela girândola de fogo. No mesmo instante a deusa estremeceu. Ele devia estar experimentando uma dor horrível, pois todo o seu corpo começou a tremer, inclusive todos os seus braços. Enquanto eu ainda puxava a lâmina para fora do olho, também fui atingido por aquele tremor.

Eu parara bem perto daquela bocarra perigosa e gulosa, e me perguntava se ela

ainda teria forças para me meter ali dentro. Eu gemia e gritava, quando finalmente consegui arrancar a espada do seu olho. E então golpeei. A lâmina entrou violentamente, e em diagonal, naquele rosto de pedra, mas

vivente, negro como piche, da deusa. Um corte largo abriu-se no lado. Magia negra lutava contra magia negra, e a minha, em que eu confiava, era a mais forte.

Uma larga golfada de sangue de demônio, verde, brotou do ferimento,

cobrindo-me também em parte. Curioso que nestes segundos tive que pensar em minha cruz. Porque a mesma

não demonstrava nenhum efeito? Porque a mesma reagira anteriormente? Cada vez mais enigmas eram-me apresentados, e eu esperava poder solucioná-los algum dia.

Agora tratava-se de acabar com a deusa! — John! Desta vez era Mandra Korab quem gritava. — Cuidado, John! Ele não quisera prevenir-me contra a deusa, mas sim devido a sua própria

atividade. Por que motivo a deusa o largara? Ele também não fi cara inconsciente quando de sua queda, mas agora estava ajoelhado no chão, e com o campo livre para os seus punhais.

Que ele atirou. Uma sombra passou bem junto de minha orelha. E então eu vi onde o punhal

penetrou. Bem pouco abaixo do olho destruído ele atingira o seu alvo. O seguinte acertou o olho. Novamente um tremor passou por todo o corpo da deusa. Eu apro veitei a oportunidade, e golpeei com a espada. Com isto cortei definitivamente o

colar da deusa. O golpe seguinte. Levado transversalmente por mim, ele acertou-lhe o pescoço,

e novamente um punhal veio voando, enterrando-se com um som oco na testa da deusa da morte, logo abaixo de sua coroa de cabelos negros.

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A Deusa da Morte – Jason Dark 95

Kali cambaleou. Mas, maldição, ela continuava me segurando, firmemente. Cheio de raiva eu

golpeei mais uma vez, quando a deusa, num pânico selvagem, novamente martelou o seu braço para baixo.

Ela me destroçaria. Ela me... Alguma coisa assobiou, depois eu senti braços, que se agarraram às minhas

pernas, segurando firme. Ao mesmo tempo os dedos da deusa caíram. Eu caí, mas fui aparado e ouvi a

voz de Suko bem junto do meu ouvido. — Nada de pânico no "Titanic"! Cambaleando, fiquei por um momento de pé, até que tudo começou a girar

diante dos meus olhos, e caí. Ao mesmo tempo estava quase chorando de alegria. Mandra atirava os seus punhais. Ele tinha sete deles. E mandou os restantes para dentro do corpo da sinistra deusa da morte. Também Suko lutava, golpeando com a chibata de demônios. Literalmente

arrancando pedaços do corpo de estátua vivente, que caíam para o chão. Em torrentes, aquele líquido verde brotava das duas órbitas dos olhos, juntando-se no chão num mar de sangue demoníaco.

Depois a cabeça caiu. Duramente ela bateu no chão. Todos nós ouvimos o estilhaçar e vimos como ela

quebrou. O cabelo negro parecia-me um trançado de arame lentamente se enrolava,

cinzento e quebradiço, para depois diluir-se. Kali estava liquidada e com ela também a macabra corrente. Todas as cabeças

do colar tinham simplesmente evaporado. Nós nos colocamos numa cobertura segura e ficamos olhando, enquanto ela se

desfazia definitivamente. Para trás ficaram restos, que logo também se transformariam em poeira.

A deusa agora não existia mais?

Pensar assim, teria sido um erro. Esta não era a Kali verdadeira, mas apenas uma estátua despertada pela magia negra. Mas nós tínhamos infligido à verdadeira e ao seu culto de morte uma grande derrota. Levaria muito tempo até

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que os seus inümeros servos, que ela tinha entre os homens, se restabelecessem. Antes de mais nada eles teriam que ser exorcizados novamente, e os seus fiéis teriam que encontrar um esconderijo onde pudessem adorar a deusa da morte.

Enquanto Mandra Korab ainda recolhia os seus punhais, virei-me para Suko.

— Você quase chegou atrasado, seu patife.

Suko assentiu, chateado.

— Atrasado, John, porque primeiro tive que tirar Sabra do caminho. — E conseguiu? — Claro.

Com esta resposta, todos nós ficamos satisfeitos.

...

Diante de nós ainda tínhamos uma noite na selva. Não ficamos no interior do templo mas do lado de fora. Isso foi bom, porque aquela antiga edificação não conseguiria suportar a morte da deusa.

Quando a aurora começou a expulsar as longas sombras da noite, escutamos rumores, gemidos, e rangidos. Rapidamente nos levantamos, saímos correndo, parando numa distância segura, para vermos as largas rachaduras que começaram a aparecer nos paredões.

Segundos mais tarde o tempo ruiu. Ele estivera recheado com o espírito do Mal. O mal agora não existia mais, por isso o templo não tinha mais razão para continuar existindo.

Nós entretanto penetramos no jângal. O caminho transformou-se num verdadeiro inferno. Diversas vezes acabamos perdendo o rumo.

Eu tive que matar duas cobras com a espada, e quando depois de horas finalmente atingimos o rio, todos caímos sobre a praia, exaustos.

Mas não podíamos nos dar uma pausa muito longa. Apareceu um barco de busca. Na frente, na popa, estava um homem de pé, a quem conhecíamos muito bem.

Jim Marlowe. Ele estava com um binóculo e já tinha nos avistado.

A bordo nos deram de comer e beber. E todos caímos num sono que parecia de chumbo.

Na cidade seguinte nos esperava o avião de Mandra Korab. Com ele, tendo Jim como piloto, voamos novamente para Calcutá. Ali nossa primeira providência foi

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um telefonema para Londres. Em Londres algumas pessoas esperavam por notícias nossas.

E nós não queríamos que eles ficassem muito tempo preocupadas. Eu telefonei para Sir James, que pediu que embarcássemos no próximo avião, para voltar para casa.

Porém ao ouvir isso me fiz de surdo. Além disso, havia muitos "ruídos" na ligação, de modo que nada entendi.

Mandra Korab ficou contente. Ainda ficamos, durante três dias, com ele, como seus hóspedes, e então sim, vimos o outro lado da índia.

Uma terra de conto de fadas...

FIM