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JANDIRA DE ALMEIDA RAMOS

A CONSTRUÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE FRANCA: um exercício de cidadania e de democracia

FRANCA 2005

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JANDIRA DE ALMEIDA RAMOS

A CONSTRUÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE FRANCA: um exercício de cidadania e de democracia

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Campus de Franca, para a obtenção do título de Doutora em Serviço Social, Área de Concentração: Serviço Social - Trabalho e Sociedade. Orientadora: Profa. Dra. Lilia Christina de Oliveira Martins.

FRANCA 2005

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Ramos, Jandira de Almeida A Construção do Conselho Municipal de Assistência Social de Franca: um exercício de cidadania e de democracia / Jandira de Almeida Ramos. –Franca : UNESP, 2005 Tese – Doutorado – Serviço Social – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP. 1. Serviço Social – Políticas públicas e sociais – Franca (SP). 2. Serviços sociais - Cidadania CDD – 361.61

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JANDIRA DE ALMEIDA RAMOS

A CONSTRUÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: um exercício da cidadania e de democracia

COMISSÃO EXAMINADORA

Tese para obtenção do título de Doutora em Serviço Social

Presidente: __________________________________________________ Profa. Dra. Lilia Christina Oliveira Martins

2º Examinador: _______________________________________________ 3º Examinador: ______________________________________________ 4º Examinador: _______________________________________________ 5º Examinador: _______________________________________________

Franca, ______ de _____________________ 2005.

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Ofereço, Aos sujeitos que fizeram parte deste trabalho, contribuindo com suas experiências e com sua atitude cooperativa. Onde há cooperação não existem disputas de poder. Numa relação cooperativa se enfatiza os pontos de convergência dentro do grupo ou numa relação, o que ajuda a criar laços de solidariedade e parceria. Quando cooperamos, reconhecendo a dignidade de cada ser humano e a contribuição que tem para dar, nosso poder pessoal se transforma em serviço para todos e tudo o que está ao entorno de nós.

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AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas ajudaram-me durante a produção deste trabalho.

Com seus incentivos, apoios, compreensão, paciência.

Por tudo, sou profundamente grata:

• À minha orientadora Dra. Lilia Christina de Oliveira Martins, pelo apoio e colaboração na elaboração deste trabalho.

• Ao Professor Dr. Pe. Mário José Filho, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Serviço Social, que muitas vezes me apoiou com palavras compreensivas e acreditou em mim.

• À Professora Dra. Ana Maria Ramos Estevão, pela colaboração e contribuição que me foi dada.

• A Celeste Aparecida Pereira Barbosa, amiga e companheira, pelo constante estímulo, apoio e colaboração empreendidos ao me ajudar, fazendo leituras e apontando idéias.

• A Regina Celi Santos, Secretária da Seção de Pós-graduação da FHDSS e sua equipe, que com profissionalismo e compreensão muito me ajudaram nos momentos que precisei.

• Aos Profissionais entrevistados, sujeitos desta pesquisa, que me forneceram subsídios importantes, sendo parceiros na construção deste trabalho.

• À Minha família por toda compreensão, pelo apoio e carinho, pela torcida e pela força que me tem dado, especialmente, meus pais pelo amor que cotidianamente me dispensaram, sendo a âncora que impulsionou a vitalidade para eu sempre seguir em frente e concluir este trabalho.

• Aos Meus pais que sempre foram para mim, uma fonte de energia...A energia deles me inspirou a vivacidade e tornou consciente o valor de saber usar amorosamente a vontade, que estimulou a verdadeira criatividade na construção desse trabalho.

O amor é a motivação mais essencial em tudo o que realizamos. O que nos motiva pode ser um intenso e ardente desejo de amar e ser amado, uma expressão consciente de amor fraterno permite-nos que tudo que façamos flua através de nós para tudo e para todos.

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MENSAGEM DE OTIMISMO A responsabilidade Mudamos o mundo ao mudar a nós mesmos. Para isso é necessário que sejamos responsáveis. A atitude responsável é altamente potencializadora quando respondemos ao que nos é atribuído, a partir de um centro de confiança e alegria interior. Esse centro transmuta o peso do dever ou de obrigação em leveza e habilidade para responder ao que a vida nos propõe. Agir com responsabilidade é se dar ao prazer de pôr em prática os nossos melhores talentos.

O compromisso A atitude comprometida é aquela que nos liberta da necessidade de fazer coisas por dever ou obrigação porque passamos a confiar inteiramente no nosso potencial. Quando podemos assumir uma atitude comprometida é porque já atingimos o ponto de maturidade no qual percebemos que sem vocação e doação nenhum projeto poderá tomar corpo no plano físico.

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RAMOS, J. A. A construção do Conselho Municipal de Assistência Social de Franca: um exercício de cidadania e de democracia. 2005. 234 p. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca.

RESUMO Este trabalho teve como objetivo identificar como se desenvolveu o processo de descentralização e municipalização da Assistência Social em Franca, visando conhecer a participação popular e a cidadania política com a criação, implantação e implementação do Conselho Municipal de Assistência Social no Município. Desta forma buscou desvendar quais os mecanismos e estratégias utilizados na construção desse Conselho e ainda analisar a dimensão da participação dos atores envolvidos no processo, identificando como a cidadania política se efetivou e como os mesmos contribuíram para a consolidação da Política de assistência social na cidade de Franca. Algumas categorias estão presentes neste marco de análise, tais como: municipalização, descentralização, democracia, cidadania, participação, controle social, entre outros, os quais consubstanciam este estudo dando a ele um suporte teórico. Buscou analisar a trajetória histórica da Seguridade Social, identificando na Assistência Social suas contradições, enfatizando a LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social que lhe concede a secular vinculação ao conceito moderno de política pública. Para análise, utilizam-se os conhecimentos e a experiência da própria pesquisadora, sendo também protagonista desta história, uma vez que vem atuando em conjunto com os atores sociais na implantação e implementação do processo de descentralização e municipalização da assistência social. Cabe ressaltar que esse processo é analisado considerando o universo de Franca; o período de criação, implantação e implementação do Conselho Municipal de Assistência Social no município, sendo enfocado até 2004, cuja administração pública sofreu transição. É pertinente ainda dizer que em 2005, além das municipalidades contarem com nova gestão administrativa (novos governos), o advento do SUAS – Sistema Único da Assistência Social começa a ser implantado, porém, considera-se uma nova etapa na área da assistência social, a qual poderá ser bem analisada numa possível extensão deste estudo. Palavras-chave: democracia; cidadania; participação; assistência social; Conselho Municipal de Assistência Social; controle social; serviço social.

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RAMOS, J. A. A construção do Conselho Municipal de Assistência Social de Franca: um exercício de cidadania e de democracia. 2005. 234 p. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca.

ABSTRACT This paper aims at identifying how the process for decentralizing and municipalizing Social Assistance in Franca has evolved, and above all, aims at identifying popular envolvement and political citizenship in relation to the implantation and implementation of the City Council for Social Assistance in the township. To this end it aimed at identifying the mechanism and strategies employed in assembling this Council and it also searched for the dimension of the participation of the actors envolved in the process, by identifying how political citizenship has been effectivated and how it has contributed to the consolidation of the city´s Social Assistance policy. Some categories are present in this analysis, such as, municipalization, descentralization, democracy, citizenship, communication, social control, amongst others, which have substantiated this study imparting theoretical support to it. It has aimed at analysing the historical trajectory of Social Security, by identifying its contradictions within Social Assistance, by emphasizing the LOAS (Social Assistance Organic Law) which gives it a secular bond to the modern concept of public policy. This way, for analysis, the knowledge and experience of the researcher herself were used considering that she is a protagonist and native-born subject of this history once she has been acting in conjunction with the social actors in implanting and implementing the Social Assistance descentralizing and municipalizing process. It is worth emphasizing that the process is analyzed within the scope of Franca and the period of the creation, implantation and implementation of the City´s Social Assistance Council in the township, focused until 2004 when public administration changes hands. Still pertinent it is to mention that in 2005 besides the fact that the cities installed new administrations in office (new governments), there is also the coming of the SUAS ( Social Assistance Unified System ) which starts being implanted, but, this is considered to be a new phase within Social Assistance and should serve as subject for further analysis in a coming extension of this study. Key words: democracy; citizenship; communicating; social assistance; Municipal Council for Social Assistance; social control; social service.

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RAMOS, J. A. A construção do Conselho Municipal de Assistência Social de Franca: um exercício de cidadania e de democracia. 2005. 234 p. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca.

RESUMEN Ese trabajo ha tenido como finalidad la identificación de cómo desarrollar el proceso de descentralización y municipalización de la Asistencia Social en la ciudad de Franca – SP, buscando sobretodo, conocer la participación popular y ciudadanía política con la creación, implantación e implementación del Consejo Municipal de Asistencia Social en el Municipio. De esa forma se ha buscado conocer cuáles los mecanismos y estrategias utilizadas en la construcción de ese Consejo y aún ha buscado analisar la dimensión de la participación de los actores envolvidos en el proceso, identificando cómo la ciudadanía política se ha efetivado y ha contribuido para la consolidación de la Política de Asistencia Social en la ciudad de Franca. Algunas categorías están presentes en este marco de análises tales como: municipalización, descentralización, democracia, ciudadanía, participación, control social, entre otros, que substancian ese estudio dando a él un soporte teórico. Se ha buscado analisar la trayectoria histórica de la Seguridad Social, identificando en la Asistencia Social sus contradiciones enfatisando la Ley Orgánica de la Asistencia Social (LOAS) que le concede la secular vinculación al concepto moderno de política pública. De esa forma, para análisis, se utilizan los conocimientos y la experiencia de la propia pesquisadora, siendo también protagonista y sujeto nato de la historia, ya que viene actuando en conjunto con los actores sociales en la implantación e implementación del proceso de descentralización y municipalización de la Asistencia Social. Cabe señalar que ese proceso es analizado considerando el universo de Franca: el periodo de creación, implantación e implementación del Consejo Municipal de Asistencia Social en el municipio, siendo enfocado hasta 2004, cuya administración pública sufre transición. Es pertinente aún decir que 2005 además de las municipalidades estar contando con nueva gestión administrativa ( nuevos gobiernos ) el advento del Sistema Único de Asistencia Social (SUAS) empieza a ser implantado, pero, se considera una nueva etapa en el área de la Asistencia Social, la cual podrá ser mejor analizada en una posible extensión de esa investigación. Palabras clave: democracia; ciudadanía; participación; asistencia social; Consejo Municipal de Asistencia Social; control social; trabajo social.

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RELAÇÃO DE SIGLAS

ABONG – Associação Brasileira de Organizações não-governamentais ACIF – Associação Comercial e Industrial de Franca BC – Banco Central CAPs – Caixa de Aposentadoria e Pensões CBIA – Centro Brasileiro de Proteção à Infância e Adolescência CEAF – Conselho de Entidades de Assistência de Franca CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social CNSS – Conselho Nacional de Serviço Social DINFRA – Distritos Industrial de Gerenciamento de Transporte Coletivo de Franca FLBA – Fundação Legião Brasileira de Assistência FMI – Fundo Monetário Internacional IAPs – Instituto de Aposentadoria e Pensões INPS – Instituto Nacional de Previdência Social LBA – Legião Brasileira de Assistência LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social MBES – Ministério do Bem-Estar Social MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social OAB – Ordem dos Advogados do Brasil PROHAB – Programa de Habitação Popular de Franca PT – Partido dos Trabalhadores SCFBES – Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social SENAC – Serviço Nacional do Comércio SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem SENAR – Serviço Nacional Rural SESI – Serviço Social da Indústria SUAS – Sistema Único de Assistência Social UNESP – Universidade Estadual Paulista

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 13 18PARTE I – A HISTÓRIA.............................................................................................. 1 O PROCESSO HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL E SEUS

MARCOS.............................................................................................................. 191.1 A Assistência Social e sua historicidade............................................................... 191.2 A intenção de romper com a “série histórica”..................................................... 391.3 A descentralização e suas implicações................................................................. 481.4 A democracia, a participação e a conquista da cidadania..................................... 591.5 A relação: Estado e Sociedade Civil..................................................................... 671.6 O SUAS: a nova proposta da Política Nacional de Assistência Social................ 741.7 A era dos direitos e o neoliberalismo.................................................................... 80 PARTE II – A PESQUISA............................................................................................. 98 2 A METODOLOGIA DA PESQUISA.................................................................. 992.1 A pesquisa de campo............................................................................................ 992.2 Métodos e técnicas................................................................................................ 1002.2.1 O método da pesquisa........................................................................................... 1002.2.2 O envolvimento do pesquisador........................................................................... 1012.2.3 Os sujeitos da pesquisa......................................................................................... 1022.2.4 A construção de hipóteses..................................................................................... 1082.2.5 As entrevistas........................................................................................................ 1112.2.6 Análise e interpretação dos dados......................................................................... 112 3 OS RESULTADOS DA PESQUISA................................................................... 1153.1 O Conselho Municipal de Assistência Social de Franca – CMAS....................... 1153.1.1 O Conselho Municipal de Assistência Social de Franca: construção

histórica................................................................................................................. 1153.1.2 O exercício da participação................................................................................... 1303.1.3 Um pouco da história de Franca........................................................................... 143

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3.1.4 A implantação do Conselho Municipal em Franca e seus desdobramentos.................................................................................................... 151

3.1.5 Identificando a Cidadania Política........................................................................ 1633.1.6 O significado do CMAS na Política de Assistência Social em Franca................. 170 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 179 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 196 ANEXOS.......................................................................................................................... 204

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Introdução

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O presente trabalho desenvolve uma investigação teórico-metodológica acerca da

assistência social, buscando um referencial que vem dar sua contribuição na luta pelo seu

reconhecimento enquanto política pública, direito do cidadão e dever do Estado.

Para tanto, realiza uma pesquisa que tem como universo a cidade de Franca,

especialmente junto ao Conselho Municipal de Assistência Social, buscando conhecer seu

processo de construção, implantação e implementação.

O trabalho está organizado em duas partes. Na primeira aborda-se o processo histórico

da assistência social, considerando o marco inicial da assistência a década de 20 do século

passado, com a Lei Eloy Chaves, por ser a primeira Legislação que garantiu alguns direitos de

proteção social aos trabalhadores. Mostra a evolução e as contradições do sistema de

seguridade social no Brasil, buscando demonstrar como se deu a expansão das políticas

sociais e as influências sofridas pelas mudanças sociais, econômicas e políticas até a

Constituição de 1988.

A partir daí, leva em consideração uma nova etapa da assistência social, que é

inaugurada com o advento da LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social. Destacam-se as

tendências que determinam as mudanças que resultaram em uma redefinição da assistência

social, buscando mostrar como se desenvolveu o processo de luta, numa intenção de “romper

com a série histórica”1. Contudo, a partir do processo de descentralização político-

administrativo na área da assistência social e de participação popular, se constrói uma nova

história da assistência social.

Algumas reflexões sobre a descentralização são construídas, mostrando qual a idéia

maior desse processo. Busca-se demonstrar alguns conceitos sobre descentralização e

1 série histórica: prática centralizadora que marcou, fortemente, a ação institucional até a década de 1980, a qual está sendo substituída,cedendo espaço para que a participação da sociedade represente envolvimento, co-responsabilidade, adesão, controle, buscando romper com a cultura do assistencialismo.

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municipalização, tecendo ainda algumas considerações relativas à introdução deste sistema e

suas implicações, características, bem como, no que consiste esse processo.

Ainda nesta perspectiva e dando prosseguimento às reflexões, algumas categorias

importantes são trabalhadas, quais sejam: democracia, participação, cidadania, autonomia,

entre outros, considerando principalmente que é por meio da participação enquanto exercício

da cidadania política, que a democracia pode se tornar verdadeira.

Às páginas que se seguem, apontam a relação Estado e Sociedade Civil,

desenvolvendo aí suas concepções. Mostra como deve se dar a articulação entre estas duas

instituições. Aqui é trabalhado o conceito de controle social, sendo um aspecto fundamental

no processo democrático, pois, com as tendências descentralizadoras e com a criação dos

Conselhos, o exercício do controle social torna-se uma de suas principais competências.

Contudo, a gestão democrática e o exercício do controle social são aspectos relevantes

que só são possíveis numa relação harmoniosa e eficaz entre público e privado, tendo-se aí

objetivos comuns, devendo prevalecer a autonomia, o compromisso, a liberdade e a

responsabilidade, tendo em vista uma convivência complementar entre Estado e Sociedade

Civil.

O estudo traz considerações sobre o SUAS – Sistema Único da Assistência Social,

proposta esta contida na nova Política Nacional de Assistência Social. Trata-se de um sistema

constituído pelo conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios que compõem a

assistência social, prestados pelas instituições públicas e privadas.

O SUAS tem como princípio a cobertura universal no atendimento aos cidadãos e

compromete-se a prover um atendimento de qualidade, com vistas a um sistema de proteção

social e segurança aos indivíduos em situação de vulnerabilidade social.

É um sistema que busca padronizar os serviços na área da assistência social, de forma

que ele seja implantado em todo o território nacional, rompendo com a tutela, o

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assistencialismo, ou seja, superar de fato a velha forma de fazer assistência.

Por fim, trata este estudo sobre o neoliberalismo, sendo este um sistema que permeia

todo o processo emergente que propõe a reforma político-administrativa na área da assistência

social.

Contudo, ressalte-se que o modelo de sociedade que vem sendo implementado tem

como pressuposto a democracia, a liberdade e autonomia. Mas, a emergência do

neoliberalismo rebate e impõe inflexões à nova postura política, ou seja, propõe uma prática

política democrática, porém, tendo como meta legitimar interesses de uns poucos em

detrimento da maioria.

Irá demonstrar que, apesar das influências neoliberais, busca-se lutar por uma

sociedade mais justa e igualitária, sendo esse o desejo e o anseio de todo pesquisador;

portanto, este estudo, não pretende esgotar aqui o debate ou ser um trabalho de caráter

conclusivo, mas contribuir de alguma forma com novas reflexões.

Na segunda parte deste trabalho, realizou-se a pesquisa de campo para demonstrar

como se desenvolveu o processo de criação, implantação e implementação do Conselho

Municipal de Assistência Social em Franca, proposta esta contida na LOAS – Lei Orgânica da

Assistência Social, na qual se propôs um reordenamento institucional nas três esferas de

governo, sendo preconizada a constituição dos Conselhos paritários.

A pesquisa de campo possibilitou conhecer como se realizou esse processo em Franca,

como se desenvolveu a participação popular, qual foi a contribuição daqueles que

participaram nas discussões e nos debates para construção, implantação e implementação

desse conselho no município; como perceberam o exercício da sua cidadania política na

construção desse processo histórico e qual o significado desse conselho na política de

assistência social no município de Franca.

Tais questões foram trabalhadas de forma aberta com intuito de coletar dados da

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realidade, obtidos através dos relatos apontados pelos sujeitos que foram protagonistas no

processo de criação, implantação e implementação do Conselho Municipal de Assistência

Social em Franca, ou seja, foram pessoas que tiveram participação efetiva nessa construção

histórica. Portanto, a pesquisa contou com a coragem destes sujeitos que não fizeram oposição

a ser identificados, sendo estes os colaboradores que deram à pesquisa o seu significado, pois

seus depoimentos deram originalidade aos fatos, contribuindo para a relevância desta

investigação.

Porém, esta pesquisa não tem a pretensão de ser única e se esgotar nestas reflexões, ao

contrário, pretende ser mais um referencial que estimule novas discussões e investigações;

que possa ainda subsidiar a constante busca dos profissionais e atores que se inserem na área

da assistência social, sendo também mais um instrumento que instigue e contribua com novas

produções.

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Parte I – A História

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1 O PROCESSO HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL E SEUS MARCOS

1.1 A assistência social e sua historicidade

No contexto nacional, a assistência social iniciou-se com algumas tentativas em se

constituir um sistema previdenciário no Brasil, como por exemplo, o Plano de Benefícios

destinado a Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha em 1795; estes benefícios são estendidos

a alguns funcionários públicos do Ministério da Fazenda em 1890, Ministério da Guerra em

1891, aos operários do Arsenal da Marinha da Capital Federal em 1892, empregados da

Estrada de Ferro Central do Brasil em 1890, sendo em seguida, destinados a todos os

funcionários das estradas de ferro gerais da República.

Mas, para Bergamasco2 ([200-], p. 2) “A doutrina majoritária considera como marco

inicial da Previdência Social Pública no Brasil o Decreto Legislativo n. 4.682 de 24/01/1923,

mais conhecido como Lei Eloy Chaves”. A primeira Legislação Trabalhista traz o início de

um sistema de proteção social ainda bastante tímida em sua cobertura enquanto sistema de

seguridade social, dispondo sobre proteção ao trabalho como: lei de férias, código de

menores, regulamentação do trabalhador feminino, seguro doença.

Este sistema só abrangia algumas categorias profissionais e estava organizado em

forma de instituições fundamentalmente civis, privadas, sob o ponto de vista de sua gestão,

através das CAPs – Caixas de Aposentadorias e Pensões, no âmbito de cada empresa.

2 Assunta Di Dea Bergamasco – Professora especialista em Direito Previdenciário.

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Nos anos 20, a nossa Previdência Social estava organizada na forma de organizações civil, privada, do ponto de vista da sua gestão. O controle por parte do poder público se fazendo apenas de maneira externa ao sistem

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da concessão das aposentadorias e pensões, também eram fornecidos os serviços médicos e

farmacêuticos, os quais estavam bem explícitos, vindo em primeiro lugar, na ordem dos

dispositivos constantes na legislação.

Criara-se uma estrutura previdenciária caracterizada pela amplitude na definição de suas atribuições; pela liberalidade na concessão de benefícios e serviços; pela prodigalidade nos gastos com estes serviços e benefícios; e por outro lado, pela natureza fundamentalmente civil das instituições de Previdência, tanto no que tange à sua gestão, quando no referente à sua estrutura financeira (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1985, p. 34).

Mas, foi a expansão do comércio do café e sua industrialização que fez surgir um pólo

industrial entre São Paulo e Rio de Janeiro e com ela a classe operária no país, contribuindo,

sobremaneira, para formação de uma classe trabalhadora assalariada já num sistema moderno

de empresas sob novo modelo capitalista industrial.

Esse processo faz crescer a massa de mão-de-obra urbana, sobretudo de trabalhadores

estrangeiros (italianos, japoneses, espanhóis, entre outros), influenciados pelo incentivo que

atraiu a vinda de imigrantes para o Brasil, tendo em vista a abertura dada e o vasto incentivo

para o trabalho no campo.

No entanto, no final da década de 1920, com a crise do café e do monopólio agrário,

levado a cabo pela queda da Bolsa de Nova York, houve uma saída em massa desses

trabalhadores do campo que migram para as cidades, contribuindo para o crescimento das

demandas sociais e o crescimento das cidades.

Assim, a década de 1930 começou com novo ciclo industrial e com novas

perspectivas, tendo em vista a proposta de um Brasil denominado de Estado Novo com a

extinção do Estado Velho.

Nasce assim, uma nova era dos direitos sociais, com a criação de um novo Estado com

feição democrática igualitária, mas sobretudo populista e autoritário.

A partir da década de 1930, os direitos sociais passam a ser concedidos aos

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trabalhadores, os quais vão sendo expandidos gradativamente, pois a repressão não era

suficiente para controlar os conflitos que se formavam. Assim, as políticas sociais são

implantadas no sentido de controlar a emergência das classes trabalhadoras urbanas.

Portanto, foi a forte pressão da classe operária a grande impulsionadora que contribuiu

para as relevantes mudanças no campo do trabalho, isto é, das conquistas quanto aos direitos

trabalhistas.

Por outro lado, é importante ressaltar que até os anos 1920, os direitos concedidos

também estiveram vinculados ao processo produtivo, ou seja, só tinham direitos aqueles que

trabalhavam, tinham carteira de registro, estavam empregados, efetivamente.

Encontravam-se excluídos de todo e qualquer direito, àqueles que não estavam

incluídos no trabalho e não tinham registro em carteira: os trabalhadores rurais, os

analfabetos, os que trabalhavam sem registro. Era uma cidadania regulada e discriminatória.

Os avanços em relação ao sistema previdenciário, iniciaram-se a partir da década de

1930, com a presidência de Getúlio Vargas no Governo, o qual propôs uma revolução,

buscando ideologicamente organizar a vida econômica e social do país, aliada ainda à

necessidade de intervenção do Estado com o propósito de estimular a industrialização e a

diferenciação econômica nacional.

Trata-se de um período significativo, pois a pressão popular também foi protagonista

nas mudanças imprimidas. O trabalhador insatisfeito promoveu articulações, movimentos, na

luta por direitos e em função, principalmente, da insegurança do trabalho, desemprego,

invalidez, doença e velhice, questões que deveriam ser tratados, igualmente, envolvendo todos

os trabalhadores.

Fazia-se presente uma cidadania política que levou estes trabalhadores a lutar pelos

seus direitos.

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Mota considera que “superando o recurso da caridade e da beneficência privada ou

pública, o movimento operário impõe o princípio dos seguros sociais, criando caixas

voluntárias e, posteriormente, obrigatórias, para cobrir perdas” (1995, p. 130).

A partir de 1930 explodiu uma Revolução, causada pela pressão popular, contribuindo

também para o surgimento desse “Estado Tutelar” proposto pelo então governo, com objetivo

de organizar uma sociedade vista como dispersa e desarticulada.

Na verdade, os sistemas de seguridade social criados são os mesmos instituídos na

Europa ocidental, sendo proposto de forma ampla e universal, com um diferencial: o sistema

de proteção social público e privado estruturado no Brasil, visou prover assistência aos pobres

e previdência para os assalariados.

As políticas de seguridade social vinculam-se fortemente às necessidades da grande indústria e, mais precisamente, àquelas que utilizam capital intensivo. Essa vinculação pode ser identificada em três níveis: na organização do mercado de trabalho, na reprodução ampliada da força de trabalho e na construção de pactos entre o grande capital e os grandes sindicatos de trabalhadores, principalmente quanto à concessão de salários indiretos (MOTA, 1995, p. 129)

Portanto, percebe-se que as propostas governamentais sempre estiveram aliadas aos

interesses do capital.

Em níveis mais desenvolvidos, a seguridade transforma-se em um instrumento de regulação social. O marco desse processo, no capitalismo monopolista, é o surgimento de instituições públicas que substituem os sistemas patronais de seguros, para atender a novas necessidades do capital e do trabalho assalariado, como um direito do trabalhador ...Contraditoriamente, ao desobrigar a grande indústria de parte dos custos de manutenção e reprodução da força de trabalho, os sistemas de seguridade social, objeto de reivindicações dos trabalhadores, também favorecem a estabilização do salariato e contribuem para a eliminação dos obstáculos ao desenvolvimento da grande indústria capitalista (MOTA, 1995, p. 130).

Dessa forma, o trabalhador, imbuído de princípios de direitos e na busca de segurança

social, acabou contribuindo com um sistema de reprodução estratégica do capital; na

construção e manutenção de uma hegemonia capitalista, uma vez que o objeto das lutas dos

trabalhadores foram transformados em mecanismos de sua própria subordinação.

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Vê-se, assim, incorporados os interesses do trabalhador e do capital, sendo

conveniente, a implementação deste sistema dual, o qual vai beneficiar, principalmente, o

capital, pois se trata de um mecanismo funcional ao processo de acumulação e construção da

hegemonia.

Tal processo foi importante naquela conjuntura, pois a acumulação capitalista passou a

ser dominada pelo capital industrial, em expansão. Trata-se, ainda, de um período cujas

mudanças na organização política são produzidas em função das mudanças instituídas na

economia, onde o Estado teve papel determinante, tanto na estruturação de bases de

implantação definitiva da industrialização, como, no dever de investir em políticas sociais

para atender aos interesses da população, minimizando assim, os conflitos, as insatisfações e

acalmando os movimentos.

Institui-se, desta forma, uma concepção de proteção social que se ajusta com a

tradição de seguridade social como “seguro social”, tendo como característica central os

riscos do trabalho e a rigidez dos critérios de inclusão, por ser restrita e seletiva no acesso aos

benefícios e seu destinatário.

É nos anos 30, quando a acumulação capitalista passa a ser dominada pelo capital industrial, que esse quadro se altera. Em tal período, as mudanças produzidas na economia determinam uma nova forma de organização política, reservando-se, para o Estado, a assunção de papéis decisivos, tanto para estruturar as bases da implantação definitiva da industrialização, como, concomitantemente, para investir em algumas políticas sociais (MOTA, 1995, p. 167)

Getulio Vargas iniciou seu governo suspendendo por seis meses todo e qualquer

benefício previdenciário existente. A partir daí, o sistema foi revisto e reestruturado,

abrangendo outras categorias profissionais.

As CAPs começaram a ser extintas e os trabalhadores passaram a se filiar aos IAPs –

Institutos de Aposentadoria e Pensões que passaram a ser criados por categoria, a partir de

1933, abrangendo, gradativamente, os marítimos, comerciários, bancários, entre outros.

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Dentre as principais medidas, adotadas no período, destaca-se a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs). Os IAPs, criados a partir de 1933, diferentemente das Caixas, não se vinculavam às empresas e sim às categorias profissionais mais expressivas no mercado de trabalho, para as quais sempre havia um sindicato (marítimos, bancários, industriários, servidores do Estado, trabalhadores vinculados ao setor de transporte de cargas e comerciários) (MOTA, 1995, p. 168).

Ressalte-se que as leis continuam privilegiando categorias profissionais, sobretudo

funcionários públicos, isto é, trabalhadores ligados ao governo.

Mas, a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões representou um período de

grande expansão do sistema de proteção social para os trabalhadores, uma vez que tinha como

objetivo adotar um sistema de proteção para riscos de acidentes do trabalho e mais tarde, de

enfermidade.

Cada instituto tinha seu regimento aprovado por Decreto do Poder Executivo, que

estabelecia todo sistema de beneficio, as regras do custeio e plano de prestações destinadas

aos beneficiários. Na verdade, foi uma extensão da Lei Eloy Chaves a outras categorias

profissionais.

Os benefícios concedidos eram:

Á aposentadoria ordinária ou por invalidez;

Á pensão, em caso de morte, para as pessoas de sua família ou os beneficiários,

anteriormente assegurados;

Á assistência médica e hospitalar, com internação;

Á socorros farmacêuticos.

Ainda na década de 30 do século passado, foram instituídos programas de construção

de casas para venda aos associados e (ou) de empréstimos para construção ou compra de casa

própria. Portanto, havia um programa habitacional e de empréstimos da Previdência.

Os direitos concedidos até então representam a agregação de direitos sociais ao

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conjunto de leis trabalhistas implementado por Getúlio Vargas, como parte de seu projeto de

reorganização do processo acumulativo, visando prevenir e minimi

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pressuposto de que a cidadania implica os direitos civis, políticos e sociais. Nesta acepção, a

proteção afasta-se da idéia de seguro social e amplia-se para o direito, vindo a configurar-se o

padrão de proteção social inglês, com princípios estabelecidos no Relatório Inglês de Willian

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de forma desconfigurada ou desigual, pois, a assistência fica para os pobres e a previdência

aos assalariados. Assim, só se beneficia da assistência social àqueles que não podiam

submeter-se ao trabalho assalariado; por outro lado, não se beneficia da previdência àqueles

que não tinham emprego.

Os “30 anos gloriosos” – do pós-guerra até meados dos anos 1970, representam

grandes transformações:

[...] marcaram uma ampla expansão da economia capitalista, sob a liderança do capital industrial, apoiada em uma organização da produção de bases tayloristas e fordistas, como estratégias de organização e gestão do processo de trabalho. Redundaram em ganhos de produtividade e um certo reconhecimento do poder sindical da classe operária (IAMAMOTO; CARVALHO, 2001, p. 29)

Portanto, foi um sistema de proteção social regulada, que teve a finalidade de

contribuir com as mudanças e a legitimação do sistema, buscando acompanhar a

modernização econômica; garantir a produção; atender as demandas sociais; regular os

conflitos e legitimar a intervenção do Estado, visando a reprodução e manutenção da força de

trabalho e a consolidação do sistema capitalista.

Entende-se dessa forma que o Estado de Bem-Estar-Social ou Welfare State se

constituiu em novo padrão de financiamento público da economia capitalista, onde o Estado

passa a ser o financiador da acumulação do capital de um lado, e de reprodução da força de

trabalho de outro. Assim, ele vai constituir-se em um agenciador de serviços e benefícios

voltados para os trabalhadores, os quais vão sendo ampliados durante as décadas de 1950 e

1960, enquanto mecanismo compensatório de necessidades concedidas como salários

indiretos. Então, além das aposentadorias, pensões, seguro contra o desemprego e os acidentes

de trabalho, foram concedidos auxílios às famílias numerosas, à maternidade e aos inválidos;

e foram repassados subsídios alimentares e habitacionais.

Estes serviços passaram a constituir o sistema de proteção social destinado a pessoas

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ou famílias de baixo poder aquisitivo.

Neste sentido, o Estado toma para si a “questão social”, passando a produzir serviços

sociais que se destinam às pessoas desprovidas e carentes; mantém fundos para prover os

benefícios previdenciários; assegura a ampliação dos benefícios; com isso, ele acaba

substituindo aquilo que era feito pela empresa e assim assegura a gestão estatal da força de

trabalho, fato este que contribui para o fortalecimento e consolidação do sistema capitalista,

pois, ao prover tais serviços, publiciza demandas privadas como medidas de interesse geral

(população/capital/Estado), garantindo a venda da força de trabalho e conseqüentemente, a

produtividade.

Para atender tais exigências, o Estado amplia seus gastos com a seguridade social. Tal

procedimento era divulgado de forma a demonstrar para o povo que o Estado era “generoso”

arcando com despesas consideráveis para atender e fornecer serviços, os quais eram

considerados como direitos. No entanto, as contribuições de empregados e empregadores

continuaram sendo os grandes financiadores do sistema de seguridade social, apesar do

Estado, ideologicamente, se colocar como o grande agenciador do sistema e os recursos serem

centralizado nele. A Previdência era um instrumento de acumulação, que administrava todo

sistema previdenciário.

Por sua vez,

O Estado buscava canalizar o fundo público, tanto para financiamento do capital, quanto para a reprodução da força de trabalho, movido pela lógica de que, para impulsionar a produção, há que ampliar mercados e preservar um certo poder aquisitivo da população, capaz de viabilizar o consumo de mercadorias e dinamização da economia (IAMAMOTO; CARVALHO, 2001, p. 30)

Dessa forma, seria preciso pensar numa política de emprego e esta foi a proposta,

enquanto meta keynesiana do “pleno emprego”, ressaltando-se que

Economicamente, o Estado de Bem-Estar Social casava-se com a política keynesiana mais geral, supondo um mecanismo de ajuste entre oferta e demanda através do pleno emprego e das medidas assistênciais. Supunha-se que esta

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adequação se daria na medida em que uma política econômica ativa estimularia o crescimento econômico, donde resultaria maior volume de impostos, permitindo a ampliação controlada dos programas sociais, o que estimularia o consumo, etc., fechando o ciclo (FLEURY, 1994, p. 119)

A proposta era que o trabalhador pudesse ter um certo padrão salarial, o que foi

negociado com as representações sindicais; ao Estado, cabia implementar programas sociais

para os trabalhadores, para que usassem os seus salários para consumir.

Ao Estado

Coube viabilizar salários indiretos por meio das políticas sociais públicas, operando uma rede de serviços sociais, que permitisse liberar parte da renda monetária da população para o consumo de massa e conseqüente dinamização da produção econômica. Esse acordo entre Estado, empresariado e sindicatos envolveu uma ampliação das funções do Estado no campo das políticas públicas, que passaram a dispor de ampla abrangência, permitindo que fosse liberada parcela de renda familiar para o consumo. A tais medidas, aliou-se uma rigorosa administração dos gastos governamentais. Assim, a implantação de uma rede pública de serviços sociais é parte da chamada regulação keynesiana da economia, uma das estratégias de reversão das crises cíclicas do capitalismo no pós-guerra (IAMAMOTO; CARVALHO, 2001, p. 30).

Pode-se considerar que “esse padrão de desenvolvimento, possibilitou o avanço de

certas conquistas no campo do bem-estar social, especialmente nos países do primeiro

mundo”. Este sistema foi reconhecido como o Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State.

Mas, no caso brasileiro, tal sistema não chegou a se efetivar, pois conforme abordam ainda os

autores “O Brasil, não tendo experimentado um Estado de Bem-Estar Social na sua

completude, viveu o que Oliveira já denominou de Estado do Mal-Estar Social”

(IAMAMOTO; CARVALHO, 2001, p. 30).

Ao longo da história, apesar das conquistas, sabe-se que as lutas sempre foram

utilizadas como instrumento da classe dominante. No sistema de Bem-Estar Social, o Estado

posa de benfeitor e tenta-se criar um Estado-protetor, mais humano e eficaz. Mas essa

ideologia foi uma estratégia para conquistar a confiança do povo para implantar a sua

proposta, o seu governo.

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Mas, foi no período de consolidação ou de implantação do sistema de Bem-Estar

Social que se registram avanços no que refere à assistência social, tais como: instituição do

Conselho Nacional de Serviço Social – CNSS; criação dos órgãos: Legião Brasileira de

Assistência – LBA, Serviço Nacional de Aprendizagem – SENAI, Serviço Nacional do

Comércio – SENAC, Serviço Nacional Rural - SENAR e o Serviço Social da Indústria –

SESI, considerada uma fase de ascensão na área da assistência social.

Assim, pode-se considerar que em virtude da Segunda Grande Guerra emergiu, de

certa forma, uma ordem relativamente democrática em termos político, social e econômico,

pois foi uma fase que suscitou transformações no contexto social e que prevaleceram até o

final da década de 1940.

Já em 1950, com a ideologia desenvolvimentista, a questão da participação implicava

a autonomia das decisões locais e organização. É nesta fase que surgiu a proposta de

desenvolvimento de comunidade com a formação de lideranças, a organização de recursos e o

trabalho multidisciplinar.

A era desenvolvimentista significou a construção dinâmica da participação coletiva. A

partir dos anos 1950 registram-se taxas aceleradas de crescimento econômico, de urbanização

e inflação, porém, com ocorrência de distorções cada vez maiores em termos de benefícios

previdenciários, obrigando algumas categorias profissionais a tomarem posições

reivindicatórias.

Estes movimentos cresceram e incentivaram o surgimento de outros grupos sociais,

urbanos e rurais, na luta pela efetivação da cidadania.

Em 1960, ano de promulgação da LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social, criou-

se uma nova estrutura para prover a proteção social, com a expansão do sistema particular de

serviços e benefícios, que se dará nas grandes indústrias multinacionais, nas empresas estatais

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e no setor bancário. Os serviços passaram a ser agenciados pelas empresas e também pelas

Instituições “S”: SESI, SENAI, SENAC, LBA e até mesmo pelo complexo filantrópico

(entidades sociais) e pela Previdência Social Pública.

Surgem, então, os serviços de proteção social privada, com nova divisão

socioinstitucional da seguridade social, tendo direções específicas, ou seja, os serviços são

repassados aos trabalhadores como salários indiretos, complementares aos salários reais,

como educação, saúde, habitação, assistência social (creches, abrigos, entre outros), buscando

atender às necessidades dos trabalhadores.

Esse padrão assistencial, coerente com o estágio de desenvolvimento das forças produtivas no período, será alterado nos anos 60 diante da emergência de um outro quadro econômico e político vivido pela sociedade brasileira. Tanto é assim que, a partir da segunda metade da década de 60, em pleno regime autoritário e na vigência de um outro padrão de industrialismo e acumulação, presencia-se a retomada da seguridade própria das empresas, que será feita concomitantemente com a expansão do sistema público de proteção social, então unificado no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) (MOTA, 1995, p. 169).

A partir de 1964 iniciou-se uma nova era no país com a expansão seletiva de alguns

programas e com a ampliação das políticas sociais, sobretudo dos sistemas de previdência e

saúde, visando atender a população trabalhadora, uma vez que crescia a massa de

trabalhadores assalariados.

Trata-se de um período de abertura, concedido pelos governos ao mercado

internacional, o que favoreceu o crescimento do setor privado, especialmente nos setores de

saúde e previdência, na área de tecnologia hospitalar e farmacêutica, o que contribuiu para o

crescimento da economia brasileira e a ampliação das políticas sociais.

[...] a expansão dos sistemas particulares de proteção social se dará, principalmente, nas grandes indústrias multinacionais, nas empresas estatais (produtoras de bens e serviços) e no setor bancário. Tais iniciativas integraram o sistema de proteção social vigente no pós-64, o qual era composto pelos serviços próprios e/ou agenciados pelas empresas, pelas entidades empresariais como SESI, SESC E SENAI, pelo complexo filantrópico e pela previdência social pública. Uma nova divisão socio-institucional da seguridade se instala com base na formação de clientelas especificas para os serviços existentes, quais sejam: serviços para os trabalhadores das pequenas e médias empresas nacionais; uma seguridade social própria para o trabalhador da grande empresa, podendo ser uma estatal, um banco ou

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a moderna indústria automobilística,; e o INPS, para os demais trabalhadores (MOTA, 1995, p. 169).

Nesse sentido,o sistema de proteção social que vai sendo instituído se amplia, bem

como se traduz em um conjunto de medidas políticas de caráter econômico e social em

resposta ao processo de modernização industrial, viabilizando uma integração da classe

trabalhadora com o sistema capitalista. Mais uma vez reforça-se o sistema de Bem-Estar

Social, assentado sobre o idealismo de que se trata de um compromisso de classes, que

possibilita a redistribuição da riqueza social para as classes menos favorecidas, cuja

participação estava sendo garantida institucionalmente.

Por outro lado, com o golpe militar se estabeleceu um novo contexto antidemocrático,

trazendo grave situação política ao país, com a restrição da liberdade, violação dos direitos

civis e políticos, cassação de mandatos e a eliminação do processo político de massas que até

então crescia no Brasil. A politização da população era evidente, por isso o golpe não foi uma

mera operação político-militar, mas consistiu, sobretudo, em ampla e prolongada campanha

de convencimento da população brasileira. O Estado militar interferiu em todos os aspectos

da vida social, econômica, política, cultural e educacional da população brasileira.

Portanto, a era militar representou a instalação de um novo modelo econômico, social

e político. Econômico por ser centralizador do capital; social, ao estabelecer uma nova ordem

ao ser regulada, outorgada e administrada; e política, pela concentração do poder pelo Estado,

tornando-o forte, abrangente para dar disciplina, obediência, hierarquia.

A centralização político-administrativa ocorrida na década de 60 do século XX, foi um

aspecto da política de controle e regulação. Destaca-se aí a unificação dos Institutos de

Aposentadoria e Pensões , com a criação do INPS – Instituto Nacional de Previdência Social,

o que significou, sobretudo, a extinção das representações dos segurados e a supressão dos

mecanismos de participação dos trabalhadores e dos beneficiários no controle dos sistemas.

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Com a criação do INPS, o governo passou a ser o gerenciador do sistema. Trata-se de mais

uma estratégia do Estado para manter o controle e administrar um sistema financeiro, o qual

poderia lhe ser muito útil.

Assim, ao final da década de 1960 e início de 1970, o Estado, a fim de promover a

maximização da equidade no país, paralela à estratégia governamental de controle social,

incorporou uma série de benefícios sociais voltados aos trabalhadores, com a implantação de

serviços, na área de saúde e previdência, que beneficiavam diversas categorias de

trabalhadores, tais como: trabalhadores rurais, empregados domésticos e autônomos.

Por outro lado, ainda, a expansão seletiva de alguns programas sociais, teve um

significado importante para o setor privado, considerando que o Estado buscava consolidar

uma política econômica e social que atendesse mais uma vez a este setor .

É evidente que a expansão seletiva da seguridade está diretamente relacionada com o modelo econômico e político adotado após 1964 e com o conseqüente crescimento do processo de assalariamento urbano-industrial no Brasil. No entanto, essa maior abrangência não alterou o padrão de seletividade que sempre esteve presente nas políticas sociais brasileiras, determinado pela formalização do emprego (MOTA, 1995, p. 150).

Na verdade, a intenção do Estado era manter a unidade e coesão, por isso utilizou

mecanismos ideológicos, dando ênfase às políticas sociais, buscando reduzir as desigualdades

e injustiças, num esforço em agregar o Estado de Bem-Estar com vistas a garantir, sobretudo,

as condições de produção do capital buscando a efetivação do Estado desenvolvimentista.

O grande capital compartilhou de tais propostas, inclusive defendendo a

universalização da cobertura do sistema de seguridade social, buscando incentivar e legitimar

o Plano Nacional de Desenvolvimento apresentado pelo Governo.

É neste período que se amplia a cobertura do sistema aos trabalhadores rurais aos

empregados domésticos e aos trabalhadores autônomos.

Visando dar legitimidade ao novo modelo de gestão do sistema previdenciário, o

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governo criou o MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social. A elevação em nível

de Ministério foi vista como fortalecimento da instituição e representou também uma

modernização do aparelho estatal. A implementação das políticas sociais, voltadas para

distribuição de renda e previdência, foi prioridade do governo nesse período.

Mas, a ampliação das políticas sociais no contexto militar representou um mecanismo

que buscou: atender a necessidade de legitimação dos governos militares; fortalecer o

desenvolvimento do processo produtivo; constituir um trabalhador coletivo; reiterar as formas

de produção da mais-valia e implementar mecanismos de reprodução dos salários, aspectos

esses que amparam a lógica de sua expansão. Tais estratégias tiveram total apoio do grande

capital, pois atendia sobremaneira seus interesses e os trabalhadores, por sua vez, buscaram,

legitimar este projeto acreditando que se legitimavam conquistas.

Tal concepção partia do pressuposto de que com a recuperação da prática político-

organizativa dos trabalhadores, enquanto sujeitos sociais coletivos, suas reivindicações

estavam sendo atendidas.

No inicio de 1980, emergiu no cenário político-nacional um trabalhador mais

fortalecido com a expansão do sindicalismo, que passou a ser o centro de politização dos

trabalhadores assalariados, possibilitando o desenvolvimento de movimentos na luta e

efetivação de suas reivindicações.

Um dos aspectos mais importantes nesse novo cenário, foi a prática das negociações

coletivas que ocorreram no âmbito dos sindicatos e empresas, o que significou a participação

direta dos trabalhadores.

Dentre os fatores conjunturais, ressaltamos as inovações no campo da democracia industrial – uma inflexão entre os processos de socialização da política e as necessidades advindas do mundo da produção – que têm como principais características: o reconhecimento dos sindicatos, como interlocutores da negociação direta e dos contratos coletivos de trabalho entre trabalhadores e patrões; as experiências de flexibilização das normas de produção; e a emanação da disciplina fabril vinda do consumidor e não mais dos gerentes, como é o caso dos programas

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de qualidade total (MOTA, 1995, p. 170-171).

Foi um período em que a luta dos trabalhadores perpassava, sobretudo, por políticas de

seguridade social – saúde, previdência, assistência, transporte, educação, creches, entre outras.

Portanto, foram estes os mecanismos demandados pelos trabalhadores.

Mas, é também nesse novo contexto de luta por conquistas que se instalou no país e

no mundo uma nova crise social, política e econômica.

Se a década de 1970 representou o “milagre econômico” pelo desenvolvimento da

economia, a década de 1980 foi caracterizada como a “década perdida” ou a “crise do

milagre”.

A crise instalada nos anos 1980 foi marcada pela recessão econômica, pela dívida

externa e interna, pela desaceleração da receita e elevação das despesas, pela queda dos

salários, redução do emprego, pelas sonegações, entre outros aspectos.

Enquanto, nos anos 70, assiste-se à expansão do parque industrial, à generalização do trabalho assalariado em nível nacional, à ampliação do mercado consumidor interno e ao incremento da quantidade de produtos, os anos 80 são marcados por uma profunda crise internacional, que imprime um redirecionamento na economia nacional, cujas características são a retração do mercado interno, a ampliação do mercado exportador e a necessidade de implementar novas estratégias de produção pra fazer face à competitividade internacional, em que a qualidade do produto e a flexibilização da produção passam a ser essenciais (MOTA, 1995, p. 173-174).

Também é importante ressaltar que foi um fenômeno mundial, que iniciou com a crise

do socialismo, a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética.

Ianni coloca que “em poucos anos, terminou um ciclo da história e começou outro.

Muitas coisas estão mudando no mundo, abrindo outras perspectivas sociais, econômicas,

políticas e culturais”. Prossegue dizendo que

Em poucos anos, às vezes em alguns dias, precipitam-se transformações da maior importância para o desenvolvimento do curso da história: a sociedade soviética entra num ciclo de transformações sociais, econômicas, políticas e culturais profundas; democratizam-se os processos políticos em todos os países socialistas do Leste Europeu, compreendendo as Repúblicas Soviéticas, e já se realizam eleições

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pluripartidárias em vários dentre eles; cai o Muro de Berlim; retiram as tropas soviéticas do Afeganistão e dos países do Leste Europeu; extingue-se o Pacto de Varsóvia criado para contrabalançar a Organização do Tratado de Atlântico Norte (OTAN), duas expressões militares e geopolíticas da Guerra Fria; termina a Guerra Fria, já que a União Soviética, o Pacto de Varsóvia e o perigo comunista não podem mais ser apontados como ameaças ao capitalismo, isto é, ao Ocidente, entendendo-se aí a Europa e os Estados Unidos [...]. (1992a , p. 26-27)

Na verdade, a crise do socialismo provocou uma revolução, ou seja, gerou uma

instabilidade no mundo todo, refletindo em amplas reformas políticas que trouxeram tanto

benefícios como malefícios. Benefícios, pela abertura democrática dos países; malefícios pela

abertura dos mercados, o que provocou uma crise, sobretudo dos países periféricos, que

foram os que mais sofreram com as alterações nas relações do jogo de forças em curso na vida

das sociedades nacionais e da sociedade mundial.

As mudanças imprimidas são de toda ordem. Elas incluem:

[...] mudanças na natureza dos Estados e nos sistemas de Estados. Os Estados estão sendo internacionalizados em suas estruturas internas e funções. Por toda a maior parte deste século, o papel dos Estados era concebido como o de um aparato protetor das economias nacionais, em face das forças externas perturbadoras, de modo a garantir adequados níveis de emprego e bem-estar nacionais. A prioridade do Estado era o bem-estar. Nas últimas décadas, a prioridade modificou-se, no sentido de adaptar as economias nacionais às exigências da economia mundial. O Estado está se tornando uma correia de transmissão da economia mundial à economia nacional (IANNI, 1992a, p. 24)

A crise rompeu com um ciclo da história brasileira, pois a abertura democrática,

paralela à crise, trouxe novas exigências à sociedade.

Apesar de o processo democrático ser considerado um grande avanço enquanto

conquista, em que esteve presente a massa de trabalhadores, engajados num processo de lutas

e recuperação da prática político-organizativa, os acontecimentos trouxeram uma nova

realidade, complexa, sobretudo para os países latino-americanos, como o Brasil.

A crise provocou uma nova etapa do capitalismo, a nível global. Os países fortes, em

detrimento aos mais fracos, procuram desenhar uma política que lhes fortaleçam. Por isso,

estabelecem normas que lhes convém, via FMI – Fundo Monetário Internacional e BC -

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Banco Central, argumentando estarem ajudando os países periféricos. Suas propostas são

baseadas no progresso; na evolução; na reforma necessária ao atendimento das necessidades

do povo; desenvolvimento da industrialização; urbanização das cidades enquanto melhoria da

qualidade de vida da população urbana; crescimento e desenvolvimento econômico;

modernização dos sistemas e racionalização de recursos, etc.

Foram as grandes instituições internacionais que influenciaram fortemente os países

periféricos, a partir de mecanismos de indução e reorientação das políticas econômicas

nacionais.

Assim, foram estabelecidas novas alianças, acordos, os quais buscam atender

interesses da coletividade. No entanto, sabe-se que estas articulações e cumplicidades visavam

atender alguns interesses e idéias de determinados grupos e não propriamente do conjunto da

população.

1.2 A intenção de romper com a “série histórica”

As mudanças nos sistemas de seguridade social ganham destaque no conjunto das

reformas, surgidas no final da década de 1980 e início de 1990. Os principais formuladores

dessas mudanças focam “os organismos financeiros internacionais, os empresários vinculados

ao grande capital e a burocracia estatal a eles associada” (MOTA, 1995, p. 119)

Tais tendências são determinadas por uma nova relação que surge no âmbito da

economia e da política, que estabelecem novos processos sociais, tendo como conseqüências

dois vetores.

• as mudanças no mundo do trabalho, aqui entendidas como parte do processo de reestruturação produtiva e produto das estratégias de superação do modelo fordista-keynesiano, em favor da acumulação flexível.

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• As mudanças na intervenção do Estado, cuja inflexão é marcada pela crise do keynesianismo e pela emergência do neoliberalismo (MOTA, 1995, p. 117)

Contudo, as mudanças estão diretamente ligadas ao sistema capitalista, que mais uma

vez encontra-se em crise cíclica e atinge o mundo todo, mas principalmente os países

subdesenvolvidos e em desenvolvimento, obrigando-os a tomar um conjunto de medidas de

ajustes.

Tais ajustes são impressos enquanto exigências dos organismos internacionais, tais

como FMI e Banco Central. Estas instituições acabam determinando ou partilhando das

deliberações que passam a ser exigidas dos países latino-americanos.

Há várias características que permitem identificar que o sistema capitalista entrou num processo de crise geral. A primeira delas é o militarismo, que sempre existiu, é verdade, mas nunca atingiu as proporções atuais. Outra característica é o desenvolvimento do capitalismo monopolista de Estado, ou seja, com o grau de monopolização a que chegou a economia, o Estado passa a ser mais diretamente submisso aos interesses dos grandes monopólios. Outra importante característica diz respeito à crise monetária e financeira internacional (SILVA, 1991, p. 23)

Nesse sentido, pode se dizer que o Estado brasileiro, ao longo dos anos, foi adquirindo

um endividamento, o que determinará a principal característica da crise vivenciada na década

de 80, do século passado, exigindo assim uma solução urgente.

A dívida externa provoca uma profunda deterioração das finanças públicas, uma imensa concentração dos investimentos produtivos, decorrendo daí, entre outras conseqüências, a recessão – com mais de dez anos. A dívida externa, por diversos mecanismos, transformou-se numa dívida interna. Hoje temos, portanto, a sangria da dívida externa e a da dívida interna, que provocam profundos desequilíbrios estruturais na economia do país. Daí a falência de todo e qualquer tipo de programa social. No Brasil, os programas sociais sempre foram minguados. Hoje, com a falência das finanças públicas, acabaram totalmente (SILVA, 1991, p. 24)

Mediante tais argumentos, entende-se que o grande problema da crise é a dívida e esta

acaba interferindo diretamente nos programas sociais, pois em função do pagamento da

mesma, os recursos destinados à área social acabam sendo reduzidos.

O pagamento desta “dívida” implica transferência de significavas quantidades de capital para as economias centrais, sempre segundo as receitas do FMI

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fundamentadas na redução do consumo, do emprego, de cortes drásticos nos gastos sociais, da privatização das empresas estatais, na redução da inversão pública e outros mecanismos de controle das economias e do desenvolvimento dos países latino-americanos (LOPES, 1989, p. 52).

Para Mota “a proposta formal apresentada pelo FMI é ampla e contém, no seu

conjunto prescrições para a contenção do déficit público, recomendações relativas às reformas

estruturais e aos acordos de pagamento da dívida externa brasileira” (1995, p. 201).

E conclui dizendo que:

Em linhas gerais, o FMI não altera os princípios da seguridade social estabelecidos na Constituição de 1988, mas, a exemplo das demais propostas dos setores vinculados ao grande capital, propõe a separação das fontes de custeio, procedimento este que amplia significativamente as oportunidades para o setor privado lucrativo, na esfera da saúde e da previdência (MOTA, 1995, p. 201).

É em meio a esse cenário de mudanças, de crise, de avanços no mundo da tecnologia,

entre outras contradições, que a sociedade brasileira, diante das necessidades concretas de

sobrevivência, luta pela soberania nacional, por uma nova ordem social, por garantia de

direitos e pela consolidação da democracia.

Na verdade, a Constituição Federal de 1988 é a grande protagonista que consagra os

avanços conquistados pela sociedade brasileira. Dentre estes avanços está o novo conceito

dado à seguridade social, em especial à assistência social, a qual passa a ser entendida como

uma política pública, decorrente de seu reconhecimento como direito do cidadão e de

responsabilidade do Estado.

É importante ressaltar que no Brasil, a assistência social, introduzida a partir da

Constituição de 1988, é bem parecida com os projetos de seguridade social de outros países,

enquanto garantia de proteção social aos cidadãos.

Sem dúvida, pode-se considerar grandes avanços, ao afirmar que a assistência social

ganha status de uma política, pois o entendimento geral, era a de que “assistência social”

pertencia à rede de solidariedade da sociedade civil, sendo vista e praticada, sempre, como

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mero assistencialismo, caridade, filantropia.

A Constituição de 1988, portanto, é o marco legal para a compreensão das

transformações e redefinições do perfil histórico da assistência social no país, que a qualifica

como política de seguridade social, conforme constante em seu art. 1943.

A Constituição Federal de 1988 dedica, no capítulo da seguridade social, uma seção

específica para a assistência social, prevendo, inicialmente, dois artigos que a contemplam: o

primeiro é o artigo 2034, definindo os destinatários deste segmento da ordem social, e o artigo

2045 indicando a fonte primária dos recursos que custearão tais ações e as diretrizes a serem

adotadas na política de assistência social.

É relevante dizer, que para constituir a assistência social como política pública, foi

necessário um processo de luta, envolvendo diversos segmentos da sociedade, grupos e

movimentos, tais como: trabalhadores da área, sindicatos, profissionais liberais, partidos

3Art. 194 A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à Saúde, à Previdência e à Assistência Social. Parágrafo Único – Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V - equidade na forma de participação no custeio; VI – diversidade da base de financiamento; VII – caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados. 4 Art. 203 – A Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independente da contribuição à Seguridade Social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 5 Art. 204 – As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

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políticos, intelectuais, parcelas da igreja de diferentes credos, organizações públicas e

privadas, entre outros, onde se promoveram amplas discussões, buscando a construção de uma

proposta de Lei Orgânica, para atender e regulamentar os referidos artigos da Constituição e

na formulação de uma política de assistência social voltada às pessoas em situação de

vulnerabilidade e exclusão social.

Dois aspectos importantes devem ser considerados nesses artigos, dado à sua

relevância e inovação: referem-se aos princípios da descentralização político-administrativa e

a questão da participação da sociedade.

A regulamentação dos artigos 203 e 204 da Constituição Federal, ou seja, a construção

de uma lei orgânica para fazer valer os direitos garantidos na Carta Magna, se realizou em

meio à uma série de eventos com o objetivo de colher subsídios para a sua formulação.

Vários projetos de lei foram encaminhados ao Legislativo, no entanto, a princípio, eram

vetados.

O primeiro Projeto de Lei de n. 3.099/89, foi apresentado em junho de 1989, cuja

autoria é do Deputado Raimundo Bezerra que, após emendas e dois turnos de votação, foi

aprovado pela Comissão Temática e, em 23 de maio de 1990, foi também aprovado pela

Comissão de Finanças e, em seguida pelo Senado.

No entanto, por meio da mensagem de n. 672/85 de setembro de 1989, destinada ao

Presidente do Senado, o Presidente da República , Fernando Collor de Melo, em 1990, vetou

integralmente a Lei Orgânica da Assistência Social.

Em 11 de abril de 1991, a matéria volta a ser colocada em pauta no legislativo por

iniciativa do Deputado Geraldo Alckmim Filho e Reditário Cassol, que reapresentam o

Projeto de Lei do Deputado Raimundo Bezerra, porém, com algumas alterações.

Novamente, neste mesmo ano, em Brasília, houve um grande esforço empreendido,

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por parte de diferentes entidades da categoria profissional, articulado com a sociedade civil e

parlamentares, culminando com a realização do primeiro Seminário Nacional de Assistência

Social. Neste evento, constituiu-se uma Comissão Nacional pela LOAS, representado por

diversas entidades que redigem um documento denominado Ponto de vista que defendemos.

Em 1992 elaborou-se um novo projeto de Lei, de n. 3.154, fruto do trabalho dessa

Comissão, o qual foi apresentado pelo Deputado Eduardo Jorge e outros, juntamente com os

Projetos de Leis n. 626/91 (Geraldo Alckmim) e n. 1457/91 (Reditário Cassol), tendo a

Deputada Fátima Pelaes como relatora.

Tal projeto de lei sofreu ameaça de uma ação de inconstitucionalidade, apresentada

pelo Procurador Geral da República, Dr. Aristides Junqueira, tendo em vista a não-

regulamentação da política de assistência social.

É importante ressaltar que apesar dos esforços empreendidos por diversos segmentos

da sociedade, na luta pela regulamentação da LOAS, somente em 1993, na gestão do Ministro

de Bem-Estar Social, Jutahy Magalhães Júnior, com um movimento articulado da sociedade

civil, houve um posicionamento do Executivo, isto é, do Presidente da República.

A partir dessa articulação, envolvendo vários atores dos três níveis de governo, entre

eles, o próprio Ministério do Bem-Estar Social, a LBA, SESC, SESI, entidades públicas e

privadas, realizou-se encontros e seminários regionais em todo país, com a finalidade de

discutir a LOAS. Toda discussão teve como base o Projeto de Lei n. 3.154.

Estes encontros tiveram a participação de representantes de organizações da sociedade

civil, do Poder Legislativo, servidores e dirigentes da FLBA - Fundação Legião Brasileira de

Assistência, integrantes da Comissão de Seguridade e Família, da Câmara dos Deputados,

representantes do Movimento pela Ética na Política, da ABONG - Associação Brasileira de

Organizações não-governamentais e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar. Tais

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eventos culminaram com a Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em junho de

1993.

Portanto, só a partir de uma intensa articulação, criação de comissões, realização de

seminários regionais e Conferência Nacional de Assistência Social, é que o executivo, não

havendo mais como se manter alheio à LOAS e às mudanças que deveriam ser imprimidas,

encaminhou este instrumento ao Congresso, em 13 de julho através do MBES – Ministério do

Bem-Estar Social, o qual foi recebido em 25 de agosto de 1993.

Após remetido ao Congresso, encaminhado à Comissão de Seguridade Social e

Família, este projeto voltou para a Deputada Fátima Pelaes e foi aprovado pela Câmara de

Deputados em 11 de novembro do mesmo ano, foi aprovado o referido substitutivo, sendo em

seguida, sancionada a Lei n. 8.742, de 07 de dezembro de 1993, pelo Presidente Itamar

Franco, publicada em 08 de dezembro de 1993.

Fica então instituída a LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social, tendo a partir daí,

um novo reordenamento institucional nos órgãos gestores da assistência social. Inicia-se uma

nova etapa na área da assistência social, com grandes desafios pela frente para implantação e

implementação da LOAS, principalmente, na construção de novos conceitos, culturas,

concepções, práticas, entre outros; criando, transformando e envolvendo novos atores, novas

estratégias, novos mecanismos teóricos e práticos, com a perspectiva de se processar uma

nova assistência social.

Assim, a LOAS inaugura uma nova etapa histórica em que se busca uma ruptura com

uma longa tradição cultural e política até então dispensada à assistência social. Romper com a

“série histórica” é a proposta da LOAS. No entanto, isto depende, do rompimento radical de

posturas e procedimentos, partindo, inicialmente, do reconhecimento de que a assistência

social deve ser concebida como política pública e não mais meritocracia. Para Sposati et al.

(1991, p. 27),

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poderá configurar-se como uma política, em que serviços e auxílios assistenciais deixem de

ser oferecidos de forma paternalista, como dádivas ou benesses de forma descontínua e sem

maiores preocupações com a qualidade e com a promoção dos indivíduos. É preciso que

sejam disponibilizados recursos para a área, haja interesses políticos dos governantes, permita

o exercício pleno do controle social e não exercê-lo sobre os grupos pobres e marginalizados.

A partir da Constituição Federal de 1988, a assistência social tornou-se uma política

social pertencente ao gênero de política pública.

Política Pública não é sinônimo de política estatal. A palavra “pública”, que acompanha a palavra “política”, não tem uma identificação exclusiva com o Estado, mas sim com o que em latim se expressa como res pública, isto é, coisa de todos, e, por isso, algo que compromete, simultaneamente, o Estado e a sociedade. É, em outras palavras, ação pública, na qual, além do Estado, a sociedade se faz presente, ganhando representatividade, poder de decisão e condições de exercer o controle sobre a sua própria reprodução e sobre os atos e decisões do governo e do mercado. É o que preferimos chamar de controle democrático exercido pelo cidadão comum, porque é um controle coletivo, que emana da base da sociedade, em prol da ampliação da democracia e da cidadania ...Política Pública significa, portanto, ação coletiva que tem por função concretizar direitos sociais demandados pela sociedade e previstos nas leis. Ou, em outros termos, os direitos declarados e garantidos nas leis só têm aplicabilidade por meio de políticas públicas correspondentes, as quais, por sua vez, operacionalizam-se mediante programas, projetos e serviços (BRAVO; PEREIRA, 2001, p. 222-223).

Assim sendo, a política pública pode representar um conjunto de direitos da população

perante o Estado; espaço de representação de interesses populares; controle social;

redistribuição de poder; mecanismo de mobilização social, entre outros. Nesse sentido ela

deixa de ser uma estratégia que o Estado sempre utilizou para intervir no controle das

contradições que a relação capital/trabalho gerou no campo da reprodução e reposição da

força de trabalho, a fim de cumprir a função ideológica na busca do consenso e legitimação da

relação dominação/subalternidade e neutralização de conflitos existentes.

Portanto, a política social pública hoje, da forma que está “posta”, constitui-se espaço

de fortalecimento dos processos organizativos dos setores populares.

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1.3 A descentralização e suas implicações

A descentralização consiste em uma efetiva partilha de poder entre o Estado e as

coletividades locais e implica a autogestão local. Envolve uma redefinição da estrutura de

poder no sistema governamental que se realiza por meio do remanejamento de competências

decisórias e executivas, assim como dos recursos necessários para financiá-las.

A descentralização constitui igualmente uma excelente fórmula de organização da ação do Estado. O desenvolvimento das funções do Estado é de tal monta, que os organismos centrais de decisão se encontram paralisados ou limitados em sua ação. No caso brasileiro, é certo que os interesses e as especificidades locais foram e são pouco reconhecidas pelas ações do Estado Federal (SPOSATI; FALCÃO, 1990, p.18)

A descentralização carrega como conteúdo a idéia de avanço democrático, pois

implica autonomia das organizações locais, no exercício do controle social e a possibilidade

de influir nas decisões em várias instâncias de poder.

Contudo, esta vem de uma idéia maior, que é a da Reforma do Estado, onde novas

formas de relação entre o Estado e sociedade civil devem ser instauradas por meio de um

processo flexibilizador e negociador de gestão da coisa pública, diante das demandas da

sociedade.

A partir da descentralização é garantido à sociedade o direito de formular e controlar

políticas públicas, dando-lhes um novo direcionamento.

A descentralização passa a ocupar um espaço no cenário contemporâneo, constituindo-

se em palavra de ordem no mundo político-administrativo no pós-Constituição de 1988.

São aspectos importantes no processo da descentralização: a democratização do

Estado, onde prevaleçam as decisões coletivas; o controle social sobre a administração

pública em nível local; a viabilização de programas sociais voltadas para as reais demandas

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locais; a integração da rede socioassistencial, de forma a garantir um atendimento às reais

necessidades da população; a produção de focos de poder político que possam constituir uma

unidade central de idéias, com vistas ao fortalecimento do poder local; a melhoria da

qualidade dos serviços prestados, podendo estabelecer a eficácia, eficiência e efetividade dos

mesmos e a possibilidade de estabelecer novas potencialidades quanto às demandas por

participação, por meio das instituições representativas a nível municipal.

É um grande avanço na democratização a criação de canais de participação no processo decisório, uma vez que permite que as decisões relativas às políticas públicas sejam definidas com a participação da sociedade e oportunidade de fiscalização e de controle dos recursos públicos (BERETTA; MARTINS, 2004, p. 75)

O poder de decisão pelo coletivo é regra fundamental da democracia, devendo

prevalecer a decisão da maioria.

Por vez,

No que diz respeito aos sujeitos chamados a tomar (ou a colaborar para a tomada de) decisões coletivas, um regime democrático caracteriza-se por atribuir este poder (que estando autorizado pela lei fundamental torna-se um direito) a um número muito elevado de membros do grupo (BOBBIO, 2004, p. 31).

Contudo, existem contradições e dificuldades que perpassam pelo processo de

descentralização, podendo ser apontadas como características a serem enfrentadas.

Uma dessas características que se encontra presente nesta conjuntura é a globalização

que vem provocar grandes mudanças na economia mundial que, conseqüentemente, trouxe

implicações no campo social, espacial, cultural e político.

A primeira, ou seja, o social, enquanto fenômeno típico do mundo atual, tem como

característica principal, a exclusão.

Taxas de desemprego elevadas passaram a ser comuns em quase todos os países. E vieram para ficar. São estruturais, não decorrem de flutuações temporárias do ciclo econômico: provém, ao contrário, de determinações constitutivas da ordem econômica contemporânea [...] O efeito líquido de tudo isso manifesta-se na expansão da força de trabalho empurrada para a economia informal (só no Brasil

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seriam 30 milhões de pessoas), no aumento do sentimento de insegurança que aflige contingentes crescentes de trabalhadores tangidos pelo desenraizamento para as correntes migratórias inter-regionais e internacionais (MARTINS, 1997, p. 30).

Em segundo lugar, no campo espacial, é pertinente dizer que a globalização não é um nasvM736 127a

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prova disso é dada pelo sistema colonial: se o “demo” está na colônia e a “cracia” na metrópole, não pode o povo da colônia participar do processo decisório central que, por definição, transcorre fora do seu alcance [...] A terceira novidade é o desmoronamento dos partidos políticos como organizações abertas à participação sistemática dos militantes [...] As bases partidárias estão desertas, literalmente despovoadas (MARTINS, 1997, p. 40-43).

Um outro aspecto em relação ao campo político também pode ser apontado,

ampliando assim o rol de contradições que esta característica produz no processo de

descentralização:

A nível político, a pressão dos particularismos locais pode resultar na perda da visão global, pondo em questão a Unidade Nacional. E a solução de problemas locais pelos eleitos, a nível municipal, pode reforçar decisões arbitrarias atendendo apenas aos interesses dos grupos de maior pressão (SPOSATI; FALCÃO, 1990, p. 18)

Diante dessas colocações pode-se dizer que apesar dos avanços conquistados, a

descentralização ainda é um desafio aos municípios, tendo em vista a falta de preparo

técnico/gerencial; recursos financeiros para melhor atender as necessidades reais de suas

demandas; o não rompimento efetivo com a centralização/concentração das decisões; a

burocratização que ainda permeiam as administrações; tais aspectos ainda encontram

presentes e significam obstáculos aos avanços deste processo.

É necessário que os municípios encontrem formas de superação destes obstáculos.

É imprescindível que os municípios sejam capazes de descobrir caminhos e mecanismos mais participativos de decisão e de planejar e assumir o gerenciamento de seus programas sociais. Para tanto, é preciso redimensionar o processo de municipalização com a mudança de mentalidades, treinamentos em gestão social, instalações adequadas e aquisição de equipamentos para o enfrentamento da nova realidade e, principalmente, para a implementação de ações sociais embasadas em diagnósticos socioeconômicos com competência para responder às demandas locais (BERETTA; MARTINS, 2004, p. 75).

Nesse sentido, é preciso que as administrações municipais invistam em seus

potenciais, estimulando a participação popular, rompendo o fisiologismo e populismo, entre

outras tendências.

Contudo, é preciso de fato ver o município como instância política autônoma e

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soberana, pois foi dada a ela competência para desenhar as políticas sociais em consonância

com a política nacional, assim como definir suas prioridades sociais, conforme sua realidade,

buscando garantir maior eficácia nas respostas às demandas sociais existentes, possibilitando

ainda dar um novo significado às ações e intervenções públicas.

É preciso, contudo, que o processo de descentralização contenha a democracia, a

autonomia e a participação, categorias essas, entendidas como medidas que passam pela

redefinição das relações de poder.

Isso significa dizer que se trata de um processo pluralista, entendido como uma ação

compartilhada do Estado, do mercado e da sociedade na provisão de bens e serviços que

atendam às necessidades humanas básicas, onde o papel do Estado não seja minimizado.

Nesse sentido, a descentralização deve ser entendida, ou deve significar uma divisão de poder;

uma aproximação do Estado com a população e o respeito ao principio da autonomia.

Em relação a essas categorias, tais como: democracia, cidadania, participação, entre

outras, serão trabalhadas nos próximos itens, uma vez que compõem este estudo e por fazer

parte de um processo em construção, que passam a ser incorporadas pelas diferentes forças

sociais, enquanto instrumentos de organização de uma nova ordem presidida na relação entre

Estado e sociedade civil.

Contudo, conforme já foi dito anteriormente, os ajustes vão sendo feitos, sem que o

povo se dê conta. No entanto, é em meio a todo esse processo que a descentralização,

enquanto princípio básico, constitucional, aparece como exigência praticamente compulsória.6

Esta exigência advém, de um lado, como forma de superar a chamada crise fiscal que

se instalou no interior da gestão do Estado e, de outro, do avanço democrático da sociedade

brasileira que pôs em questão a forma de governo autoritário e centralizador.

6 SPOSATI; FALCÃO, 1990, p. 13; BAVA, 1997, p. 90.

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Enfim, os discursos tendem a criticar as práticas autoritárias e centralizadoras,

próprias dos regimes autoritários que lamentavelmente vigoraram no Brasil por vinte anos. A

partir da década de 1980, a descentralização surge como uma exigência, consoante com a

abertura política que vai se instalando.

Os discursos vêm combinando a discussão entre centralização, descentralização e poder local, uma vez que não bastam medidas desburocratizadoras ou desconcentradoras no âmbito das instituições. Num dado momento a tônica em “varrer o entulho autoritário” colocava a versão sobre descentralização nesse patamar. A questão hoje, inclusive a nível internacional, associa a descentralização com a reforma do Estado, isto é, uma nova relação entre Estado-Sociedade Civil, Governo-povo, em que a autonomia das organizações governamentais locais venha a ser a possibilidade real de exercício do controle popular e exercício de sua capacidade de influência nas decisões (SPOSATI; FALCÃO, 1990, p. 14).

Estados e municípios perderam, praticamente nos últimos vinte anos, com o regime

militar, sua autonomia, em função da centralização do governo federal. Mas, com a

redemocratização e com a Constituição Federal de 1988, reverte-se este entendimento,

reconhecendo o município como ente da federação.

Pode-se dizer que se assiste ao fim de um modelo de Estado que se dizia

desenvolvimentista e centralizador, instituído na década de 30 e que se consolida com o

crescimento das demandas sociais.

É essa a perspectiva que nos permite identificar a relação entre as tendências da seguridade social e as crises econômicas, relação essa marcada, neste século, pela experiência fordista-keynesiana, que se estende dos anos 30 até o final da década de 60 e pelo pós-fordismo neoliberal, que surge a partir da crise dos anos 70 (MOTA, 1995, p. 121).

Trata-se, portanto, da legitimação de um regime político-burocrático-autoritário, que

impunha limites e estabelecia sua regulação por meios tradicionais e conservadores.

O fim do citado modelo de Estado ocorreu a partir de pressões no sentido de

construção de novos caminhos, possibilitando a liberdade, permitindo maior flexibilização das

decisões governamentais, um compromisso com a pauta social e com a abertura democrática,

entre outros, conforme já foi abordado anteriormente.

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A sociedade passou a vivenciar nova dimensão estrutural, onde a partilha de poder

entre Estado e as coletividades locais passaram a ser uma regra na autogestão local. Isso

significa uma redefinição na estrutura de poder no sistema governamental, onde deve haver

remanejamento de competências decisórias e executivas, representam ainda novas formas de

relação entre o povo e o governo.

Entraram, na arena política, novos atores, dispostos a reduzir o poder de comando exercido, no autoritarismo, pelo executivo federal. Governadores, prefeitos, parlamentares, sindicatos e movimentos populares expandiram seu poder político, numa situação de alargamento do espaço público e de acirramento da concorrência pelo voto (AURELIANO, 1997, p. 48).

Conclui o autor dizendo:

No debate de idéias, a reação contra o autoritarismo confundiu-se com o repúdio à centralização. Descentralização passou a ser sinônimo de democracia e participação. Mais ainda: o gigantismo do Estado, o desperdício e a corrupção foram associados, todos,à centralização, e descentralização passou a sinônimo de eficiência (AURELIANO, 1997, p. 48).

No entanto, é preciso ressaltar, conforme aponta o autor, que o impulso à

descentralização se dá em meio a uma profunda crise do Estado é a crise da Federação.

Reafirma ser uma das dimensões mais graves da crise do Estado.

Os sintomas são alarmantes: a furiosa disputa tributária entre União, estados e municípios; a guerra fiscal entre os estados; a impotência dos municípios metropolitanos diante de problemas sociais e urbanos gigantescos; o colapso das finanças estaduais; o problema da divisão de competências, especialmente na área social; a incapacidade da União para formular e dar suporte a políticas de desenvolvimento regional (AURELIANO, 1997, p. 48)

Tais considerações podem ainda ser complementadas:

[...] a descentralização, considerando o papel do Estado e a conjuntura política, carrega como conteúdo intrínseco a idéia de avanço democrático. Essa conceituação vem no esteio de uma idéia maior que norteia a reforma do Estado: a instauração de um processo flexibilizador e negociador de gestão da coisa pública diante das demandas da sociedade civil e o patente déficit público (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 34).

Diante do que está sendo colocado pelos autores, parece que a crise da Federação se

deve a fatores, tais como colapso fiscal e financeiro, ou seja, a dívida interna e,

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construído nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal.

De acordo com a LOAS, são requisitos básicos do processo de descentralização,

conforme prevê em seu artigo 30: a instituição e funcionamento de Conselhos de Assistência

Social; a instituição e funcionamento de Fundos de Assistência Social; a elaboração de Planos

de Assistência Social e a alocação na Lei Orçamentária de recursos próprios para Assistência

Social no Fundo de Assistência Social. Tais princípios são exigências que devem ser

garantidas nas três esferas de governo, ou seja, trata-se do novo modelo de gestão

descentralizado da política de assistência social, de responsabilidade de cada esfera de

governo.

O sistema descentralizado e participativo da assistência social, a nível municipal, é um

conjunto orgânico de ações assistenciais complementares e de cooperação entre poder público

e sociedade civil, devendo ser articulados entre si por meio dos Conselhos de forma a

reorganizar a rede prestadora de serviços, voltadas para as necessidades do conjunto da

população.

Neste sentido a descentralização não pode mais ser a centralização camuflada, ou seja,

onde só se reparte o poder entre o chefe do Executivo e seus assessores, ou desconcentra os

serviços sem descentralizar o poder de uma esfera para outra.

A descentralização pressupõe a municipalização.

Municipalizar significa uma articulação das forças do município como um todo para a prestação de serviços, cujos co-responsáveis seriam a Prefeitura e organizações da sociedade civil. A municipalização deve ser entendida como o processo de levar os serviços mais próximos à população, e não apenas repassar encargos para as Prefeituras (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 40).

Considera-se assim que a municipalização pode ser uma forma do município mostrar

sua autenticidade, sua potencialidade, ao responder o que lhe for atribuído. É uma forma de

mudar as coisas, a partir de um centro de confiança. Esse centro transmuta o peso do dever ou

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de obrigação em responsabilidades.

Por sua vez,

A descentralização tem como objetivo a democratização do Estado, mas tem também como objetivo a promoção de maior justiça social através de políticas sociais mais eficientes, com uma distribuição mais equânime dos serviços públicos para toda a população. O que está em jogo são as novas formas de articulação Estado e sociedade no Brasil, incluindo a participação ativa e representativa dos atores sociais. E participação é o processo através do qual os membros de uma sociedade tomam parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens dessa mesma sociedade (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 92)

Neste sentido, a descentralização e a municipalização devem ser consideradas como

estratégia de consolidação democrática, pois exigem a participação e mostra que a cidadania

está no município.

Trata-se, contudo, de mecanismos que passam a exigir novas estruturas nos três níveis

de governo, onde se criam novas relações de convivência social entre Estado e sociedade

civil.

A descentralização é um dos princípios dessa reestruturação, preconizada na reforma

do poder no sistema governamental: federal, estadual e municipal. Trata-se de um novo

paradigma, pois isso implica a criação de conselhos paritários em cada instância de Governo,

caracterizando, dessa forma, um novo sistema de administração pública, especialmente na

gestão local e com a participação popular, através da divisão de poder e de competências,

tanto no âmbito de decisão, quanto da execução, bem como no que se refere à destinação de

recursos para financiar as políticas públicas.

Contudo, os Conselhos Municipais são os canais de participação e de controle em que

os cidadãos têm, com vistas à maior efetividade no acompanhamento, na formulação e na

execução dessas políticas públicas. Na verdade significa uma parceria entre o

governo/sociedade, no controle dessas políticas. É no município que o cidadão mora, vive,

trabalha, vota, enfim exercita sua cidadania civil, política, cultural, social, entre outros.

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A essência do poder local reside em ser ele a autoridade mais próxima das necessidades e reivindicações da população. O fortalecimento desse poder implica descentralizar e também democratizar. Na verdade, a autonomia municipal significa maior participação dos cidadãos nos assuntos do governo, ao mesmo tempo em que o Executivo municipal, por ser o nível de governo mais imediato aos cidadãos, está sujeito a maior controle popular que outros níveis.

O município é, de fato, a entidade político-administrativa que oferece melhores condições para a prática da participação popular na gestão da vida pública. Havendo mais proximidade, há mais facilidade de comunicação e de interação: as ações e as intenções do governo são percebidas e acompanhadas diretamente pela população (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 43).

Nesse sentido, é pertinente dizer que os Conselhos paritários e representativos são

espaços democráticos de participação, legalmente constituído para o exercício da gestão

democrática das políticas sociais. São canais privilegiados para o exercício político.

É indiscutível que a gestão democrática das políticas se constitui em importante conquista da sociedade brasileira, pois enseja a adoção de novas experiências no exercício da administração pública. Esta orientação de gestão democrática torna-se destacável quando consideramos que os conselhos são investidos de prerrogativas deliberativas e fiscalizadoras. Conforme o artigo 16 da Lei Orgânica, “as instâncias deliberativas do sistema descentralizado e participativo de assistência social, de caráter permanente e composição paritária entre governo e sociedade civil, são os conselhos” (CAMPOS; MACIEL, 1997, p. 149)

Portanto, a viabilização de um ordenamento político-institucional e democrático no

campo da seguridade, está associado à participação da sociedade civil e, em especial, das

classes subalternizadas e dos setores identificados com as demandas populares, cujo objetivo

deve ser a redução das desigualdades sociais e a construção de uma sociedade mais justa.

Nesta perspectiva a descentralização representa um novo padrão que requer a

redistribuição de poder, com o deslocamento dos espaços de planejamento e de tomada de

decisões, em oposição à forma centralizada e autoritária que sempre esteve presente nas

administrações, ou seja, nos governos, em seus vários níveis.

É preciso ficar claro que a noção de descentralização não pode ser, na prática, uma

mera transferência de encargos, responsabilidades e competências funcionais. É necessário

que seja de fato uma redistribuição de poder, com autonomia, onde cada esfera cumpra seu

papel.

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A descentralização é um processo que deve ser compreendido e defendido, tendo em

vista diversas categorias:

O processo de descentralização que defendemos pressupõe a existência da democracia, da autonomia e da participação, categorias entendidas como medidas políticas, que passam pela redefinição das relações de poder. Isso implica a existência de um pluralismo, entendido como ação compartilhada do Estado, do mercado e da sociedade na provisão de bens e serviços que atendam às necessidades humanas básicas, onde o papel do Estado não seja minimizado em seu dever de garantir direitos aos cidadãos (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 40)

A descentralização requer a municipalização, isso significa que cabe a este elaborar,

executar e gerir políticas que atendam suas demandas e necessidades com mais eficiência,

com agilidade e qualidade no seu território, ou seja, atendendo a respectiva população local.

1.4 A democracia, a participação e a conquista da cidadania

A democracia é uma categoria cuja importância não tem como ser medida, ou seja,

não há como dimensionar. Democracia pode ser concebida como um processo dinâmico,

dialético, que está sendo construído.

É preciso que nos lembremos sempre de um fato: a democracia não é um estado, é um processo; não constitui um estágio, mas um processo. O processo pelo qual a soberania popular vai controlando e aumentando os direitos e os deveres é prolongado, implicando avanço muito grande dentro da sociedade. Não há estágio democrático, mas há processo democrático pelo qual a vontade de maioria ou a vontade geral vai assegurando o controle sobre os interesses da administração pública (VIEIRA, 1998, p. 12).

Considera-se um elemento fundamental da democracia e que compõe o Estado de

direito, é a coletivização das decisões, isto é, a participação.

A participação é um princípio básico da descentralização político-administrativa,

sendo um dispositivo normativo da Constituição Federal de 1988, que reconhece os

municípios como entes federados que devem dispor de certa autonomia. Tal princípio aponta

para reformas do Estado, indispensável à construção de uma sociedade participativa e

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eficiente democraticamente. Isso requer a adoção, pelo setor público, de uma prática gerencial

voltada ao fortalecimento da administração municipal.

A participação é condição para que haja desenvolvimento social local, porém, o que se

percebe é que este pensamento ainda não está incorporado, pois ainda permeia uma idéia de

participação que se refere à mobilização dos esforços individuais pela eliminação da

acomodação. A participação é algo mais amplo, pois requer mudanças de atitudes, condutas,

comportamentos, cultura, individual e coletiva.

Nesse sentido, participar significa integrar-se a uma nova forma de agir no cotidiano.

Significa ainda ter responsabilidades, ter atitude, abandonar a condição passiva de ficar

apenas ”desejando”, é o impulso para a ação, para a criação. Para participar é preciso ter

vontade. É essa vontade que impulsiona o agir, a escolha. É a expressão da capacidade de

autodeterminação do cidadão.

Historicamente a participação foi entendida como lutas sociais dos trabalhadores, suas

greves, suas organizações autônomas. Enfim, tal participação foi se ampliando, tomando

novas dimensões, tornando-se mecanismos de conquistas. Essa participação sempre se deu

numa correlação de forças entre o poder e a sociedade civil.

Para Faleiros “a participação é definida como luta, combate, mobilização, pressão,

poder, ou seja, como articulação de forças e de estratégias em torno de interesses de classes

para a conquista de poderes, recursos e reconhecimento” (2001a, p. 77).

Mas, hoje o entendimento que se deve ter de participação não pode estar embasada na

disputa de poder, e sim, na existência de um processo de cooperação, onde se enfatize os

pontos de convergências, conflitos, com vistas a criar novas relações de solidariedade e

parceria. Participar é reconhecer a dignidade de cada um e contribuir com o que se tem para

dar: seu poder pessoal, profissional, político, enfim, é desenvolver sua cidadania para metas

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comuns de qualquer empreendimento coletivo.

Contudo, para ser cooperativo, é importante saber escutar e reconhecer as idéias e

visões das outras pessoas dentro de um grupo ou num relacionamento. Isso é participação. “A

participação não é somente uma questão de acesso e associação, mas de combate e conquista

de recursos e de lugares” (FALEIROS, 2001b, p. 77). Pode-se dizer então que é o verdadeiro

exercício da cidadania.

Demo diz que “participação é conquista para significar que é um processo, no sentido

legítimo do termo: infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo. Assim, participação

é em essência autopromoção e existe enquanto conquista processual”(2001a , p. 18).

Se a participação é processo, então é movimento, é dinâmico. Nesse sentido, parte-se

da perspectiva da mobilização que deve ser um processo crescente de criação de espaços, de

prática e política na construção da cidadania.

Sposati et al. coloca que “a realização da cidadania tem que se fazer sob uma forma de

solidariedade social, que avance enquanto organização das classes subalternas”. Conclui que

“A constituição coletiva da cidadania é, ao mesmo tempo, um articulador de forças na direção

da soberania popular”(1992, p. 37). Isso supõe uma articulação, uma organização que integre

pessoas, as quais devem buscar uma negociação, a fim de que determinados interesses sejam

conquistados e alcançados.

Quando a sociedade está fechada para a negociação na base do autoritarismo, da exclusão ou da inclusão limitada das classes subalternas, não há lugar para participação por meios de pressão. Não resta à população senão uma participação difusa, para um arranjo mais ou menos viável, de sua sobrevivência no cotidiano (FALEIROS, 2001b, p. 79).

Esta condução leva-a a elaborar formas de defesa, utilizam-se de recursos e estratégias

que mostram a presença de forças.

A força do movimento operário e dos movimentos populares (como das classes dominantes) determina a estratégia dos grupos populares. Se a conjuntura é

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favorável à mobilização popular e expansão das lutas, a estratégia pode ser mais ofensiva. Se o momento se apresenta desfavorável e marcado por uma retração das forças populares, a estratégia é defensiva (FALEIROS, 2001b, p. 82).

No entanto, essa participação apesar de girar em torno de um objetivo, é também um

combate, uma contestação. Pode ser um indício para a conquista de direitos, mas a

participação que se quer consolidar deve ter uma perspectiva mais equânime, isto é, de

maneira complementar e cooperativa, uma ação articulada na realização de finalidades

voltadas para atender necessidades do conjunto da população.

Demo diz que “[...] participação é exercício democrático. Através dela aprendemos

eleger, a deseleger, a estabelecer rodízio no poder, a exigir prestação de contas, a

desburocratizar, a forçar os mandantes a servirem à comunidade, e assim por diante” (2001a ,

p. 71).

A participação pressupõe a cidadania, que é a qualidade social de uma sociedade

organizada sob formas de direitos e deveres, que devem ser reconhecidos e respeitados. Trata-

se de uma das conquistas mais importantes da história.

No lado dos deveres, aparece sobretudo o compromisso comunitário de cooperação e co-responsabilidade. Cidadania pressupõe o Estado de direito, que parte, pelo menos na teoria, da igualdade de todos perante a lei e do reconhecimento de que a pessoa humana e a sociedade são detentores inalienáveis de direitos e deveres. Processos participativos acentuam, é claro, a cidadania organizada, ou seja, não a individual, por mais que esta também tenha sua razão de ser. A organização traduz um aspecto importante da competência democrática, por coerência participativa, bem como por estratégia de mobilização e influência. Não interessar-se por formas de participação organizada significa já uma visão ingênua do processo social, porque, por mais crítica que seja a cidadania individual, não quer dizer que tenha relevância social, como estratégia de transformação (DEMO, 2001a, p. 70)

É dever de todos participar, desenvolver uma ação conjunta, dividida, cooperativa,

complementar e coletiva, mesmo que isso signifique enfrentar conflitos, divergências; a lógica

de uma sociedade democrática é a cidadania, e cidadania é participação que é exercício

democrático.

Considera-se que “democracia é um sistema sociopolítico, no qual se procura negociar

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conflitos e as divergências. Não se escamoteiam os conflitos, mesmo porque admitem-se

aqueles insolúveis e que, por conseqüência levam a superações históricas” (DEMO, 2001a, p.

76-77).

Nesse sentido, a negociação pode colocar as divergências num mesmo patamar; os

problemas serão tratados de igual para igual, assim como as partes se admitirão como

parceiras.

A democracia e a participação são exercícios que tanto a sociedade civil quanto

aqueles que estão exercendo cargos governamentais precisam aprender. Sabe-se que é difícil

tornar transparentes as informações, para que a opinião pública possa avaliar a prática de um

órgão público. Existe uma idéia de que a burocracia é um mecanismo que mantém

determinados aspectos que devem ser ocultados, visando assim a centralização do poder ou

evitando que o cidadão comum decida sobre as políticas.

A partir da Constituição Federal de 1988, o Estado não pode ser mais um monopólio.

O processo de descentralização das políticas sociais propõe justamente isso, a divisão de

poder nas decisões, transpondo o macro ao micro.

A Constituição Federal de 1988 é uma constituição eminentemente municipalista, descentralizadora, concebida para transferir responsabilidades. Pela primeira vez no Brasil, o município é reconhecido como ente da federação. Porém, essa delegação de responsabilidades ainda sofre restrições do exacerbado centralismo federal nas decisões políticas e na questão tributária, continuando a retirar o protagonismo dos governos municipais e mantendo os municípios como meros administradores de carências (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 89)

O que ocorre é que os municípios ainda não conseguiram de fato sua autonomia, pois

ainda não se tem clareza de seu papel e de como gerir as políticas públicas. A

descentralização requer mudanças na forma de organizar a prestação das ações e serviços

pelos municípios, significa uma divisão de poder entre as organizações da sociedade civil e a

Prefeitura.

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O desenvolvimento social de um município depende de sua organização, isto é, se há

uma participação ampla e efetiva da comunidade, maiores serão as possibilidades de alcançar

seus objetivos. Portanto, a participação coletiva é relevante, pois, por meio da integração as

finalidades podem ser garantidas, basta que um grupo de pessoas com disposição de trabalhar

continuamente, esteja engajado num objetivo comum, busque exercer sua cidadania e

desenvolva seu papel político.

Não importa se esse grupo integra pessoas com diferentes posições sociais, condição

econômica, nível intelectual e variadas atividades profissionais, o importante é ter clareza dos

objetivos e finalidades a serem alcançados, os quais devem estar voltados para interesses

comuns e que atinjam a todos.

Segundo Dallari (1984, p. 47), “para se atingirem grandes objetivos políticos é

indispensável um trabalho organizado. Isso porque toda proposta de modificação na vida

social encontra a resistência dos interesses estabelecidos, dos acomodados ou daqueles que

têm medo de toda transformação”.

A organização da sociedade civil deve ser um instrumento de participação, isso requer

uma capacidade em que ela deve assumir formas conscientes e políticas de organização, o que

significa novos modos do cidadão agir no seu dia-a-dia, com aquisição de novos valores, que

visem atender seus interesses. Na perspectiva de Demo (2001a, p. 27), “aqui trata-se de

consciência de seus interesses, dentro de grupos de interesse, cuja organização se volta para

sua defesa. Reconhecemos então, que existem interesses na sociedade, dentro de um contexto

de conflito entre eles”.

Qualquer grupo deve organizar-se de forma que seus interesses sejam garantidos, só

assim poderão adquirir consciência histórica. Ao expressar a capacidade de organização, a

sociedade manifesta sua vontade e mostra o poder que tem. Expressa suas necessidades de

forma organizada. Essa forma de organização, em que prevalecem os interesses de um grupo,

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só é possível num sistema democrático.

Para Dallari (1984) existem várias formas de participação, a individual e coletiva; a

eventual e organizada, a participação eleitoral e a participação em reuniões e movimentos de

associações. São formas de participação política devendo ser um dever moral de todos os

indivíduos e uma necessidade fundamental da natureza humana.

Embora todas as atividades de cada pessoa produzam efeitos sobre uma coletividade, existem algumas situações em que cada um deve tomar suas próprias decisões e escolher os seus caminhos. Na realidade, essa possibilidade de decidir faz parte da liberdade do individuo e dá a cada um a responsabilidade por suas escolhas. (DALLARI, 1984, p. 43).

Considera ainda que:

[...] para a efetiva participação política o primeiro passo deve ser dado no plano da consciência. Dado esse passo está aberto o caminho para a plena participação, pois o individuo conscientizado não fica indiferente e não desanima perante os obstáculos. Para ele a participação é um compromisso de vida, exigida como um direito e procurada como uma necessidade (DALLARI, 1984, p. 43).

Para o autor, em termos individuais a participação significa “uma constante busca dos

melhores caminhos, bem como o aproveitamento de todas as oportunidades para conscientizar

os outros e para cobrar a participação de todos” (DALLARI, 1984, p. 44). Portanto, os

cidadãos, individualmente, podem participar expressando suas necessidades: falando,

escrevendo, discutindo, denunciando, cobrando responsabilidades, decidindo, enfim,

exercendo a sua cidadania, em casa, no trabalho, na escola, nos espaços de lazer, nas reuniões

de amigos, entre outras circunstâncias em que os cidadãos encontram.

Quanto à participação coletiva, segundo o autor, “se dá por meio da integração em

qualquer grupo social” (1984, p. 44)

A participação coletiva é uma forma de organização social, que também tem feição

política, porém, apesar de tratar-se de um espaço de convivência, é também espaço de

concorrência, pois sempre vão aparecer interesses conflitivos. É aqui que a sociedade, ou seja,

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os cidadãos vão mostrar sua capacidade de organização, em que devem expressar suas

necessidades de forma organizada, conforme coloca Dallari “todo grupo organizado tem a

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dinamiza tanto estados e regiões como grupos raciais e classes sociais” (1992 a, p. 177).

Ao fazer essa colocação, o autor aponta que:

As desigualdades entre as unidades administrativas e os segmentos sociais, que compõem a sociedade, são de tal monta que seria difícil dizer que o todo é uma expressão razoável das partes – se admitimos que o todo pode ser uma expressão na qual as partes também se realizam e desenvolvem (IANNI, 1992a, p. 177).

Nesse sentido, o conjunto que forma a sociedade/Nação apesar de formar um todo, no

entanto, possui muitas contradições. Não é um sistema articulado e organizado, havendo

fortes disparidades no conjunto de sua estrutura.

Para o autor “há momentos em que o país parece uma nação compreendida como um

todo em movimento e transformação” (IANNI, 1992a, p. 178). Mas freqüentemente em

algumas conjunturas ocorrem diversidades, sobretudo regionais e entre grupos e classes

sociais.

Acontece que as forças da dispersão freqüentemente se impõem àquelas que atuam no

sentido da integração. As mesmas forças que predominam no âmbito do Estado, conferindo-

lhe a capacidade de controlar, acomodar e dinamizar, reiteram continuamente as

desigualdades e os desencontros que promovem a desarticulação.

A realidade brasileira mostra uma evolução importante. Com o advento da

Constituição Federal de 1988 criam-se novas oportunidades de relações que possibilitam a

geração de novas formas de organização do Estado e da sociedade civil.

Não temos ainda um grande Estado, mas já temos um Estado grande. Talvez isto se explique pela anterioridade prática ao amadurecimento da sociedade civil. Falta em nossa história a luta dura, acerba, radical pela formação social do povo. Temos momentos de luta, levantes interessantes que apontam para certas potencialidades, mobilizações esporádicas (DEMO, 2001a, p. 100).

Apesar de não se ter ainda conquistado a cidadania conforme o desejado, de baixo

para cima, pela sociedade civil, por meio das lutas e embates, e ainda não se ter alcançado a

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conquista da cidadania, contudo é importante lembrar que se tem uma Constituição com

caráter democrático, onde estão referendados direitos que foram sendo conquistados, mesmo

que de forma lenta, porém, esses direitos estão garantidos.

A idéia de sociedade civil está ligada ao pensamento liberal, que ganha projeção no século XVIII e representa a sociedade dos cidadãos, entendidos como tais aqueles que têm direitos e deveres. Nesta época em que a palavra “cidadão” sobressai, ela se contrapõe à palavra “súdito”, que significa aquele que obedece [...] Civil, que indica cidadão, ganha complexidade com o passar do tempo. Muitos dos direitos mais restritos, existentes dentro do conceito de cidadão, transformam-se em direitos de cidadania, tornam-se direitos civis (as garantias individuais), direitos políticos (por exemplo: de reunião, de expressão de pensamento, de voto, de organização de partido) e depois, no século XX, direitos sociais [...] sociedade civil sugere a idéia de cidadania de uma sociedade criada dentro do capitalismo, de uma sociedade vista como um conjunto de pessoas iguais em seus direitos (VIEIRA, 1998, p. 10)

Esta é uma perspectiva construída a partir da Constituição Federal de 1988, o que

significa dizer, “nessa sociedade, cidadania representa igualdade jurídica” (VIEIRA, 1998, p.

10). De acordo com o autor, têm-se vários entendimentos e concepções em torno da

cidadania.

[...] fundamenta-se no principio de que as pessoas são iguais unicamente perante a lei, porque a cidadania consiste em instrumento criado pelo capitalismo para compensar a desigualdade social, isto é, a situação em que alguns acumulam riquezas, propriedades, enquanto outros não. Então, não existe cidadania sem garantia de direitos, sem igualdade jurídica (VIEIRA, 1998, p. 10)

Para o autor a cidadania só existe perante o Estado, ou seja, o Estado é que dá à

cidadania o status de direito, inexistindo cidadania sem direito e sem Estado.

Ainda, para Vieira, por conseguinte, “ao falar-se em sociedade civil, fala-se de

sociedade de cidadãos: aqueles que têm a igualdade jurídica, perante a lei, não a igualdade

social. Sociedade civil pressupõe pessoas iguais em direitos e não pessoas iguais em situação

social e econômica” (1998, p. 11).

Portanto, considera que a cidadania é indispensável e compõe o chamado Estado de

direito liberal, pois foi originado no liberalismo. E é por meio do Estado de direito

democrático que determinadas sociedades permitem o exercício do controle social na

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administração pública. Para o autor, a sociedade brasileira “possui escasso (para não dizer

nenhum) controle da administração pública, apesar de ter possibilidade de vir a ter mais”. Diz:

“Como forma de ação democrática, o controle social da administração pública representa um

dos elementos mais importantes da democracia” (1998, p.11).

A Constituição Federal de 1988, através da descentralização político-administrativa,

tem possibilitado o desenvolvimento da cidadania local, por meio do controle social. As

tendências descentralizadas das cidades, dos espaços locais, representam importantes avanços,

por meio dos conselhos. Sua organização, composição e competência propiciam a gestão

democrática das políticas e o exercício do controle social.

Para Demo “talvez se possa afirmar que o fenômeno básico da democracia é o controle

do poder. Não, porém, um controle feito somente pelo próprio poder, através de leis e

decretos, mas substancialmente um controle feito pela base” (2001a, p. 73).

O controle social do poder, via participação popular, deve ser feito através dos

Conselhos Estaduais e Municipais e das Conferências, respectivamente. De acordo com a

LOAS, os Conselhos possuem características que lhes são próprias, isto é, deliberativos,

paritários, permanentes, normativos, formuladores de política e controladores das ações, tendo

papel decisório em cada esfera de governo.

O controle social deve ser entendido como: espaço onde se exerce os direitos de

liberdade; o comprometimento com a pauta social; a transparência; a democracia

representativa, entendida aqui como o exercício de cidadania política, que só é possível na

instância local de poder, onde vivem os cidadãos. Nesse sentido, o controle social visa ao

acompanhamento dos atos e decisões governamentais enquanto mecanismo que controla e

fiscaliza a ação do governo na instância local, fazendo-se representar nas instâncias de

decisão, participando das definições das prioridades e das políticas públicas, que devemrom

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O controle social é o exercício democrático de acompanhamento e avaliação da

Política, que engloba programas, projetos, ações e serviços que estão sendo prestados à

população, bem como acompanhar e fiscalizar a correta aplicação dos recursos, buscando

ainda, viabilizar sua implementação. O controle social deve, sobretudo, ser um exercício

permanente e contínuo, numa perspectiva de zelar pela ampliação e qualidade da rede de

serviços assistenciais.

Exercer o controle social é participar. Participação é divisão de poder, pelo executivo e

o legislativo, isso implica uma sociedade civil organizada, significa divisão de poder ou

delegação de poder para o povo; é possibilitar o exercício da cidadania política, dando ao

povo a oportunidade de se expressar, decidir, contribuir, sugerir, definir, assumindo seu papel

de sujeito político. É também democracia direta, associada à democracia representativa. Esta

convivência complementar pode ser entendida como o exercício da cidadania política.

Nesta perspectiva Raichelis menciona que “o controle social da política de Assistência

Social realizado pelos conselhos de Assistência Social é exercido na e por meio da esfera

pública, sendo fundamental o aprofundamento das possibilidades de constituição do público

no âmbito da Assistência Social” (1998, p. 77).

Isso significa entender as decorrentes mudanças protagonizadas pelo processo de

democratização, que fortaleceu a relação do Estado com a sociedade civil.

A Assistência Social vive hoje um processo de mutação: de um lado, a dinâmica societária que impulsiona seu deslocamento para o campo dos direitos. De outro, o intenso movimento de difusão de práticas associativas e de organizações da sociedade civil, inclusive no campo empresarial, que reciclam e atualizam seus discursos, passando a atuar de modo crescente em programas assistenciais de enfrentamento da pobreza como resposta à crise do Estado e à redução das ações na área social (RAICHELIS, 1998, p. 81).

Continua sua abordagem dizendo ainda:

Em tempos de afirmação do ideário neoliberal e de fragilização das políticas públicas, ganha relevância a relação entre Estado e entidades assistenciais privadas sem fins lucrativos. Sendo essas relações de parceria, não devem reforçar a

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tendência à desresponsabilização do Estado pela condução das políticas públicas (RAICHELIS, 1998, p. 81)

Na verdade, várias são as idéias que perpassam o processo e que levam à construção

de novos arranjos institucionais, os quais visam a flexibilizar o poder local, dando maior

poder, recursos e competências.

Tais idéias encontram-se ancoradas, aparentemente, num consenso neoliberal que

acabam influenciando diferentes projetos e concepções. Esta influência leva a um

entendimento diversificado desse processo que varia entre os conservadores e os mais

progressistas. Portanto, há os que entendem que a descentralização significa a redução do

papel do Estado, a minimização de seus encargos e responsabilidades. Dentro da perspectiva

progressista, a descentralização reforça o poder local, dando-lhe autonomia para viabilizar

políticas voltadas para as demandas emergentes e reais, recomendando um padrão de

eficiência, eficácia e efetividade, sem, contudo, alterar a relação Estado/sociedade civil.

Por fim, uma perspectiva que deve ser incorporada, é a de que o novo modelo de

gestão a ser construído com a descentralização, deve ser visto como um processo

democrático, em que o papel do Estado não seja minimizado, mas que suas responsabilidades

sejam reforçadas, uma vez que é dever do Estado7 uma ação efetiva, no que se refere aos

direitos sociais, através de políticas públicas, que atendam as necessidades básicas.

Pode se admitir que o Estado deve estar numa relação dialética com a sociedade civil,

entendendo-se que ambos devem caminhar sem protagonismos e antagonismos, contudo,

Não há dicotomia entre Estado e sociedade civil. Primeiro porque a distinção não é facilmente visível, nem demarcável. O Estado está tão presente na sociedade, que uma linha definitória pura seria impraticável. O mais comum será superposição móvel: em momentos estamos no Estado, em outros na sociedade civil (DEMO,2001a, p. 29).

7 Constituição Federal de 1988, artigos 203 e 204.

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Outra colocação importante apontada pelo autor, é que não se pode confundir Estado

e Governo, ainda que a distinção seja sempre complexa:

Estado refere-se ao tipo de regime duradouro político, que ordena a nação. Governo refere-se aos detentores eventuais do poder, de acordo com as regras do regime político estatal. Assim, estar no governo não implica necessariamente estar no Estado, e vice-versa (DEMO, 2001a, p. 29)

Neste sentido, a relação Estado e sociedade civil deve ser de cumplicidade, visando o

bem comum, cabendo ao Estado, conforme diz Demo (2001a, p. 30) “uma função serviçal ou

ministerial”.

Por sua vez Santos diz o seguinte

A crítica da distinção Estado/sociedade civil defronta-se com três objecções fundamentais. A primeira é que não parece correcto que se ponha em causa esta distinção precisamente no momento em que a sociedade civil parece estar, por toda a parte, e reemergir do jogo do Estado e a autonomizar-se em relação a ele, capacitando-se para o desempenho de funções que antes estavam confiadas ao Estado. A segunda objecção é que, mesmo admitindo que a distinção é criticável, é difícil encontrar uma alternativa conceptual ou é mesmo logicamente impossível, pelo menos enquanto vigorar a ordem social burguesa (Giner, 1985). A terceira objecção é que, sobretudo nas sociedades periféricas e semiperiféricas (como a nossa) caracterizadas por uma sociedade civil fraca, pouco organizada e pouco autônoma, é politicamente perigoso pôr em causa a distinção Estado/sociedade civil. (2003, p. 123).

Na verdade, para o autor as três objeções são contraditórias, pois mostram as

divergências existentes na relação. O Estado se sobrepõe à sociedade civil, o que contribui

para uma heterogeneidade e fragmentaridade da atuação do Estado.

Contudo, ao Estado cabe servir à sociedade. Com a Constituição Federal de 1988, a

esfera pública (Estado) é parte integrante do processo de democratização da vida social, ou

seja, por meio do fortalecimento da relação Estado e da sociedade civil, devem prevalecer os

interesses das maiorias nos processos de decisão política.

Segundo Raichelis, trata-se de “um movimento que pretende conferir níveis crescentes

de publicização no âmbito da sociedade política e da sociedade civil, no sentido da criação de

uma nova ordem democrática valorizadora da universalização dos direitos de cidadania”

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(1998, p. 78).

Trata-se, portanto, do estabelecimento de uma nova perspectiva onde se deve alterar

uma tendência histórica de centralidade e dominação do Estado sobre a sociedade civil. De

acordo com a autora, pela via da publicização8, as práticas sociais constituir-se-ão na

representação de interesses coletivos na cena pública.

Nesse sentido, há que se construir uma nova inter-relação, em que público e privado

devem estar articulados. Na assistência social, essa articulação deve se dar na conjugação

entre Estado (público) e sociedade civil (privado) representada pelas entidades sociais, que

prestam serviços, dividindo assim as responsabilidades com o Estado (poder público),

cabendo-lhes ainda um papel importante que é o de controle social, o que consiste em um

canal político de exercício da cidadania.

Refere-se a uma nova institucionalização nas práticas sociais de distintos sujeitos da

sociedade civil e do Estado. Essa nova perspectiva inverte a tendência histórica de dominação

do Estado sob a sociedade civil, isto é, à sociedade civil cabe uma autonomia que deve gestar

em um novo desenho da sociedade.

1.6 O SUAS: a nova proposta da política nacional de assistência social

A assistência social marca uma nova trajetória, enquanto política pública de direito a

partir da LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social, demarcando uma situação nova para o

Brasil. A Assistência Social passa a integrar o Sistema de Seguridade Social como Política

Pública não-contributiva ao lado da saúde, sendo ainda pautada na universalidade da

8 A concepção de publicização adotada parte da idéia de que se trata de um processo construído pela prática concreta de sujeitos sociais, que pode alcançar níveis crescentes de consolidação, dependendo da presença de terminadas condições dinâmica das relações entre Estado e Sociedade civil (RAICHELIS, 1998, p. 79).

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cobertura, integrada à Previdência que é contributiva, constituindo-se num sistema de

proteção social. Dez anos se passaram em que a LOAS se constituiu, enquanto um

instrumento jurídico de defesa da assistência social, como política pública: direito do cidadão

e dever do Estado, independentemente de contribuição à seguridade social (art. 203 da

Constituição Federal).

A sua implementação ainda se apresenta distante do desejado, porém, muitos avanços

podem ser considerados, tais como a constituição dos Conselhos, criação de Fundos de

Assistência Social, a estruturação de órgãos gestores, entre outros instrumentos que

demonstram significativas mudanças na área da assistência social que podem ser

considerados. Trata-se de um movimento que promove uma mobilização no campo da

assistência social, fazendo ampliar seu significado.

Contudo, urge ainda enfrentar muitos desafios para assegurá-la como política de fato.

E, o SUAS – Sistema Único de Assistência Social, aprovado na IV Conferência Nacional de

Assistência Social, vem reforçar essa intenção. Trata-se de uma proposta apontada desde a I

Conferência, no entanto, somente em 2003, esta reforma foi referendada.

O SUAS, enquanto Política Nacional de Assistência Social, vem marcar uma nova

etapa na área da assistência social, propondo uma política de proteção social9 com novos

patamares.

Trata-se de uma nova concepção de assistência social que tem como base um olhar

diferente diante da realidade, ou seja, a proteção social que se quer construir, supõe conhecer

os riscos, as vulnerabilidades sociais a que estão sujeitos os cidadãos. Portanto, supõe a

9 Por proteção social entendem-se as formas “às vezes mais, às vezes menos institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice a doença, o infortúnio, as privações. Incluo neste conceito, também tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição de bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto os bens culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a integração, sob várias formas na vida social. Incluo, ainda os princípios reguladores e as normas que, com intuído de proteção, fazem parte da vida das coletividades” (DI GIOVANNI, 1998, p. 10).

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construção de uma nova análise situacional e territorial dos entes federados. “A opção que se

construiu para exame da política de assistência social na realidade brasileira parte então da

defesa de um certo modo de olhar e quantificar a realidade [...]” (BRASIL, 2004, p. 11).

Esta análise, ou esse exame da realidade, visa a identificar quantos são, quem são e em

que circunstâncias demandam os serviços, programas, projetos e benefícios da assistência

social.

Assim, “a Política de Assistência Social é política de proteção às pessoas, às

circunstâncias e dentre elas, o seu principal núcleo de apoio: a família” (BRASIL, 2005, p. 6).

A nova Política de Assistência Social foi construída com base em três vertentes

básicas: as pessoas, as suas circunstâncias e a família enquanto centralidade das ações.

Nesta perspectiva, a proteção social que se quer constituir, exige a capacidade de

maior aproximação possível do cotidiano da vida das pessoas. Nesse caso é necessário

relacionar as pessoas e seus territórios, pois é nele que os riscos e as vulnerabilidades se

constituem. Portanto, a territorialização configura-se como um critério em que a oferta dos

serviços deva considerar a lógica da proximidade do cidadão; a localização dos serviços nos

territórios em que haja maior incidência de riscos e vulnerabilidades sociais, além da garantia

do comando único por instância de gestão.

A nova Política Nacional de Assistência Social ao trabalhar a territorialização, vai

buscar no cotidiano das populações o real, ou seja, vai tentar tornar visíveis aquela sociedade

tradicionalmente tida como “invisível” ou “excluída”. Isso significa dizer, como aponta o

Manual informativo para jornalistas, gestores e técnicos: versão resumida da Política Nacional

de Assistência Social (BRASIL, 2005, p. 7), “ao agir nos territórios, tornam-se visíveis

setores da sociedade brasileira tradicionalmente invisíveis; alguns deles excluídos das

estatísticas: população em situação de rua, adolescentes em conflito com a lei e pessoas com

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deficiência”.

Mas afinal, o que é o SUAS? O Sistema Único de Assistência Social – SUAS - é a

regulação, em todo o território nacional, da hierarquia, dos vínculos e das responsabilidades

do sistema cidadão de serviços, benefícios e ações de assistência social, de caráter permanente

ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público sob critério

universal e lógica de ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da

sociedade civil.

Contudo, a Política de Assistência Social, hoje, está aliada ao desenvolvimento

humano e social e não-tuteladora ou assistencialista e provedora de necessidades, mas propõe

suprir necessidades dentro de padrões pré-definidos e desenvolver capacidades, com vistas à

autonomia. De acordo com o Manual informativo para jornalistas, gestores e técnicos:

Esse desenvolvimento depende da capacidade de acesso da família aos bens e recursos, pressupondo um incremento destas capacidades. A reorganização de uma rede de serviços e proteção, aliada às políticas de transferência de renda, contribuem para a redistribuição dos acessos a bens e serviços, cumprindo os objetivos da Assistência Social (BRASIL, 2005, p. 9).

É importante ressaltar que o SUAS materializa o conteúdo da LOAS, é uma tentativa

de cumpri-la de fato.

Marcada pelo caráter civilizatório presente na consagração de direitos sociais, a LOAS exige que as provisões assistenciais sejam prioritariamente pensadas no âmbito das garantias de cidadania sob vigilância do Estado, cabendo a este a universalização da cobertura e a garantia de direitos e acesso para serviços, programas e projetos sob sua responsabilidade (BRASIL, 2004, p. 26)

Contudo, o SUAS, é um sistema constituído pelo conjunto de serviços, programas,

projetos e benefícios de assistência social, prestados diretamente ou através de convênios

com organizações sem fins lucrativos, por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e

municipais da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo poder público.

É pertinente dizer que a dinâmica societária brasileira, no contexto atual, mesmo que

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ainda pela via jurídica, reforça o papel da sociedade civil, estabelece novos vínculos e

redefine responsabilidades.

É preciso, pois, que haja um consenso quanto ao entendimento da assistência social,

supondo a união de esforços entre o Estado e a sociedade civil, no provimento das

necessidades dos cidadãos alvo dos bens e serviços da assistência social, no sentido de se

romper com a fragmentação, o pragmatismo, ações por categorias e segmentos sociais.

A assistência social, dentro desse novo movimento de revisão, deve ser visto como

um fenômeno inacabado, por ser um processo que está em constante renovação e construção,

tendo em vista ser um processo histórico que integra uma conjugação de esforços entre os

atores, constituídos pelo poder público e sociedade civil, que tem como objetivo afirmar e

expandir os direitos, bem como promover a emancipação daqueles que dela usufruem.

Não se pretende aqui esgotar um debate que é tão recente em relação à assistência

social, que é o SUAS. Novas perspectivas estão sendo colocadas; trata-se todavia, de uma

discussão que ainda está sendo feita, pois o SUAS, enquanto nova Política Nacional de

Assistência Social, só foi aprovado em setembro de 2004 e regulamentado em novembro do

mesmo ano.

Desde a Constituição de 1988, passando pela aprovação da LOAS, 1993, que os

processos de luta pela construção de uma política de assistência social vêm sendo um desafio.

Vários são os esforços: fóruns de debates nos estados, municípios e entidades nessa re-

significação da assistência social; estudos e pesquisas estão sendo constantemente realizados

nas universidades, através de trabalhos, dissertações e teses. Enfim, variados debates e outros

eventos, têm sido uma constante, seja em âmbito municipal, estadual e nacional no sentido de

provocar uma articulação ampla da sociedade civil, reforçando essa luta para a construção do

sistema descentralizado e participativo com Secretarias de Assistência Social, e com

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Conselhos Municipais nos quase 5000 municípios brasileiros.

Todavia, sabe-se que há uma variedade ainda de situações de municípios que se

encontram em estágios diferentes. Contudo, as experiências e pesquisas apontam que há um

grande esforço nos vários níveis, na operacionalização dos novos conceitos. Muitos atores,

inclusive anônimos têm surgido, compondo esse cenário de construção de fato da assistência

social como política pública.

É importante ressaltar que o caminho percorrido até este entendimento contribuiu para

a consolidação do SUAS, objetivo perseguido na definição desta política como promotora

de igualdade e inclusão social.

Porém, é importante ressaltar que é em meio a esse cenário de novas perspectivas que

também se vive o denominado processo de globalização, trazendo inúmeras implicações nas

relações, processos e estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais. Enfim, em meio à

uma nova proposta de um modelo de sociedade que se constitui, está presente uma proposta

de um Estado que se pretende ser reduzido, minimizado em suas intervenções na área social,

apelando para a sociedade civil, sob a lógica do “parceiro” buscando a divisão de

responsabilidades sociais.

Tal proposta está baseada no ideário neoliberal, o qual traz em seu bojo um discurso

que se apresenta com o ideal igualitário e democrático, porém, sabe-se que se trata de uma

falácia. Tal perspectiva será trabalhada na seqüência destas reflexões.

1.7 A era dos direitos e o neoliberalismo

Ao instituir o Estado Democrático de Direito, o Estado passa a admitir o

estabelecimento de novas relações entre ele mesmo e a sociedade, na tentativa de aumentar o

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acesso aos serviços públicos, com a ideologia de melhorar a qualidade de vida da população.

Um dos grandes avanços contemplados na Constituição Federal de 1988 foi a

descentralização político-administrativa que dá aos Estados e Municípios mais autonomia,

pois consideram que não só a união, mas também as demais instâncias(Estados e municípios),

em estreita parceria com a sociedade civil organizada, são responsáveis por reduzir a pobreza

e a exclusão social no país.

Assim, a partir de 1988, o país passou a ter um grande desafio com a dinâmica do

processo de descentralização, considerando que diversos fatores heterogêneos influenciam e

impõem certas dificuldades e limites à participação, que representa um dos instrumentos mais

importantes na construção desse processo.

Contudo, a descentralização, conforme já tratada anteriormente, passa a ocupar,

fundamentalmente, um espaço no cenário contemporâneo, constituindo-se em um processo

que é parte não só da sociedade brasileira, mas é algo em construção no mundo todo, ou seja,

no mundo político-administrativo.

A descentralização é a expressão mais forte de democracia. Portanto, a questão da

descentralização está relacionada com o desenvolvimento de novas formas de poder e decisão.

A descentralização implica a existência de uma pluralidade de níveis de decisão exercida de forma autônoma pelos órgãos independentes do centro. Para Uga (1991) ela é entendida enquanto um processo de distribuição de poder que pressupõe, por um lado, a redistribuição dos espaços de exercício de poder – ou dos objetos de decisão, isto é, das atribuições inerentes a cada esfera de governo e, por outro, a redistribuição dos meios para exercitar o poder, ou seja, os recursos humanos, financeiros e físicos (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 38).

Por oportuno, vale mencionar a colocação abaixo relativa ao regime democrático e à

soberania:

A democracia como qualquer outro regime político, diz respeito à disputa pelo controle do lócus do poder supremo. Quando esse ponto se debilita, infectado pela heteronomia, quando os instrumentos de ação governamental se esvaziam e entram em declínio, transformados em meras estações repetidoras de uma vontade estranha, talvez se possa dizer, como Bull - autor de uma obra sugestivamente intitulada A

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Sociedade Anárquica - , que está surgindo uma nova ordem política universal de caráter neomedieval, por analogia com a situação vigente na Idade Média européia, quando “um sistema de autoridades sobrepostas e lealdades múltiplas” fazia com que “nenhum governante fosse soberano”, no sentido de ser a autoridade suprema e exclusiva sobre um dado território e a respectiva população [...] Num sistema assim descentrado, cada um cuida de si e ninguém do todo. Quando nenhuma autoridade é soberana, a democracia – o regime da soberania popular – é simplesmente impensável (MARTINS, 1997, p. 42)

Um regime democrático caracteriza-se por atribuir poder, pois há uma lei maior que

autoriza, dá esse direito. No entanto, significa que todos devem participar numa decisão, pois

deve ser tomada e aceita por todos de forma coletiva, e é preciso que seja tomada com base

em regras. Essa decisão pode ser apresentada por um indivíduo, representante de um grupo,

porém, este grupo é quem indica e define os procedimentos, atribui-lhe essa competência,

esse poder.

No que diz respeito às modalidades de decisão, a regra fundamental da democracia é a regra da maioria, ou seja, a regra à base da qual são consideradas decisões coletivas – e, portanto, vinculatórias para todo o grupo – as decisões aprovadas ao menos pela maioria daqueles a quem compete tomar a decisão. Se é válida uma decisão adotada por maioria, com maior razão ainda é válida uma decisão adotada por unanimidade (BOBBIO, 2004, p. 31).

Um sistema democrático pressupõe procedimentos que podem ser entendidos como

um jogo, onde as regras desse jogo devem ser elaboradas. Por sistema democrático (BOBBIO,

2004, p. 77) entende hoje “[...] preliminarmente um conjunto de regras procedimentais, das

quais a regra da maioria é a principal mas não a única”.

Não quero com isto dizer que é suficiente um governo respeitar as regras do jogo para ser considerado um bom governo. Quero apenas dizer que num determinado contexto histórico, no qual a luta política é conduzida segundo certas regras e o respeito a estas regras constitui o fundamento da legitimidade (até agora não desmentido, apesar de tudo) de todo o sistema, quem se põe o problema do novo modo de fazer política não pode deixar de exprimir a própria opinião sobre estas regras, dizer se as aceita ou não as aceita, como pretende substituí-las se não as aceita, etc. (BOBBIO, 2004, p. 78)

A democracia tem como horizonte novas práticas políticas, comprometidas com

interesses coletivos, voltadas principalmente por demandas que envolvam as classes

subalternizadas.

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Pressupõe ainda um “governo visível”, ou seja, que dê visibilidade e abertura à sua

governabilidade, onde novas relações de poder são construídas e toleradas, constituindo-se

novas dinâmicas de mandos, combinando democracia e participação.

Mas, é importante ressaltar que a democracia está sendo resgatada muito

recentemente. A dinâmica social desencadeada nos últimos 20 anos, coloca novo rumo às

sociedades capitalistas.

O discurso da cidadania e da democracia bem como o aparecimento e diversificação de novos interesses na sociedade que não são representados pelos sindicatos, os quais, não conseguem ampliar sua intervenção para fora dos “muros da fábrica”, são capturados com maestria pela burguesia capitalirados com

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também as principais economias predominantes. Mas, é preciso lembrar que nos anos 1970, o

país apresentou níveis de crescimento, quando este é reconhecido como o “milagre

econômico”.

Porém, o crescimento econômico do país, se desenvolveu a custo de empréstimos

interno e externo que, conseqüentemente, provocou um endividamento nacional e

internacional, o que acabou eclodindo numa enorme “dívida” a qual se intensificou a partir

dos anos 1980, provocando então uma crise econômica que parecia não atingir os mais

otimistas, pois esperavam que ela pudesse ser superada através de intervenções localizadas.

No entanto, as políticas implementadas não foram suficientes para conter a crise, que é

qualificada por Mota como uma:

[...] crise do capital, cuja principal determinação é econômica, expressa num movimento convergente em que a crise de superprodução é administrada mediante expansão do crédito para financiar tanto os déficits dos países hegemônicos como a integração funcional dos países periféricos ao processo de internacionalização do capital (1995, p. 55).

Para Sader e Gentili, “ao longo dos anos 80, a economia brasileira viveu processos de

acomodamento, com a imposição da hegemonia do capital financeiro, que finalmente

desembocou no neoliberalismo, iniciado no final da década, ainda no governo Sarney” (1995,

p. 36)

Pode-se considerar que o que mais fortaleceu a ideologia neoliberal e influenciou sua

efetividade foram os ajustes realizados entre mercado financeiro e setor produtivo, apesar de

que não foram suficientes para superar a crise. “Na realidade, os ajustes produzidos para a

superação da crise se mostraram insuficientes porque persistiam pontos de estrangulamento,

tais como a queda dos investimentos produtivos, desemprego crescente e ampliação das

dividas dos países periféricos” (MOTA, 1995, p. 54).

Mas a crise econômica que atingia o país não foi totalmente desfavorável à

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legitimação do neoliberalismo, pois tanto esta crise como a crise fiscal do Estado, que

provocou uma elevação inflacionária, obrigou os neoliberais a encontrar soluções imediatas, o

que acabou fortalecendo-os, pois produziram efeitos ideológicos e políticos positivos ao

produzirem uma fantástica redução no processo inflacionário que naquele momento assolava

o país.

No entanto, o sucesso neoliberal, considerado como uma vitória, ao implementar as

medidas de ajustes, provocaram tensões sociais, seguidas ainda por uma série de outros

fatores:

[...] déficits nas balanças comerciais, nas balanças de pagamento, a desindustrialização, os desequilíbrios sociais, com taxas altas de desemprego, as clivagens sociais aprofundadas, as instabilidades provenientes da ampla abertura ao mercado internacional foram refletindo esse novo período (SADER; GENTILI, 1995,p. 36-37).

Na verdade, o neoliberalismo não perdeu a força e conseguiu se legitimar no Brasil,

até mesmo num governo progressista onde ajustes neoliberais continuam sendo impostos.

[...] o neoliberalismo, joga sua cartada mais importante, provavelmente decisiva para seu futuro no continente. Contando com as experiências positivas e negativas da Argentina e do México, a coalizão neoliberal brasileira buscará formas heterodoxas de imposição, em meio a alianças com as elites e a direita política, tentando provar que, sem essas forças, qualquer transformação do país é impossível (SADER; GENTILI, 1995, p. 37)

As diversas tentativas de ajustes na economia não foram suficientes e não tiveram o

sucesso que buscaram as economias capitalistas, persistindo assim o crescimento de uma crise

que passou a atingir níveis elevados.

É preciso considerar, no entanto,

[...] que a trajetória do capitalismo não se reduz a uma dinâmica cíclica, formalmente identificada como fases de declínio, recuperação e auge, ele supõe um processo dinâmico de mudanças nas suas formas de existência, em que a organização da produção, dos mercados, dos salários, da intervenção estatal das demais instituições é mutável, dentro do contexto mais ampliado da reprodução das suas estruturas fundamentais (MOTA, 1995, p. 56)

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E completa ainda dizendo que é “Evidente que o processo de reprodução e

transformação do capitalismo, ainda que expressando um movimento geral, desenvolve-se em

condições peculiares nos países centrais e nos periféricos” (MOTA, 1995, p. 56).

Ora, é preciso então retomar a questão da crise, ela existe ou é condição para que haja

o equilíbrio dos mercados? Para melhor entender o significado desse processo, Schons faz

algumas citações buscando o entendimento a respeito da concepção própria de crise. Assim

ela busca em Brunhoff, algumas considerações colocadas por ele, quais sejam: “não há crise,

mas somente flutuações passageiras que se compensam a longo prazo, onde prevalece o

equilíbrio”. Diante dessa consideração, a autora coloca que “estamos ante a crença da auto-

regulação do mercado, mercado este capaz de absorver os descompassos na economia. Nessa

visão, as crises parecem ter formas apenas conjunturais”. Continua citando Brunhoff que diz

“O que há, no máximo, são “desequilíbrios temporários que geram flutuações de curta

duração e que se corrigem por si mesmos”, “São conhecidos também, sobretudo no século

XIX, por ‘ciclos de negócios’, fazem parte da restauração do equilíbrio dos mercados. Seu

custo em falências e desemprego é considerado como inevitável: é apenas o aspecto

temporário do restabelecimento das condições de retomada”. (SCHONS, 1999, p. 141).

Mota (1995, p. 36), com base em Marx, diz o seguinte: “as crises não são mais do que

soluções momentâneas e violentas das contradições existentes, erupções bruscas que

restauram transitoriamente o equilíbrio desfeito”.

Diante dessas idéias, é pertinente dizer que o capitalismo é protagonista de um

movimento que se expressa sincronizadamente, no sentido de superação da crise, tendo

objetivos específicos, de acordo com a sua trajetória histórica. É pertinente, ainda, concordar

com a autora quando afirma que: “as crises econômicas são inerentes ao desenvolvimento do

capitalismo e que, diante dos esquemas de reprodução ampliada do capital, a emergência de

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crises é uma tendência sempre presente” (MOTA, 1995, p. 37).

Para melhor entender o real significado das crises, ou melhor dizendo, das causas que

provocam esse movimento cíclico, é necessário retornar um pouco a história do capitalismo.

No inicio do século XX, se desenvolveu um capitalismo baseado na expansão dos

cartéis, das alianças entre as grandes empresas monopólicas, foi o chamado “capitalismo

monopólico” ou “capitalismo desorganizado”. Em conseqüência da guerra, foi um período em

que ocorreu o decréscimo do comércio mundial. Já na década de 1930, o capitalismo iniciou

um novo ciclo, com tendências autárquicas. A partir da Segunda Grande Guerra, processaram-

se novas mudanças, período em que o mercado se expande, sobretudo, o comércio mundial,

sob influência e pressão norte-americana.

O alcance mundial do capitalismo, que se esboça desde os seus primórdios, desenvolve-se de maneira particularmente aberta no século XX. E adquire novas características na época iniciada com o término da Segunda Guerra Mundial, quando a emergência de estruturas mundiais de poder, decisão e influência anunciam a redefinição e o declínio do Estado-Nação (IANNI, 1992a, p. 23).

O pós-guerra favoreceu sobremaneira para a expansão dos mercados, pois encontrou

campo fértil para ampliar o mercado mundial, possibilitando assim, um grande movimento de

articulação entre as diversas economias mundiais, sob influência do grande capital

monopolista norte-americano.

De acordo com Mota “Essa articulação se processou via internacionalização do

capital, por meio das empresas industriais transnacionais, da mundialização do capital

financeiro e da divisão internacional dos mercados e do trabalho” (1995, p. 50).

Diante da ofensiva norte-americana, o capital europeu reagiu, num processo de

competitividade, buscando também internacionalizar seu mercado, investindo nos países

periféricos, com uma diferença, possibilitou a expansão de mercados com bases tecnológicas

mais avançadas do que as americanas.

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Todo esse contexto favoreceu o surgimento e a difusão dos Estados de bem-estar

social. Na verdade, buscou-se consolidar um sistema, conhecido como “keynesianismo” o

qual instituiu as políticas estatais de regulação econômica e social, tendo como exemplo o

planejamento econômico e a intervenção na relação capital/trabalho, através da política

salarial, fiscal e de crédito e das políticas sociais públicas.

Em resumo, a proposta keinesiana foi introduzida sob um modelo que teve suas bases

fundadas no assalariamento, no aumento da produtividade do trabalho e na intervenção social

e econômica do Estado. Em tese a proposta de Keines é o estabelecimento de um Estado forte,

impondo um aumento de suas despesas com as políticas sociais, voltadas para melhorar a

qualidade de vida dos trabalhadores.

Para Mota, “a participação do Estado na criação de mecanismos de reprodução da

força de trabalho, de que é exemplo a implementação de medidas de proteção social,

consubstanciará uma estratégia mediadora das relações entre produção e reprodução” (1995,

p. 127).

É pertinente dizer que tais medidas são ajustes para fortalecer e legitimar o sistema,

num momento em que o modo de produção capitalista estava em plena expansão. Na verdade,

foi uma estratégia com características específicas, ora favorecendo ao trabalhador, ora

integrando interesses imediatos.

Consolidado como uma política anticíclica, o keynesianismo institui as políticas estatais de regulação econômica e social, de que são exemplos a planificação econômica e a intervenção na relação capital/trabalho, por meio da política salarial, da política fiscal, da política de crédito e das políticas sociais públicas (MOTA, 1995, p. 127)

Importa dizer que a partir daí, é que se estruturam os sistemas de seguridade social nas

sociedades capitalistas, também conhecida como Estado-Providência ou Welfare State.

No período que vai do pós-guerra até os anos 1960, com a implementação do sistema

de seguridade social, os gastos sociais do Estado sofreram um acréscimo inestimável, não só

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no Brasil, como em outras partes de mundo, sob a égide de que deveria haver o socialismo

real.

As grandes mudanças econômicas por que passam as sociedades capitalistas, a partir

dos anos 1930, são marcadas pela difusão do fordismo, enquanto modelo de organização

industrial e social, pelas propostas keynesianas. É nesse período que surgem os partidos

social-democratas, e crescem os grandes sindicatos. Com isso forma-se o pacto fordista-

keynesiano, que dá sustentação ao crescimento das economias centrais e inaugura uma nova

fase nas relações entre o capital e o trabalho, sendo esta relação que fortalece e impulsiona as

negociações trabalhistas entre os sindicatos e o grande capital, inclusive instituindo os

salários indiretos, via políticas sociais.

Na verdade, conforme aponta Ianni, “o capital dissolve, recobre e recria formas de

vida e trabalho, de ser e pensar, em

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também, pregando novas ideológias, concepções, atividades, entre outros.

Segundo Mota, a crise dos anos 1970-80, “[...] expressa um descompasso entre

produção e circulação, enquanto processo de produção e realização de mais-valia e, ao mesmo

tempo, o momento a partir do qual a lei do valor se impõe, parece ser o elemento central do

entendimento dessa crise” (1995, p. 140).

Por sua vez, Ianni considera que:

O neoliberalismo enraíza-se diretamente no mercado mundial, no fluxo de capital, tecnologia, força de trabalho, mercadoria, lucro, mais-valia. Lança-se diretamente num mundo sem fronteiras, alfândegas, barreiras. Reafirma os princípios da liberdade, igualdade, propriedade e contrato, agora sob a égide das multinacionais, corporações, conglomerados, organizações pouco localizáveis, no sentido de que estão em muitos lugares e às vezes operam à margem de instituições, códigos, estatutos ou constituições nacionais (1992a, p. 140)

É preciso, portanto, entender que a partir dos anos 1980, houve um movimento global,

ou seja, surgem novas condições sociais, econômicas, políticas e culturais, nas quais se

desenvolvem, crescem, materializam, expandem, legitimam, mundializam e universalizam.

São muitas e crescentes as produções materiais e espirituais que se mundializam. Muito do que é local, regional, nacional ou mesmo continental entra no jogo das relações internacionais, recria-se o âmbito das relações, processos e estruturas articulados nos caminhos do mundo. Simultaneamente, realizam-se produções materiais e espirituais que já nascem como internacionais, ou propriamente globais. Mais do que nunca, o singular e o universal realizam-se como história (IANNI, 1992,a, p. 48)

Assim, pode-se considerar que é neste cenário de transformações que acontecem

grandes avanços no mundo dos direitos. Mas, o mundo depara-se com a ambigüidade de dois

fenômenos: de um lado, a multiplicação dos direitos, paralelo a crescente multiplicação de

ameaças à vida humana, com o aumento da pobreza e da exclusão social; de outro, o

surgimento de ideologias contrárias à efetivação desses direitos sociais legalmente

reconhecidos.

É no final da década de 80 e início de 90 do século XX, que o neoliberalismo encontra

no país terreno fértil para ser introduzido. Na verdade, foi “[...] a ditadura que começou o

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processo de dilapidação do Estado brasileiro” [...]“Essa dilapidação propiciou o clima para

que a ideologia neoliberal, então já avassaladora nos países desenvolvidos, encontrasse

terreno fértil para uma pregação anti-social” (OLIVEIRA, 1995, p. 24-25).

Trata-se de uma estratégia disseminada pela chamada “burguesia” que vem

provocando fortes alterações na vida do trabalhador brasileiro. Estes são os mais afetados,

pois se busca a eliminação dos direitos trabalhistas, impõem-se fortes restrições salariais,

desemprego, provocando o crescimento da economia informal, o qual passa a ser o último

refúgio de parcelas enormes da população. São mecanismos gestados pelo capital para sair de

sua crise, reestabelecer suas taxas de lucro, expandir-se e ampliar as formas de dominação

burguesa.

Partimos do suposto que o discurso da crise econômica e as estratégias utilizadas para assegurar os ajustes e reformas na dinâmica do capitalismo mundial, vêm afetando, sobretudo, as práticas do trabalho, incidindo no conteúdo e os meios que caracterizaram historicamente os embates e conflitos entre capital e trabalho (AMARAL, 2002, p. 58)

Mas esse cenário de crise que também é do Estado, que favorece a ofensiva neoliberal.

E, nesta conjuntura se destaca a perda de muitos direitos sociais historicamente conquistados,

à custa da organização dos movimentos sociais e dos trabalhadores, da pressão política

exercida por diversos setores da sociedade civil.

Os efeitos dessa conjuntura político-econômica sobre o Brasil – e demais países latino-americanos – são conhecidos. Recessão, déficit público, inflação, crise fiscal etc., agravaram desequilíbrios estruturais, encurtando recursos e aumentando as necessidades por proteção; em especial e talvez mais grave para finalidade, os condicionantes impostos pelas agências multilaterais ao crédito externo passaram a acentuar com absoluto rigor o enxugamento do Estado e seu desengajamento na oferta de benefícios e serviços coletivos. Condicionantes que foram aceitos pelos governantes brasileiros e transpostos para praticamente todas as decisões (e não-decisões) que afetam a economia (e, por conseguinte, a sociedade) (BRAVO; PEREIRA, 2001, p. 175)

Amaral considera que:

Assim, a associação entre a política monetária, considerada elemento fundamental da política macroeconômica, e a orientação liberal do papel do Estado, constituem , na sua totalidade, os principais vetores das radicais mudanças que incidiram na

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dinâmica social, tanto dos países centrais como os chamados periféricos. Para estes, o Consenso de Washington tratou de deliberar medidas de ajustes e recomendar reformas essenciais. Tais deliberações resultaram em prescrições que afetam, particularmente, as áreas de seguridade social e de educação, além dos mecanismos reguladores das relações de trabalho ((2002, p. 59)

É importante lembrar o processo vivido pela sociedade brasileira na década de 1980.

Uma realidade complexa por suas crises, entretanto, marcada pelos processos de

redemocratização. Na verdade, fortalece-se nesse período, a relação de subordinação entre as

potências capitalistas, sobre os países periféricos, ou de “Terceiro Mundo”. Ainda que sob um

discurso de modernidade, o capital nacional fica sob o controle das transnacionais. Com isso

cresce a dívida externa, uma vez que o FMI e Banco Central impõem financiamentos de

capital, visando a modernização e crescimento econômico, a longo prazo. Por outro lado,

impõem também o pagamento da dívida, o que implica transferências de grandes quantias de

capital para as economias centrais, segundo receitas do FMI, fundamentadas na redução do

consumo, do emprego, de recortes drásticos nos gastos sociais, da privatização das empresas

estatais, na redução da inversão pública e outros mecanismos de controle de gastos.

Aqui, já se pode apontar para a natureza das mudanças requeridas para ajustar o Estado às reais necessidades de acumulação do capital, dotando-lhe de novas funções e atribuindo-lhe uma capacidade ancorada em controles rígidos de despesas, restrição de recursos para atender às demandas sociais por serviços públicos, articulação com a sociedade civil e particularmente, com o chamado terceiro setor, para “dividir” as responsabilidades em solucionar problemas causados, segundo o documento, por “falhas do mercado e do governo” (AMARAL, 2002, p. 61).

Portanto, se na década de 1980, se assistiu a um movimento intenso com a formação

de forças sociais, as quais fazem suas movidas, envolvidas em profundas contradições, de um

lado, pela dominação econômica e subjugação dos países centrais, de outro, pelo processo de

redemocratização; na década de 1990, assistiu-se a novas perspectivas de reformas que

impõem aos trabalhadores sacrifícios, conforme apontou a autora (AMARAL, 2002, p. 61).

Estão implicadas nessas perspectivas da reforma a necessidade de inflexionar as ações

dos trabalhadores, de modo a colocá-los numa posição defensiva e de envolvimento com a

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resolução dos problemas propostos pelas classes dirigentes e pelos organismos internacionais.

Fato que requereria uma refundação/eliminação de racionalidades classistas e uma

assimilação da “cultura da crise”.

Enfim, são novas tendências contemporâneas, com o surgimento de nova organização

do trabalho, com a informatização, trazida pela revolução tecnológica e pela informática.

Estas mudanças superam os velhos modelos (taylorista/fordista/keynesianista) com a

introdução dos novos sistemas tecnológicos e com padrões de organização do trabalho,

buscam a elevação da produtividade com trabalho mecanizado.

É prudente dizer que a crise econômica e os novos parâmetros de produtividade e

rentabilidade, estabelecidos pela revolução tecnológica que coloca em questão o Estado de

bem-estar, têm sua fundamentação na doutrina neoliberal. Começaram nos Estados Unidos e

na Inglaterra, nos governos de Reagan e Thatcher, quando estes lideraram a implantação de

uma nova política econômica, baseada em conceitos liberais: Estado mínimo,

desregulamentação do trabalho, privatizações, funcionamento do mercado sem interferência

estatal, cortes nos benefícios sociais.

O fim do socialismo e da social-democracia, com a desagregação da União Soviética e

o fracasso das experiências socialistas no Leste Europeu, assim como as reformas de mercado

da China, advertem que a doutrina socialista pode estar disseminada. É sob essas influências

que os países da América Latina saem dos regimes militares, estabelecendo uma nova ordem

política democrática.

No entanto, é pertinente dizer que implantar e manter uma nova ordem política

democrática, sob a égide neoliberal, é, sobretudo, aceitar um discurso sob a racionalidade

capitalista. Segundo Amaral “cidadania, democracia, autonomia, sociedade civil, são termos

chaves na construção de um novo ideário de sociabilidade; expressam as novas condições do

atual momento de atualização do capital” (2002, p. 63)

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A nova ordem política democrática vem acompanhada de uma fundamentação de

cunho neoliberal, cujos instrumentos fundamentais que regem a relação entre Estado e

Sociedade, são os conselhos, via participação, que sob o manto da descentralização, do

exercício da livre escolha e da autonomia, preparam terreno para o livre desenvolvimento do

mercado.

Os mecanismos de participação são receitas estabelecidas pelo Banco Mundial, que

apresentam um rol de estratégias que levam a sociedade a tomar parte e ser protagonista na

legitimação, no consentimento dos cidadãos para materialização da Reforma do Estado, bem

como seus ajustes.

Incorpora-se ao discurso governamental a necessidade de se fazer determinadas

reformas que são divulgadas pelos meios de comunicação como medidas alternativas, as quais

são estratégia de ajustes, entre elas a seguridade social.

Bravo, Pereira apontam três mitos plantados pela retórica neoliberal. O primeiro é o

mito tecnicista:

O mais sutil e profundo ataque à seguridade social se manifesta através de sua despolitização. Perpassando o debate – e não só no Brasil, é claro – sobre política social, se instala o mito da supremacia do enfoque técnico [...] Apresentar a seguridade social como matéria de natureza técnica é, desde logo, desintegrá-la e, portanto, esvaziá-la como concepção sistêmica de política social. Significa, no caso brasileiro, tratar isoladamente a previdência, a saúde e a assistência social em suas respectivas especificidades técnicas (2001, p. 176)

Do ponto de vista das autoras, entende-se que tal lógica está fundamentada no fato de

que a previdência se destaca no tripé da seguridade, ao ser ela diferenciada das demais áreas

(saúde e assistência social). A previdência é contributiva, mantém e move maior volume de

recursos, além de ser instrumento que mexe com poderosos interesses; é política pelas

próprias características e pelo número de pessoas que dela se beneficiam; enquanto que a

saúde e a assistência social não são contributivas, os que delas se valem são beneficiados

através de serviços, os quais são dispersos e anônimos. São serviços que não têm caráter de

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destaque, cuja população atendida não representa, politicamente, expressão. Portanto, a saúde

e assistência social ficam diluídas: “Diluída em variadas instâncias governamentais, sujeita,

na administração federal, a forte instabilidade institucional” (BRAVO; PEREIRA, 2001, p.

178).

Na verdade, o Sistema Único de Saúde, não recebe nenhum lobby, não recebe

intervenção sindical. Ocorre que a saúde pública é usada pelas camadas pobres, sem voz e

sem canais para fazer suas reivindicações, enquanto a assistência social, também não

consegue status, ou seja, ela permanece na condição assistencialista, apesar da Lei Orgânica

da Assistência Social - LOAS, em seu artigo 1º, estabelecer: “a Assistência Social, direito do

cidadão e dever do Estado” enquanto política pública de seguridade social, no entanto, não se

firma como tal.

Constata-se, contudo, que tanto a saúde como a assistência social, historicamente,

sempre são utilizadas como mecanismos do capital e do Estado para imprimir uma sincronia

entre capital e produção. Pode-se dizer que existem dois públicos alvos desses serviços. O

trabalhador remunerado/empregado utiliza-se dos serviços privados, sejam eles oferecidos

pelo grande capital ou por empresas estatais, já os trabalhadores sem vínculo empregatício, do

mercado informal, desempregado, entre outros, utilizam os serviços públicos de

responsabilidade dos governos municipais e das instituições filantrópicas.

A sobrevalorização das especificidades técnicas da previdência omite a natureza essencialmente política que esta área das relações sociais, altamente institucionalizada no mundo contemporâneo, possui. A previdência – e muito menos a seguridade – não é apenas (nem principalmente) uma dimensão do funcionamento da economia moderna sobre a qual se possa operar de forma puramente técnica. Não se equaciona a questão da previdência mediante fórmulas de maximização de eficiência, tábuas demográficas ou planilhas de custos. (BRAVO; PEREIRA, 2001, p. 179).

O segundo mito apontado pelas autoras é o mito naturalista.

[...] trata-se de atribuir à seguridade a condição de doente terminal, cujo ciclo de vida estaria se encerrando, talvez mais brevemente que o esperado – de todo modo

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teria que se encerrar um dia –, em função de inevitáveis transformações econômicas. A globalização dos mercados, a reestruturação das atividades produtivas, a desnacionalização do capital, estas forças da natureza, encurtaram o destino da seguridade (BRAVO; PEREIRA, 2001, p. 182).

Contudo, apesar de se ter uma cidadania enquanto direito, garantida pelo Estado, no

entanto, a ofensiva neoliberal tem sido um obstáculo ao seu avanço.

O neoliberalismo conforme diz Bedin “como movimento econômico, político e

jurídico, surgiu com a crise dos anos 70 do século XX, consolidou-se com as mudanças dos

anos 80 e se constituiu em modelo para o mundo” (2002, p. 132) contexto em que, no Brasil,

surgiu um novo modelo de Estado, o qual dispõe ao cidadão o direito de intervir sobre a

sociedade.

Na verdade, emerge um novo modelo de sociedade, em que o Estado autonomiza a

sociedade civil, delegando-lhe novas funções que antes estavam confiadas ao Estado.

A era dos direitos e da universalização da cidadania transformaram o Estado na

consubstanciação teórica do ideal democrático de participação igualitária no domínio social.

Isto significa que Estado e Sociedade civil vivem uma nova relação democrática. Esta relação

social exige uma convivência com uma moderna configuração democrática, conduzindo a

uma ruptura ou a uma sucessão histórica que aponte para uma nova ordem social.

O terceiro mito, de acordo com Bravo; Pereira, é o mito maniqueísta. Este mito

envolve um debate sobre a seguridade social, contribuindo silenciosamente para o

esmaecimento de sua imagem. Apontam a existência de dois exemplos que ilustram a falácia

destas dicotomias: as oposições regime de oposição versus regime de capitalização e

previdência pública versus previdência privada.

Muito superficialmente, repartição consiste num método de financiamento da previdência cujo princípio básico é o de que as contribuições realizadas durante um dado período servem para pagar os benefícios daqueles que devem recebê-los neste mesmo período. Capitalização é um método de financiamento fundado na acumulação de reservas para o pagamento futuro de benefícios; embora possa ter caráter coletivo, na maioria das vezes opera através de contas individuais (BRAVO; PEREIRA, 2001, p. 186)

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outro lobby pesado rondando a seguridade social. (BRAVO; PEREIRA, 2001, p. 192).

Por fim, é notório dizer que o neoliberalismo vem se tornando uma “esfinge” como

um sistema impenetrável, o qual vem se fortalecendo de forma hegemônica, tanto no campo

econômico e político, como no social. As mudanças ocorridas na saúde, na previdência e

assistência social, a partir, principalmente, das duas últimas décadas, demonstram o avanço

neoliberal. São mudanças que refletem sobremaneira na vida do brasileiro, pois procuram

reduzir a intervenção do Estado e ampliar os espaços de regulação pelo mercado capitalista.

Apesar do neoliberalismo se constituir em ferramenta utilizada pelos governos que

buscam atender receituários dos organismos internacionais, tais como FMI e Banco Central,

os quais tendem desmontar os projetos coletivos construídos ao longo dos tempos, por meio

de lutas dos trabalhadores, é preciso considerar que mesmo com os obstáculos e limites que

este vem imprimindo, é necessário que se tenha em mente que a história demonstra que é

lutando que se conquista, é conquistando que se obtém. Isso é um exercício de cidadania e é

democracia.

Acreditando que isso é possível é que esta pesquisa foi construída. A segunda parte

deste trabalho está centrado nos mecanismos democráticos de descentralização político-

administrativa e de participação social. Tais princípios visam a servir de lócus de estudos,

subsídios, pesquisas para as gestões democráticas, podendo se constituir em um acervo de

informações e propostas que podem subsidiar ações do conjunto dos cidadãos.

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Parte II – A Pesquisa

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2 - A METODOLOGIA DA PESQUISA

2.1 A pesquisa de campo

A pesquisa de campo perpassa o universo do Conselho Municipal de Assistência

Social de Franca, onde foi investigado como se desenvolveu o processo de formação e

implantação do mesmo, tendo como base a LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social, que

propõe a todos os entes federados um reordenamento político-administrativo, com a

implantação do sistema descentralizado e participativo na área da assistência social.

Através da pesquisa de campo foi possível conhecer como se realizou esse processo

em Franca, como se desenvolveu a participação popular, qual foi a contribuição dos sujeitos

participantes na construção, implantação e implementação do Conselho Municipal de

Assistência Social, como se deu a cidadania política na construção desse processo e o

significado do Conselho para a Política de Assistência Social no município de Franca. Estas

questões foram desenvolvidas junto aos sujeitos da pesquisa, no sentido de se obter seus

significados e sua dimensão histórica.

Trabalhou-se com as seguintes categorias que nortearam a análise e reflexão desta

pesquisa:

Á a participação popular;

Á a contribuição dos sujeitos participantes na construção, implantação e

implementação do Conselho Municipal de Assistência Social em Franca;

Á o desenvolvimento da cidadania política na construção desse processo;

Á o significado do Conselho para a Política de Assistência Social no Município.

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A partir dessas categorias, foram formuladas algumas questões, para basear as

entrevistas, semi-estruturadas, que tinham como intenção utilizar a entrevista dialogal,

portanto, as categorias serviram para nortear a obtenção dos depoimentos, não se encerrando

em si mesmas.

2.2 Métodos e técnicas

2.2.1 O método da pesquisa

Neste trabalho, utilizou-se a pesquisa qualitativa no que refere ao campo da pesquisa,

aos problemas enfocados e aos sujeitos, respeitando suas individualidades, mas buscando

conhecer sua forma concreta de pensar e agir. Para tanto, utilizou-se algumas categorias

fundamentais que são parte deste estudo, buscando conhecer ainda como estes sujeitos se

apropriaram e compreenderam o movimento da realidade de Franca, enquanto processo

dinâmico e contraditório, considerando a etapa de construção da Política de Assistência Social

no município a partir da publicação da LOAS, tendo como foco principal a criação,

implantação e implementação do Conselho Municipal de Assistência Social em Franca.

A análise realizou-se com base numa investigação junto aos sujeitos que foram

entrevistados, enquanto sujeito ator de sua história, que através de sua participação concreta,

progressiva mudaram uma realidade e buscaram construir uma nova história, portanto,

puderam ser considerados agentes transformadores e construtores da história.

A opção pela pesquisa qualitativa conferiu a este trabalho uma contextualização

sociohistórica, considerando a fala dos sujeitos, que foram respeitadas fielmente, permitindo

que se expressassem livremente. Os depoimentos, enquanto relato oral, devem ser entendidos

como fontes de conhecimento, pois exprimem uma realidade que compreende seus atos e

decisões, os quais foram obtidos através de suas experiências e concepções. Esta relação

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empírica da realidade com o sujeito, que é também dinâmica, tem um significado fundamental

na construção da história.

Deve-se justificar esta opção, pela pesquisa qualitativa, em razão da significância do

tema, considerando que os sujeitos da pesquisa fizeram ou fazem parte de um cenário de

construção ou reconstrução, cuja realidade é lócus de participação dos mesmos.

2.2.2 O envolvimento do pesquisador

Esta investigação teve também caráter exploratório, pois busca-se conhecer os

elementos que desvelam as mais recentes mudanças que ocorreram em Franca, no que se

refere à reforma político-administrativa na área da assistência social nos últimos dez anos, ou

seja, a partir da publicação da LOAS, buscando identificar como o processo descentralizado e

participativo se realizou no município.

A escolha do tema ocorreu em função da própria participação do pesquisador no

processo, ao ser protagonista na criação, implantação e implementação do Conselho

Municipal de Assistência Social em Franca e por estar envolvido num trabalho, enquanto

profissional de uma Secretaria de Estado, que tem como papel acompanhar, assessorar,

orientar, entre outras ações, o que possibilitou uma aproximação direta com o assunto,

estimulando-o a desvelar esse processo.

Portanto, a prática profissional do pesquisador e ainda participante do processo,

contribuiu sobremaneira, sendo ele também sujeito nato da pesquisa.

A perspectiva de novos conhecimentos, a importância do tema em questão, a intenção

de identificar como se realizou o processo descentralizador e seus desdobramentos, em sendo

sujeito dessa história, é mister reconhecer tratar-se de algo instigante.

É preciso considerar, ainda, que o envolvimento com a temática em estudo foi

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estimulada não só pela participação direta do investigador, como também, pela existência de

subsídios históricos, documentais, instrumentos da própria prática profissional, o que

possibilitou uma gama de informações qualitativas, contribuindo com novas interpretações e

conteúdos, com base nos conhecimentos e experiências teórico-práticas do próprio

pesquisador, que foram somados à pesquisa realizada a partir da investigação de campo.

É preciso ressaltar ainda que a experiência vivenciada tratou-se de uma relação

conjunta entre pesquisador e pesquisados, do pensar e do agir, buscando uma organização

desse pensamento, sua articulação com o real concreto, tendo como objetivo a formulação de

uma teoria.

2.2.3 Os sujeitos da pesquisa

Os sujeitos da pesquisa foram pessoas cujo perfil é de grande representatividade, ou

seja, foram sujeitos da história e tiveram participação efetiva na construção, implantação e

implementação do Conselho Municipal de Assistência Social em Franca. São pessoas, tanto

da sociedade civil, como do poder público, que tiveram papel significativo nessa trajetória,

isto é, na construção da nova política de assistência social no município, conforme perfil dos

mesmos, a seguir.

Sujeito (A):

Nome: Professora Dra. Victalina Maria Pereira Di Gianni.

Profissão: Assistente Social e Professora do Curso de Serviço Social da Faculdade de

História, Direito e Serviço Social da UNESP – Campus de Franca.

Formação: Serviço Social - PUC/SP – Graduação (1964), Mestrado (1990)

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Doutora pela UNESP – Campus de Franca (2000)

Campo de Trabalho: UNESP – Campus de Franca.

Participação no Conselho: Representante da UNESP – Campus de Franca.

Segmento: Poder Público.

Cargo: Presidente do Conselho.

Período de participação enquanto Presidente do Conselho: 2001 a 2004.

Período de participação enquanto membro do Conselho: 1997 a 2000.

Profissão e Campo de Trabalho atual: Professora da UNESP – Campus de Franca.

Sujeito (B):

Nome: Maria Aparecida Moraes Oliveira.

Profissão: Assistente Social.

Formação: Serviço Social - UNESP – Campus de Franca.

Ano em que se formou: 1989.

Mestranda pela UNESP – Campus de Franca (2005)

Campo de Trabalho: Prefeitura Municipal de Franca.

Ano em que foi admitida: 1990.

Participação no Conselho: Representante do Poder Público Municipal.

Segmento: Órgão Gestor Municipal de Assistência Social.

Período de participação no Conselho enquanto membro: 1997 a 2004.

Profissão e Campo de Trabalho atual: Assistente Social da Prefeitura Municipal de

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Franca.

Sujeito (C):

Nome: Márcio Henrique da Silva Nalini.

Profissão: Assistente Social.

Formação: Serviço Social - UNESP – Campus de Franca.

Ano em que se formou: 1983.

Mestre pela UNESP – Campus de Franca (2005) e Doutorando pela UNESP (2006)

Campo de Trabalho: Prefeitura Municipal de Franca.

Ano em que foi admitido: 1990.

Campo de Trabalho: Empresa:- Calçados Democrata.

Ano em que foi admitido: 2005.

Participação no Conselho: Representante da Sociedade Civil.

Segmento: Categoria Profissional.

Cargo: Presidente do Conselho.

Período de participação enquanto Presidente do Conselho: 1997 a 2001.

Profissão e Campo de Trabalho atual: Assistente Social de Prefeitura Municipal e de

Empresa: Calçados Democrata.

Sujeito (D):

Nome: Antônio de Pádua Faria.

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Profissão: Advogado.

Formação: Direito - Faculdade de Direito de Franca.

Ano em que se formou: 1983.

Participação no Conselho: Representante da Sociedade Civil.

Segmento: PPD – Pessoa Portadora de Deficiência (Presidente da Entidade Associação

dos Fissurados de Franca).

Período de Participação no Conselho: 1997 a 2000.

Profissão e Campo de Trabalho atual: Advogado – Autônomo.

Sujeito (E):

Nome: Silvia Cristina Arantes de Souza.

Profissão: Assistente Social.

Formação: Serviço Social.

Ano em que se formou: 1986.

Mestre pela PUC (1995) e Doutoranda pela UNESP – Campus de Franca (2004)

Representatividade: Poder Público.

Cargo: Secretária Municipal e Gestora Municipal de Assistência Social.

Período em que exerceu o Cargo de Gestora: 1997 a 1999.

Cargo: Coordenadora da Política de Assistência Social: fevereiro a dezembro de 2003.

Profissão e Campo de Trabalho atual: Professora e Coordenadora do curso de Serviço

Social da FUNEC – Fundação de Educação e Cultura de Santa Fé do Sul/SP.

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Sujeito (F):

Nome: Gilmar Dominicci.

Profissão: Assistente Social.

Formação: Serviço Social – UNESP – Campus de Franca.

Ano em que se formou: 1989.

Representatividade: Poder Público Municipal.

Cargo: Prefeito Municipal.

Período: 1997 a 2004.

Profissão e Campo de Trabalho atual: Vice-Presidente da Confederação Nacional dos

Municípios e Assessor do Líder do Governo no Senado e Deputado Federal – Aluísio

Mercadante.

Sujeito (G):

Nome: Jandira de Almeida Ramos.

Profissão: Assistente Social e Professora do Centro Universitária Barão de Mauá –

Ribeirão Preto.

Formação: Serviço Social – UNESP – Campus de Franca

Ano em que se formou: 1991.

Mestre pela UNESP – Campus de Franca (1997)

Participação no Conselho: Representante do Órgão Público Estadual (Secretaria

Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social).

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Período de participação enquanto membro do Conselho: 1999 a 2001.

Campo de Trabalho: Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social –

Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social de Franca.

Cargo: Assistente Social.

Período: desde 1992 até os dias atuais.

A escolha dos sujeitos levou em conta a participação concreta, a representatividade e

o envolvimento nas articulações, organizações, mobilizações, discussões, negociações

realizadas para a implantação da LOAS no município. Portanto, foi a expressividade da

participação dos sujeitos, o aspecto considerado marcante e fundamental nesse processo.

Fizeram parte desta investigação, um representante da UNESP – Campus de Franca,

pois foi e continua sendo um sujeito que sempre esteve envolvida com a política de

assistência social, todavia, sua participação tem sido muito importante nesse processo; dois

representantes da Prefeitura Municipal, mais especificamente, do órgão gestor da assistência

social, cuja participação foi fundamental na construção do novo modelo de Assistência Social

em Franca, tendo contribuído ativamente para ela, pois um foi membro do Conselho por um

período significativo, tendo acompanhado de forma efetiva do mesmo, o outro sujeito foi

gestor do órgão municipal, tendo também acompanhado de forma concreta a evolução desse

processo; dois representantes da sociedade civil que também tiveram papel fundamental, pois

participaram objetivamente, na organização e implantação do Conselho, enquanto membro do

mesmo, especialmente pelo fato de um dos representantes ter sido presidente do Conselho por

dois mandatos consecutivos, portanto sua contribuição foi significativa. Ressalte-se que fez

parte também da pesquisa o Prefeito Municipal que implantou o CMAS de Franca, o qual

contribuiu muito pela abertura democrática de sua gestão, em seus dois mandatos, uma vez

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que administrou a Prefeitura durante oito anos, ou seja, de 1997 a 2004, possibilitando e

promovendo grandes avanços na área da assistência social.

Importante ressaltar ainda, enquanto sujeito da pesquisa, o próprio pesquisador, por

fazer parte também da construção histórica de implantação e implementação do Conselho

Municipal de Assistência Social em Franca, sendo protagonista em todo processo de

mobilização, articulação e organização das discussões promovidas no município, portanto,

considera-se sujeito nato dessa investigação, pois o cenário trabalhado foi lócus de

participação do pesquisador.

Logo, a pesquisa contou com sete sujeitos, os quais foram co-participantes ativos no

processo dinâmico da descentralização, no município de Franca, na construção do seu

Conselho de Assistência Social.

2.2.4 A construção de hipóteses

A Constituição Federal de 1988 inova ao instituir o processo de descentralização e

municipalização, dando aos entes federados maior autonomia na gestão pública municipal. A

descentralização no Brasil, ou seja, a agenda da descentralização com participação popular, é

algo relativamente novo, uma vez que passa a ser introduzida no país a partir dos anos de

1990. Surgiu com a generalização da repulsa ao autoritarismo e com o avanço da transição

democrática.

Todavia, a descentralização passou a fazer parte das ações a serem implementadas em

cada município a partir das legislações que são regulamentadas, sobretudo na área da

assistência social, com a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social, que exige um

reordenamento institucional com a criação de Conselhos paritários, cuja finalidade é a gestão

democrática.

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Analisar a assistência social é um desafio, considerando que a conjuntura social,

econômica e política vêm provocando acelerado processo de mudanças na sociedade.

Contudo, este estudo busca realizar uma análise de criação, construção, implantação e

implementação do Conselho Municipal de Assistência Social em Franca, buscando desvelar

como se deu a descentralização da área da assistência social no Município.

Para desenvolver essa análise, foram construídas hipóteses que orientaram o estudo,

quais sejam: o autoritarismo e a centralização enquanto limites para o avanço da democracia,

impossibilitando a autonomia efetiva dos conselhos paritários. A ausência de conhecimento

da população, dos representantes e até mesmo dos profissionais, quanto ao seu papel no

exercício da cidadania política, o que os impede de participar de forma mais efetiva. Ausência

da cultura da participação, por esta ser ainda muito recente, não ter sido inserida no cotidiano

pessoal, profissional, enquanto compromisso e atividade que devem incorporar as ações

diárias de cada indivíduo. Os Conselhos, que apesar de serem espaços legítimos de

participação na construção da democracia, esta idéia ainda não está incorporada pela

população, até mesmo pelos profissionais e pelos atores que trabalham na área, seja poder

público, seja sociedade civil. A inoperância dos Conselhos por sofrer influências político-

partidárias, ideologias, interesses pessoais e particulares, acabam provocando uma

convivência não harmônica entre o colegiado, promovendo uma relação de conflitos entre

poder público e sociedade civil. A falta de transparência e clareza quanto ao uso dos recursos

públicos geridos pelos governantes; a forma como vem sendo conduzida a gestão pública; os

escândalos políticos; enfim, tais atitudes fragmentam as opiniões, desestimulam a

participação, entre outros prejuízos para o avanço da democracia. Contudo, essa ausência de

organização, representa grandes desafios ao processo participativo, impede o

desenvolvimento da cidadania política, limitando a efetividade da democracia.

É preciso lembrar que outros obstáculos se fazem presentes, tais como os lobbies que

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se desenvolvem no centro do país em Brasília, pelos políticos representantes do povo, que

acabam, na sua maioria, desenvolvendo um processo conservador, filantrópico, de barganha,

sempre visando a interesses próprios, impedindo o processo democrático de articulação,

organização das políticas sociais, sobretudo no que refere à seguridade social. Tais atitudes

refletem, sobremaneira, na assistência social, provocando o recuo dos direitos garantidos em

lei, culpando a maioria das vezes, a própria Constituição Federal pela crise brasileira e

também a ideologia neoliberal aliada ao processo de globalização, entre outros argumentos

que se usam para justificar tal crise, como, por exemplo, o desmonte dos direitos sociais que

vem ocorrendo nos últimos anos.

Sabe-se que o avanço neoliberal usa de estratégias que contra-atacam o movimento

popular, inibindo e impedindo os progressos constitucionais.

Estas hipóteses constituem o universo desta pesquisa, sendo pressupostos que guiaram

as análises. Acredita-se que no processo de construção, implantação e implementação do

Conselho Municipal de Assistência Social, tais pressupostos tenham sido enfrentados pelos

atores que participaram do processo.

Assim sendo, o Conselho, enquanto instância política, órgão público de caráter

paritário entre poder público e sociedade civil, apesar de enfrentar diversos obstáculos

advindos das conjunturas, com mudanças sociais, econômicas e políticas, são espaços que

podem enfrentar e contribuir para a superação dos limites que porventura possam surgir.

O Conselho por ser representado por pessoas cuja participação é efetiva, é que vai dar

a ele um caráter legítimo de espaço da cidadania política, coletiva, participativa, em que

promove o desenvolvimento pleno da democracia.

Contudo, é a prática da participação efetiva, enquanto cidadania política que determina

a legitimação do Conselho enquanto espaço de conformação da democracia.

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2.2.5 As entrevistas

Na investigação, foi utilizado o gravador como instrumento para colher os

depoimentos que foram previamente marcados, agendados e feitos em locais neutros,

realizado em dia e horário definido pelos sujeitos, de forma que estes pudessem sentir-se a

vontade para falar sobre suas idéias e concepções, bem como expor suas críticas sem nenhum

constrangimento.

No contato com os sujeitos foram explicados os objetivos da entrevista, ocasião em

que foi solicitada autorização para o uso do gravador para a coleta dos dados, sendo que todos

autorizaram sem nenhum problema.

Foi destacada a importância da colaboração de todos na construção da pesquisa, por

serem, os mesmos, sujeitos construtores da história, uma vez que tiveram participação efetiva

na implantação e implementação da política de assistência social em Franca, a partir da

LOAS.

As questões apresentadas aos depoentes foram abertas e dialogais, possibilitando dar

abertura e dinamicidade para apresentarem suas considerações, seus pontos de vista, de forma

que ficaram bem à vontade para apresentarem seus relatos, pois são sujeitos que através de

sua ação transformadora exercem ou exerceram funções sociais, contribuem e contribuíram de

forma espontânea, porém comprometida com um ideal, com a coerência, com a organização,

num processo político-social, isto é, com vistas a uma coletividade.

Estabeleceu-se, ainda, uma relação amigável uma vez que o pesquisador enquanto

sujeito também da história, possibilitou um diálogo, numa dimensão de confiança e

espontaneidade.

A utilização do diálogo é uma forma privilegiada de ação, para obtenção de

informações, por isso é uma via que pode ser explorada numa pesquisa, pois o diálogo é uma

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mediação que se situa, por sua vez, numa relação complexa entre pesquisador e pesquisado,

sujeito e objeto, numa relação de forças, porém, nesse caso, amigável, sem conflitos ou

divergências e sim de complementaridade.

Esse procedimento foi significativo para a pesquisa, uma vez que mostrou a dimensão

representativa de cada sujeito, seu papel social relevante e sua representatividade na

construção da história.

O método utilizado foi o dialético, o que possibilitou dimensionar a participação dos

sujeitos, bem como, fazer a relação ao tema estudado e os objetivos da pesquisa, numa

perspectiva dinâmica que pode ser compreendida como mediação com vistas à construção

teórica e ao conhecimento da realidade, visualizando a pesquisa como instrumento de

mediação entre o sujeito e o objeto que forma um todo, que por sua vez se constitui

dialeticamente.

É evidente que em sua essência, o conhecimento teórico sobre a realidade se constitui

historicamente, representa e atribui novos conhecimentos, ou seja, a partir do desvendar das

situações existentes nas relações sociais do conhecimento teórico sobre a realidade, poder-se-

á construir novas teorias.

É nesta perspectiva que se construiu este trabalho, para ser mais um instrumento de

reflexão para aqueles que se servirem dele, pois foi elaborado com base numa investigação

teórico-prática de determinada realidade histórica, baseada no agir social-humano, onde se

buscou analisar a articulação global do particular ao geral e do geral ao particular.

2.2.6 Análise e interpretação dos dados

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, assim sendo, a análise dos dados da pesquisa de

campo se realizou após a coleta de todos os depoimentos.

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Na análise e interpretação dos dados coletados, trabalhou-se com vistas a compreender

o sentido social e a dimensão política dessa pesquisa. Com base em Minayo (2001, p. 68):

“[...] a análise e a interpretação estão contidas no mesmo movimento: o de olhar atentamente

para os dados da pesquisa”, é que se propõe uma construção coletiva, partindo da

singularidade dos sujeitos, enquanto cidadãos políticos e no exercício democrático de sua

cidadania e também sujeitos da história; portanto, nesta fase da pesquisa procurou-se, ainda,

de acordo com Minayo “[...] estabelecer uma compreensão dos dados coletados, confirmar ou

não os pressupostos da pesquisa e/ou responder às questões formuladas, e ampliar o

conhecimento sobre o assunto pesquisado, articulando-o ao contexto cultural do qual faz

parte” (2001, p. 69).

Todavia, a construção da pesquisa em sua análise e interpretação teve como objetivo

desvendar o significado e a significância das ações e das relações dos sujeitos que

estabeleceram e criaram estruturas sociais.

Com base nos dados obtidos, ou seja, do conhecimento da realidade concreta, buscou-

se trabalhar a teoria que serviu à análise; utilizou-se o conhecimento teórico e o olhar da

pesquisadora, enquanto também sujeito da história, na realização de uma análise crítica e de

uma visão humanista dialética, vendo o homem construtor e fazedor de sua história, sendo ele

responsável na condução da história e suas transformações.

Além da documentação oral e do referencial teórico que guiou a análise dos dados,

utilizou-se também da fonte documental, obtida pelo próprio pesquisador, que mantém em

arquivo o registro de fatos e acontecimentos relativos ao tema. Portanto, foram informações

que serviram sobremaneira nas reflexões e nas análises.

As análises foram feitas levando em conta o contato direto com os sujeitos da

pesquisa, até porque, o pesquisador também foi co-participante no cenário histórico; a

importância da experiência social dos mesmos e sua singularidade, enquanto sujeitos políticos

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construtores de uma história.

Nos dados obtidos, conforme a proposta de estudo, buscou-se conhecer como se

desenvolveu o processo de criação do Conselho Municipal de Assistência Social em Franca,

buscando identificar como se deu a municipalização; como se legitimou a participação

popular e a cidadania política entre os envolvidos. Nesse sentido, a análise se baseou na

participação dos sujeitos nesse processo; como viram a participação popular e a participação

da categoria profissional de serviço social; a contribuição dos sujeitos na construção do

Conselho em Franca; os avanços e os desafios enfrentados e apontados pelos sujeitos; como

identificam a cidadania política nessa emergência e o significado do Conselho na política de

assistência social para o município de Franca.

Tais aspectos só foram possíveis levantar no decorrer da análise, sendo pontos

importantes que foram bem trabalhados na conclusão.

Contudo, a partir da sistematização e do conhecimento de determinados fatos que

passaram a ser conhecidos ao coletar-se os dados, e com a análise feita, se obtêm um novo

conhecimento, tendo como base uma realidade. É a partir de então que se pode dar respostas

aos questionamentos que por ventura um pesquisador se propõe, se formula e busca

desvendar, desvendando obtêm-se esse novo conhecimento.

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3 OS RESULTADOS DA PESQUISA 3.1 O Conselho Municipal de Assistência Social de Franca - CMAS

3.1.1 O Conselho Municipal de Assistência Social de Franca: construção histórica

Em 1993, foi aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social, após intensas discussões,

negociações de vários projetos e emendas, sendo sancionada, pelo então Presidente da

República Itamar Franco, no dia 07 de dezembro e publicada no Diário Oficial da União em

08 de dezembro de 1993.

A promulgação da LOAS significou a exigência de um novo reordenamento e extinção

das instituições gestoras da Assistência Social no Brasil. A partir de sua regulamentação,

começa-se uma grande luta para a sua implantação.

Consignada como política pública, propõe romper com uma longa tradição cultural e

política, devendo então ser concebida numa dimensão da política de seguridade social de

caráter não contributivo, direito do cidadão e dever do Estado. Dessa forma as ações

governamentais deveriam organizar-se a partir das seguintes diretrizes:

1. descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas

gerais à esfera federal; e a execução dos respectivos programas às esferas estadual

e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;

2. participação da população, por meio de organizações representativas, na

formulação das políticas e controle das ações em todos os níveis.

Tais princípios constam do modelo constitucional federalista, que aponta, de forma

indiscutível, como a descentralização deveria ser construída e definida sob comando único em

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cada esfera de governo, e possibilitando o fortalecimento da capacidade decisória das

instâncias participativas a nível local.

Mas, apesar desta lei estar regulamentada a partir de 1993, ainda em 1994 e 1995 a

FLBA – Fundação Legião Brasileira de Assistência, continuava a financiar programas e

projetos, diretamente, junto aos municípios e entidades sociais, assim como a CBIA – Centro

Brasileiro de Proteção à Infância e Adolescência, órgão ligado ao Ministério do Bem-Estar

Social, atuava nas áreas de família, criança e adolescente.

A partir de 1º de janeiro de 1995, foram extintos, criando-se o Ministério da

Previdência e Assistência Social e uma Secretaria de Assistência Social a ele vinculada.

Assim, coube à referida Secretaria o processo de transição para a implementação da LOAS,

cabendo ainda o repasse dos serviços de ação continuada, buscando garantir que as mesmas

não sofressem descontinuidade. Portanto, ainda neste ano, os recursos continuaram sendo

repassados de forma direta e programática.

Em 1996, a Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social, órgão de comando

único do Estado de São Paulo, iniciou um processo de implantação da LOAS, buscando

sensibilizar, articular, mobilizar segmentos, autoridades, profissionais, atores da área da

assistência social, entre outros, não medindo esforços para tal objetivo.

O grande desafio para essa Secretaria foi assessorar, orientar os municípios na

implantação dos Conselhos Municipais de Assistência Social, visando assim, garantir que a

cidadania local fosse representada nessas instâncias deliberativas e participativas.

Assim, logo no inicio desse mesmo ano, começam no município de Franca, as

articulações para implantação do referido Conselho Municipal de Assistência Social.

Para desenvolver essa articulação, foi formada uma “Equipe de Ação Integrada” que

consistia em representantes: da Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social; da

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Secretaria Municipal de Promoção Social; da Secretaria de Saúde; da Universidade Estadual

Paulista – UNESP – Campus de Franca; representante da categoria dos Assistentes Sociais e

do CEAF – Conselho de Entidades de Assistência de Franca.

É importante ressaltar que os representantes que compõem essa comissão tiveram

fundamental importância, pois como se verá no decorrer da pesquisa, muitos deles

continuaram a fazer parte da luta pela implementação do Conselho, bem como, continuaram

engajados no processo de construção da Política de Assistência Social em Franca,

demonstrando que o compromisso com a participação na construção do Conselho não era só

profissional, mas foi também um comprometimento pessoal, enquanto cidadão, sujeito

construtor da história. Portanto, alguns desses sujeitos foram escolhidos para fazer parte deste

estudo, enquanto pessoas que participaram da história, colaboraram e apoiaram ativamente a

construção do Conselho Municipal de Assistência Social, os quais continuaram ou continuam

atores nesse processo.

O investigador enquanto sujeito também desta história, representa um referencial

importante na análise dos depoimentos colhidos, aqui apresenta seu olhar pessoal e

profissional, enquanto executor de uma função social, pois considera seu trabalho social um

instrumento de ação transformadora. Portanto, mantém uma postura de permanente estado de

alerta ao exercitar sua consciência crítica, tanto por ser participante do processo, que deve ser

considerado uma atividade social, bem como ao considerar o significado social desta ação,

onde se desenvolveram relações sociais humanas, revelando-se a existência social dos sujeitos

participativos.

Ao analisar a participação dos sujeitos, construtores da história, pôde-se perceber

como isso se revelou e como entenderam a participação e sua importância na construção,

implantação e implementação do Conselho Municipal de Assistência Social em Franca,

conforme pode se ver nos depoimentos, apontados pelos entrevistados (A), (D), (F),

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sucessivamente:

[...] sempre tive a preocupação de estar envolvida nas questões da construção da assistência social na cidade de Franca, então eu já tinha participado e vinha participando no CMDCA, que foi toda uma caminhada para estar implantando esse Conselho e conseguindo que ele efetivamente funcionasse, isso em 1990[...] Em relação ao Conselho da assistência social eu sinto assim, que foi uma organização pautada pelo carisma, pela forma como eu sempre encarei a prática da profissão serviço social, agora pessoalmente, enquanto cidadã, eu diria que é uma norma, é uma orientação pessoal de estar devolvendo para os outros aquilo que me foi possibilitado aprender, então eu me preocupava sempre em estar assumindo um compromisso na comunidade [...]. Eu achei muito gratificante e proveitosa, na época como era uma coisa nova que estava surgindo, foi necessário um engajamento, e como o meu segmento, era um segmento que tinha na época mais de 5.000 pessoas usuárias, que era o segmento dos portadores de necessidades especiais, então realmente houve, em nível de entidade [...] um engajamento e definição de prioridades [...] Pelo fato de ocupar o cargo de Vereador na ocasião que foi discutido a implantação do Conselho, a discussão da lei, eu como Vereador, participei dessa discussão, principalmente como Assistente Social, já era formado, sem exercer a profissão de fato, mas considerando as preocupações que eu tinha em relação à essa questão, a minha própria formação, isso me motivou como assistente social e como representante da Câmara Municipal.

O depoente (F) considera importante a oportunidade de ter participado e contribuído,

pois era um representante do povo no município:

Eu tinha essa responsabilidade de ajudar nesse debate, nessa discussão da lei que implantou o Conselho Municipal de Assistência Social, como um instrumento importante pra discussão e definição das políticas públicas, principalmente das políticas sociais do Município, então eu tive a oportunidade de discutir na ocasião o Projeto [...]

Aponta ainda a importância de além de participar enquanto cidadão, também mostra o

real papel do Legislativo:

Eu acho que não só o Conselho da Assistência, mas todos os Conselhos, o fato de você poder preparar e aprovar uma lei, criando um Conselho, envolvendo as pessoas dessa área, seja ele um Conselho da Assistência ou Saúde, ou da Segurança, qualquer Conselho, é um espaço que você cria pra ajudar a discutir e encaminhar as questões da área.

Diante do que colocam os entrevistados, percebe-se logo um compromisso pessoal,

profissional, político, assumido pelos mesmos, onde demonstram haver um envolvimento

consciente e seguro, pois marcaram presença no cenário político daquele momento, o que

propiciou as condições de materialização do processo de construção de uma nova

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institucionalidade em Franca.

Era um momento de construção, que começou pela sensibilização e articulação dos

atores. Para todos, era um processo novo que deveria ser trabalhado, discutido, a fim de

encontrar caminhos que pudessem nortear toda discussão e para isso era fundamental o apoio

e o envolvimento dos atores sociais, dos profissionais, e a partir daí, envolver a população

como um todo.

O sujeito (B) considera que houve uma participação significativa, pois, em seu

depoimento aponta:

[...] eu cheguei assim no momento inicial [...] não sabia como fazer, eu acho que nenhum município sabia, e eu acho que foi um processo super-rico, quando começaram as reuniões para implantar o Conselho, nós movimentamos toda a sociedade de Franca, [...] chamamos todas as organizações, todas as representações do município para participar das Assembléias para tirar a composição do Conselho. A maioria das pessoas não sabia o que era a LOAS, o que era o Conselho [...].

Por iniciativa da Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social – SCFBES,

realiza-se a primeira reunião no dia 12 de fevereiro de 1996, tendo a participação efetiva do

representante desta Secretaria. Conforme documento obtido na mesma, em “manuscrito”,

pode-se perceber a participação do pesquisador, ao ser a co-autor do documento que buscava

sensibilizar os diversos segmentos da sociedade para participar desta primeira reunião que

tinha como objetivo envolver os diversos atores numa ampla discussão para elaboração da Lei

de criação do CMAS-Conselho Municipal de Assistência Social em Franca, conforme

documento abaixo:

Convite

No momento atual o Brasil passa por uma fase de reconstrução da cidadania.

Para sua real efetivação, é necessária a participação de todos nós nas discussões sobre como nossa cidade se organizará.

Face a esta realidade convidamos V.S.as., e demais representantes de sua organização, para participar da 1ª reunião que se realizará no dia 12.02.96, ás 19:30h., (na UNESP – à Rua Major Claudiano, 1.488), cuja pauta versará sobre – LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social e suas implicações.

Na certeza de contarmos com a participação e representatividade de sua organização, agradecemos.

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Equipe de Ação Integrada

O Convite foi enviado às diversas organizações governamentais e não-

governamentais, tais como: PROHAB, DINFRA, Conselho de Saúde, Representantes da

Categoria de Assistentes Sociais, Comissão pelos Direitos Humanos, Delegacia de Defesa da

Mulher, Delegacia de Polícia Militar, Delegacia de Policia Civil, Guarda Municipal, Corpo de

Bombeiros e representantes civis da LOAS do Município.

Na verdade, a Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social, órgão gestor

Estadual, tinha como papel essa articulação, portanto, os municípios contavam com esse apoio

para dar inicio ao processo, de acordo com esse depoimento do sujeito (A):

[...] a expectativa era de que o próprio órgão Estadual estimulasse as discussões em âmbitos regionais, municipais, então enquanto profissional nós ficamos assim um pouco na expectativa de que viessem orientações, diretrizes [...]

Dessa reunião, pode-se identificar o comprometimento por parte de alguns

profissionais representativos, que sensibilizados, preocupados e buscando participar,

iniciaram uma proposta em torno da criação do Conselho, constituindo assim, uma Comissão

para discutir e propor um projeto de Lei de Criação do Conselho Municipal de Assistência

Social de Franca. Essa comissão tinha como membros, representantes das seguintes

instituições: Creche São José, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Franca,

Creche Bom Pastor, Secretaria Municipal de Saúde, Delegacia da Mulher, UNESP – Campus

de Franca; representantes de Grupos de Idosos; Profissionais da Prefeitura Municipal das

áreas: assistência social, comunicação, administração; além de representante do órgão

Estadual, ou seja, da própria Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social, tendo à frente

o próprio pesquisador, que se preocupou em registrar o desenrolar das discussões.

Foram realizadas assembléias tendo como objetivo avançar nas discussões em torno da

própria LOAS e o reordenamento na área da assistência social em Franca e até mesmo

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buscando introduzir novas concepções em relação à assistência social, conforme pode se ver

nos depoimentos de (B) e (A), respectivamente:

[...] a gente aproveitava essa oportunidade para estar esclarecendo o que era a LOAS e tentando trabalhar esses aspectos aí da Lei Orgânica, da Assistência Social como direito, do Conselho como local de controle social e participação popular [...] [...] eu participei de várias discussões em âmbito nacional e estadual para organização do atendimento na área da criança e do adolescente, depois com a publicação do ECA, eu me enfronhei até nessa questão, mas como cidadã, eu já participava, voluntariamente, da Pastoral do Menor e lá aprendi muito o trabalho e discussão em grupo. Essa discussão conjunta, a linha diretiva [...] não diretiva de determinar, mas de direcionar uma unidade de discussão e de construção das situações dos programas [...] essa metodologia de trabalho que a gente aprendeu na Pastoral [...] eu trazia para essa discussão conjunta com outros colegas da assistência social daqui do município, a metodologia da Pastoral, que é a metodologia da participação, dialogal, crítica, comunitária, pessoal, familiar [...]

Observa-se no depoimento do sujeito (A), a seguir, a importância das experiências

profissionais e pessoais trazidas pelos atores, o que muito contribuiu para delinear propostas,

explicar a realidade, pensar estratégias mediante um “conhecimento”, um “saber” que pode

ser entendido como a chave do sucesso de uma proposta.

[...] a discussão envolvia todos que pudessem estar apresentando sugestões, discussões, e com isso nós começamos a nos reunir, os assistentes sociais, tanto da sociedade civil, quanto do poder público e outros representantes, pra discutir então esses documentos que a gente foi conseguindo da LOAS [...] nós começamos a rascunhar uma proposta de lei que pudesse criar o CMAS aqui em Franca e a nossa preocupação era estar envolvendo o máximo possível de pessoas que representassem as várias áreas da vida da comunidade.

No depoimento dos sujeitos (C) e (D) pode-se analisar um outro aspecto fundamental

que a participação promove àqueles que de fato se envolvem, ingressam e interagem, de

forma comprometida com determinado objetivo:

[...] pra mim, ter participado desse processo, ter sido indicado representante da categoria como integrante do Conselho, depois ter sido eleito presidente desse Conselho, foi uma experiência muito boa, muito interessante, me proporcionou um crescimento pessoal e profissional muito grande porque você passa a lidar com a política de assistência como um todo, porque por mais que a gente queira, que a gente estude, tanto na Prefeitura, ou estudando isso, você realiza práticas particularizadas, você não tem idéia do todo, agora quando você vai pro Conselho, não, aí você necessariamente tem que ter a idéia do todo, você começa a vislumbrar esse todo, então pra mim foi uma experiência muito boa [...]. [...] o pouco que eu tinha de conhecimento da assistência e de políticas sociais [...] foi enriquecido, porque houve uma simbiose, uma troca de experiências, por que quando da adaptação da Lei (LOAS) e principalmente da formalidade, como da

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prática no Conselho, no agir, eu entendi que foi muito importante, foi muito gratificante.

Diante disso, pode-se dizer que a participação possibilita apropriação de

conhecimentos e não só está vinculada à cultura, aos valores, aos hábitos. Os instrumentos,

tais como a leis, enquanto um potencial teórico, são importantes para guiar as ações dos

cidadãos; são suportes para a construção de espaços participativos e democráticos. É

fundamental observar as transformações operadas no âmbito do conhecimento e da cultura

política dos sujeitos o que pode levar a um processo de fortalecimento da participação cidadã.

Já o sujeito (E) coloca que a população não participou, houve a participação de

algumas pessoas que tomaram a frente desse processo, articulada pela Secretaria de Estado:

A participação da população ela é delicadíssima [...] a gente não conseguiu avançar, isso não foi só em Franca, mas acho que é uma avaliação geral [...] eu não vejo que houve uma participação da população nesse processo [...] eu entendo assim que os órgãos que tinham que zelar pela regularidade desse processo [...] se pautaram por uma ação [...].

Em um outro momento, fala de sua participação:

A minha participação ela ficou muito colada à participação da Secretaria e que eu acho que foi fundamental, sem a gente ter realmente acreditado que nós tínhamos que investir nisso, eu acho que não teria avançado o que avançou, eu não consigo ver só a minha participação, acho que ela está colada, do ponto de vista institucional, ao papel que eu exercia junto à Secretaria.

Conforme os documentos apontam - pois o pesquisador enquanto sujeito registrava os

acontecimentos e o andamento das discussões - em 29 de fevereiro de 1996 a comissão volta

a se reunir, tendo como objetivo discutir a questão da representatividade paritária que deveria

constar no Projeto de Lei e quais segmentos deveriam se fazer representar no Conselho.

No dia 07 de março de 1996, nova reunião é realizada pela comissão, buscando dar

continuidade às discussões, definindo desta vez, a representatividade do CMAS, tanto do

Poder Público como da Sociedade Civil.

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É importante ressaltar que a cada reunião, os membros tinham como tarefa trazer e

apresentar sugestões na elaboração e formulação do Projeto de Lei, pois cada um ficava

responsável por um capítulo, conforme pode ser demonstrado no Anexo A.

Em 14 de março de 1996, a comissão voltou a se reunir, porém, a discussão não

acompanhou a pauta definida anteriormente, pois os presentes acharam por bem rever a não-

participação do representante do prefeito municipal nas discussões, considerando ser essa uma

questão de suma importância. Esta questão tornou-se uma preocupação uma vez que o poder

público quase não se fazia representar.

É importante salientar que um Conselho Municipal, da forma como está previsto, tem

caráter público, está vinculado à administração pública, portanto, deve receber apoio

estratégico do governo local, especialmente do órgão gestor da assistência social.

É preciso também levar em conta que a “vontade política” é um pressuposto básico

para o “fazer democrático” e o “fazer acontecer”, isto é, o poder político precisa

necessariamente estar integrado aos grupos populares, ele não pode constituir-se num

adversário.

Sabe-se, no entanto, que a participação de atores muitas vezes é impedida por atitudes

autoritárias de pessoas que cerceiam o envolvimento de outras pessoas que muitas vezes

encontram-se no papel de seus subordinados. A ausência de clareza, do conhecimento, de uma

cultura democrática, a resistência às mudanças, muitas vezes limita e até mesmo tornam-se

obstáculo ao desenvolvimento de uma sociedade.

Tais condições podem ser evidenciadas por ocasião da realização das assembléias,

conforme demonstra este depoimento do sujeito (A):

[...] o poder público municipal, nessa ocasião, estava muito dividido, havia alguns, vamos chamar de “chefes de departamentos” onde os assistentes sociais que queriam participar desse movimento, querendo estar presente nessas discussões, tinham dificuldade de liberação do horário de trabalho pra vir discutir e participar [...].

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Outro aspecto ainda existente nas administrações públicas é a presença de pessoas

leigas que acabam assumindo posições de comando e não conseguem acompanhar ou não

conseguem ter uma visão da dimensão e da importância de determinadas ações, o que impede

ou atravanca o processo, impedindo que pessoas se envolvam e participem.

Isto também pode ser evidenciado neste depoimento de (A):

[...] eles determinavam quem devia e quem não devia participar [...] proibiam que outros profissionais que tinham gabarito significativo também viessem participar das discussões, então nós tínhamos reuniões assim com altos e baixos, reuniões em que quando esses profissionais podiam, e até algumas, nós andamos marcando fora do horário de serviço, outras em horário de serviço [...] pra facilitar a participação, porque independente da chefia autorizar ou não, elas queriam participar deste processo e com isso foi uma forma de participação dialogada, comunitária que a gente foi conseguindo avançar e construir a proposta de uma primeira lei [...].

É nesse momento que as estratégias precisam fazer parte das lutas dos grupos

populares, buscando ações táticas, como negociações, visando garantir direitos ou estabelecer

outros meios e não esperar o “bom senso” ou a “boa vontade” daqueles que se encontram do

outro lado ou que insistem em não colaborar.

Muitas vezes é preciso usar de “pressão”, devendo ela ser bem elaborada, esclarecida,

crítica e sistemática.

Contudo, ao fazer parte dessa luta no município de Franca, pode-se dizer que foi

utilizada uma estratégia objetivando não só provocar maior participação e envolvimento do

poder público, como também da sociedade civil, uma vez que se percebia o esvaziamento nas

assembléias. Portanto, nesta mesma reunião, decidiu-se mudar o local dos encontros, visando

oferecer melhor acesso aos participantes. Nota-se, portanto, a preocupação da comissão em

possibilitar a efetiva participação de seus membros, buscando alternativas que pudessem

facilitar essa articulação. É sabido que esse compromisso depende da vontade e da

responsabilidade de cada um, pois requer um envolvimento político, cultural, social,

enquanto sujeito histórico.

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Pôde-se perceber que a comissão já estava sentindo que aquele grupo poderia sofrer

um processo descontínuo, e foi o que acabou ocorrendo, pois ao se reunir em 21.03.96, o

número de participantes estava muito reduzido, o que impossibilitou a continuidade das

discussões.

Revendo a documentação, analisando as informações nela contidas, percebe-se que a

Comissão, no decorrer das reuniões, vinha apresentando certo desinteresse, especialmente por

parte do poder público municipal quanto à participação e discussão da questão que estava

posta e que deveria ser construída.

Na verdade, o que se nota é o fenômeno da apatia à participação que se manifesta

através do desinteresse.

Muitas desculpas são justificação do comodismo, já que participação supõe compromisso, envolvimento, presença em ações por vezes arriscadas e até temeráveis. Por ser processo, não pode também ser totalmente controlada, pois já não seria participativa a participação tutelada, cujo espaço de movimentação fosse previamente delimitado (DEMO, 2001a, p.19-20).

Entende-se dessa forma que a participação deve partir de uma nova visão que envolve

o querer comprometer-se e esse compromisso não deve ser imposto, pois a verdadeira

participação deve ser conquistada, isso fundamenta a dimensão básica da cidadania.

Nesta perspectiva, pode-se considerar que a participação é uma ação humana que se

constitui numa práxis, pois refere-se a busca da emancipação de uma sociedade. No entanto,

para ser práxis, essa ação deve estar comprometida com uma mudança de comportamento, de

conduta, de cultura, deve ser transformadora. Na verdade, uma ação pessoal ou profissional

para ser entendida como práxis deve conter um compromisso com a sociedade e com a

humanização dos homens, isso significa a plena integração do profissional ou do individuo ao

sistema político-econômico e social. Nesse sentido pode-se afirmar que a presença do

potencial político é fundamental para que uma ação se efetive.

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Isso é cidadania, pois representa a busca de defesa de interesses próprios, bem como

de todo um coletivo, por isso a importância da participação de todos numa construção

coletiva. Constitucionalmente, esta passa a ser também um dever de todo cidadão, não sendo

só um direito.

Enquanto técnico da Secretaria, no papel de acompanhar e assessorar a constituição

deste Conselho em Franca, percebeu-se que o processo de participação era um grande desafio

que a sociedade iria enfrentar e que se apresentava como um impasse no encaminhamento

dessa construção que deveria ser coletiva e, portanto, a função deste órgão público estadual,

de comando único, seria estimular o município, participando sistematicamente das reuniões.

É importante apontar que:

Talvez não esteja em nossos hábitos participar. É mais prático receber as coisas dos outros, mesmo porque é um projeto milenar viver às custas dos outros. Em grande parte a história da humanidade é profundamente isto. Na verdade, é uma situação provocada por uma sociedade autoritária e que convive com regimes autoritários. A tal ponto, que a participação assusta (DEMO, 2001a, p. 25).

A ausência de organização da sociedade é histórica, a não-participação torna mais fácil

uma gestão autoritária e tutelar, no cumprimento de mínimos sociais. A realidade é que o

Estado acaba cumprindo o mínimo dos mínimos, privilegiando um compromisso com a classe

dominante, uma vez que tem sob seu domínio uma sociedade reprimida e desmobilizada.

Diante da ausência de participação e na tentativa de envolver o Prefeito nessa

discussão, considerando ainda, o número reduzido de participantes, os representantes da

comissão, decidiram marcar reunião com o Prefeito Municipal, a fim de informá-lo sobre os

recentes acontecimentos.

Considerando o sério propósito e interesse em dar continuidade àquelas discussões,

buscou-se sensibilizar a comunidade (entidades sociais, população) e as autoridades no

sentido de trazer a cooperação de todos neste processo, assumindo como questão de todos e

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não somente do Estado. Assim, em 18 de abril de 1996, a Comissão apresenta um documento

(Anexo B) demonstrando que essa era uma responsabilidade de todos.

Neste documento10 pode-se perceber a tentativa de sensibilização da sociedade

francana e que a mesma precisava se organizar para conquistar seu espaço, para gerir seu

próprio destino no que se refere à assistência social, devendo ter vez e voz, e este é o

fundamento da participação. Esta participação deveria se dar por meio do Conselho que

deveria ser criado, instituído, enquanto instrumento de participação, porquanto, democrático.

Mas para isso era preciso também que a esfera municipal estivesse presente. Este era

um processo que envolvia o poder público local e a sociedade civil, numa parceria, devendo

ter o mesmo objetivo, ou seja, caminhar na mesma direção, para construção do CMAS de

Franca, pois,

Para que o Estado cumpra sua função de espaço estratégico de luta democrática, é mister concebê-lo como instância instrumental da sociedade e nunca escamotear sua tendência histórica típica de representar os iguais. O Estado serve à sociedade, não por vocação, mas por pressão, de baixo para cima. Aí está o problema que é mister atacar. Uma sociedade civil não organizada, ou mais propriamente organizada para a submissão, não tem condições de defender seus interesses frente aos interesses dominantes e do Estado (DEMO, 2001a , p. 32)

Entende-se dessa forma que o início de processos participativos está na capacidade de

organização da sociedade civil, pois só assim ela consegue expressar-se enquanto força na

busca de interesses que lhe são próprios.

Avida desse princípio, a Comissão buscou motivar e mobilizar a organização da

sociedade civil, através de outras estratégias, tais como o uso da comunicação. Portanto, são

publicados em jornal local (Anexo C) textos que podem ser considerados como um “apelo”

buscando a adesão de todos nessa luta.

10 Analisando o documento (Anexo B), percebe-se ainda que esse seria um momento propício para que os cidadãos pudessem engajar-se num processo participativo e de exercício da cidadania, uma vez que se abriam canais de participação, os quais eram característicos e decisivos. Seria imprescindível a organização da sociedade civil , por isso ela era chamada a participar.

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São colocados a público que reuniões estavam sendo realizadas e quais seus objetivos,

sendo estas abertas à população. A comissão, inclusive o próprio investigador, é identificado.

Sendo protagonista nesse processo, participa como profissional, representando a Secretaria da

Criança, Família e Bem-Estar Social, órgão estadual de comando único em âmbito estadual e,

enquanto cidadão francano e sujeito, no uso de seus direitos. Outros atores também são

identificados bem como a quem representavam. Enquanto sujeito, ao ter participado do

processo e hoje analisando estes documentos percebe-se que a Comissão encontrava-se neste

estágio, bastante reduzida em número de participantes, porém, isso não os impediu de

continuar neste propósito.

As publicações tentaram levar a público as mudanças que estavam ocorrendo na área

da assistência social, falando da municipalização do atendimento aos cidadãos e que esta

dependia da participação popular, sendo uma oportunidade de todos reivindicar direitos e

necessidades. Faziam a “chamada” para que toda população participasse das discussões que

estavam sendo realizadas através das reuniões sistemáticas.

Enfim, a comissão usou de algumas estratégias para atingir seus objetivos, mas os

avanços, pode-se dizer, não foram tão animadores conforme se esperava o que pode ser

evidenciado nestes depoimentos de (C) e (E):

Olha, a participação da população foi uma coisa complicada, relativamente muito pequena se comparado ao que a gente esperava, houve na verdade a participação dos segmentos interessados, aquelas pessoas que trabalhavam com a assistência social, representantes de entidades, profissionais que participaram do processo, agora, não houve uma participação da população como um todo como a gente esperava, mas imaginava que fosse realmente difícil de acontecer [... ]. A gente conseguiu envolver os dirigentes de entidades, técnicos, mas a população usuária nesse período não foi possível.

Na verdade, a intensidade da organização da sociedade civil era muito baixa. Isso se

deve é claro ao desconhecimento desse exercício de cidadania que depende de um processo

educacional para que ela se desenvolva. A educação deve ser um instrumento de participação

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política, “cremos que a função insubstituível da educação é de ordem política, como condição

à participação, como incubadora da cidadania, como processo formativo. Se um país cresce

sem educação, não se desenvolve sem educação”. (DEMO, 2001a , p. 52)

Nesse sentido a educação deve: levar à participação, desenvolvendo nos cidadãos uma

consciência crítica e não construir meros cidadãos para o trabalho; instruir cidadãos para

além de trabalhadores treinados, só assim pode-se construir uma sociedade participativa, onde

a cidadania popular se realiza.

Outro aspecto importante como instrumento de participação é a cultura que significa:

[...] produto tipicamente humano e social, no sentido da ativação das potencialidades e da criatividade de cada sociedade, com relação ao desenvolvimento de si mesma e ao relacionamento com o ambiente. É marca do homem sobre a terra, principalmente na região simbólica, como capacidade de se criar e desdobrar em suas potencialidades próprias e como capacidade de interagir com as circunstâncias externas dadas (DEMO, 2001a , p.55).

Pode-se considerar portanto, a característica política da cultura e sua importância na

instância local de poder. É preciso que a cultura da participação seja criada. Sabe-se, no

entanto, que permeiam na sociedade, traços assistencialistas. O governo serve ao povo e este

obedece. Por isso é difícil organizar-se, mobilizar-se, pois não há uma consciência mínima de

que através da participação o homem pode mudar, conquistar, fazer história.

Acostumada a ser manipulada, a sociedade se mostra desestimulada, despreparada,

descomprometida, não havendo o exercício da cidadania participativa.

Na sociedade brasileira, há que se lembrar dos rastros deixados pelos governos

militares quando eram proibidas manifestações, apesar de haver contestações, no entanto, a

dominação pelo Estado é um fato.

Mas, essa realidade é modificada com o advento da Constituição de 1988 que coloca a

participação como princípio básico para construção de uma nova sociedade democrática,

introduzindo avanços que buscaram corrigir as históricas injustiças sociais acumuladas

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durante muito tempo.

A descentralização é o marco dessa proposta, em que se busca a democratização das

políticas públicas, com a criação de um novo pacto federativo, onde o município passa a ser

reconhecido como ente autônomo da federação, ficando este com a responsabilidade e

competências em definir suas ações e gerir recursos destinados às políticas públicas. Entre as

competências devidas que devem estar voltadas para o fortalecimento desta nova estrutura

organizacional no município, encontram-se o controle social e a participação da sociedade

civil, cabendo ainda a co-participação nas decisões políticas.

A Constituição Federal de 1988 introduz também a idéia de controle social que,

Historicamente, a categoria controle social foi entendida apenas como controle do Estado ou do empresariado sobre as massas. É nessa acepção que quase sempre o controle social é usado na Sociologia, ou seja, no seu sentido coercitivo sobre a população. Entretanto, o sentido de controle social inscrito na Constituição é o da participação da população na elaboração, implementação e fiscalização das políticas sociais (BRAVO; PEREIRA, 2001, p. 45).

Conforme este entendimento fica clara a intenção de se desenvolver na sociedade o

processo de redemocratização. No entanto, sabe-se que se trata de uma luta longa a ser

travada, pois a noção de democracia não é clara para a sociedade uma vez que requer a

participação. Esta é um exercício que precisa ser apreendido, assimilado, instituído.

3.1.2 O exercício da participação

A reestruturação proposta pela descentralização inicia-se na saúde. A partir daí,

diversas experiências de municipalização começam a surgir no país. Portanto, é uma

tendência o curso desse processo, no qual o município passa a ser o espaço de formulação e

operacionalização de políticas sociais públicas.

Cabe, portanto, ao município organizar suas forças para que essa construção se realize.

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Essas forças constituem-se de lideranças, de organizações governamentais e não-

governamentais que juntos devem formar uma nova força para viabilização e concretização

do sistema descentralizado e participativo no município.

A LOAS, ao ser instituída, propõe um reordenamento institucional nos entes

federados, na mesma direção, ou seja, a de gestão político-administrativo, descentralizada,

contando com a participação da sociedade civil, por intermédio dos Conselhos. O sistema

organizado deve ser expresso pela rede prestadora de serviços assistenciais, voltadas para as

necessidades do conjunto da população.

Nesta perspectiva, as entidades socioassistenciais constituem-se nas parceiras

instituintes da cidadania social, que deve convalidar a política pública enquanto direito. Elas

compartilham na extensão e ampliação desses serviços junto ao cidadão. Assim sendo, são

co-partícipes também da gestão das ações e do financiamento.

Nesse sentido considera-se que:

A municipalização não pode acontecer sem planejamento e sem infra-estrutura. Requer um amadurecimento técnico, administrativo e operacional de cada município para o enfrentamento de novas responsabilidades, a fim de garantir a realização de seus objetivos de maior participação política da sociedade civil, maior flexibilidade nas ações e maior capacidade de resposta às demandas da população. A municipalização pressupõe o desencadeamento de um processo implícito de sensibilização e aprendizagem de todos os gestores das políticas sociais e políticos (BERETA; MARTINS, 2004, p. 64).

É nesta perspectiva que a Comissão Permanente pela criação do CMAS de Franca

busca inserir suas discussões, tenta o envolvimento e a adesão de todos os atores na

formulação do Projeto de Lei para criação do Conselho Municipal de Assistência Social de

Franca.

Portanto, o grupo se dividiu em tarefas para a construção do primeiro Projeto de Lei, o

qual foi apresentado em assembléia geral realizada na Faculdade de Direito de Franca, em 30

de maio de 1996. Lembrando desse momento e ao verificar os documentos que o pesquisador

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buscou registrar e guardar como referência, nota-se que nesta assembléia participaram da

apreciação do Anteprojeto de Lei de criação do Conselho Municipal de Assistência Social de

Franca, cinqüenta pessoas. Não foi um número expressivo, no entanto, os participantes são

representativos11.

É importante ressaltar que os membros da comissão permanente trabalharam

arduamente, apropriando-se de modelos, instrumentos, entre outros para construção do

referido Projeto de Lei.

Em 19 de julho de 1996 foi encaminhado o Anteprojeto de Lei ao Prefeito Municipal

para que conhecesse este instrumento, em seguida, apreciado pela área jurídica e

posteriormente ser enviado à Câmara de Vereadores para aprovação. O ofício de

encaminhamento foi assinado pelos membros da comissão, que foi recebido e protocolado em

23 de julho de 1996 (Anexo D).

Apesar da Lei Orgânica da Assistência Social ser aprovada e sancionada em 1993,

somente em 1996, um Decreto Governamental de n. 40.743, datado de 29 de março de 1996,

estabelecia prazo para que os municípios estruturassem seus Conselhos, até 29 de setembro

daquele ano.

Considerando que o município de Franca já se encontrava com esta data vencida e que

o Anteprojeto de Lei ainda não havia sido apreciado pelo Prefeito Municipal, em 30 de

setembro, a Comissão decide enviar a toda rede de entidades do município uma

correspondência objetivando o apoio dessas entidades, solicitando-as a dirigirem-se ao Poder

Público Municipal, em caráter de urgência, a fim de sensibilizar o Prefeito visando agilizar a

apresentação de tal instrumento junto à Câmara Municipal, para que os Vereadores pudessem

apreciá-lo e aprová-lo com a maior brevidade possível, evitando prejuízos ao Município 11 Considera-se representativa a participação de 50 pessoas, ao se levar em conta que as mesmas estavam representando organizações da sociedade civil, em especial, das classes subalternizadas e dos setores identificados com as demandas populares.

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(Anexo E).

Observa-se mais uma vez que o Poder Público não atua, a não ser sob pressão, isso

demonstra que a vontade política tornou-se um “problema”, uma vez que a atuação da

Comissão não foi suficiente para assegurar o reconhecimento daquele documento ora

apresentado. Parece que ele não estava qualificado como portador da vontade popular, pois

foi necessário solicitar a manifestação dos prestadores de serviços a fim de alterar e fortalecer

essa correlação de forças.

Vale salientar que todos os canais de participação são importantes, especialmente

considerando a especificidade daquele momento. A participação enquanto expressão

democrática estava sendo colocada.

A viabilização de um ordenamento político-institucional democrático no campo da seguridade social está diretamente associada à participação da sociedade civil e, em especial, das classes subalternizadas e dos setores identificados com as demandas populares, no processo de concepção e gestão das políticas públicas. Diz respeito à construção de uma sociedade democrática (CAMPOS; MACIEL, 1997, p. 148).

Nesta perspectiva seria imprescindível a organização da sociedade civil para tornar

possível a descentralização na área da assistência social, cuja lei de criação do Conselho

Municipal de Assistência Social precisava ser aprovada.

Era hora de mostrar que a essência do poder local residia em ser ele a autoridade mais

próxima das necessidades e reivindicações da população. O poder municipal tem a função

constitucional de promover os direitos do cidadão, cumprindo as prerrogativas legais.

O Executivo municipal, entre todos os níveis de governo, é o único capaz de funcionar adequadamente como poder local, ou seja, como responsável pelos serviços e equipamentos públicos que compõem o contexto no qual os cidadãos enfrentam o seu dia-a-dia, com maior possibilidade de assumir o compromisso de se organizar por intermédio da participação popular (JOVCHELOVITCHI, 1998, p. 43).

É nesse sentido que os Conselhos municipais estão sendo criados, numa perspectiva de

representar o poder local, dividindo poder com o governo. E isso pressupõe o exercício da

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participação democrática. Mas trata-se da participação através da qual “aprendemos a eleger,

a deseleger, a estabelecer rodízio no poder, a exigir prestação de contas, a desburocratizar, a

forçar os mandantes a servirem à comunidade, e assim por diante” (DEMO, 2001a, p. 71)

É certo que essa prerrogativa ainda está em construção, pois o povo não sabe o poder

que tem; desconhece seus direitos políticos; muitas vezes participa de algumas reuniões ou

agitações políticas, porém, na sua maioria só se reconhece como cidadão na hora do voto.

Esse sim é valioso para ele e para o grupo eleitoreiro.

Um cidadão pouco conhece de seus direitos, pois a trajetória expansiva da cidadania é

muito recente. Pode-se dizer tratar-se de uma cidadania moderna que se concretiza na

supremacia da figura dos direitos e na idéia central de que o homem no mundo moderno tem

direito a ter direitos.

Essa cidadania moderna está calcada na idéia de que os homens podem organizar o

Estado e a sociedade de acordo com a sua vontade e a sua razão.

Trata-se de uma geração de direitos que surge no final da primeira metade do século

XX, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem12, sendo denominada de direitos de

solidariedade. Segundo Bedin (2002, p. 131):

Essa geração de direitos compreende os direitos do homem no âmbito internacional, ou seja, os direitos que, como esclarece Paulo Bonavides, “não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um individuo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm por destinatário o gênero humano mesmo num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta” (Bonavides, 1993, p. 481). Por isso, não são direitos contra o Estado, direitos de participar do Estado ou direitos por meio do Estado, mas sim direitos sobre o Estado.

Mas, o que ocorre na verdade, é que a população é manipulada e pouco conhece o

exercício de regras democráticas. “A qualidade do Estado está precipuamente na cidadania

organizada que o funda. Onde falta sociedade civil organizada, temos tipicamente massa de

14 A Declaração Universal dos Direitos do Homem tem como marco o ano de 1948.

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manobra, seja sob a forma de letargia cultivada e mantida seja sob a forma de ditadura

opressora” (DEMO, 1996, p. 38-39)

O Estado deve ser um instrumento de promoção, de motivação, de colaboração, não

condutor e dono do processo. Mas, a sociedade civil deve aparecer, ou seja, deve comparecer

em defesa de seus interesses. Portanto, a sociedade civil, deve-se organizar e buscar a

realização de seus direitos. Isso pressupõe a liberdade e a participação, sendo que, “a

liberdade só é verdadeira quando conquistada. Assim também a participação. E isto

fundamenta a dimensão básica da cidadania. Não só deveres; há direitos também. Por outra,

não há só direitos; há deveres igualmente” (DEMO, 2001a , p. 23).

É neste sentido que se considera que toda forma de participação deva ser consciente e

não uma mera rotina diária dos afazeres, assim sendo, “entendemos por organização da

sociedade civil a capacidade histórica de a sociedade assumir formas conscientes e políticas

de organização” (DEMO, 2001a, p. 27).

Contudo, pode-se dizer que houve a presença de uma força com precárias condições,

que na verdade estavam sendo experimentadas pelo processo de transição na área da

assistência social em Franca.

Após uma forte insistência da própria Comissão, numa pressão constante, junto ao

Executivo, em 10 de outubro de 1996, através de ofício (Anexo F), foi encaminhado à Câmara

Municipal o Projeto de Lei para que fosse apreciado e aprovado, dentro dos prazos

estabelecidos na Lei Orgânica do Município.

É importante observar que tudo é feito sobre pressão. Não há o consenso do dever. O

que há é um consentimento, mas um consentimento no sentido de se permitir. Permite-se que

os processos caminhem extrapolando os limites exigidos, como por exemplo este instrumento

de lei de criação do CMAS de Franca foi encaminhada à Câmara Municipal com os prazos

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vencidos de acordo com a exigência legal, ou seja, o Decreto n. 40.743 de 29/03/96,

estabelecia que os Conselhos Municipais deveriam ser criados no prazo de 180 dias, o que

não ocorreu em Franca. Conclui-se dessa forma que o Conselho Municipal de Assistência

Social já deveria ter sido criado e estar em funcionamento, quando então se encontrava ainda

como Projeto de Lei para sua criação.

Vale ainda ressaltar que o Projeto de Lei foi elaborado após exaustivas discussões,

contando com a participação de representantes tanto do poder público como da sociedade

civil, na sua elaboração. No entanto, o documento enviado à Câmara Municipal não foi o

mesmo construído pela Comissão. O instrumento enviado a essa Casa de Edis, foi uma

proposta de Projeto Substitutivo, o qual foi logo identificado pela Comissão que tratou de se

organizar a fim de participar da reunião da Câmara com objetivo de contestar tal documento,

uma vez que não se tratava do original. Na verdade, o Executivo Municipal realizou

alterações no conteúdo - que foi resultado da vontade popular, mormente, na composição, o

que foi um dos aspectos mais discutidos nas reuniões.

Assim, o documento apresentado à Câmara Municipal, em nenhum momento atendia à

decisão das assembléias populares. Em um documento guardado pelo pesquisador, formulado

por um dos membros da comissão (Anexo G), pode-se ver a contestação, onde aparece uma

manifestação, colocando essa atitude como “um desrespeito à soberania popular e à própria

Constituição Federal”.

Nota-se neste sentido, que a vontade política é um mecanismo que ora está presente,

ora está ausente. A responsabilidade pública nem sempre pode ser controlada pelos

interessados, até por que a burocracia impede muitos governos de avançar e progredir nas

administrações e aí é fundamental a cidadania organizada capaz de reivindicar, de pressionar,

de fazer, propor ou realizar mudanças.

Muitas vezes o atraso da cidade pode ser explicado pela postura das administrações

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municipais que, sem autonomia ou sem vontade política, podem prejudicar o progresso.

Muitos esperam a vontade do governo federal ou estadual, não tendo iniciativas em melhorar

as coisas no município.

É pertinente dizer que esta é uma postura conservadora ou comodista. Em Franca, pela

sua história, há uma predominância ao conservador. Tem-se um legado voltado para a

permanência longa de formas de cultura que resistem a mudanças.

Ainda neste documento está expressa a manifestação quanto às exigências legais e

prazos para criação deste Conselho em Franca, o qual como já foi dito, havia expirado, o que

poderia acarretar prejuízos ao município.

Este documento foi apresentado aos vereadores no sentido de sensibilizá-los,

mostrando inclusive que a sociedade francana estava mobilizada e atenta, ou seja, estava

exercitando o controle social.

Estava em jogo uma nova sistemática de financiamento que deveria funcionar a partir

de 1997, mas que dependia da criação do Conselho Municipal de Assistência Social e sua

organização e funcionamento, do Fundo Municipal de Assistência Social e da elaboração do

Plano Municipal. Tais instrumentos eram condição para o novo modelo de assistência social,

ou seja, era uma exigência para o recebimento de recursos financeiros, das esferas federal e

estadual, destinados às ações e serviços para a área da assistência social.

Enfim, com a participação de vários representantes na reunião da Câmara, inclusive do

pesquisador, pôde-se acompanhar o desfecho em torno da apresentação da lei, onde alguns

representantes fizeram considerações que foram apreendidas e aceitas pelos vereadores. Mas,

devido às diversas alterações e discordâncias em torno da mesma, a lei de criação do

Conselho Municipal de Assistência Social de Franca só foi aprovada após algumas reuniões

da Câmara, sendo sancionada em 09 de dezembro de 1996, sob o n. 4.799 (Anexo H).

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É importante ressaltar a fala do depoente (F) que aponta que a experiência de Franca

foi um diferencial, pois apesar dos problemas enfrentados pelo grupo que desenvolveu toda

discussão, o qual ele teve oportunidade também de acompanhar, participando de algumas

reuniões enquanto vereador e depois, ao assumir o cargo de Prefeito, teve a incumbência de

implantar o Conselho, considera que:

Esse processo de discussão do Projeto e aprovação na Câmara teve uma participação importante da Comunidade, eu não me lembro quantas entidades participaram, mas foi um número significativo [...].

Coloca ainda que sua participação se deu num momento de transição, mas acha que a

participação é muito importante:

Eu acho que não só o Conselho da Assistência, mas todos os Conselhos, o fato de você poder preparar e aprovar uma lei, criando um Conselho, envolvendo as pessoas dessa área, seja ele um Conselho da Assistência, da Saúde ou da Segurança, qualquer Conselho é um espaço que você cria pra ajudar a discutir e encaminhar as questões da área.

É pertinente frisar que este sujeito participou do processo como vereador e no ano em

que a lei de criação do Conselho Municipal de Assistência Social no município foi aprovada,

foi eleito Prefeito Municipal, assumindo em 1997, tendo como uma das primeiras ações de

seu governo, a implantação deste Conselho.

Restava ainda uma longa caminhada, pois a implantação da LOAS no município só

havia começado. O papel da Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social, era intenso

nesse processo na assessoria e orientação aos municípios nesta construção.13

Mediante a necessidade de prosseguir com as discussões, foi marcada uma reunião

para 21 de janeiro do ano seguinte, ou seja, 1997, buscando o envolvimento de diversos

órgãos e segmentos da sociedade para realização das assembléias, visando a eleição de

13 Destaca-se aqui o papel do pesquisador que atuava não só como técnico, mas também enquanto sujeito e participante efetivo do processo, por isso continuava engajado nessa luta, participando ativamente junto com a comissão, na mobilização e organização de uma nova reunião, visando discutir os encaminhamentos da nova etapa da LOAS, para estruturação do CMAS de Franca.

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membros para compor o Conselho.

Nesta reunião, o órgão gestor municipal da assistência social, denominada na época

Secretaria da Cidadania e Ação Social propõe a formação de um Fórum Permanente de

discussão da LOAS.

Ressalta-se que nesse encontro, a comissão estava presente de forma bastante

expressiva, o que possibilitou uma divisão de tarefas, num esforço conjunto para organização

das assembléias que deveriam eleger membros da sociedade civil, representantes dos diversos

segmentos, conforme preconizava a Lei Municipal, a fim de compor o Conselho, ficando

determinado que cada membro da comissão se responsabilizaria por essa mobilização. Ficou

determinado ainda, que se realizaria uma reunião ampla com todos os segmentos e com o

poder público em 19 de fevereiro de 1997, para participar desse fórum permanente,

possibilitando assim discutir e debater a questão da assistência social em Franca, além de

tentar sensibilizar a população quanto à importância da participação nesse processo. Definiu-

se também pela divulgação destas decisões.

O depoimento de (C) pode confirmar essa etapa:

A partir das assembléias, a gente conseguiu montar o Conselho que é composto por 26 membros da sociedade civil e 26 membros do poder público [...] contando titular e suplente e daí a gente montou o primeiro Conselho, essa primeira turma que entrou, teve uma participação efetiva, o pessoal trabalhou muito para conseguir montar a estrutura do Conselho, no sentido de construir Regimento Interno, construir esse trabalho conjunto por ser o primeiro Conselho, eram pessoas assim, muito interessadas que trabalharam com muita garra mesmo e foi assim, até hoje encontro as pessoas e elas ainda falam “nossa que época boa, como a gente conseguiu construir” [...].

Pode-se dizer pelo depoimento, que foi fundamental a contribuição desses atores que

fizeram parte da Comissão que impulsionou a criação do Conselho Municipal de Assistência

Social em Franca. Foram sujeitos legítimos no processo e fizeram história.

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Pelo depoimento (C) também aponta tratar-se do trabalho conjunto de um grupo que

se empenhou nessa construção, sendo que ao ser concretizado, pôde ser visto como um

processo natural na história:

Acho que a implantação do Conselho se deu com uma certa naturalidade, é claro que pra ocupar um espaço que antes não existia, então teve que ser construída uma série de coisas, inclusive do ponto de vista de regulamentação mesmo, o que as entidades precisavam fazer para se cadastrar no Conselho; o que se exigia das entidades; a questão da discussão sobre os repasses das verbas públicas, que foram coisas que o Conselho foi discutindo nos seus primeiros anos. Tudo isso foi uma coisa construída e construída pelo povo do Conselho em parceria com o Órgão Gestor do Município na época e aberto isso a toda sociedade, a quem quisesse participar, então eu acho que isso foi muito importante.

Mediante esta fala, constata-se a real contribuição que os sujeitos podem proporcionar

ao estarem imbuídos de um compromisso e de uma responsabilidade, tendo como meta um

resultado. É possível ainda perceber que o comprometimento desses sujeitos não se limitou à

formulação da lei e criação do Conselho, foi além disso, ou seja, após a aprovação da lei, a

preocupação era agora a sua institucionalização. Finalmente, a partir da implantação do

mesmo, novas ações estavam sendo exigidas de seus membros.

Movido pelo entusiasmo e por um rastro de comprometimento, o primeiro mandato foi

especialmente significativo para dar legitimidade ao Conselho, seus membros trabalharam

com afinco, com intencionalidade, visando dar visibilidade e concretude às suas ações.

A posse do primeiro Conselho em Franca ocorreu em 1997, já numa nova

administração. Pode-se dizer que na gestão administrativa do período de 1993 a 1996, de Ary

Pedro Balieiro, houve um lento desenvolvimento do processo participativo. Apesar da luta

ter sido intensa, no entanto, pouco se avançou, ou, pouco se permitiu avançar.

O sujeito (A) considera que:

[...] nessa altura dos acontecimentos [...] venceu o mandato do Prefeito [...] na medida em que o outro assumiu [...] o trabalho pode avançar mais, então foi aí que a gente percebeu, no inicio da gestão seguinte [...] a gente sentiu o peso e a força que tinha no segurar a caminhada do processo da organização do CMAS.

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Embora não tenha sido fácil, no entanto, consideram os sujeitos (B e C)

sucessivamente:

O pessoal lembra desse momento referindo-se a um aprendizado muito grande [...] Então assim, pra mim, enquanto profissional, enquanto servidora aqui da Secretaria, eu sempre digo que foi um momento rico de aprendizado, de construção [...] de uma proposta mesmo e, a gente sempre estava buscando informações em outros lugares onde já tinha sido implantado o Conselho [...] eu acredito que foi muito mais um aprendizado do que qualquer outra coisa, agora quando a gente olha para a trajetória toda, a gente vê que além do aprendizado [...] nós pudemos concretizar várias conquistas também em relação ao Conselho, porque a gente conseguiu garantir uma Secretaria Executiva para o Conselho, que hoje, agora com o SUAS isso vem ser consolidado, então hoje a gente tem o profissional da Assistência Social, uma escrituraria exclusiva para trabalhar no Conselho [...] eu participava, fazia o trabalho, mas também assessorava em outras áreas da Secretaria, por isso era um acumulo de tarefas. Acho que esse foi um avanço [...] é um exemplo concreto, a gente conseguiu elaborar os padrões mínimos [...]. Acho que a gente tem que falar em dois períodos diferentes, um foi o período de aprovação da lei [...] dezembro de 1996, nesse período não participei, porque era uma época complicada, tinha um grupo participando, mas a Prefeitura como um todo mesmo não esteve envolvida, a “Secretaria” da época não esteve muito envolvida nisso, agora a partir de janeiro de 97, que foi quando entrou o novo governo, resolveram aí efetivamente a trabalhar na implantação [...] aí eu participei de todo o processo, como participante mesmo, não na organização, na coordenação não, mas ia a todo chamamento [...] pra reunião que tinha eu comparecia eu participei de todo processo [...] fui enquanto profissional do Serviço Social, não existia convocação para que a gente fosse enquanto funcionário público, tanto é que eu fui conselheiro por dois mandatos e não como representante do poder público, fui como representante da sociedade civil, porque fui eleito pela categoria e não fui indicado pelo Poder Público, em nenhuma ocasião.

Enfim, percebe-se o intenso trabalho desenvolvido pelo então empossado Conselho,

ou seja, pelos depoimentos obtidos, os conselheiros desenvolveram com competência o seu

papel, o que significa que houve um efetivo exercício de cidadania política. Identifica-se que

várias dinâmicas fizeram parte desse movimento. Houve um esforço conjunto para a sua

construção.

Os membros desse Conselho podem ser considerados como sujeitos sociais históricos,

além do exercício do controle, uma das principais atribuições do Conselheiro, também

exerceram os seus direitos e seus deveres de cidadão.

O exercício do controle social é aqui, portanto, entendido como: espaço onde se exerce

os direitos de liberdade; o comprometimento com a pauta social; a transparência; a

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democracia representativa, entendida como o exercício de cidadania política, que só é

possível na instância local de poder, onde vivem os cidadãos. Nesse sentido, o controle social

visa ao acompanhamento dos atos e decisões governamentais enquanto mecanismo que

controla e fiscaliza a ação do governo na instância local, fazendo-se representar nas instâncias

de decisão, participando das definições, das prioridades e das políticas públicas que devem

estar expressas enquanto compromisso dos governos.

Nesse sentido pode-se concordar com Demo quando diz que “talvez se possa afirmar

que o fenômeno básico da democracia é o controle do poder. Não, porém, um controle feito

somente pelo próprio poder, através de leis e decretos, mas substancialmente um controle

feito pela base” (2001a , p. 73).

Nesta perspectiva ressalte-se que a viabilização de um reordenamento político-

institucional democrático está de fato associado à participação da sociedade civil, sobretudo

daqueles que se encontram comprometidos com as demandas populares e preocupados com

uma nova concepção e gestão das políticas públicas. Neste sentido, a participação de um

profissional da área de Serviço Social, parece ter sido fundamental, pois trata-se de um

profissional com habilidades, capaz de realizar uma leitura da realidade em sua totalidade,

além de suas competências cognitivas complexas, tais como:

Á competências comunicativas;

Á capacidade de tomar decisões;

Á capacidade de transferir aprendizagens com vistas a novas situações e concepções;

Á capacidade de lidar com incertezas;

Á capacidade de lidar com dinamicidade;

Á ser comprometido com a concepção de homem e de sociedade.

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É indiscutível que as duas primeiras gestões do Conselho Municipal em Franca, ao

contar com um presidente, eleito pela sociedade civil, representante da categoria profissional,

significou um marco.

Um outro aspecto evidenciado nos depoimentos foi a abertura democrática propiciada

pela administração que assumiu em 1997, o que muito significou em termos de mudanças

para a política de assistência social do município. Permitiu-se vivenciar de fato o papel

político dos Conselhos. Portanto, parece ter havido um rompimento com as velhas formas

autoritárias de gestão, em que o controle se dava de cima para baixo, centralizado, conforme

historicamente ocorria, mas, permitiu-se um exercício das forças que integram a sociedade, no

sentido de se tornar legítimo um objetivo, uma ação, uma devolutiva daquilo que é necessário

para a vida dos cidadãos, conforme se pode ver no depoimento de (F), que foi o Prefeito da

época e que assumiu e implantou o referido Conselho no Município.

Embora muitos conselhos sejam criados por força de lei e muitos conselhos municipais existentes pelo Brasil afora apenas existem no papel, aqui nós procuramos fortalecer os Conselhos, não como um mero cumprimento da legislação. Eu nunca patrocinei, não admiti, tanto na Câmara como vereador, discutindo essa questão e principalmente depois como Prefeito, eu senti que os Conselhos fossem um auxiliar da Prefeitura. Os Conselhos tem que ser autônomos, tem que ser independentes [...]. O Conselho tem que ter vida própria [...] tem que ter condição de discutir, fiscalizar, propor políticas públicas nas mais variadas áreas.

3.1.3 Um pouco da história de Franca

Em Franca, observa-se certa resistência à modernidade. Isso está diretamente ligado ao

processo histórico de constituição da cidade e sua produção, ou seja, o município tem sua

história escrita ao longo dos últimos cem anos, na produção de café, que ainda persiste

fortemente, portanto, parte da riqueza francana está presente na produção cafeeira. Sua

expansão ocorreu principalmente nos anos 1950, quando Franca procurou situar-se no cenário

nacional, pois na medida em que gerava um produto de importância desse âmbito, seus

produtores desejavam adquirir maior espaço também no cenário político.

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Apesar de ser considerada pólo cafeeiro, Franca tornou-se cidade industrial no final

da década de 1950. Sua economia passou também a voltar-se para a produção do calçado,

imprimindo assim novas transformações no espaço urbano, sobretudo a partir dos anos 1960.

“A partir de 1960 ela irá tornar-se ‘a capital do calçado masculino’, seguindo mais ou

menos essa mesma lógica de exigir a participação dos quadros políticos e se possível em

condições hegemônicas” (BENTIVOGLIO, 1996, p. 81).

Nota-se dessa forma, que a política econômica e social sempre esteve voltada,

especialmente, para o desenvolvimento das relações capitalistas de produção, sendo a maior

preocupação das administrações dos governos locais.

No que se refere ao legado cultural, é impressionante o que ocorre com Franca, não

valorizando seu patrimônio histórico, ou seja, percebe-se que historicamente, não há um

esforço por parte dos governos locais em preservá-lo. Contudo, Franca parece estar em

constante modernização neste aspecto. Não há uma preocupação em manter a história “viva”.

A exemplo disso, está o caso da demolição do prédio do “Hotel Francano” localizado no

centro da cidade, que poderia ter sido o símbolo francano em termos de patrimônio público,

mas que no entanto, teve seu fim na década de 1980, quando este foi vendido para um grupo

bancário, local em que foi construído novo prédio com arquitetura moderna.

As grandes transformações econômicas e sociais dos anos 1970 e 1980, também

provocaram mudanças no cenário francano, de certa forma favoráveis à expansão industrial.

De certa forma o milagre econômico dos anos 70 favoreceu, em larga medida, a produção calçadista francana, num momento em que a concorrência internacional e a tranqüilidade do mercado financeiro nacional permitiam maiores investimentos e boa lucratividade. É desse período o surgimento das grandes fábricas, em amplos prédios, totalmente mecanizadas, com um número elevado de operários já localizadas distantes do Centro. O número do operariado, diga-se de passagem, crescera a ponto da maioria da população ativa dedicar-se a partir de 1970, às atividades industriais (BENTIVOGLIO, 1996, p. 89).

Pode-se dizer que essas mudanças imprimiram inúmeras alterações na área social. É

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preciso ressaltar que a expansão urbana se deu em função da industrialização, o que significou

o “chamarisco” para trabalhadores imigrantes nacionais que vieram de todas as partes buscar

emprego, uma vez que no período expansionista não se exigia mão-de-obra especializada, ou

seja, qualquer individuo poderia iniciar no trabalho como aprendiz, isso incluía trabalhadores

da área rural. Contudo, tem-se uma cidade construída historicamente por trabalhadores sem a

mínima exigência de escolaridade para inclusão no mundo do trabalho. Esta característica

influenciou, sobremaneira, a manutenção de uma cultura do conservadorismo.

Nota-se diante desse movimento o crescimento populacional. Em conseqüência,

aumentam as expressões da questão social: deterioração das condições habitacionais,

péssimas condições de saúde, entre outros. Diante do agravamento dos problemas sociais,

cresce o número de entidades que passam a prestar serviços à população que se encontra em

situação de vulnerabilidade. Tais iniciativas, na sua maioria são de cunho religioso,

filantrópico ou simplesmente humanista.

Essa foi a realidade vivenciada nos anos de 1960. O Plano de Desenvolvimento

Integrado de Franca (Governo de José Lancha Filho) apresentou uma abordagem apontando

que os serviços prestados pela rede socioassistencial daquela época são de baixa

produtividade social, comparado ao montante de recursos recebidos para este fim, advindo

das três esferas de governo. Coloca ainda que:

[...] as obras assistenciais no município caracterizam-se por freqüentes superposições de objetivos e desperdício de recursos em iniciativas que pouco podem contribuir para integrar setores populacionais menos favorecidos na vida normal e produtiva da comunidade. Isso é bastante claro quando se considera o número de entidades dedicadas a distribuir roupas e alimentos a indigentes. Esforços deste tipo raramente produzem efeitos positivos nas pessoas atendidas (s.d., p. 172).

Conclui o documento:

É bem verdade que nem todas as associações de assistência social do Município orientam sua ação segundo princípios paternalistas. Algumas, mais integradas no moderno conceito de serviço social, voltam-se para o ensino, assistência médica e a organização de comunidades cooperativas. Em qualquer das situações, as ações

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dessas sociedades só podem produzir efeitos sociais expressivos na medida em que estiverem conjugados na execução de um planejamento comum. Neste caso, faz-se indispensável o trabalho de coordenação da Fundação do Bem-Estar Social e disposição comum das entidades para eliminarem os desperdícios de recursos em iniciativas superpostas e para renunciarem a todo espírito de competitividade porventura existente (p. 172).

É importante aqui destacar a visão deste governo em relação ao trabalho realizado na

área da assistência social. Nota-se que há uma preocupação tanto no que se refere aos gastos,

quanto à qualidade dos serviços prestados e sua importância para a população.

Numa outra referência histórica, é apontado que:

A gestão de Lancha Filho, do ponto de vista urbanístico, representou um salto na qualidade da administração municipal, apesar de servir tão somente aos interesses do capital e não a uma melhoria efetiva na qualidade de vida da população. Em sua gestão realizou-se um rush impressionante de obras de infra-estrutura e de fornecimento de serviços, básicos para o posterior desenvolvimento urbano do município. Entre outras realizações, sua gestão entregou o Hospital Infantil, o Parque da Francal, o prédio da prefeitura, o colégio Otávio Martins, o Aeroporto, entre outras (BENTIVOGLIO, 1996, p. 93).

Diante destas colocações, pode-se perceber que os governos locais sempre priorizam

obras que possam realmente favorecer parcela da população, e não a população como um

todo. A preocupação ainda, está sempre voltada a atender determinados interesses, não sendo

prioridade serviços que possam melhorar a qualidade de vida de todos os cidadãos.

A partir dos anos de 1970, com as transformações sociais, econômicas e políticas,

novo cenário também se estabelece em Franca. Junto com esse processo de mudanças,

iniciado com o fim do regime militar, passando pelos governos de José Sarney, Fernando

Collor de Melo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, se desenvolve a indústria

calçadista, com a criação do parque industrial. Além disso, significativas mudanças ocorreram

no “visual” da cidade de Franca, não pelo crescimento do número de habitações ou edifícios,

mas pelo fato de que havia um controle imobiliário que impedia o crescimento habitacional,

especialmente no centro da cidade. Este é também um forte indício do conservadorismo

presente no município, por parte daqueles que detém o poder. Além disso, as mudanças

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imprimidas no centro da cidade foram no sentido de adequar à arquitetura moderna para

abertura de novos comércios, com a demolição de prédios antigos, no entanto os proprietários

são os mesmos. Isso demonstra as características da classe média com sua mentalidade

pequeno-burguesa, que se encontram presentes nos dias atuais.

É esta a realidade encontrada na segunda metade dos anos 90, do século passado, onde

se observa uma cidade que tem crescido de forma acelerada, distribuída pelos extremos do

perímetro urbano, em bairros distantes do centro, formando periferias.

É pertinente concordar com Bentivoglio quando diz que:

Alguns grupos acabaram por controlar o espaço urbano francano imprimindo seus interesses nas soluções infra-estruturais propostas pela administração municipal. Os interesses do capital determinaram a construção da paisagem urbana durante o século XX, a distribuição de bens de consumo e serviços (1996, p. 96)

Continuando ainda esse raciocínio, o autor aponta que:

Franca optou por uma rota suicida, devido às más administrações que mantiveram sua infra-estrutura econômica, impedindo uma diversificação de seu parque industrial ou facilitando o acesso de grandes varejistas, empobrecendo a competição no mercado comercial, diminuindo a possibilidade de empregos, etc. (1996, p. 97)

Nota-se dessa forma que a população francana acabou ficando à mercê das

administrações públicas de governos que entram e saem, realizando interesses de pequenos

grupos, buscando soluções infra-estruturais que na maioria das vezes mais os beneficiam do

que à população como um todo.

Além dessa forte característica, fica claro que se conserva e prevalece na cidade um

domínio que pode ser considerado histórico, “a cidade permanece sob o controle de

capitalistas que utilizam-na para servir aos seus interesses. Isso é um fato, basta olhar a

paisagem urbana, os espaços valorizados, os espaços desprezados e os monumentos

construídos” (BENTIVOGLIO, 1996, p. 99).

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É com esta realidade de Franca que a assistência social passa a ser discutida no âmbito

de seus moradores, tentando envolvê-los e apontar para uma política voltada para seus

interesses. Portanto, é pertinente dizer que o atendimento à população deve caminhar por essa

lógica e não pelo atendimento aos interesses do capital como sempre ocorreu.

Esta é a proposta da LOAS e defendida por aqueles que conseguem vê-la como um

instrumento que pode mudar a lógica que privilegia interesses de poucos. Desse modo a

construção do processo descentralizado e participativo na área da assistência social significa

romper com uma benevolência das administrações dos governos locais.

Porém, mudar a “cara” de uma cidade depende não só da vontade política, como

também do envolvimento da população, dos profissionais. É nesta perspectiva que se pode

dizer que a transformação das sociedades pode ser uma verdade, passando pelo modo como a

população se mobiliza no espaço urbano, a fim de buscar e ter seus interesses e necessidades

atendidas.

Importa dizer que o processo participativo, vivenciado pelo grupo de trabalho que

construiu o Conselho e prosseguiu na mesma direção, de construir uma política de assistência

social que viesse atender às novas exigências constitucionais e às necessidades da população

como um todo, pode ser considerado histórico, pois a história é construída por sujeitos.

Se o sujeito faz história, então ele é responsável pela elaboração de uma realidade.

Assim sendo pode-se considerar a existência de uma práxis.

A práxis na sua essência e universalidade é a revelação do segredo do homem como ser ontocriativo, como ser que cria a realidade (humano-social) e que, portanto, compreende a realidade (humana e não-humana, a realidade na sua totalidade). A práxis do homem não é atividade prática contraposta à teoria; é determinação da existência humana como elaboração da realidade (KOSIK, 2002, p. 222).

Nesta perspectiva, pode-se dizer que a ação do homem, enquanto atividade prática,

aliada à atividade teórica, refletida, discutida, consciente, a qual busca-se uma finalidade, é na

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sua essência práxis social.

É importante frisar que “A práxis social não é jamais um ato do ser singular e isolado.

Ela é expressão do sujeito coletivo, transindividual” (NETO; FALCÃO, 1987, p. 59).

A criação e consolidação do Conselho em Franca estavam pautadas numa orientação

baseada em normas legais (Constituição de 1988 e pela LOAS) cuja conjuntura temporal

passa a ser exigida. Mas, houve uma vontade dos membros da comissão e um objetivo a ser

alcançado e disso todos tinham consciência. Tal perspectiva estava relacionada com

princípios democráticos, autônomos e participativos. Contudo, estes aspectos davam

condições necessárias para a efetivação do processo descentralizado e municipalizado que

levariam às mudanças desejadas.

A descentralização é um fenômeno pontual dos anos de 1990, pois as políticas sociais

públicas passam a ter essa tendência, requerendo aí novos entendimentos em relação aos entes

federados; reconhecem-se e buscam-se novas estratégias de desenvolvimento da justiça social,

por meio de implementação de ações em âmbito local.

Assim, a descentralização demarca uma nova ordem política, constituindo-se palavra

de ordem no mundo político-administrativo da sociedade brasileira, cuja construção dependia

da organização da sociedade.

Mas, é um processo lento a ser construído, pois se nota que apesar de Franca ter

conseguido a criação de seu Conselho, com a participação de pessoas cujo compromisso

pessoal, profissional, ético, parece ter sido a bússola para indicar o caminho, no entanto, de

acordo com os depoimentos, muitas pessoas, inclusive a própria categoria profissional, não se

tem uma compreensão da importância de seu engajamento para impulsionar os avanços em

relação à participação, conforme coloca o sujeito (C):

[...] até hoje não houve ainda por parte da categoria, categoria como um todo não individualizada, uma compreensão do papel do Conselho, da importância que esse

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Conselho tem na questão de organização da gestão da assistência social no município [...] as assembléias da categoria, para indicar o representante vão 8, 9, 10 membros quando vai muito, e nós sabemos que nós temos em Franca, potencial pra reunir no mínimo 40, 50 pessoas entre profissionais que trabalham efetivamente, fora àqueles que são formados e não exercem, e nunca houve uma grande adesão da categoria, em nenhuma das assembléias chamadas pra indicar os membros [...].

O depoimento de (E) também evidencia essa ausência de organização e articulação da

categoria e o desconhecimento do seu real papel na construção da nova política:

[...] eu acho que os assistentes sociais na sua maioria não conseguiram também perceber [...] que eles tinham um papel importante nesse processo de auxiliar e de assessorar as entidades, e aí eu digo os próprios assistentes sociais que trabalhavam com a gente na Prefeitura [...] ficou pra eles que eles tinham que exercer um papel de fiscal e eles resistiam a esse papel, quando na verdade o que a gente precisava era garantir que o interesse público e o direito dos usuários fossem respeitados pelas entidades, não que as entidades não fizessem isso por má intenção não, mas era porque até então o que se tinha construído de assistência era historicamente filantropia, caridade e assistencialismo, isso é cultural [...] em alguns momentos a gente tinha embates internos com relação a isso, a nossa contribuição foi o reordenamento naquilo que era possível, naquilo que a gente tinha um respaldo legal maior, agora aquilo que significa modificação cultural, seja comportamento, ele é mais rico, então isso talvez a gente não tenha conseguido.

Nota-se, dessa forma, a falta de articulação existente dentro da própria categoria e uma

ausência de compreensão do real papel desse profissional que deveria lutar pela introdução de

novas políticas de emancipação das classes sociais, e, um dos canais que devem ser a porta de

entrada de legitimação e consolidação dessas reivindicações são os Conselhos.

Sendo representante da categoria, o sujeito (C) se mostra bastante preocupado com a

inércia dos profissionais, que deveriam se envolver mais, reforçando o que o sujeito (E)

apontou:

[...] eu penso que a categoria ainda não entendeu isso, ainda não enxergou, e eu falo isso enquanto categoria, porque individualmente é claro que o profissional percebe isso e sabe da importância, mas a categoria como um todo não vislumbrou ainda aquele espaço, eu falo muito [...] reforço isso, o Conselho é um espaço privilegiado de discussão da política de assistência [...] porque ela é a instância apropriada pra isso, é ali que você formula as regras [...] discute as condições pra se fazer política pública [...].

O resultado detectado parece ser aquele mencionado por Neto “aquelas determinações

da cotidianidade fazem com que todo e cada individuo só se perceba como ser singular, vale

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requer novos arranjos institucionais entre governo e sociedade civil.

Começa então uma nova história no cenário francano, na assistência social, com base

no seu novo significado, decorrente da estruturação exigida pela descentralização nessa área.

Conceitua-se a descentralização, entendendo-a como:

Processo de redistribuição de poder em duas principais direções: a) da esfera federal para a estadual e a municipal e b) do Estado para a sociedade. Em ambos os casos, prevê-se o deslocamento dos espaços de planejamento e de tomada de decisão de uma instância central para outras, intermediárias e locais, bem como dos recursos (materiais, humanos e financeiros) necessários ao exercício do poder nas diferentes instâncias. Apesar de comportar divergências, tal noção de descentralização expressa um denominador comum: o de oposição a uma tendência centralizadora autoritária em nome do fortalecimento e da autonomia relativa das esferas intermediárias e locais e das instituições democráticas (PEREIRA, 1996, p. 78-79).

Concebida como dimensão da política de Seguridade Social de caráter não-

contributivo, direito do cidadão e dever do Estado, as ações governamentais passam a

organizar-se a partir das diretrizes: a) da descentralização político-administrativa, o que

ocorre nas três esferas de governo, cabendo ao federal a coordenação e as normas gerais; aos

Estados e municípios cabe a execução das ações, serviços, programas e projetos, em parceria

com as redes socioassistenciais existentes; b) participação da população, por meio de

organizações representativas, na formulação da política e no exercício do controle social das

ações em todos os níveis.

Este novo modelo constitucional federalista de descentralização aponta o

fortalecimento da capacidade decisória das instâncias participativas de nível local.

As discussões em torno da descentralização em Franca começaram por volta de 1995,

dois anos após a aprovação da LOAS. Mas essa regra valeu para todo o país, pois a Lei

Orgânica da Assistência Social só foi implantada efetivamente, no Brasil, a partir de 1997.

Foi no governo de Fernando Henrique Cardoso, a primeira alteração realizada na área

da assistência social, que ocorreu através da Medida Provisória n. 813, de 1º de janeiro de

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1995, ao extinguir o Ministério do Bem-Estar Social, a FLBA – Fundação Legião Brasileira

de Assistência e a CBIA – Centro Brasileiro de Proteção à Infância e Adolescência.

Mas, a “velha” forma de gerenciamento do sistema continua sendo praticada ainda em

1995 e 1996, ou seja, os recursos destinados à área da assistência social ainda são repassados

diretamente aos executores. Neste sentido, a municipalização como parte integrante da

descentralização, segundo a qual o município seria dotado de autonomia para elaborar,

executar e gerir a política e os recursos financeiros, tendo em vista atender com maior

eficiência, agilidade e qualidade as demandas e as necessidades locais, não se efetiva, ou seja,

os governos retardam esse processo, não atendendo as determinações da LOAS.

Por outro lado ainda, como se percebe pelas abordagens apontadas no item anterior,

em Franca a criação da lei para implantação do Conselho Municipal de Assistência Social foi

um processo lento que teve também seus percalços, o que demandou diversas estratégias e

mecanismos na condução de toda discussão.

Portanto, a lei uma vez aprovada, restava então sua implantação, o que ocorreu em

meio a novos atores políticos e novas formas de ação, uma vez que a gestão Ary Pedro

Balieiro se encerrou em 1996.

A depoente (E) entende tratar-se de um momento histórico:

[...] a gente estava vivendo um momento histórico no município, de fazer avançar aquilo que a LOAS propunha [...] organizar a política de assistência social no município [...] a gente acabou contribuindo por que havia um empenho muito grande, nós tínhamos uma equipe que se empenhava nisso, e aí a gente foi ao longo do tempo [...] trabalhando [...] nós percebemos que avançamos muito num aspecto que é de fato no reordenamento da assistência social no município [...].

Em 1997, assume o Prefeito Gilmar Dominici, do Partido dos Trabalhadores (PT) com

a incumbência de colocar em prática, efetivamente, o sistema descentralizado e participativo

da assistência social.

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Conforme já foi dito, o Governo anterior havia proposto a formação de um Fórum de

discussão da LOAS em Franca, e esta proposta foi aceita pela Comissão que tratou de

articular, mobilizar e organizar sua realização.

Por iniciativa da Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social, em 18 de

fevereiro de 1997, a comissão reuniu-se em sua sede a fim de organizar a pauta do Encontro

do dia 19. Esta reunião já contava com novos participantes integrando a Comissão, uma vez

que outros atores estavam surgindo em função da nova administração.

Percebe-se por um Relatório “manuscrito”, feito pelo pesquisador, em que menciona a

pauta, construída para ser usada naquele encontro, já contava com a participação da nova

Secretária do Município, a qual demonstrava empenho em implantar o Conselho em Franca,

sendo esta um dos sujeitos dessa pesquisa (E), em que expõe:

Eu assumi a Secretaria num momento em que as coisas precisavam acontecer, a lei que regulamentava o Conselho tinha sido aprovada em dezembro e nós assumimos em janeiro e a gente precisava então fazer acontecer esse processo [...] nossa preocupação era o reordenamento institucional da política de assistência, então isso envolveu a criação de fato do Conselho, e fazer isso de forma mais democrática; a elaboração de um Plano Municipal já buscando a participação desse Conselho e a estruturação do Fundo Municipal que ainda não havia sido estruturada, que eu acho que eram os três elementos mais importantes [...].

Uma outra questão importante refere-se à colocação da representante da Secretaria de

Estado, que falou sobre o papel que deveria ter a Secretaria Municipal, enquanto órgão de

comando único do município, e o encaminhamento desse processo até então em Franca e que,

daquele momento em diante, ficaria a cargo dessa Secretaria Municipal dar continuidade.

Conforme estava programado, em 19 de fevereiro de 1997, realiza-se o primeiro

Encontro denominado Fórum Pró-Formação do Conselho Municipal de Assistência Social de

Franca, organizado pela Comissão e coordenado pela Secretaria Municipal da Cidadania e

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Ação Social e pela Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social14. Participaram desse

encontro 107 pessoas, as quais na oportunidade receberam cópia da lei que criava o CMAS e

também a pauta do referido encontro.

Vale mencionar ainda que a Comissão, visando uma ampla mobilização, enviou a

toda rede de organizações governamentais e não-governamentais um “convite/convocação”

datado de 05 de fevereiro de 1997 (Anexo I), onde demonstra a tentativa de sensibilização da

população.

Assim, deu-se a abertura do Encontro do dia 19, coordenado pela então diretora da

Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social. Estava presente o Prefeito de Franca,

Gilmar Dominici, que havia tomado posse no começo daquele ano, o qual foi convidado a

compor a mesa e a expor o objetivo do encontro, qual seja, “tratar da LOAS, mais

objetivamente sobre o Conselho Municipal de Assistência Social de Franca”, pois, como era

do seu conhecimento, a lei de criação do Conselho estava aprovada, assim sendo, o mesmo

precisava ser implantado.

O Prefeito reafirmou o processo democrático e participativo de sua administração.

Esta era uma proposta que deveria se efetivar tendo à frente da Secretaria Municipal, órgão

gestor da Assistência Social, uma assistente social, pessoa segundo ele “capacitada para

trabalhar o processo de organização de formação do Conselho”, conforme se comprova neste

depoimento da mesma, sujeito (E):

Eu fui a primeira gestora, na política de assistência e fui gestora do Fundo também, [...].

Seguindo a pauta prevista, a gestora apresentou sua fala mostrando coerência e

conhecimento, apesar de estar iniciando seu trabalho em Franca e de não ter acompanhado

14 Neste encontro o pesquisador e mais um técnico do órgão gestor municipal, são indicados como relatores, conforme consta em Relatório realizado.

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toda discussão em torno da LOAS.

Frisou-se a importância de se implantar o Conselho em Franca, pois havia um prazo

para tal. Era importante ainda traçar metas para que o município pudesse garantir a

participação. Nesta mesma reunião, formaram-se grupos, por segmento, a fim de que todos

pudessem discutir e conhecer a lei de criação do CMAS de Franca. Nestes grupos se

estabeleceu um calendário de reunião para eleição ou indicação dos representantes de cada

segmento.

A organização e articulação do evento buscou garantir a participação de todos e o

engajamento efetivo dos presentes, dando-lhes autonomia e liberdade para deliberar.

Apesar da significativa presença, foi pequena a participação de alguns segmentos,

como, por exemplo, de Produtores Rurais. Vale ressaltar que este deveria compor o Conselho,

pois constava na lei esta representatividade.15

15 Capítulo III – Da composição do Conselho Municipal de Assistência Social Art. 6º - O Conselho Municipal de Assistência social será paritariamente composto por 26 (vinte e seis) membros, sendo 13 (treze) representantes dos Poderes Públicos e 13 (treze) representantes da sociedade civil, indicados e ou eleitos pelos respectivos segmentos, conforme segue: I REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL: a) 01 representante de organizações de atendimento à criança e adolescente; b) 01 representante de organizações que atendam à mulher e à família; c) 01 representante de organizações que atendam a idosos; d) 01 representante de organizações que atendam a pessoas portadoras de deficiências; e) 01 representante de organizações de produtores rurais; f) 01 representante de organizações de trabalhadores urbanos; g) 01 representante da Ordem dos Advogados do Brasil, secção de Franca; h) 01 representante de organizações não governamentais de defesa da cidadania; i) 01 representante de classe empresarial do município; j) 01 representante de organizações que desenvolvam trabalhos comunitários e populares; l) 01 representante de Universidades Particulares ligadas à área de Ciências Humanas; m) 01 representante da categoria profissional ligada à área da assistência social; n) 01 representante de organizações de grupo minoritários. II) REPRESENTANTES DO PODER PÚBLICO: a) 01 representante da Previdência e Seguridade Social; b) 01 representante da Secretaria da Criança, Família e Bem Estar Social; c) 01 representante da Secretaria Municipal de Promoção Social; d) 01 representante da Secretaria Municipal de Higiene e Saúde; e) 01 representante da Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esportes e Turismo; f) 01 representante do Fundo Municipal de Solidariedade, do Município; g) 01 representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação Popular; h) 01 representante da Secretaria Municipal de Finanças e Planejamento;

i) 01 representante da Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos;

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Mas, uma vez que a presença de representantes era insuficiente para definições que se

faziam necessárias naquele momento, aquele grupo decidiu solicitar assessoria para contatos

com outros representantes do segmento.

O Relatório aponta ainda a ausência total de representantes da OAB – Ordem dos

Advogados do Brasil nesse Encontro. É sabido todavia, que foram convidados, pois conforme

a lei, deveriam compor o Conselho. Neste sentido, é importante tecer alguns comentários

sobre esta representatividade que deveria se fazer presente pela sua especificidade na área

legal, seria valiosa sua participação, uma vez tratar-se de um organismo que deve zelar pela

ordem jurídica e pelo efetivo cumprimento das leis. No entanto não se fez representar.

Em relação ao segmento de defesa da cidadania, houve pequena participação,

definindo os presentes por uma nova organização da categoria, para tirar seu representante.

Quanto ao segmento da classe empresarial, foi outro que teve pequena participação,

por isso decidiram que fariam uma reunião com a diretoria da ACIF – Associação Comercial

e Industrial de Franca, para que pudessem discutir a representatividade de pessoas neste

Conselho e indicar seu representante.

Nota-se aí a forte resistência por parte desse grupo majoritário ou ausência de

disposição para participar de novas práticas sociais e políticas, cujas mudanças podem, para

eles, não ser bem-vindas.

Também o segmento da universidade particular não se fez representar. Diante da

ausência ou da pouca representatividade, pode-se concluir que apesar de haver uma tendência

mundial a novas práticas sociais e políticas, no entanto a participação da população, ou

mesmo daqueles que sabem, tem conhecimento da importância de sua participação, ainda é

j) 01 representante da Secretaria de Estado do Emprego e Relações do Trabalho; k) 01 representante da Universidades Públicas ligadas à área de Ciências Humanas; m) 01 representante de órgãos públicos de Defesa da Mulher;

n) 01 representante da Câmara Municipal de Franca.

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muito pequena. Apenas uma minoria se mobiliza e participa para garantir interesses coletivos.

No entanto, isso não impediu que Franca avançasse na implantação do novo modelo

de gestão, onde se percebe que muitas coisas foram se modificando, se implementando. Não

foi um processo global, envolvendo todos os atores conforme o necessário, porém os

depoentes consideram que houve avanços.

A gente avançou muito num aspecto que é de fato do reordenamento da assistência social no município, que passava por uma outra relação com as entidades buscando fazer com que essas entidades entendessem o processo que estava acontecendo [...]. Sujeito (E) [...] eu acho que a grande contribuição do Conselho em Franca foi fazer essa discussão mesmo, de que a Assistência Social, a partir de então, embora a conquista tenha se dado lá na Constituição de 1988, na própria LOAS, a partir da implantação efetiva do Conselho ele passou a ser tratado como uma política pública a questão da Assistência Social no município de Franca, e isso pelo Poder Público, pelas Entidades, e tudo mais [...]. Sujeito (C) [...] nós montamos a Casa dos Conselhos. A casa foi justamente pra poder dar um respaldo aos Conselhos no sentido de fazer um trabalho de interação entre os Conselhos, que muitas questões tem a ver com os vários Conselhos, também fazer com que os Conselhos tivessem algum instrumento que facilitasse o seu trabalho: local pra reunião, essas coisas. Era um projeto, claro, para ser ampliado [...] a Casa dos Conselhos Municipais era justamente um local de fortalecimento da democracia, da participação [...]. Sujeito (F) [...] nós sempre tivemos como diretriz do Conselho, os Planos Municipais. Foi o primeiro Conselho que teve que confeccionar os primeiros Planos, foi aí nesse momento que a gente teve que fazer o Plano de Assistência, Regimento Interno do Conselho [...] os Padrões Mínimos [...] caminhou na organização toda, eu acho que o Conselho de Franca, ele tem uma estrutura legal, ele tem um grupo que acumulou muito, essas pessoas todas que participaram da primeira, segunda e terceira gestão, muitas pessoas, ficaram duas ou três gestões, então [...] tem-se um acúmulo na área da organização do Conselho [...] foram feitas reformulações na lei, hoje o Conselho não troca 100% dos seus membros [...] se percebeu na primeira gestão essa necessidade [...] para dar continuidade aos trabalhos [...] agora a gente troca 1/3 e todo ano faz eleição, e com isso, diminui essa questão da descontinuidade [...] depois teve a implantação da Casa dos Conselhos, que tinha o objetivo também de dar um suporte para os Conselhos, todos no mesmo local. Sujeito (B) [...] foi consensual a adoção da medida de não renovar 100% dos Conselheiros, mas um percentual [...] seria 1/3 da sociedade civil e 1/3 do poder público [...] a construção de uma política de assistência social no município, foi fundamentada nessa preocupação [...] uma das políticas mais forte que eu sinto que o CMAS trabalha é a construção não só do conceito, mas da prática de uma assistência social como é apregoada pela LOAS a partir da visão de direitos, de concessão de direitos, de atendimentos de direitos e não de simplesmente proteção, de continuar reproduzindo o tradicional, atender as necessidades, ou os mínimos [...]. Sujeito (A).

Apesar dos avanços não se apresentarem numa dimensão que se queria “desejável”,

pode ser evidenciado como algo que vem sendo construído como um processo dinâmico,

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conforme se vê neste depoimento de (C):

[...] quando nós decidimos que o recurso público do município não podia financiar projetos assistencialistas, nós fomos para o embate com as entidades, respeitando muito o trabalho deles, mas pontuando um pouco o que era a política de assistência e o que eram ações de solidariedade ou de filantropia, que as pessoas tem autonomia de realizar, e se vai fazer isso com o dinheiro público tem que ser na lógica da LOAS, tem que ser em função da política. Eu acho que essa contribuição nós não nos furtamos a fazer esse debate, e tivemos inclusive momentos difíceis, mas ao mesmo tempo buscou-se construir isso com os próprios interlocutores, por exemplo: o primeiro Presidente do Conselho era uma pessoa que era assistente social, mas que era também dirigente de entidade e que construiu esse processo [...] mudar a legislação de convênio com as entidades junto conosco, então quando nós tivemos que fazer a defesa dessa proposta, em que nós excluímos entidades assistenciais do Plano de Subvenções do Município, ele foi junto com a gente na Câmara e nós enfrentamos as entidades, enfrentamos os vereadores e pontuamos, então ele era dirigente de entidade e um assistente social que estava ajudando a construir esse processo [...].

Nesta perspectiva é que a negociação, com vistas à construção de alianças com

setores que atuam no município, compartilhar idéias, conhecimentos, foi essencial na

reconstrução de uma política. No caso apresentado no depoimento acima, fica comprovada a

capacidade de autonomia e negociação que este Conselho demonstrou, o que possibilitou

romper uma prática, com a tomada de decisões e ainda dar transparência à suas ações quanto

ao uso de recursos públicos.

Portanto, a negociação foi um aspecto importante que fez parte das ações desse

Conselho que também é parte da democracia, considerando-se que a:

Democracia é um sistema sócio-político, no qual se procura negociar os conflitos e as divergências. Não se escamoteiam os conflitos, mesmo porque admitem-se aqueles insolúveis e que, por conseqüência, levam a superações históricas. Dentro da postura histórico-estrutural reconhecem-se limites estruturais, como a vigência da estrutura formal da desigualdade, o que leva a admitir que podemos reduzi-la nos conteúdos, mas não eliminá-la como forma. Assim, parte-se dos conflitos reais, que, além de comporem o quadro das dificuldades e dos problemas a enfrentar, são igualmente a expressão concreta de uma realidade dinâmica, produtiva e criativa (DEMO, 2001a , p. 76).

A negociação, enquanto instrumento de construção de um processo democrático, é

uma opção que permite a convivência harmônica e a realização de finalidades que envolvem

interesses comuns e específicos. Pode ser usada ainda para a superação de conflitos e

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divergências, supondo a abertura democrática concreta, admitindo-se os parceiros como reais

participantes, respeitando as suas idéias, visões, opiniões, entre outros. Isso é democracia.

Outro aspecto considerado importante que pode ser considerado também avanço e que

tem sido competência do Conselho, única e exclusivamente, é a questão da definição dos

recursos:

[...] é o Conselho que discute os repasses dos recursos públicos, sejam eles de quais esferas sejam, onde eles vão ser aplicados, então o conselho tem o papel extremamente importante [...]. Sujeito (C) [...] a discussão sobre os recursos para Entidades Assistenciais por exemplo, eles eram feitos diretamente pela Prefeitura, anterior a isso ainda era mais fechado, porque o que acontecia era o seguinte: o projeto de repasse para as Entidades ia para Câmara e os vereadores é que decidiam quais as entidades seriam beneficiadas, inclusive os recursos extrapolavam as áreas de assistência e beneficiavam também outras entidades, de outras áreas como culturais, esportivas [...] outros serviços que não o enfoque claro da assistência. Com a criação do Conselho e depois do Fundo Municipal o que aconteceu, nós passamos a repassar os recursos do orçamento, que era definido para essa área, diretamente para um Fundo e quem definia no meu governo para onde os recursos iam, foram as entidades, dentro do Conselho. Então eu acho que o Conselho de fato exerceu o seu trabalho [...]. A Prefeitura embora tenha seus representantes dentro do Conselho, mas não foi ela que definiu ao lado do Gabinete do Prefeito [...] os recursos embora fossem poucos, os recursos do próprio orçamento do município, nós temos um orçamento que é incompatível com o tamanho da cidade, esse é um grande problema que nós vivemos, então a disponilização de recursos nem sempre atende satisfatoriamente as necessidades [...]. Franca, pra se ter uma idéia, a nossa arrecadação é correspondente a uma cidade de duzentos mil habitantes, quer dizer, nós estamos abaixo da média do Estado, isso dificultou disponibilizar mais recursos, não só para esse Conselho, mas para outros [...] para outras áreas. Mas eu acho que o positivo disso aí é que o Conselho Municipal de Assistência Social teve essa autonomia de definir, a partir dos recursos, seu direcionamento. Sujeito (F).

De certa forma, percebe-se neste governo uma evolução democrática, pelas próprias

falas dos sujeitos, ou mesmo pela sua fala, que suas administrações – pois governou por dois

mandatos - possibilitou um avanço no nível local, favorecendo a organização da sociedade em

sistemas participativos de gestão, o que significou a abertura de espaços para uma nova

cultura política.

Ainda um outro avanço que demonstra essa abertura, em relação a recursos e que é

apontado pelo sujeito (F), trata-se da posição do Conselho no direcionamento de recursos que

beneficiou entidades prestadoras de serviços, podendo ser considerado um fato muito

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significativo:

Quando alguma entidade solicitava algum apoio, ou algum recurso da Prefeitura, principalmente disponibilização de área para instalação de unidade prestadora de serviço na área da assistência social, seja creche, seja qualquer atividade dessa natureza, quer dizer, nós definimos que antes da Prefeitura liberar aquele empreendimento, aquele recurso passasse pelo Conselho Municipal [...] a idéia de passar essa definição para o Conselho eu acho que foi importante [...] pois houve condições de distribuir melhor os recursos, atendendo de fato ao interesse público e as necessidades e as prioridades.

É consenso dos sujeitos que ocorreram avanços na construção do Conselho em Franca,

em suas várias gestões, mas apesar de estar legitimado, consolidado, contudo, ainda acham

que há necessidade de se aprimorar mais em alguns aspectos, conforme coloca o sujeito (B),

(C) e (A), considerando isso um desafio:

[...] com as instituições a gente não conseguiu avançar na articulação desses serviços, que era uma diretriz do Plano Municipal [...] esse é um desafio, e um desafio grande, difícil, porque a gente sempre defende a interface das políticas; a gente defende a articulação dos serviços, mas a gente ainda tem uma cabeça ainda individual das instituições, cada um faz de acordo com o que pensa, então nesse sentido, ainda tem que se caminhar muito na construção da política, a gente tem um norte...tem os padrões, tem o Plano Municipal, tem a Política Nacional...mas a gente tem que enfrentar muito ainda, essa questão da história mesmo da assistência na cidade, que não tinha um comando único, que as instituições foram surgindo de acordo com o desejo da cada um [...]. [...] a gente tem visto até hoje, lá se vão 13 anos de LOAS, que houve muita mudança no discurso, mas que essa mudança não repercutiu efetivamente na prática [...] eu falo muito que tem que ser mudança de concepção [...] entender o espírito da lei, entender que mudou [...] acredito que todo mundo entendeu isso [...] então esse talvez seja o grande desafio [...] essa mudança de concepção não é só por parte de entidade, não, de dirigente de entidades, de profissionais principalmente. [...] até junho de 2005 estavam cadastrados no Conselho 123 entidades na área social, dessas 123 a agente sente assim que 10%, talvez [...] 15% ou 20%, no máximo, tem uma consciência e avançou muito nesse nível de participação, de compreensão dessa nossa conversa de entender a assistência social com essa amplitude, de dimensão e não apenas a assistência social naquele caráter propriamente assistencialista, que a gente sabe que tradicionalmente era feito [...].

Diante disso, pode-se dizer que realmente ainda predominam traços conservadores na

prática da assistência social no município, sendo uma questão histórica que é preciso romper.

Para muitas pessoas, mesmo trabalhando na área, especialmente dirigentes de entidades,

profissionais, ainda não se tem clareza quanto ao funcionamento do sistema descentralizado

da assistência social.

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Quase todos os depoimentos apontam como dificuldade, a articulação que deve haver

entre a rede prestadora de serviços, para que se tenha uma política única no município, mas

que essa depende da participação coletiva, cujos objetivos devem estar na mesma direção.

Mas, é condição para se fazer avançar e legitimar essa política, que haja um trabalho

integrado entre o poder público e a sociedade civil, na construção de instrumentos que possam

subsidiar e direcionar esses avanços, conforme aponta (B):

[...] pra ser uma política, a gente vai ter que assumir esse comando, o Poder Público junto com as organizações, no sentido da gente ter indicadores de demandas, indicadores de avaliação e serviços e aí sim esses padrões vão ter sentido, porque daí se poderá ver quais os serviços são necessários serem criados pra gente atender a população e que padrão de serviços precisa, e aí, as instituições que quiserem montar os seus trabalhos, teriam que seguir essa orientação, nisso o Conselho ainda tem que avançar [...].

Alguns depoimentos consideram importante para que haja mais avanços investimentos

no que refere à capacitação.

A gente precisa avançar um pouco mais na capacitação, ela tem que ser continua [...] a gente não conseguiu ainda ter uma capacitação continuada, nós tivemos vários momentos de discussão da política, nos fizemos encontros com pessoas de renome [...] tem feito alguns investimentos, [...] mas não tem sido um investimento continuado, são momentos esporádicos [...] inclusive os eventos passaram a ter um caráter regional, não só municipal. Sujeito (B) [...] temos que investir cada vez mais na capacitação para as pessoas, para o trabalho coletivo [...]. Sujeito (E).

A falta de organização e de politização dos setores populares, resulta apenas numa

minoria que se mobiliza e participa para garantir os interesses coletivos, o que dá para

perceber, enquanto sujeito participante dessa trajetória, é que é muito reduzido o número de

entidades que se comprometem com os processos de participação na gestão pública.

Um outro fato que precisa ser salientado é que as administrações públicas pouco

investem na capacitação política, seja dos próprios funcionários, profissionais, ou

capacitações que envolvam a população; não há uma preocupação dos governos em realizar

uma educação política, no sentido de proporcionar mudanças culturais, políticas, com vistas

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às mudanças sociais, isto é, há muito pouco, ou quase nenhum investimento público em

capacitação sistemática que leve ao desenvolvimento da democracia, por isso ela se apresenta

tão insuficiente.

Contudo, é preciso atentar também para alguns aspectos em relação à história. Por ela

ser construída por sujeitos, ser um processo dinâmico, estar sempre em movimento, é

pertinente dizer que ela caminha em várias direções, ora avança e ora sofre recuos, depende

daqueles cujo papel representativo a conduzem. Por exemplo, sabe-se que as administrações –

o poder público – são significativas na condução de um processo democrático ou não. O

poder público muitas vezes é responsável por essa condução. Seguindo a tendência geral

moderna que é uma exigência legal, mas também necessária rumo à democratização,

descentralização e gestão participativa, as administrações municipais terão de lutar para

melhorar seu nível de organização política, econômica e social. Mas isso exige uma profunda

mudança da cultura político-administrativa que não aquela herdada de outros tempos, mas

uma concepção centrada de fato na democracia e na cidadania participativa.

Ainda um aspecto que precisa ser pensado, refere-se às mudanças de administrações

que acabam provocando descontinuidade de ações que podem levar a esses recuos. Essa

descontinuidade representa um entrave à consolidação da participação, principalmente se

houver propostas antagônicas, cujos conflitos políticos podem representar uma desarticulação

de projetos, caso não estejam consolidados. Contudo, se houver mecanismos de participação

popular fortemente organizados e institucionalizados, dificilmente eles serão desarticulados.

3.1.5 Identificando a cidadania política

Para Bobbio “O conceito de política, entendida como forma de atividades ou práxis

humana, está estreitamente ligado ao conceito de poder” (2000, p. 160).

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Em sentido amplo a práxis humana ou a práxis social, que é também práxis política,

tem por objeto grupos ou classes sociais e até a sociedade, pois se trata de uma atividade que

leva a mudanças, a partir da organização e direção da sociedade, ou seja, mediante a

atividade prática, a luta política, pode haver transformações.

A práxis política pressupõe a participação de amplos setores da sociedade. Mas não se trata de uma atividade espontânea, ainda que nela se dêem atos espontâneos de determinados indivíduos ou grupos. Persegue determinados objetivos que correspondem aos interesses radicais das classes sociais, e em cada situação concreta a realização desses objetivos está condicionada pelas possibilidades objetivas inscritas na própria realidade (VAZQUEZ, 1977, p. 201).

Entende-se desta forma que é necessária uma ação organizada, com direção e objetivos

claros. Neste sentido, a práxis humana, em seu contexto histórico, reflete a atividade prática

de homens conscientes que, como sujeitos, procuram realizar seus objetivos.

Na verdade, o termo política expressa também uma forma de “poder”. De acordo com

Bobbio “Há várias formas de poder do homem sobre o homem: o poder político é apenas uma

delas” (2000, p. 161). Nesse sentido “poder” deve ser também considerado uma “força”, mas

não uma força coercitiva, que construa subordinação ou imposição, mas uma força que

construa relações fortes e que possibilite a criação de instâncias decisórias.

Dallari conceitua política como sendo: “Política é a conjugação das ações de

indivíduos e grupos humanos, dirigindo-as a um fim comum”. Continua suas reflexões,

concluindo que:

É preciso considerar que “política” tanto pode referir-se à vida de seres humanos integrados e organizados numa sociedade, onde são tomadas decisões sobre os assuntos de interesse comum, como pode referir-se ao estudo dessa organização e dessas decisões (1984, p. 10).

A política deve ser compreendida como uma forma de conduta ou comportamento que

deve ser adotado para se atingir um objetivo, devendo esse ser de interesse de todos. Por isso

é democracia, pois pressupõe um coletivo. Essa é a forma que o termo “política” deve ser

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social. É preciso conceber que a participação deve compor o cotidiano. Trata-se de uma

orientação que passa a fazer parte dos órgãos coordenadores da política de assistência social,

como a que a pesquisadora está vinculada, enquanto profissional, vem propondo e discutindo

junto aos profissionais, de acordo com as condições e funções que lhe cabem, e nas

oportunidades que surgem, uma vez que esta prática deve fazer parte da vida dos atores da

área da assistência social. Cabe a todos contribuir para a conquista da democracia, que só é

possível participando, exercitando a cidadania política.

É preciso considerar o que diz o sujeito (B) quando coloca que a questão do “tempo” é

importante na construção de nova história, ou seja:

[...] a gente não consegue grandes avanços [...] se a gente for pensar no tempo de 8 anos é muito pouco na história [...] mas tem alguns avanços [...] o pessoal quer ver a coisa acontecer na hora e acha que vai mudar tudo e as coisas não mudam assim da noite pro dia, porque é cultura, a gente não muda a cultura da noite pro dia [...].

O depoente fala dos oito anos de existência do Conselho em Franca e acredita ser

pouco tempo para mudar uma cultura. Adquirir uma cultura democrática, assumir o conceito

de cultura como processo de identificação comunitária, cristalizando os traços mais

característicos dos modos de ser e de produzir cultura democrática, “significa democracia

como cultura de um povo, ou seja, como marca característica de sua organização e

sobrevivência. Passaria a ser algo tão vital, como o oxigênio para a vida”(DEMO, 2001a , p.

78-79).

A cultura democrática é um processo em construção, está em movimento, sendo

dinamicamente construída, todavia, a passos lentos. Há ainda uma prática velha que precisa

ser superada, que deixou de satisfazer a princípios e objetivos que estavam presentes como

valores. Participar ainda é uma novidade que precisa ser reconhecida como um valor. É

preciso substituir o “velho” pelo “novo”, e isso requer reconhecer que as velhas práticas já não

correspondem mais. Paulo Freire diz que: “Há uma interligação entre as coisas que vão

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ficando velhas e as coisas que vão nascendo. Há uma dinâmica e não uma imobilidade. Em

toda sociedade, há novidades por vir” (1995, p. 71). Entende-se dessa forma que nada é

estável, as mudanças fazem parte da história da sociedade, elas ocorrem à medida que os

homens, que são os sujeitos históricos, realizam-nas, a partir de suas necessidades.

Campos e Maciel dizem que um Conselho, por ser paritário, é espaço do fazer político

e por isso deve ser pensado como espaço contraditório de participação:

Pensar o Conselho Paritário como lócus do fazer político é pensá-lo como espaço contraditório, como uma nova modalidade de participação. Diz respeito a um formato de exercício democrático que questiona tanto a tradição elitista do fazer político no âmbito da sociedade política quanto sugere repensar as práticas de precária experiência democrática, predominantes na sociedade civil (1997, p. 150)

Isso implica a aquisição de uma nova cultura política, no sentido de se buscar a

introdução de uma cultura diferente, com vistas à transformação da sociedade, ou seja, para

se engajar nessa luta, é preciso “[...] ajuizar a prática política. Quer dizer: fazer exigências de

natureza ética, para que seja possível uma nova cultura política” (FREIRE, 1995, p. 71).

É a apreensão de uma nova cultura democrática, construída para defesa de uma

conquista.

O depoimento de (C) aponta que o Conselho é um espaço onde se realiza a cidadania

política:

Olha, eu tenho falado muito isso, que ser conselheiro é ser um cidadão privilegiado, como eu uso esse termo privilegiado, é bom ressaltar que não é no sentido de favorecimento não, mas eu entendo que a participação nos Conselhos, e esses Conselhos numa forma geral, são o exercício de cidadania plena, porque o fato de eu ter condição de ser conselheiro, eu estou na condição de formulador de políticas, eu passo a influir no meu âmbito local, pensando no município, na maneira como é conduzido ali, seja política de saúde [...] política de assistência [...] política de educação [...] política voltada para criança e adolescente [...] para o idoso e outras tantas, e isso é ser um cidadão privilegiado [...] de contribuir efetivamente para a cidade que eu vivo, para fazer uma política pública melhor.

Através desse depoimento fica nítida a noção de cidadania política, que é também

cidadania plena, considerando ainda o que Luiza Erundina coloca sobre a experiência dos

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Conselhos:

A convivência harmônica e complementar da democracia direta e a democracia representativa – e isso é exercício de cidadania política – só é possível na instancia local de poder, nos municípios, nas cidades, onde vivem os cidadãos, onde é possível acumular seja na construção da cidadania política, seja na consolidação da democracia (1996, p. 14)

Dessa forma, a cidadania política implica liberdade, onde os atores que dela se

apropriam possam expressar-se através de mecanismos que lhe dêem legitimidade.

A cidadania hoje está calcada na democracia, que tem como lógica a liberdade e

pluralidade, no sentido de igualdade no espaço público, sendo que “à pluralidade pertence a

relação de pressão entre um e os outros, entre o individuo (compreendido de maneira plural) e

o mundo” (ARENT, 1998, p. 167). Isso significa que os indivíduos devem viver de forma

harmônica, buscando formas de sociabilidade que permitam reconhecer a necessidade,

compreender, respeitar, conviver, permitir contradições, não se contradizer, entre outras

coisas. Portanto, a pluralidade é fundamental para o convívio dos homens.

Para o sujeito (B), a cidadania política depende de pessoa para pessoa:

Isso aí vai de pessoa para pessoa, do interesse, mas ocorre um fato interessante, às vezes, a pessoa vai, ele vai representando sua instituição querendo conseguir mais recurso para sua instituição, e chegando lá ele se envolve dependendo do movimento que o Conselho tem ele se envolve tanto que ele percebe que não está ali para defender só a instituição dele, então algumas pessoas a gente percebeu que aconteceu esse movimento [...].

O exercício da participação consciente, é um exercício de cidadania política. Nesse

sentido, o indivíduo ao participar ajuda conscientemente nas decisões, formula suas próprias

opiniões e não está ali para defender somente seus objetivos individuais, preocupa-se com o

que os outros percebem e como percebem e leva isso em consideração na percepção das

coisas, de si e dos outros.

Para o sujeito (E), o Conselho é um espaço onde está presente uma correlação de

forças que permite a construção e o exercício da cidadania política:

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[...] eu entendo exatamente isso, o Conselho é um espaço político, portanto lá está presente uma correlação de forças, no mesmo tempo que está presente a perspectiva de construir política, estão presentes os interesses conservadores, e que aí não é uma questão de bem ou mal, e que muitas vezes era assim que era interpretado, então eu acho que de fato ali é lugar de embate é como conferência; eu acho que conselho e conferência é um espaço de aprendizado, mas acima de tudo ele é um espaço político, portanto a gente tem que ter claro qual é a sua importância e fazer defesa; então é uma correlação. Esse entendimento de que sociedade civil é contra o governo, e o governo quer sempre manipular a sociedade civil, atrapalha um pouco o aperfeiçoamento dessa participação mais política.

Neste sentido, o conselho é entendido como lócus do fazer político, pois se trata de

uma instituição que deve estar organizada a partir de uma correlação de forças entre duas

dimensões, de um lado o Poder Público e de outro a sociedade civil, ambas devem estar

sustentadas na lógica do pluralismo, conforme já foi dito anteriormente.

Dando seqüência ao entendimento que os sujeitos apontam como cidadania política, o

sujeito (D) a identifica como:

Eu a identifico como um agente capaz e poderoso de chegar a um resultado melhor, nessa definição [...] eu via o Conselho, do qual eu participava, como espaço comunitário, o conselheiro é representante da comunidade [...] por que é como se eu fosse um edil, eu representava um todo, toda aquela comunidade, direta [...] e indireta [...] também, eu via o meu espaço como cidadão, muito mais ampliado [...].

A cidadania política é aqui entendida por esse sujeito como uma forma característica

de representação. Os Conselhos paritários tem justamente essa intenção, a de corroborar com

os processos de representatividade e participação. É necessário que todos os conselheiros

tenham conhecimento do real papel de um Conselho, o que implica clareza acerca da natureza

deste e o que ele representa no processo de democratização da gestão pública. Essa

compreensão pôde ser identificada na fala do sujeito (E):

Hoje eu acho [...] essa proposta dos Conselhos que veio da Constituição de 88, ela é uma forma, um instrumento que você tem na democratização da gestão pública e participação popular, quer dizer, o fato de se ter os Conselhos discutindo e definindo políticas, propondo, fiscalizando, quer dizer, é um exercício de cidadania, por isso que nós trabalhamos a Casa dos Conselhos, que a idéia era exatamente essa, inclusive, fazer um trabalho forte de capacitação dos conselheiros para que eles pudessem assimilar isso de forma mais qualificada dentro do processo. Nós chegamos a organizar alguns eventos de capacitação. Essa questão de participação dos Conselhos ela é uma coisa até nova no Brasil, como já disse antes, muitos Conselhos existem apenas no papel, aqui nós trabalhamos para que isso não ocorresse.

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Sabe-se que, na prática, há integrantes dos conselhos paritários cujas ações são

marcadas por tendências e generalizações desmedidas ou de particularismos, isto é, muitos

representantes buscam participar dos Conselhos para propósitos pessoais, ou mesmo, visando

a interesses institucionais, os quais representam. São entendimentos que implicam um

distanciamento dos reais objetivos de um conselho, para os quais foram constituídos.

Ambas as posturas podem acarretar a inviabilidade política, uma vez que as ações

deste conselho venham a se fragmentar; eles podem ser esvaziados, tanto pela impossibilidade

política como por distanciar-se de seus objetivos. Contudo, é preciso necessariamente que os

Conselhos sejam apreendidos como instância, por excelência, do fazer político. É o povo

assumindo-se como sujeito político, através da democracia direta e representativa, numa

convivência conjunta. Isso é cidadania política.

3.1.6 O significado do CMAS na Política de Assistência Social em Franca

Procurou-se aqui identificar como os sujeitos apreenderam o significado do Conselho

Municipal de Assistência Social, a partir de sua constituição, instalação e funcionamento, na

política da assistência social, buscando identificar o que esse novo modelo representou com a

estruturação do órgão gestor municipal que passou a ter um papel coordenador dessa política,

além de ser o executor das ações em seu âmbito, junto com a rede socioassistencial. Buscou-

se também identificar como as entidades reagiram e como assimilaram as mudanças; como se

deu o exercício do controle social pelo conselho. Enfim, a partir dos depoimentos, pode-se

analisar:

[...] a cada conferência que acontece pra avaliar a caminhada do Conselho, não só da implantação da LOAS, mas do funcionamento efetivo do Conselho [...] a gente sente assim que nessa implantação há uma importância muito grande da compreensão do alcance da construção dessa política de assistência social. [...] não basta apenas atender as necessidades ou os mínimos sociais ou as mínimas necessidades básicas de todos os seres humanos como é possível atender, dentro dos limites, mas estar

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também galgando aquele outro degrau que é o de provocar mudanças propriamente na vida das pessoas que são atendidas [...] um dos motivos que provocou e ajudou muito essa questão da construção e o esclarecimento desse aspecto da política, foi quando o Conselho deliberou o orçamento programa do Conselho [...] montado na seguinte perspectiva: de acordo com os prazos para estarem elaborando orçamento programa municipal eram feitas reuniões com dirigentes e com os profissionais no sentido de estar discutindo com eles a sua elaboração; era discutida a nova linguagem na área da assistência social de acordo com a LOAS; de que forma que o programa social que aquela organização viria ou queria desenvolver; como ele poderia estar contribuindo para provocar uma mudança na vida das pessoas atendidas; então nós tínhamos mais ou menos doze entidades que faziam meramente a distribuição das cestas básicas e mais umas oito que faziam só a distribuição da sopa, é um atendimento básico [...] mas para os dirigentes dessas entidades entenderem o alcance de que deveriam ir além da prática da caridade, para prestação daquele novo serviço, uma vez que os serviços prestados até então prestados, sempre se caracterizou como caridade, pois essas entidades, em sua maioria são de cunho religioso [...] a distribuição daquele alimento atendia a um direito básico, que era a satisfação daquela necessidade básica de alimentação; então, o outro degrau seria a dimensão de provocar uma mudança na situação de vida daquelas pessoas; [...] o grupo que permaneceu avançou [...] pessoas e entidades entenderam o alcance, tanto que se você participa de uma reunião com os dirigentes e os funcionários coordenadores de creches, você vê outra linguagem até o modo deles falarem, isso eu considero que foi um avanço. Sujeito (A)

Percebe-se dessa forma que houve mudanças efetivas com a nova política de

assistência social, a partir de um trabalho sério desenvolvido pelo Conselho, foi possível

provocar alterações no modo de pensar e agir de determinadas entidades sociais no município.

Continuando as reflexões apontadas pelo sujeito (A), pode-se concluir que houve um

envolvimento efetivo de alguns segmentos na construção dos padrões mínimos, que foi um

dos avanços apontados pelos sujeitos, e que muito contribuiu para a política de assistência

social no município.

[...] com a participação das várias entidades envolvidas: PPD, Idoso, Moradores de Rua, os vários segmentos, e aí..esses padrões mínimos foram elaborados, foram feitas reuniões com esses segmentos no sentido de discutir, clarear, esclarecer, alterar alguma coisa para que pudessem atender efetivamente a realidade, e, aí foi colocado em prática; agora, os que entram

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(principalmente na sociedade brasileira, onde ainda não está consolidada a prática da

participação, do coletivo), mas que há, sobretudo, a crença de que os conselhos são

instrumentos indispensáveis para a consolidação da democracia, tendo em vista a participação

da sociedade civil como interlocutora com o poder público, na construção da cidadania, que

vai possibilitar a transformação da realidade local.

Enquanto sujeito desta pesquisa, é pertinente dizer que o fortalecimento da democracia

depende da ampliação da participação da sociedade na gestão pública e do crescimento da

consciência política, em relação a isso. Em Franca, através de seus Conselhos promovendo a

mobilização da sociedade, mesmo que lentamente, se percebe que muitos avanços ocorreram.

O sujeito (B) aponta que o Conselho em Franca é um marco:

Eu acho que é um marco, o antes e o depois, eu acho que antes do Conselho [...] era uma coisa “jogada”, o prefeito decidia [...] o plano das organizações era um plano que distribuía alimentos, distribuía remédios, distribuía de tudo, tinha mais de 100 entidades dentro desse plano de organização, que na verdade quando a gente chegou aqui, era uma montanha de alimentos sendo repassados e só, e hoje, o que a gente pode falar [...] como contribuição hoje, a gente tem o início da construção da política [...] pra repassar um recurso para as instituições, a gente pede a elas que apresentem os seus projetos, que esses projetos tenham conteúdo, tenham um trabalho socioeducativo, que tenham inovação que demonstre que estão de acordo com a política de assistência, de acordo com o que está dado hoje dentro da política, [...] a gente busca esse olhar, esse olhar macro...antes era só pra atender as necessidades das instituições, e as instituições as demandas da população [...].

Nota-se mais uma vez, através desse depoimento, a importância do Conselho e o que

ele representa na política de assistência social em Franca. A criação deste Conselho foi

realmente um marco, pois todas as decisões em relação à política de assistência social,

obrigatoriamente passam pelo Conselho, nada é definido sem a sua anuência. Enquanto

profissional da Secretaria Estadual de Assistência Social, órgão de comando único em nível

de Estado e coordenador da Política Estadual de Assistência Social, tendo o papel de orientar

e assessorar os municípios, pode-se perceber que todas as definições relativas às ações da

área passam pelo Conselho. Por isso pode-se dizer que ele está legitimado. Trata-se de um

Conselho que realmente encontra-se em contínuo e sistemático funcionamento, com reuniões

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meio do órgão gestor municipal, profissionais para assessorar o referido Conselho. Tal

determinação está também definida no artigo 11 do Regimento Interno17.

Estes avanços são muito significativos para a garantia de uma política municipal de

assistência social, pois possibilita assim que o Conselho realize suas funções de forma mais

efetiva, ao receber o apoio necessário para seu pleno funcionamento.

Ainda conclui o sujeito (C) que a política de assistência, hoje em Franca, é muito

diferente, muitas coisas mudaram:

[...] nós tínhamos uma assistência social antes, e passamos a ter uma assistência social depois, eu acho que o CMAS é um marco, um divisor de águas realmente, [...] mas porque eu falo como marco, porque a partir da implantação do CMAS de Franca, com a realização já de quatro Conferências Municipais, realização de dois encontros municipais de assistência social, estamos caminhando para uma terceira, avançou-se muito na questão da concepção da assistência, na questão do entendimento sobre o que é uma política pública de assistência social, dentro do Conselho e aliás, com as pessoas que trabalham nisso também, [...] o discurso já mudou muito, o que não mudou muito é a prática, mas melhorou muito a questão do controle, melhorou muito a questão da pactuação dos recursos, hoje se tem isso de forma transparente, não tem favorecimento; as Entidades sabem claramente o que elas tem que fazer para buscar recursos, tem que se inscrever no Conselho, tem que apresentar projetos [...] é claro que não mudou em 10 anos o que foi construído em décadas...mas através do Conselho conseguimos grandes conquistas nesse pouco tempo de existência [...].

A compreensão que se pode tirar, diante da realidade apontada neste depoimento e que

pode ser confirmada pela vivência do pesquisador, pois acompanha a história de Franca, é que

a criação de seus Conselhos, sobretudo o de Assistência Social, constituiu-se na principal

demanda de inovação na gestão municipal a partir de 1997. O CMAS de fato representou ou

representa hoje um mecanismo, que da forma como está sendo trabalhado, vem se

apresentando como uma instituição política, determinante e controladora das ações em âmbito

local, cumprindo de fato seu papel, através de seus integrantes, o que tem possibilitado a

construção de uma nova política de assistência social, ou vem sinalizando e transformando a

17 Art. 11. O CMAS contará com uma secretaria de apoio mantida pelo órgão gestor municipal, conforme determinação do Artigo 9º da Lei 5.491/01

Parágrafo único. O órgão gestor municipal designará para a secretaria de apoio, um Assistente Social e um escriturário.

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assistência realmente, numa política pública.

Há ainda um outro aspecto apontado por (C) que é significativo enquanto avanços na

assistência social em Franca:

Franca avançou tanto que nós temos na administração do Fundo Municipal de Assistência Social, nós temos uma administração tripartite, porque normalmente o Gestor é representante da política do Executivo daquela área, mas em Franca nós temos um representante da Secretaria de Finanças ou equivalente, um representante do Órgão Gestor e um representante do Conselho que assina em conjunto com os outros dois a liberação de recursos do fundo e essa junta apresenta para o Conselho a cada dois ou três meses, relatório das suas atividades, o que foi repassado, quanto, para exatamente o Conselho saber se aquilo que ele deliberou foi cumprido, isso é controle social, isso é fiscalização, isso é parte dos avanços que foram conseguidos ao longo desses quase dez anos de existência do Conselho.

Conclui-se, todavia, que o Município de Franca está caminhando de forma

progressista rumo à democracia, apesar de concordar com a fala dos sujeitos que a história se

constrói de forma lenta, não se mudam as coisas, ou seja, não se muda uma cultura numa

década, até por que isso depende de um processo que envolve a educação, pois é mudança de

cultura e a educação é condição para que ocorra essa alteração na forma de pensar e agir das

pessoas, mesmo concordando com Paulo Freire quando diz que a educação não é a chave

para a transformação, ela é um instrumento importantíssimo para a construção da cidadania.

A cidadania se cria com uma presença ativa, crítica, decidida, de todos nós com relação à coisa pública. Isso é dificílimo, mas é possível. A educação não é a chave para a transformação, mas é indispensável. A educação sozinha não faz, mas sem ela também não é feita a cidadania (1995, p. 74).

Para o sujeito (E) pensar a política de assistência social é pensar primeiro no

Conselho:

Não é possível pensar política de assistência no município sem pensar nesse Conselho [...] todos nós temos um papel técnico e político [...] de cidadania, de participação, mas sempre político [...] não consigo imaginar a construção da política de assistência sem esse respeito a essa instância, eu sei que tem algumas coisas que a gente não consegue [...] mas a gente sempre conseguiu chegar a algum termo comum, avançando mais, avançando menos, a gente conseguiu..tinha embates difíceis, tinha vezes que era muito difícil, por que eram embates difíceis [...] eu tive uma postura [...] por que eu entendia que eu tinha um cargo que pra gente garantir o respeito do Conselho, eu não tinha que estar presente, como conselheira, se eu era Secretária ou Gestora, não podia ser membro do Conselho, eu tinha que prestar esclarecimento para o Conselho, apresentar projetos do município, eu tinha outro

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papel, então a gente tinha esse cuidado, eu acho que isso foi fundamental [...],é preciso priorizar o Conselho como um espaço político de decisão, ele é fundamental...a gente não dava um passo sem falar com o Conselho, mesmo que isso significasse que a gente ia ter que recuar, às vezes a gente podia perder numa discussão, mas a gente ia, não íamos de forma ingênua, não [...] a gente tem consciência de que respeitou a autonomia do Conselho e respeitou o Conselho como um espaço democrático [...].

Mais uma vez está sendo colocada a importância do Conselho enquanto instância

autônoma, normativa e controladora. É importante compreender seu caráter paritário, em que

a política municipal deve ser aliançada, isso significa que as decisões que são tomadas e

definidas no Conselho estão conjugadas nessa parceria de esforços e recursos do governo

local e da sociedade civil. Entretanto, é preciso ter claro que a parceria deve ser compreendida

como uma instituição política.

Trata-se de uma aliança, pautada em princípios de solidariedade em que deve

prevalecer uma relação de parceria conjugada e não em formas históricas, onde se usou

instrumentos, tais como: portarias, subvenções, convênios, etc. Essa nova relação de parceria

deve ser clara e transparente para a sociedade, de forma que se permita o controle social.

Por fim o sujeito (F) aponta o que esse Conselho representou na política de assistência

social em Franca:

Sem dúvida foi muito importante pra cidade, acho que nós somos referências em algumas iniciativas e essa acho que é uma delas, Franca, por exemplo, foi uma das primeiras cidades do Brasil a ter Conselho Tutelar, Franca tomou algumas medidas na frente de outras cidades, eu não sei como está essa questão dos Conselhos hoje pelo Brasil, pelo Estado afora, acredito que ainda é muito incipiente, eu acho que aqui nós temos alguma coisa a oferecer do ponto de vista do que deve ser feito, e também o que não deve ser feito em relação a isso, acho que o Conselho, não sei como está hoje...mas eu acho que esse embrião que foi deixado, de trabalho, ele é importante, o Conselho é muito importante, foi importante durante esse período pra gente, inclusive pra otimizar a aplicação dos recursos, para acompanhar melhor as entidades prestadoras de serviços; ainda temos muito que fazer dentro dessa área, até porque a demanda é grande...eu acho que temos ainda muito que avançar, mas a idéia é boa, e é uma idéia de que nós temos que caminhar [...] o Conselho e o Fundo têm que ser cada vez mais importante e o Executivo tem que respeitar, ele vai ter seus participantes lá, a constituição do Conselho estabelece que o poder público tem os seus representantes em todos os Conselhos Municipais, aí eu acho que deve haver interação, agora o que não pode haver é ingerência, interação sim, mas ingerência não [...].

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É clara a posição deste sujeito quanto à importância dos Conselhos e que o Executivo

tem papel importante em zelar por eles. Vale ressaltar que o mesmo, enquanto Prefeito que foi

por dois mandatos, teve importância significativa na evolução e constituição do Conselho

Municipal de Assistência Social, respeitando e dando o apoio necessário para seus avanços.

Levando em consideração que

O poder municipal tem a função constitucional precípua de promover a melhoria das condições locais de vida. O Executivo municipal, entre todos os níveis de governo, é o único capaz de funcionar adequadamente como poder local, ou seja, como responsável pelos serviços e equipamentos públicos que compõem o contexto no qual os cidadãos enfrentam o seu dia-a-dia, com maior possibilidade de assumir o compromisso de se organizar por intermédio da participação popular (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 43).

Só haverá descentralização efetiva com o apoio do Poder Executivo e a partir da

participação. Neste sentido, o município só tem a ganhar, ele se fortalece e passa a ter mais

autonomia, o que se constitui como a base de uma nação livre, soberana. Isso implica uma

postura democrática por parte do governo local: permitir que as instituições políticas

cumpram seu papel, como é o caso de um Conselho. Uma vez instituído deve funcionar como

estratégia de divisão de poder na gestão da política local.

Para o sujeito (F), o Conselho Municipal de Assistência Social em Franca, está

consolidado

[...] eu acho que não temos como retroceder nesse trabalho, até porque vai ser difícil, já passou a ser, a população envolvida no processo, os representantes virem isso como uma conquista, imagine se você quiser reverter esse modelo, por exemplo, no caso da distribuição dos recursos e volta a estaca zero, a situação anterior, quer dizer, vai haver uma reação, então eu acho que isso é o positivo, isso está consolidado, então só cabe nesse processo avanços, não retrocessos [...] qualquer medida que venha a prejudicar o que já foi decidido, então é algo que já está impregnado na cabeça das pessoas, as pessoas viveram essa experiência, existe uma lei, por exemplo se essa lei tiver que ser revogada, como a do Fundo ou do próprio Conselho, se tiver que ocorrer mudanças, a reação deverá ser realmente grande, pois trata-se de uma questão que já está fazendo parte do cotidiano das pessoas envolvidas dentro desse processo e ela só cabe então avanços.

Os Conselhos representam a modernização democrática do poder através de formas de

representação cidadã em cada instância de decisão; é um novo modo de diálogo entre Estado e

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Sociedade civil; é o estabelecimento de uma nova relação. Contudo, é preciso que a sociedade

saiba disso, isto é, seja capaz, ela mesma, de dizer qual Estado quer, que tamanho deve ser,

onde deve atuar. São os atores sociais que definem esse Estado, mas isso só será possível

quando esses protagonistas souberem e forem capazes de pensar estrategicamente.

Enfim, pode-se dizer que o Município de Franca encontra-se nesse caminho: está

fazendo a sua história. Os construtores que protagonizam enquanto sujeitos, vêm buscando

fortalecer-se com suas atitudes comprometidas, libertas da necessidade do fazer por dever ou

obrigação, demonstrando que o compromisso assumido está fundado no principio único que

os move, o da democracia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Esta pesquisa teve sua origem e embasamento na experiência vivenciada pelo

pesquisador, enquanto profissional e, academicamente, o instigou desenvolver esta análise,

considerando a importância da temática. Ser sujeito do processo propiciou sistematizar sua

experiência, podendo assim, contribuir com reflexões que, de alguma forma, estimulem

aqueles que oportunamente venham se utilizar delas.

Assim, esta pesquisa considera inicialmente que a Constituição Federal de 1988 foi

um marco histórico quanto à construção de uma nova ordem social brasileira. Um dos grandes

avanços contemplados foi a descentralização político-administrativa da assistência social.

Com razão, este preceito leva à introdução de novas formas de gestão dos governos, nas três

esferas, sobretudo nos municípios.

A descentralização e a participação, desde 1988, têm sido o suporte das políticas

sociais, de sorte que, através destes dois princípios vêm se construindo a possibilidade de

democratização no país.

Mas, diversas são as contradições que perpassam pela conjuntura em que se tenta

construir esse novo processo. Fala-se de uma democracia, onde os cidadãos podem e devem

agir de forma a exercitar sua participação. Além do mais, é pertinente lembrar que a

assistência social, apesar de ser afirmada como um direito social e uma ampliação da

cidadania e de estar constitucionalmente garantida como tal, no entanto, sua legitimação como

política pública não foi um processo fácil.

Os estudos aqui apresentados demonstram que a descentralização não tem sido

cumprida de forma efetiva, devido a alguns obstáculos, apesar de ser o cerne da gestão

democrática, sendo uma exigência do mundo moderno nas gestões públicas.

Pode-se dizer que a própria Lei Orgânica da Assistência Social, foi um processo

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controverso, para ser garantida sua regulamentação, teve que passar por diversos momentos

de luta até ser aprovada.

É preciso lembrar que romper com formas antigas de pensar e agir, ainda é um grande

desafio. Historicamente, conforme consta na primeira parte deste estudo, a Assistência Social

no Brasil, em sua organização, sempre esteve aliada aos interesses dominantes.

Inicialmente, os modelos de proteção social do sistema de seguridade social eram

excludentes, pois integravam um pacote de ações não padronizadas, os quais eram

concedidos somente a alguns trabalhadores. Possuíam características de privilégio que mais

excluía do que incluía, ou seja, o direito ao sistema de proteção social era concedido às

categorias de trabalhadores, cuja contribuição ao processo produtivo, era significativa.

Ainda nos anos 40 do século passado, novo modelo de proteção social foi implantado,

tendo como característica principal a “universalidade da cobertura”, no entanto, novamente,

sua finalidade é favorecer a expansão do capitalismo, pois tinha como objetivo atender ao

trabalhador de forma que ele pudesse produzir mais, para isso houve um investimento na sua

qualificação, na saúde, de forma a promover melhorias nas suas condições de vida,

favorecendo a manutenção e reprodução do sistema.

Neste cenário, pode-se destacar a influência fordista e keynesiana que provocou a

instituição de uma nova relação capital/trabalho, o que conseqüentemente, obrigou o Estado

ao estabelecimento de novas formas de intervenção por meio de políticas sociais que

pudessem atender aquele contexto cíclico de acumulação.

Portanto, foi um modelo que buscou contribuir com as mudanças e a legitimação do

sistema, ou seja, acompanhar a modernização econômica; garantir a produção; atender as

demandas sociais presentes; controlar os conflitos e legitimar a intervenção do Estado. Este

conjunto estratégico de ações, conhecido como o Estado de Bem-Estar Social ou Welfare

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State, tinha como objetivo garantir a reprodução da força de trabalho e a consolidação do

sistema capitalista.

Tal modelo foi sendo construído ao longo dos anos 1940-1960, onde o Estado,

enquanto colaborador do processo de expansão capitalista, contribuiu, agenciando serviços e

benefícios junto aos trabalhadores como forma compensatória e complementar, isto é, o

Estado atende as necessidades dos trabalhadores por meio de políticas sociais, oferecendo

serviços e benefícios, passando estes a fazerem parte de seus salários.

Cabe destacar, que apesar de ser uma política que tinha como objetivo atender e

contribuir com os interesses do capital, isto é, dinamizar a produção econômica, a

implementação das políticas sociais significou o avanço de conquistas sociais, pois obrigou o

Estado a ampliar seus investimentos para financiar programas sociais, além de ter que

implantar uma rede pública de serviços para atender as demandas.

As transformações econômicas, políticas e sociais vão exigindo ajustes, visando uma

adequação às estruturas macrossociais, sempre favorecendo a dinâmica capitalista.

E assim, o sistema de proteção social vai sendo instituído, ampliado, se traduzindo

num conjunto de medidas políticas, enquanto mecanismo que colabora e busca responder ao

processo de desenvolvimento da acumulação capitalista. O Estado contribui com sua

modernização, viabilizando e articulando estratégias que integram a classe trabalhadora ao

sistema capitalista, legitimando-a por meio da ideologia, onde o Estado se mostra

comprometido com a classe trabalhadora, sob a lógica de que está possibilitando a

redistribuição da riqueza social aos menos favorecidos e garantindo sua participação.

Outro contexto se apresenta a partir de 1964 ao ser estabelecido o sistema ditatorial,

instalando novo modelo político, econômico e social no Brasil. Trata-se de um regime

instituído no país que provocou profundas transformações que conseqüentemente, trouxeram

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em seu âmago novas estratégias para amparar a lógica do próprio regime/governo, aliado à

expansão e acumulação capitalista.

Dentre as propostas dos governos militares, enquanto prioridades, estavam a

ampliação das políticas sociais, o que representou um mecanismo que tinha como objetivo:

Á legitimar os governos militares;

Á fortalecer a expansão produtiva;

Á constituir um trabalhador coletivo;

Á reforçar o processo produtivo (com a exploração de mão-de-obra a mais valia);

Á implementar programas e serviços em complementação aos salários.

Estes ajustes eram necessários para atender as necessidades do grande capital, por isso

recebeu seu apoio. Para os trabalhadores, a idéia que ficava era a de que o Estado estava

sempre a atender suas reivindicações, necessidades, ou seja, estava “a serviço” do povo, em

contrapartida, o povo lhe devia corresponder, sendo-lhe fiel, cumprir suas determinações, ser-

lhe mero subordinado e agradecido pelos méritos recebidos.

Mas, as insatisfações, a busca por mais serviços e benefícios, em fim, diversas foram

as reivindicações apresentadas pelos trabalhadores no final de 1970 e início de 1980. Havia

uma intensa pauta reivindicatória, entre elas, a luta pela redemocratização do país.

Porém, a reconquista da democracia no Brasil recebeu influência de alguns fatos que

ocorreram no cenário mundial, tais como: a crise do socialismo, a queda do Muro de Berlim e

dissolução da União Soviética, entre outros. Estes acontecimentos provocaram uma revolução

nos aspectos econômicos, políticos e sociais, trazendo novas exigências à sociedade.

A abertura democrática significou o maior avanço de todo esse contexto, porém, junto

com ele vieram outros determinantes que acabou por cercear o próprio processo democrático.

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É relevante destacar que a democracia foi reconquistada em meio a uma nova crise

mundial do capitalismo, o qual acabou impondo ajustes que representaram uma involução

aos países em desenvolvimento, especialmente para o Brasil.

As medidas estabelecidas pelas instituições internacionais como FMI e Banco Central

induziram no país novas alianças e acordos, visando atender interesses dos países centrais,

em detrimento dos periféricos.

Foi em meio às transformações macrossociais, políticas e econômicas que se

promulgou uma nova Constituição Federal, intitulada de Constituição Cidadã cujos direitos

nela garantidos representaram a maior conquista que a história pôde registrar, ou seja, a

Constituição Federal de 1988 legitimou e consolidou um rol de direitos jamais garantidos

anteriormente.

Com a Constituição, novas mudanças foram realizadas no sistema de proteção social,

constitui-se o tripé da seguridade social: saúde, previdência e assistência social.

A reorganização deste sistema esteve intimamente ligada a uma nova concepção

dessas políticas, ou seja, numa perspectiva de transformá-las em políticas públicas e direito

dos cidadãos.

Assim, a assistência social tornou-se política pública e para legitimá-la como tal, foi

instituída a LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social que deu a ela o status de política.

Nesta perspectiva, a assistência social passou a carregar o conteúdo da

descentralização como forma concreta de reorganização de sua estrutura, onde Estado e

sociedade civil passaram a compartilhar sua gestão.

A descentralização no Brasil, ou seja, a agenda da descentralização com participação,

é relativamente nova. Surgiu com a generalização da repulsa ao autoritarismo e com o avanço

da transição democrática. Tem sua gênese a partir da Constituição Federal de 1988, porém sua

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implantação e implementação é permeada por contradições, tendo em vista o avanço da

ofensiva neoliberal que adquire força ao ser incorporada pelos Governos Fernando Collor de

Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e atualmente pelo Presidente Luiz Inácio

Lula da Silva, os quais foram e são pressionados por interesses de grupos nacionais e

internacionais a realizarem ajustes, visando adequar o sistema aos seus interesses.

Portanto, as idéias que predominam hoje são de cunho neoliberal, idéias que apregoam

o Estado mínimo por confiarem cegamente nas leis de mercado.

Assim sendo, para os neoliberais, a descentralização e a ênfase nas administrações

municipais estão associadas principalmente, a uma estratégia de redução do papel do Estado e

de viabilização de uma transferência de encargos, responsabilidades e recursos para a

iniciativa privada, através de mecanismos mais flexíveis e de terceirizações, o que significa

uma forma de desobrigar o poder público.

Mas, a perspectiva que está sendo defendida neste trabalho, é a de que a

descentralização e a ênfase no poder local significam a criação de mecanismos de

redistribuição de recursos e de poder entre entes administrativos, com uma reorganização

institucional que viabilize a melhoria do atendimento das demandas da sociedade e um melhor

funcionamento dos serviços, buscando maior eficiência, por meio de uma nova relação

Estado/sociedade. Trata-se, portanto, de um novo modelo de gestão que tem como base a

partilha do sistema decisório.

Têm-se ainda como princípio a defesa à democracia, em que a participação deve ser o

eixo para o desenvolvimento local. Processo esse indispensável para que a descentralização

não seja somente uma fórmula que dá autonomia ao município, mas que ela seja de fato

praticada, devendo ser a porta de entrada para a cidadania política.

Nesse sentido, o lócus da participação são os Conselhos Municipais que representam a

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modernização democrática do poder, pelas formas de sua organização, primada na

representação cidadã nas instâncias de decisão.

Os Conselhos, ao serem instituídos, promoveram um novo modo de diálogo entre

Estado e sociedade civil, a partir daí, têm como papel apresentar propostas que pretendem

estabelecer esta relação compartilhada entre o Executivo e a sociedade.

Esta divisão de poder caracteriza a instância descentralizada do poder decisório no

âmbito da gestão. São novas formas de gerir a “coisa pública”, compartilhando o exercício da

função governativa, não devendo é claro, permitir a idéia de que os Conselhos são só

instituídos para controlar ou fiscalizar o poder público, mas também para co-participar da

gestão.

Na verdade, o papel dos Conselhos é o de controle social ou controle popular, e isso

diz respeito ao redimensionamento da idéia de soberania popular e do princípio da

representação. Portanto, com esse novo modelo, as administrações públicas não podem mais

estar imbuídas pela idéia monopolista dos membros da classe política, sendo únicos

responsáveis pelo exercício da função governativa do sistema. Constitucionalmente, novos

mecanismos foram estabelecidos, buscou-se romper historicamente com as velhas formas de

governos autoritários e centralizados, instituindo novas bases jurídicas, onde se tenta legitimar

a participação da sociedade na gestão da coisa pública.

Contudo, apesar da descentralização e a municipalização fazerem parte das

administrações públicas, ainda estão presentes três modelos descentralizados de gestão

permeando o cotidiano: o tradicional municipalismo, onde ainda prevalecem as práticas

tradicionalmente conservadoras da gestão local, não havendo o rompimento com as velhas

formas de administrarem; o modelo neoliberal em que há o desenvolvimento de um discurso

de privatização, propondo a minimização de responsabilidade, buscando assim repassar ou

transferir serviços públicos à esfera privada, e o modelo de gestão democrática que enfatiza o

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exercício da cidadania e a participação na esfera pública.

Este último é o que está contemplado neste trabalho, uma vez que a pesquisa

identificou o modelo que vem sendo praticado em Franca, firmado na administração local.

Trata-se de um processo iniciado logo após a regulamentação da LOAS, que resultou na

efetivação do reordenamento político-administrativo, com a implantação do Conselho

Municipal de Assistência Social. No entanto, apesar desse processo estar consolidado, alguns

obstáculos foram enfrentados:

Á a falta de vontade política por parte do próprio governo e de alguns de seus

representantes, não dos trabalhadores e técnicos, mas sim de alguns cidadãos que se

encontravam numa posição hierárquica de destaque;

Á a própria crise do Estado de regulação, formulação de suas próprias políticas, tendo

em vista a necessidade de o município estar arcando com as responsabilidades

locais: atendimento às demandas que se tornaram crescentes, destinação de

recursos, a questão política propriamente dita, entre outros, são características

estruturais e conjunturais, que permearam aquele momento de construção do

Conselho Municipal de Assistência Social .

Foi, portanto, um grande desafio consolidar a assistência social como política pública;

construir um Conselho participativo; superar disfunções burocráticas com a implementação de

novas ações exigidas na própria legislação, o que representava divisão de poder, pois os

Conselhos passam a ter um papel concreto na gestão local.

Esse processo representou a concretização de uma política pública, com a passagem de

sua formulação à implementação, na prática organizacional, ou seja, significou o avanço de

uma condição que era essencialmente abstrata à uma condição concreta.

Na verdade, o que houve em Franca, foi um processo concreto e objetivo de ações que

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resultaram efetivamente na implantação do processo descentralizado e municipalizado da

assistência social. Houve alguns níveis de coordenação que podem ser nomeados como:

Á negociação político-institucional, onde se destacou o poder de decisão, o

compromisso, a responsabilidade daqueles que se predispuseram a lutar pela causa

(implantar o Conselho), mesmo enfrentando os processos disfuncionais, tais como:

as indefinições, a burocracia, os conflitos, a crise, a imobilização, entre outros;

Á agenciamento de capacidades técnicas, podendo-se aqui destacar o planejamento

das ações que fizeram parte dos momentos de articulação, mobilização, discussão,

instrumentos, projetos, formação de grupos, a participação, e o desprendimento, o

compromisso, a responsabilidade daqueles que foram co-autores e sujeitos na

construção, criação, implantação e implementação do Conselho em Franca;

Á parceria, cooperação, complementaridade: tais aspectos possibilitaram a produção

do processo participativo da Política de Assistência Social, sobretudo no que

concerne ao Conselho Municipal de Assistência Social.

A pesquisa revelou que no município de Franca houve um fortalecimento no que se

refere à participação, demonstrando que a democracia se afirmou, podendo-se até dizer que

houve um crescimento da consciência política, por parte daqueles que foram protagonistas do

processo.

Alguns depoimentos demonstraram que a participação, enquanto consciência política,

envolve um amadurecimento que é construído pela própria experiência; ao ser lapidada, torna-

se um exercício natural do cotidiano.

O Conselheiro, enquanto sujeito participativo, aprende a respeitar e trabalhar com as

diferenças de pensamento, de expressão. Pelas falas dos sujeitos da pesquisa, percebeu-se que

o processo de construção, implantação e implementação do Conselho Municipal de

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Assistência propiciou um grande aprendizado pessoal e profissional. Juntos fizeram história,

estabeleceram relações fortes de solidariedade.

Constata-se que a participação concreta dos Conselheiros foi fundamental na

efetivação do processo. Houve compromisso, responsabilidade, persistência, negociação,

alianças, em fim, a participação foi o principal instrumento mediador que propiciou a

dinâmica construção desse processo.

Os sujeitos participantes se predispuseram a trabalhar acreditando em suas

concepções; assumiram o seu papel de cidadão, na qualidade de sujeito e de profissional.

Estavam imbuídos de uma preparação técnica, política e ética, e assim buscaram organizar

suas ações. Mesmo sendo um processo que estava sendo introduzido, fato pelo qual foi

preciso buscar uma preparação teórica, ou seja, se apropriarem de instrumentos e experiências

vivenciados por outros municípios o que possibilitou clareza e segurança na tomada de

decisão.

Ficou evidente que houve um compromisso mútuo entre os atores, profissionais,

trabalhadores, dirigentes de entidades, políticos, representantes governamentais e não-

governamentais, quais sejam, aqueles que estavam envolvidos e buscavam o mesmo objetivo.

Evidenciou-se ainda que a participação não foi incorporada pela sociedade francana

como um todo, no entanto, houve um movimento dinâmico que possibilitou a articulação e a

mobilização positiva, rumo aos objetivos propostos.

Conforme apontaram os depoimentos, no inicio do processo, algumas dificuldades e

limitações foram identificadas, porém superadas, a partir da negociação ou mesmo de

mecanismos e estratégias utilizadas.

Foi possível identificar que a vinculação e ou a submissão, especialmente dos

assistentes sociais à instituição, seja pela falta de autonomia ou pelo fato de estarem

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vinculados a uma hierarquia de subordinação, cuja participação era tolhida, isso na maioria

das vezes não representou obstáculo àqueles que quisessem participar, visto que foram

possibilitados outros meios para o seu evolver-se, pois houve uma articulação estratégica por

parte do grupo de trabalho que buscou adequar as reuniões em dias, horários e local que

viabilizasse maior e melhor participação.

Contudo, é importante destacar pelos depoimentos e pela participação do próprio

investigador, apesar de todo esse esforço, constatou-se que a participação de profissionais do

Serviço Social neste processo foi eminentemente tímida. O fato é que ainda se preserva uma

cultura conservadora que acaba sendo reforçada pela atual proposta neoliberal, determinando

e impedindo os profissionais de apreenderem a relação entre o movimento institucional e o

exercício da participação.

O que se percebe é que o exercício da participação ainda não foi assimilado como uma

ação, uma atividade política que deve ser incorporada ao trabalho diário dos profissionais.

Outro aspecto também em destaque, é o fenômeno denominado esvaziamento o que

significa que toda organização, mobilização e articulação, no inicio é muito expressiva,

porém, sempre ocorre um movimento contrário, de recuo, seja por desinteresse ou por apatia

ao assunto, até mesmo por descompromisso em relação a pauta. Foi o que acabou sendo

manifestado nesse processo, exigindo daquele grupo, incluindo o pesquisador, uma nova

estratégia para que aquele trabalho não se perdesse.

É preciso lembrar mais uma vez que o exercício da participação está condicionado à

uma nova concepção, ou seja, à apropriação de uma nova visão de mundo e da realidade.

Sabe-se que muitos são os limites encontrados que impedem os sujeitos sociais de

participarem. Contudo, se esse processo democrático não se efetiva tendo em vista a

complexidade de fatores que tem justificação na sociedade capitalista, questão esta

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determinante, porém, não pode ser fundamento e empecilho ao avanço da democracia, pois

ainda que a sociedade encontre subjugada nesse processo, sob os moldes neoliberais, é preciso

que haja consciência de que há um instrumento jurídico, há autonomia e esta só pode ser

exercida a partir da construção e exercício da competência técnica, política, ética, com vistas

à construção de um projeto democrático de fato.

Um Conselho é um espaço legitimado constitucionalmente, enquanto lócus da

participação, é um espaço de possibilidades, de esperança, de idéias, de horizontes.

A pesquisa apontou que a experiência vivenciada em Franca, os debates

proporcionados por meio das reuniões, encontros, seminários, entre outros eventos, foram

oportunidades construídas objetivamente com o intuito de envolver, esclarecer, informar,

introduzir as novas concepções, sendo ainda exigências cuja assimilação que se fizeram

necessárias, se deu buscando-se o envolvimento de todos quantos fossem possíveis, como

uma possibilidade e forma de enfrentamento da ordem estabelecida, na perspectiva de

construção de uma nova ordem social.

A construção do Conselho no município contou com aspectos muito importantes quais

sejam: a dedicação, o esforço, a persistência e o compromisso de cada sujeito envolvido que

pôde contribuir com seu conhecimento, com a sua vivência, com a compreensão, com a

paciência ao respeitar e entender as especificidades de cada semelhante/parceiro ali presente,

seus limites, seus conceitos; tais posturas assumidas contribuíram de forma significativa ao

desenvolvimento e amadurecimento das idéias e perspectivas, sob a lógica da autonomia de

cada um, as quais foram se organizando de forma que esse processo foi sendo consolidado.

Na verdade, o enfrentamento às contradições historicamente existentes - aos

radicalismos, ao conservadorismo, partidarismos, particularismos e a individualização - são

aspectos que estiveram permeando este processo, mas que através da análise objetiva e crítica

da realidade social, econômica, política e cultural por parte daqueles que imbuídos de clara e

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firme determinação, conseguiram superar.

Estes desafios podem estar presentes como partes fragmentadas, sendo aspectos que

provocam avanços e recuos, mas não podem ser considerados como algo que leve o processo

a ter retrocessos. No caso de Franca, fica claro que - assim como foi colocado pelos

entrevistados e o próprio pesquisador pode afirmar - uma vez que o processo está solidificado,

não há como ser desmantelado.

As transições políticas, por exemplo, são momentos delicados, que põem em risco um

processo, fragmentando-o em detrimento de um todo coerente. Porém, tais dificuldades hoje

em Franca, apesar de estar sendo enfrentadas pela presença dos novos atores políticos com

visões diferentes na gestão da cidade, buscam dar rumos diferentes às ações anteriormente

organizadas, no entanto, o processo foi construído à base de sólidas atitudes em que a

participação efetiva foi a característica central. Assim, o que foi construído obtém hoje um

corpo consistente para resistir às forças externas, pois está fundado na participação legítima.

Ainda ficou evidenciado que o Conselho Municipal de Franca muito avançou no que

se refere ao seu papel e na concretização da política de Assistência Social no Município. Isto

pôde ser demonstrado pelos entrevistados e constatado pelo pesquisador, considerando os

vários instrumentos que vem sendo organizados, estruturados e constituídos pelo Conselho,

desde a sua implantação:

Á a elaboração do Regimento Interno;

Á a própria estrutura do Conselho (espaço físico, equipamentos, entre outros);

Á a construção dos padrões mínimos, os quais foram discutidos e elaborados,

considerando cada segmento;

Á a montagem e implantação da Casa dos Conselhos, espaço de fortalecimento da

democracia e da participação. Sua constituição teve como objetivo a integração dos

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diversos Conselhos criados no município, bem como o suporte aos mesmos;

Á as alterações na própria lei de criação do Conselho, especialmente no que refere à

reformulação quanto à eleição anual de 1/3 dos conselheiros para que não ocorra a

descontinuidade dos trabalhos;

Á a luta pela construção e consolidação do conceito de assistência social como

política pública, rumo à sua aplicabilidade, ou seja, que a assistência social não seja

vista somente enquanto conceito, mas praticada enquanto direito, na perspectiva da

não-proteção, isto é, tendo em vista somente a necessidade e o atendimento dos

mínimos, mas sim, praticá-la sob a lógica do direito;

Á o enfrentamento e a ruptura (em parte) quanto às práticas conservadoras e

tradicionais de financiamento de ações puramente assistencialistas;

Á a conquista da autonomia no redirecionamento das verbas públicas;

Á o estabelecimento de critérios para repasse de recursos, tendo em vista a atual

política de assistência social;

Á a criação de uma Secretaria Executiva para o Conselho, onde está assegurada a

presença de um profissional de nível superior em Serviço Social (algo exigido

somente agora com o SUAS);

Á a constituição do Fundo Municipal de Assistência Social com administração

tripartite, ou seja, com um representante da Secretaria Municipal de Finanças, um

representante do Órgão Gestor e um representante do Conselho, cujo papel é

acompanhar e administrar a gestão do Fundo.

Enfim, várias são as conquistas obtidas pelo CMAS de Franca que se encontram

consolidadas, pois foram construídas com a presença e participação dos interlocutores.

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Trata-se de um Conselho que vem cumprindo de forma legitima as suas competências,

articulando, mobilizando, negociando, compartilhando e, assim, dando transparência às suas

ações.

Contudo, os depoentes consideraram que apesar dos avanços ocorridos, ainda há muito

que fazer e conquistar:

Á articular os serviços socioassistenciais, sendo este considerado um grande desafio,

porém se faz necessário;

Á romper definitivamente com a cultura do conservadorismo, com a prática

assistencialista, com vistas à construção de fato da Política de Assistência Social

sob a lógica da LOAS; considerando inclusive, os padrões mínimos que devem ser

colocados em prática;

Á introduzir mudanças de concepção, no sentido de se compreender o espírito da Lei,

cabendo a todos esse novo entendimento, profissionais, dirigentes de entidades e

demais atores, bem como a própria população;

Á ampliar a participação;

Á construir indicadores de demandas, de serviços e de avaliação, visando a criação e

implantação de ações voltadas para as demandas identificadas;

Á maior investimento na capacitação, devendo ser uma ação sistemática e continuada,

comr v i ç o s e d e a v C / P < < / M C I D 2 > > B D 0 p 0 1 2 5 3 i 4 3 p 4 s d e e n t O / C 2 _ 1 1 T f 0 . 0 0 2 5 T c 0 T w 1 2 0 0 1 2 1 2 0 . t 4 1 i 1 2 r 3 e 4 3 p r i a p o ( r v i p 7 T m ( a s s i s t e n c i a l i T m e n c i 0 . 0 0 2 5 d e 2 0 . 5 4 0 1 2 9 5 . 9 i 7 3 9 9 8 0 1 2 4 5 4 . 0 9 7 6 4 5 7 5 5 s e d e a v C / P < < 9 0 1 . 2 9 4 0 1 2 9 5 4 . 0 0 2 5 d e 2 0 . 5 4 0 1 2 5 4 0 1 2 9 5 . 3 e . 0 0 2 5 T c 0 . 1 2 l 8 1 3 4 i 0 p 0 6 i n v e s t i m ) T j 1 2 n c i 4 . 0 0 2 n 5 0 0 4 1 a . 0 6 5 1 3 9 8 4 2 i . c v i � . 0 9 7 6 4 5 7 5 5 s e d e 8 2 c 8 4 5 4 . 0 9 7 6 4 5 7 5 5 1 5 e i n 2 9 4 8 . 2 ) T j 1 2 0 0 1 2 1 5 5 . 2 9 4 d a s ; a _ 1 4 5 4 . 0 1 2 ] 3 7 2 i . c v i � . 0 9 7 6 4 5 7 5 5 s i m

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exercício cresça, se desenvolva e se expanda e adquira uma dimensão que vá fazer diferença,

no sentido de provocar mudanças, transformações, é preciso ultrapassar a fronteira do

Conselho.

É pertinente, talvez, dizer que essa prerrogativa está condicionada à ampliação da

participação, para isso é preciso que se promovam discussões, debates, encontros, seminários,

realizem-se fóruns que possibilitem e viabilizem a participação dos usuários para que possam

de fato exercer seu papel de cidadão. Outro aspecto a considerar é a necessidade de se fazer

uma divulgação melhor desse espaço democrático, enquanto via de acesso para o exercício do

controle social, devendo abranger uma esfera maior da sociedade francana. Ainda, um terceiro

aspecto a considerar é o investimento em capacitação, tendo em vista aguçar e estimular

mudanças culturais para que as pessoas busquem agir e pensar no coletivo.

O avanço e fortalecimento da democracia dependem da dimensão da participação da

sociedade na gestão pública, condicionada ainda ao avanço da consciência política.

Enfim, parece claro que o que está faltando é essa aproximação, ou seja, o Conselho

“escancarar” as portas para que a sociedade conheça e reconheça suas prerrogativas, seu

papel, seu trabalho, seu significado.

Finalizando, conclui-se que a investigação demonstrou que o Conselho Municipal de

Assistência Social de Franca está instituído e consolidado como um instrumento legítimo da

política de assistência social fundada na LOAS, sendo para o Município um marco histórico,

pois, muitas rotinas e o modo de fazer gestão na área da assistência social foram modificadas.

Hoje, toda decisão no que refere à mesma, passa pelo Conselho, isso demonstra que este

organismo, enquanto instituição política determina e controla as ações no âmbito da

assistência social. A consolidação deste instrumento sinaliza efetivamente a existência da

cidadania e da democracia em Franca.

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ANEXOS

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ANEXO A – Sugestão de itens para conteúdo da lei municipal

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ANEXO B – Assistência Social do Município em debate

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ANEXO C – PUBLICAÇÕES EM JORNAL LOCAL

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ANEXO D – Ofício especial dirigido ao Sr. Prefeito Municipal de Franca

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ANEXO E – Ofício dirigido à Câmara Municipal de Franca

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ANEXO F – Encaminhamento pelo Sr. Prefeito do Projeto de Lei de Criação do CMAS de Franca a Câmara Municipal

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ANEXO G – Subsídios para projeto substitutivo

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ANEXO H – Lei n. 4.799/96 – Lei de Criação do Conselho Municipal de Assistência Social de Franca

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ANEXO I – Convite/convocação