janet dailey casamento em acapulco

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Casamento em Acapulco Janet Dailey Dados da Edição: Abril S.A. Cultural - São Paulo, 1983. Título original: Sweet Promise. Género: Romance. Digitalização: Dores Cunha Correcção: Edith Suli. Estado da Obra: Corrigida. numeração de página: rodapé Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente à leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei de direitos de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para outros fins, no todo ou em parte, ainda que gratuitamente. Copyright: Janet Dailey Título original: Sweet Promise Publicado originalmente em 1976 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra Tradução: William G. Clark Copyright para a língua portuguesa: 1983 Abril S.A. Cultural - São Paulo Esta obra foi integralmente composta e impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A. Foto da capa: Abril Press CAPITULO I A música era uma balada lenta e sentimental, e servia de tema de amor para os poucos casais que dançavam na pista. A iluminação fraca acrescentava magia ao momento, criando um enlevo romântico. Um suspiro de felicidade escapou dos lábios de Eriça, quando ela sentiu o contato acariciante dos lábios de Forest em seus cabelos escuros. Apertou ainda mais os dedos em torno do pescoço dele num gesto felino. Inclinando a cabeça para trás. Eriça fitou aquele rosto bronzeado, admirando- lhe a beleza, a forca da mandíbula quadrada, a covinha no queixo e a linha sensual da boca de Forest. Os suaves olhos castanhos examinavam possessivamente o rosto dela. Se falasse num tom normal de voz Eriça talvez quebrasse o encanto, de modo que preferiu sussurrar: - Eu pareceria muito antiquada e tola, se lhe dissesse que seria capaz de 1

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Casamento em AcapulcoJanet Dailey

Dados da Edição: Abril S.A. Cultural - São Paulo, 1983.Título original: Sweet Promise.Género: Romance.Digitalização: Dores CunhaCorrecção: Edith Suli.Estado da Obra: Corrigida.numeração de página: rodapéEsta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente à leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei de direitos de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para outros fins, no todo ou em parte, ainda que gratuitamente.

Copyright: Janet DaileyTítulo original: Sweet PromisePublicado originalmente em 1976 pela Mills & Boon Ltd., Londres, InglaterraTradução: William G. ClarkCopyright para a língua portuguesa: 1983 Abril S.A. Cultural - São PauloEsta obra foi integralmente composta e impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.Foto da capa: Abril Press

CAPITULO I

A música era uma balada lenta e sentimental, e servia de tema de amorpara os poucos casais que dançavam na pista. A iluminação fracaacrescentava magia ao momento, criando um enlevo romântico.Um suspiro de felicidade escapou dos lábios de Eriça, quando ela sentiu o contato acariciante dos lábios de Forest em seus cabelos escuros. Apertou ainda mais os dedos em torno do pescoço dele num gesto felino.Inclinando a cabeça para trás. Eriça fitou aquele rosto bronzeado, admirando-lhe a beleza, a forca da mandíbula quadrada, a covinha no queixo e a linha sensual da boca de Forest. Os suaves olhos castanhos examinavam possessivamente o rosto dela.Se falasse num tom normal de voz Eriça talvez quebrasse o encanto, demodo que preferiu sussurrar:- Eu pareceria muito antiquada e tola, se lhe dissesse que seria capaz de ficar assim a noite toda?- Comigo ou com qualquer outro? - murmurou Forest, arqueando uma sobrancelha numa expressão zombeteira.- Esta é uma das coisas que aprecio em você: nunca me leva a sério - a voz dela era suave e estremeceu com a profundidade daquela emoção. Eriça encostou a cabeça no ombro de Forest, pois sabia que seus olhos violetas refletiam todos os seus pensamentos.- O que mais você gosta em mim? - os lábios dele estavam roçando mais uma vez nos cabelos sedosos de Eriça, acendendo chamas em suas veias.- Não acha que está ficando convencido? - perguntou ela em tom de brincadeira.- No que diz respeito a você, eu preciso de toda autoconfiançado mundo - ele a segurou com mais força junto ao corpo musculoso, como se receasse que ela fugisse. - Diga-me, o que mais você aprecia

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em mim?Hesitante em revelar o quanto gostava daquele homem que erafamoso por suas ligações despreocupadas com as mulheres, ela procurouadotar um ar alegre.- Para começar, você é independente e muito seguro da sua capacidade. Ébonito demais, para que uma garota possa ter paz de espírito. E esquivo, e sempre consegue evitar ser conduzido até o altar, ao mesmo tempo em que faz uma moça pensar que ela é a única na sua vida. - Eriça desencostou acabeça de seu ombro e fitou aqueles olhos cintilantes. Baixou aspálpebras para ocultar o brilho que havia em seus próprios olhos. - Uma garota sente vontade de se esquecer de tudo o que seus pais lhe ensinaram, quando você está perto.- Nem todas as garotas - ele segurou levemente o queixo dela. Levantou-o e olhou pensativo. - Certamente não você. Naquela primeira noite em que saímos, eu já estava disposto a acreditar em todos aqueles boatos de que você era feita de gelo. Para ser sincero, Eriça, você foi um desafio - ele sorriu com tristeza. - Acho que ninguém nunca me disse "não" tantas vezes quanto você.Ela procurou manter o controle da respiração.- Quer dizer que todas aquelas vezes que você me convidou para ir ao seuapartamento, não era para ver a sua coleção de arte?- Eriça perguntou brincando. Os olhos dela se arregalaram como se estivesse surpreendida.O sorriso de Forest desapareceu e ele a estudou com solenidade, - Cadavez que a toco ou te beijo, sinto como se você me repelisse. Sei que éfilha de Vance Wakefield, e que muitos homens já saíram com você nãoapenas por causa da sua beleza, mas também por causa da fortuna e da influência dele. Agora já deve me conhecer suficientemente bem para saber que eu não estou nem um pouco interessado no seu pai.- Eu sei disso - eles estavam quase parados, e apenas oscilavam distraidamente ao ritmo da música.- Não que eu não tenha levado em conta que sendo filha dele, logicamente Vance Wakefield é uma pessoa muito importante na sua6vida - Forest acrescentou. - Mas eu sei que seu pai não me aprova inteiramente.- Não é a você que ele não aprova, mas à sua reputação - Eriça faloubaixinho, dando de ombros.- £ também deve achar que eu posso estragar a sua - Forest acrescentou, concordando.- Papai não é um bicho-papão - disse ela sorrindo. - Ele me vê como uma pessoa adulta, e acha que o meu relacionamento com as outras pessoas também se dá num nível adulto.Não é preciso dizer que se Vance Wakefield achasse que a filha dele estava sendo explorada, seria capaz de investir sobre o ofensor com todo o peso de seu poder e de seu dinheiro. Mas essa não era uma ideia confortadora para Eriça. Durante os quase vinte e dois anos de sua vida, ela sempre tentara se aproximar do pai. Homem forte e implacável, Vance Wakefield desprezava todo tipo de fraqueza. Eriça duvidava muito que ele tivesse sentido a morte da esposa, mãe dela. Chegava a pensar que o pai seria capaz de amaldiçoá-la pela incapacidade de ter sobrevivido ao nascimento da filha.Na infância lutara para conquistar o amor dele. Temia que seu pai, um belo homem, se casasse de novo. Ela teria então que competir com uma nova esposa, e talvez com uma nova criança, pela atenção que desejava tão desesperadamente. No entanto, nenhuma outra mulher jamais entrou na família. Mas Vance se casara com os negócios. Eles eram como uma rival ciumenta e exigente, contra a qual Eriça não podia lutar. Eriça se esforçava para conseguir migalhas de atenção, usando todos os tipos de armas. Mostrava-se rebelde, fazia cenas violentas e dava demonstrações sufocantes de afeto.Levara quase vinte anos para compreender que o pai a amava à sua própriamaneira. Por mais fortes que fossem os laços, ela se sentia fraca.Ocultava qualquer ato que pudesse demonstrar sua vulnerabilidade e reduzir a estima dele por ela.- Se não é a ira de seu pai que teme, por que então você me rejeitou? - Forest perguntou, com uma ruga de curiosidade entre as sobrancelhas. - Você não é feita de gelo. . . eu já descobri isso. Já houve ocasiões em que a segurei nos braços e tive certeza de ter tocado no seu coração. Será que não me quer tanto quanto eu te quero? Você não confia em mim?

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- Oh, não, eu não confio é em mim mesma - Eriça se apressoua dizer. Sentiu o rosto ficar ruborizado. Ainda bem que havia pouca iluminação no local.- E tem medo de fazer alguma coisa, no calor de um momento, da qual searrependeria depois - Forest concluiu por ela, com um sorriso suave esatisfeito nos lábios.- Sim, era disso que eu tinha medo - Eriça admitiu. Esse medo tinha uma razão de ser.Os últimos acordes da música ecoaram no ar. Durante um segundo, Forest continuou segurando-a perto de si, e Eriça ficou curiosa em saber se ele tinha prestado atenção no que acabara de dizer. Ela tivera medo antes, mas agora não tinha mais.Dois meses era pouco tempo para se conhecer um homem. Entretanto, Eriça tinha certeza de que não sentia por Forest simplesmente umaatração física, mas uma emoção mais profunda chamada amor.Um dos músicos do conjunto anunciou que iam fazer um intervalo. Todos oscasais já haviam deixado a pista de dança quando Forest conduziu Eriçapara a mesa. Ele manteve numa atitude de posse, a mão na cintura delaaté que se sentaram. As cadeiras estavam bem próximas uma da outra.- Eu estou começando a compreender muitas coisas a seu respeito- disse Forest com brandura, colocando o braço no encosto da cadeira deEriça para acariciar seus ombros descobertos. - Mas tenho feito descobertas ainda mais estranhas a respeito de mim mesmo.- De que tipo? - perguntou Eriça, colocando uma mecha dos cabelos escuros e longos atrás da orelha, para que estes não atrapalhassem a sua visão.- Descobri que... - o olhar dele vagou pelo rosto de Eriça, detendo-se em seus lábios. - . . .eu me apaixonei por você, irrevogável e irremediavelmente.Ela suspirou com um misto de descrença e alegria. Nunca ousara terEsperanças de que Forest viesse a gostar dela tanto quanto ela achavaque gostava dele. Os olhos de Eriça ficaram brilhantes. Eram lágrimas dealegria!- Eu também te amo - disse baixinho. - Jamais pensei... jamais pensei que algum dia você viesse a me amar.- Somente um homem apaixonado aceitaria tantas vezes um "não" comoresposta - Forest sorriu, e alguma coisa no sorriso dele confirmou averdade daquelas palavras.Eriça sentiu vontade de abraçá-lo e de beijá-lo nos lábios, mas nessemomento o som de risos numa mesa próxima fez com que se lembrasse deque não estavam sozinhos.- Se você duvidava dos meus sentimentos - Forest murmurou, sua mão acariciando com intimidade a curva do pescoço dela -, consegue imaginar como eu também duvidava dos seus? Achava que você nunca iria confiar em mim por causa da minha fama. Sei de algumas histórias que andaram circulando a meu respeito. ..- Nunca me importei com o que os outros dissessem a seu respeito - ela insistiu.Queria explicar a Forest que uma das coisas que mais gostava nele era aquela atitude de solteirão convicto, mas para isso teria que explicar as suas próprias razões, e ela ainda não tinha coragem para tanto.- Então vamos fazer um brinde a nós dois? - Forest sugeriu. Ele segurou a taça de martini e Eriça estendeu a mão para pegar seu próprio copo de xerez. Seus olhares se encontraram e trocaram mensagens silenciosas quando os copos de cristal se tocaram.- Acho que tem alguma coisa no meu martini - declarou Forest, aproximando o copo da luz, após experimentar um gole da bebida.- Além da azeitona? - o sorriso dela era trémulo e as batidas de seu coração se aceleraram. Eriça estudou disfarçadamente o perfil dele.- Quer dar uma olhada? - o tom de voz de Forest era alegre e vagamentetriunfante. Dirigiu o olhar dela para o palito de plástico em forma deseta que estava segurando entre os dedos.Na ponta da seta estava a azeitona com seu recheio de pimentão vermelho. Balançando na frente dela havia um anel. A luz fraca da vela incidiu na pedra e refletiu uma grande quantidade de cores.- Isto deve ser seu - disse Forest. Eriça se virou e olhou perplexa para ele.- Não.

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Forest tinha enxugado o anel com um lenço de linho, e agora estava lhe entregando.- Espero que você o aceite - disse. - Seria até justo ser recusado pela primeira garota a quem realmente proponho algo sério. Mas depois de todo esse tempo ouvindo "não", "não" e "não", estou lhe pedindo para que se case comigo. Por favor, diga "sim", querida.9Segurando o anel na mão, ela impediu que Forest o colocasse em seu dedo. O brilho do solitário piscou para Eriça e pareceu rir. Sua cabeça começoua latejar e ela lutou para conter o desespero que sentia.- Você não gosta do anel? - o tom de voz dele era baixo e controlado, mas denotava uma certa impaciência.Eriça olhou para o brilhante, pálida e tensa.- Oh, é lindo, Forest - engoliu em seco, desviando os olhos da jóia e olhando para cie. Não conseguiu encará-lo. Uma lágrima deslizou pela sua face, mas Eriça a enxugou rapidamente. - Por favor... será que podemos sair daqui?- Claro.Eriça sabia que Forest interpretaria de maneira errada as suas razões para querer sair, achando que ela queria apenas um lugar mais sossegado para ficarem juntos, pois estavam felizes. Mas ao mesmo tempo se sentia amargurada.Rapidamente Forest pagou a conta e apanhou o xale, colocando-o sobre os ombros dela. O carro foi trazido para a frente do clube. Ele estava acostumado a esse tipo de coisas.Momentos depois Forest parou o carro numa rua tranquila de San António e desligou o motor. Ele ainda não tinha falado nada. Puxou-a para os seus braços. Os lábios de Eriça receberam, famintos, os lábios dele, retribuindo o ardor de um beijo. As mãos de Foresí puxaram o corpo dela em sua direção. A reação desenfreada de Eriça deixou a ambos excitados, e eles levaram alguns minutos para recuperar a fala.Os lábios de Forest se moviam sobre os olhos dela, sobre sua face.- Você vai se casar comigo, querida? - o hálito dele era como uma caríciasobre a pele. - Ou será que eu vou ter que mante-la prisioneira durantetoda a noite, até que concorde?- Sim, eu quero me casar com você - sussurrou Eriça, com um tremor na voz. - Pode acreditar, Forest. Quero mais do que qualquer coisa na vida.Apesar daquela demonstração fervorosa, ele parou de beijá-la, como se sentisse impedido por alguma coisa. Era como se ela tivesse deixado de dizer algo. Eriça sentiu a tensão dele. Teve um aperto no coração: O anel ainda estava em sua mão, como se fosse uma marca a fogo.10- Mas eu não posso aceitar o seu anel - ela acrescentou, dizendo exatamente as palavras que Forest já esperava ouvir.- Por quê? - perguntou ele, apertando-a com mais força. Você não me ama?- Sim, eu te amo, querido, sinceramente - Eriça acariciou o rosto bronzeado dele. - Mas não posso aceitar o seu anel de modo algum. Pelo menos, não agora.Ele inclinou a cabeça de modo arrogante e pensativo.- Eu sempre notei que você era um pouco antiquada, mas nunca pensei que fosse querer que eu falasse com seu pai primeiro.- Não, não é nada disso! - exclamou ela, desesperada.- Então eu não entendo - Forest suspirou de maneira impaciente, esfregando a nuca. - Você quer se casar comigo ou não?- Sim, quero. . . Oh, por favor, Forest, mas eu não posso aceitar o seu anel. Não seria justo.- Você está comprometida com outra pessoa? - perguntou ele, olhando-a com incredulidade e irritação.- Não! - ela levou a mão à testa. - Eu não posso explicar e suplico que não me pergunte. Juro que é verdade que te amo, mas preciso de tempo.Ele a fitou durante um longo minuto com uma expressão impenetrável. Depois começou a sorrir.- É mesmo um grande passo, não acha? Eu tive bastante tempo para pensar nisso, mas você não.Na verdade, Eriça não estava se referindo a um tempo para pensar, mas seria bom aproveitar essa chance. Ela abriu a mão e olhou fixamente para o anel. A luz da Lua que entrava pela janela do carro fez com que o grannde

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brilhante cintilasse.- É de fato um grande passo - ela concordou. Respirou fundo.- Não é algo que se decida no calor de um momento - sorriu tristemente para ele e completou: - "Um casamento decidido muito rápido tem grandes chances de fracasso. Eu não quero que isso aconteça conosco, Forest".- Nem eu. Quero que você tenha tanta certeza quanto eu. Embora não olhasse para ele, Eriça sentiu o carinho daqueles olhos.A calma determinação do tom de voz de Forest quase a fez colocar o anelno dedo, mandando às favas as consequências. No entanto, ela tomoucoragem e ressistiu. Seria uma tolice. Então, estendeu a mão11na direção dele, com a palma para cima e com o anel de noivado no centro.- Quer guardar isto para mim? - ao ver o desejo controlado no olhar dele, diminuiu sua dor de lhe devolver o anel. Ela procurou tranquilizá-lo. - Acho que vou querê-lo muito em breve, por isso, faça o favor de não entregá-lo a outra garota qualquer.- Eu queimei todos os meus números de telefones há várias semanas. Não existe outra garota - os cabelos castanhos-claros dele brilharam à luz fraca quando se inclinou para pegar de volta o anel.Forest o guardou no bolso e estudou-lhe o rosto, seu olhar se detendo noslábios.- Não me faça esperar muito, Eriça - ele pediu, num tom de voz suave,porém firme.- Está bem - o luar iluminou o rosto suave de Eriça. Forest acariciou de leve sua face e pescoço.- Nunca, mulher alguma me deixou dançando na corda bamba antes. Eu não gosto disso.Eriça tentou se aproximar mais, mas ele a deteve. Soltou-a e se virou para frente. - vou levá-la para casa. Não me resta muita paciência, por isso, quanto mais rápido você tomar sua decisão, melhor.Eriça não pôde discutir, uma vez que ele deu a partida no carro e saiu. Uma parte dela desejava que aquela noite durasse para sempre, não paracontinuar torturando Forest não lhe dando uma resposta, mas para adiar oque ela teria que fazer, caso quisesse se casar com ele. E Eriça estavacerta de que queria.Quanto mais se aproximavam de sua casa, nos arredores da cidade, mais Eriça se preocupava com o dilema em que se encontrava. Quando Forest a acompanhou ate a porta da entrada, o beijo que ela lhe deu pareceu bastante natural, mas por dentro se sentia tensa. Era terrível aquela indecisão.Ao entrar em casa, Eriça percebeu que suas pernas estavam tremendo. Essa fraqueza nada tinha a ver com o beijo ardente de Forest. Então olhou para a porta fechada do estúdio, praticamente a única sala, da casa enorme, que seu pai usava. Imaginou a reação dele quando lhe contasse o seu problema. Já conseguia ver o escárnio e o desdém nos olhos azuis de Vance Wakefield.Eriça nunca temera a opinião dele. Já houvera vezes, no passado, em que provocara de propósito a cólera do pai só para chamar atenção.12(Mas da última vez que fez isso, o tiro saiu pela culatra. Aí é que elapercebeu o quanto suas atitudes tinham sido tolas e infantis.Mas isso a havia forçado a amadurecer. E Eriça finalmente compreendera que seu pai seria incapaz de amá-la tanto quanto ela o amava. Em vários aspectos, seus temperamentos eram muito parecidos. Ela às vezes podia ser tão teimosa quanto ele. Também se irritava com a mesma rapidez. Mas Vance Wakefield nunca fora capaz de se dar a alguém e nunca compreendera a grande necessidade de afeto que a filha tivera quando criança.A idade abrira os olhos de Eriça para a frieza do pai. Nos últimos dois anos, ela tinha parado de exigir mais do que ele podia dar. O relacionamento deles havia chegado a um nível de companheirismo casual que ela jamais pensara que pudesse atingir. Se fosse ter com o pai naquele momento, talvez acabasse destruindo o pouco que existia entre eles.Ela mordeu com força o lábio inferior para reprimir um soluço de desespero. Lançando um último olhar furtivo ao estúdio, apressou-se emseguir diretamente para o quarto. Ao fechar a porta de carvalho, sentiu-

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se fraca e foi para a cama. Seus dedos se fecharam com firmeza em torno da coluna de madeira trabalhada, enquanto seus olhos fitavam distraídos a colcha azul.Seu primeiro impulso foi de se jogar na cama e chorar. Em vez disso, Eriça balançou a cabeça com determinação, dizendo a si mesma que isso seria um desperdício de energia. Então inclinou a cabeça para trás e ficou olhando para o teto, respirando profundamente para acalmar seus nervos agitados. Uma risada sarcástica escapou através dos músculoscontraídos de sua garganta e ecoou pelo quarto.- Eu passei quase dois anos com medo de que este dia chegasse ela se repreendeu. - Fui tola em acreditar que tudo se resolveria com o tempo.Segurou a cabeça entre as mãos, recusando-se a chorar enquanto forçava sua mente a encontrar uma solução. . . qualquer solução que não a obrigasse a recorrer ao pai. Suspirou desanimada. Se ao menos tivesse alguém com quem conversar, pensou. Alguém que compreendesse seus motivos por ter feito uma coisa tão idiota. Não queria se arriscar a abrir o coração com Forest, com medo de perder o amor dele.Não tinha amigas íntimas, pelo menos nenhuma a quem pudesse13confiar uma informação tão importante. Quando menina, o pai havia insistido para que ela frequentasse colégios particulares, acreditando que estes oferecessem um ensino melhor. Mas Eriça achava que ele a tinha mandado para esses internatos caros porque não gostava dela. Só agora elacompreendia que ele não saberia o que fazer, sozinho e com uma criança para criar. As poucas amigas que tinha viviam em outras regiões do país e, depois de mais de quatro anos de separação, a correspondência entre elas havia cessado, a não ser pelas trocas anuais de cartões de Natal.Lawrence Derby, secretário e braço direito de seu pai, havia sempre lhe demonstrado simpatia, mas Eriça sabia muito bem que se ela falasse com ele, o problema chegaria até o pai. E era exatamente o que ela queria evitar. Não que Lawrence fosse traí-la de propósito, mas tentaria ajudá-la, recorrendo ao único homem que teria ligações e influências capazes de resolver o problema. E esse homem era Vance Wakefield.Quanto a parentes, Eriça só tinha tios e primos, que nunca se preocuparammuito com os problemas dela. Respirou fundo, vislumbrando uma esperança.- Tio Jules - ela murmurou. - Oh. mas que bobagem! Por que não penseinele antes?jules Blackwell não era parente dela, mas tinha crescido com Vance Wakefield e era um dos seus raros amigos. Quando Eriça nasceu, JulesBlackwell nomeara a si mesmo padrinho dela e passara a ter um vivointeresse por sua vida. Ela nunca duvidara da afeição dele. Trabalhavanum ramo completamente diferente do de seu pai, por isto Jules o encaravacomo um homem comum, e não como o poderoso Vance Wakefield. E o homem aquem ela chamava afetuosamente de "tio" sabia de sua luta para conquistar o amor paterno. Eriça podia ter certeza de que ele não iria correndo contar para o pai.Era importante também o fato de Jules Blackwell ser um advogado de renome. Pela primeira vez em quase dois anos Eriça sentiu diminuir o pesoem seus ombros. Quis chorar de alívio. Mas haveria tempo para chorar quando tudo estivesse resolvido.Correndo para a cómoda de carvalho polido, ela remexeu nas gavetas atéque encontrou um lenço amarrado num canto. Sentiu o sangue lhe subir àsfaces ao tocar num objeto pesado através do14tecido. O rubor não lhe abandonou o rosto até que ela enfiou o lenço amarrado na bolsa.Apesar de passar quase a noite toda acordada Eriça ficou fazendo hora nacama na manhã seguinte, a fim de evitar um encontro com o pai. Quandochegou à ensolarada sala do café da manhã, só Lawrence ainda estava sentado lá.- Você se levantou tarde esta manhã - ele sorriu. Em volta dos olhos dele havia vincos que se viam por trás dos óculos de aros de metal. Era dois anos mais velho que Forest, mas a entrada alta de sua testa e sua magreza sugeriram uma idade bem maior.- Eu dormi demais - Eriça mentiu. Serviu-se de torrada e geléiae encheu sua xícara de café.

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- Vancc já comeu, mas me pediu que lhe desse um recado.- O que é? - Eriça segurou a respiração e se sentou diante de Lawrence.- Primeiramente, ele me pediu para lembrá-la do jantar desta noite com os Mendelsen. Depois sugeriu que convidasse o sr. Forest G ranger para acompanhá-la.Eriça olhou para ele um tanto espantada. Na verdade, sugestões de seu pai costumavam ser ordens, e ele nunca sugerira antes que um de seus namorados fosse incluído num convite.- Você teve alguma participação nessa sugestão, Lawrence? perguntou ela sorrindo.- Ninguém toma decisões por seu pai - mas ele deu uma piscada, indicando que sem dúvida havia introduzido o nome de Forest na conversa. - Acho que Vance está começando a compreender que talvez haja alguma coisa mais séria surgindo entre vocês.Parecia que ele a estava sondando, mas Eriça respondeu de modo a não se comprometer. Para o pai, aquela talvez fosse uma maneira indireta deestar a par de sua vida, sem ter que lhe perguntar direta mente.- É um pouco cedo para se ter certeza, mas pode vir a ser sério- era de fato sério, mas Eriça não queria admitir isso antes de solucionar o outro problema. - Vou telefonar para Forest quando chegar àbutique, para saber se ele estará livre esta noite.- Como vão os negócios? - indagou Lawrence.- Acho que papai vai ficar muito contente e surpreso quando15receber o meu relatório mensal - ela declarou, erguendo uma sobrancelhade maneira complacente ao bebericar o café.Há pouco mais de um ano Eriça havia convencido o pai de que necessitava trabalhar fora, pois precisava ter alguma motivação para se levantar cedo todas as manhãs. Ele achara que estaria abaixo de sua dignidade permitir que ela fosse empregada de outra pessoa. Ela era filha de Vance Wakefield. Para que então se distraísse, havia-lhe financiado uma pequena butique à margem do rio.Além de outros traços, Eriça também havia herdado do pai o tino para osnegócios. No final do primeiro ano, o balanço da loja de vestidosexclusivos se apresentara equilibrado. E agora, devido ao bom gosto e àsua capacidade de administração, a loja estava começando a dar lucros.Sendo responsável pelo sucesso ou fracasso de seu pequeno negócio, Eriça passara a compreender as infindáveis exigências dos múltiplos negócios de Vance.Ela parou de pensar na butique no instante em que Lawrence se levantou da mesa do café da manhã. Eriça também se levantou apressada, deixando o café por terminar. Desejava chegar logo à loja, a fim de telefonar para Jules Blackwell.A butique, que se chamava "ÉricaV, já estava aberta quando ela chegou. Ao trancar a porta do carro-esporte, deu graças a Deus por ter contratado uma funcionária digna de confiança e conscienciosa como Donna Kemper. Era uma loura baixinha e atraente, de seus trinta e poucos anos, divorciada ecom duas filhas pequenas. Havia também uma mocinha chamada Mary, queajudava na loja depois das aulas. Eriça descobrira que a butique poderia sobreviver sem-a sua presença em todas as horas do dia.Só havia uma freguesa na loja quando ela entrou. Eriça sorriu e a cumprimentou, assim como a Donna.- A remessa de Logan's já chegou - Donna lhe informou. Eriça acenou com a cabeça.- Eu tenho que dar uns telefonemas, mas depois virei lhe dar uma mão.- Esperamos tanto tempo por essa remessa que não fará muita diferença se demorarmos mais algumas horas para colocar as coisas nas -prateleiras.A freguesa perguntou alguma coisa a Donna, e Eriça se encaminhou para os fundos da loja, onde havia o depósito e uma pequena sala.16Pepois de discar o número do escritório de jules, ela remexeu na correspondência que Donna tinha deixado em cima da mesa, sentindo o coração bater mais depressa. Vários minutos se passaram antes que a secretária de Jules conseguisse pô-lo em contato com ela. Ele ficouencantado e surpreso por receber o chamado de Eriça. O tom de francoafeto na voz dele a fez desejar ter feito isso antes.- Tio Jules, eu estou telefonando para saber se você estará livre na horado almoço.

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- Está me convidando para almoçar, mocinha? - ele riu. Se estiver, eu aceito.- Para falar a verdade, estou - ela sorriu e imaginou o rosto redondo e sorridente dele do outro lado da linha.- Õtimo. Onde é que você gostaria que eu a encontrasse? Eriça hesitou.- Bem... eu gostaria de vê-lo durante alguns minutos no seu escritório.Houve uma pequena pausa do outro lado da linha, mas depois Julesperguntou, um pouco mais sério:- Você e Vance estão tendo problemas de novo?- Não, não propriamente - ela vacilou.Ele percebeu a relutância dela em discutir o assunto por telefone.- Está bem. Eu a esperarei aqui às onze e meia. Está bem assim?- Obrigada - Eriça suspirou.- Não se preocupe. Tio jules vai dar um jeito, seja lá o que for. Quando Eriça recolocou o fone no gancho, havia um sorriso nosolhos dela. Sentindo-se aliviada, ligou para Forest, que aceitou oconvite para o jantar com entusiasmo.

CAPÍTULO II

Às onze e meia em ponto Eriça entrou na espaçosa sala de recepção dafirma de advocacia Blackwell & Todd. A recepcionista levantou a cabeça eolhou para ela.- bom dia, srta. Wakefieid. O sr. Blackwell me pediu para mandá-laentrar assim que chegasse.Eriça agradeceu, seus dedos se comprimindo nervosamente na alça da bolsa. Ela tivera pouco tempo durante a manhã para se preparar para a conversa com Jules. Gostaria de poder adiar o encontro por mais alguns minutos.A porta da sala estava aberta. Lá estava ele. Um homem atarracado, sentado atrás de uma escrivaninha, estudando uns papéis. Eriça bateu de leve na porta, jules levantou a cabeça. A expressão séria no rosto dele foi substituída por um sorriso jovial que parecia se ajustar melhor às suas feições.- Olá, tio Jules - disse ela sorrindo, entrando na sala enquanto ele se levantava de uma grande cadeira de couro.- Feche a porta - falou, fazendo um gesto com a mão. Quando Eriçaterminou de fazer o que ele pedira, Jules já estava em pé diante dela. -Eu não quero que os meus sócios fiquem com inveja ao me verem beijar umamoça tão bonita - ele deu uma piscadela. Depois de beijá-la com afeto naface, pôs o braço em seus ombros e a conduziu até uma cadeira em frente àmesa dele. - Faz dois meses... não, três meses desde que a vi pela últimavez. É tempo demais, Eriça.- Eu sinto muito, tio Jules. Estive fazendo tantas coisas, que o tempopassou e eu nem percebi.- Pelo que ouvi dizer, a sua butique está indo muito bem18sentou-se ao lado de Eriça, segurando-lhe a mão. - Também ouvi dizer quevocê tem se encontrado sempre com Forest Grariger - ele piscou. - Pelo visto, você deve gostar um bocado dele.Eriça tinha se esquecido de como era fácil fazer confidências a jules.- Gosto mesmo - ela admitiu, olhando para os dedos roliços que seguravam sua mão. Para falar a verdade, eu estou apaixonada- inclinou a cabeça, jogando os cabelos castanhos para trás. Ontem ànoite, Forest me pediu em casamento.- Humm - ele murmurou, olhando pensativo para ela. - Foresi Granger tem agido como uma espécie de playboy. Ama as mulheres e depois as deixa. Isto significa que a reputação dele frente aos olhos de seu pai pode ser um problema. É sobre isso que queria me falar? Queria que eu usasse o meu charme para convencer Vance de que Foresi é o homem certo para você?- Não, eu. . . Bem, acho que papai não está se incomodando com isso - agora que era hora

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de dizer a Jules por que estava lá, Eriça perdia a coragem. - Papai não vai criar problemas.- Mas alguma outra coisa vai - ele a incentivava a falar. Ela respiroufundo e disse:- Sim - suspirou. - Você se lembra. . . foi há quase dois anos. . . eu havia insistido para que papai e eu tirássemos umas férias juntos. . .- Em Acapulco? Sim, eu me lembro - disse Jules sorrindo. Se bem melembro, você veio até aqui para me pedir que o convencesse. E foi muitobom, considerando-se a melhora que houve no relacionamento de vocês dois. Acho que essa foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Penaque vocês nunca tivessem passado férias juntos, antes.- Mas tio Jules, a coisa não foi bem assim. Tudo aquilo foi um fiasco, umdesastre terrível. - Eriça tinha a voz trémula.Ela olhou distraída para os livros de Direito atrás da mesa dele, não conseguindo mais reprimir as lembranças. Narrou os fatos que tinhamocorrido, embora intimamente Eriça revivesse cada momento com profundaemoção. Num tom frio e sem emoção.A ideia das férias tinha surgido de uma necessidade obsessiva de atrair toda a atenção do pai para ela. Achava que só poderia ter19sucesso se separasse o pai dos negócios. Durante vários anos, VanceWakefield contratara acompanhantes femininos para Eriça, para acompanhá-la a algum local de veraneio exclusivo. Mas ele mesmo nunca ia com ela,pois não queria deixar os negócios.Reunindo os esforços de todos à sua volta, Eriça havia conseguido que o pai concordasse, embora no início com certa relutância, em tirar ferias. A primeira indicação de que os planos dela não iam dar certo foi areserva que o pai fizera para três pessoas. Explicou-se dizendo queLawrence nunca havia tirado férias desde que começara a trabalhar para ele, há quatro anos.Eriça só percebeu tudo depois, num luxuoso hotel de Acapulco. Para Vance Wakefield, férias significavam dirigir os negócios a distância. A primeira reação dela foi de raiva. Depois resolvera desdenhar a companhia dos dois.Lawrence a seguiu fielmente naquela primeira tarde, quando Eriça saiu correndo do hotel e se dirigiu às praias ensolaradas de Acapulco. Ela sentiu mais raiva ainda quando descobriu que Lawrence iria agir como uma espécie de guarda-costas, uma ama-seca masculina não muito diferente das damas de companhia que seu pai lhe impusera no passado. No momento em que pisou na areia dourada, ela compreendeu que seu pai devia apreciar muito a dupla função de Lawrence: secretário dele e companheiro de Eriça, istotudo em troca das férias pagas num local luxuoso de veraneio. Era um pensamento perfeitamente adequado para um homem como Vance Wakefield.- Coitado de você. Lawrence - ela murmurou, olhando fixamente para o vasto mar azul.- Por que coitado de mim? - perguntou ele calmamente, parando ao seu lado. Lawrence segurava o paletó no ombro. A brancura da camisa dele, aberta no pescoço, acentuava a palidez da pele.- Você trabalha há tanto tempo para papai e esta é a sua recompensa: é obrigado a ficar à disposição dele e ainda tem que me pajear- Eriça suspirou, sentia quase tanta pena dele quanto de si mesma.- Eu não me incomodo - disse Lawrence, dando de ombros.- Pois deveria se incomodar! - respondeu irritada. - Por que você deve ser responsável pela filha de Vance Wakefield? Eu sou filha dele. quer ele queira ou não! - Uma lágrima brotou dos olhos dela, quando aindignação se transformou em desespero. - Oh, Lawrie,20por que ele não pode ser como os outros pais? Será que estouquerendo demais, pedindo-lhe que passe duas semanas comigo? Será que nãotenho direito nem a duas semanas?- Ele náo é como os outros pais, Eriça, porque é Vance Wakefield - respondeu Lawrence com calma. Estava acostumado às rápidas mudanças de humor de Eriça. - Você precisa compreendê-lo como ele é, e não como gostaria que fosse.

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- Em outras palavras, aprecie o sol e a alegria de Acapulco, mas não faça onda - disse Eriça em tom de zombaria. - Esqueça-se de que tem direito ao tempo dele.- À maneira dele, seu pai gosta muito de você.- Eu não vou desistir - disse com determinação. Tinha o queixo levantadoem desafio. - Papai não vai conseguir me ignorar por muito tempo.- Não faça nenhuma bobagem - Lawrence. avisou.Eriça não respondeu, mas havia um brilho malicioso e desafiador em seus olhos. Enganchou a mão no braço dele.- Vamos caminhar perto da água - ela ordenou.- Nós não podemos ir muito longe - disse ele, conduzindo-a em direção às pequenas ondas que quebravam na praia. - Seu pai deve estar nosesperando.- E daí? - Eriça escarneceu. - Eu o estou esperando há muito tempo.Agora, ele que espere por mim, para variar!Aquela rebeldia deixou Lawrence preocupado, mas Eriça preferiu ignorá-lo.Ficou olhando em volta, apreciando de maneira ausente o calor do sol emseus ombros. A brisa salgada do Pacífico refrescava seu rosto e seuscabelos.- Isto aqui me lembra um pouco o Havaí - comentou preguiçosamente. De repente uma risada lhe escapou da garganta. - Lembra-se daquela solteirona boba que papai contratou daquela vez, Lawrie? Prudence Mulier era o nome dela. Ficava indignada quando alguém tentava flertar comigo,mas dava para perceber que estava torcendo para que alguém olhasse paraela.- Era aquela que tinha um corpo bonito, e que tinha cabelos loiros queeram pretos nas raízes? - perguntou ele, dando uma risadinha. .- Aquela mesma! - Eriça sorriu quando Lawrence a puxou21para fora do alcance de uma onda mais forte. - Vamos tirar, os sapatos epassear na água?- Eu não - ele meneou a cabeça e passou os dedos nos cabelos despenteadospelo vento. - Vá você, se quiser.Antes mesmo que ele terminasse de falar, Eriça já tinha tirado as sandálias e se encaminhava para a água. A areia macia debaixo de seus pés estava aquecida pelo sol, como também as ondas que envolviam seus tornozelos. Caminhar na água era muito divertido, e ela sentiu pena de Lawrence, sério demais para fazer o mesmo.A uns sete metros ou mais de onde Eriça estava, um nadador veio à tona e se levantou majestosamente. A água lhe batia na altura da cintura. Ele veio então andando em direção à praia. Seu corpo, musculoso e bronzeado,brilhava ao sol. Tinha cabelos e olhos negros.Eriça então percebeu a arrogância e a nobreza daquelas feições. Quando ele passou por ela, notou que era muito alto. Eriça tinha um metro e sessenta e oito e poucos homens conseguiam superá-la em altura, mas esse conseguia.O desconhecido não a olhou ao passar por ela. Eriça estava acostumada a ser olhada com mais atenção pelos homens. Essa arrogante rejeição a magoou. Olhou de relance para Lawrence que, procurando evitar as ondas que avançavam contra a praia, caminhava ao lado dela, mais acima. Eriça já não sentia prazer em caminhar descalça na água, por isso foi na direção de Lawrence e se apoiou no braço dele para calçar de novo as sandálias.Continuou olhando na direção do desconhecido e nem notou que Lawrence a observava.- Ele é bastante imponente, não? Parece senhor de tudo à sua volta.- Sim - ela concordou de maneira ausente. Olhava o estranho que se aproximava agora de um abrigo com telhado de sapé, ali perto deles. Viu quando ele estendeu a mão e pegou uma toalha branca. Eriça reparou que havia uma mulher sentada.Mesmo àquela distância, ela pôde perceber que a mulher não era muito jovem. Quem sabe fosse parente dele. Por baixo do chapéu, Eriça percebeu que tinha cabelos loiros. Disse alguma coisa para o homem, que sorriu. Eriça olhou para Lawrence, curiosa para saber a opinião dele.22- Quem você acha que ele é?

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Eu não sei como se diz hoje em dia, mas diria que ele é amanteda mulher. . . por uma pequena remuneração, é claro.- Está falando sério?- Isso é muito comum em locais de veraneio como este - ela estava boquiaberta. - Muitas mulheres ricas vêm para cá. Acho que elas sesentem muito felizes tendo um acompanhante jovem e bonito.Eriça concordou. Sabia que algumas mulheres adoravam aquele ar arrogante e altivo, assim como outras se sentiam atraídas por títulos de condes e duques empobrecidos. Ela ficou com raiva ao se lembrar do olhar de desdém que ele lhe dirigira. Estava tão ansiosa para sair das vistas daquele desprezível estrangeiro, que não fez objeções quando Lawrence a conduziu de volta ao hotel.Na manhã seguinte, Lawrence alugou um carro. Eles tinham planejado no dia anterior que os três - Lawrence, Eriça e Vance fariam uma visita ao colorido mercado ao ar livre. Na hora do café da manhã Vance .Wakefield mudou os planos, alegando que precisava permanecer no hotel, porque estava esperando um telefonema importante.Eriça ficou ressentida e, apesar de todos os esforços de Lawrence para aliviá-la, não sentiu nenhum prazer em passear entre a grande quantidade de peças de artesanato. A única satisfação que sentiu foi gastar cada centavo do dinheiro que o pai lhe dera. Tinha vontade de irritá-lo.Já eram quase duas horas da tarde quando Lawrence parou o carro em frente ao hotel e descarregou, com paciência, a grande quantidade de pacotes.- Acha que pode conseguir alguém para levar esses pacotes para cima? - Lawrence perguntou com um sorriso zombeteiro, ao limpar o suor da testa. - Eu vou estacionar o carro.Eriça concordou, relutante. Sentia calor, estava irritada e desejavaagora não ter cedido a um impulso tão infantil, que resultara naquele monte de sacos e caixas. Olhando para a entrada do hotel, ela procurou um carregador, mas não encontrou nenhum. Quando se virou de novo para o carro, para pedir a Lawrence que fosse até a recepção, ele já estava se afastando do meio-fio. Suspirou. Não poderia deixar todos aqueles pacotes na calçada para ir buscar ajuda.23Movimentou com impaciência a cabeça e viu um homem alto se aproximando.Reconheceu-o. Era o estranho que tinha visto no dia anterior. O terno de tropical branco que ele estava usando realçava o rosto moreno.Ela levantou a mão para atrair a atenção dele. Seus olhares então se encontraram e se sustentaram. Eriça baixou os olhos em seguida.- Deseja alguma coisa, senorita? - aquela pergunta a irritou ainda mais, e ela ergueu um pouco o queixo.- Eu gostaria que você levasse esses pacotes ao hotel para mim.- não era um pedido, mas uma ordem. Eriça notou com satisfação que eleficou sério e adotou uma atitude arrogante.- Eu não trabalho no hotel - o homem lhe informou com frieza. Ela sentiu a raiva aumentar e tirou algum dinheiro da bolsa.- Isso não me interessa - e lhe estendeu a mão cheia de notas. Ele não quis aceitá-las. Ela inclinou a cabeça para um lado orgulhosamente. - Não está acostumado a receber dinheiro de uma mulher?A pergunta foi feita com a certeza de que a resposta seria sim. Ele a mediu devagar-de cima a baixo e depois voltou a fitar o rosto dela. Sorriu ao perceber que Eriça estava ficando ruborizada.Apareceu de repente um mexicano de estatura baixa e de pele morena. Usava o uniforme do hotel.- Quer que eu leve os seus pacotes, senorita? - ele perguntou, com forte sotaque.Ela ainda estava com o dinheiro na mão. Olhou para o homem alto.- Este homem vai levar as minhas coisas - disse ela para dispensar o empregado do hotel.- Oh, não, senorita! - exclamou o carregador num tom de voz horrorizado.Seguiu-se uma torrente de palavras em espanhol, enquanto ele lançava olhares cautelosos ao homem que agora encarava Eriça com um sorrisoconvencido.Quando a torrente incompreensível cessou, o estranho respondeu no mesmoidioma, sem dúvida adivinhando, pela expressão de Eriça, que ela não

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tinha entendido nada. O que ele disse pareceu satisfazer o carregador,mas as únicas palavras que Eriça conseguiu entender foram turista e americana. Ela desconfiou que seu uso não tinha sido lisonjeiro.24O homem pegou o dinheiro da mão de Eriça e entregou-o ao mexicano uniformizado. Ela abriu a boca para protestar, mas o arrogante estranho se antecipou a ela.- Isso é trabalho dele, senorita - virou-se graciosamente para ela, com um sorriso sarcástico nos cantos dos lábios. - Ou será que quer que eu tire o pão da boca da família dele?Ele olhou com desdém para todos aqueles pacotes, como se eles lhe lembrassem que nem todos eram ricos como ela. Eriça sentiu-se envergonhada.Tinha sido muito mimada, uma vez que seu pai nunca lhe recusara nada que o dinheiro pudesse comprar. Mas ela nunca ostentara sua riqueza. E também não estava a fim de explicar ao estranho a razão da sua extravagância, apenas de reconhecer que tinha sido muito infantil.Sem dizer mais nada, ela se virou bruscamente e se encaminhou para a entrada do hotel. O carregador levava os pacotes e a seguia de perto.No seu quinto dia em Acapulco Eriça levantou-se bem cedo. Sentia-sefrustrada em suas tentativas de passar algum tempo com o pai. Foi então para a praia, que estava vazia àquela hora da manhã. Estava um pouco quente, embora soprasse uma brisa forte vinda do oceano. Ela esperava que o banho de mar acalmasse sua agitação e que melhorasse seu humor antes de encontrar o pai e Lawrence à mesa do café.Tirando o abrigo de praia, colocou-o na areia, ao lado da toalha e dassandálias. Foi entrando devagar na água morna, olhando de modo ausentepara as gaivotas que voavam por perto. Foi só quando estava com a água à altura dos quadris que se lembrou que tinha se esquecido de pôr a touca de banho.Suspirou,irritada e virou-se a fim de voltar para a praia. Caminhava wntra as ondas, que se quebravam com forca em volta dela. Seus pensamentos tinham estado concentrados no pai e não no movimento das ondas até então.Escorregou numa concha no momento em que uma forte onda a atingiu por trás. Desequilibrada, caiu e ficou encoberta pela água. Eriça se debatia, tentando voltar à superfície, lutando para ficar em Pé de novo. Seus pés tocaram o fundo. Ela sorveu ofegante um pouco25de ar e então outra onda encobriu-a, puxando-a para águas mais pró fundas.Mas, de repente, uma mão segurou com força seu braço. Outra mão segurou oombro do lado oposto, puxando-a para a superfície. Instintivamente, elaestendeu os braços para se agarrar ao seu salvador, expelindo a água quetinha engolido. Suas mãos seguraram fortemente nos braços dele, pois as pernas estavam fracas e mal a sustentavam.- Vem vindo outra onda, senorita. Abrace-me com força - ela reconheceuaquela voz.Obedecendo prontamente Eriça passou os braços em volta da cintura dele eencostou a cabeça em seu peito. Através das mechas ensopadas de seuspróprios cabelos, ela viu um medalhão de ouro sobre os pêlos negros do peito dele.Nesse instante a onda estorou e Eriça foi empurrada contra o homem, que a segurou com força.Quando a onda recuou, ela afastou os cabelos molhados dos olhos- e ofitou, assustada e confusa.- O-obrigada.O olhar dele era impassível. - Venha - segurando-a com firmeza pela cintura, ele a puxou em direção à praia. - Você pode recobrar -o fôlego na parte mais rasa.As emoções de Eriça estavam numa total confusão. A mente insistia para que ela esquecesse a gratidão que sentia pelo seu salvador, que nada mais era que o estranho que a tinha hostilizado. Enquanto isso seu corporeagia à virilidade daquele homem, com o contato ardente do corpo dele.Eles não pararam na parte rasa, mas continuaram andando para a praia. Eriça já caminhava sozinha. .A mão dele em suas costas orientava seus passos. Quando chegaram onde estavam as coisas dela Eriça sentiu as pernas fraquejarem um pouco. Ajoelhou-se e passou a toalha felpuda sobre a pele arrepiada. Estranhava estar sentindo frio, uma vez que sentia

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tanto calor por dentro.- Não é bom nadar sozinha, senorita, especialmente quando a praia estátão deserta.A repreensão fez com que Eriça levantasse a cabeça bruscamente. O homem estava em pé, com as mãos na cintura. Usava um calção preto. Ela desviou os olhos dele e fitou a praia vazia.26Você também estava nadando.Ele levantou uma sobrancelha, e Eriça teve a impressão de que não estava habituado a ser questionado.- Eu estou acostumado com a praia e com o mar, senorita. Você não.- Tem razão. - Eriça concordou com frieza. - Eu sou turista. Americana.Ela notou que as feições severas dele se suavizaram.- Uma turista que gasta muitos dólares no artesanato do meu país - elesorriu. - Foi bom que eu a impedisse de gastar mais, não?- Eu. . . - as faces de Eriça ficaram vermelhas por ele ter mencionado sua atitude infantil e fútil. Abaixou a cabeça e estendeu a mão para pegar a saída de praia. - Estou agradecida por você estar aqui - aquelas palavras não eram muito sinceras. - Não esperava encontrar alguém por perto.- Então, você teve sorte por eu tê-la visto descer para a praia e depoister ouvido o seu grito.Eriça vestiu o abrigo e se pôs em pé, segurando a toalha e as sandáliasdiante de si como se fossem um escudo. De fato, o biquini que usava era minúsculo.Ela estremeceu ao olhar para o homem bronzeado. Nunca ficara perturbada antes, ao ver um homem com calção de banho. Mas nesse havia uma perigosa fascinação que a atraía. Ela procurava se lembrar de que ele era um gigolô, um acompanhante de mulheres ricas e maduras, que recebia dinheiro em troca.- Você não vai nadar mais? - ele perguntou.Engolindo em seco ao fitar seu olhar atento, Eriça meneou a cabeça com firmeza.- Não. Eu só queria nadar um pouco antes do café da manhã, ela levou asmãos aos cabelos molhados. - Meu pai está me esperando.- Tudo bem,- Mais uma vez, obrigada - Eriça falou por cima do ombro ao se afastar.- Não-há de quê - respondeu ele, com um leve sorriso nos lábios.27Andando apressada e ofegante, Eriça ficou imaginando como um sorriso genuíno dele deveria ser devastador. Afastou então esse pensamento da mente e esperou não mais voltar a vê-lo.Mas ela o viu no dia seguinte. Ele não a viu. Estava com a loura dapraia. O encanto daquele homem fazia com que aquela mulher madura sesentisse rejuvenescida e animada. Eriça sentiu nojo.

CAPÍTULO III

Eriça parou na frente do hotel, Estava hesitante. Não tinha vontade de tomar banho de sol, nem de nadar. Também não aguentava mais ficar contemplando a cópia de uma das caravelas de Colombo, a Nina. ancorada próxima à praia.Estava em Acapulco há uma semana. Eriça se limitava a ir à feira ou à praia, a ficar no hotel ou espiar os mergulhadores de penhascos. Não havia mais nada para fazer. Preferia mil vezes ter ido para Miami Beach, em lugar do México.Seu pai precisara de Lawrence, e tinha mandado Eriça ir apreciar o sol. Ela segurou o livro com mais força, embaixo do braço. Tratava-se de um livro interessante sobre a história do México, que o pai lhe dera.Deixara o pai e Lawrence envolvidos com uma infinidade de números. Pretendia encontrar um recanto sossegado nos jardins do hotel para ler. Agora, porém, essa ideia já não lhe agradava muito.Suspirando desanimada, Eriça entrou num dos passeios do jardim. As batidas de seu coração se aceleraram quando ela reconheceu um vulto que vinha caminhando em sua direção. Era

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ele. O estranho ainda não a tinhavisto. Não sabia exatamente por que queria evitar um novo encontro.Sentia-se atraída, mas ao mesmo tempo queria fugir dele. Tentou entrar pelo meio das plantas para passar para o caminho do outro lado.Na pressa, o livro escorregou de seu braço e caiu no chão fazendobarulho. Por uma fração de segundos ela gelou. Já estava atrás dasfolhas de um arbusto, e o livro havia caído no centro do passeio. Esse segundo de hesitação foi fatal. O estranho vinha se aproximando e diminuiu o passo ao se aproximar do livro.29Amaldiçoando baixinho sua falta de jeito, Eriça voltou para o passeio. Ele se abaixou para pegar o livro.- Eu o deixei cair - disse ela um pouco nervosa.- Senorita - ele acenou com a cabeça. Havia uma pergunta no olhar dele, que olhava agora para as plantas.- Bem, eu... eu estava cortando caminho para passar para o outro lado -ela parecia estar querendo que lhe perguntasse por quê.Mas o brilho divertido nos olhos escuros do homem mostrava que ele já tinha adivinhado o motivo. Baixou o olhar para o livro que tinha nas mãos. Devolveu-o.- É um absurdo você ter que ler sobre o México, uma vez que está aqui e pode aprender tudo sobre o país - ele comentou.Ela concordava com ele. Apertou os dedos em torno do livro.- Pelo jeito que as coisas vão, acho que vou ter que me contentar comisto - Eriça sentia raiva e pena de si mesma. A voz dela tremeu. - Meupai vive ocupado demais para poder ir visitar os lugares interessantes -dirigiu a ele um olhar de soslaio. Parecia não querer encará-lo frente a frente, mas estava muito consciente da presença dele. - Obrigada porapanhar o meu livro, senor. - Entãu ela se virou para ir embora.- Senorita. - O tom autoritário da voz dele a fez estancar de repente,mas depois se suavizou quando falou de novo: - Eu teria prazer em lhe mostrar a cidade esta tarde, se estiver livre.- Não, obrigada - ela recusou com vigor, meneando a cabeça. Seus cabeloscastanho-escuros dançaram sobre os ombros. Não queria se expor à forteatracão sexual que sentia por aquele desconhecido e que a ameaçava cadavez que o via.- Por que não? - mais uma vez, havia aquela impressão de arrogância, de um homem que não estava acostumado a ter seus convites recusados.- Eu não gostaria de deixar a sua... sua amiga com ciúmes. Nem gostaria de privá-lo ,de um dinheiro que deve ter sido ganhe com muito esforço - disse Eriça num tom de zombaria.- Minha amiga? - os olhos dele se estreitaram.- Sim - a expressão dela era sarcástica. - A loura. Eu o vi com ela várias vezes, na praia e em outros lugares.- Ah, está se referindo a Helen - ele concordou com um gesto de cabeça, osolhos brilhando. Sua expressão era de zombaria.30Bem, eu nem sei o nome dela - disse Ériça, dando de ombros.Só notei que ela se esforça muito para obter um bronzeado bonito,mas parece se esquecer que sol em excesso estraga a pele e a deixa maisenvelhecida.Pensei que uma pessoa jovem e bonita como você poderia sentir simpatia por uma mulher cuja beleza está desaparecendo dia-adia com a idade.Aquela suave reprovação fez Eriça virar o rosto. Sentia de fato pena da mulher, mas ao mesmo tempo a desprezava por procurar recuperar a juventude nos braços desse homem.- Talvez - foi a única concessão que Eriça fez.- Helen está visitando uns amigos esta tarde, por isso você não precisa se preocupar em aceitar o meu convite - ele zombou. - Não está me tomando dela.- Jamais me ocorreu tentar toma-lo de alguém - os olhos dela se arregalaram numa inocência sincera.- Então, já que não tem nenhum sentimento de culpa e se quer mesmo visitar a cidade, não há nenhum motivo para recusar a minha oferta.

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Ela sentiu a terra fugir sob os seus pés diante dessa afirmação lógica.- Suponho que não - hesitou.- Então você aceita?- Eu... acho que sim - ela balbuciou, vacilante. Tinha a impressão de ter caído numa armadilha.- J á que vamos passar a tarde juntos, eu não posso continuar chamando-ade senorita - deu um sorriso. - Qual é o seu nome?- Eriça... - ela parou de repente. Descobrira que o nome Wakefield eraconhecido até em Acapulco. Esse homem já sabia que ela era uma turista rica, imagine se soubesse que ela era a herdeira de Vance Wakefield! - Meu nome é Eriça - repetiu simplesmente.- Eriça - o tom de voz dele era suave. - O meu nome é Rafael.Ele também se calou. O nome se parecia demais com o dono, pensou Eriça. Suave e imponente, como cetim e aço.- Quer ir dizer a seu pai aonde iremos? - Rafael perguntou.- Contanto que eu esteja de volta antes das cinco, ele não vai se Preocupar em saber onde estou - respondeu Eriça, suspirando.31Vance Wakefield estava preocupado demais com um problema pendente, e tinha plena confiança na capacidade dela de se cuidar. A confiança dele seria até um elogio, se Eriça resolvesse encará-la desse jeito.Rafael não pareceu surpreso com a observação dela. e se afastou para olado, estendendo a mão na direção de onde acabara de vir.- O meu carro está estacionado ali.Era um elegante carro-esporte europeu, na cor prata.- O carro é seu ou. . . de Helen? - perguntou Eliça, quando Rafael sesentou atrás do volante.A elegância do carro combinava com a do motorista, que olhou para ela derelance antes de ligar a chave que acionou o potente motor.- Acha que eu teria condições de comprar um carro como este?- Não, acho que não - ela assentiu balançando a cabeça. Foram para o outro lado da baía, onde Rafael apontou para umapequena ilha chamada La Roqueta. Sugeriu que Eriça tomasse o barco comfundo de vidro, para ver o santuário submerso de Nossa Senhora deGuadalupe, que ficava perto da ilha. Ela demonstrou curiosidade a respeito de alguns iates que navegavam na baía. Então ele a levou às docas, onde muitos deles ficavam atracados. Apontando para um iate gigantesco, disse:- Aquele ali é. . . onde estou hospedado. Ériea olhou para ele. espantada- Pensei que estivesse hospedado no hotel.- Não. é que todo mundo aqui acaba indo para lá durante o dia - disse Rafael, dando de ombros.Ela olhou de novo para o iate. O nome dele era indecifrável àque nadistância.- Helen deve ser muito rica - comentou, pensativa.- Acho que sim.Do iate clube foram para o Forte de San Diego. Rafael a levou ao museu que ficava no forte, reconstruído em forma de estrela. Ai construções originais haviam sido destruídas por um terremoto. Eriça ficou surpresa ao descobrir que Rafael conhecia muito bem a história da região. Sozinha, ela não teria achado o passeio tão agradável e nem tão interessante.A próxima parada foi la Plaza de Toros. Eriça não precisou de32ninguém para traduzir o letreiro. Era o local onde havia as touradas. Elaolhou de relance para Rafael.- Eu não faço questão de entrar aí - disse com firmeza.- Você não gosta de touradas? - ele já sabia que a resposta seria negativa.Eriça não o desapontou.- Não, não gosto de touradas.- Elas só acontecem aos domingos e feriados. - Rafael parecia se divertir. - Achei que você gostaria de ver a praça de touros, mesmo

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vazia. Espere aqui, enquanto vou conseguir uma licença para você entrar.Poucos minutos depois ele voltou e levou-a à Plaza de Toros. Entraram com um mexicano idoso, que os cumprimentou respeitosamente. Eriçaouviu, meio distante, Rafael explicar o ritual do espetáculo. Havia ospicadores e os bamlerillos, que indicavam ao matador as características de luta do touro. E o próprio matador, que executava passes difíceis para provar sua destreza à multidão.Eriça ficou impressionada com a atmosfera lúgubre do estádio vazio. Havia uma barreira vermelha como sangue, que separava o público da arena. Bastava fechar os olhos para ouvir os gritos da multidão e imaginar o touro negro investindo sobre a capa vermelha do toureiro. Ela estremeceu.- Você acha a ideia da tourada revoltante? - Rafael perguntou com calma.- Acho que seria capaz de torcer pelo touro - Eriça declarou. Ele estava em pé ao seu lado, com um sorriso complacente e divertido no rosto. - Você já lutou com um touro?- Acho que todos os meus compatriotas já lutaram, pelo menos empensamentos - ele respondeu suavemente, voltando os olhos escuros paraela.- Mas você lutou mesmo, não foi? Por quê? Para provar que o homem é superior ao animal? Ou será que queria saber simplesmente como reagiria. . . como se diz. . . a essa prova?- Alguns consideram isso uma prova de masculinidade - uma luz enigmática nas profundezas dos olhos dele a prendia. - Mas eu descobri que existem, na vida de um homem, provas muito mais difíceis de serem enfrentadas doque a luta com um touro. Provas que colocam o futuro e a felicidade dessehomem numa balança.33Ela ouvia fascinada as palavras de Rafael. Sentia-se incrivelmenteatraída, mas não saberia explicar o porquê. Ele então sorriu e segurou nobraço dela.- Já viu tudo? Podemos voltar para o carro para continuar a nossa excursão?- Sim, sim, claro - Eriça respondeu sem fôlego.O carro prateado subia as montanhas que circundavam a cidade, percorrendo as curvas em ziguezague. Eriça ainda pensava na conversa que tiveram na praça de touros, e respondia de maneira ausente às perguntas de Rafael.Foi só quando estavam quase chegando ao topo, que ela se deu conta de que tinha revelado uma série de coisas, principalmente sobre sua infância e seu relacionamento com o pai. Algum mecanismo de defesa na mente dela havia impedido que desse respostas muito específicas, mas lembrava-se que fornecera a Rafael um retrato nítido de sua vida. Ela não costumava ser tão aberta com estranhos, e se ressentiu com a capacidade dele de penetrar em seu íntimo.- Então você tem vinte e dois anos - ele a olhou de lado e a viu assentir com um gesto de cabeça.- Qual é a sua idade? - perguntou Eriça.- Eu sou quase doze anos mais velho que você - Rafael respondeu, reduzindo a marcha. Diminuía a velocidade para parar no acostamento. - É isto que eu queria lhe mostrar.Quando o carro parou, Eriça olhou para a vista panorâmica da baía. Rafael desceu e abriu a porta, para ela, que saiu rapidamente do carro.O mar, de um azul vivo, orlava a praia dourada. Os hotéis pareciam miniaturas, e os barcos na água eram como pontos brancos e cinzentos. Além da cidade havia cadeias de montanhas. O céu, azul como o mar, se enfeitava de pequenas nuvens esparsas.- Esta vista é linda à noite - disse ele.- Acredito - Eriça suspirou. Caminhou mais para a frente. Queria se aproximar daquela visão maravilhosa.- Cuidado! - ele segurou-lhe o braço, afastando-a da beira do precipício.O susto a fez perder o equilíbrio, e esbarrar nele, que a pegou pela cintura para segurá-la. As mãos de Eriça sentiram o calor ardente do tórax dele sob a camisa.34A borda às vezes desmorona - explicou Rafael,O coração de Eriça disparou com a proximidade de Rafael, tornando-a incapaz de pensar em qualquer outra coisa. Ela inclinou a cabeça para trás olhando para o rosto dele que estava tão próximo. Os olhos de Rafael estavam focalizados em seus lábios, a boca sensual a

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apenas poucos centímetros de distância.Eriça sentiu um desejo irresistível de que Rafael a beijasse e por um momento teve quase certeza de que ele o faria. Então, seu olhar se dirigiu para o brilho que havia nos olhos dela, e a afastou com firmeza.- Por que não me beijou? - ela lutava contra a dor aguda da rejeição.Rafael levantou um canto da boca, com uma expressão entre divertida e espantada.- As mulheres do seu país são sempre diretas assim, não?Seu tom de censura fez com que o rosto dela ficasse um pouco vermelho, mas isso não demoveu Eriça.- Se não se pergunta, não se aprende - ela respondeu com calma.- Já que quor conversar francamente, Eriça, por que queria me beijar? - ela corou mais. Rafael a fitava com indiferença. - Queria descobrir se o mito a respeito dos amantes latinos era verdadeiro? Ou talvez uma aventurazinha para colorir as suas férias?Eriça virou o rosto, afastando nervosamente os cabelos.- Para falar com franqueza, eu não pensei na sua nacionalidade naquele momento - ela respondeu com sinceridade.Era a masculinidade irresistível dele que parecia atraí-la. Olhou-o de lado e percebeu que ele estava em dúvida.- É verdade - insistiu Eriça. - Embora não duvide que seja uma espécie dedom-Juan.- Você acha que a característica principal de um grande amante é o númerode mulheres que ele possui? - ele observava atentamente a reação dela.- Você não acha?- Acho que o desafio de um amante consiste em manter uma mulher feliz por toda a vida - afirmou Rafael, sua voz sedutora e calma vibrando de convicção.- Isso. . . - ela sentiu arrepios na espinha ao ouvir as palavras35dele. Então parou e engoliu em seco. Depois falou num ímpeto. . . . Isso ainda não responde à minha pergunta. Por que não me beijou? Você havia dito que eu era bonita.- Um homem não procura só a beleza exterior. Ela pode ser encontrada em abundância. A beleza interior é que é rara.- E quanto a mim? - a pergunta foi feita com relutância. Ela levantou o queixo com orgulho.- Acho - Rafael falava pausadamente - que por dentro você é um pouco egoísta. - Ele ignorou a careta de raiva dela. - Você diz que tem uma afeição profunda por seu pai, e no entanto tenta separá-lo do seu trabalho, que lhe dá muito orgulho e prazer. Se você ama uma pessoa de verdade, deve desejar a felicidade dela mais do que a sua própria.- Mas que coisa horrível! - O queixo dela tremeu, traindo-a. Levantou a mão para tentar apagar aquela expressão de superioridade dele, mas Rafael foi mais rápido e a segurou com firmeza pelo pulso- Eu ia acrescentar - ele prosseguiu com calma, um brilho travesso em seus olhos - que você é muito sensível e não seria capaz de machucarninguém.- Solte-me! - Eriça tentou se soltar, mas não conseguiu. - Eu não quero que toque em mim!- Agora há pouco você queria que ou a beijasse - ele segurou a parte de trás da cabeça dela com a outra mão. - Ou será que está tentando provarque não está magoada, fingindo que não se importa? - Isso se chama orgulho - disse ela, respirando pesadamente de raiva efrustração. - Você deveria saber o que isso significa, pois parece que otem em abundância.- Eu não a beijei porque não gosto de ser usado. E eu não poderia saberao certo se você me via como homem ou como mexicano.- Como é que uma mulher poderia deixar de considerá-lo um homem? - elanão se deu conta do que dissera, até que viu a expressão de arrogantesatisfação nos olhos dele.Rafael então a beijou e Eriça se sentiu caindo num abismo. Sentia quedeveria protestar e repelir aquele beijo, mas em vez disso o abraçou com força.Rafael a afastou com firmeza. Eriça ainda tremia. Fitou-o com olhosarregalados.36

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- Está ficando tarde - disse ele, conduzindo-a de volta ao carrro - voulevá-la de volta ao hotel.Nesse momento o domínio dele era completo. Eriça seria capaz de saltar do despenhadeiro se Rafael lhe pedisse. Estonteada por aquele beijo, achou impossível que ele fosse um acompanhante pago, um caçador de dotes. Mas ficou em dúvida ao ver seu ar distante ao ajudá-la a entrar no carro.Eriça sentiu-se humilhada quando se deu conta da posição embaraçosa em que se colocara. Ela virou o rosto para a janela, a fim de ocultar o rubor de sua face.Desciam a montanha e já estavam quase na metade do caminho, quando Rafael interrompeu o silêncio.- Você não deve beijar um homem desse jeito, Eriça. Ela sentiu o orgulho vindo à tona.- Não é assim que as suas mulheres geralmente o beijam? apesar de manter a cabeça virada, percebeu que ele a olhava de lado.- Você não sabe nada sobre as chamas de paixão que podem arder entre um homem e uma mulher, senão não flertaria assim tão perigosamente com eles. Você não mede os riscos que corre.- Beijá-lo não significa que eu queira ir para a cama com você.- Ah, mas quando você beija um homem desse jeito, é ele quem vai querer que a posse seja completa.Um silêncio incómodo se fez entre eles. uma vez que Eriça não conseguia encontrar respostas. Rafael não era homem de ser desafiado e tapeado pormentiras e argumentos infantis.Quando ele parou o carro em frente ao hotel, Eriça sentiu vontade de sair correndo para dentro, mas se controlou e continuou sentada, até que Rafael deu a volta no carro e abriu a porta. O sol estava quente. Eriça estremeceu quando ele a segurou pelo cotovelo com educação e a conduziu até a porta do hotel.Rafael inclinou a cabeça para o porteiro que mantinha a porta de vidro aberta. A naturalidade e a imponência desse gesto impressionou-a. Ela parou poucos metros depois da porta, no hall.- Você não precisa me acompanhar mais - disse.O comportamento arrogante dele permanecia. Virou-se para ela com a cabeça ereta e os olhos semicerrados.- Espero que, apesar de tudo, tenha achado agradável o passeio, senorita.37Ela sentiu uma pontada de raiva por ele ter voltado ao velho tratamento impessoal. Pelo canto do olho viu seu pai e Lawrence Derby entrando no saguão. Wakefield lançou-lhe um olhar indagador ao vê-la com Rafael.- Foi muito instrutivo. Obrigada - seu tom de voz era condescendente.O olhar dele se concentrou por um breve momento na boca de Eriça, parecendo zombar da frieza que vinha agora dos mesmos lábios que tinham tremido debaixo dos seus.- Adios - Rafael afastou-se a passos largos.Éricà hesitou durante um segundo, respirando fundo para acalmar as batidas de seu coração. Procurando sorrir com alegria, virou-se para o pai e para Lawrence.Era improvável que Lawrence tivesse se esquecido daquela primeira tarde em que viram Rafael com a loira velhusca. Os olhos azuis de seu pai demonstravam que Lawrence havia lhe transmitido essa informação. Recusando-se a se intimidar pela expressão de censura dele, ela o beijou.- Se me derem alguns minutos para me arrumar, daqui a pouco me reunirei a vocês para o aperitivo antes do jantar - procurava demonstrar um ar alegre e despreocupado para que eles não notassem que havia alguma coisa errada.- O que estava fazendo com aquele homem? - o pai perguntou, com a facilidade habitual de ir diretamente ao ponto principal.- Quem? Rafael? - Eriça perguntou, com um falso ar de inocência. - Ele me levou para visitar a cidade esta tarde.- Você quer dizer que o contratou? - Vance Wakefield perguntou abruptamente.- Sim - ela mentiu. Então deu de ombros para reforçar a mentira e acrescentou: - Você e Lawrence estiveram ocupados esta tarde, e eu não quis ficar sentada aqui no hotel.Vance Wakefield não era um homem fácil de se enganar. Voltou a cabeça leonina para ela, e sua expressão era de dúvida e preocupação.

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- Você sabe a espécie de homem que ele é. É um aventureiro, um caçadorde dotes, que vive como um parasita às custas de mulheres ricas - havia um tom de advertência na voz grave dele.- Eu sei o que ele é papai - Eriça respondeu com calma.38Lawrence olhou para ela, como se quisesse se desculpar por ter contado, eEriça sorriu para ele. Não ligava, ele só tinha feito o que achavamelhor. Nunca ocorreria a Lawrence ocultar o fato de que tinham visto Rafael na praia.- Um homem desse tipo só pensa em dinheiro e não tem moral. . o pai prosseguiu. - Eu não quero que minha filha se misturecom gente dessa laia. Ouviu bem, Eriça?- Sim, papai - respondeu ela com paciência.- Tenho aguentado muitas bobagens suas no passado, mas essa é uma coisa que não vou tolerar. Agora vá se vestir, que nós a encontraremos no salão.

CAPÍTULO IV

Vance Wakefield nunca fazia advertências ao acaso e nunca achavanecessário repeti-las. Se por acaso descobrisse que Eriça se sentiaatraída por Rafael, com certeza não aceitaria, e ela iria sofrer as consequências.Quando se reuniu com o pai e Lawrence para os aperitivos, o aborrecimento dele parecia ter diminuído depois da explicação dela. Como que pararecompensá-la pelo suposto bom senso que Eriça fingira ter, concordou emassistir à exibição de um renomado cantor local, na noite seguinte - umaconcessão que deixou Eriça surpresa, uma vez que já tentara várias vezespersuadi-lo a ir, sem sucesso.No dia seguinte, Eriça se mostrou paciente com relação aos negócios do pai. Sua atitude não tinha mudado pela declaração de Rafael, de que ela era egoísta, disso tinha certeza.Na noite do espetáculo, tomou um cuidado especial ao escolher o que vestiria. Seu pai tinha concordado em acompanhá-la essa noite por vontade própria, e Eriça queria que ele se orgulhasse dela. Passou os dedos na seda cor creme do vestido longo e sorriu. O tecido modelava seu corpo curvilíneo, destacando o castanho quase negro de seus cabelos e a coloração violeta de seus olhos.Pegando a bolsa de noite, Eriça se encaminhou para a porta de comunicação da suíte. Bateu de leve e entrou. O pai andava com impaciência pelo quarto. Lawrence estava sentado à mesa redonda, cheia de papéis, e com uma máquina de calcular diante dele.- Ainda não se vestiu, papai? - perguntou.Vance Wakefield parou de andar, arregaçou as mangas da camisa e então balançou a cabeça com tristeza.40- Eu não sabia que era tão tarde.- Pois é - disse Eriça, sorrindo. - Quer que eu prepare a sua roupa enquanto você toma banho?- Infelizmente acho que não vou poder ir, querida - aproximou-se delapara segurar suas mãos.Eriça ficou desapontada.- O que quer dizer?- Aquele negócio de Houston parece que vai estourar na minha cara - osuspiro que ele deu acentuou as rugas de cansaço em seu rosto, mas elasnão provocaram pena em Eriça. - Teremos sorte se conseguirmos salvá-lo.- O que é que isso tem a ver com esta noite? - ela soltou as mãosbruscamente. - Houston fica a dois mil quilómetros daqui.- Eu estou esperando alguns telefonemas.- E daí? O hotel tem uma mesa telefónica, e eles poderão nos localizar ou então anotar o recado!- com todos os algarismos e informações? - ele escarneceu. Isso não seria sensato. Eriça. Teremos que cancelar nossa saída, isso é tudo.- Isso é tudo! - a voz dela se elevou. - Eu não sei por que você se deu ao trabalho de vir até

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Acapulco! Você não pôs os pés fora deste hotel desde que chegamos. E quanto a mim? Sou sua filha! Será que não mereço nem um pouco o seu tempo?- Pelo amor de Deus, quer ter um pouco de bom senso? Trata-se de um negócio de um milhão de dólares. Eu não inventei essa crise apenas paranão ter que sair com você! - O génio irascível dele estava começando a aflorar.- Não mesmo? - Eriça escarneceu.- Se esse espetáculo bobo é tão importante para você - ele rosnou. - Então acho que posso dispensar Lawrence para que ele a leve.- Oh, não - Eriça recuou, levantando a mão em sinal de protesto. - Não há nenhuma necessidade de me fornecer um acompanhante. Essa sempre foi a sua solução, mas não desta vez. Sou bastante capaz de me divertir sozinha. Não há nenhuma necessidade de você pagar a alguém para fazer isso. De agora em diante é assim que vai ser!41- Para o inferno com a sua insolência! Você vai se arrepender por isso! -declarou o pai, tremendo de fúria.- Não sou eu quem vai se arrepender, papai! É você!Eriça saiu tempestuosamente do quarto. O telefone tocou no momento em que ela bateu a porta. Furiosa, só reduziu o passo quando deixou os jardins do hotel indo em direção à praia. Sentia a areia úmida sob seus pés. Deu as costas para a caravela Nina e saiu caminhando.A Lua brilhava entre as estrelas como se fosse um gigantesco balãodourado no céu. Sua luz tingia de prata as ondas murmurantes do oceano,seu brilho aumentando a magia da noite quente. De vez em quando a brisa agitava levemente as folhas das palmeiras.Foi diminuindo os passos pouco a pouco, mas a frustração ainda ardia dentro dela como fogo. Seu coração estava amargurado pela injustiça da situação. Eriça ficou com os olhos fixos nas ondas suaves que quebravam na praia: Traziam tesouros e os depositavam na areiíia dourada.De repente, uma sombra alongada se projetou ao lado dela.- Espero que você não esteja pensando em nadar a esta hora da noite -disse uma voz.Eriça estremeceu e se virou devagar. Era Rafael. Tentou se armar contra a força de sua atração irresistível. Umedeceu os lábios com a língua. Um pensamento fantástico lhe passou pela cabeça. Então ordenou ao seu corpo que se acalmasse.- Não, não vou nadar. Na verdade, eu estou apenas admirando a beleza danoite - ela mentiu, sorrindo de maneira encantadora.- É uma noite tropical - observou Rafael, não desviando os olhos do rosto dela, iluminado pelo luar. - Uma noite quente, sensual e torturante.O coração de Eriça começou a bater com violência. Estava certa de que os pensamentos loucos que passavam em sua mente transpareciam em seu rosto. O que estava imaginando era arriscado, mesmo que se tornasse realidade. Ela virou-lhe as costas, assustada.- Há alguma coisa errada? - Rafael se aproximou.Ele pôs a mão em seu ombro e Eriça encostou o rosto nela. Virou então a cabeça para fitá-lo.42Rafael - a voz dela vibrou rouca. - Quer se casar comigo?A expressão de preocupação dele desapareceu no mesmo instante, e foi substituída por uma expressão fria e distante. Eriça se virou para ele de vez, seus olhos arregalados e inocentes. Parecia estar querendo se desculpar.- Eu o choquei? - murmurou.- A audácia das mulheres do seu país sempre me choca. No México é o homem quem é o agressor - a expressão dele era arrogante e revelava seu descontentamento.Ela baixou a cabeça.- Sim, eu sei - disse suspirando. - Foi tolice minha pensar que você levaria a minha proposta a sério.Houve um silêncio breve. Rafael pegou no queixo dela e levantou-o.- Você quer realmente se casar comigo, mesmo sabendo... o tipo de homem que eu sou? - Os espessos cílios dele, tão negros, ocultavam os olhos impenetráveis.Eriça pestanejou para esconder o brilho exultante que surgia em seus olhos.- Isso não tem nenhuma importância para mim - levantou a mão para acariciar o rosto magro dele.

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Um músculo da mandíbula se contraiu com esse contato íntimo.- E quanto à sua família... e à minha? - Rafael sorriu ao ver a expressãoespantada dela. - Você achou que eu não tinha família?- Claro que não - sua respiração estava ficando irregular sob o olhapenetrante dele. .Eriça estudou-lhe o rosto com desespero, procurandoentender o que ia ali dentro. Um pensamento assustador lhe ocorreu.- Rafael, você não está planejando se casar com Helen, está?- Uma vez que ela já é casada, acho muito improvável - ele respondeu comsuavidade. Então arqueou uma sobrancelha ao ver o olhar estupefato deEriça. - Você não sabia disso. Talvez agora não Queira mais se casarcomigo, não?- Não. Quero dizer. . . não, não faz mal - apressou-se em acrescentar. O rosto dela ficou rosado. - Eu quero me casar com você.Esta noite? Sem a presença das nossas famílias? Esse é um Pedido muito egoísta.43- É tão errado assim ser egoísta? - Eriça murmurou aproximando-se maisde Rafael. Sentia o contato das mãos dele em sua cintura. - É erradoquerer esta noite só para nós dois? Não queria compartilhar este momentocom ninguém. . .Ela estava sendo sincera, mas nem se deu conta de quanto. Uma luz fascinante cintilou em seus olhos e seu coração se acelerou quando as mãos de Rafael a apertaram num abraço.Eriça retribuiu com avidez, enterrando a cabeça no pescoço dele esentindo o aroma inebriante de sua masculinidade. A pressão do corpo delefez seu sangue ferver, deixando seus membros fracos. Sentia-se submissa. A voz grave e sedutora dele falava com suavidade na língua nativa, seuhálito morno ventilava no cabelo dela.- Oh, Rafael - gemeu Eriça. - Por favor, eu não quero mais ficar sozinha.Mais uma vez ele segurou o queixo dela, forçando-a a fitá-lo.- Então você precisa se casar comigo, Eriça - o nome dela saiu como umacarícia dos seus lábios. - Sou eu quem está lho pedindo.- Sim - ela sussurrou, concordando. Estranhou a rouquidão da voz dele.Havia uma sensação no ar de que as coisas não iam sair como ela tinha planejado. Sentia estar sendo levada por forças incontroláveis. No entanto, era isso que ela queria. Mas o primeiro obstáculo, oconsentimento de Rafael, já estava superado. O resto aconteceria deacordo com os planos dela. Pelo menos era isso que Eriça esperava.com o coração leve e despreocupado, ela esperou no vestíbulo de um edifício antigo bem mobiliado, enquanto Rafael tomava providências quantoao casamento. Essa despreocupação perdurou durante toda a cerimónia,falada o tempo todo em espanhol. Eriça foi dando as respostas certas no momento exato, graças à ajuda de Rafael.Ele então retirou um anel de ouro de seu dedo mínimo e colocou-o no dedo dela. De repente, Eriça percebeu a gravidade da situação. Desviou osolhos do anel que tinha uma águia de prata com cabeça dupla, para fitardesamparadamente os olhos impenetráveis de Rafael. Ela umedeceunervosamente os lábios e engoliu em seco.44O juiz havia parado de falar. Ela se sentia paralisada, e então viuRafael inclinando-se em sua direção para beijá-la. Quando ele se afastou,agarrou-se com força ao braço dele. Olhava, muda e atordoada, Para oJuizsorridente e a mulher que estava ao lado dele.De maneira ausente, ouviu Rafael recebendo as felicitações, enquanto iase dando conta de que estava casada com ele. Por um momento ficou aterrorizada com a rapidez com que tudo acontecera, mas depois seconsolou com a ideia de que um divórcio também seria conseguido com amesma rapidez. Ainda assim, suas pernas tremiam quando Rafael a conduziuaté o carro. O rosto dela estava branco como uma folha de papel. A luz interna do carro se acendeu automaticamente quando ele abriu a porta. Rafael percebeu a palidez dela.

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- Você não está se sentindo bem? - ele perguntou, sentando-se atrás do volante. Olhou para os lábios trémulos de Eriça.Ela então passou a mão no rosto e nos cabelos, a fim de evitar o olhar dele.- Eu estou meio zonza - admitiu, rindo nervosa. - Acabei de me lembrar que não comi nada desde a hora do café.- Então precisamos cuidar disso, com um jantar de casamento, não? - o efeito devastador do sorriso dele fez o estômago vazio dela revirar com mais violência ainda.- Sim - concordou Eriça. - Quem sabe se comesse me sentiria melhor e menos fraca.Mais tarde, no restaurante, ela ficou olhando o garçom preparar seus filés num carrinho ao lado da mesa.. O ambiente mexicano e a maioria dos fregueses eram nativos, muito bem-vestidos, em vez dos turistas habituais que frequentavam os hotéis.A atmosfera do lugar permitiu que Eriça se descontraísse e apreciasse o jantar sem nenhuma ansiedade. Quando os pratos foram levados, ela pegou ocopo para terminar de beber o vinho. O anel de sinete de seu dedo bateude leve contra o cristal, lembrando-a de seu novo estado civil. Por cimada borda do copo, olhou de relance para Rafael, que estava recostado em sua cadeira, segurando uma cigarrilha entre os dedos. Ele a observava com atenção. Eriça pousou o copo e sorriu da maneira mais natural que pôde.45- Quer me dar licença? - ela pediu, estendendo a mão para apanhar abolsa. - Preciso ir retocar a maquilagem.Quando se levantou, Rafael já estava atrás dela segurando a cadeira. Oolhar dele estudava-lhe o rosto como se quisesse dizer que ela nãoprecisava de pintura. No entanto, ele não protestou. Eriça sentiu apulsação acelerada. Procurou andar devagar até o toalete.Por sorte havia um telefone por perto. Apesar de não saber o espanholmuito bem, Eriça conseguiu fazer com que a telefonista ligasse para ohotel. Num tom de voz nervoso e ofegante, pediu para que ligassem para oquarto de Vance Wakefield.Seus olhos brilharam de maneira triunfante, ao imaginar a cólera de seu pai quando descobrisse que ela tinha se casado com um caçador de dotes. Todas as preocupações com o negócio supostamente vital desapareceriamcom a notícia. Num piscar de olhos ele anularia o casamento. Não tinhadúvidas de que haveria uma cena violenta, em que ele daria vazão à sua ira por ela ter feito uma coisa tão estúpida. Mas agora o pai não seria capaz de ignorá-la! Dessa vez os negócios dele passariam para um segundo plano!- O senor Wakefield não está - a telefonista informou. Eriça sentiu umaperto na garganta.- Mas como é que ele não está aí? Mande alguém procurá-lo ordenou. - É afilha de Vance Wakefield quem está falando, e é muito importante que euentre em contato com ele.- Um momento, por favor - foi a resposta.Seus dedos foram se apertando com mais força no fone na medida em que os segundos se arrastavam. Ele tinha que estar no hotel. Outra voz falou ao telefone, dessa vez uma voz de homem.- Senorita Wakefield?- Sim, ela mesma. Onde está meu pai? - perguntou, com uma ponta de histeria na voz.- O senor Wakefield voltou para os Estados Unidos. . .- Mas isso é impossível! - Eriça interrompeu. Não existe un voo a estahora!- Creio que ele fretou um jato, senorita - o homem respondeu com paciência. - Ele fez reservas para a senorita voltar amanhã, deixou umbilhete aqui na recepção. Quer que eu o leia?- Não - ela respondeu entorpecida, mais para protestar com46a verdade do que estava sendo dito. - Não, não será necessário. . Creio que houve uma emergência, senorita.- Sim - uma risada amargurada ficou presa em sua garganta. - Umatransação comercial. Obrigada. Muito obrigada.

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Seus lábios estavam repuxados num sorriso de ironia quando recolocou ofone no gancho. Os negócios dele tinham vencido e ela havia perdido. Eriça olhou fixamente para o anel em seu dedo. Estava casada e seu pai não estava lá para salvá-la. O que iria fazer? O que poderia fazer?Seu primeiro instinto foi de fugir. Distanciar-se de Rafael o mais que pudesse, o mais rápido possível. Poderia lhe enviar um bilhete dizendoque tudo tinha sido um erro. Ela não tinha muito dinheiro em sua contapessoal mas, para um homem como ele, representaria uma grande soma. Mas o que faria para conseguir o divórcio? Pressionou os dedos nas têmporas, lutando contra o pânico que ameaçava vir à tona. Precisava de tempo para pensar. Mas Rafael a estava esperando no restaurante.com a mesma impulsividade com que se metera naquela situação Eriçaresolveu deixar um bilhete para Rafael, dizendo que ia voltar ao hotel. Ogerente poderia chamar um táxi para ela. No silêncio de seu quarto,encontraria uma solução. Mas, assim que se virou, Rafael apareceu diantedela.A cor fugiu de suas faces ao ver aquela figura dominadora. Viu que o rosto dele se suavizou num sorriso de preocupação. Acovardou-se. Havia um aspecto indomável na personalidade de Rafael. Seu Pai talvez fosse páreo para Rafael, mas ela não era.- Você achou que eu não ia voltar? - perguntou com uma alegria forçada,aproximando-se dele.- E por que eu deveria achar? Rafael replicou, observando pensativamente a rápida mudança dela da palidez para o rubor.- Bem. . . - Eriça sorriu. Tremia ao responder. - . . .eu admito queestou nervosa como qualquer noiva!O olhar dele brilhou arrogante. O contato firme de seus dedos no cotovelo dela pareceu reforçar o direito de posse que tinha recebido. Conduziu-a de volta ao restaurante.- Eu compreendo esse seu nervosismo - ele disse. - Quer sair para fora, ougostaria de tomar uma bebida no salão?47- Podemos ir ao salão? - Eriça pediu, procurando ganhar tempo para solucionar esse-novo problema.Havia um guitarrista flamengo tocando, seus dedos ágeis acariciando as cordas. As notas de seu instrumento tocavam no mesmo ritmo do coração acelerado dela. Eriça segurava na mão um drinque que Rafael tinha pedido para ela, e ia tomando goles rápidos na esperança de que o álcoolacalmasse os seus nervos agitados. Procurava se concentrar na música,para evitar os ombros largos que estavam a poucos- centímetros dos seus.- Você gosta da música? - perguntou Rafael.- Sim, e ele é muito bom - desviou o olhar do rosto dele, no meio dapenumbra.- Gostaria de tomar outra bebida?Eriça olhou espantada para o seu copo vazio e concordou rapidamente.Tomou um segundo drinque e depois um terceiro, e no entanto estava tão longe de uma solução quanto antes. Não ousava tomar mais uma bebida, uma vez que já estava meio zonza. Não teve alternativa senão concordar quando Rafael sugeriu que saíssem.O frescor da noite acentuou os efeitos do álcool. Seus nervos agora estavam relaxados demais e sua mente se recusava a funcionar direito. O silêncio dela era uma evidência traiçoeira de sua covardia. Ficou caladaenquanto Rafael dava partida no carro e se afastava do restaurante. Asluzes brilhantes do hotel estavam bem diante dele, mas ele não estava sedirigindo para lá.- Nós não vamos ao hotel? - Eriça murmurou. Uma ideia lhe passou pelacabeça e resolveu colocá-la em prática. - Minhas coisas estão lá. Eu vouprecisar delas.Uma vez no hotel, ela estaria em segurança. De repente se tornouessencial que Rafael a levasse para lá. Em seu quarto, faria valer aautoridade de seu pai. Caso Rafael tentasse entrar no quarto, ela sóteria que avisar a gerência.

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- Ainda não - respondeu Rafael ao virar uma esquina. - Eu gostaria delevá-la até o iate. Você já esteve a bordo de um?- Nenhum daquele tamanho - ela admitiu, sentindo o coração apertado ao ver que não tinha outra saída senão concordar. - Helen está lá? -perguntou, cheia de esperança.- Um dos motores está sendo consertado, por isso ela está com uns amigos - explicou ele. sorrindo.48Entendo - Eriça murmurou. Se Helen estivesse lá, teria umbom motivo para se recusar a ir até o iate. Como não estava, ela teveque se conformar em fazer uma visita ao barco.Minutos depois estavam no embarcadouro. Rafael desligou o motor do carro. Eriça esperou, nervosa, até que ele contornasse o carro e viesse lhe abrir a porta. Mais uma vez, segurou com firmeza seu braço, conduzindo-a pelas docas, onde estavam atracadas várias embarcações, até o majestoso iate que estava na extremidade oposta.O salto de seu sapato enganchou numa fresta da prancha de embarque doiate fazendo-a perder o equilíbrio. No mesmo instante Rafael a amparou.Levantou-a e subiu os degraus restantes com ela nos braços. Tudo issoaconteceu tão rapidamente que Eriça não teve tempo de protestar. Esse contato inesperado a deixara sem fala. A força da atração dele nunca fora tão formidável como naquele momento. Quando a pôs no chão de novo, Eriça se apoiou nele.- Bem-vinda à bordo, senora . . - Rafael murmurou com carinho. A cabeçadele se inclinou na sua direção, mas a frase foi interrompida pelo som de passos rápidos que se aproximavam.- Buenas noches, senor.Eriça piscou meio atordoada na direção da voz. Um homem num impecáveluniforme branco estava em pé diante deles, obviamente um tripulante doiate. Olharam-se curiosos. Ele tinha uma atitude respeitosa.- Buenas noches, Pedro - respondeu Rafael. Eriça não conseguiuBentender o que eles falaram a seguir, em espanhol, mas achou que eleestava explicando quem ela era e por que a tinha trazido a bordo,Rafael apresentou o homem como membro da tripulação, Pedro. . . O restodo nome lhe escapou, pois era um espanhol. De repente lhe oocorreu queteria que aprender espanhol, uma vez que tinha se casado com um mexicano.Houve um momento de horror, quando ela se deu conta de que estava fazendoo casamento parecer permanente, vuando o homem inclinou respeitosamente a cabeça, ela sentiu-se incapaz de falar e apenas inclinou a cabeça emresposta.Recompondo-se, Eriça atendeu prontamente à pressão da mão de Rafael emsuas costas, ansiosa para completar logo a visita ao iate e Poder voltarao hotel. Sua mudança de comportamento fez com que ele a olhasseintrigado. Eriça procurou conter a afobação quando foi introduzida nosalão principal.49- Qual é o nome do iate? - perguntou, com um leve tremorna voz.- Chama-se Mahana. . . amanhã - ele a fitou nos olhos. uma sugestão deuma doce promessa, não acha?Havia alguma coisa sugestiva naquela frase. Eriça segurou con força abolsa. Parecia que o amanhã jamais viria, e muito menos com qualquerpromessa de doçura.Afastando-se dele, fingiu que estava examinando o salão, admirando,apesar de tudo, as linhas arrojadas e a decoração espanhola, que eraelegante e alegre. Depois foram ver outros compartimentos, e ela teve seuinteresse despertado por um estúdio com estantes cheias de livros, masprocurou olhar tudo com indiferença.- Finalmente, as cabines - anunciou Rafael.- Eriça parou no corredor acarpetado, seu olhar desviando-se das feiçõesmagras e aristocráticas dele.

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- Eu não quero ver. . . a dela - disse, tensa, uma raiva estranha ardendopor dentro.- Como queira - ele concordou, num tom de voz divertido. Rafael abriu asportas de duas cabines, para que ela visse. Ignoroude propósito a terceira e a quarta porta e então a conduziu até a últimado corredor.- Estes são os meus aposentos - explicou ao abrir a porta.A curiosidade feminina impeliu-a para dentro, mas a beleza da decoração afez entrar de vez na cabine espaçosa. O uso abundante de tonalidadesmarrons e pretas era arrebatador. Mas não havia nada de melancólico, porque o ambiente era luxuoso, sensual e masculino.Eriça virou-se rapidamente, sentindo vontade de fugir antes que caísse em algum encantamento. Rafael estava em pé atrás dela, seus ombros largos fechando a saída. Ela se sentiu paralisada. O ar estava tão carregado que mal ousava respirar.com movimentos lentos, Rafael estendeu a mão e tocou-lhe a face,acariciando-a de leve. Esse contato desencadeou uma torrente de desejos,mas ela procurou se manter imóvel para não se atirar nos braço- dele,lembrando-se que estes haviam segurado Helen tantas vezes na quela mesmacabine.- Ninguém nunca entrou nesta cabine, exceto eu e a tripulação Eriça.50Ela arregalou os olhos ao ver que Rafael tinha lido os pensamentos ela.Não conseguiu definir a expressão daquele rosto bronzeado, mas seucoração disparou.Rafael então a beijou apaixonadamente e ela retribuiu esse beijo Comardor e desejo, agarrando-se fortemente a ele. Uma deliciosa sensação defelicidade a invadiu.

CAPÍTULO V

Eriça mexeu-se na cama e sentiu um peso sobre ela, que a mantinha deitada. O calor do corpo a seu lado fez com que despertasse. Estava agora praticamente acordada e então olhou para Rafael, deitado au seu lado.Ela se desvencilhou com delicadeza dos braços dele e foi para a extremidade da cama. Sua mente começou a girar em pânico quando olhoupara aquele homem moreno. O que tinha feito? O horror e a vergonhadevoravam suas entranhas.O homem que tinha apagado a sua inocência para sempre era um aventureiro,um caçador de dotes! Como foi que se permitira ser seduzida por ele? Seupai a teria perdoado por ter-se casado com esse homem se o casamento nãotivesse se completado, se eles não tivessem feito amor.. Mas agora...quando soubesse como ela tinha sido fraca, Vance Wakefield jamais aperdoaria.Levantou-se em silêncio e se vestiu depressa. Seus músculos estavamtensos e o estômago revirado. Segurando os sapatos e a bolsa na mão, saiu para o corredor na ponta dos pés, fechando a porta da cabine devagar. Parou na porta que dava para o convés, olhou furtivãmente em volta, commedo de encontrar algum membro da tripu lação. Nada. Caminhou rapidamentepara a prancha de desembarque e desceu em terra firme.Quando saiu do táxi que a levou até o hotel, já estava amanhecendo. A vidanoturna de Acapulco era muito intensa, de modo que ninguéin no hotelestranhou por ela estar voltando àquela hora.Uma vez em seu quarto, Eriça foi diretamente para o chuveiru Jogou a roupa no cesto e entrou no banho, como se desejasse que o jato d'águalavasse as lembranças que ainda persistiam nítidas em sua mente. Foiinútil. Elas estavam gravadas a fogo.52Ao voltar para o quarto, a porta de comunicação se abriu. Por um momento

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ela ficou paralisada de terror. Esperava que fosse Rafael. NO entanto eraLawrence. Usava um roupão vermelho. Passou os dedos nos cabelos querareavam.- Pensei ter ouvido alguém aqui - deu um bocejo. - O que está fazendoacordada a esta hora?Eriça estava entre Lawrence e a cama. Era possível que ele não tivessereparado que os lençóis estavam impecáveis e que achasse que ela haviachegado ao hotel muito mais cedo. Sentia-se envergonhada e humilhadademais para lhe contar o que tinha acontecido.- Estou me preparando para partir - respondeu Eriça, tensa.- Vance pediu à camareira que arrumasse a maior parte das suas coisas - um sorriso sonolento franziu os cantos da boca dele. Ele me deixou aqui para ajudá-la a embarcar. . . Por sinal, o avião só vai sair daqui a algumas horas.Alguma coisa dizia a Eriça que se ela não deixasse o hotel dentro de uma hora, Rafael viria buscá-la e toda essa história sórdida seria revelada.- Nós vamos partir agora - ela declarou. Lawrence franziu a testa.- Não existem voos a esta hora da manhã.- Então vamos fretar um avião como fez papai! - os olhos dela cintilaram com uma estranha mistura de dor e irritação. - Mas vamos partir agora!Ele balançou a cabeça, como se desistisse de tentar compreender Eriça. Não sabia o que motivava a inconstância dela.- Eu a encontrarei lá embaixo dentro de vinte minutos.Foi só depois que Lawrence saiu do quarto que Eriça reparou que aindaestava com o anel de Rafael no dedo. Colocou-o no fundo de uma das malase se vestiu. Quarenta e cinco minutos depois, o avião fretado já estavadecolando. Não havia nenhum sinal de Rafael.Eles não voltaram a San António, mas seguiram diretamente paraHouston, para onde Vance Wakefield tinha ido. Ele andava ocupadodemais com os negócios, para notar o comportamento agitado de Eriça.Os raros momentos que passavam juntos eram breves demais paraque ela se abrisse com o pai, mesmo que conseguisse reunir coragem.Eles só voltaram para San António três semanas depois.- Por isso eu nunca contei a papai - Eriça suspirou, ao terminar de contar sua história a Jules Blackwell, - Nunca contei a ninguén até hoje.- E você diz que o casamento foi consumado?- Sim - ela concordou, não tentando esconder o rubor de vergonha em seurosto.- Bem, bem - ele deu umas palmadinhas afetivas na mão dela- Não comece a se atormentar de novo. Acho que você já se castigou osuficiente.Eriça sorriu com tristeza.- Obrigada por não me dizer que fui uma tola em me meter numa encrencadessas.- O arrependimento não vai ajudá-la a sair dessa - ele se lê vantou da cadeira e foi para trás da mesa. - Você não viu mais esse sujeito desdeque saiu de Acapulco? - Não.Ela se lembrou daqueles primeiros meses em que ficou em dúvida se estavagrávida ou não. Havia sentido medo de que Rafael aparecesse parachantageá-la. Também temera pelo fato de ter-se entregado a ele tãofacilmente. Rafael poderia dizer que ela era promíscua. Mas ocomportamento de Eriça depois disso com os outros homens tinha sido tãocorreto que até recebera o apelido de "donzela de gelo" que Forest usavapara provocá-la.- Você sabe onde esse homem mora? Ele mora em Acapulco? perguntou Jules.- Eu não sei - Eriça balançou a cabeça.- Qual é o nome completo dele?Ela fitou o olhar bondoso e atento do tio. Não pôde evitar que uma risada histérica escapasse de sua garganta.- Não sei. San António sempre foi o meu lar, mas eu fui criada em

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internatos. Nunca aprendi nem o espanhol básico. No ano passado tivealgumas aulas particulares, para que pudesse conversar com freguesasda butique. Mas naquela época. . . - ela encolheu os ombros - emAcapulco, eu não entendia quase nada! Não é engraçado, tio Jules? Estoucasada e não sei nem o nome do meu marido!- E a sua certidão de casamento? - ele perguntou, não lhe dando tempo defalar mais sobre todas aquelas besteiras que fizera.54Deve estar com Rafael. Eu me lembro vagamente de ter assinado o meunome. Acho que ele a pôs no bolso.Trata-se de um documento legal, portanto deve estar arquivado.posso conseguir uma cópia dela - ele lhe assegurou, retirando o anel dolenço que Eriça lhe entregara. Olhou demoradamente para a águia de pratade duas cabeças estampada na chapa do anel. - Este anel de sinete poderiaser um brasão de família, mas acho improvável.Eriça olhou ansiosa para Jules. - Quanto acha que vou ter que pagar a Rafael pelo divórcio?- Depende do quanto ele pensa que você é rica, se já não descobriu que é filha de Vance Wakefield - o olhar que Jules lhe dirigiu foi de pena. - Eu sinto muito, Eriça, mas seu marido. . .- Não o chame assim! - ela exclamou.Ele sorriu com compreensão. No íntimo estava feliz por ver que Eriça se sentia arrependida e que não perdera o orgulho.- Muito bem, esse homem é obviamente um mercenário. Duvido que ele se contente com uma soma pequena.- Eu não tenho muito dinheiro, tio Jules, além da mesada que meu pai me dá - ela mordeu de leve o lábio inferior. - Papai fará todo tipo de perguntas se eu lhe pedir uma grande soma. Iria sondar até descobrir por que eu a quero. Agora nós estamos nos dando tão bem. . . - ela disse esta última frase com um suspiro sem esperança.- Eu sei.Um sorriso melancólico franziu-lhe os cantos da boca.- Se eu tivesse tido um caso com Rafael, papai talvez me perdoasse. Mas casar-me com ele! E ter mantido isso em segredo durante todo esse tempo! Eu simplesmente não posso deixar que saiba, não importa quanto dinheiro Rafael exija. Tenho que encontrar um meio de levantar essa soma sozinha.- Você está colocando a carroça adiante dos bois, meu bem - Julesrepreendeu-a com brandura. - Não se precipite, teremos bastante tempopara isso depois que o tivemos localizado - ele lhe estendeu a mão. - Vocêvai me levar para almoçar ou não? - disse Para distraí-la daspreocupações.Eriça riu com naturalidade e pegou a mão dele.- Claro!Depois do almoço pararam do lado de fora do restaurante, à margemdo rio. A expressão alegre de Jules agora tinha uma seriedadeprofissional.- Eu vou fazer algumas investigações discretas quando chegar aoescritório - prometeu. - Avisarei assim que souber de alguma coisa.- Seria melhor o senhor entrar em contato comigo na butique. Não queroque papai fique desconfiado - Eriça hesitou durante um segundo. - Quando encontrar Rafael, eu... eu não quero vê-lo.Jules deu uma piscadela, dando a entender que ele cuidaria disso.- Dê lembranças a Vance.- Darei, tio Jules, e obrigada.Ele dispensou os agradecimentos com um gesto de mão. Margeando o rio San António até a butique Eriça estava um pouco mais leve e tinha certeza deque Jules Blackwell encontraria Rafael e trataria do divórcio. Noentanto, sentia-se inquieta e nervosa, como se houvesse alguma coisa que não tinha levado em conta.A nuvem escura ainda estava pairando no horizonte quando ela se vestiu para o jantar. Escolheuum vestido amarelo vibrante, para ver se afastava essa impressão desagradável.

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Eriça procurou demonstrar satisfação pelamaneira calma como seu pai incluiu Forest na conversa, a caminho da casa dos Mendelsen. Vance Wakefield sabia ser bastante ofensivo quando não apreciava uma determinada pessoa. Mas a preocupação dele tornava a sua alegria forçada, embora ninguém parecesse notar.John Mendelsen saudou os três à porta de sua casa em estilo espanhol. Eraum homem de aparência distinta. Regulava em idade com o amigo VanceWakefield, sendo às vezes seu sócio nos negócios. Jogavam golfe juntos.Tinha cabelos loiros que há muito começaram a pratear, e uma tonalidade bronzeada de pele que contrastava com o azul dos olhos.- Onde está a sua esposa de olhos escuros? - Vance perguntourindo.- Luísa está no pátio com os outros convidados. Você é o último a chegar, como sempre, Vance. Mas há tempo de sobra para tomar uns aperitivos antes do jantar. Estou certo de que Luísa deixará umpouco de circular entre os nossos distintos convidados, para ficaralguns minutos com vocês.- Luísa é aristocrática demais para ficar circulando entre os nossos convidados - Vance corrigiu.56Eriça sorriu concordando. A esposa de lohn Mendelsen era miúda jnas imponente, membro de uma antiga e respeitável família americana-mexicana. Era orgulhosa e tinha uma classe incrível, fruto de anos e anos de tradição.- -Quem a sua esposa convidou desta vez? - Vance perguntou quando John começou a conduzi-los pelos corredores arejados. Será que eu deveria ter recordado o meu espanhol?- Nós estamos com o nosso grupo habitual... George e Mary Saunders, os Clifton, os Mateos e a filha, e Reina Cruz - o anfitrião encolheu os ombros. - Se Luísa parecer um pouco envaidecida, é porque ela conseguiu persuadir Torres a vir esta noite. Ele é chefe de uma antiga família mexicana, e também uma autoridade em história latino-americana. Está em San António para supervisionar uma nova exposição no Instituto Cultural Mexicano. Mas não tenha receio, ele fala um inglês perfeito.Eriça e Forest estavam caminhando um pouco atrás de Vance e de John Mendelsen. Vendo os dois homens mais velhos conversando animadamente, Forest inclinou-se na direção de Eriça.- Eu já lhe disse como você está estonteante? - murmurou baixinho, enquanto a olhava no rosto.Ela lhe lançou um olhar cintilante e coquete.- Não, ainda não me disse. Pode falar, então. A mão dele apertou a cintura dela.- Se nós estivéssemos sozinhos, eu faria mais do que simplesmente lhedizer.Eriça olhou para ele, notando o brilho ardente em seus olhos castanhos.- Você falou sobre nós com seu pai? - perguntou Forest.- Eu ainda não lhe disse "sim" - ela murmurou, com uma alegria forçada.Sabia que não podia lhe dar uma resposta até que seu divórcio com Rafaelestivesse consumado.- Mas você vai dizer "sim". Se não tivesse certeza disso, eu... elestinham chegado ao pátio e Forest não pôde terminar a frase.Eriça compreendia a ansiedade que ele sentia. Num grau menor,também passara pela mesma coisa. Desde aquela noite com Rafael, sabiaque não era permissiva e nem promíscua. O descuido dela Daquela noiteacontecera por força das circunstâncias. A primeira pessoa a notar achegada deles no pátio foi Reina Cruz,37uma viúva atraente e alegre de trinta e tantos anos, que se aproximou,para cumprimentá-los. Deu um largo sorriso, e Eriça achou que se deteveum pouco mais em Vance. No passado, se alguma mulher procurasse atrair aatenção dele, Eriça passaria a odiá-la no mesmo instante. Mas agorasentia-se madura com relação ao pai. Ela gostava de Reina e a admirava, eaté lhe desejaria boa sorte caso a mulher resolvesse se interessar por

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Vance.- Eu ouvi falar muito em você, Forest - disse Reina sorrindo, depois queEriça os apresentou. - Prazer em conhecê-lo. Eriça tem muita sorte.- Espero fazer com que ela tenha ainda mais sorte no futuro- respondeu Forest, lançando um olhar possessivo a Eriça.- Então vocês chegaram, Vance - a anfitriã se aproximou do grupo.- Você sabe que eu jamais perderia um dos seus jantares, Luísa- declarou Vance, com sua habitual diplomacia.- Eriça, você está encantadora - a mulher de cabelos ainda escurosbeijou-lhe a face de maneira afetuosa. Então se virou para Forest. - Eestou feliz por você ter vindo, Forest.- Foi muita gentileza sua me convidar - ele respondeu. Os olhos escuros de Luísa brilharam na direção de Eriça.- Essa nos pareceu ser a melhor maneira de garantir que Eriça também viesse.Eriça sentiu o olhar do pai sobre ela, mas não disse nada. Apenas sorriu. Luísa Mendelsen enganchou o braço no de Vance.- Venham, todos vocês. Quero que conheçam o meu convidado de honra,Luísa era bastante atuante em projetos e organizações culturais que tratassem da herança hispano-americana do Texas, e em especial de San António. Os jantares dela geralmente incluíam alguma personalidade latino-americana no campo cultural, político ou artístico. Eriça ficou curiosa para conhecer o famoso historiador mexicano.Entre os rostos familiares dos outros convidados estava o do visitante estrangeiro - alto, moreno, cabelos e olhos bem negros. Os joelhos de Eriça bambearam. Sua visão ficou momentaneamenuobscurecida e ela pensouque fosse desmaiar. Apoiou-se em Forest ate que se sentiu reanimar. Osangue recomeçou a circular normalmente.Estava dominada por uma estranha sensação. Ela não podia fazer58nada- Não podia fugir correndo dali. Deixou então que Forest a guiasseaté Rafael. Que Deus a ajudasse. Ouviu Luísa chamá-lo. O rosto moreno earrogante virou-se para responder. Um olhar distante examinou o grupo. Eriça não podia ter certeza, mas lhe pareceu que o olhar dele se estreitara por uma fração de segundo ao fitá-la, antes de retornar a Luísa. Um sorriso educado curvou a linha firme da boca dele.- Quero lhes apresentar don Rafael Alejandro de La Torres disse Luísa.Eriça enterrou as unhas na palma da mão. Olhou com ansiedade para o pai enquanto ele era apresentado a Rafael. Não havia nenhum sinal de reconhecimento no rosto dele. Ela esperava que a qualquer instante Rafael dissesse a Vance que era genro dele, mas isso não aconteceu.- Esta é a filha de Vance, Eriça Wakefield.Rafael olhou para ela com uma sobrancelha levantada.- Não é casada, srta. Wakefield? - perguntou secamente ao estender a mão.A mão de Eriça tremeu quando tocou na dele, lembrando-se de que aqueles dedos longos haviam acariciado seu corpo com tanta intimidade. Lembrou-se também da sensualidade dele. O mesmo calor daquela noite parecia agora abrasar cada centímetro de seu corpo.- Não, não sou casada - ela negou, o queixo trémulo erguido com orgulho.Ele então soltou-lhe a mão e se voltou para Forest, enquanto Luísa o apresentava como um amigo de Eriça. Rafael não teve nenhuma reação. Um criado se aproximou com uma bandeja de bebidas. Logo outros convidados se aproximaram para cumprimentá-los, e Eriça aproveitou-se da confusão para escapar daquela rodinha.Teria Rafael vindo procurá-la? Seria a mostra no Instituto Cultural Mexicano apenas um pretexto? Seria ele um impostor? Em Acapulco, ele admitira ser um caçador de dotes. A própria Eriça o tinha visto em companhia de uma mulher muito mais velha. Será que pretendia chantageá-la? Não havia dúvidas de que agora Rafael sabia quem era o pai dela.Eriça tinha que descobrir onde ele estava hospedado, para informar ao tioJules. Entretanto, receava perguntar pessoalmente. Se perguntasse59a alguém, despertaria suspeitas. O que Forest pensaria? A cabeçadela rodava com tantas perguntas.

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O jantar foi servido. Vance sentou-se em frente a Rafael, que por suavez estava à direita da anfitriã. Eriça passou a refeição inteirabrincando com a comida, evitando olhar para ele. O jantar finalmenteterminou e Luísa sugeriu que fossem para a sala de estar.Forest vinha caminhando na direção de Eriça, quando foi interceptado por George Saunders. Rafael estava conversando com o pai dela a poucos metros de distância. Eriça olhou em volta à procura de um refúgio. com um sorriso de alívio, avistou Julie Mateo, uma garota quase da idade dela, que entrava na sala de estar.- O que tem feito ultimamente, Julie? - perguntou Eriça com animação a fim de atrair a moça para o seu lado.- Pouca coisa, para falar a verdade. Estou apenas ajudando no hospital, meio período - ela era uma moça quieta e modesta, de cabelos castanhos e feições agradáveis. Eriça viera a conhecê-la há pou cos meses. - Gosto do seu vestido. É de sua butique?- É, sim - admitiu Eriça com um sorriso ao mesmo tempo tímido eorgulhoso.- É uma ótima maneira de fazer propaganda da sua butique disse fuliesorrindo.- Possui uma butique, srta. Wakefield? - Havia um brilho nos olhos deRafael quando Eriça virou a cabeça.- Sim, tenho uma butique em sociedade com meu pai - apesa de todos osesforços dela para se manter calma, não conseguia se dominar totalmente.Vance Wakefield sorriu-lhe de maneira indulgente.- Tenho que admitir que minha filha tem jeito para negócios. Ela escolheuum local à margem do rio e vai muito bem. Logicamente eu dei algunspequenos conselhos, mas na verdade ela tem dirigido o negócio sozinha.- O nome da sua butique é "Érica's"? - perguntou Rafael.- Sim - respondeu ela, na defensiva. - Não é muito original, tenho queadmitir.- Mas que coincidência! - um canto da boca dele se repuxou num sorriso zombeteiro. - Eu estive lá hoje, perto do meio-dia, para comprar um presente para minha irmã. Tenho certeza de que teria me lembrado se a tivesse visto lá, srta. Wakefield.60- Eu devo ter saído para almoçar àquela hora - a expressão se congelouquando Eriça se deu conta da ironia da situação. Na hora exata em que elaestivera discutindo sobre o casamento deles com Jules Blackwell, Rafael havia estado na butique. - Espero que Donna tenha conseguido encontrar um presente adequado para sua irmã.- Encontrou, sim - assim que acabou de responder, Rafael virou-se para Vance, com uma vaga expressão de tédio no rosto.- O que acha de San António, don Rafael? - o pai de Eriça perguntou. -Jáesteve aqui antes?- Há muito tempo. San António é como uma viúva idosa e nobre: orgulhosade sua herança e cultura, mas ao mesmo tempo avançada no modo de ver as coisas. Porém ela nunca perdeu a graça e o charme europeu, que herdou. Para mim é uma das quatro cidades mais bonitas dos Estados Unidos.Eriça ficou olhando-o em silêncio. Estava espantada pela maneira como eletraduzira o que sentia. Tinha se esquecido de como Rafael podia ser encantador. Como o odiou naquele momento! Precisou de toda a força devontade de que dispunha para não contar a todos como ele era desprezível.Tinha se casado com ela por dinheiro e estava Já para recebê-lo.O pequeno grupo onde Eriça estava começou a rodeá-lo. Ela simulou interesse por uma estátua asteca. Forest estava do outro lado da sala, conversando com Matt Clifton e Ed Mateo. Eriça ficou contente por Forest ter se entrosado com os convidados, mas queria se afastar daquela casa e de Rafael. Queria sentir o conforto dos braços do namorado, mas sabia que a festa ainda se arrastaria por uma hora ou mais.- Essa estátua é um exemplo excelente da arte primitiva asteca- Eriça ficou tensa e se virou abruptamente para Rafael. Os olhos negrosdele pareciam zombar da impotência dela. - Infelizmente vai ter que ser

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assim mesmo - ele murmurou com um ar de mistério.Ela olhou para ele com arrogância.- Não sei a que se refere.- Creio que você gostaria de conversar comigo em particular. Mas acho que terá que ser aqui mesmo, a não ser que queira ouvir Comentários se sair da sala em minha companhia - ele zombou.- O que está fazendo aqui? - murmurou Eriça, olhando de frente para aestátua. Desejava poder atirá-la nele.61- Os seus anfitriões não lhe explicaram? Estou aqui para uma exposiçãosobre o México.- Não me venha com gracinhas! - disse ela, virando-se para encará-lo. -Sabe muito bem do que estou falando!A fúria de Eriça pareceu diverti-lo ainda mais.- Deseja mesmo discutir aqui, mi esposa? - Eriça reteve a respiraçãoquando Rafael começou a estudar a parte superior de seu corpo com umalentidão enervante. - Você é legalmente minha esposa, Eriça de La Torres.Corou, furiosa. Ele não precisava lembrá-la. Os olhos dela expressavamraiva e ressentimento.- Não, não vamos discutir esse assunto aqui - concordou de má vontade.Ele acenou com a cabeça com superioridade, indicando que já sabia muito bem que não poderia ser de outro jeito.- Eu estou hospedado no Palácio dei Rio - disse, e lhe deu o número do quarto. - Posso esperá-la amanhã por volta do meio-dia?- Sim - ela respondeu com aspereza.- Então, vou esperar com ansiedade pelo prazer da sua companhia - dissecom um sorriso irónico.A única satisfação de Eriça era saber que seria Jules Blakwell, e nãoela, que Rafael encontraria no dia seguinte. Pelo menos seria poupada deoutro encontro perturbador com ele.Como ela havia previsto, todos os convidados continuaram lá por mais de uma hora. Rafael estava em pé ao lado de Luísa e de John Mendelsen quando os outros se despediram. Forest a segurava pela cintura. Havia uma sensação de proteção no abraço dele. Esperava que Vance terminasse de falar com o anfitrião.- Eu realmente não esperava que fosse me divertir esta noite Forestmurmurou no ouvido dela. - Os amigos de seu pai não são nem um poucochatos, como eu desconfiava que fossem.Eriça inclinou a cabeça para olhar para o rosto simpático de Forest.- Eu preferiria ter ido a qualquer outro lugar - disse ela con voz firme.- Mas você está linda! - os olhos castanhos dele se acenderam quando osseus lábios tocaram possessivamente nos dela, indiferente aos olharesindiscretos.62Eriça continuou fitando aqueles olhos ardentes por mais alguns segundos,A carícia terna de Forest tocava-a profundamente. Virou-se e viu que seupai estava pronto para sair. De repente, encontrou o olhar de Rafael, quetinha uma expressão de arrogância e desaprovação. O coração dela deu umpulo. Havia uma expressão implacável naquele rosto moreno. Ele então sevirou para o outro lado e Eriça se sentiu livre, mas ficou imaginandoquanto tempo ainda levaria para se libertar realmente.

CAPITULO VI

Eriça sentia-se extremamente tensa quando entrou no hotel onde Rafaelestava hospedado. Tinha telefonado para fules assim que chegara nabutique aquela manhã. A recepcionista havia lhe informado que ele nãoestava na cidade e que só voltaria depois de terça ou quarta-feira dasemana seguinte.

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Não havia sinal de Rafael no restaurante e nem no bar. O relógio delamarcava meio-dia. com o coração batendo descompassado, Eriça foi até otelefone e, com mão trémula, discou o número da suíte dele.- Sim? - a voz grave de Rafael fluiu com suavidade.- A-aqui é Eriça - gaguejou. - Devo encontrá-lo no salão? Ela escutou umarisadinha do outro lado da linha.- Você deu a entender que queria ter uma conversa em particular, masescolhe um lugar público para conversar. Não deseja conversar comigo ondeninguém possa nos ouvir?- Sim. . .- Então venha até a minha suíte - ordenou Rafael. Desligou em seguida.Eriça continuou segurando o fone no ouvido durante um longo tempo, a garganta asfixiada pelas palavras de recusa que não tivera oportunidade de dizer. Revoltou-se intimamente contra o fato de Rafael ter sempre ocontrole da situação.Recolocando o fone no gancho, encaminhou-se meio embaraçada para oselevadores, olhando furtivamente em volta, com medo de que alguém a reconhecesse. Uma coisa era fingir que tinha encontrado Rafael por acasono vestíbulo cheio de gente, outra era ser vista entrando ou saindo do quarto dele.Mas desta vez a sorte estava do lado dela, pois o elevador que64parou estava vazio. Também não havia ninguém no andar de Rafael e Eriçacaminhou a passos largos para a suíte, torcendo para que ele não afizesse esperar muito no corredor antes de abrir a porta.Ele abriu a porta logo e Eriça entrou rapidamente. Respirou aliviadaquando a porta se fechou atrás dela. Virou-se para encará-lo. Rafaelindicou gentilmente um pequeno sofá e Eriça caminhou na quela direção,tentando acalmar seus pensamentos e emoções. Estava muito confusa.- Xerez? - Rafael ofereceu-lhe um cálice.Ela aceitou. Queria ter alguma coisa para manter as mãos trémulasocupadas. A última coisa que desejava era que a bebida lhe perturbasse oraciocínio. Nesse momento precisava ter todas as suas faculdades alertas.Puxando o vinco da calça, Rafael sentou-se numa poltrona perto do sofá. As maneiras dele pareceram a Eriça as de um senhor feudal que ia ouvir os problemas de um de seus vassalos. Os lábios dela se comprimiram com indignação.- Você desejava conversar sobre o nosso casamento - Rafael incentivou-a a falar com uma calma irritante.- Quero conversar sobre o nosso divórcio - ela o corrigiu.- Por que esperou um ano e meio para dizer que deseja que o nosso casamento termine? - o tom de voz dele era desinteressado, mas seus olhos impenetráveis pareciam ter ficado mais sombrios.Eriça olhou para o copo.- Eu não sabia como encontrá-lo e nem onde morava.- Mas também não fez nenhum esforço para descobrir.- Não - ela se recusava a ser questionada. Replicou com sarcasmo: - Na verdade eu me senti feliz por ter escapado de um caçador de dotes como você!- Ah! - um sorriso zombeteiro e complacente brincou nos lábios de Rafael. - Mas você descobriu ontem quê a minha profissão não era aquela queimaginava.- Se você for mesmo quem diz ser - Eriça respondeu com frieza, dando deombros. - De qualquer forma, isso não vem ao caso. Eu quero o divórcio.- Ontem à noite ouvi dizer que você e esse tal de Forest estãoaPaixonados - disse ele, com sarcasmo. - Ele deve ser a razão da suasúbita decisão.65Ela ergueu o queixo em desafio.- Nós nos amamos. Agora, quer me conceder o divórcio? Rafael ergueu ataça de xerez diante da luz.- Eu sou Rafael Alejandro de La Torres. Acho que o nome não significa

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nada para você, mas no meu país é sinónimo de orgulho honra e influência.Sou o filho mais velho da família, e portanto o chefe. As nossastradições e crenças religiosas não permitem o divórcio. .. em hipótesealguma.Eriça sentiu o sangue gelar, enquanto arrepios de terror se espalhavampelo seu corpo. Olhou para Rafael estupefata, recusando-se a acreditar noque tinha ouvido. Em todo caso, era preciso que ele entendesse a posiçãodela.- Acho que você não compreende - a voz dela era fraca. -Eu não te amo. Eu amo Forest!Ele inclinou a cabeça com arrogância.- Está pedindo a minha permissão para tê-lo como amante?- Não! - o protesto dela demonstrava choque e indignação.- É bom mesmo, porque eu não permitiria que você desonrasseo nome da minha família.- Você não permitiria! - Eriça sentia-se ultrajada. - Ninguém me dáordens! Eu faço o que bem entendo!- Você é Eriça de La Torres e faz o que eu quero.Eriça estava possessa, quase perdendo o controle. Levantou-se com as pernas trémulas, os punhos cerrados. Fitou-o com os olhos duros, fazendo força para se conter.- Eu não sou uma mexicana submissa. E não vou ficar à disposição de umhomem que é um tirano!A cólera se espalhou pelas feições dele. Então levantou-se da cadeira e ficou em pé diante dela.- Algum dia lhe dei motivos para acreditar que a trataria mal?- Não - Eriça hesitou um momento sob aquele olhar ameaçador. - Mas você jamais me amedrontaria a ponto de me fazer de capacho, mesmo que tentasse. Não permitirei que tente me dominar!A expressão de Rafael tornou-se irónica.- Quando uma pessoa é tirânica, querida, ela usa da força física para que a sua vontade seja cumprida. A autoridade, ao contrário, exige inteligência e conhecimento. Seria sensato que percebesse isso daqui para a frente.66- Não tente me enrolar com as suas belas palavras - Eriça protestou,voltando-lhe as costas. A raiva pareceu evaporar-se. Agora ela sentia queperdia a esperança. Como último recurso para persuadi-lo a mudar de ideia, deu a última cartada. - Eu lhe pagarei o que você pedir.- O dinheiro não pode comprar um filho. Um filho legítimo do meu próprio sangue.- Um filho? - perguntou Eriça, ofegante, virando-se bruscamente paraestudar o rosto distante e arrogante de Rafael.- A ideia de ter um filho meu a ofende? - ele jogou a cabeça com orgulhopara trás. Observava com atenção a reação dela.Um filho, ela pensou, uma versão em miniatura do homem que tinha diante de si. A mente de Eriça girou com esse pensamento, que não era desagradável. Sacudiu a cabeça para se livrar dessa ideia.- Eu acho ofensivo ser sua esposa.Rafael tocou em seu ombro. Eriça sentiu um arrepio lhe descendo pelo pescoço. Então deu meia-volta e afastou a mão dele.- Você nem sempre achou o meu contato repulsivo - Rafael murmurou, os olhos dele demonstrando apreensão.- Naquela época eu era muito jovem e inexperiente.- Você é minha esposa.- Conceda-me o divórcio! - Eriça exigiu com vigor. .- Eu já expliquei que isso é impossível.- Se não me conceder o divórcio por bem, vou mover uma ação litigiosa -ela ameaçou. - Eu não vou continuar casada com um homem que não amo!Rafael estava com as mandíbulas fortemente cerradas.- Você devia ter pensado nisso antes de se casar comigo!- Eu pensei - ela tentava disfarçar o medo que quase a paralisava, sendoarrogante. - Eu não pretendia que o casamento durasse mais do que uma

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hora. Só me casei com você para agredir meu pai. Ele sempre se dedicoumais aos negócios do que a mim. Teria anulado o nosso casamento naquela mesma noite.- Mas o tiro saiu pela culatra, não foi? - Rafael sorriu. Eriça deu as costas para ele.- Sim. ele tinha voltado para os Estados Unidos... a negócios- admitiu com amargura.67- Por que não me contou tudo naquela noite? - ele perguntou, com umacalma que a irritou.- Eu estava com medo de você. Achei que se voltasse ao hotel, estaria emsegurança. Só que você não me levou de volta ao hotel.Rafael estudou-a, pensativo.- Foi a covardia que a fez se entregar a mim?Eriça engoliu com nervosismo. A lembrança das carícias ardentes de Rafaelfez com que o rosto dela corasse.- Sim, eu fui covarde. Foi por isso que fugi na primeira oportunidade -ela precisou de toda a sua força para encará-lo. Tinha medo de fraquejar.- Como pode continuar casado comigo, sabendo o que fiz? Ainda maissabendo que eu amo outra pessoa?- O que eu quero e o que eu preciso aceitar são duas coisas completamentediferentes, Eriça - Rafael estava sério.- Eu não vou aceitar isso! - ela gritou, furiosa. - vou fazer com que omeu advogado mova a ação de divórcio imediatamente.- Eu vou enfrentá-la, Eriça - disse ele com frieza. - Os jornais venderãomuitos exemplares com os nomes Wakefield e Torrem estampados na primeirapágina. E você não quer esse tipo de publi cidade, não é? Garanto quequer discrição, principalmente para que seu pai nunca venha a descobrir oque você fez. Seria interessamte ver a reação do seu namorado, ao vê-laenvolvida num escândalo.- Você não faria isso, faria? - perguntou Eriça. Os olhos dela searregalaram. Estudavam o rosto implacável de Rafael à procun de algumsinal de compaixão.- Faria.Ela levou os dedos trémulos ao rosto pálido e recuou dois passos.Acreditava mesmo que ele seria capaz de fazer o que prometera.- Eu não posso simplesmente anunciar que estou casada con você -murmurou.- Eu ficarei em San António durante várias semanas com a ex posição. Nósfaremos de conta que estamos namorando. Muitas pessoas já se apaixonaramem menos tempo. Poderemos fazer outra cerimônia, para que seu pai possapresenciar, e você pode voltar comigo para o México.- Mas eu não te amo - Eriça repetiu. - Eu amo Forest.- Você se esquecerá dele com o tempo. Eu também não gostu68desse tipo de casamento, mas temos que encarar a realidade. Talvez um diaconsigamos até sentir alguma satisfação com isso.- Não - ela protestou. Rafael estava lhe pedindo para assinar a suaprópria sentença de morte. Era uma chantagem, não por dinheiro, mas pelavida dela, pela sua felicidade.- Não existe alternativa, Eriça. Se fizer a tolice de querer lutarcomigo, eu irei até seu pai e lhe falarei sobre o nosso casamento. Nãocreio que ele compreenda os seus motivos para ter-se casado comigo e nem que compreenda as suas acões na nossa noite de núpcias. Acho também que um divórcio não seria do agrado dele.Eriça conhecia o pai bem demais para discordar de Rafael. Mas devia haveroutra saída. Ela cruzou os braços, como se quisesse espantar oinevitável.- Estou vendo que a sua cabeça está rodando - Rafael escarneceu. - Não estou pedindo que concorde comigo hoje. Dou-lhe uma semana para pensar em tudo que eu lhe disse. Verá que estou apresentando a única solução razoável.

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- Devo ter vendido minha alma ao diabo quando me casei com você! - murmurou Eriça com voz rouca. - Ou então me casei com o próprio diabo!- Talvez seja um casamento feito no inferno - ele sorriu com sarcasmo. - Mas, mesmo assim, é legal. Isso é algo de que você precisa sempre se lembrar.As palavras de Rafael ainda estavam ecoando na mente de Eriça quando ela voltou à butique. Ao abrir a porta da loja percebeu que não conseguiriapassar a tarde toda fingindo que não havia nada de errado. A dor decabeça era terrível. Disse a Donna que não estava se sentindo bem. A assistente foi logo concordando com ela.- Vá para casa, Eriça. Eu notei que você não estava muito bem esta manhã. Agora está quase sem cor. Eu cuidarei de tudo.Durante o resto da tarde e durante todo o domingo, Eriça se fechou no quarto. Disse a Forest que estava doente, por isso não poderia se encontrar com ele. Cada hora que passava lhe deixava a certeza de que só havia duas escolhas, como Rafael já lhe dissera. E ela se revoltava contra as duas.Ela socava o travesseiro de raiva, ou então chorava de frustração. Andava de lá para cá dentro do quarto como um animal assustado e desorientado najaula. Só tinha duas opções, e todas as duas péssimas.69Será que o amor e o respeito para com seu pai eram mais importantes doque seu próprio futuro? Um divórcio poderia até mesmo causar a perda doamor de Forest. O futuro dela estava em jogo. A carreira dele só agora oestava levando à fama e ao sucesso. A publicidade e o sensacionalismo emtorno de um divórcio como esse poderia destruir a carreira de Forest,caso ele continuasse envolvido com ela. Durante quanto tempo Forest aamaria, vendo todas as suas ambições destruídas?Eriça, porém, não conseguia se imaginar esposa de Rafael. De fato, eleera um homem muito bonito, além de chefe de uma família muitorespeitável, mas ela sonhara com um marido que a tratasse com carinho eque a amasse. Um homem que lhe desse toda a afeição que o pai nuncaconseguira demonstrar. Estaria condenada a passar o resto da vida semnunca se sentir amada? Rafael não a amava, só queria uma esposa. E nãofaria nenhuma diferença se ele a amasse já que ela amava outra pessoa.Na manhã de segunda-feira Eriça ainda não chegara a uma solução. Mas não podia continuar se escondendo no quarto. Além disso, Rafael tinha-lhe dado uma semana para decidir. Talvez um milagre acontecesse. Quem sabe tio Jules lhe apresentasse uma sugestão quando voltasse. Esse pensamentoa encorajou um pouco, e Eriça conseguiu se dedicar ao trabalho nabutique.Forest tinha que comparecer a uma reunião na noite de segundafeira, por isso ela não o viu antes de terça, ao meio-dia. Ele a levou para almoçar num dos cafés à margem do rio. Sentaram-se à sombra de um guarda-sol, e ele tinha um brilho terno e possessivo nos olhos.Eriça brincava com a salada que tinha pedido.- Você é muito ambicioso, Forest? - perguntou com despreocupação.- Claro que sou - e olhou-a com curiosidade. - Existe algum motivo para essa pergunta, não é?Ela deu de ombros. Mas Forest quis continuar.- Querida, está com medo de que eu queira me casar com você porque acho que seu pai pode favorecer a minha carreira?- Não - Eriça se apressou em lhe assegurar, olhando para aquele rosto atraente. - Sei como se orgulha de ter chegado ao sucesso graças à sua própria capacidade.- Então, qual o motivo da pergunta?70- Eu. . . só estava imaginando o quanto o seu trabalho é importante paravocê - disse ela, esquivando-se.- O trabalho de um homem é a vida dele - ainda havia um brilho decuriosidade naqueles olhos castanhos. - Sei como você sofreu por causadas ausências de seu pai durante a construção do império dele. Você nãovai me pedir para desistir da minha carreira, vai?

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- Você o faria se eu lhe pedisse? - Eriça tentou fazer isso parecerbrincadeira, como se a resposta dele não importasse.- Não - afirmou Forest com firmeza. - Eu te amo muito, mas você terá quese casar comigo do jeito que sou.- Oh, querido, eu te amo do jeito que você é - murmurou, lamentando ter feito com que ele duvidasse disso.A cova no queixo de Foresl se aprofundou quando ele sorriu.- Então é melhor você se apressar em dizer "sim", para que eu possa pôraquele anel no seu dedo.Eriça ia dizer alguma coisa, mas as palavras morreram em seus lábios. Osangue fugiu de suas faces quando Rafael se aproximou da mesa emcompanhia de outro homem.- Mas que surpresa agradável ver vocês de novo! - ele os cumprimentou.- Don Rafael - respondeu Forest, levantando-se.Os olhos de Rafael adquiriram um brilho de zombaria quando viu Eriçaesconder as mãos trémulas embaixo da mesa.- Quero lhes apresentar o senor Esteban Ri vera, um notável arqueólogo domeu país - disse, apresentando o homem que estava ao lado dele.Apresentou Eriça e Forest ao senor Ri vera em espanhol.- Buenos dias, senorita. . . senor - o homem acenou graciosamente com acabeça para os dois.- Muito prazer, senor Rivera - disse Forest sorrindo.Eriça agora já estava acostumada a conversar com clientes mexicanos nabutique, portanto respondeu com facilidade em espanhol. Acrescentou quedesejava que ele estivesse apreciando as belezas de San António. Sentiu oolhar penetrante de Rafael.Num espanhol rápido, ele perguntou:- Há quanto tempo fala com fluência a minha língua?Eriça olhou de maneira hesitante para Forest, cujos conhecimentos71de espanhol eram muito limitados. Forest estava bastante curioso quantoao que fora dito e um pouco desconfiado do tom de voz do Rafael.- Eu só aprendi o espanhol há pouco tempo - ela respondeu a Rafael eminglês, num tom tenso e desafiador. - Preciso para u meu trabalho.- Naturalmente - Rafael assentiu.- Gostaria de tomar um café conosco? - Forest ofereceu.- Eu sinto muito, mas o sefior Rivera e eu temos outro compromisso. Quemsabe em outra ocasião.- Por que você acha que ele veio nos cumprimentar? - perguntou Forest,pensativo, depois que os dois homens desapareceram.Eriça se mexeu, pouco à vontade.- Acho que ele estava só sendo educado.- Talvez - mas Forest não estava convencido disso, e nem Eriça.Para surpresa dela, Jules Blackwell telefonou para a butique na manhãseguinte.- Eu fiz algumas descobertas, Eriça. Algumas delas podem surpreendê-la -disse, continuando antes que ela tivesse a oportunidade de lhe falarsobre a presença de Rafael em San António. - Seu marido não é um caçadorde dotes. Minha cara jovem, você se casou com um homem de uma famíliamexicana muito antiga, com propriedades nas Américas Central e do Sul.- Eu sei. Tio Jules, ele está aqui... em San António. Houve um momento desilêncio.- Você falou com ele?Eriça respirou fundo e começou a contar a Jules o que tinha acontecidodurante a ausência dele. Quando concluiu, foi ele quem suspirou.- O caso muda totalmente de figura, não? - Eriça imaginou a expressão deconcentração dele. - Acho que eu poderia ir vê-lo nu hotel em que estáhospedado. A esta altura, isso não pode fazer nenhum mal.- O senhor faria isso tio Jules? - ela perguntou com a voz embargada de

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emoção.72- Não podemos desistir, podemos? Eu lhe telefonarei assim que voltar do hotel.Então desligou.- Você está muito quieta esta noite, Eriça - Forest comentou, tocando com os dedos nos lábios melancólicos dela. - Alguma coisa a está preocupando?- Eu estava pensando - Eriça respirou fundo e olhou em volta do salão.- Espero que seja qualquer coisa relacionada comigo - disse ele sorrindo. O braço de Forest apertou com afeto os ombros dela.- Para ser sincera, estava pensando na butique - disse rindo. Na verdade estava pensando na conversa com Jules Blackwell. Ele lhe telefonara na tarde do dia seguinte, depois de ter conhecido Rafael. Não tinha conseguido convencer Rafael a mudar de ideia. Quando Eriça lhe pedira um conselho, Jules hesitara. Havia dito que agora era ela quem teria que decidir.- Está tendo problemas na butique? - perguntou Forest.- Nada importante - Eriça deu de ombros.- Então vamos falar sobre nós agora. Você já se decidiu?- A-ainda não - ela engoliu em seco, sabendo que não havia nenhuma maneira de lhe dizer que talvez nunca houvesse um "nós".Ele suspirou com impaciência, lançando-lhe um olhar de irritação.- Eu sinto muito, Forest - Eriça se desculpou. - Não tenho uma resposta para lhe dar e não é justo que eu o iluda. Estou tentando ser sincera com você. Tão sincera quanto posso ser.- Obrigado - Forest ficou contemplando a bebida durante um momento incómodo. De repente exclamou:- Ora, ora, veja só! Olhe. quem acabou de entrar! Será que é outra coincidência?Eriça olhou na direção da entrada e desviou imediatamente o rosto ao reconhecer o homem alto e moreno que tinha acabado de ingressar no salão.O coração dela começou a bater com violência. Estava muito nervosa. Segurou o copo, desejando se tornar uma formiga para que Rafael não a visse.- Ele está vindo para cá?- Está com outras pessoas - respondeu Forest, sem disfarçar a75curiosidade. - Vão se sentar a uma mesa do outro lado. Acho que nem nos viu. Creio que eu estava enganado.Uma risada nervosa de alívio brotou da garganta dela.- O que o fez pensar que don Rafael estava nos seguindo? - perguntou,Não sei - ele encolheu os ombros, olhando para Eriça, e depois voltou aolhar para a mesa onde Rafael estava sentado. - Eu tive uma vagaimpressão, no jantar de outra noite, de que ele estava interessado emvocê. Parecia saber sempre onde e com quem você estava.O rosto dela corou.- Você deve estar enganado. Eu não notei que ele estivesse prestando atenção especial em mim - Eriça protestou com uma falsa despreocupação.- Foi só uma impressão. Eu não afirmei nada. Diga-me, você já reparou nele?- Oh, Forest! - Eriça inclinou a cabeça para o lado, fingindo achar graça, embora se sentisse um pouco aflita. - Don Rafael é um homem imponente. Uma mulher teria que ser cega para não reparar nele.- Sabe que eu nunca senti ciúmes antes? - disse Forest, dando uma risadinha. - Dance comigo, Eriça. Estou sentindo uma necessidade terrível de segurá-la nos meus braços.Ela gostava de estar nos braços dele. Era uma sensação ao mesmo tempo doce e tormentosa. Queria saborear esses momentos em que estavam juntos, pois sentia que seriam os últimos. Talvez nunca provasse de novo essa sensação de segurança e bem-estar. A música pareceu terminar depressa demais, obrigando-a a abrir os olhos e se afastar do peito largo de Forest.O olhar de Eriça focalizou Rafael, que estava a uma mesa perto da pista de dança. Havia um brilho sarcástico nos olhos dele quando fitou Forest. Era impossível Eriça não tomar conhecimento da presença dele, a menos que fosse grosseira. Tentou dizer algumas palavras educadas através dos lábios trémulos, mas Forest já estava se encarregando disso.- Então nos encontramos de novo, don Rafael - ele cumprimentou-o educadamente.Rafael se levantou e estendeu a mão para apertar a de Forest.

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74Apresentou rapidamente os dois casais que o acompanhavam e insistiu paraque Forest e Eriça aceitassem um drinque.Ela ficou irritada com a maneira como Rafael manobrava os acontecimentos. Queria que essa noite com Forest fosse especial. Desejava ter tido a coragem de persuadi-lo a sair logo que Rafael chegara à boate, mas não quisera despertar a curiosidade do namorado. Agora estava sentada entre os dois, sentindo-se tensa e desconfortável. Sabia que Rafael havia feito tudo de propósito.A pele dela ficou quente quando Forest pousou o braço no encosto de sua cadeira, como se estivesse defendendo seus direitos de propriedade. Sentia ressentimento por não poder corresponder ao contato de Forest como queria. A presença de Rafael era um aviso de que ela não era livre. Rafael parecia sentir o que sua presença provocava nela. Olhou-a então com um brilho divertido nos olhos.A conversa vinha seguindo uma conotação impessoal, até que Forest falou de repente:- Não creio que o senhor tenha mencionado se é casado ou não, don Rafael.O sangue fugiu do rosto de Eriça. Um canto da boca de Rafael se levantou num sorriso amarelo quando ele a fitou.- A mulher que escolhi ainda não consentiu em ser minha esposa - eleafirmou de forma ambígua. E continuou: - Mas não tenho dúvidas de que elalogo tomará uma decisão.Forest olhou para Eriça, com um brilho de suspeita e ciúmes nos olhos. As mãos dela estavam entrelaçadas com força sobre o colo.- É possível, don Rafael - ela murmurou com a voz controlada, -, que ela precise de um pouco mais de tempo - então olhou de propósito para Forest. - O casamento exige um compromisso pelo resto da vida. £ um passo muito sério.- Eu concordo, srta. Wakefield - disse Rafael num tom de voz suave. -Uma decisão precipitada pode ter resultados desastrosos. O arrependimentonão seria agradável para nenhum dos dois, uma vez que se espera que o casamento seja para toda a vida.Um outro membro do grupo falou alguma coisa e o assunto felízfnente mudou. Mas Eriça ficou preocupada com o que viria a seguir. E não demorou muito. Dirigindo-se a Forest, Rafael pediu:- Tenho a sua permissão para dançar esta música com a srta. Wakefield?75Se recusasse, Forest iria parecer grosseiro. Ele assentiu e Eriça teve que aceitar a mão de Rafael, que a conduziu para a pista de dança.Quando ele a puxou para os seus braços, Eriça se deu conta da poderosa atracão física que Rafael despertava nela. Seus nervos vibravam com aquela proximidade provocante e com o contato dos dedos longos em suas costas. Odiava sentir isso com um homem que não amava.- Por que não me deixa em paz? - sussurrou, tensa, E olhando para a brancura do colarinho da camisa dele, imaginou se Rafael ainda usava o medalhão de ouro.- Pensei que as mulheres gostassem que os maridos lhes dessem atenção - ele escarneceu.- Você talvez não seja meu marido por muito tempo. Rafael riu com suavidade.- A sua ameaça não me convence, Eriça. Você quer ser dura quando fala, mas o seu coração é doce como uma pomba - ele murmurou. - com as palavras você provoca tempestades, mas o seu coração procura a paz. Eu a conheço melhor do que você mesma.- Você não pode ter certeza de que eu concordarei em ser sua esposa - declarou Eriça em desafio.- Não mesmo? - sua boca se curvou num sorriso cruel. - Se o seu coração sensível não procurasse a paz a qualquer custo, o nosso casamento hoje não seria segredo.Rafael conduziu-a de volta até onde estava Forest, depois que a música terminou. Os olhos dele pareciam zombar dela por saber tanto a seu respeito. E Eriça ainda estava procurando uma maneira de negar isso quando Forest a levou para casa. Tentou encontrar a resposta no abraço dele, mas falhou.

CAPÍTULO VII

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Eriça abriu a bolsa para se certificar de que sua chave estava lá.Estava. Consultou o minúsculo relógio de pulso ao sair do quarto para o corredor. Forest iria chegar a qualquer minuto.- Vai ter outro encontro com aquele tal de Granger? - o pai perguntou vagamente interessado.- Sim, a orquestra sinfónica vai dar um concerto esta noite.- Creio que você não vai ouvir muita coisa - comentou Vance Wakefield, olhando com admiração para o vestido de noite da filha.- Acho que você tem toda a razão - respondeu Eriça, arregalando os olhos com uma expressão travessa.Ele riu baixinho e entrou no estúdio. A campainha tocou e Eriça foi atender. Estava disposta a se divertir essa noite, pois talvez fosse a última. Inclinando a cabeça para um lado, abriu a porta.- Você! - ela exclamou, espantada.Rafael estudou-a com uma expressão irónica. A malha de gola alta embaixo do traje de passeio destacava o bronzeado.- Sim, Eriça, sou eu. Não vai me convidar para entrar?Os dedos dela se comprimiram no canto da porta, mas não se afastou para que ele entrasse. Estava paralisada pelo medo.- O que está fazendo aqui? - a pergunta saiu num sussurro.- Você vai sair esta noite?- Sim, vou a um concerto - murmurou, embaraçada. Olhou para além dele,esperando ver Forest a qualquer momento. - Você. . . não respondeu à minha pergunta. O que está fazendo aqui?Rafael sorriu da insistência dela, a cabeça inclinada com arrogânciapara trás.77- O seu tempo se esgotou, Eriça.- Eu ainda tenho esta noite - ela murmurou em desespero. Sentia umaperto na garganta. Seus olhos procuraram por algum sinal de compaixão norosto impassível dele. - É por isso que está aqui? Para saber a minha resposta?- Eu estou aqui para ver seu pai. Há uma coisa que quero discutir com ele.- Você veio lhe falar. . . s-sobre nós? - o pânico removeu qualquer arrogância em sua voz.- Será que devo? - ele a olhou de maneira penetrante.A porta de um carro bateu e Eriça viu Forest se aproximando rapidamente pelo passeio de pedras. Rafael olhou por cima do ombro para o homem que se aproximava, então voltou a fitá-la, divertindose com a situação. Eriça estava num dilema terrível que se estampava em seu rosto.- Não conte a papai - ela suplicou num sussurro. Ele sorriu.- Por favor, Rafael, não conte!Uma estranha luz brilhou nos olhos dele.- Eu esperarei pela sua decisão, Eriça.com Forest a apenas poucos passos de distância, ela foi obrigada a abrir de vez a porta, para que os dois entrassem. A afirmação de Rafael deveriatê-la deixado mais tranquila, mas não deixou. Forest cumprimentou-o de maneira bastante natural, mas com um brilho de suspeita e curiosidade nos olhos.- Vou. . . dizer a papai que está aqui, sefior Torres - Eriça murmurou,desviando-se, sem jeito, do olhar zombeteiro dele.Vance Wakefield não demonstrou nenhuma surpresa quando ela anunciou que Rafael queria vê-lo. Eriça ignorou a expressão divertida de Rafael quandopassou por ela para entrar no estúdio.- O que ele quer? - Forest perguntou de cara fechada, segurando-lhe obraço.Eriça olhou apreensiva para a porta fechada do estúdio.- Acho que quer falar de negócios com papai - murmurou. Masnão acreditava nisso, pois só havia um assunto que Rafael e VanceWakefield tinham em comum: ela mesma.78Para Eriça, a noite já estava estragada antes mesmo de começar.

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No meio do concerto, quis voltar para casa. Naquele exato momento,Rafael talvez estivesse relatando todo aquele caso sórdido ao pai dela. Apalidez de seu rosto convenceu Forest de que ela não estava se sentindobem. A preocupação e a atenção dele a deixaram com um sentimento de culpa. Não queria se aproveitar disso.Sentindo ainda o beijo suave de boa-noite que Forest lhe deu nos lábios, Eriça bateu de leve na porta do estúdio. Entrou. Soltou chispas de raiva quando viu Rafael sentado numa cadeira em frente ao pai dela.- O concerto já terminou? - perguntou Vance, franzindo a testa ao consultar o relógio.- Não. Forest recebeu um telefonema importante exigindo a presença dele - Eriça mentiu. - Eu resolvi voltar para casa, em vez de continuar assistindo ao concerto sozinha.- Um telefonema de negócios a esta hora? - perguntou Vance.- Você sabe como é, papai - ela respondeu, dando de ombros.Estudava orosto pensativo do pai para ver se descobria o que ele e Rafael tinhamdiscutido. - Eu já estou acostumada com esse tipo de coisa.- É uma pena ter que acostumar-se a uma coisa dessas - disse Rafael.A expressão sarcástica dele abriu-se num sorriso. Eriça então soube queele tinha adivinhado por que ela voltara mais cedo.- Eu aprendi a aceitar isso, sefior.Ele ergueu uma sobrancelha e então, com desinteresse, desviou o olhar.- Está ficando tarde, sefior Wakefield, e eu já tomei muito de seu tempo.- De modo algum, de modo algum - Vance levantou-se juntamente com Rafael, afastando com um gesto de mão o pedido de desculpas. - Eu. . . - ele lançou um olhar para Eriça. - Eu gostei muito de nossa conversa.- Eu acompanharei don Rafael até a porta, papai - ela se apressou a dizer quando o pai começou a contornar a mesa de trabalho.A expressão pensativa dos olhos azuis dele assustou-a um pouco.79A conversa devia ter sido a respeito dela, pensou Eriça.- Sim, faça isso, minha filha - ele assentiu e já foi se despedindo de Rafael.Eriça não quis olhar para Rafael até que a porta do estúdio se fechasse atrás deles. Então se virou para ele, o vestido longo de chiffon esvoaçando.- O que você lhe contou? - murmurou, furiosa.- O que você acha que eu lhe contei? - replicou Rafael, o olhar examinando com insolência o rosto dela.- Você não contou nada sobre nós, contou? - Eriça estava alarmada com a indiferença dele.- Eu disse que esperaria pela sua decisão - lembrou-a com frieza.- Eu sei o que você disse. - Mas nunca acreditei em você e portanto nãovou acreditar agora!- Não me provoque, Eriça.- Eu quero saber o que você lhe contou - ela repetiu. - Que coisa falsa e maldosa você lhe disse, para predispô-lo contra mim?Os olhos de Rafael se apertaram.- Seu pai tem um código rígido e próprio de conduta, dentro do qual vivee espera que todos vivam. Duvido muito que alguém consiga influir nessecódigo, muito menos um estranho.- Espera mesmo que eu acredite que você não disse nada a nosso respeito? - Eriça falou com rispidez.Sentiu seus ombros serem agarrados com força. O olhar glacial de Rafael tirou-lhe o fôlego. Achava-o desumano nesse momento.- Você se atreve a questionar a minha integridade, quando os seus lábios ainda estão quentes com os beijos de outro homem? ele perguntou com os olhos negros em brasa.- Rafael! - ela exclamou, ofegante, sentindo-se impotente para se libertar daquelas mãos de aço.Ele a puxou rudemente de encontro ao seu peito e a cabeça dela foi jogadapara trás com a violência desse gesto.- Você só usa o meu nome quando deseja alguma coisa - Ra fael rosnou. - Mas vou-lhe ensinar a usá-lo corretamente!80

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-você está me machucando! - Eriça protestou com voz fraca.- O que é que está procurando? - os dentes dele brilharam num sorriso sarcástico. - O contato suave do seu amante? Você gostaria que as mãosdele tivessem tocado na sua nudez antes que as minhas?Os dedos de Rafael se enterraram ainda mais na carne macia de Eriça.- Rafael! - ela gemeu de dor, as lágrimas brotando-lhe dos olhos.- Você quer ser livre, não é? - Quer se livrar da minha presença, do meunome. - Mas eu não vou deixá-la ir, Eriça. Você vai pagar pela suairresponsabilidade.Rafael então a beijou de uma forma selvagem. Eriça viu tudo escurecer. Sentia-se incapaz de resistir, do mesmo modo que se sentia incapaz de retribuir aquele beijo rude e feroz. Quando ele afastou a boca, as emoções dela estavam tão feridas quanto os seus lábios inchados. Os dedos de Rafael se afrouxaram um pouco nos ombros dela. Então a soltou de vez. Depois recuou um passo, assumindo uma expressão arrogante.- Eu a apanharei amanhã, às duas horas da tarde - disse, num tomautoritário. - Espero a sua resposta, então.- Vá para o inferno! - murmurou Eriça, pressionando o dorso da mãocontra a boca que latejava. Um sorriso cínico repuxou os lábios deRafael.- Infelizmente, com você as coisas têm que ser assim.- Então por que exige tanto de mim? - ela protestou,- Você é minha esposa - respondeu Rafael, e virou-se para ir embora.Eriça ficou parada durante algum tempo, enquanto seu organismo serecobrava do choque daquele eontato brutal. Então a porta do estúdio seabriu, e ela se virou e olhou para o pai.- O-o que don Rafael queria? - perguntou, procurando não parecer muitointeressada.Vance Wakefield olhou para ela pensativo.- Ele veio me falar a respeito de uma propriedade minha: você. Pelo menosfoi o que ele disse. Pediu minha permissão para vê-la.81- Pediu? - Ficou irritada por um momento: Rafael estava certo de que elaconcordaria em ser a esposa dele. - E qual foi a sua resposta?- Disse-lhe que. . . bem. . . - ele hesitou, balançando a cabeça.- Meu primeiro instinto foi rir, até que me dei conta de que ele estava falando sério. Então lhe disse que você estava saindo com ForestGranger, mas que tinha, a minha permissão para vê-la se você quisesse.- Ele me convidou para sair amanhã - disse Eriça.- Você aceitou?- Sim - ela não poderia dizer ao pai que aquilo era um ultimato.- Você e Granger estão namorando firme? - pelo que ela se lembrava, essa era a primeira vez que o pai lhe fazia uma pergunta tão direta. Ele geralmente mandava alguém fazer isso.- Eu não sei ao certo, papai - Eriça se esquivou.- Sabe, às vezes me esqueço de que sou seu pai. Vivo sempre ocupado demais, não é?- Eu compreendo, papai, pois já sou bem crescidinha - ela respondeu, sorrindo com tristeza. Desejava que estivessem mais próximos para poder abraçá-lo.- Forest é um jovem enérgico, independente e ambicioso. Ele também não se intimida comigo - ponderou Vance Wakefield. A carreira e os negócios sãode importância vital para ele.- Não é assim com todos os homens? - replicou Eriça.- Não - ele suspirou profundamente. - Para alguns homens a família está em primeiro lugar. É uma opção pessoal por um certo modo de vida.Ela se sentiu imobilizada.- Está se referindo a don Rafael?- Não especificamente - o pai respondeu com suavidade. Embora eu seja capaz de apostar que a família teria prioridade absoluta para ele.Prioridade!, pensou Eriça com amargura. A família e a tradição eram tão importantes para Rafael que ele pretendia mante-la como esposa mesmo que não o amasse. A vida poderia ser um interno com ela, mas nem isso o detinha.

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82- Talvez devesse pensar sobre o quanto a família é importante para você, antes de assumir qualquer compromisso com Forest sugeriu Vance Wakefield, passando a mão nos cabelos.Ela sentiu raiva.- Foi Ra... Foi don Rafael quem fez essa sugestão? - perguntou.- Claro que não! - ele estava espantado. - O que a tez pensar isso?Eriça sentiu-se pouco à vontade sob aquele olhar penetrante.- Você não costuma falar desse jeito - desculpou-se.- Não? - Vance pareceu se fechar mais uma vez. Sua mente começava a vagar. - Não, suponho que não. Boa noite, Eriça.Ele já estava entrando no estúdio e fechando a porta quando Eriçaretribuiu o cumprimento. Duvidava que o pai a tivesse ouvido. Aquelemomento de preocupação com o futuro dela tinha desaparecido com a mesmarapidez com que surgira.O sol quente de outubro era abrasador. Dentro do carro de Rafael atemperatura era agradável, graças ao ar condicionado. Eriça cerrou osdentes ao aceitar a mão que Rafael lhe oferecia para descer do carro.Ficaram praticamente mudos durante todo o trajeto. Ele fora apanhá-la emcasa às duas horas em ponto. O sorriso dele era cínico, como sempre. Eriça não demonstrara nenhum interesse para saber aonde estavam indo, e Rafael também não tinha dito nada.Jogando os cabelos para trás em desafio, Eriça olhava a cidade de San António. A Torre das Américas se erguia imponente acima deles. As suasbases estavam plantadas firmemente na Hemisfair Plaza. Talvez elepretendesse levá-la até o topo para atirá-la lá de cima, eliminando assim todos os seus problemas.Mas não foi para lá que ele a conduziu. Em vez disso, levou-a para uma das diversas escadas que desciam para a passarela na margem do rio. Depois de descerem, caminharam devagar diante das lojas, dos cafés com mesas ao ar livre e dos clubes noturnos.Rafael então parou para acender uma cigarrilha.- É tão difícil os sonhos de um homem se tornarem realidade ele comentou, como se estivesse pensando em voz alta. Por um momento Eriça pensou que estava se referindo a si próprio. Mas se83enganara. - Pensar que já quiseram cobrir este rio com concreto para transformá-lo em esgoto! Ainda bem que um arquiteto de visão e os ecologistas lutaram para que isso não acontecesse! Merecem aplausos! Isso foi nas décadas de trinta e quarenta.Eriça sorriu concordando. Imaginou se o arquiteto teria sonhado que, anos depois, tantas pessoas viriam apreciar a beleza daquelas passarelas e da vegetação luxuriante. Ali a beleza natural não poderia nunca ser superada pela mão do homem.O olhar que dirigiu a Rafael foi frio.- Eu não sabia que você conhecia a história de San António.- Você se esquece de que sou um historiador - ele sorriu distraído. - Talvez não se lembre, mas o sudoeste dos Estados Unidos já foi governado pela Espanha e depois pelo México.- Você não se incomoda de estar aqui na cidade que possui o "Santuário da Independência do Texas"? - um brilho de malícia surgiu nos olhos de Eriça.Ele a olhou como se ela fosse uma criança que tivesse dito uma piada sem importância.- Você, naturalmente, está se referindo ao sítio de treze dias. feito pelo ditador general Santa Ana, em Álamo.- E também aos cento e oitenta e oito homens que lá morreram pela liberdade - ela retrucou.- Está reivindicando o seu direito à liberdade? Não foram só os americanos que defenderam Álamo até a morte. Os mexicanos também. Um dosseus compatriotas texanos mais famosos foi José António Navarro, que assinou a Declaração da Independência do Texas. No entanto, você prefere me identificar com Santa Ana.- Então não lute comigo - exclamou Eriça com raiva. - Deixe que eu seja livre!- Não posso fazer isso- a expressão dele era um misto de sarcasmo e resignação. - Eu também preciso lutar por aquilo que acredito.Ela levou a mão aos cabelos e massageou os músculos tensos da nuca. Sabia o tempo todo que a posição dele era inabalável, mas tinha que tentar.- Pelo fato de eu não ceder - disse Rafael com uma ponta de

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84impaciência. - Você me considera cruel e inflexível, e acha as minhas exigências tão insensíveis quanto aquelas ditadas por Santa Ana aos povos do Texas antes da rebelião. Veja só a quantidade de missões fundadas pelos espanhóis no seu país, Eriça. O traço de crueldade é temperado pela bondade e pela devoção. Eu serei bom para você. Você não será minha escrava, mas minha esposa. Eu não peço o seu amor em troca, mas sim a sualealdade aos votos que assumimos. Essa é a única exigência que faço a você.Eriça deu uma risadinha, mas na verdade não achava graça nenhuma.- Que outra escolha você me dá? Por que não encosta uma arma na minha cabeça e não atira? - o tom de voz dela não tinha nenhuma emoção, suasesperanças iam morrendo lentamente enquanto se conformava com o destino.- Não se faça de santa, Eriça! Você não é mártir! - ele disse asperamente.Imediatamente, o sangue lhe ferveu nas veias.- Não, não sou uma santa! Você sabia o tempo todo qual seria a minha resposta. A única resposta que eu poderia dar. Agora você vai ouvi-la! - Eriça explodiu. - Eu serei sua esposa. Não porque tenha medo de você. Estou só concordando por causa de meu pai.O rosto de Rafael se manteve impassível durante aquela explosão. Quando ela tomou fôlego para continuar, ele levantou a mão para silenciá-la.- Estou sabendo que você não está vindo para mim de boa vontade, de que eu a forcei a aceitar o meu acordo. Sei que você não me ama. Não há necessidade de ficar repetindo essas coisas. Seria melhor concentrar as suas energias para convencer seu pai do seu interesse por mim. Estou certo de que você concorda comigo não desejando manter um falso romance apaixonado por mais tempo do que o necessário.com essas palavras, o rubor de raiva no rosto dela se transformou em palidez.- Será que temos que fazer isso? - murmurou, estremecendo por dentro com a ideia de passar noites infindáveis na companhia dele. Aquele rosto, aquele contato quente, aquele sorriso. Teria que suportar tudo isso. Mas perguntou: - Não existe outra maneira?85- Então você ainda deseja fugir àquilo que lhe é desagradável?- não havia mais sarcasmo no tom de voz de Rafael. Agora era suave. -Fugir só adia o momento em que você terá que enfrentar o que a apavora.- Eu já tomei a decisão - Eriça lembrou-lhe com frieza. - Já concordei emme tornar sua esposa.- Mas você deseja evitar essas semanas que precisamos passar em companhiaum do outro, para salvar as aparências perante a sua família e seusamigos. Você prefere fugir comigo e ficar longe até que o impacto da sua atitude passe. Não quer enfrentar o momento desagradável em que rejeitará Forest por mim.Eriça olhou para o rosto calmo de Rafael. Parecia uma máscara. Estava admirada pela percepção dele de seus pensamentos mais íntimos. Por mais que quisesse evitá-lo, tinha que admitir que sentia uma forte atração por ele.- Eu não sei mentir. Duvido que Forest acredite em mim quando eu ihe disser que estou apaixonada por você e não por ele.- Quando nos casarmos de novo, Forest não terá outra saída senão aceitar - afirmou Rafael. - Ele a pediu em casamento, não?- Como foi que você soube? - Eriça franziu a testa. Sabia que nunca havia mencionado isso.- O seu advogado, Jules Blackwell, me contou, mas eu teria adivinhado de qualquer forma. Se Forest tivesse sugerido um caso em vez de casamento,acho que você não teria exigido o divórcio - ele olhou para a ponta acesa da cigarrilha.- Forest sabe que eu o amo. Eu lhe disse - ela queria deixar bem claropara Rafael que estava aceitando as exigências dele de má vontade.- As pessoas se desapaixonam - respondeu ele, dando de ombros. - A atração é muitas vezes confundida com amor. Você vai precisar convencê-lo disso.Rafael sempre tinha uma resposta, pensou Eriça, desanimada. Desviou os olhos do olhar penetrante dele. Ao mesmo tempo sentiu-se feliz por ter reconhecido que só tinha uma forte atração sexual por Rafael. Achava bomque não o amasse. Seria uma bobagem. Mas agora nada disso importava, umavez que estava para se comprometer com ele pelo resto da vida.86- Você já tem a minha decisão. Será que podemos ir embora agora? Ou será que quer se

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vangloriar mais um pouco do seu triunfo?Rafael esbravejou qualquer coisa e a virou para encará-la. Correntes ele tracas pareciam emanar das mãos dele.- No momento não estou me sentindo nem um pouco um vencedor. Se eu nãoacreditasse que... - agarrou subitamente os ombros dela. Em seguida asoltou. - Acho que você gosta de me fazer perder a paciência. - Um músculo se contraiu no queixo dele, indicando que estava perdendo um pouco o controle. Apesar disso, mantinha o tom de voz regular. - Venha,vou levá-la para casa.O silêncio de Rafael na viagem de volta fez com que Eriça se sentisse desconfortável. Tentou, sem sucesso, afastá-lo de seus próprios pensamentos, ignorá-lo como ele a estava ignorando, mas o magnetismo de Rafael tornou isso impossível.Esse homem era seu marido. Tinha se comprometido pelo resto da vida com ele. Eriça não havia se conscientizado da importância de sua decisão até aquele momento. Uma sensação de inquietude invadiu-a ao pensar em todos aqueles momentos íntimos que teriam como marido e mulher.Quando o carro parou, Eriça levou algum tempo para se dar conta de que estavam na entrada particular de sua casa. Seu rosto ficou corado quando aceitou a mão de Rafael para sair do carro. Perturbou-a saber como era sensível ao contato dele. Em vez de continuar andando em direção à casa, ele segurou-lhe a mão com mais força a fim de mante-la ao lado do carro. Eriça olhou com curiosidade para aqueles olhos semicerrados.- O destino lhe ofereceu uma solução simples - disse Rafael.- Não, não se vire, Forest está chegando. Ele pode saber já da mudançados seus sentimentos. - O carro de Forest se aproximava. Rafael nãodeixou que Eriça se virasse. - Tudo o que precisa fazer é me beijar, Eriça. Forest tirará as próprias conclusões quanto ao resto.Ela respirou fundo, querendo resistir, mas duvidou que conseguisse convencer Forest, com palavras, que gostava mais de Rafael. Teria mesmo que agir. Olhou hesitante-para Rafael.- Resolva logo, Eriça - ele murmurou.Eriça se aproximou lentamente e inclinou a cabeça para trás para. 87receber o beijo. A delicada insistência dos lábios de Rafael a desarmou e um calor agradável relaxou seus músculos tensos, tornando-a dócil.A batida da porta do carro foi inesperada. Ela se afastou de repente de Rafael, esquecendo-se completamente de que o beijo tinha sido uma encenação. Esquecera-se também da presença de Forest. Corou de vergonha, odiando o poder que Rafael tinha de atraí-la fisicamente.- Eu não pude acreditar quando Lawrence me falou que você tinha saído com ele! - murmurou Forest com voz rouca. O rosto dele estava pálido. Controlava a raiva que sentia.Ela ficou muda e o fitou, impotente.- Eriça é livre para sair com quem ela bem entender. Não existe nenhum compromisso entre vocês dois, não é? - Rafael perguntou de maneira confiante.- Foi estupidez minha achar que existia - Forest resmungou, dirigindo um olhar desdenhoso a -Eriça. - Você me deu a sua resposta, não foi? Eu nunca pensei que você fosse tão insensível. Acho que era a isso que se referiam, quando a chamavam de "donzela degelo".Depois de lhe lançar um olhar de desprezo, Forest deu meia-volta e andou a passos largos até o carro. Eriça levantou a mão numa tentativa inútil de chamá-lo de volta para lhe explicar.- Forest. . . - murmurou com a voz trémula. Deu um passo hesitante na direção dele.Mas Rafael estendeu a mão e a deteve.- Deixe-o ir, Eriça. Não prolongue a sua agonia. Deixe que o golpe seja rápido e certeiro.Uma lágrima reluziu no canto do olho dela.- Você me pede para ter compaixão, mas não existe nenhuma compaixão no seu coração!- Eu de fato sinto pena - afirmou Rafael. - Embora estivesse falando sobre Forest, estava me referindo a você. Não quero que torture o seu coração com um amor que jamais poderá sentir por esse homem. Rompa de uma vez com ele, para que ele não fique entre nós nas muitas noites da nossa vida que temos pela frente.88

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- Como pode falar numa coisa dessas? - Eriça soltou-se da mão delecom aversão.- Nós somos casados, esposa mia. Não é como se nós nunca tivéssemosnos conhecido - um sorriso de complacência curvou oslábios dele. - E eu sei que Forest nunca a teve nos braços no meioda noite, do contrário saberia que não existe nenhum gelo nas suasveias, não é, querida?As faces de Eriça pegaram fogo com as lembranças que aquelaspalavras trouxeram. Ela girou sobre os calcanhares e saiu correndopara casa.

CAPITULO VIII

Muita gente estranhou o súbito rompimento de Eriça com Forest, e muitomais quando, logo em seguida, ela passou a ser vista constantemente emcompanhia de Rafael.Iam sempre juntos a concertos, teatros ou exposições, onde não precisavamconversar muito. Qualquer coisa que ocupasse a mente dela era bem-vinda,embora nunca conseguisse ignorar Rafael totalmente. Ele era másculo eencantador. Eriça, no entanto, ainda se recusava a gostar dele. Comopoderia, depois de ter sido chantageada?Os amigos e conhecidos dela achavam que era uma mulher de sorte por teras atenções de um homem encantador como Rafael. Quando Eriça lhesrespondia de maneira pouco entusiasmada, riam e diziam que ela estava eracom medo de não conseguir segurá-lo. Era grande a quantidade de amigasque se aproximavam durante os intervalos dos espetáculos a que iam, comdesculpa de cumprimentá-la, e Eriça se admirava com a aparenteindiferença de Rafael para com elas.O tilintar da campainha da porta da loja anunciou a chegada de algumfreguês. Era hora de almoço e Donna estava na sala dos fundos,descansando. Eriça armou um sorriso de boas-vindas e parou de arrumaruns vestidos novos nos cabides para cumprimentar o cliente. Só que nãoera um freguês, era Rafael.Ele olhou para o fundo da loja, indicando que Donna tinha aparecido.Eriça procurou saudá-lo com alegria.- Rafael... eu não esperava vê-lo hoje.- É sempre o inesperado que dá mais prazer - o tom acariciante da vozdele atingiu-a. - Eu estou com esta tarde livre e só queria passá-la comuma pessoa.90Os olhos negros de Rafael a contemplavam com tanta sinceridade que Eriça quase acreditou, até que se lembrou que Donna estava ouvindo. A expressão dela era séria.- Espero que esteja se referindo a mim - disse com um sorriso amarelo.A intensidade do olhar dele aumentou, suas sobrancelhas se juntandointerrogativamente.- Ainda não sabe que eu não tenho olhos para outra pessoa senão você? -perguntou com suavidade. Falou tão baixinho que Eriça duvidou que Donna tivesse ouvido.- Acho que você vai ter que me convencer disso - ela murmurou.- Eriça - ele usou o nome dela com impaciência, mas logo reassumiu otomgrave e persuasivo. - Primeiro vou levá-la para almoçar. Você ainda nãoalmoçou, não é? - diante da resposta negativa, Rafael continuou: - Depoisquero lhe mostrar uma coisa.Estas últimas palavras a assustaram. Em todas as suas saídas anteriores, sempre houvera companhia. Mas Rafael estava se referindo a alguma coisa totalmente diferente. Eriça hesitou diante da perspectiva de ficar a sós com ele.- A tal coisa não pode esperar até outra ocasião? - apressou-se em perguntar. - Na verdade, hoje eu só tenho tempo para um rápido almoço.

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- Nós quase não temos movimento na terça-feira - Donna interferiu. -Tenho certeza de que poderei me arranjar sozinha durante algumas horas,Eriça.Ela comprimiu os lábios com força, para não mandar Donna calar a boca.- já que isso está resolvido - disse Rafael - Acho que não há maisobjeções, não é?Minutos depois, eles estavam saindo da butique. Donna despediu-se sorridente e com o entusiasmo de quem havia feito uma boa acão. Eriça já tinha se acostumado a sentir o contato possessivo da mão de Rafael em sua cintura, mas hoje não estava a fim disso.- Não há ninguém nos observando - disse ela com frieza. Portanto não precisa tocar em mim.- Foi isso que a deixou zangada? Eu não posso acreditar - ele ergueu as sobrancelhas escuras.91- Eu nunca deixei de estar zangada - respondeu Eriça olhando para ele comuma expressão de desafio. - Eu nunca deixei de ficar ressentida por vocême forçar a aceitar esse acordo.Eles tinham chegado à escadaria que ia da beira do rio para o nível darua. Eriça estava no primeiro degrau, quando Rafael a fez virar-se paraencará-lo. Os olhos dela ficaram no nível dos dele.- Eu gostaria de saber por que você está tão ressentida. .É por causa doacordo? Por eu a ter forçado a aceitá-lo? - as mãos dele a segurarampelos quadris quando Eriça ameaçou se afastar.As palmas das mãos dela estavam úmidas. Eriça achou difícil falar comclareza. Estava consciente demais da proximidade dos lábios de Rafael.- Por que você se retraiu tanto, Eriça?- Não vejo nenhuma necessidade de mantermos essa farsa enquanto estamossozinhos - ela respondeu depressa.- De que outra maneira você aprenderia a agir com naturalidade comigo?- Eu jamais conseguiria agir com naturalidade com você. Ele suspirou,impaciente, e soltou-a.- Vamos comer logo, antes que eu perea o apetite com a sua teimosia.O resto de apetite que Eriça sentia se foi. Rafael também comeu muitopouco.- Eu gostaria de voltar para a butique agora - disse ela ao saírem dorestaurante.- Só vou tomar alguns minutos do seu precioso tempo - foi a respostamordaz dele.Rafael zombava muitas vezes dela, mas raramente era sarcástico. Mesmoassim, tinha o poder de ferir. Eriça sentiu um nó na boca do estômago.- Aonde vamos? - perguntou, hesitante, quando ele abriu a porta do carropara ela.Rafael não se deu ao trabalho de responder até que sentou atrás dovolante e pôs o carro em movimento. Sua resposta foi indiferente, como setambém lamentasse ter que prosseguir.- Um amigo meu comprou uma casa em San António. Ela precisa de algunsreparos - havia um brilho sarcástico em seu olhar. Uma vez que nem o meuamigo e nem a esposa dele podem estar92por aqui estes dias, ele me pediu para falar com alguém. . . algumamulher de bom gosto. . . que pudesse dar uma olhada na casa e quesugerisse algumas mudanças necessárias.- É por isso que está me levando para vê-la?- O que você pensou? - escarneceu Rafael. - Achou que eu talvez aestivesse levando para algum lugar isolado, para reclamar os meus direitos de marido?- Eu não sabia o que você tinha em mente - disse ela, corando.- Mas duvido que chegasse ao ponto de tomar uma mulher contra a vontade dela.- Essa desculpa de que ama outro homem não vai protegê-la para sempre. Eriça. Não conte muito com isso.Eriça preteriu não responder a essa ameaça. Receava que isso o incitasse a provar que ele

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estava com razão. E ela nunca duvidara da força de Rafael.A grande casa em estilo mediterrâneo, diante da qual Rafael parou o carro, estava cheia de gente trabalhando. Três jardineiros estavam no jardim em frente à casa. Imensos carvalhos enfeitavam a fachada de cor creme e o telhado vermelho. Outros trabalhadores consertavam o reboco solto dos muros do quintal e substituíam as telhas quebradas.Rafael a conduziu, através do portão de ferro trabalhado, para o pátio, e de lá para dentro da casa, onde também havia trabalhadores. As paredes estavam sendo pintadas de branco. Da madeira que havia dentro da casa, estavam raspando o verniz velho. Novos pisos estavam sendo colocados nas outras salas.No meio de toda aquela movimentação, Eriça sentiu-se atraída pela imponência da velha casa. A grande sala de estar, com sua enorme lareira, a fascinou. Conseguiu visualizar a elegância daqueles cómodos quando estivessem mobiliados com pesados sofás e mesas trabalhadas em estilo espanhol. A sala de jantar era rodeada de vidraças que iam do chão até o teto.- Acha que há mudanças a serem feitas e coisas a serem acrescentadas? - Rafael pediu a opinião dela.- Eu não mudaria nada - disse Eriça. Estava pensando em como ficaria aárea cercada de vidro com muitas plantas ao redor. - Acho ótima a disposição básica dos cómodos - apressou-se em acrescentar.- Então você gosta como está?- Sim - olhou para ele, sem procurar esconder um sorriso. -93Seus amigos tem muita sorte. Esta casa é uma beleza.- Eu lhe contei uma pequena mentira, Eriça - disse Rafael, voltando oolhar enigmático para o jardim além da vidraça. - Esta casa não pertence ao meu amigo. Ela pertence a mim. . . ou melhor, é nossa.Eriça se retesou, indignada.- Você me enganou! Por quê?Ele inclinou a cabeça para trás e a olhou de maneira arrogante.- Eu achei que se tivesse lhe contado antes de virmos para cá, você implicaria com a casa.Ela desviou o rosto do olhar fixo de Rafael. Não queria admitir que ele talvez tivesse razão.- Você mora no México. Por que se deu ao trabalho de comprar esta casa, aqui em San António - perguntou com frieza.Rafael resmungou qualquer coisa e a puxou bruscamente, obrigando-a a encará-lo.- Eu não sei como aguento você. . . É tão insolente! É verdade, o México é o meu lar, assim como o Texas é o seu. Fui tolo em pensar que lheagradaria ter uma casa em San António, para que pudéssemos passar partedo ano aqui, onde vivem a sua família e os seus amigos.Eriça respirou fundo. Sentia-se comovida com a consideração dele. Mas não queria aceitar. Rafael estava tentando fazer com que ela não o considerasse um inimigo. Queria fazê-la acreditar que estava realmente preocupado com a felicidade dela. No dia em que acreditasse nisso, estaria perdida. Rafael só se preocupava com ele mesmo.- Estou certa de que sabe que a perspectiva de morar numa casa com você não me anima nem um pouco - respondeu Eriça, cheia de sarcasmo.Os dedos de Rafael comprimiram os ombros dela, e a expressão dele se tornou carrancuda. O coração de Eriça começou a bater num ritmo assustador.- Se tiver juízo, você vai sair sem dizer mais nenhuma palavra. Vá esperar por mim no carro - ele ordenou asperamente, afastando-a de si. -Vou dar uma palavrinha com os trabalhadores antes de levá-la de volta.Eriça saiu apressada. Sabia que linha ido longe demais. Sentiu pena do trabalhador inocente que agora teria que suportar a raiva dele.94Rafael e Eriça não voltaram a tocar no assunto da casa. Mas esse episódio trouxe uma grande mudança no relacionamento deles, que continuavam saindo várias vezes por semana. Qualquer observador consideraria Rafael um acompanhante atencioso, mas só Eriça sabia como era frio e indiferente. Estava sempre distante.Na noite anterior, uma das amigas de Eriça, Mary Ann Silver, passarapraticamente todo o intervalo de um concerto conversando com Rafael sobrea exposição que ele estava organizando no Instituto Cultural Mexicano.

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Embora estivesse segurando Eriça pela cintura, ele não lhe dirigira a palavra. Ela quase perdeu a paciência e Mary Ann olhara para ela com um sorriso de superioridade.- Você já viu a exposição, Eriça? - ela havia perguntado. Rafael respondera por ela.- Não, eu lhe vou mostrar tudo amanhã à tarde.Eriça se limitara a sorrir. Aquilo não havia lhe ocorrido até aquele momento. Acabava de perceber que Rafael estava ansioso para que ela se interessasse mais pelo trabalho dele.No dia seguinte foram ver a exposição. A mostra era interessante, mas aatitude impessoal de Rafael durante a visita havia acabado com todo oencanto. Eriça se lembrou com saudades de quando ele a levara paraconhecer Acapulco. Tinha aprendido muita coisa e se divertira muito.- Aonde vamos agora? - perguntou ela.- Para onde gostaria de ir?- Para mim tanto faz. - Apressou o passo, e começou a andar na frentedele. Queria também demonstrar indiferença.Se esperava que ele tentaria alcançá-la, Eriça se enganara.Chegaram a uma pracinha onde havia muita movimentação. Fingindo uma curiosidade que estava longe de sentir, ela caminhou naquela direção. Rafael que a seguisse, se quisesse.Um sorriso suavizou as linhas do rosto dela, quando se virou para Rafael e exclamou:- Olhe! Acho que vai haver uma corrida de tatus!Ao se aproximar da multidão, sentiu a mão dele em suas costas. No centro do circulo de pessoas estava o ponto de partida da corrida. Os treinadores dos tatus estavam acabando de entrar no círculo, carregando seus estranhos animais encouraçados, de pequenas orelhas e longas caudas.95- Eu não assisti à corrida anual da primavera - comentou Eriça, virando-se para Rafael. - É um acontecimento e tanto. Havia mais de vinte e cincomil pessoas presentes.Os treinadores estavam agora agachados no centro. com uma mão seguravam a cauda de seu tatu, e com a outra seguravam a couraça.- Qual você acha que vai ganhar? - ela riu com alegria, distraída demais que estava com os tatus, para notar o brilho enigmático dos olhos de Rafael. - Eu escolho aquele do lado direito. Veja como ele está se debatendo para fugir!- Eu escolho aquele quietinho que está ao lado do seu - disse Rafael. - Ele é sensato e não desperdiça as energias à toa.- Ele provavelmente está assustado demais para se mexer - comentou Eriça dirigindo-lhe um olhar travesso. - O meu vai ganhar fácil dele!Deram a ordem para soltar os tatus. O que Eriça havia escolhido saiu disparado na frente, mas parou poucos metros adiante. O de Rafael correu, correu e acabou vencendo.Quando ela se virou, sorridente, para admitir a derrota, foi empurrada de encontro a ele pela multidão. O súbito contato com o corpo de Rafael fez com que suspirasse de susto. Ele a apoiou, puxando-a mais para perto de si.- Faz muito tempo que eu não vejo você rir com tanta naturalidade, Eriça- então a afastou com delicadeza, conduzindo-a de volta ao carro. - O queacontece com os tatus agora? - perguntou, mudando o rumo da conversa para um assunto menos pessoal.Eriça conteve o impulso de se jogar de novo nos braços dele.- Eles são terríveis como animais de estimação, por isso são soltos de novo nos lugares onde foram apanhados.Rafael concordou com um gesto de cabeça e ficou distante de novo.Eriça vinha sentindo uma estranha agitação nos últimos três dias. Não sabia o que estava acontecendo com ela. Havia mandado Donna para casa e fechara a butique há mais de uma hora. Não havia necessidade de voltar para casa, uma vez que tinha a noite livre.O sol estava se pondo no horizonte e isso parecia aumentar a melancolia que ela sentia. Começou a andar sem destino. Os bares, ainda vazios, exibiam suas mesas ao ar livre. Ainda era cedo para a vida noturna. Eriça normalmente não bebia, a não ser em reuniões sociais.96No entanto, sentou-se a uma das mesas e pediu um copo de vinho. Estavabrincando com o copo, quando ouviu uma voz familiar.- Ora, ora, ora, se não é a srta. Wakefield! Sozinha e sem o seu Romeu.

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Seu estômago revirou quando ela olhou para trás.- Forest!- Eu não sabia se você iria me reconhecer - disse ele, com uma expressão sarcástica no rosto.Eriça não via Forest desde o dia do incidente com Rafael, em que ela o rejeitara. Sentiu os olhos arderem ao ver a aspereza dele.- Pensei que o grande don Rafael ocupasse todo o seu tempo agora - escarneceu Forest.Ela se encolheu.- Não faça isso, por favor, Forest - baixou a cabeça para esconder uma lágrima.Ele soltou uma imprecação. No momento seguinte, Eriça ouviu os passos de Forest se afastando. Então se levantou e saiu atrás dele.- Forest! - chamou, ofegante.Ele hesitou, mas depois se virou bruscamente. Seu rosto estava rígido e tenso pela raiva que sentia.- Eriça, não há mais nada a dizer. Além disso, eu não preciso da sua compaixão!- Eu sinto a sua falta - ela murmurou, parada diante dele.Por um segundo, uma luz brilhou nos olhos de Forest. Mas logo depois fez uma expressão de repúdio.- Você não pode ficar com os dois. Já fez a sua escolha.- Mas não foi a escolha que eu queria fazer - falou sem que pudesse evitar.Ele a fitou em silêncio, então passou a mão nos cabelos castanhos e espessos.- Você não está falando coisa com coisa - resmungou. Virou-se para ir embora.Eriça segurou-o pelo braço.- Sei que não estou dizendo coisa com coisa - murmurou. Eu só queria poder lhe explicar.O contato da mão dela pareceu sensibilizá-lo. Forest se virou, segurando-a pelos ombros e puxando-a para os seus braços. Beijou os cabelos dela e a apertou com mais força.97- Eu devo estar louco - murmurou. - Quando a vi sentada aqui, deveria ter-me afastado.- Fico feliz que não tenha feito isso - disse Eriça, suspirando. O abraço sufocante estava aliviando a dor no coração dela.- Por quê? Eriça, por quê? - Forest segurou o rosto dela entre as mãos.Ela fechou os olhos para não o fitar diretamente. A coragem lhe faltou quando chegou a hora de explicar o problema.- Se eu lhe contasse tudo - falou com dificuldade - Você só me odiariaainda mais.- Eu deveria odiá-la. Na verdade, pensei que você me -amasse tanto quantoeu te amava. Achei que você estava pensando seriamente em se casar comigo. Este último mês, quando as pessoas me contavam aonde você ia com aquele. . . aquele. . .Eriça tocou nos lábios dele para silenciar aquela torrente descontrolada de palavras. Forest respirou fundo para recuperar o controle.- Eu estava quase convencido de que não sentia mais nada por você - ele prosseguiu, com um suspiro triste.- Eu também pensei que estivesse melhor - Eriça não conseguiu afastar a tristeza de seu sorriso.Ouviram o som de um barco de turistas se aproximando. Forest a soltou. Eriça afastou-se com relutância, desejando que estivessem a sós, para que ele a abraçasse com força e ela se esquecesse de Rafael. Forest segurou-lhe a mão.- Vamos andar um pouco? - perguntou baixinho.- Eu. . . acho melhor não irmos - Eriça balançou a-cabeça. Ele virou o rosto, carrancudo.- Um minuto atrás eu a estava segurando nos meus braços. Agora você está dizendo que não quer nem andar comigo? Santo Deus, está tentando me enlouquecer?- Eu não sei o que estou fazendo - ela admitiu com tristeza. Sentia-se muito confusa. Estava comprometida com Rafael. O fato de ver Forest de novo não tinha mudado nada.- Então me explique o que está acontecendo - disse Forest com aspereza. - Você se sente atraída por esse. . . don Rafael? É isso? Estava fazendo uma experiência para se certificar se o nosso amor era verdadeiro? Isso seria irónico, não? - ele riu com amargura. - Eu98

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não lhe dei uma oportunidade de explicar naquele dia. Por que não veio me dizer como eu tinha sido estúpido?- Porque você não foi estúpido - Eriça protestou.- O que quer dizer? Você não pode estar apaixonada por nós dois, não é?- Por favor, não faça perguntas que eu não posso responder.- São perguntas simples - disse Forest, irritado. - Você me ama?- Sim, mas. . . - aquela estranha inquietude voltou, deixando-a insegura e apreensiva.- Você ama don Rafael?- Não! - a resposta saiu mais veemente do que ela pretendia, e Eriça experimentou uma sensação de culpa terrível. Era bobagem, porque ela não podia gostar de Rafael de modo algum.- Então, o que está acontecendo? - ele quis saber. - Se não está apaixonada pelo sujeito, por que procura fazer com que todo mundo, inclusive eu, acredite que está?- Eu não posso lhe dizer - a voz dela estava estrangulada. Sentia-sefrustrada por não poder se explicar.- Seu pai tem alguma coisa a ver com essa história?- O que o leva a pensar isso?- Porque você não costuma ser assim, Eriça. Ele a está fazendo sair com esse homem por causa de algum interesse de negócios?A resposta de Eriça foi imediata e indignada.- Claro que não! Como pode acusar meu pai de uma coisa dessas? Papai às vezes é insensível, mas nunca chegaria a esse ponto!Forest sacudiu a cabeça, como se não estivesse entendendo mais nada.- Às vezes tenho a impressão de que você está com medo de alguma coisa. Dá a entender que tudo isso está acontecendo contra a sua vontade. O único que já conseguiu obrigar você a fazer alguma coisa contra a sua vontade foi seu pai, e no entanto você me diz que não tem nada a ver com a história.- Não tem mesmo - Eriça recuou um passo. Arrependera-se por tê-lo chamado de volta, quando Forest já tinha se afastado dela por vontade própria. Rafael tinha razão. Deveria ter tornado o rompimento definitivo. Não deveria ter-se envolvido de novo com Forest.99- Eriça, deixe-me ajudá-la. Eu te amo - disse ele com gravidade. - Nãosei o que está se passando mas, seja lá o que for, nós podemos enfrentaro problema juntos.- Você -não sabe o que está falando - ela recuou mais um passo.- Acho melhor eu ir andando.- Você não acha que eu a protegeria de qualquer ameaça?- E-eu tenho que resolver tudo sozinha - Eriça recusou, sabendo que corria o risco de se abrir com Forest agora. - Eu não posso envolvê-lo.- Eu te amo - disse ele baixinho. - Eu... eu estou envolvido.- Pare. . . pare de dizer isso!- Vamos para qualquer outra parte, para começarmos tudo de novo - ele sugeriu, quando percebeu que ela estava enfraquecendo.- Se...- Não! - Eriça gritou e saiu correndo. Mas Forest não a seguiu.100CAPÍTULO IXEriça passou quase a noite toda acordada, pensando. Logo cedo pegou ocarro e saiu. O tráfego estava engarrafado àquela hora. Eram sete da manhã quando estacionou o carro e entrou no hotel onde Rafael estava hospedado. Havia um brilho de vitória nos olhos dela quando se encaminhou para os elevadores. De repente mudou de ideia. Telefonaria antes para a suíte dele, a fim de deixá-lo curioso a respeito da sua visita àquela hora da manhã. Eriça queria que Rafael sentisse- a mesma apreensão que ela sentira, até que lhe dissesse que o plano dele tinha falhado.Pegou o telefone interno do hotel, e um sorriso largo iluminou-lhe o rosto ao se lembrar de como se sentira assustada na primeira vez que tinha ido ao quarto dele. Dessa vez seria totalmente diferente. Seria ela a dar as ordens, e não Rafael.O telefone tocou várias vezes, sem que ninguém atendesse. Eriça mordiscou com impaciência o lábio inferior. Não podia imaginar que Rafael não estivesse no quarto. com um

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suspiro de exasperação, desligou o telefone. Em seguida discou para a recepção.- Poderiam procurar don Rafael de La Torres? - pediu. - Ninguém atende no quarto dele.- Um momento, por favor - respondeu uma voz educada do outro lado da linha.Segundos depois ouviu o nome dele sendo chamado. Aqueles minutos que se seguiram pareceram intermináveis. A telefonista voltou à linha.- Sinto muito, mas não atende.- Quer tentar o quarto dele de novo para mim? - pediu Eriça, impaciente.101- Qual é o quarto, por favor?Ela deu o número do quarto de Rafael à telefonista. Houve uma ligeira pausa antes que a voz respondesse-,- Eu sinto muito, mas essa suíte não está sendo ocupada.Eriça franziu a testa.- Mas ele está hospedado aqui. ! A telefonista pediu para que elaesperasse mais um pouco.- O setwr de La Torres deixou o hotel há uma semana - explicou a telefonista depois de alguns segundos.- Deixou o hotel? Mas é impossível!- Ele deixou um endereço daqui da cidade.- Pode me dar, por favor? - pediu Eriça, remexendo na bolsa à procura de lápis e papel. Anotou.Eriça voltou para o carro. Só então se deu conta de que o endereço que anotara era da casa que Rafael havia comprado. Certamente estava morando lá desde a semana passada, mas ela estranhou elenão ter mencionado nada.Ao estacionar o carro em frente à casa, ficou surpresa ao ver a transformação que havia ocorrido em tão pouco tempo. Ainda havia muitas plantas na frente da casa, só que agora estavam todas aparadas. O portão de ferro havia recebido uma mão de tinta preta e os muros do pátio estavam perfeitos.Ela caminhou rapidamente para a porta de entrada e tocou a campainha. Ao ouvir passos se aproximando no lado de dentro Eriça inclinou a cabeça com arrogância.Achava que ia se divertir muito. Rafael estivera sempre tão seguro de si! Que satisfação teria em colocá-lo em seu devido lugar! Um sorriso frio brincava nos lábios dela quando a porta se abriu. Um homem desconhecido, provavelmente um mexicano, apareceu. Eriça achou que devia ser algum criado, embora não usasse uniforme.- Eu gostaria de ver don Rafael. Ele está? - perguntou, procurando adotar um tom agradável.- Sim, está, mas - o homem hesitou. - Acho que ele não vai querer receberninguém esta manhã.- Sou Eriça Wakefield. Por favor, diga a don Rafael que eu gosgostaria de vê-lo.102O homem encolheu os ombros. Parecia duvidar que aquele nomeimpressionasse Rafael. Mas concordou.- Si, eu vou-lhe dizer.Enquanto esperava no hall de entrada, Eriça ouviu os passos do homem se afastando. Dali onde estava, podia ver pouca coisa da casa. No entanto, deu para perceber alguns móveis. Ela os teria escolhido no estilo mediterrâneo, para combinar com a casa. Sentiu vontade de dar uma espiada na sala de jantar, mas deixou a curiosidade de lado ao ouvir passos se aproximando do hall de entrada.O homem reapareceu. Gentilmente ele inclinou a cabeça na direção dela.Sorriu como se se desculpasse.- Eu sinto muito, senorita. Don Rafael não pode recebê-la. Ele lhe pedepara que volte daqui a uma hora.Os olhos dela fuzilaram de indignação.- Mas que arrogância! - murmurou baixinho. Então controlou a cólera, guardando-a para Rafael. - Eu não vou voltar daqui a uma hora - disse com firmeza. - Faça o favor de voltar e dizer a don Rafael que quero vê-lo agora!O homem inclinou a cabeça como se hesitasse. Acabou se decidindo. Deixou-a de novo no hall e desapareceu no corredor. Os olhos dela tinham um brilho de fúria

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quando ele voltou, minutos depois. Estava curiosa em saber o que Rafael havia dito.- Don Rafael a receberá agora. Por aqui, por favor - o homem a convidou com um leve sorriso.Ele voltou rapidamente por onde tinha vindo e Eriça teve que apressar o passo para segui-lo. Passaram pela sala de estar e a biblioteca. Eriça se surpreendeu, quando ele a levou para o andar superior.O empregado abriu uma porta. Ela se agarrou à alça da bolsa, como se esta fosse uma arma. Estava nervosa. Poderia ter esperado até a hora que Rafael sugerira. A cama de madeira trabalhada ainda estava desfeita. Ainda bem que estava vazia.com o coração batendo de maneira irregular, ela entrou no quarto. Asportas francesas do terraço estavam abertas e havia no ar um aroma de café fresco. O homem a conduziu ao terraço.Eriça ficou parada na porta. Rafael levantou os olhos.- Traga uma cadeira e um pouco de café para a srta. Wakefield, Carlos - ele pediu.105Uma grande cadeira de vime foi trazida imediatamente para perto da mesaonde Rafael estava sentado. Eriça ficou perturbada ao notar o robe pretoque ele estava usando. Ao se aproximar da cadeira sentiu o perfume dosabonete e da loção de barbear.Havia um prato com pão doce e uma travessa com fatias de abacaxi nocentro da mesa. Eriça mexeu-se desconfortavelmente sobre as almofadas dacadeira de vime. Carlos reapareceu com café quente e o deixou diantedela.- Gostaria de comer alguma coisa, Eriça? - perguntou Rafael. Ela sentiudificuldade em fitá-lo, de modo que dirigiu sua negativaa Carlos.- Não, obrigada - disse, e ele se afastou.Eriça sentiu o olhar de Rafael fixo nela. Levantou o queixo numa atitudede desafio.- Você vai me perdoar, Eriça. Ainda não tomei o café da manhã e estoufaminto - disse ele, em tom de desculpa. - A conversa deve ser bastanteséria, uma vez que está aqui a esta hora da manhã. Espero que não seincomode em esperar até que eu tenha tomado o café.Eriça bufou, irritada. Rafael não parecia estar ligando a mínima para oque ela estava querendo dizer. Talvez estivesse certo de que ela nãotinha nenhuma outra saída.- Eu não me incomodo - assegurou-lhe. Intimamente sentia vontade de matá-lo.Recostando-se na cadeira depois de terminar de comer, ele pegou umacigarrilha da caixinha de ouro. Acendeu-a e olhou para Eriça novamente.- Gostaria de começar?Eriça o olhou com irritação. Ficava aborrecida ao vê-lo tão descontraído,enquanto que ela estava nervosíssima. Entrelaçou os dedos trémulos sobreo colo.- Eu não vou fazer o que você me propôs - disse, num tom de voz frio.Ele não ficou surpreso. Sua expressão foi divertida.- Não vai?- Não, não vou! Vou dar entrada no processo de divórcio imediatamente!104- Entendo - Rafael respondeu com calma.Ele se levantou preguiçosamente de sua cadeira e foi até a balaustrada doterraço. Eriça olhou-o espantada, à procura de qualquer sinal de ira, de qualquer gesto que indicasse que ela o tinha frustrado.Ele olhou por cima do ombro.O jardim está lindo de novo, não acha?Eriça levantou-se. Ele estava fingindo ignorar o que ela dissera, como se se tratasse de uma bobagem de criança.- Você não acreditou em uma palavra sequer do que eu disse, não é?Rafael a fitou com ar indolente. Voltou a olhar para a rica vegetação lá embaixo.

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- Claro que acreditei. Acho que você não diria isso se não estivesse falando sério - respondeu Rafael, dando de ombros. Ele parecia estar pouco ligando. - O jardineiro sugeriu plantar rosas trepadeiras ao longo de toda a parede. Qual é a sua opinião?Eriça ficou boquiaberta. Não podia acreditar. Uma ruga de perplexidade se formou na testa dela enquanto caminhava para a balaustrada de ferro.- Eu não vim até aqui para discutir jardinagem, Rafael!- Não? - ele a estudou através da fumaça fina da cigarrilha. Existe alguma dúvida quanto à sua decisão de entrar com o pedido de divórcio?- Nenhuma - ela respondeu com firmeza, erguendo o queixo em sinal de desafio.Ele encolheu os ombros de novo de maneira expressiva.- Então, o que há para discutir? Por que está aqui?Uma risada escapou da garganta dela. Tinha esperado uma cena de raiva e ameaças, mas nunca indiferença. Assim ficava tudo muito mais difícil.- Eu vim lhe dizer que vou pagar para ver o seu jogo. A sua chantagem não vai dar certo. Eu não serei forçada a me tornar sua mulher - declarou, sem saber por que estava explicando tanto.- Você já disse isso antes. Por que veio até aqui para me dizer?- Eu queria que você soubesse - ela ergueu as mãos, confusa.- Por quê?105Eu.. .a pergunta dele a confundiu. - Eu achei que seriajusto.- Mas de acordo com o seu ponto de vista, eu sou um chantagista.Por que você iria querer ser justa?- Eu não sei! - exclamou Eriça, irritada. - Isso não está fazendo nenhum sentido.- Eu concordo - Rafael sorriu com ar de preguiça. - Mas duvido que você saiba por quê - ele se virou ligeiramente para fitá-la.- Posso perguntar o que a fez tomar essa decisão?Eriça inclinou a cabeça com arrogância.- Eu vi Forest ontem à noite.Uma luz zombeteira brilhou nos olhos negros de Rafael.- E você descobriu que não pode viver sem ele?- Não, eu descobri que não posso viver com você! Não me importo com as suas ameaças. Não me importo se meu pai me puser para fora de casa. E se Forest resolver que não quer arriscar a carreira dele, isso também não tem importância. Eu simplesmente não vou ser mais sua esposa! - os olhos violeta de Eriça se estreitaram.- Além disso, acho que você não vai querer ver o nome da sua preciosa família arrastado à lama num processo de divórcio.- Creio, Eriça, que você finalmente cresceu.Ela olhou para Rafael sem expressão. A calma aceitação dele era espantosa. Atordoada, voltou o olhar para o jardim, segurando com força a balaustrada. Tentava decifrar a razão da atitude dele. Rafaelse aproximou dela.- Você já falou com seu pai e com Forest a respeito do nossocasamento? - perguntou.- Ainda não. Por quê? Acha que ainda vai conseguir me fazerdesistir do divórcio?Ele apagou a cigarrilha num cinzeiro.- Eu não posso fazer isso, não é? Mas é uma pena. Os nossos filhos teriam sido bonitos e inteligentes, se bem que talvez um pouco impulsivos, não acha? - disse sorrindo.Esse comentário provocou um rubor incómodo no rosto de Eriça.- E arrogantes demais - ela acrescentou.- Si, todo mundo tem seus defeitos - ele assentiu com um sorriso de mofa. - Mas apesar de minha arrogância, sei que não posso106dissuadi-la da sua decisão. Só poderia convencê-la a mudar de ideia se me amasse. E você não me ama, não é mesmo?- Não - murmurou Eriça. Um arrepio percorreu sua espinha, fazendo suas extremidades

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nervosas vibrarem com a proximidade de Rafael.- Algum dia já pensou o que teria acontecido se você não tivesse fugido do meu iate naquela noite? - perguntou ele com calma.- Seu iate?- Não me diga que você ainda acredita que era de Helen? Rafael deu uma risadinha. - Na ocasião eu me diverti deixando você pensar isso. Helen, que por acaso é esposa de meu tio, na realidade estava hospedada no mesmo hotel que você. Ela tinha decidido não acompanhar o marido numa viagem de negócios à América do Sul. Eles voltaram a se encontrar em Acapulco, alguns dias depois que você partiu. Foi um reencontro muito feliz.- Mas ela era...- Americana, sim - ele completou. - Aconteceram casos de alguns membros da família Torres se casarem no exterior. Minha avó materna era francesa.- Eu sei tão pouca coisa a seu respeito - disse Eriça, pensativa.- De fato - Rafael assentiu, olhando com suavidade para o rosto dela. - Eu sei muito mais a seu respeito, embora você tenha me deixado intrigado algumas vezes. Por exemplo, sei que você se casou comigo para contrariar seu pai - ele estendeu a mão para afastar uma mecha de cabelo do rosto dela. - Naquela noite do nosso casamento, por que não esperou que eu a levasse de volta ao hotel como tinha prometido?Ela baixou a cabeça. Sentia-se nervosa com aquele contato que lhe lembrava tão bem as carícias de Rafael.- Por favor, eu... eu não quero falar sobre isso. Os dedos dele desceram para os ombros dela.- Eu não pretendia magoá-la, Eriça - havia uma ternura sincera na voz dele. Ela sentiu uma dor latejante no peito.- Não. Quero dizer, sim, mas. . . - Eriça sentiu-se embaraçada aoperceber que não conseguia conversar com naturalidade sobre a intimidadedeles.Rafael levantou o queixo dela com delicadeza.107- Na manhã seguinte, eu pretendia dizer que você era uma mulher muitoapaixonada e carinhosa. Jamais pensei que fugiria de mim depois de termoscompartilhado tantas coisas boas.- Rafael, por favor! - ela sentiu uma fraqueza nos membros.- Está usando o meu nome de novo - ele sorriu com tristeza.- O que quer de mim desta vez?- Eu não sei - ela sussurrou. Tinha a mente confusa.- Você se lembra daquela vez, em Acapulco, quando me perguntou por que não a tinha beijado? Onde está a sua coragem agora?Desesperada, Eriça tentou se recompor.- Por que não está zangado? Eu vou me divorciar de você.- Eu sei - o tom de voz dele continuou suave e sedutor. Como posso ficarzangado com isso? Se acreditasse que você estava me deixando por causa de outro homem, eu talvez ficasse. - Eriça abriu os olhos, ofegante. Ele sorria. - É a sua liberdade que você quer, não Forest.- O que o faz pensar assim?- Ainda não aprendeu que não é a mesma coisa quando ele toca em você? A mesma coisa que acontece conosco? - Rafael replicou.- Os carinhos dele podem ser agradáveis, mas não são a mesma coisa.- Eu não sei do que você está falando - ela negou com energia.- Os seus pareciam ser diferentes porque antes eu era inexperiente. Eu amo Forest mesmo.- Você se sente é protegida por ele, Eriça. Isso não é o verdadeiro amor.Rafael a beijou inesperadamente. Ela tentou, com desespero, analisar a diferença entre ele e Forest, mas as suas emoções tornaram isso impossível. Instintivamente, os braços dela envolveram-no pela cintura.Rafael afastou-se com lentidão. Segurou o corpo trémulo dela durante mais um tempo, até que o soltou de vez. Eriça respirou fundo.- Eu. . . eu acho melhor ir embora - ela murmurou.- É uma pena que você não possa me amar - os olhos dele estudaram o rubor das faces dela. - Seria tão lindo!- Seria uma solução perfeita para você, não? - Eriça concordou secamente. - Agora você vai

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ter que procurar outra mulher para ter os seus filhos e perpetuar o precioso nome da sua família.108Os lábios de Rafael se contraíram.- Nenhuma outra mulher vai usar o meu nome e ter filhos comigo. Você pode ter a sua liberdade, mas eu ainda estarei preso às minhas convicções.- Você não vai contestar o divórcio? - perguntou ela, franzindo a testa.- A única condição para que eu lhe conceda a liberdade é que você conte a seu pai e a Forest a verdade - a suavidade que havia no rosto dele foi substituída por uma máscara de arrogante desinteresse. - Não é um preço tão terrível, uma vez que você também teria que pagá-lo, mesmo que eu fosse contra o divórcio.- Eu não entendo. Por que você está cedendo? - ela balançou a cabeça, desnorteada.- Eu nunca pretendi forçá-la a honrar os seus votos do casamento -ele virou-se e caminhou para a mesa. Acendeu outra cigarf rilha.- Eu não acredito em você - murmurou Eriça, observando-o com cautela. Queria saber se ele não estava maquinando alguma coisa nova. - Você pensou simplesmente que seria bem-sucedido intimidando-me a concordar. Me ameaçou com um escândalo e me fez romper com Forest. Por que se deu ao trabalho de fingir que estava me cortejando durante este último mês, se não pretende se casar comigo em público?- Eu pensei, ingenuamente, que você talvez começasse a gostar de mim - disse Rafael com gravidade. - Eu preferiria dormir sozinho pelo resto da vida, a ter uma mulher que se ressente da minha presença na cama.Rafael estava falando sério. Eriça compreendera isso quando ele disse que não se casaria de novo. Ela sentiu um nó no estômago. Sentia-se culpada por ter tratado os votos de seu casamento com tanta leviandade. Não queria que fosse assim. Queria que o seu casamento fosse para sempre, mas com um homem que a amasse e que precisasse dela.- Rafael, você precisa se casar de novo - murmurou.- Não sinta pena de mim! - disse ele com aspereza. - Eu estava ciente dos riscos quando me casei com você. Por isso, assim como você, eu também vou pagar o preço.- Gostaria que houvesse alguma coisa que eu pudesse fazer.109- E há - disse ele, suspirando com amargura, - Você pode continuar sendo minha esposa.Eriça virou-se bruscamente, lamentando o mal que tinha causado aos dois. Houve uma imprecação abafada de Rafael, e depois o silêncio. Ela olhou hesitante para trás, e viu que estava sozinha no terraço. Ouviu ruídos dentro do quarto. Caminhou lentamente para as portas francesas. Rafael estava tirando uma camisa de um cabide quando ela entrou. Estava visivelmente irritado.- O que é que está fazendo? - a pergunta surgiu inesperadamente de seus lábios.- Eu vou me vestir - respondeu ele com frieza, tirando umacalça do armário.Ela ficou imóvel até que o viu desamarrando o cinto de seu robe. Então virou-se rapidamente e ouviu a risada dele.- Você ainda é tímida, Eriça - comentou Rafael num tom cruel.- É melhor eu ir embora - ela murmurou, nervosa. Encaminhouse para aporta.- Espere - ele ordenou, segurando-a pelo braço antes que ela chegasse à porta. - Espere um pouco, que já vou com você.Pelo canto do olho ela viu que ele já tinha vestido a calça, mas o tórax bronzeado ainda estava nu.- Eu vou para casa - disse Eriça.- Eu vou com você.- Por quê? - a pergunta dela continha uma acusação.Os olhos de Rafael se estreitaram. Pareciam diamantes negros ecortantes.- Porque eu quero estar lá quando você falar com seu pai sobre nós.- Você acha que eu não vou cumprir a minha palavra? - sentia-se magoada com a falta de confiança dele.- Eu não tenho dúvidas de que você lhe contará. Mas acho que é minha obrigação estar lá, para ajudar a acalmar o impacto da cólera dele.

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- Por que você é meu marido? - perguntou Eriça, com lágrimas nos olhos diante daquele gesto inesperado.110- Sim, porque sou seu marido. Acha que vou deixar você enfrentar tudo isso sozinha? - ele se virou, irritado.- Rafael? - ela proferiu o nome dele com hesitação.- Sim?- Obrigada.Ele a olhou por cima do ombro, e sua expressão suavizou-se.- Não há de quê - respondeu Rafael, com um brilho enigmático nos olhos.

CAPÍTULO X

Depois que Rafael se vestiu, ele pediu licença a Eriça para dar algunstelefonemas. Teria que adiar seus compromissos daquela manhã. Depoisseguiu-a com o seu próprio carro.Ao parar diante da garagem, Eriça esperou inquieta por Rafael. Quandoele estacionou, estendeu a mão trémula para segurar o braço dele,tentando disfarçar seu receio com um sorriso.- Vamos entrar? - sugeriu com animação.Rafael tocou no canto da boca de Eriça, que tremia, traindo a falta deespontaneidade daquele sorriso.- Não tenha medo, querida.Ela teve vontade de dizer como se sentia segura ao seu lado, mas as palavras não saíam. Ele soltou-lhe a mão e segurou na sua cintura, conduzindo-a para a porta da casa.Nesse momento um carro entrou pelo portão. Parando, surpresa, Eriça reconheceu Forest imediatamente. Ele estacionou o carro e caminhou de cabeça erguida na direcão deles.- O que está fazendo aqui, Forest? - perguntou Eriça. Olhou com hesitação para a expressão indecifrável de Rafael.- Pensei, por um instante, que eu fosse ser presenteado com outraexibição - respondeu Forest, carrancudo, dirigindo um olhar de francaantipatia a Rafael. - Recebi um telefonema no meu escritório, e vim para cá imediatamente. O que está havendo, Eriça?- Eu. . . - ela se virou indecisa para Rafael.- Fui eu quem telefonou - disse Rafael, ignorando a expressão de desafio de Forest. E procurou explicar a Eriça com calma: - Eu achei que seria melhor você contar a sua história só uma vez.Ela comprimiu os lábios com firmeza. Sentia-se comovida com a112compreensão dele. Nunca esperara encontrar tanta segurança no abraço deRafael. Nesse momento ela compreendeu que havia algo mais entre eles do que simplesmente uma atração sexual.- Obrigada - murmurou.Rafael fitou-a com intensidade durante um longo tempo, e depois disse:- Vamos entrar? - dirigindo-se a Forest.- Naturalmente - Forest escarneceu.De repente, aos olhos de Eriça, Forest transformou-se num estranho, em alguém que mal conhecia, e ela se aproximou mais de Rafael. Era difícil imaginar que o tinha desprezado há apenas poucas horas.Lawrence estava no hall de entrada quando os três entraram na casa. Havia uma expressão de curiosidade nos olhos dele ao fitá-los. No entanto, manteve a voz calma ao dizer:- O sr. Wakefield está esperando. Entrem, por favor - encaminhou-se para a porta do estúdio.Rafael tinha telefonado para o pai dela, pensou Eriça, sentindo umcerto alívio.Vance Wakefield parecia estar de bom humor quando se levantou dacadeira para cumprimentar os dois homens e a filha. O sorriso no rostonão disfarçou a curiosidade daqueles olhos azuis, ao olhar para ela.- Parece que fui escolhido como mediador desse triângulo de namorados

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- declarou.Eriça sentou-se na ponta de uma cadeira de couro. Olhou então paraRafael, que estava sentado numa outra, e para Forest, que estavaacomodado mais perto dela.- Você não é exatamente um mediador, papai - disse ela com calma,entrelaçando os dedos das mãos em cima do joelho. Respirou fundo. - Eunão sei por onde começar. Não quero parecer dramática - sorriu, fitando o pai. Logo em seguida seu olhar se dirigiu aRafael, encontrando nos olhos dele a força de que precisava. - Bem,papai, Rafael e eu somos casados.- Casados? - a explosão veio de Forest e não de Vance, como Bseria dese esperar. - Quer dizer que me fez vir até aqui só para fcaber que vocêestá casada com ele? Sua mulherzinha insensível! Ele berrou, levantando-se da cadeira.113- Sente-se, senor Granger - ordenou Rafael. - Vai ouvir o que minhaesposa tem a dizer, antes de começar a condená-la!Forest olhou com fúria para ele, e depois voltou a se sentar. Eriça desviou os olhos da expressão indignada de Forest.- É realmente uma notícia inesperada, não acha, Eriça? - seu pai faloucom calma, com um leve tom de desaprovação. - Não que eu faça algumaobjeção a don Rafael.- Para falar a verdade - disse ela, entrelaçando os dedos com força. - Eu o conheci há quase dois anos, quando estivemos em Acapulco. Eu não sabia quem ele era na ocasião. . . isto é, pensava que sabia - levantou o rosto que estava vermelho. Eriça sentia-se embaraçada. - Eu pensava que Rafael fosse um caçador de dotes. Casei-me com ele na noite em que você viajou para Houston, papai.Uma expressão fria e inflexível tomou conta do rosto de Vance.- Está dizendo que está casada com ele há quase dois anos? -perguntou.Ela assentiu com um gesto de cabeça, enfrentando o olhar do pai.- Fiz isso para me desforrar de você. Sei que parece infantil e toloagora, mas eu só queria que você se lamentasse por ter-me ignorado durante o que deveriam ter sido as nossas férias. Depois que soube que você tinha partido eu fiquei assustada demais para lhe contar o que tinha feito.Vance Wakefield não disse nada. Simplesmente a olhou com frieza, como se dissesse que não estava surpreendido por ela ter agido assim. Eriça era uma mulher voluntariosa, sem um pingo de juízo.- Eu suponho que ele a tenha chantageado durante todo esse tempo - Forest resmungou, olhando de relance para Vance Wakefield. - Nós só temos a palavra dele, de que ele é quem diz ser.- O senor Wakefield já fez investigações discretas com o cônsul mexicano local, para se certificar da minha identidade - Rafael respondeu com frieza à insinuação de Forest.- É verdade. Fiz mesmo - o pai de Eriça respondeu, sem se desculpar.- E foi por causa dele que você não aceitou a minha proposta,não foi? - perguntou Forest, emburrado.- Eu não poderia concordar em me casar com você, já estando casada com Rafael - Eriça riu com amargura.114- Pelo menos teve bom senso quanto a isso - o pai murmurou.- Suponho que deva me sentir grato por você não ter se metido numa confusão ainda maior.- A sua crítica a Eriça não é justa - Rafael disse com suavidade, quando Eriça se encolheu diante do comentário mordaz do pai.- Todo mundo está sujeito a cometer erros.- Minha filha tem uma queda para encrencas - comentou Vance Wakefield asperamente. - E sempre espera que eu as resolva. Se não me engano, acho que Eriça me contou tudo isso para que eu consiga uma anulação, e ela fique livre para se casar com Forest.- A anulação não é possível - um silêncio perplexo Se seguiu ao comentário suave de Rafael. Eriça corou sob o olhar acusador de Forest. - É verdade que Eriça fugiu depois que nos

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casamos, mas só na manhã seguinte ao dia do nosso casamento.Forest praguejou baixinho, enquanto os olhos do pai se estreitaram. Eriça não conseguiu suportar os olhares de censura que eles lhe lançaram. Levantou-se, virando as costas e cruzando os braços. Sentiao estômago embrulhado.- Se a sua intenção era se divorciar, por que tem saído com eledurante este último mês? - Forest quis saber.Eriça olhou por cima do ombro para Rafael. Não estava dispostaa contar que ele a obrigara a sair. Rafael a fitou com tranquilidade erespondeu por ela:- Porque minha esposa achava que eu não lhe daria o divórcio. Eu lhedisse que se não rompesse com você e começasse a sair comigo, eu iria contar ao sr. Vance sobre o nosso casamento, pois sabiaque ela tem em alta conta a opinião do pai. Eriça veio até mim estamanhã, dizendo que iria contar a ele toda a verdade e que enfrentaria as consequências.- Eu gostaria de saber por que se casou com minha filha e manteve issoem segredo - o olhar penetrante de Vance passou de Eriçapara Rafael.Mas Rafael se manteve imune àquele olhar reprovador. Estudou orosto dela antes de responder:- Eu me casei com sua filha porque a amava, e por nenhumaoutra razão.- Isso não é verdade - disse Eriça, ofegante. - Você só se casoucomigo para que pudéssemos ter filhos!115- Você nunca me perguntou por que me casei com você - Rafael a lembroucom cinismo, - Você nunca pensou em quais teriam sido os meus motivos. Sim, eu quero filhos, mas existem muitas mulheres que teriam se casado comigo e me dado filhos. Eu descobri que você não me amava na noite em que nos casamos, ou, pelo menos, não tanto quanto eu te amava. Mas, na minha arrogância ele sorriu, zombando de si próprio - eu achava que, com o tempo, você retribuiria o meu amor. Nunca esperei que fosse embora pelamanhã.Eriça fitou-o, espantada. Aquelas palavras percorreram o corpodela como uma corrente elétrica.- Como você já salientou, querida - Rafael prosseguiu -, eu sou muito orgulhoso. Quando a encontrei em San António, você exigiu o divórcio e alegou estar apaixonada por outro homem. Eu não poderia "ficar dejoelhos e declarar o meu amor por você diante de tais circunstâncias.- Se você sabia que ela me amava - Forest se intrometeu -, por que não agiu decentemente e não lhe concedeu a liberdade?O olhar indiferente de Rafael se dirigiu com arrogância a Forest.- Porque sabia que você jamais poderia fazê-la feliz. Oh, sim, talvez durante algum tempo - ele levantou a mão como que pedindo licença para continuar. - Você é parecido demais com o pai dela. Depois de alguns meses de casamento, começaria a não lhe dar valor deixando-a de lado para progredir na sua carreira. Poderiam até ter um filho ou dois para ocupar o tempo dela, mas o amor por uma criança jamais poderia substituir o amorentre um homem e umma mulher. Eu esperava que Eriça começasse a gostar demim neste últi mo mês, mas isso não aconteceu. Por isso concordei com opedido de divórcio e não vou contestá-lo.Rafael se pôs em pé e se voltou para Vance.- Não seja severo com Eriça. A sensibilidade que o senhor vê comofraqueza, eu vejo como força. Ela aceita a sua afeição e a retribui multiplicada por dez. Não são muitos os pais que podem dizer isso de seus filhos - ele então olhou para Eriça e para Forest. Acho que não há nada mais a ser dito. Minha presença não é mais necessária. Buenos dias.Em silêncio, quase como que através de uma névoa, Eriça o viu passar por ela ao se encaminhar para a porta. Rafael cumprimentou-a116

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com um leve gesto de cabeça. Quando a porta se fechou atrás dele, elacompreendeu que nunca mais o veria. Não sentiu nenhuma alegria, nenhum alívio, nenhum sentimento de vitória por ter conseguidofinalmente a liberdade. Sentia apenas um vazio assustador, um vácuo, comose alguma parte importante dela tivesse ido embora.- Eu vou telefonar para Jules - disse Vance com aspereza. Ele poderácomeçar a preparar os papéis para o divórcio.- Não! - a recusa de Eriça foi espontânea e firme. - Não, não vai havernenhum divórcio - declarou.- Não seja idiota! - exclamou Forest com fúria. - O homem está lhe dandoa liberdade. Nós podemos nos casar.- Eu não quero me casar com você - ela olhou para o rosto duro de Forest,como se visse o interior dele pela primeira vez. Eu não te amo, Forest. Sinto muito, mas você é apenas uma sombra de meu pai. É tão parecido com ele que estou surpresa por não ter percebido isso antes. Eu amo meu pai, mas não gostaria de estar casada com ele.- Você não está pensando que está apaixonada por Rafael, está?- Forest deu uma risadinha escarnecedora e descrente.Eriça não disse nada durante um segundo, mas depois respondeu pausadamente, com uma certeza cada vez maior:- Sim, sim, acho que estou.- Não cometa outro erro, Eriça - o pai aconselhou, num tom de voz brando.Mas Eriça já estava correndo para onde Rafael tinha estacionado o carro.A porta do carro estava aberta, e ele já ia entrando quandoa viu. Ela parou, depois caminhou de maneira hesitante em sua direção,estudando o rosto dele. Desejava que não fosse tarde demais.- Rafael - o nome dele saiu num sussurro.- Sim? Está precisando de mais alguma coisa? - perguntou com uma ponta de impaciência na voz.Ela umedeceu os lábios com nervosismo.- Eu não quero mais o divórcio, Rafael. A expressão dele endureceu.- Eu não preciso da sua piedade. Deixe-me procurar a paz que preciso encontrar.- Não é piedade, Rafael - ela insistiu. - Eu sinto pena de mim mesma, por descobrir, quem sabe tarde demais, que realmente te117amo..Sei que não há nada que eu possa dizer para que você acredite, mas éverdade. Eu te amo.- Você está apenas agradecida - disse ele asperamente. - Estáagradecida por eu ter assumido um pouco da culpa pela sua estupidez e porter aplacado um pouco da cólera de seu pai. Não esconda a sua gratidãocom palavras de amor.- Eu não sei quando comecei a te amar. Só me dei conta disso há poucos instantes, quando você saiu do estúdio. Senti como se uma parte de mim estivesse indo embora com você. Foi como uma névoa que subisse de repente. Compreendi o que sentia cada vez que você me tocava, o poder que exerce sobre mim. Eu descobri que nenhum homem poderia me fazer sentir isso, nem Forest. Quando você veio para cá, e eu descobri que não era um caçador de dotes, você me deixou num beco sem saída. Exigiu que tornássemos o nosso casamento uma realidade. Mas eu achava que você queria isso para poupar à sua família a vergonha de um divórcio e para que tivéssemos filhos. Mas não porque gostasse de mim.Rafael se manteve distante e Eriça levou a mão à garganta para conter um riso amargo. Lágrimas lhe escorreram pelas faces e ela sevirou com rapidez.- Mas que boba que eu sou! - exclamou, - Tudo isso foi só para enganar meu pai, não foi? Você só disse que me amava para salvar o meu orgulho. Mas não estava falando sério, é claro! Eu porém, não me importo! - dissecom nervosismo. - Você queria uma esposa e filhos. Bem, sou sua esposa evou lhe dar filhos. Maseu te amo. . .- Pare com isso! - Rafael agarrou de uma forma selvagem os ombros dela ea fez virar-se. Você está cedendo a um impulso. Não sabe o que está

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falando.- E você é arrogante demais para acreditar em mim!Ele então a abraçou com força e a beijou impetuosamente.- Eu te amo, Eriça, mi esposa.- Por que esperou tanto tempo para vir me buscar? - ela murmurou, tocandono rosto que agora tinha direito de acariciar.Ele riu com suavidade.- Ah, meu amor, quando descobri que você não estava a bordo do iate, e que tinha deixado o hotel, eu voei para San António imediatamente. Ninguém sabia ou queria me dizer onde você estava.118Esperei aqui durante quase duas semanas, até que recebi a notícia de que meu pai havia sofrido um ataque cardíaco. Tive que voltar para o México. As circunstâncias me mantiveram lá até há pouco tempo.- E seu pai? - Eriça perguntou.Houve por um momento uma expressão de dor nos olhos dele.- Ele morreu na última primavera.- Oh, querido, eu sinto muito - disse ela com os lábios trémulos. - Gostaria de ter estado lá com você.- Mas você não me amava então - ponderou Rafael, beijando-a de leve.- Você então acredita que eu te amo - Eriça suspirou, repousando a cabeça no ombro dele.- Você vai precisar me dizer isso amanhã e todos os dias de sua vida.- Eu prometo que direi.- Espero que você não aguente ficar longe de mim - ele disse.- Tem sido muito difícil para mim, estando tão perto de você, não poder lhe dizer o quanto te amo. Se tivesse aprendido espanhol antes você teria sabido o quanto eu te amava na nossa noite de núpcias a bordo do iate.- Onde está o iate? - Eriça perguntou, agora lembrando-se com saudade daquela noite.- Em Acapulco, esperando pela sua volta.- Manana - ela murmurou o nome do iate. - Vamos para lá.- Nós passaremos a nossa lua-de-mel a bordo. Antes vamos à minha casa, para que minha família possa conhecê-la.- Eles sabem a meu respeito?- Sim - Rafael sorriu com ternura. - Não que é minha esposa, mas eu já lhes falei sobre você e sobre a minha intenção de torná-la minha mulher. Meu orgulho não permitiria que eles pensassem mal de você e nem que sentissem pena de mim por tê-la perdido. Nós vamos fazer outro casamento, bem simples, na aldeia perto de casa. Você se importa?- Não, eu gostaria de refazer os nossos votos. Mas, Rafael um rubor de acanhamento tingiu o rosto dela, ao ser invadida pelo desejo de sentir o contato dele. - Será que temos que esperar?Ele respirou fundo.- Você é minha esposa - ele tirou do bolso o anel de sinete e enfiou-o nodedo dela. - O seu amigo Jules Blackwell me devolveu. Eu lhe disse que teamava e que não partiria até pôr este anel no seu dedo de novo.Eriça sorriu, feliz. Os braços de Rafael a envolveram num abraço terno eseus lábios se encontraram com paixão. Eles não precisavam mais esperar.A promessa, tão doce, se cumpriria. . .FIM

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