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Elaborado a partir de depoimentos coletados junto aos (ex)moradores e material fornecido pelo grupo de apoio aos desabrigados, em especial as contribuições de: Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Fórum de Lutas do Vale do Paraíba, Unidos para Lutar, Mandato de Wagner Balieiro, Mandato de Carlinhos Almeida, Movimento Urbano dos Sem Teto (MUST), Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São José dos Campos. Janeiro '12 Pinheirinho: Um Relato Preliminar da Violência Institucional [Violação de Direitos Humanos na Ocupação Pinheirinho (São José dos Campos/SP): Ação de Reintegração e Tratamento dos Despejados] Elaborado por: Brigadas Populares, Justiça Global, Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência

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E l a b o r a d o   a   p a r t i r   d e   d e p o i m e n t o s   c o l e t a d o s   j u n t o   a o s   ( e x ) m o r a d o r e s   e  m a t e r i a l   f o r n e c i d o   p e l o   g r u p o   d e   a p o i o   a o s   d e s a b r i g a d o s ,   e m   e s p e c i a l   a s  c o n t r i b u i ç õ e s   d e :   S i n d i c a t o   d o s   M e t a l ú r g i c o s   d e   S ã o   J o s é   d o s   C a m p o s ,  F ó r u m   d e   L u t a s   d o   V a l e   d o   P a r a í b a ,   U n i d o s   p a r a   L u t a r ,   M a n d a t o   d e  W a g n e r   B a l i e i r o ,   M a n d a t o   d e   C a r l i n h o s   A l m e i d a ,   M o v i m e n t o   U r b a n o   d o s  S e m   T e t o   ( M U S T ) ,   C o m i s s ã o   d e   D i r e i t o s   H u m a n o s   d a   O r d e m   d o s   A d v o g a d o s  d o   B r a s i l ,   s e c c i o n a l   S ã o   J o s é   d o s   C a m p o s .  

Janeiro   '12  

08  Fall  

 

Pinheirinho:  Um  Relato  Preliminar  da  Violência  Institucional  

 

 

 

[Violação  de  Direitos  Humanos  na  Ocupação  Pinheirinho  (São  José  dos  Campos/SP):  Ação  de  Reintegração  e  Tratamento  dos  Despejados]  

 

 

 

 

 

Elaborado  por:  Brigadas  Populares,  Justiça  Global,  Rede  de  Comunidades  e  Movimentos  Contra  a  Violência  

 

 

 

 

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Introdução  

No dia 22 de janeiro de 2012, um grande efetivo policial, formado por aproximadamente dois mil homens da Polícia Militar de São Paulo (provenientes de batalhões de municípios do Vale do Paraíba, do Litoral Norte e até da capital) e da Guarda Civil Municipal de São José dos Campos, apoiado por dois helicópteros e pelo menos um carro blindado da PM, além de várias viaturas policiais, ambulâncias e um caminhão dos bombeiros, invadiu e despejou centenas de famílias - um número incerto entre 3000 e 9000 pessoas - que há oito anos ocupavam um terreno de cerca de 1 milhão de m2 no local conhecido como Pinheirinho, Zona Sul de São José dos Campos.

A operação iniciou-se por volta das 5:30h de domingo e pegou a grande maioria dos moradores ainda dormindo ou despertando. Moradores e ativistas de movimentos sociais, que se encontravam na cidade há cerca de uma semana, apoiando os sem-teto e aguardando o desfecho da batalha jurídica e política em torno do despejo, imediatamente começaram a registrar e divulgar por sites e redes sociais da Internet, imagens de policiais fazendo uso abusivo de violência contra moradores desarmados, utilizando indiscriminadamente bombas de gás, spray de pimenta e projéteis de borracha. Algumas imagens mostraram guardas municipais empunhando armas com munição letal. Como relatou o jornal britânico The Guardian1, somente após e devido essa mobilização de informação alternativa, a mídia corporativa brasileira começou a divulgar algumas imagens e relatos da brutalidade das forças estatais na operação.

Os fatos divulgados publicamente desde então são suficientes para caracterizar violações em massa cometidas durante o despejo. A OAB federal, a relatoria sobre moradia da ONU e o próprio governo federal (que poderia ter agido muito antes e com muito mais empenho para evitar o desfecho brutal) já se pronunciaram neste sentido2. Entretanto, o caso é muito mais grave: envolveu conflitos sérios entre as esferas federal e estadual, ao nível do judiciário e do executivo, tratamentos degradantes aos despejados durante e após a operação, obstrução ao trabalho da imprensa e de organizações e instituições defensoras dos direitos humanos, destruição e abandono ao saque dos bens das famílias despejadas por parte do poder público.

Até o momento de conclusão deste relatório preliminar não foi possível comprovar as mortes que, segundo relatos de alguns dos moradores removidos, teriam acontecido na ação de despejo e nos confrontos posteriores em que as forças policiais agiram contra moradores nos bairros vizinhos. Por exemplo, segundo um dos moradores do Campo dos Alemães, Edson, “tem famílias de pessoas desaparecidas que estão sendo ameaçadas. Se falar vão morrer. Só que nem consegue achar os corpos. Ninguém sabe onde estão os corpos”.

Pudemos, porém, comprovar que famílias ficaram dispersas, com seus integrantes sem contato entre si por horas ou mesmo dias, como no caso de Antônio Carlos dos Santos, funcionário da Prefeitura de Caçapava, que, ao menos até os dias logo subsequentes à desocupação, estava procurando sem êxito por sua família. Crianças sofreram com disparos e ação de gás, e se perderam de seus pais. Alguns feridos ficaram em estado grave e podem sofrer sequelas permanentes. Os repetidos relatos de desaparecimentos e óbitos sugerem que as buscas e investigações nesse sentido devem prosseguir.

Mais de uma fonte de nossos relatos mencionou a existência de vítimas fatais do despejo enterradas na localidade conhecida como Mangueira, nos limites do terreno, e membros das organizações que

                                                                                                               1  "  The  fight  against  Brazil's  Pinheirinho  eviction  can  be  an  inspiration"  (http://www.guardian.co.uk/commentisfree/cifamerica/2012/jan/24/brazil-­‐pinheirinho-­‐eviction-­‐inspiration)  2  “Para  OAB,  houve  'quebra  do  pacto  federativo'  em  desocupação”  (http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,para-­‐oab-­‐houve-­‐quebra-­‐do-­‐pacto-­‐federativo-­‐em-­‐desocupacao,825935,0.htm)  “Governo  Federal  volta  a  criticar  ação  no  Pinheirinho”  (http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,governo-­‐federal-­‐volta-­‐a-­‐criticar-­‐acao-­‐no-­‐pinheirinho,828394,0.htm)  “Relatora  especial  da  ONU  para  habitação  critica  ação  no  Pinheirinho”  (http://g1.globo.com/sao-­‐paulo/noticia/2012/01/relatora-­‐especial-­‐da-­‐onu-­‐para-­‐habitacao-­‐critica-­‐acao-­‐no-­‐pinheirinho.html)  

assinam este documento foram ao local no dia 27/01, porém não foi possível efetuar uma busca exaustiva devido à grande área envolvida, bastante acidentada e com muita vegetação. Curiosamente, no dia 28/01, o jornal local “O Vale” publicou notícia, dando como fonte “traficantes que atuam na região”, de que na mesma localidade existiria um cemitério clandestino do tráfico, e a policia civil teria afirmado já ter ouvido “boatos” nesse sentido3. Ressaltamos a estranheza da notícia, pois é totalmente incomum criminosos se auto-incriminarem divulgando informações como essa.

Também é grave violação de direito privar de moradia milhares de pessoas, que buscavam através de sua própria organização e esforço contornar o imenso déficit habitacional existente no Brasil, país cada vez mais louvado no mundo inteiro por sua pujança econômica, mas que carrega imensa dívida histórica e social com uma parcela enorme de seus cidadãos, precisamente aquela parcela pobre, descendente de africanos escravizados ou indígenas, como são os despejados do Pinheirinho.

A  luta  pela  moradia  no  Pinheirinho  e  os  conflitos  entre  o  judiciário  e  o  executivo  nas  esferas  estadual  e  federal  A ocupação do Pinheirinho começou em 2004, com 150 famílias vindas de outras ocupações da cidade, criadas pelos sem-teto diante da falta de política de habitação na cidade. No final de 2003, essas famílias se cansaram de esperar as promessas da prefeitura e ocuparam 150 casas da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), no Campo dos Alemães. Eles foram expulsos do local e como não tinham para onde ir ocuparam um campo de futebol conhecido como "Campão do Campo dos Alemães". Nesse momento, que podemos considerar o momento de surgimento do Pinheirinho, os sem-teto já somavam 240 famílias. A prefeitura prometeu cadastrar os sem-teto nos programas habitacionais em troca da desocupação do Campão.4 Em 2010, um cadastramento dos moradores de Pinheirinho foi concluído pela Prefeitura de São José dos Campos.5

O terreno ocupado pertencia à massa falida da Selecta, empresa de Naji Nahas, que ficou conhecido ao ser denunciado por especulação e fraudes em operações de ações da Vale (ex-Vale do Rio Doce), do Banco do Brasil e da Petrobras. Nahas chegou a ser preso em 1989, quando havia montado um império de quase 30 empresas agrupadas na holding Selecta Indústria e Comércio, e novamente em 2010, dessa vez acusado de chefiar uma organização criminosa.6 A Selecta é suspeita de falência fraudulenta por ter decretado concordata para fugir de um rombo de US$ 40 milhões. Sua dívida chega a R$ 15 milhões apenas para o município de São José dos Campos em impostos atrasados. Outro grande credor da Selecta é o governo federal.

Segundo o princípio da função social da propriedade urbana, definido nos artigos 5o, 170 e 182 da Constituição brasileira, o terreno ocupado seria passível de desapropriação com vistas a implantação de programa habitacional, que beneficiaria não só as famílias ocupantes como outras. Entretanto, nem o governo municipal nem o federal, principais credores da Selecta, tomaram ações definitivas neste sentido, apesar das inúmeras promessas. Por seu lado, a massa falida entrava com ação de reintegração de posse contra as famílias.

O número de famílias ocupantes cresceu (eram estimadas em cerca de dois mil, totalizando quase dez mil pessoas), as casas receberam melhorias (a maioria era de alvenaria), desenvolveu-se um comércio local, foram estabelecidas igrejas e atividades sociais foram desenvolvidas por apoiadores como

                                                                                                               3   “Áreas  no  Pinheirinho  eram  usadas  como  cemitério  de  vítimas  do  tráfico”  (http://www.ovale.com.br/nossa-­‐regi-­‐o/areas-­‐no-­‐pinheirinho-­‐eram-­‐usadas-­‐como-­‐cemiterio-­‐de-­‐vitimas-­‐do-­‐trafico-­‐1.212366)  4   "Pelo   direito   à   moradia   -­‐   Moradores   do   Pinheirinho   enfrentam   os   interesse   dos   rico$   e   são   ameaçados   de   despejo"  (http://quimicosjcagora.blogspot.com/2012/01/pelo-­‐direito-­‐moradia-­‐moradores-­‐do.html)  5  "PM  'ficha'  moradores  da  zonal  Sul  de  S.  José".  Jornal  Bom  Dia  Sorocaba  de  07.dez.2010.  6  "  O  empresário  Naji  Nahas  foi  preso  acusado  de  chefiar  organização  criminosa"  (http://topicos.estadao.com.br/fotos-­‐sobre-­‐satiagraha/o-­‐empresario-­‐naji-­‐nahas-­‐foi-­‐preso-­‐acusado-­‐de-­‐chefiar-­‐organizacao-­‐criminosa,e588b769-­‐884a-­‐4f98-­‐b8ee-­‐10074da6f7f8)  e  "Operação  Satiagraha"  (http://www.terra.com.br/noticias/infograficos/operacao-­‐satiagraha/)  

sindicatos, estudantes, associações religiosas e profissionais. Isso tudo apesar da falta de investimento público básico, como saneamento, pavimentação, redes de luz, água e esgotos, etc. O movimento sem-teto, enquanto isso, procurava permanentemente estabelecer canais de diálogo com os governos federal, estadual e municipal, visando a regularização da área.

Em 2011, no processo de reintegração de posse que corre na Justiça Estadual, , a juíza da 6.ª Vara Cível de São José dos Campos recebeu um pedido da Selecta para que fosse marcada data de realização de audiência de instrução e, apesar de se tratar de posse velha7, determinou a reintegração liminar da área - desconsiderando que as famílias já se encontravam no local há oito anos e iniciativas governamentais de regularização fundiária do local.

As três esferas de governo discutiram um Protocolo de Intenções que detalhava a participação federal, estadual e municipal no processo de regularização. O Governo Federal proporcionaria a desapropriação da área, enquanto que o Governo Estadual planejava a implantação da infraestrutura urbana - o Secretário Estadual de Habitação, Silvio Torres, inclusive, já havia visitado o local. O Município, por sua vez, havia autorizado e realizado o cadastramento das famílias. Apesar de todo esse quadro favorável à permanência dos moradores, a juíza manteve a decisão, embora reconhecesse que faltava apenas o aval da prefeitura municipal, que ainda analisava a proposta.

Na madrugada do dia 16 de janeiro de 2012, quando a força policial já se posicionava para executar a reintegração, a juíza federal substituta Roberta Monza Chiari deferiu liminar determinando às forças estaduais de segurança que não promovessem a desocupação, já que foi reconhecido o interesse da União no processo de regularização do local e a inexistência de motivos concretos para a realização apressada de um ato de remoção.

As tropas, com seus blindados, metralhadoras, bombas e cães, retrocederam. Embora o juiz titular da 3ª Vara Federal, Carlos Alberto Antonio Júnior, tenha revisto essa decisão, alegando a incompetência da Justiça Federal e restabelecendo a ordem de reintegração, no dia 19 de janeiro do mesmo ano, o Tribunal Regional Federal – 3a Região, através da relatoria do desembargador Antônio Cedenho8, reverte essa decisão ao reconhecer o interesse jurídica da União na causa. Com isso, foi restabelecida a decisão liminar que havia suspendido qualquer ato forçado de desocupação.

Paralelamente, ao nível da justiça estadual, por iniciativa de parlamentares do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e da Assembléia Legislativa de São Paulo, com a participação das partes do processo (Selecta e moradores), buscou-se um acordo que resultou na suspensão do processo pelo prazo de quinze dias, segundo decisão do juiz titular da 18ª Vara Cível de São Paulo Luiz Bethoven Giffoni Ferreira, proferida no dia 18 de janeiro, visando à concretização do acordo de regularização entre as esferas governamentais (apenas a prefeitura resistia a concluí-lo).9

As decisões judiciais dos dias 18 e 20 foram vistas como uma vitória para o movimento sem-teto, que vinha se preparando para resistir à reintegração. A festa comemorativa atravessou a noite do dia 21 para o dia 22. Silenciosamente, entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (não obstante a decisão da 18a Vara) e o governo estadual (não obstante sua participação nas negociações pró-regularização), somaram forças à prefeitura de São José e preparam a operação de despejo, que começou poucas horas após o fim das comemorações na comunidade.

O Juiz Rodrigo Capez foi selecionado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para acompanhar a ação como auxiliar do presidente do Tribunal, o desembargador Ivan Sartori. A resposta redigida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que fosse desconsiderada a decisão do TRF e autorizou às forças estaduais de segurança que enfrentassem uma possível resistência por parte da Polícia Federal.

                                                                                                               7  De  acordo  com  o  Código  de  Processo  Civil,  em  casos  de  posse  superiores  a  um  ano,  não  haveria  a  possibilidade  de  concessão  de  liminar  de  reintegração.  Há,  entretanto,  controvérsia  jurídica  a  respeito  desta  vedação  desde  a  reforma  do  diploma  legal  mencionado  no  que  tange  o  regime  geral  de  medidas  de  tutela  de  emergência.  8  Agravo  de  Instrumento  Nº.  0000966-­‐21.2012.4.03.0000/SP;  2012.03.00.000966-­‐0/SP.  1.  9  "Justiça  suspende  por  15  dias  a  reintegração  do  Pinheirinho"  (http://brasildefato.com.br/node/8645)  

Nesse contexto, e para preservar a autoridade da decisão de, e Tribunal de Justiça, instruo V. Ex a. a prosseguir na execução do decisório estadual, por conta e responsabilidade desta Presidência. Autorizo, para tanto, requisição ao Comando da Polícia Militar do Estado, para o imediato cumprimento da ordem da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, repelindo-se qualquer óbice que venha a surgir no curso da execução, inclusive a oposição de corporação policial federal. somente passível de utilização quando de intervenção federal decretada nos termos do art. 36 da Constituição Federal e mediante requisição do Supremo Tribunal Federal, o que inexiste.10

O pronunciamento da Presidência do Tribunal paulista configura um atropelamento flagrante da situação de conflito de competência, que obrigaria esperar por pronunciamento do Supremo Tribunal de Justiça, bem como a desconsideração da decisão judicial estadual do dia 18 do mesmo mês. O governo estadual, por sua vez, ciente das decisões conflitantes e envolvido como estava nas negociações11, teria todas as condições de eximir-se de ordenar as polícias militar e civil a apoiar o cumprimento da ordem de reintegração, ainda mais num domingo, dia em que as famílias estão em repouso ou em funções religiosas.

Como nota, é importante destacar que posturas estatais arbitrárias em relação ao movimento de luta pela moradia de São José dos Campos são de longa data e um de seus casos mais conhecidos é a chamada "Lei Hayashi" - Lei Municipal Nº. 6.539, de março de 2004. O mencionado diploma legal, sancionado e aprovado pela Prefeitura, determina

Art. 1º - O Poder Executivo deverá notificar todo aquele que invadir área pública ou particular, concedendo-lhe o prazo de 24 (vinte e quatro) horas para desocupar o local, sob penas da Lei. Art. 2º - Aquele que deixar de atender à notificação do Poder Executivo será desligado de todos os programas sociais do Município, inclusive habitacional, afora outras medidas legais adoptadas. Art. 3º - Se posteriormente ao desligamento o munícipe deixar a área invadida, haverá um prazo de carência de 6 (seis) meses para que readquira o direito de inscrição e participação em programas municipais.

Em maio de 2006, a lei é declara inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por violar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade: "Patente a desproporção entre o fato da invasão e a pena infligida que, no mais das vezes, transcenderá a figura do invasor. Nesse contexto, também não se afigura razoável punir o invasor com a perda de benefícios sociais. Essa medida é por demais severa e não guarda relação equânime entre a sanção e o benefício social. A condição de invasor de área pública ou privada, não pode, de forma alguma, importar perdas de todos os benefícios sociais já conquistados na coletividade.".12

A ordem de reintegração começou a ser executada aproximadamente às 05:30 da manhã do dia 22, poucas horas após o fim da comemoração da suspensão pelos moradores. Entretanto, muitos moradores relataram que, no começo, a presença e a ação policial em Pinheirinho estava sendo vista como uma "operação pente fino". Segundo relatos, os policiais teriam informado, naquele primeiro momento, que estariam na comunidade para executar uma ordem de busca e apreensão. As pessoas seriam checadas para averiguar se havia alguma ordem de prisão contra a pessoa ou se a mesma portava, por exemplo, drogas ou armas de fogo, o que fundamentaria uma detenção imediata. Nesse momento, todos foram orientados a entrar nas suas casas. Até esse momento, era o Batalhão de Choque quem estava na linha de frente da operação.

Nesse primeiro momento, começava a truculência policial. Quem se recusasse a entrar em casa, era recebido com balas de borracha e bombas de gás pelo Batalhão de Choque. Com a chegada do resto da Polícia Militar, por volta das 11:00 da manhã, a situação assumiu outra feição. A partir de então, os moradores obrigados a sair de suas casas, sob ameaças por parte dos policiais, e o fato de que se tratava de uma desocupação - e não de uma busca e apreensão - ficou evidente. Em regra, os moradores não

                                                                                                               10  Despacho  proferido  pelo  Presidente  do  Tribunal  de  Justiça  de  São  Paulo  no  dia  21  de  janeiro  de  2010.    11  “Deputados  denunciam  manobra  de  má-­‐fé  do  governador  Alckmin”  (http://www.cartacapital.com.br/sociedade/deputados-­‐denunciam-­‐manobra-­‐de-­‐ma-­‐fe-­‐do-­‐governador-­‐alckmin  )  12  Ação  Direta  de  Inconstitucionalidade  Nº  125.738/0-­‐0.  

puderam retirar seus bens nesse momento. A polícia os orientou a sair de casa sem levar nada, exceto a roupa do corpo e, por vezes, mas nem sempre, documentos. Já no abrigo, Eliete, que não quis fornecer sua identificação completa, relata que sua filha de cinco anos, Helen, perguntava a ela porque a polícia fez aquilo, pedindo para voltar para casa. Eliete tem que explicar para ela que a família não tem mais casa.

No dia 23 de janeiro, dia seguinte ao despejo, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler, em decisão liminar porém dependente de apreciação posterior pelo plenário do STJ, opinou pela competência da justiça estadual13, autorizando provisoriamente a juíza da 6.ª Vara Cível a decidir sobre as medidas urgentes, mas então o direito essencial das famílias às suas moradias já havia sido violado, e as máquinas da prefeitura, sob proteção policial, já procediam à demolição das casas.

Obstrução   do   acesso   das   famílias   despejadas   aos   seus   pertences,  destruição  das  casas  com  pertences  e  móveis,  e  abandono  do  terreno  ao  saque  indiscriminado  Embora a prefeitura afirmasse que a reintegração se daria em três etapas (retirada das pessoas, catalogação e separação dos pertences, devolução dos pertences às famílias), a operação acabou levando à perda da maioria dos bens dos removidos. As famílias foram retiradas de forma apressada, literalmente enxotadas pelos tiros, bombas e gás, e, em muitos casos, foram obrigadas a deixar para trás seus móveis, aparelhos eletrodomésticos e a maior parte dos objetos pessoais.

Aparentemente funcionários da prefeitura etiquetaram os pertences e lacraram as casas, mas a demolição das residências começou (talvez ainda no dia 22, mas com certeza já no dia 23) antes que todos pertences fossem removidos para depósitos municipais. Um desses casos é o de José Francisco dos Santos, que foi informado que poderia voltar no dia 24 de janeiro com um caminhão que seus bens poderiam ser retirados. Entretanto, ao voltar, constatou que sua casa havia sido derrubada por cima de todos os seus bens. Um policial presente no local lhe informou que faria um boletim de ocorrência, porém não entregou nenhum tipo de comprovante a José Francisco. Caso semelhante ocorreu com duas mães que preferiram não se identificar. Com filhos entre seis meses e quatorze anos, a polícia apenas as deixou utilizar dois sacos de lixo para acondicionar seus bens. Tudo que não coubesse, teria que ser deixado para trás.

Ana Paula da Conceição foi outra que teve sua casa destruída com seus bens dentro. Os policiais haviam lhe informado que seus pertences seriam numerados e que, após o cumprimento da ordem de reintegração, teria como retirá-los, porém, nas palavras da moradora: "Não foi verdade. Eles entraram derrubaram, quebraram e fizeram o que fizeram com o que era nosso. Teve gente que não teve direito nem de pegar seus documentos." Quando chegou com um caminhão para retirar suas coisas, ela viu que a metade da casa já tinha sido demolida com todas suas coisas dentro, inclusive seu guarda-roupa inteiro e seu material de trabalho: os produtos que revendia como fonte de renda.

De tarde, quando voltou, lhe informaram que o resto de suas coisas haviam sido retiradas para um galpão em São José dos Campos. Ao se indagar sobre esse galpão, o caminhoneiro que estava no mesmo e fazia transporte de bens para lá lhe disse "Essa é minha última viagem naquele lugar. O que estão fazendo com vocês é desumano. Não estão tirando as mudanças de vocês. Estão quebrando e jogando em cima dos 'caminhão' quase tudo vira lixo e vem para esse galpão." No galpão, o resto de seus bens estavam acondicionados em sacos de lixo. Neles, Ana Paula encontrou lixo e bens de outras pessoas. A foto adiante mostra o que restou dos pertences de Ana Paula que foram deixados no local.

                                                                                                               13  "STJ  diz  que  reintegração  de  posse  é  válida"  (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1038032-­‐stj-­‐diz-­‐que-­‐reintegracao-­‐de-­‐posse-­‐e-­‐valida.shtml)  

Os moradores não tiveram acesso ao terreno e a suas casas até o dia 25, entretanto ao final desse dia a polícia retirou-se repentinamente do local, que ficou assim exposto à ação de saqueadores.14 Ana Paula dos Santos Moura relata que, ao voltar à sua casa nesse dia, por volta das 14:00, verificou que diversos de seus bens haviam sumido, dentre eles um microondas, geladeira, fogão e televisor. Denunciou o fato a uma oficial de justiça presente que lhe informou que o restante de seus bens seriam retirados e levados a um depósito municipal. Ao regressar no final de dia, nenhum oficial de justiça estava presente e o que havia restado de seus bens estava sendo levado - sem numeração ou catalogação - por um caminhão não identificado como pertencente ao Poder Público. Esse motorista voltou mais tarde com uma ordem do oficial de justiça e com ela foi até o depósito municipal. Lá, a moradora exigiu que levassem seus bens para outro local, entretanto o motoristas que se prontificou para fazê-lo, após colocar seus bens no veículo, se separou dela e fugiu com todos seus pertences. Após todo esse sofrimento, retornou ao Pinheirinho e verificou que as casas remanescentes estavam sendo saqueadas sem que nenhuma ação policial fosse tomada para impedi-lo.

Falas como as de Luiz Alberto Ferreira Nunes, Arnaldo Ribeiro Viana e Paula, que cuida de sua mãe após a mesma ter sofrido um derrame cerebral que a deixou incapaz de se locomover sem auxílio, destacam que muitos dos moradores entrevistados afirmam reiteradamente que a Polícia teria marcado sua casa e seus bens, informando-os que, com esse número, teriam como resgatar todos seus pertences, mas impediram o acesso.

Maria Cleide de Oliveira Santos, ao tentar voltar para pegar o remédio de seu filho, foi informada pelo policial que teria que obter a autorização de um coronel presente no local. "Eu falei: Coronel, pelo amor de deus, o senhor deixe eu pegar o remédio do meu filho. Se não quer deixar eu entrar, então manda um policial - eu deixei a minha bolsa em cima do sofá da minha sala (...) - para pegar o remédio do meu filho. 'Não pode que não sei o quê. Você tem que dar a volta por outro canto. Só pode entrar com oficial de justiça." Osmar Onofre dos Santos relato que, ao tentar voltar para checar o estado de sua casa, foi recebido com balas de borracha e levado desmaiado ao Posto de Saúde Dom Bosco.15

Na realidade, conforme apresentado, as casas foram derrubadas com os pertences dentro, bens foram quebrados antes de serem jogados em sacos de lixo e acumulados em galpões públicos e não houve um controle efetivo por parte do Poder Público para impedir que outras pessoas entrassem no que havia restado do Pinherinho e simplesmente pegassem o que quisessem. Muitos moradores declaram que ainda estão pagando pelo material de construção de suas casas e bens que forma destruídos. Uma

                                                                                                               14  "Após  15  horas  de  saques,  Selecta  assume  o  Pinheirinho"  (http://www.ovale.com.br/nossa-­‐regi-­‐o/apos-­‐15-­‐horas-­‐de-­‐saques-­‐selecta-­‐assume-­‐o-­‐pinheirinho-­‐1.211474)  15  Vide:  http://www.youtube.com/watch?v=-­‐j6RJoZBh40  

moradora que não quis fornecer seu nome afirma que possuía um comércio no local e que havia R$2.500,00 no interior do estabelecimento quando a polícia ordenou a retirada, mas apenas lhe foi entregue de volta R$500,00.16 Também teriam sumido garrafas de uísque que ainda estariam pendentes de pagamento.

Moradores, movimentos sociais, parlamentares e organizações defensoras dos direitos humanos que percorreram o terreno a partir da noite do dia 25 assistiram a um espetáculo aterrador: casas demolidas com móveis e pertences no interior, pertences jogados para fora das casas de qualquer maneira, móveis e eletrodomésticos destruídos, casas não demolidas completamente saqueadas, legiões de saqueadores, alguns até com caminhões, percorrendo as ruínas.

Membros da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, da Justiça Global e das Brigadas Populares, que percorreram o terreno nos dias 26 e 27 observaram saqueadores tentando levar até caixas d’água, e uma “garimpeira”, que se declarou moradora do bairro Dom Pedro, dizendo que ouvira que “a polícia liberara a área” para saques. Uma moradora relatou que veículos de empresas supostamente contratadas para retirada dos pertences podem ter contribuído para os saques.

Agressões,  ameaças,  espancamentos,  ferimentos  e  intoxicação  devido  a  disparos,  bombas,  gás  e  spray  de  pimenta  Esses foram alguns dos casos mais massificados de violações cometidas. As vítimas incluem mulheres, crianças, idosos, ativistas sociais e inclusive autoridades estatais. As agressões aconteceram no terreno da ocupação, durante o despejo, mas também nos bairros vizinhos (principalmente o Campo dos Alemães) e nos abrigos para onde foram direcionados os despejados. Moradores relatam que os policiais muitas vezes tiravam sua identificação, que forneceria seu nome às vítimas, para dificultar e até impossibilitar denúncias. Há inclusive relatos, como o de Maria José de Andrade Moura, que os policiais estariam portando armas de fogo letais, e não apenas balas de borracha e bombas de gás.17

A título de exemplo, temos o caso de Naise Aparecida dos Santos. Após ordens contraditórias da polícia para primeiro entrar em sua casa e depois sair da mesma, Naise, durante essa confusão, foi atingida por um tiro de bala de borracha no braço. Não houve nenhum tipo de auxílio médico por parte do Estado - seja no local, seja depois, nos abrigos. O resultado é que, dias depois, Naise ainda apresentava uma clara lesão, conforme demostra a foto abaixo, retirada no dia 25 de janeiro no abrigo localizado no Morumbi.

                                                                                                               16  Vide,  também,  o  vídeo  disponível  em:  http://www.youtube.com/watch?v=-­‐j6RJoZBh40  17  Vide  também:  http://www.youtube.com/watch?v=otTsN53YI5A  

Segundo relato de Ana Paula da Conceição, uma de suas amigas, de nome Daniele, foi gravemente feridas durante a ação policial. Daniele foi atingida por uma bala de borracha na boca que teria rasgado seus lábios. Em caso semelhante, Dulcinéia Plastino Martins, a polícia, após ter ordenado que entrasse em sua casa, junto com seu irmão e mãe de setenta anos, jogou uma bomba de gás no interior da residência, ferindo gravemente Dulcinéia. Nenhum policial ou outro agente estatal presente no local ofereceu ajuda para levá-la até um atendimento médico. Pelo contrário, outro morador teve que ajudá-la a caminhar de sua casa até a rua que margeia a comunidade, pois as ambulâncias não podiam entrar para resgatar os feridos. Foram mais de vinte minutos caminhando até o pronto socorro, enquanto sangrava, até ter sido atendida por médicos.

Um caso de violência durante a desocupação que foi amplamente divulgado foi o de Cláudio Anésio Martins . Ele teria tentado ajudar sua ex-mulher quando foi agredido por policiais que supuseram que ele teria atirado uma pedra nos mesmos.18

A respeito das ameaças, um caso é de Oredina Juliane de Araújo, de quase sessenta anos. Segundo ela, a polícia a retirou, junto com seu filho, "como se fossem cachorros. Eu falei que não tinha lugar para ir. Eles falaram que, se eu não saísse, eu ia levar tiro. Naquela hora, ia me levar presa. Isso não se faz com um ser humano não."

As lesões não se limitaram aos moradores. O repórter-fotográfico Cláudio Vieira, do jornal local 'O Vale', informou que, durante a desocupação três bombas explodiram próxima a ele que e foi atingido por duas balas de borracha.

Mesmo após a desocupação, a agressão aos moradores de Pinheirinho continuaram. Um dos primeiro abrigos utilizados, a Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, foi atacado pela Polícia Militar na madrugada do dia da desocupação para a segunda-feira, 23 de janeiro.19 Segundo o morador Rafael, que não quis fornecer seu nome completo, duas viaturas da Polícia Militar chegaram na rua em frente à Igreja e começaram a disparar balas de borracha e bombas de gás na direção da Igreja. Carla, outra moradora, conta que estava alojada no ginásio poliesportivo quando a polícia e a guarda municipal começaram a jogar gás de pimenta. Muitas crianças pequenas e recém-nascidas teriam sido levadas por ambulâncias, enquanto as mulheres apanhavam da polícia. Segundo Carla, muitas mulheres grávidas apanharam de cassetete da polícia. “Mas só que isso é a nossa palavra contra a deles. A palavra dos favelados, dos drogados, contra deles, né. Porque eles têm poder e tudo”.

                                                                                                               18   Vídeo   da   agressão:   <http://www.youtube.com/watch?v=I59gVkRfEFQ>.   "O   VALE   conversa   com   pedreiro   agredido   pela  PM"  (http://www.ovale.com.br/o-­‐vale-­‐conversa-­‐com-­‐pedreiro-­‐agredido-­‐pela-­‐pm-­‐1.211462)  19  "Polícia  Militar  joga  bomba  em  pátio  da  igreja  que  abriga  moradores"  (http://solidariedadepinheirinho.blogspot.com/2012/01/policia-­‐militar-­‐joga-­‐bomba-­‐em-­‐patio-­‐de.html)  

Tratamento  desumano  e  degradante  aos  desabrigados  As famílias despejadas foram levadas inicialmente a um centro de triagem situado numa quadra poliesportiva próxima à ocupação, e depois distribuídas por quatro abrigos diferentes, três organizados pela prefeitura e um pelo movimento social. No dia 25 de janeiro, as famílias abrigadas no local então coordenado pelo movimento social deixaram e tiveram que se deslocar a pé para outro abrigo, providenciado pela prefeitura, distante cerca de 4 km, no bairro Jardim Morumbi.20

Em todos os abrigos as condições sanitárias são precárias, o espaço insuficiente, o atendimento médico aos necessitados depende de voluntários21. Em quase todos, os desabrigados são obrigados a usar pulseiras para suposto controle de entrada e saída, mas que, conforme narrado pelos desabrigados, acabam sendo um sinal de identificação que permitem agressões por parte da polícia fora dos abrigos. Os desabrigados no Jardim Morumbi recusaram-se a se submeter a esse sistema e destruíram as pulseiras.

No abrigo situado no CAIC, moradores acusam funcionários da prefeitura e o Conselho Tutelar de ameaçarem continuamente retirarem-lhe os filhos, e no dia 26 de janeiro pelo menos uma desabrigada não tinha informações nem acesso à sua neta que fora internada. A avó de Giovana Gabriele dos Santos Cesário, de 2 anos, declarou que, após algum outro ocupante do abrigo acusar a avó de estar

maltratando a neta para funcionários da Prefeitura, Giovana foi levada a um hospital. A mãe de

                                                                                                               20  "Sem-­‐teto  caminham  4  km  no  sol  até  chegar  a  abrigo"    (http://www.ovale.com.br/nossa-­‐regi-­‐o/sem-­‐teto-­‐caminham-­‐4-­‐km-­‐no-­‐sol-­‐ate-­‐chegar-­‐a-­‐abrigo-­‐1.211471)  21  “Reintegração  deixa  legião  de  desabrigados”  (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/21769-­‐reintegracao-­‐deixa-­‐legiao-­‐de-­‐desabrigados.shtml,  acessível  para  assinantes)  “Defensoria  entra  com  ação  por  abrigo  a  famílias  do  Pinheirinho”  (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1039070-­‐defensoria-­‐entra-­‐com-­‐acao-­‐por-­‐abrigo-­‐a-­‐familias-­‐do-­‐pinheirinho.shtml)    “Sem-­‐teto  enfrenta  superlotação”  (http://www.ovale.com.br/nossa-­‐regi-­‐o/sem-­‐teto-­‐enfrenta-­‐superlotac-­‐o-­‐1.212376  )  

Giovana é menor de idade e não possui condições de cuidar da criança, daí ter caído sob a sua avó a tarefa de criá-la, porém, quando essa foi a buscar sua neta, foi informada que Giovana teria sido entregue ao Conselho Tutelar, que informou a avó que apenas poderia retirar a criança quando a situação da família fosse resolvida. Após pressionar os funcionários do Conselho, lhe disseram que talvez Giovana fosse devolvida à família na quarta-feira, 01 de fevereiro de 2012. Não deixaram a avó ver a criança e nem lhe informaram onde a mesma estaria.

No mesmo abrigo, CAIC, desabrigados relatam que o local estava sujo com fezes de pombo no interior do alojamento onde as pessoas estão dormindo. Não há água no local, alguns moradores relatam que a comida servida está estragada e os desabrigados não estão sendo orientados quanto ao seu destino. A única informação que tiveram foi que, assim que começaram as aulas, terão que sair do local.

Luiz Alberto Ferreira Nunes declara que, além da falta de alimentação, foi inicialmente proibido de entrar no abrigo pelo fato de se ter passado das 23:00. Ele havia saído do mesmo para procurar alguma alimentação para sua esposa, que está grávida, e apenas conseguiu ingressar novamente no local após conversar com a polícia, assistentes sociais e explicar a situação.

Nos dias imediatamente posteriores ao despejo, funcionários da prefeitura abordaram desabrigados, oferecendo passagens para quem quisesse deixar a cidade para qualquer destino, inclusive para estados do Norte ou do Nordeste, o que foi interpretado como uma sugestão de que os moradores do Pinheirinho eram indesejados em São José dos Campos. Diante da fraca receptividade a essas propostas, elas cessaram.  

 

Obstrução  ao  trabalho  da  imprensa  e  de  organizações  e  instituições  defensoras  dos  direitos  humanos  No próprio dia do despejo, o acesso à área das operações foi fortemente restringido, parlamentares, autoridades federais e ativistas sociais que tentaram aproximar-se dos desabrigados foram agredidos e a imprensa era “guiada”pela polícia, fato que se repetiu nos dias seguintes22.

Sindicatos, organizações sociais e indivíduos que tentaram acesso ao Instituto Médico Legal e aos hospitais para obter informações sobre desaparecidos também foram obstruídos. O IML negou acesso ao livro de registros de entradas de corpos, e no Hospital Municipal da Vila Industrial a informação só era passada pela assessoria de imprensa, que negava a entrada de feridos, embora muitas pessoas tenham testemunhado intenso movimento de ambulâncias e viaturas policiais no dia do despejo.

Segundo o jornalista Jean-Philip Struck, da Folha de São Paulo, no dia 22/01, toadas as ruas que cercam o terreno foram bloqueadas pela polícia e ninguém podia entrar, sob pretexto de “medida de segurança”. No dia 23/01 a policia restringiu a entrada de jornalistas, e somente houve um “tour” programado que durou poucos minutos. Os jornalistas não podiam entrevistar os moradores, só registrar imagens, mesmo assim de forma parcial. O transporte dos jornalistas era feito exclusivamente em viaturas policiais até o dia 24/01. Também no centro de triagem a prefeitura controlava a entrada de jornalistas. A circulação da imprensa tornou-se livre somente no dia 25/01, quando a policia retirou-se da área.

                                                                                                               22  “Dentro  do  Pinheirinho,  PM  define  o  que  pode  ser  visto”  (http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5574565-­‐EI5030,00-­‐Dentro+do+Pinheirinho+PM+define+o+que+pode+ser+visto.html)    “Polícia  restringiu  acesso  da  imprensa  durante  operação”  (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/22252-­‐policia-­‐restringiu-­‐acesso-­‐da-­‐imprensa-­‐durante-­‐operacao.shtml,  acessível  para  assinantes)  

Anexo23  -­‐  Relatos    

Relato  1  -­‐  Reunião  com  sindicalistas:  A   luta  pela  moradia  começou  em  São  José  dos  Campos  na  década   de   90,   quando   a   cidade   começou   a   crescer   e   as   favelas   que   ocupavam   áreas  potencialmente   interessantes  para  o  empreendimento   imobiliário  passaram  a   ser   visadas.   Entre  1990   e   1994,   os   movimentos   conseguiram   alguns   avanços   -­‐   como   a   aprovação   de   um   Plano  Diretor,   o   reconhecimento   das   áreas   de   favela   como   de   interesse   social   e   a   criação   de   um  Conselho  Municipal  de  Habitação  -­‐,  porém  esse  quadro  começou  a  ser  revertido  com  a  eleição  de  Emanuel  Fernandes.  Por  exemplo,  em  1996  setenta  famílias  do  Vale  do  Eucaliptos  foram  visadas  para  remoção  pelo  Poder  Público,  mas  houve  resistência  popular.  Daí  em  diante,  diversas  outras  comunidades  foram  atacadas.  O  Conselho  Municipal  de  Habitação  foi  extinto  e  a  única  reunião  na  qual  os  movimentos  foram  recebidos  pela  municipalidade  foi  em  1999.  O  Pinheirinho  nasce  com  a  desocupação   de   uma   comunidade   em   2003   que   gera   outra   ocupação   que,   também,   sofre  remoção.  A  área  do  Pinheiro  estava  antes  totalmente  abandonada  e  foi  com  a  sua  ocupação  que  a  área   cresceu   e   se   tornou   uma   área   residencial   tão   grande.   A   ação   contra   Pinheirinho   não   é   de  hoje.   Antes,   a   Prefeitura   havia   entrado   com   uma   ação   baseada   no   Código   de   Obras   contra   a  comunidade   e   propôs   uma   lei   -­‐   apelidada   de   "Lei   Hayashi"     -­‐   que   vedava   aos   moradores   de  ocupações  o  acesso  a  serviços  públicos.  A   lei   foi  declarada   inconstitucional  após   interposição  de  ADIn.   Em   regra,   as   pessoas   não   estão   fazendo   exame   de   corpo   de   delito   por  medo   de   ir   até   a  delegacia  e  serem  presos.  

Relato   2   -­‐   Hororina   Ferreira   dos   Santos   (áudio):   Teve   uma   assembleia   e   festa   no   sábado   para  comemorar   a   suspensão   do   processo   pela   Justiça   Federal,   mas   no   domingo   pela   manhã  compareceu   a   polícia   para   realizar   a   desocupação.   Ela   estava   dormindo   quando,   às   05:30  aproximadamente,   acordou   com   o   barulho   fora   do   comum   no   exterior   da   casa.   Saiu   da   casa,  levando  seu  neto,  e,  ao  ver  a  grande  quantidade  de  policias  e  as  pessoas   fugindo,  passou  mal  e  quase  desmaiou.  A  polícia  falou  que  eles  teriam  que  sair  e  passar  para  o  outro  lado  do  cordão  de  isolamento.  Seguiu  fugindo  com  seu  neto,  passando  mal  e  sem  voz.  O  neto,  durante  a  escapada,  repetia  que  os  policiais  o  iam  matar  -­‐  que  ele  iria  morer  ali.  Na  segunda-­‐feira  de  noite,  dia  seguinte  à  desocupação,  perguntaram  para  ela  se  teria  notícias  de  seu  ex-­‐marido,  Ivo  Teles  dos  Santos,  pois  a  casa  deste  teria  sido  derrubada  sem  que  nada  fosse  retirado  de  dentro.  Informaram-­‐na  que  ele  estaria  bêbado  durante  a  operação  da  polícia  e  que,  por  causa  disso,  teria  xingado  os  policiais.  Em  resposta,   ele   teria   sido   brutalmente   espancado   pelas   forças   de   segurança,   apesar   de   ser   um  senhor  de  75  anos  de  idade  -­‐   inclusive,   Ivo  teria  sido  baleado  na  perna.  Desde  então,  ela  tenteu  conseguir  informações  sobre  Ivo  com  outras  pessoas,  dentre  elas  membros  da  organização,  porém  ninguém  sabia  do  paradeiro  de  Ivo,  apesar  de  terem  procurado  por  ele  em  dois  pronto-­‐socorros.  Ademais,  Ozorin  ouviu  que  teriam  havido  quinze  mortos,  dentre  eles  uma  jovem  que  teria  morrido  ao   inalar  a   fumaça  das  bombas  e  gases  utilizadas  pela  polícia.  A  causa  mortis  que  constaria  nos  documentos  do  hospital  seria  asma.  O  mesmo  teria  ocorrido  com  uma  mulher  grávida.  Quanto  aos  seus  pertences,   ela   conseguiu   retirá-­‐los  da   casa,  mas  em  outros   casos  a   casa   foi  derrubada  por  cima.  

Relato  3  -­‐  Naise  Aparecida  dos  Santos:  Estava  saindo  de  casa,  a  polícia  pediu  para  sair  na  casa  e  depois  para  entrar,  por  causa  da  confusão.  Nesse  momento,  da  confusão,  pegou  um  tiro  de  bala  de  borracha  no  braço.  Ninguém  do  governo  ofereceu  auxílio  médico,  nem  lá,  nem  nos  abrigos.  O  governo  não  está  dando  alimentação  no  abrigos.  Nenhuma  ajuda  quanto  aos  filhos.    

                                                                                                               23   Demais   anexos,   como   os   vídeos   abaixo   referenciados   e   leis   e   decisões   judicias   citadas,   encontram-­‐se   em   mídia   ótico  encaminhada  em  anexo.  

Relato  4  -­‐  José  Francisco  dos  Santos:  Eles  chegaram  domingo  falando  que  teria  que  fechar  a  casa  que  a  polícia  garantiria  a  segurança  dos  bens.  Foi   informado  que  na  segunda  não  poderia  voltar,  daí   foi  na  terça,  ele  voltou  e   foi   informado  que,  se  trouxesse  um  caminhão,  poderia  retirar  suas  coisas.  Ao  chegar  na  casa,  derrubaram  a  casa  por  cima  de  todos  os  bens.  Foi  perda  total.  A  policial  falou  que  tinha  que  fazer  um  BO,  que  teria  sido  feito,  mas  José  não  recebeu  cópia  do  BO.  Ficou  sabendo  que  as  casas  estariam  sendo  saqueadas.  Não  tem  nenhuma  informação  sobre  para  onde  vão  e  por  quanto  tempo.  A  população  de  Pinheirinho  foi  dispersada  entre  vários  acampamentos,  abrigos  e  casas  de  amigos;  

Relato   5   -­‐   Teresa  Gonçalves  Meireles:   Conseguiu   tirar   algumas   coisas,   como   colchão   e   roupas,  mas  outras  deixou,  pois  não  teria  para  onde  levar.  Tentou  voltar,  mas  não  deixaram  entrar.  Não  queriam  deixá-­‐la  pegar  sua  cachorra  de  volta.  Não  recebeu  nenhuma  informação  sobre  para  onde  ia  e  seu  destino.  O  importante  é  lutar  de  novo  para  ter  um  cantinho.  

Relato   6   -­‐   Cláudio  Vieira   (repórter   fotográfico   do   Jornal  O  Vale):   Durante   a   desocupação,   três  bombas  explodiram  próximo  a  ele  e  foi  atingido  por  duas  balas  de  borracha.  

Relato  24  -­‐  Ana  Paula  da  Conceição  de  23  anos,  com  dois  filhos  (um  de  um  ano  e  oito  meses)  e  separada   (video-­‐2012-­‐01-­‐26-­‐13-­‐08-­‐18.mp4,   video-­‐2012-­‐01-­‐26-­‐13-­‐25-­‐10.mp4,   video-­‐2012-­‐01-­‐26-­‐13-­‐31-­‐57.mp4):   Morou   quatro   anos   em   Pinheirinho.   Por   volta   de   11:30/12:00,   os   policiais  chegaram  na  sua  casa,  sendo  que  a  Tropa  de  Choque  havia  chegado  pelas  06:00  e  falou  para  todos  entrarem   em   suas   casas.   Em   quem   ficou   na   rua,   levava   bala   de   borracha   e   bombas   de   gás.  Naquele   momento,   porém,   todos   estavam   relativamente   tranquilos,   pois   o   boato   era   que   era  apenas  um  "pente  fino"  -­‐  os  policiais  estariam  ali  para  fazer  uma  busca  e  apreensão  -­‐,  mas  quem  saísse   eles   não   deixavam   voltar.   No   sábado,   o   Suplicy   tinha   falado   que   a   Justiça   Federal   tinha  barrado  a  demolição,  mas  os  moradores   foram  surpresos  no  domingo  de  manhã.  Os  moradores  foram  enganados,  já  que  tinha  ganho  a  terra  pela  Justiça  Federal,  mas  a  Estadual  não  quis  cumprir  a  ordem.  Com  a  chegada  da  Polícia  Militar  no  final  da  manhã,  foi  orientada  a  sair  da  casa,  mas  não  poderia  levar  nada  com  ela.  Falaram-­‐lhe  que  sua  casa  e  coisas  seriam  numeradas  e  que  apenas  ela  poderia   ter   acesso   aos   seus   pertences   e   poderia   tirá-­‐los.   "Não   foi   verdade.     Eles   entraram  derrubaram,  quebraram  e  fizeram  o  que  fizeram  com  o  que  era  nosso.  Teve  gente  que  não  teve  direito  nem  de  pegar  seus  documentos."  Quando  ela  chegou  com  um  caminhão  para  retirar  suas  coisas,  ela  viu  que  a  metade  da  casa  já  tinha  sido  demolida  com  todas  suas  coisas  dentro,  inclusive  seu   guarda-­‐roupa   inteiro.   "Quatro   anos   de   trabalho   meu   vocês   botaram   no   chão.   Vocês   não  deram  direito  da  gente  tirar  nossas  coisas.  Eu  saí  daqui  com  a  roupa  do  corpo."  De  tarde,  quando  ela  voltou,   lhe   informaram  que  o  resto  de  suas  coisas  haviam  sido  retiradas  para  um  galpão  em  São  José  dos  Campos.  Ao  se   indagar  sobre  esse  galpão,  o  caminhoneiro  que  estava  no  mesmo  e  fazia  transporte  de  bens  para  lá  lhe  disse  "Essa  é  minha  última  viagem  naquele  lugar.  O  que  estão  fazendo   com   vocês   é   desumano.   Não   estão   tirando   as  mudanças   de   vocês.   Estão   quebrando   e  jogando  em  cima  dos  'caminhão'  quase  tudo  vira  lixo  e  vem  para  esse  galpão."  Botaram  tudo  em  saco  de  lixo  preto  para  fazer  a  "mudança".  Na  verdade  quebravam  tudo  e  colocavam  nesses  sacos.  Quando  foi  buscar  seus  pertences  no  galpão,  apenas  liberam  o  recolhimento  de  tais  sacos.  Neles,  Ana   Paula   encontrou   lixo   e   pertences   de   outras   pessoas.   Ela   era   vendedora   da   Natura/Avon   e  tinha   caixas   de   produtos   na   casa   que  não  pode   tirar   antes   da   derrubada.   "Eles   falaram  que  no  Pinheirinho   tinha   muito   bandido.   Bandidos   são   os   que   fazem   isso   com   as   famílias.   Isso   sim   é  bandidagem."   "Eu   tenho   duas   amigas   (...)   Uma   'tá'   com   a   boca   rasgada   -­‐   nunca   mais   ela   vai  recuperar  a  boca  dela  -­‐   'com'  um  tiro  de  bala  de  borracha.  A  outra  (...)  uma  bomba  em  cima  da  casa   dela.   Ela   foi   toda   ferida   para   o   hospital.   Essa   deu   entrada   no   Hospital   da   Vila.   (...)   Ela   se  chama   Anéia.   (...)   A   outra   se   chama   Daniele."   "Jornalista   nenhum   pode   entrar   aqui   na  desocupação,  nem  no  começo.  Só  no  fim,  depois  eles  fingiam  conduzir  as  famílias  para  o  local  para  

retirar  suas  coisas."  "A  minha  amiga  Néia,  quando  a  polícia  jogou  a  bomba  dentro  da  casa  dela  que  ela  se  feriu,  um  rapaz  apareceu  para  prestar  socorro.  Tirou  a  camisa,  levantou  as  mãos  para  cima  e  falou  para  o  policial  que  precisava,  que  a  menina  precisava  de  socorro  que  a  menina   tinha  sido  atingida   e   os   policiais   falaram   o   seguinte:   que   só   ele   podia   conduzir   ela   até   aqui.   Da   onde   ela  mora,   que  é   lá  nos   fundos,   lá   no   'G',   gasta   vinte  minutos  para   chegar  nessa  portaria.  As  únicas  'ambulância'   que   tinha   eram   duas   ambulâncias   que   'tavam'   aqui,   do   lado   desse   depósito   de  material  de  construção.  Ela  veio  sangrando  até  cá.  Sem  nenhum  socorro  da  polícia.  Aqui  dentro  não   tinha   ambulância   para   quem   passasse   mal.   (...)   Só   essa   pessoal   que   se   feriu   que   eles  permitiram  que  viesse  andando  até  aqui."  Tem  um  condomínio  de   luxo  atrás  de  Pinheirinho  e  o  pessoal   de   lá   não   gostava   da   presença   da   comunidade   ali.   O   Poder   Público   não   havia   feito   a  legalização  para  que  as  pessoas  pagassem  pelos  serviços  públicos.  Os  moradores  teriam  condição  de  pagar  tais  impostos,  mas  foi  o  Estado  que  não  quis  implantá-­‐los.  "Houve  uma  ganância  sim  de  tirar  a  gente  daqui.  Eu  acredito  aqui  que  não  vai  durar  muito  para  ser  construído  um  condomínio  de  luxo  igual  igual  ao  que  tem  aqui  atrás.  O  povo  era  incomodado  com  a  nossa  presença  aqui  e  eu  acho  que  tem  muita  coisa  por  trás  disso."  

Relato  8  -­‐  Aristeu  Neto  (advogado  do  sindicato  e  presidente  da  Comissão  de  Direitos  Humanos  da  OAB/SJC):  Havia  um  conflito  acerca  da  reintegração  e  na  semana  passada  havia  um  pedido  da  própria  massa  falida  pedindo  a  suspensão  da  reintegração  por  quinze  dias.  Ademais,  em  virtude  do  interesse  da  União  em  desapropriar  a  área,  havia  uma  decisão  na  esfera  federal  no  sentido  de  suspender   qualquer   ação   de   remoção.   Durante   a   desocupação,   houve   uma   ordem   do  desembargador   local   no   sentido   de   que   as   forças   de   segurança   estaduais   deveriam   enfrentar  inclusive  forças  federais,  se  necessário.  O  juiz  estadual  que  havia  suspendido  a  reintegração,  pelo  telefone,  às  seis  da  manhã  de  domingo,  voltou  atrás  e  autorizou  a  reintegração.  As  pessoas  foram  retiradas  de  suas  casas  e  essas  lacradas,  para  que  depois  retirassem  seus  bens.  As  pessoas  foram  encaminhadas  para  um  centro  de  triagem,  onde  ninguém  podia  entrar  em  um  primeiro  momento,  e  mães  foram  separadas  de  filhos,  etc.  Devido  a  um  tumulto  no  local,  a  polícia  disparou  bombas  de  gás  lacrimogêneo,  gás  de  pimenta  e  balas  de  borracha  para  o  interior  do  local.  Uma  das  bombas  de  gás   lacrimogêneo  caiu  dentro  da  área  das  crianças  e  há  denúncia,  ainda  não  comprovada,  de  que  duas  crianças  teriam  falecido  intoxicadas.    

Relato  9  -­‐  Duas  mães  não  identificadas,  cada  uma  com  três  filhos  (14,  9  e  12;  6,  3  e  seis  meses):  Quando  a  polícia  chegou,   já  estavam  dormindo.  Escutaram  os  fogos  e  seu  marido   levantou  para  ver  o  que  era,  mas  falou  que  era  apenas  uma  operação  "pente  fino",  segundo  os  policiais.  Por  isso,  ficaram  tranquilos,  mas   logo  veio  o  Batalhão  de  Choque,  que  mandou  entrar  nas  casas:  "Vai  pra  dentro  agora.  Não  quero  saber.  É  para  entrar  agora  que  eu  estou  mandando."  Se  alguém  abria  o  portão,  viravam  a  arma  para  a  pessoa.  Nesse  momento,  perguntaram  se  era  reintegração,  no  que  a   polícia   confirmou,  mas   apenas   deixaram   tirar   documento   e,   no  máximo,   uma  peça   de   roupa.  Perguntaram  se  não  deveria  ter  quinze  dias  para  desocupar  e  os  policiais  falaram  que  não.  Eram  seis   crianças,   portanto   demorou   um   pouco   para   pegar   a   roupa   básica,   no   que   a   polícia   ficou  pressionando  para  ir  logo.  Frente  ao  tamanho  das  bolsas,  a  polícia  falou  que  não  podia  levar  "tudo  aquilo".  Uma  policial  mulher  veio  para  revistá-­‐la  de  forma  detalhada.  No  meio  tempo,  as  crianças  choravam.  Chegando  no  portão,  os  policiais  novamente  falaram  que  não  poderia  sair  com  todas  aquelas   roupas.   Deram   dois   sacos   de   lixo   pretos   e   falaram   que   apenas   o   que   cabia   ali   dentro  poderia   sair   com   elas   -­‐   nenhum   tipo   de   bagagem  de  mão.  No   dia   seguinte,   perguntou   para   os  policiais  se  iam  derrubar  as  casas  com  móveis  dentro.  Foi  respondido  que  não,  mas  logo  depois  já  haviam  derrubado  sua  casa  com  tudo  dentro.  Não  conseguiu  pegar  nada.  Esse  abrigo,  Vale  do  Sol,  é  dos  melhores.  Há  alguma  assistência.  Denunciaram  de  uma  mãe  que  teria  sido  agredida  pelos  policiais  durante  a  desocupação.  A  maioria  das  pessoas,  como  não  tem  para  onde  ir,  está  ficando  nos   abrigos.   A   promessa   foi   de   que   haveria   algum   tipo   de   auxílio,   mas   não   houve   até   agora  

nenhum  tipo  de  cadastro.  Os  agentes  estatais  presentes  nos  abrigos  falam  que  não  tem  nenhuma  informação  sobre   isso.  Na  rua,  os  expulsos  de  Pinheirinho  estão  sofrendo  muito  preconceito.  As  crianças  ficam  perguntando  quando  vão  para  casa  e  ficam  com  medo  quando  veem  policiais:  "Eu  não  sou  homem,  sou  uma  criança."  Passaram  em  Pinheirinho  no  dia  26/01  e  havia  vários  veículos  com   pessoas   que   não   eram   da   comunidade   retirando   material   e   bens   que   foram   deixados   lá  durante  a  demolição;  

Relato  10   -­‐  Rafael:  Na  segunda-­‐feira  23/01  na   Igreja  Na  Sa  do  Perpetuo  Socorro,  onde  estavam  abrigados  parte  dos  despejados.  Por  volta  da  1  hora  da  madrugada,  duas  viaturas  da  Polícia  Militar  com  oito   policiais   (com  a   numeração   das   viaturas   oculta   por   trajas)   chegaram  na   rua   defronte,  sacaram  suas  espingardas  e  começaram  a  disparar  para  dentro  da   igreja,  através  do  alambrado.  Dispararam   tiros   de   bala   de   borracha   e   depois   granadas   de   gás.   As   pessoas   se   desesperam,   as  mulheres   buscaram   as   crianças   para   levar   para   dentro   dos   banheiros   como   proteção.   Duas  viaturas   da   polícia   federal   que   se   encontravam   próximas   ligaram   suas   sirenes,   e   com   isso   as  viaturas  da  PM  se  retiraram.  Meia  hora  depois  três  viaturas  da  Rota  se  posicionaram  nas  ruas  em  torno  da  igreja,  onde  se  encontravam  pessoas  moradoras  das  imediações,  e  passaram  a  atirar  para  dispersá-­‐las  

Relato  11  -­‐  Ana  Paula  dos  Santos  de  Moura:  Junto  com  Sua  mãe  Neusa  Maria  Soares  dos  Santos,  encontravam  em  casa  no  domingo  22/01  por  volta  das  6h  quando  foram  atacadas  por  bombas  e  gás  de  pimenta,  os  policiais  dizendo  "entra  para  dentro".  Permaneceram  próximo  à  casa,  a  mãe  ficou  desesperada  e  chorando.  Por  volta  das  15h  estava   fora  de  casa  procurando  saber  de  uma  possível  "quebra  da  liminar",  quando  voltou  para  tentar  entrar  em  casa,  os  policiais  não  deixaram  entrar  mesmo  com  a  mãe  chorando  lá  dentro.  Após  cerca  de  uma  hora  deixaram  entrar  mas  a  esta  altura   já  estavam   lacrando  a  casa.  Saiu  de  carro  do  terreno  com  sua  mãe.  Ficaram  abrigadas  na  igreja  de  domingo  a  segunda,  terça  foi  para  o  caíque  e  depois  foram  mandada  para  um  abrigo  para  moradores   de   rua   e   usuários   de   drogas.   Hoje   25/01   por   volta   das   14h   voltou   ao   terreno   a  conseguiu  entrar  com  um  vizinho  e  foi  até  sua  casa  que  também  era  um  comércio.  Lá  verificou  que  havia  sumido:  microondas,  4  bujões  de  gás,  chapa  de  trailer,  máquina  de  frios,  geladeira,   fogão,  uma  cômoda,  aparelho  de  som  e  televisão,  liqüidificador  industrial.  Procurou  um  oficial  de  justiça  que  estava  presente  chamada  Raquel  e  mostrou-­‐lhe  a  casa.  Ela  disse  que  a  casa  "ainda  não  havia  sido   vistoriada".   Pediu   que   registrasse   o   que   ainda   havia   na   casa   e   prometeram   que   amanhã  retirariam  o  restante  dos  pertences  e  levariam  para  o  depósito  municipal.  Resolveu  voltar  mais  ou  menos   às   19h,   conseguiu   entrar   e   chegar   à   sua   casa   e   verificou   que   todo   o   restante   de   seus  pertences   (camas   hospitalar   de   sua  mãe,   3   freezers,   2   balcões,   3   prateleiras)   havia   sumido.   Os  oficiais  de  justiça  não  se  encontravam  mais  no  local.  Quando  saiu  viu  um  caminhão  placa  de  São  Paulo  BIW4096  com  seus  pertences,  nem  numerados  nem  catalogados.  Começou  a  gritar  quem  era   que   estava   com   aquele   caminhão,   e   ninguém   se   identificava.   Após   cerca   de   meia   hora  apareceu  o  motorista  que  mostrou  um  documento  do  oficial  de  justiça.  Foi  com  ele  até  o  depósito  municipal.   Chegando   lá   outros   motoristas   começaram   a   ficar   nervosos   com   a   presença   dela  pedindo  que  levasse  seus  pertences,  até  que  o  motorista  se  dispôs  a  levar  as  suas  coisas,  mas  se  separou  dela  no  meio  do  caminho  e  fugiu.  Voltou  mais  uma  vez  ao  pinheirinho,  por  volta  das  21h  e  viu  vários  moradores  do  bairro  União  saqueando  as  casas  remanescentes,  sem  nenhuma  ação  da  polícia  para  impedir  tal  ação;  

Relato  12  -­‐  Professor  de  Filosofia  (M2U00085.MPG;  M2U00086.MPG;  M2U00087.MPG):  Fala  que  não   estava   fazendo   nada,   apenas   sentado,  mas   a   polícia   lhe   atirou   com   balas   de   borracha.   Ele  mostra  o  ferimento,  localizado  na  perna  direita.  Mostra  a  cápsula  de  uma  das  bombas  e  fala  que  também  foi  atacado  com  gás  de  pimenta.  

 

Relato   13   -­‐   Oficial   de   Justiça   da   Justiça   Federal   (M2U00096.MPG):   Fala   da   existência   de   uma  ordem  federal  para  que  "a  polícia  se  abstenha  de  qualquer  desocupação".  O  comandante  geral  da  PM  na  área  do  Vale  da  Paraíba,  Manuel  Messias  de  Melo,  teria  dito  que  não  cumpriria  essa  ordem,  pois  a  competência  seria  da  Justiça  Estadual.  

Relato   14   -­‐   Antônio   Carlos   dos   Santos   (M2U00112.MPG):   Há   cinco   anos   é   funcionário   da  Prefeitura  de  Caçapava.  Estava  procurando  sua  família,  mas  não  a  encontrava.  Informaram-­‐no  que  a  encontraria  em  determinado  local,  mas  chegando  lá  não  encontrou  ninguém.  "A  gente  vota  por  que  é  obrigatório.  Porque  na  hora  que  a  gente  precisa  deles,  eles  esquecem  da  gente."  

Relato  15  -­‐  Oredina  Juliane  de  Araújo  (M2U00113.MPG)  (02:00):  Tem  quase  sessenta  anos  e  um  filho  com  problema  de  saúde  e  foram  tiradas  como  se  fossem  cachorros.  "Eu  falei  que  não  tinha  lugar  para  ir.  Eles  falaram  que,  se  eu  não  saísse,  eu  ia  levar  tiro.  Naquela  hora,  ia  me  levar  presa.  Isso  não  se  faz  com  um  ser  humano  não."  

Relato   16   -­‐   Morador   há   oito   anos   (M2U00123.MPG,   M2U00124.MPG,   M2U00125.MPG,  M2U00126.MPG):  "O  prefeito  tem  a  capacidade  de  botar  nove  mil  pessoas  na  rua.  Sem  moradia.  Ele  não  pensou  nas  crianças,  nos  idosos.  Comer  o  que?  Comida  que  eles  'traz'?  Uma  comidinha  de  fora  pra  'nóis'?  A  gente  não  quer  comida.  A  gente  quer  casa.  A  gente  'começamos'  o  Pinheirinho.  A  gente   construiu."   Não   pode   retirar   seus   bens.   Falaram   que   apenas   com   ordem   da   justiça,  mas  também  falaram  que  no  dia  seguinte.  Outros  que  teriam  uma  semana,  "mas  para  derrubar  a  casa  foi   em   dez  minutos".   Enquanto   isso,   ficou   tudo   jogado   no   terreno.   Para   piorar,   ele   ainda   está  pagando  pela  casa.  Ao  retirar  as  pessoas  de  suas  casas,  a  polícia  revistou  os  moradores  como  se  fossem  bandidos.  Na  triagem,  foi  informado  que  deveria  se  cadastrar  para  obter  uma  alternativa  de  moradia,  mas  sua  mulher  está  cadastrado  há  trinta  anos  e  até  hoje  não  recebeu  nada.    

Relato   17   -­‐   Depoimento.  Homem   (M2U00127.MPG):   Não   conseguiu   ser   atendido   na   triagem   e  cadastramento.  

Relato  18  -­‐  Depoimento.  Jovem  mulher  (M2U00128.MPG):  Os  helicópteros  ficaram  sobrevoando  as  casas  e  fazendo  barulho.  Quando  as  pessoas  tentaram  sair,  havia  os  policiais  falando  para  todos  voltarem  para  dentro  das  casas.  "Gente  'foram'  para  um  lado  e  para  o  outro.  Gente  passando  mal.  Minha  mãe  desmaiando  na  rua.  Não  respeitaram  ninguém,  nem  criança.  Grávida  desmaiando  na  rua  e  eles  não  'queria'  nem  saber.  Eles  'passava'  por  cima."  

Relato   19   -­‐   Depoimento.  Mãe   com   criança   (M2U00129.MPG):   Quando   abriu   a   porta   de   casa,  sentiu  muito  cheiro  de  gás  de  pimenta.  Pegou  a  filha  de  um  ano  e  meio  e  sua  outra  e  saiu  com  a  mãe.  Na  saída,  jogaram  uma  bomba  na  entrada  da  casa,  fazendo  com  que  sua  mãe  desmaiasse  e  sua  filha  reclamasse  que  seu  olho  estava  "dodói".  Sua  mãe  tem  problema  de  pressão  e  todos  seus  remédios   haviam   ficado   na   casa,   mas   a   polícia   não   deixou   pegar   de   volta.   Nem   as   fraldas.   "O  policial  ainda  falou  que  se  minha  mãe  não  atravessasse  a  rua  logo  ele  ia  agredir  a  minha  mãe.  Usar  força  bruta  contra  a  minha  mãe."  

Relato   20   -­‐   Elza   Neida   Aparecida   (M2U00136.MPG):   Foi   cadastrada   na   triagem.   Disseram   que  ligariam  para  ela  depois  para  informar  a  respeito  da  relocação,  mas,  até  o  momento  da  entrevista,  não  havia  sido  contatada.  

Relato   21   -­‐   Depoimentos.   Condições   do   abrigo.   (M2U00137.MPG,   M2U00138.MPG,  M2U00139.MPG,   M2U00140.MPG,   M2U00141.MPG):   Há   fezes   de   pombos   no   interior   do  alojamento  onde  as  pessoas  estão  dormindo.  Teriam  espancado  um  repórter  que  estava  tentando  cobrir  os  abusos.  Não  tem  água  no  abrigo  e  não  foi  dada  nenhuma  orientação.  O  abrigo  é  em  uma  

escola.  Assim  que  forem  começar  as  aulas  serão  todos  expulsos.  Falaram  que  iam  ter  suas  coisas  de  volta,  mas  as  máquinas  está  lá  quebrando  tudo.    

Relato  22  -­‐  Mulher  não  identificada  (áudio):  A  polícia  começou  a  tacar  bomba  e  alguns  reduziam,  mas  havia  uma  criança  no  meio  que  estava  sofrendo  muito  com  os  gases.  No  meio  dessa  confusão,  essa   criança   teria   sumido   e   se   perdido   da   mãe.   Ela   pegou   o   menino,   que   estava   desesperado  perguntando   pela   mãe.   O   menino,   que   devia   ter   uns   cinco   anos,   desmaiou.   Ela   entrou   em  desespero   e   o   levou   até   a   ambulância.   Logo,   após   achou   a   mãe   e   o   menino   foi   levado   pela  ambulância.  Ficou  sabendo  que  a  criança  teria  sofrido  um  ataque  cardíaco,  mas  não  sabe  informar  o  nome  da  criança  ou  da  mãe.  

Relato   23   -­‐   Avó   Giovana   Gabriele   dos   Santos   Cesário,   de   2   anos   (áudio):   Sua   neta   estava  chorando  muito  pois  não  conseguia  dormir.  Alguém,  que  também  estava  no  abrigo,  falou  para  os  funcionários  da  Prefeitura  que  a   criança  estaria   sendo  estuprada,  mas  perguntando  para  outras  pessoas  que  dormiam  no  mesmo  local,  disseram  que  a  avó  cuidava  muito  bem  da  criança.  A  mãe  é  menor  de  idade,  tem  17  anos,  e  tem  problemas  com  drogas,  por  isso  é  que  a  avó  cuida  da  mesma.  A  enfermeira  falou  que  ia  levar  para  o  hospital  para  que  a  criança  tomasse  remédios,  mas  quando  a  avó  foi  buscar,  descobriu  que  estava  no  Conselho  Tutelar.  No  Conselho,  falaram  que  a  criança  só  poderia  sair  de  lá  quando  a  situação  da  família  fosse  resolvido,  no  sentido  de  quando  o  problema  da   falta   de   moradia   fosse   sanado,   pois   a   criança   não   poderia   ia   para   a   família   enquanto   essa  permanecesse  no  abrigo.  O  Conselho  Tutelar  também  falou  que  talvez  fosse  devolver  a  criança  na  quarta-­‐feira  (01/02),  mas  não  deu  nenhuma  segurança.  Para  piorar,  não  deixaram  a  avó  visitar  a  criança  e  nem  informaram  onde  ela  estaria.  

Relato  24  (video-­‐2012-­‐26-­‐11-­‐44-­‐40.mp4):  Não  estão  entregando  nenhum  papel  que  comprove  ou  determine  como  vai  seria  a  feita  a  devolução  dos  bens.  "Eles  derrubaram  tudo.  Foi  perda  total.  Eu  não  retirei  nada  de  lá  de  dentro.  (...)  Nós  não  'entra'.  Chegando  lá  dentro,  o  policial  falou"  

Relato  25  –  Cisleide  Gomes  de  Moraes  (registro  escrito  coletado  no  abrigo  Morumbi):  Mora  com  7   filhos,   uma   irmã  e   sua  mãe  de  70  anos,   sendo  um   filho  e   a   irmã  portadores  de  necessidades  especiais.  Um  policial  entrou  em  sua  casa  apontando  um  fuzil  e  obrigando  todos  a  abandonarem  o  local.  Disse  também  que  ao  sair  para  deixar  o  filho,  portador  de  necessidades  especiais,  para  ficar  com  alguém  fora  da  comunidade  Pinheirinho,  teve  dificuldade  para  conseguir  entrar  novamente  no  local  para  retirar  seus  pertences.  Ao  insistir  na  tentativa  de  retornar  ao  local  um  policial  deu-­‐lhe   voz   de   prisão.   Relatou   ainda   que   só   não   foi   presa   naquele  momento   porque   um   grupo   de  moradores  se   juntou  e   impediu  que  o  policial  a   levasse.  Para  não   levar  os   filhos  para  a  situação  precária   dos   abrigos   teve   que   se   separar   deles   e   pagar   um   lugar   diferente   para   cada   um  deles  ficar.  Relatou  que  há  dois  locais  dentro  da  comunidade  Pinheirinho,  denominados  de  Mangueira  e  Cracolândia,   onde   há   muitos   corpos   de   pessoas   que   foram   mortas   durante   a   operação   de  reintegração  de  posse.   Em   relação   à   alimentação  no   abrigo,   Cisleide  denunciou  que  está   sendo  servida  comida  estragada  e  que  no  abrigo  Caic  as  pessoas  estão  apanhando  porque  querem  sair  para   fumar  e   são   impedidas  pela   guarda  municipal   responsável   pela   vigilância  do   local.   Cisleide  contou  ainda  que  um  vizinho,  de  apelido  Buru,  levou  um  tiro  nas  costas  e  ficou  tetraplégico.  

Relato  26  –  Eliete  (MOV02556,  MOV02557,  MOV02559):  Mãe  de  Helen,  uma  criança  de  5  anos.  Relata   que   quando   foi   5   horas   da   manhã,   escutaram   o   barulho   do   helicóptero   da   polícia,  sobrevoando  o  Pinheirinho  muito  baixo,  e  muito  tempo  depois,  por  volta  das  8  horas,  os  policiais  entraram  com  muita  briga,  com  muita  violência.  Mataram  uma  criança  de  4  anos,  no  colo  do  pai,  tendo  o   pai   também   falecido.   Eliete   conta   que   no  momento   em  que   a   polícia   entrou,   sua   filha  estava  no  colo,   com  muito  medo,  dizendo:   “Mãinha,  num  deixa  a  política  atirar  em  nós”.  Eliete  tentava  tranquilizar  a  filha,  mas  também  estava  muito  nervosa.  O  vizinho  de  Eliete  preparava-­‐se  

para   ir   para   a   praia,   com   quatro   crianças   dentro   do   carro,   quando   um   policial   se   aproximou   e  jogou   uma   bomba   dentro   do   carro,   dizendo:   “vaza,   vaza,   vaza”.   Em   seguida   o   policial   entrou  dentro  da  casa  desse  vizinho  e   jogou  mais  duas  bombas  de  gás.  O  clima  estava  muito   tenso,  as  pessoas  desesperadas,  muito  choro.  Na  correria  para  fugir  das  bombas,  outra  criança  de  6  anos,  acompanhada  da  mãe,  desmaiou  e   teve  um   infarto.  Os  moradores   tentaram  socorrer  a   criança,  que  não  resistiu  e  veio  a  falecer.  Relata  ainda  que  não  teve  como  identificar  essas  pessoas  porque  o  corre-­‐corre  era  grande  e  cada  um  tentava  se  salvar  como  fosse  possível,  de  modo  que  não  sabia  o   nome   das   crianças   que   faleceram.   Eliete   disse   ainda   que   uma   amiga   contou   que   quando   os  policiais  viram  a  criança  caída  com  o  pai,  pegaram  a  criança  e  saíram  arrastando-­‐a  como  se  fosse  um  animal.  Segundo  Eliete,  ao  verem  essas  cenas  os  moradores  de  um  bairro  vizinho,  chamado  Campo   dos   Alemães,   se   revoltaram   e   partiram   para   o   enfrentamento   com   a   polícia.   Eliete  qualificou  a  ação  da  polícia  de  covarde,  porque  muitos  moradores  ainda  estavam  dormindo  e  não  tiveram   permissão   sequer   para   retirar   seus   documentos   e   os   móveis   das   casas,   outros  conseguiram  tirar  pela  metade.  As  casas  foram  arrombadas  e  pertences  roubados.  Os  moradores  ficaram  sem  ter  a  quem  recorrer  no  momento:  “alguns  moradores  pensaram  em  fazer  um  boletim  de  ocorrência,  mas  recorrer  a  quem?  A  pergunta  ficou  no  ar”.  Segundo  Eliete,  um  rapaz  “foi  junto  com  a   Justiça”   tirar  os  móveis  e  quando  chegou  na  casa  dele  não  achou  nem  os  móveis,  nem  a  casa.  A  máquina  havia  passado  por  cima  de  tudo,  a  casa  havia  sido  demolida  e  o  rapaz  desmaiou.  Muitas   crianças   ficaram   com   problemas   psicológicos,   muitas   mães   saíram   dali   desesperadas  procurando  psicólogo  e  médico  para  os  filhos.  Eliete  conta  também  que  a  filha  pergunta  a  ela  por  que  a  polícia  fez  aquilo  e  pede  constantemente  para  voltar  para  a  casa,  e  ela  tem  que  explicar  que  não  têm  mais  casa.  A  prefeitura  disse  que  serão  providenciadas  moradias  para  250  famílias,  mas  o  número   de   desalojados   é   muito   maior,   de   modo   que   os   moradores   ainda   têm   que   conviver  atualmente  com  a  incerteza  de  saber  se  serão  atendidas  ou  não.    

Relato  27  -­‐  Carla  (MOV02562):  As  agressões  aos  moradores  do  Pinheirinho  continuaram  mesmo  após  à  reintegração  de  posse,  nos  alojamentos  para  onde  foram  levados.  Carla  conta  que  estava  alojada  no  ginásio  poliesportivo  quando  a  polícia  e  a  guarda  municipal  começaram  a  jogar  gás  de  pimenta.  Muitas  crianças  pequenas  e  recém-­‐nascidas  foram  levadas  por  ambulâncias,  enquanto  as  mulheres  apanhavam  da  polícia.  Segundo  Carla,  muitas  mulheres  grávidas  apanharam  de  cacetete  da   polícia.   “Mas   só   que   isso   é   a   nossa   palavra   contra   a   deles.   A   palavra   dos   favelados,   dos  drogados,  contra  deles,  né.  Porque  eles  têm  poder  e  tudo”.    

Relato   28   -­‐   Luiz   Alberto   Ferreira   Nunes   (MOV02570):   Morava   na   favela   do   Pinheirinho   desde  2006.  Relata  que  a  polícia  chegou  no  domingo  para  “despejar  todo  mundo”,  mandou  todo  mundo  se  retirar  com  a  roupa  dodos  corpo.  Tudo  o  que  conseguiu  retirar  foram  poucas  peças  de  roupa  sua   e   de   sua   esposa.   Foi   realizado   um   cadastramento   pela   prefeitura   com   o   objetivo   dos  moradores  voltarem  ao  local  posteriormente  para  retirar  seus  pertences,  entretanto,  a  promessa  da   prefeitura   não   foi   comprida   e   as   casas   foram   demolidas   com   tudo   o   que   havia   dentro.   Luiz  conta  que  teve  que  faltar  ao  serviço,  foi  levado  para  um  abrigo.  No  abrigo  não  havia  alimentação,  as   pessoas   são   proibidades   de   entrar   após   as   23   horas.   Sua   esposa   está   grávida   e   sem  alimentação.   Conta   que   saiu   para   procurar   alguma   alimentação   para   a   esposa,   quando   voltou,  uma   hora   da   noite,   foi   proibido   de   entrar   no   abrigo.   Só   conseguiu   entrar   no   abrigo   depois   de  conversar   com   a   polícia,   que   conversou   com   as   assistentes   sociais,   para   explicar   sua   situação.  Relatou   que   a   prefeitura   está   dizendo   que   apenas   quem   estava   há   dois   anos   no   Pinheirinho   e  consta  no  cadastramento  da  prefeitura   irá  receber  o  auxílio  moradia.  A  possibilidade  de  não  ser  contemplado  com  o  auxílio-­‐moradia  tem  gerado  para  Luiz  uma  incerteza  de  como  e  onde  vai  viver.  Relata  que  os  moradores  foram  impedidos  de  voltar  ao  Pinheirinho  para  retirar  os  pertences.  Sua  casa  foi  demolida,  perdeu  geladeira,  televisão,  rádio.  Consegiu  tirar  apenas  duas  peças  de  roupa.  Em  tom  de  desespero  Luiz  denuncia  a   falta  de  perspectivas  em  que   foi   jogado  dizendo  que  não  

tem  nem  como  prometer  à  esposa  que  dará  uma  vida  melhor  à  esposa  e  ao  filho,  porque  não  não  tem  mais  nada.  “Não  tenho  nem  condições  de  falar  que  vou  dar  uma  vida  melhor  pra  ela.  Como  é  que  eu  fazer?  Sem  casa,  sem  nada.  Como  eu  vou  falar  que  vou  dar  uma  vida  melhor  pra  ela  e  pra  minha  filha.  Vou  viver  do  quê?”.    

Relato  29   -­‐   Senhora  de   idade  não   identificada   (MOV02572):   Conta  que  a  polícia  não   respeitou  nem  a  Igreja,  que  também  foi  destruída.  Tem  pressão  alta,  problema  de  vista,  cuida  de  uma  neta  e  no  abrigo  não  tem  condições  mínimas  de  sobrevivênvia.    

Relato   30   -­‐   Morador   não   identificado   (Pinheirinho   025,   Pinheirinho   026):   Trabalha   pegando  reciclagem  na   rua.   Está   alojado   em  um   abrigo,   e   tem  uma   pulseira   azul   no   braço   identificando  duplamnete  que  é  do  Pinheirinho  e  que  está  alojado  em  um  abrigo.  Reclama  da  arbitrariedade  da  ação  da  prefeitura.  Disse  que  passou  8  anos  construindo  seu  sonho  para  a  prefeitura  destruir  tudo  em   meia   hora,   e   nem   a   mudança   pôde   retirar.   Segundo   seu   relato,   no   dia   da   reintegração  expulsaram   todo   mundo   e   disseram   que   só   poderiam   voltar   para   retirar   os   pertences   com  autorização  da   justiça,  mas  quando   retornaram  ao   local   as   casas   já  haviam  sido  demolidas  e  os  móveis  destruídos.  “Pra  tirar  nossa  casa  foi  em  10  minutos.  Em  10  minutos  tinha  que  tirar.  Agora,  minha  mudança   fica   lá   pra   quebrar   tudo?!   Quer   dizer,   cada   coisa   que   tinha   lá   é   suor   nosso,   é  trabalhado.  Nós  não  conseguimos  nada  de  graça.  Nada  foi  de  graça,  foi  tudo  pago.  E  ainda  lhe  digo  mais:  a  minha  casa  eu  ainda  estou  pagando.  Estou  pagando  ainda,  em  abril  é  a  última  prestação  minha.   Engraçado,   na   hora   de   pedir   voto   vem,   é  mil  maravilhas,   Pô   nós   vamos   ajudar   vocês...  Como  que  é  que  a  gente  vai  se  filiar  à  eleição,  se  filar  em  partido,  se  só  desgraçam  com  a  vida  da  gente.  O  pobre  só   fica   lá  embaixo.  Agora,  o  Naji  Nayas   tá  com  tudo.  Ele   tem  o  que  comer,   tem  onde  dormir”.  Disse  ainda  que  a  polícia  retirou  os  moradores  de  suas  casas  e  revistou  todos.  “A  Polícia  Militar  nos  retirou  da  casa  gente,  deu  uma  geral  na  gente  como  bandido.  Entrou  na  minha  casa,  apontou  um  revólver  dentro  da  minha  janela”.  

Relato   31   -­‐   Jovem   moradora   não   identificada   dando   depoimento   ao   procurador   federal  (Pinheirinho   028):   “Eles   não   queriam   saber,   passavam   por   cima.   Não   queriam   saber   se   tinham  moradores  bons,  ruins,  se  ia  enfrentar  ou  se  não  ia”.  A  jovem  reclama  que  os  policiais  só  quiseram  cumprir   as   ordens,   não   se   preocupando   com   a   situação   dos   moradores.   Em   reunião   com   os  procuradores   federais  ela  disse  que  a  prefeita  e  a   juíza  não  tem  moral  nenhuma  porque  não  se  preocuparam  se  as  pessoas  que  ali  estavam  tinham  ou  não  para  onde  ir.  Disse  que  há  pessoas  que  ainda  tem  familiares  po  r  perto,  mas  outras  são  de  outros  estados  e  não  têm  para  onde  ir.    

Relato   32   -­‐   Moradora   com   criança   de   colo,   não   identificada,   em   depoimento   ao   procurador  federal   (Pinheirinho  029):   “Eu   falei   com  minha  mãe  que  não  era  nada  de  mais.   Só  que  mesmo  assim  eu   levantei.  Quando  eu  abri  a  porta  veio  aquele  cheiro  de  gás  de  pimenta.  Daí  eu  peguei  minha  filhinha  de  um  ano  e  meio  e  essa  [aponta  para  a  filha  no  colo].  Falei  para  minha:  'Mãe  não  dá   tempo  de  pegar  nada,  vamos  embora.'  Daí  quando  a  gente  saiu,  no  portão  de  casa,   jogaram  uma  bomba  bem  na  frente  da  gente.  Daí  ela  desmaiou  [aponta  para  a  criança  que  está  no  colo,  que   deve   ter   menos   de   um   ano   de   idade].   Eu   pensei   que   ela   tinha   morrido,   porque   ela   tem  problema  de  coração.  Todos  os  remédios  dela  estão  em  casa”.  A  outra  filha  reclamava  que  estava  com  o  olho  “dodói”.  Enquanto  a  mãe  dessa  moradora  ajudava  a  filha  a  pegar  alguns  pertences  um  policial  se  aproximou  e  ameaçou-­‐a  dizendo  que  se  não  andasse  rápido  ele  usaria  da  força  bruta.    

Relato  33  -­‐  Sônia  e  Neide  (esta  última,  moradora  com  câncer)  (Pinheirinho  039):  Uma  senhora,  chamada  Neide,  com  câncer,  diz  que  não  consegue  dar  seu  depoimento  porque  está  cansada,  não  tem  força  e  não  consegue  falar.  Outra  moradora  do  Pinheirinho,  de  nome  Sônia,  passa  a  relatar  como  foi  a  retirada  dessa  moradora  com  estado  de  saúde  debilitado.  Diz  a  moradora,  senhora  de  idade,  tem  câncer  e  morava  no  Pinheirinho  há  aproximadamente  4  anos.  Disse  que  a  tropa  policial  

chegou  mandando  todos  pegarem  apenas  alguns  pertencer  e  saírem,  porque  iriam  lacrar  as  casas.  Levaram  uma  ambulância,  perguntaram  se  a  senhora  conseguia  andar,  mas  ela  não  anda,  então  disseram  que  iam  pegar  uma  cadeira  de  rodas.  Com  a  demolição  das  casas  não  têm  para  onde  ir.  Estão  aguardando  a  definição  da  situação  pela  prefeitura,  para  saber  para  onde  vão.  Ao  final  do  relato   de   Sônia,   dona   Neide   dá   um   relato   breve.   Diz   que   espera   ser   levada   para   o   lugar   onde  moravam.  Diz  que  antes  “eram  casinhas  de  pau  ficava  reclamando,  mandaram  fazer  de  alvenaria,  fizemos.  Gastamos  o  que  não  podíamos,  e  agora  põe  pra  fora  assim,  de  uma  hora  pra  outra.”    

Relato  34  -­‐  Elizabete  (Pinheirinho  061):  Um  bando  de  homens,  vestidos  de  preto,  dizendo  que  era  a  tropa  de  choque  chegou  com  cavalos,  escudos.  Antes  deles  entrarem  começaram  a  jogar  bomba  de  gás.  Elizabete  saiu  com  o  filho,  mas  de  repente  se  viram  cercados  por  policiais  na  rua.  Entraram  dentro   de   uma   casa   para   se   protegerem.   Conseguiram   pegar   apenas   algumas   peças   de   roupa,  principalmente  da  criança,  foram  para  o  abrigo.    

Relato  35  -­‐  Paula  e  a  mãe  (Pinheirinho  067):  Paula  e  a  mãe  moravam  no  Pinheirinho  há  4  anos.  Paula  conta  que  a  mãe  teve  um  derrame  cerebral  e  seu  estado  de  saúde  é  frágil.  Foram  abordados  aproximadamente   às   6   da   manhã,   pelo   Choque   (Batalhão   de   Polícia).   Era   Paula   quem   tomava  conta   da   mãe   e   durante   a   operação   policial   as   duas   foram   separadas.   A   mãe   ficou   com   uma  vizinha  de  um   lado  e  Paula  do  outro.  Passaram  a  primeira  após  a  reintegração  na  rua,  correndo  das  bombas  da  polícia.  Está  precisando  de  cadeira  de  roda  para  a  mãe  e  de  tudo,  porque  não  tem  mais  nada,   tudo  o  que   tinham   foi   destruído  no  Pinheirinho.  Passou  a  noite   inteira  desabrigada,  sem  nenhuma  assistência  da  prefeitura  municipal.  

Relato   36   -­‐   Duas   moradoras   não   identificadas   (Pinheirinho   071):   Moradoras   relatam   que   o  Conselho  Tutelar  deseja   retirar   as   crianças  dos  abrigos,   separando-­‐as  dos  pais.  Uma  mãe  muito  indignada   afirma   que   não   permitirão   que   isso   aconteça:   “Não   tira,   porque   nós   arrranca   braço,  arranca  perna,  nós  arranca  tudo,  mas  eles  num  levam  não.  Nossos  filhos  eles  não  vão  levar.  Nem  pára  o  carro  aqui.  Se  parar  o  carro  aqui  nós  vamos  tacar  fogo.”    

Relato   37   -­‐   Édson   (morador   do   Campo   dos   Alemães)   e   um   morador   do   Pinheirinho   não  identificado  (áudio):  Édson  conta  que  no  dia  da  reintegração  de  posse  os  moradores  dos  bairros  adjacentes  (Campos  dos  Alemães,  União,  Dom  Pedro,  Colonial)  desceram  para  fazer  um  confronto  com   os   policiais   para   impedir   que   eles   entrassem   no   Pinheirinho,   mas   não   adiantou.   A   polícia  cercou  tudo,  entrou  e  quebrou  tudo.  Tem  pessoas  desaparecidas,  ouve-­‐se  falar  em  mortos,  mas  não  se  tem  certeza.  O  morador  do  Pinheirinho  que  participa  da  conversa  relata  que  no  IML  tem  18  corpos,  entretanto,  ninguém  consegue  entrar  lá.  Há  ordens  expressas  para  que  não  seja  permitida  a  presença  de  nenhuma  pessoa  no   IML.  Nem  os  advogados  estão  conseguindo  acessar  o   IML.  O  morador  do  Pinheirinho  conta  que  não  houve  sequer  possibilidade  reação  diante  da  ação  policial.  Os  policiais  chegaram  com  bala  de  borracha,  bomba  de  gás  lacrimogêneo:  “Você  não  podia  parar  na  rota  deles.  Eles  falavam  sai...  até  o  advogado  mesmo  levou  três  tiros  de  borracha”.  Com  medo  de   continuar   o   depoimento   o   morador   do   Pinheirinho   se   afasta   e   a   conversa   prossegue   com  Édson,  o  morador  do  bairro  vizinho  que   tinha  amigos  no   local  e  comparecia  para  prestar  ajuda.  Édson  relata  que  o  mais  interessante  foi  que  a  polícia  disse  que  a  ação  foi  pacífica.  “Mas  não  foi  pacífica,   não   teve   nada   de   pacífico”.   Disse   que   ficou   sabendo   que   “tem   famílias   de   pessoas  desaparecidas  que  estão  sendo  ameaçadas.  Se   falar  vão  morrer.  Só  que  nem  consegue  achar  os  corpos.  Ninguém  sabe  onde  estão  os  corpos”.  O  morador  relata  ainda  que  fez  um  estudo  da  gleba  de  terra  do  Pinheiro  e  descobriu  que  até  o  diretor  do  Fórum  tem  um  pedaço  de  terra  ali.  Édson  também  conta  que  no  domingo,   dia   da   reintegração,   entrou  no   centro  poliesportivo  do  Campo  dos  Alemães  e  se  inscreveu  para  trabalhar  como  voluntário  ajudar  no  atendimento  dos  moradores  que  estavam  sendo  alojados  neste  local:  “Só  que  chegando  lá,  do  nada,  assim,  do  nada,  a  guarda  municipal  começou  a  atirar.  Eles  começaram  a  atirar  ao  léu.  Inclusive  tem  uma  pessoa  que  ainda  

está   internada   lá   no   Pronto   Socorro   da   Vila   Industrial.   Se   ela   sobreviver   vai   ficar   paralítica.  Justamente  nesse  momento,  tinha  uma  criança  que  tava  brincando  no  playground,  no  parquinho,  que   era   onde   eles   estavam  passando.   Aí   eles   soltaram  umas   vinte   bombas   dessas   de   gás...   gás  mustarda.  Aí  a  criança  caiu,  começou  a  se  debater,  e  não  conseguia  respirar.  Eu  peguei  no  colo,  saí  correndo,  levei  para  o  hospital.  (...)  A  criança  tinha  de  3  a  4  anos.  Aí  corri  para  o  Pronto  Socorro  do  Campo   dos   Alemães,   aí   entreguei   lá,   aí   eles   levaram   para   o   Pronto   Socorro   e   a   criança  desapareceu.  Sumiu.  Ninguém  sabe  onde  está  a  criança.”  Édson  relata  que  não  sabe  quem  é  o  pai  e  a  mãe  da  criança.  Posteriormente,  Édson  retornou  ao  hospital  para  obter  informações  da  criança  e  o  funcionário  informou  que  a  única  coisa  que  podia  dizer  era  que  a  criança  faleceu.  Ao  perguntar  quem  era  o  pai  e  a  mãe  da  criança,  o  funcionário  respondeu  que  não  podia  dizer  mais  nada.  “Mas  onde  está  o  corpo?  Fui  no  IML  lá,  né,  mas  o  corpo  não  está  lá.  Lá  eu  consegui  entrar,  mas  não  está  lá.  Não  estava  lá.  Essa  história  está  muito  estranha.”  Édson  prossegue  o  relato  da  história  dizendo  que  entregou  a   criança  no   setor  de   resgaste  da  UPA,  dali   eles   se  deslocaram  para  o  hospital.  A  criança  foi  entregue  ainda  com  vida  na  UPA.  Depois  de  uns  dez  ou  quinze  minutos,  Édson  se  dirigiu  ao  hospital  para  saber  como  se  encontrava  o  estado  de  saúde  da  criança,   lá   informaram  apenas  que  a  criança  havia  dado  entrada  no  hospital  e  havia  falecido.  Nada  mais.  Segundo  Édson,  “não  foi  feito   BO   de   saúde,   que   eles   são   obrigados   a   fazer,   e   no   relatório   da   ambulância   também   não  consta   nenhuma   saída.   (...)   No   Pronto   Socorro   não   consta   nenhuma   entrada.   (...)   Eu   fiquei  sabendo   por   intermédio   de   um   coveiro,   aqui   do   cemitério   do  Morumbi,   que   foram   enterradas  duas  crianças  como  indigentes,  uma  com  uma  bala  e  uma  supostamente  falecida  por  asma,  que  pode   ser  ela,  mas  pra   ter   certeza   só   com  exumação.”   Segundo  Édson,   seria   interessante  para  a  investigação   que   fosse   visitado   o   K:   “Ali   foi   a   área   que   teve   mais   confronto”.   Perguntando   se  haveria  corpos  nesse   local,  Édson  responde  que  sim:  “Enterrados  deve  ter,  difícil  é  achar.  O  que  aconteceu,   mas   isso   daí   só   o   advogado   pode   dizer,   me   parece   que   chegou   até   ele   que  encontraram   alguns   corpos   ali,   inclusive   essa   pessoa   ficou   de   marcar   um   horário   com   ele   pra  poder  estar  mostrando  o  local  exato  onde  estariam  supostamente,  porque  até  agora  não  se  pode  falar  porque  não  tem  provas  ainda.  Mas  os  meninos  que  trabalhavam  aqui  da  Urbam,  ajudando  o  pessoal  na  mudança,  eles  disseram  que  pra  lá  estava  um  cheiro  muito  forte  no  dia.  E  a  polícia  não  deixava  nem  eles  irem  pra  lá.  Alguma  coisa  tinha.”      

Relato   38   -­‐   Cláudia   Cristina   Gonçalves   dos   Santos   (M2U00142.MPG):  Mostra   sua   inscrição   no  programa  de  habitação.  Está  esperando  há  onze  anos  pela  sua  casa.  "Não  quero  passar  na  frente  de  ninguém."  Outra  pessoa  mostra  sua  inscrição  feita  há  sete  anos.  

Relato  39  -­‐  Homem  não  identificado.  Professor  (M2U00161.MPG):  "Inicialmente,  o  governo  está  divulgando  que  não  houve  abuso  da  polícia.  Houve  sim  abuso.  Invadiram  residências  muitas  vezes.  (...)   Havia   também  um  momento   em  que   eles   revistavam  pessoas,   entravam  dentro   de   casas   e  ameaçavam   famílias   dizendo   que   estavam   verificando   ficha   de   pessoas   para   verificar   por  aparência  ou  não   se   eram  pessoas  que   tinham  passagem  pela  polícia.  Houve  na   realidade   toda  uma  operação  de  terror.   (...)  A  polícia  muitas  vezes   tirava  sua   identificação  para  as  pessoas  não  saberem  seus  nomes."    

Relato   40   -­‐   Renato   (M2U00168.MPG):   Não   deixaram   tirar  muitas   coisas   de   sua   casa   e  mesmo  depois   do   dia   da   desocupação   não   estava   autorizado   a   retirá-­‐las.   "Eles   alegam   que   uma  mercadoria  que  você  tirou  de  dentro  da  sua  casa,   já  tirou  sua  mudança  e  o  restos  das  coisas  vai  para  onde?  Vai  para  o  prefeito?".  Na  casa,   ficou  seu  guarda-­‐roupa,  cama  nova  e  as  mercadorias  que  vende  como  fonte  de  renda.  

Relato  41   -­‐  Maria  Cleide  de  Oliveira  Santos  e   José  Miltos  dos  Santos   (M2U00169.MPG):   Todas  suas  coisas  ficaram  na  casa  e  ela  não  consegue  pegar.  Ela  voltou  para  pegar  o  remédio  do  seu  filho  e  o  policial  falou  que  ela  tinha  que  falar  com  o  coronel.  "Eu  falei:  Coronel,  pelo  amor  de  deus,  o  

senhor  deixe  eu  pegar  o   remédio  do  meu   filho.  Se  não  quer  deixar  eu  entrar,  então  manda  um  policial   -­‐  eu  deixei  a  minha  bolsa  em  cima  do  sofá  da  minha  sala   (...)   -­‐  para  pegar  o  remédio  do  meu  filho.  'Não  pode  que  não  sei  o  quê.  Você  tem  que  dar  a  volta  por  outro  canto.  Só  pode  entrar  com   oficial   de   justiça."   -­‐   Maria   "Meu   filho   é   especial.   Ele   toma   remédio   controlado.   Ele   fica  agitado.   Não   consegue   dormir,   nem   deixa   ninguém   dormir.   (...)   A   gente   não   está   conseguindo  pegar  as  coisas.   (...)  Não  consegui   tirar  nem  uma  roupa  para   'mim'  trocar.  Eles  não  deixaram."   -­‐  José  

Relato   42   -­‐   Arnaldo   Ribeiro   Viana   (M2U00170.MPG):   O   policial   falou   que   lhe   contataria   para  retirar   os   bens   que   haviam   sido   deixados   na   casa,  mas   isso   não   aconteceu.   Ele   saiu   para   ir   no  médico  e,  quando  voltou,   sua  casa   já  havia   sido  posta  abaixo  com  todos   seus  móveis  dentro.  A  polícia   não   deixou   entrar   para   ver,   portanto   pode   ser   que   as   coisas   tenham   sido   levadas   para  algum  lugar,  mas  ninguém  o  informou  sobre  isso.    

Relato  43  -­‐  Sônia  (M2U00172.MPG):  "O  que  aconteceu  é  que  destruíram  minha  casa.  Meteram  o  pé.   Quebraram  meu   armário.   Quebraram   tudo."   Conseguiu   tirar   poucas   coisas.   "Eu   tinha   uma  mercearizinha.  Da  mercearia   não   consegui   achar   nada.   (...)   Eles   debochando  da  minha   cara.  Os  policiais.  Falando  que  (...)  Pinheirinho  era  deles  agora.  Fizeram  a  festa  na  minha  casa.  (...)  Quando  eu  entrei  que  vi  tudo  destruído,  comecei  a  chorar  e  eles  debochando  de  mim."  

Relato  44  -­‐  Raimunda  de  Souza  Ávila  (M2U00176.MPG,  M2U00177.MPG):  Apenas  com  a  roupa  do  corpo.  Todos  seus  bens  ficaram  na  casa  e  ainda  está  pagando  pelo  material  de  construção  da  casa.  

Relato   45   -­‐   José   Roberto   (M2U00178.MPG):   "Chegou   informação   agora   que   nossa   rua   foi  derrubada   -­‐   tudo   -­‐   e   nossas   'coisa'   tá   tudo   lá   dentro.   Documento.   Tem   tudo   lá   dentro.   Eles  colocaram  uma  etiqueta  no  meu  peito  e  que,  quando  fosse  para  retirar  nossas  coisas,  eles  'ia'  ligar  para  a  gente  (...)  para  retirar  as  coisas."    

Relato   46   -­‐   Ana   Vieira   (M2U00178.MPG):   Tudo   ficou   na   sua   casa,   incluindo   documentos.  Conseguiu  tirar  o  remédio  de  sua  filha.  Não  liberam  nenhum  outro  lugar.  

Relato   47   -­‐   Amanda   Silva   (M2U00183.MPG):   Na   hora   que   a   polícia   soltou   a   bomba,   não  respeitaram  a  ela  ou  sua  filha.  Sua  filha  caiu  no  chão  com  a  bochecha  em  uma  pedra  e  ficou  toda  machucada.  "Tirou  a  gente  injustiçada  que  nem  cachorro.  (...)  Onde  que  eu  vou  ficar  com  a  minha  filha?  (...)  O  que  eu  gastei,  será  que  eles  não  tem  direito  de  me  dar  alguma  coisa?"  

Relato  48  -­‐  Maria  José  de  Andrade  Moura  (M2U00183.MPG,  M2U00184.MPG):A  polícia  arrastou  a  gente  de  nossas  casas  com  arma  na  minha  cabeça.  Eu   fui  espancada   lá  dentro.  O  Batalhão  de  Choque  me   empurrou   que   eu   'fui'   a   voar   longe.   (...)   A   polícia   não   estava   protegendo.   A   polícia  queria  era  me  matar.  (...)  Arma  de  fogo  na  mão  de  verdade."  

Relato   49   -­‐   Moradora   evangélica   (aúdio):   “A   primeira   coisa   que   demoliram   foi   a   Igreja.   Já  chegaram   procurando   os   pontos   onde   tinha   Igreja,   onde   tinha   Igreja   já   chegou   derrubando   no  chão.  É  isso  que  a  gente  fica  mais  revoltado,  porque  eles  tinham  que  respeitar  ao  menos  as  coisas  que   são   de   Deus,   né,   respeitar   as   pessoas   evangélicas,   católicas,   que   estão   buscando   primeiro  Deus,  né.  Nem  pra  isso  teve  respeito.  Já  chegaram  com  as  máquinas,  já  foram  direto  nos  pontos  das  Igrejas.  Derrubou  duas  ali  evangélicas,  católica  aqui...    todas  foram  derrubadas.  Só  irmãozinho,  que  eu  acho  assim,  se  eles  tivessem  pelo  menos  respeito  com  as  pessoas  evangélicas,  com  aqueles  católicos...   tem  muita  gente  que   foi  batizada  aqui  ó,   foram  350  crianças  que   foram  no  batismo,  morando   aqui   desde   o   começo   e   eles   não   respeitaram.   A   primeira   coisa   foram   as   Igrejas.   Nós  estamos   chocados   deles   quebrarem   nossas   casas.   Mas   por   quebrar   a   Igreja   a   gente   que   é  

evangélico,  que  é  católico  ficou  mais  chateado  por  causa  disso.  E  eu  tô  aqui  catando  reciclagem,  pra  mim  levar  Toddy  dentro  do  abrigo  pros  meus  filhos,  que  nem  Toddy  lá  dentro  tem.  E  quando  chega,   eu   falo;   e   eles   falam   “ó,   não   tem,   pronto   e   acabou,   isso   foi   a   doação.   [Minha   casa]   foi  derrubada.  Eles   falam  que  por  eu  morar  no  bloco  M,  que  eles   falam  assim,  que  é  por  nome  de  cracolândia,   que   tá   repreendido,   eles   pegaram,   foram   as   primeiras   casas   que   eles   demoliram,  disse   pra   nem   pra   tirar  móveis.   Derrubou   com   tudo,   irmão,   quando   eu   entrei   lá   eles   deixaram  quando  muito   pegar   as   roupas   e   o   guarda,   o   policial   falou   comigo   “três   segundos   senão   até   a  senhora   morre”.   Morreram   duas   crianças,   né,   uma   mulher   grávida   levou   um   tiro   na   boca   de  borracha.   Jogou   spray   de   pimenta,   na   hora   que   chegaram,   eles   jogaram   spray   de   pimenta   que  pegou  o  povo...  nossa...  seis  horas  da  manhã,  jogaram  spray  de  pimenta.  Um  bebezinho  de  quatro  meses  não  resistiu  e  morreu.  Morreu  um  de  três  anos  que  não  resistiu   também,  né...  Foi  muito  forte...  as  crianças  vieram  pras  Igrejas,  pras  Igrejas  e  pro  barracão...  [As  crianças]  foram  veladas.  Já  foi   enterrado   já,   gente.   Aí,   moço,   se   você   quiser,   eu   vou   procurar   saber   onde   é   que   estão   as  famílias,   que   tem  muito   alojamento  que  eles   colocaram  nós   igual   a   cachorro,   com  as   correntes  tudo  no  braço,  essas  coisas  todas  marcando,  se  vocês  quiserem  eu  vou  procurar  saber  direitinho  deles,  do  resto  do  povo...  [Nos  abrigos]  não  pode  entrar.  Só  quem  tem  a  pulseira.   Imprensa  não  entra.  Dependendo  da  imprensa,  não  entra...  Só  imprensa  da  prefeitura  que  entra,  outra  imprensa  não  entra.  O  povo  não  acredita,  mas  é  uma  barbaridade.  Só  Jesus!”  

Relato  50  –  Antônia  Maria  e  uma  amiga  (áudio):    Antônia:  “Eles  entraram  cinco  horas  da  manhã,  era   helicóptero,   era   cavalo,   era   tropa   de   choque   mesmo,   completa.   Apavorou   todos   os  moradores,  inclusive  tem  o  meu  filho  de  3  anos  e  a  minha  neta  de  1  ano,  ficaram  desesperados,  chorando.  Me  pediram  dinheiro  pra   ir  pra  casa  da  madrinha  da  minha  neta...   'mãe,  vão  matar  a  minha  filha  mãe,  vão  matar  a  minha  filha,  mãe  me  dê  dinheiro'...  naquele  desespero...  sem  contar  que  a  pressão  dela  subiu,  que  ela  sofre  de...  tu  sabe  né...  e  aí  eu  'minha  filha,  calma,  minha  filha,  calma'...  e  ela  'não,  vão  matar'  e  aquele  apavoramento...  aí,  certas  horas  marcaram  pra  entrar  nas  casas  de  todo  mundo.  Minha  neta  tava  dormindo,  de  um  ano,  eu  disse  'moço,  minha  neta  acabou  de   dormir'...   e   eles   'não,   pode   acordar,   pode   acordar',   lá   pelas   cinco   da   manhã,   tudo   já  tumultuado,  eu  disse  'moço,  por  favor'  e  eles  'não,  não  vai  passar  tempo  nenhum,  pode  acordar'.  Botou  a  gente  pra  fora  da  nossa  casa  no  sol  quente,  dando  direito  pra  você  tirar  em  cinco  minutos  o  que  você  quiser...  naquele  minuto.  E  fechava  a  porta  e  não  podia  mais  entrar.  E  nós  ficamos  no  sol.   Nós   não   pudemos   ficar   na   nossa   casa,   tivemos   que   ir,   ficamos   num   galpão   velho,   com   as  crianças,   que   era   pra   gente   ficar   lá...   aí   as   pessoas   da   rua   ficaram   muito   revoltadas   por   nós,  começaram   a   quebrar   a   grade,   os   policiais   jogaram  muita   bomba,   uma   criança   foi   atingida   por  bomba  e  morreu...  entendeu?  Tem  uma  amiga  minha  que  mora  no  Dom  Pedro,  tava  sentada  na  porta   da   casa   dela...   Eles   jogaram   bomba.   Eles   tavam   assim,   o   carro   passou   jogando   bomba.  Depois  de  tudo,  nós  fomos  acampar  lá  na  Igreja  católica,  eles  passaram  lá  jogaram  bomba  dentro  da  Igreja...  Jogaram  bomba  dentro  da  Igreja,  os  guardas...  porque  a  Igreja  lá  [incompreensível]  as  pessoas   do   Pinheirinho   não   podiam   nem   encostar   na   grade,   eles   passavam   provocando   nós  mesmo.  E  jogaram  bomba...  todo  mundo...  e  sem  contar  que  eles  atiraram  num  rapaz  também  ao  lado  da   Igreja...  um  tiro...  agora  eu  não  sei   se  esse   rapaz  morreu.  Morreu  nos  pés  do   [nome  de  alguém]  e  quando  eu  saí  com  as  crianças,  minhas  crianças  tavam  dormindo,  quando  eu  fui  na  rua  ver  o  que  tava  acontecendo,  eles  jogaram  cinco  bombas.  Jogaram  direto  assim,  pro  meu  quintal.  Na   hora   de   eu   pegar   leite,   pegar   fralda,   pegar  mamadeira,   eu   fiquei   desesperada   no  meio   dos  policiais,  porque  não  era  nem  gente,  era  tropa  de  choque,  mandando  todo  mundo  sair  pra  rua  e  quem   saísse   pra   rua,   não   entrava   mais.   Meu  marido   ficou   com   a   minha   filha   no   meio   da   rua  correndo,  fechou  a  porta,  só  sei  que  minha  porta  foi  arrombada  e  eles  tavam  pegando  as  coisas  do  povo.   Eu   fiquei   desesperada   no  meio   da   rua,   chorando.   A   gente   trabalha   igual   um   condenado,  né...   pra   conseguir   as   coisas...   e   nesse  momento,   quando   acontece   essa   tragédia,   todo  mundo  jogado  no  meio  da  rua...  a  maior  humilhação,  porque  ninguém  pegaram  as  coisas  de  ninguém  de  

lá   de   dentro   quase...   tá   tudo   remoído   lá,   porque   a   máquina   passou   por   cima   de   tudo.   Quase  ninguém  pegou  nada.”  Moradora  2:  “É...  a  mudança,  tinha  que  tirar  até  seis  horas  da  tarde,  depois  das  seis  horas,  ninguém  tirava  mais  nada...  e  tudo  escuro,  sem  água...  o  pessoal  que  tava  tirando  a  mudança  tava  passando  mal,  porque  tava  calor,  tava  com  sede,  não  tinha  uma  gota  d’água,  a  água  que   tinha  o  povo   ia  adoecer,  que  era  água  parada.  Foi  na  hora  que   tava  um  monte  de  gente   lá  dentro  lá,  um  monte,  na  hora  do  policial  também,  cortaram  a  luz  e  cortaram  a  água.  Fizeram  só  pra  provocar  e  todo  mundo  no  escuro,  perderam  leite,  perderam  um  monte  de  coisa  lá  dentro  que  tinham...   Quando   tiraram   tava   tudo   podre   já...   joguei   tudo   fora,   arroz,   feijão,   leite...   tava   tudo  estragado...   Todo   mundo   saiu.   No   domingo   saiu   todo   mundo,   ninguém   ficou...   no   outro   dia  começaram   a   tirar   os   móveis...   cada   casa   que   foram   tirar   os   móveis,   tava   tudo   remoído...”  Antônia:   “Eu  vou  dizer  uma  coisa  a   você:  eles,  o  pessoal   tava  obrigando  a  gente  a  acompanhar  eles...  a  assistente  social  mesmo,  no  dia  que  ela  me  cadastrou,  ela  falou  assim:   'você  vai  pra  um  abrigo,  a  senhora  tem  que  ir',  eu  disse  'eu  não  vou'.  E  eu  não  fui.  E  lá  onde  a  gente  tava,  passamos  duas  noites,  tudo  molhado,  parecia  chiqueiro  de  porco,  fedendo.  Eu  sou  uma  trabalhadora...  sou  eu,  dois   filhos  e  uma  neta...  ela   sabe...  eu   saio  cinco  e  meia  da  manhã,   trabalho  numa  escola  e  chego   sete   horas   da   noite...   [Essa   escola]   fica   lá   na   Avenida   Anchieta,   na   Esplanada.   Sou  terceirizada.  É  particular  essa  escola  que  eu  trabalho.  E  sempre  paguei  imposto,  tá  entendendo?  E  a   gente   nunca   roubou.   Em   todo   lugar,   os   piores   ladrões,   os   piores   bandidos   estão   nos   bairros  maiores...   inventaram   que   acharam   droga...   inventaram   tanta   coisa...   e   essas   mortes   lá   do  Pinheirinho  nunca  saem  no  jornal...”  Moradora  2:  “Vou  falar  pra  você,  eu  vi  na  hora  que  jogaram  a  bomba,  eu  saí  desesperada.  Eu  saí  pra  fora,  a  ambulância  saiu  gritando  com  a  criança  morta  já,  a  mãe  ficou  desesperada  gritando  no  meio  da  rua  e  a  ambulância  gritando,  que  saiu  com  a  criança  já  morta  já...”  Antônia:  “Eu  acho  assim,  que  tem  que  respeitar  a  gente,  tem  que  respeitar...  tem  que  tomar  uma  atitude,  porque  isso  não  pode  continuar...  nós  fomos  muito  mal  tratados,  humilhados  mesmo...   cidadãos,   trabalhadores,   humilhados...   cada   tijolo   que   eu   coloquei   na   casa   que   eu  morava  foi  do  meu  suor,  não  foi  roubado.  Engraçado...  eles  falam  que  era  particular,  tinha  dono...  mas  quando  era  cheio  de  cobra,  nossa,  um  matagal  livre,  eles  não  ligavam...  agora  depois  que  tá  tudo  limpinho,  fizemos  o  que  fizemos,  aí  apareceu  o  dono.  E  eu  digo,  não  tenho  medo:  o  prefeito  não  vale  nada.  Pode  botar  mesmo  no  mundo  inteiro.  E  essa  juíza,  que  você  coloque  mesmo  essa  gravação,  pra  juíza  e  pro  prefeito  tem  a  volta  e  o  retorno...  e  o  doído  vai  ser  o  retorno  dela.  O  que  ela   alega   é   que   disse   que   odeia   favela,   que   vai   tirar   todas   as   favelas   que   existem   no   mundo,  porque  o  filho  dela  morreu  na  favela  e  existe  um  filho  dela  drogado  na  favela.  Mas  o  quê  que  eu  tenho  a  ver  com  isso?”  

Relato   51   -­‐   Sr   Osmar   Onofre   dos   Santos   (http://www.youtube.com/watch?v=-­‐j6RJoZBh40):  Deixaram  sair  de  casa,  mas  quando  quis  voltar  pra  fazer  uma  vistoria  em  sua  casa  foi  recebido  com  balas   de   borracha.    Foi   levado   desmaiado   para   o   posto   de   Saúde   Dom   Pedro.Mostrou   os  ferimentos  causados  pelo  tiro.  Diz  indignado  que  é  um  trabalhador  e    que  se  sentiu  tratado  como  bandido.  Teve  a  casa  derrubada  com  os  móveis  dentro.  Ficou  por  dias  só  com  a  roupa  que  estava  no   momento   da   desocupação.    Fica   preocupado   pelo   cadastro   feito   pela   prefeitura   que   não  contempla   todas   as   famílias.   Tem  medo   de   ficar   fora   desse   cadastro.    Diz   também   de   pais   de  família  que  perderam  o  emprego  por  conta  situação  do  despejo.    

Relato   52   -­‐   Cassandra   (http://www.youtube.com/watch?   v=zggZKSJ-­‐bDY#!):   Que   está   com  gravidez  de  risco,  está  nervosa  com  a  situação  do  despejo  e  da  péssima  condição  do  abrigo,  teve  desmaios   e   tem   medo   de   sofrer   um   aborto.   Tem   medo   de   perder   as   crianças,   tomadas   pelo  conselho  tutelar.  Morava  em  01  comodo  no  Pinheirinho  mas  diz  que  vivia  bem.    

Relato  53   -­‐  Senhora  antiga  moradora  do  pinheirinho   (http://www.youtube.com/watch?  v=pX-­‐SGhPhTuc):  Diz  chorando  que  ficou  desgostosa  porque  perdeu  tudo  que  tinha,  e  por  isso  que  quer  

ir  embora  pra  Recife  .  Pede  ajuda  pra  passagem  e  pede  por  amor  de  Deus.  Se  sente  tratada  como  animal  com  a  condição  do  abrigo.  

Relato   54   -­‐   Senhora   antiga   moradora   do   Pinheirinho  (http://www.youtube.com/watch?v=RoFci7hO-­‐AU):   Tinha   um   comércio   lá,   diz   que   sumiu   no  depejo  2000  reais  (que  pagaria  as  contas  do  bar),  um  relógio  do  marido,  um  cordão  de  ouro,  além  de  bebidas  mais  caras  do  seu  bar.    Estava  juntando  sucata  pra  vender  e  tentar  pagar  as  contas  do  bar.   Não   conseguiu   pegar   o   remédio   que   tinha   ficado   em   casa.   Teve   os   móveis   destruídos,  maquinas  de  lavar,  guarda-­‐roupas,  etc.  Diz  que  o  que  tinha  era  coisa  de  pobre  mas  que  era  dela.  Está  dormindo  de  favor  nas  casas  de  amigos.  Dormiu  uma  noite  no  banco  de  madeira  onde  era  o  seu  quintal.  Está  agora  dependente  da  caridade  de  outros.  

Relato  55  –  Marcia  (http://www.youtube.com/watch?v=t5pVLnz5UKY):  Relata  o  sofrimento  com  as   crianças   nos   abrigos   com   a   istuação   de   insalubridade.   Se   sente   humilhada   pela   situação.  No  despejo   a   PM   fez   com   que   saíssem   correndo   como   se   fossem   bichos   por   conta   das   balas   de  borracha  e  bombas  de  gás.  

Relato  56  Jovens  -­‐  (MAH1042.MP4):  A  polícia  chegava  batendo.  Uma  criança  morreu  no  campo.  A  qualidade  da  comida  nos  abrigos  era  péssima.      

Relato   57  Mãe   e   filha   -­‐   (MAH1044.MP4):   A   primeira   disse   que   foi  muito   triste   a   ação   da   PM,  terrível  a  pressão  do  “vai  entrar,  vai  entrar,  muito  medo  de  ter  morte,  as  crianças  vendo  isso  foi  terrível”.   Pede   para   o   prefeito   de   São   José   dos   Campos   dar   uma   ida   lá   pra   ver   a   destruição.  Pergunta   como   é   que   vão   trabalhar  muitos   de   nós   que   trabalhávamos   com   reciclagem.  Diz   ser  enganação  as  propostas  de  reassentemento  apresentadas  até  então."Por  enquanto,  o  que  a  gente  está  ouvindo  aí  é  só  enganação.  Eles  estão  só  enganando."  

Relato  58  Três  adolescentes   (http://www.youtube.com/watch?v=yMDrJ3FSWKI):   disseram  que  foi  muito  feio  o  despejo,  que  “até  choraram”,  a  PM  chegou  xingando  e  dizendo  “O  pinheirinho  é  nosso”,  jogaram  bombas  de  gás,  que  mataram  uma  criança  de  04  anos,  (não  sabem  nome  e  nem  de  quem  é  filho).  Um  deles  reclama  da  qualidade  da  comida  do  abrigo,  do  fedor  do  local,  que  “os  colocaram  como  cachorros”,  falaram  da  destruição  da  Igreja  e  que  um  dia  Deus  vai  cobrar.  

Relato   59   Homem   não   identificado   -­‐   (vídeo   2012-­‐01-­‐26   11-­‐44-­‐   40.mp4):  Morador   apresenta   o  papel   que   a   PM  marcou   sua   casa  mas   que   de   nada   valeu,   pois   não   teve   como   retirar   os   seus  pertences.  Denuncia  que  depois  que  a  PM  saiu  do  terreno,  que  esse  virou  alvo  de  saques.  Que  nos  abrigos   o   povo   está   jogado   e   desorientado   sem   saber   o   que   será.   Responsabiliza   o   prefeito   da  cidade  e  o  governador  por  deixar  essa  situação  acontecer.  

Relato   60   Moradora   não   identificada   -­‐   (vídeo   2012-­‐01-­‐26   11-­‐49.27.mp4):   Moradora,   diz   que  conseguiu   tirar   alguns  pertences  mas  não   todos  porque  não   tinha  para  onde  os   levar.  Que  não  sabe  de  nenhuma  proposta  de  reassentamento.  Que  quer  continuar  lutando  porque  a  moradia  é  um  direito.    

Relato   60   Pastor   Evangélico   -­‐   (não   quis   gravar   seu   depoimento):   Disse   que   no   momento   da  desocupação  abrigou  muitas   crianças  na   sua   Igreja,   que   foi   alvo  de  bomba  de  gás  por  parte  da  Polícia.  (não  quis  gravar  em  vídeo)