jamilla barroso - síndrome de down

18
Foto: Bertrand Linet

Upload: jamilla-barroso

Post on 09-Mar-2016

220 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Jamilla Barroso - Síndrome de Down

TRANSCRIPT

Page 1: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

Foto: Bertrand Linet

Page 2: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

Síndrome de Down

C APÍTULO 15

Page 3: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

O D O N T O L O G I A V I V A

298

Cap. 15 - Síndrome de Down

298

Muito se falou até aqui a respeito dos portado-res da síndrome de Down, que já representam mais de 14% da população do Pla-neta. Avanços aconteceram e, hoje, eles começam a in-tegrar, muito timidamente, espaços na sociedade e a ser mais bem aceitos e compre-endidos por seus familiares. No entanto, o preconceito ainda é grande.

Eles vivem num mun-do peculiar, e isso, não por simples escolha. É certo que o trabalho com essas crianças precisa ser especial em todos os setores da vida: na saúde, na educação, no comportamento, no estilo de vida.

As famílias dessas crian-ças se deparam, a cada passo, com enormes dificuldades e, na maioria das vezes, precisam de suporte financeiro e emocional para cuidar de um membro que se apresente com a síndrome.

Sensibilizo-me bastante com esses casos, e cheguei à conclusão de que algo pode-ria ser feito, de muito bom, para elas. Comecei a estudar o comportamento, o controle motor, a respiração, a mastigação, como elas se alimentam, como é o processo digestivo, a articulação da palavra.

Passei, então, a analisar o ma-ciço facial, a calota craniana, a forma clássica do rosto, o posicionamento do músculo da língua dentro da cavi-dade oral, o posicionamento do osso mandibular na cavidade glenoide, a forma anatômica dos ossos da maxi-la, as suturas, a conformação óssea do palato e os ossos próprios do nariz.

Essa correlação com a for-ma peculiar dos portadores da síndrome acarreta uma porção considerável no maciço facial, que vem modificar a função perfeita da co-relação entre caixa craniana/maciço facial, conjugação do osso da mandíbula e sua interação com a cavidade glenoide.

Page 4: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

J A M I L L A B A R R O S O

299

Cap. 15 - Síndrome de Down

O maciço facial dos por-tadores da síndrome de Down é impulsionado para dentro da ca-lota craniana, dando a sensação de afundamento da face. A sutura da pirâmide nasal com o osso frontal também segue esse padrão, acom-panhado pelo osso malar e ossos próprios do nariz, diminuindo, as-sim, o espaço da cavidade oral. Os ossos parietais e occipitais não apre-sentam a convexidade tradicional da calota craniana.

Chego à conclusão de que esse modelo anatômico, tão pe-culiar aos portadores da síndro-me de Down, é um dos responsá-veis diretos pelo aprisionamento da massa cerebral.

Concluo, com meus conhe-cimentos de cirurgiã-dentista, que acredito, terão uma con-tribuição valiosa para que os pesquisadores e neurologistas possam avançar dentro dos me-andros dessa área.

Essa conformação óssea, creio, provo-ca desordens na morfologia da massa ence-fálica. É sabido que as vilosidades do cérebro dos portadores dessa síndrome são mais li-sas, sugerindo que o aprisionamento propicie essa situação, danificando importantes áreas da função cerebral.

Alio essa tese ao comportamento des-ses pacientes. Toda a função motora deles é alterada e a fala comprometida. Eles pos-suem dificuldade para deglutir, a cabeça do côndilo é modificada, a cavidade glenoide mais retilínea, dificultando o abrigo do côn-dilo. O andar dos portadores dessa síndrome também é modificado.

Precisamos pensar na cadeia que é a máquina do nosso corpo e na sua sincronia. Nosso cérebro é a caixa de máquina cen-tral de tudo, e emite o comando de nossas atitudes e ações. Sabemos que muito há para se descobrir; não podemos desprezar determinados conceitos. Dentro dessas observações, introduzi a técnica que venho desenvolvendo há três décadas, em práti-ca. Levando em consideração que a massa muscular posicionada corretamente conduz o osso mandibular à posição ideal, e esse osso, nos portadores da síndrome de Down, trabalha de forma incorreta e que a posição desse depende do posicionamento das peças dentárias, comecei então a analisar o caso clínico desses pacientes. É um projeto mui-to arrojado.

Page 5: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

O D O N T O L O G I A V I V A

300

Cap. 15 - Síndrome de Down

300

Dei início aos exames de Raios X.

No exame da articulação, obser-va-se o posicionamento dos côn-dilos, sua anatomia e a aparente fragilidade da cabeça do côndilo

e do ramo da mandíbula.

Page 6: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

J A M I L L A B A R R O S O

301

Cap. 15 - Síndrome de Down

A Radiografia Panorâmica

Observar a falta de proporção no tamanho dos arcos em relação às proporções faciais.

O aspecto radiográfi-co das peças dentárias é de normalidade no que tange à sua morfologia e implantação, levando-se em consideração a saúde geral dessa paciente e tudo que envolve seus hábi-tos, seu estilo de vida, a dieta e, principalmente, a função do sistema estomatognático.

Os portadores da síndrome de Down não conseguem mastigar, triturar os ali-mentos. A função das peças dentárias é equivocada. Os ligamentos não atuam correta-mente, e isso causa transtornos nas estruturas periodontais. Logo, o prognóstico após a correção dessa função é bom. O acompanhamento deve ser severo pela periodontia.

Page 7: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

O D O N T O L O G I A V I V A

302

Cap. 15 - Síndrome de Down

Modelos de estudo

Observar a incom-patibilidade nas

proporções dimen-cionais entre maxi-lar superior e infe-

rior

302

Page 8: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

J A M I L L A B A R R O S O

303

Cap. 15 - Síndrome de Down

Montagem provisória

Conclusão do caso

Page 9: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

O D O N T O L O G I A V I V A

304

Cap. 15 - Síndrome de Down

Expansão da maxila, trabalhando o direcionamento da força nas mesas dos dentes posteriores (Houve um cuidado máximo

com o eixo das raizes, para que a força não fosse desviada)

304

Page 10: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

J A M I L L A B A R R O S O

305

Cap. 15 - Síndrome de Down

A cavidade oral, entre tantas funções que desem-penha, é responsável pelo início da digestão, muitas vezes tida como sua prin-cipal função. Tudo é muito importante na engrenagem humana. O interior da ca-vidade oral é uma caixa que faz a acústica dos sons que emitimos; a qualidade do som depende dessa caixa, que por sua vez abriga a língua.

Observar a forma do palato, o tamanho do arco – pequeno para a proporção da língua, impedindo a quali-dade de articulação da palavra.

O posicionamento e o tamanho dos dentes impedem que o trabalho da língua seja associado à saída e à entrada do ar e, assim, promova os sons de maneira correta e agradável.

A cavidade desse pa-ciente possui pouquíssima

altura; observar espaço promovido pelos arcos. A extensão dos arcos não é compatível com o tamanho da língua.

Page 11: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

O D O N T O L O G I A V I V A

306

Cap. 15 - Síndrome de Down

306

Já que a cavidade oral, na sua inti-midade, é pequena, esses pacientes apre-sentam pouco controle da língua, e essa, vez por outra, fica caída para fora da cavi-dade, como se fosse um sinal de cansaço. Todos esses sintomas sugerem a interven-ção da Odontologia, atuando severamente na fisiologia funcional.

Chego à conclusão de que só esse protocolo, que na verdade é um conjunto de ações, pode tirar o portador da síndrome de Down dessa situação. Apenas o dentista tem como recuperar, após o nascimento, esse pa-ciente. Tudo gira em torno de muita comple-xidade, mas o sucesso da ação é certo.

O portador da síndrome de Down é um ser singular, especial na plenitude da es-sência humana. É urgente que pais, educa-dores e segmentos de saúde voltem-se para os portadores dessa síndrome, que repre-sentam mais de 14% da população mun-dial, com um foco diferente do que até aqui ocorreu. Como podemos ignorar um nú-mero tão grande de pessoas e simplesmente enquadrá-las como excepcionais, adjeti-vando assim no sentido da inferioridade? Esses pacientes possuem uma sensibilidade própria – e digo superior, já que são seres puros, íntegros e isentos de censura.

O universo do portador dessa sín-drome distancia-se dos demais por nosso comportamento com relação a ele; por isso, cabem reflexões pessoais e mudanças para que haja uma integração. Dessa forma, a tro-ca será rica e gratificante.

Após essa análise, podemos concluir que a respiração também fica muito comprometida, forçando uma respiração bucal, causando os males do nariz, ouvidos e garganta. Os porta-dores dessa síndrome encontram mais conforto mantendo-se com a boca aberta.

Page 12: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

J A M I L L A B A R R O S O

307

Cap. 15 - Síndrome de Down

A capacidade desses seres e a performance das atitudes comportamentais apre-sentam variantes que diferem do nosso universo. Quando a totalidade dessa com-preensão acontecer, muitas mudanças vão emergir nos dois universos que o homem insiste em evidenciar. O portador da síndrome de Down vivencia, no seu cotidiano, a discriminação desde sua chegada ao seio familiar. A conscientização precisa aconte-cer em toda a amplitude social e ir caminhando até as escolas, para que essas crianças percebam-se iguais, integrem-se na sociedade. Partindo desse ponto, iremos mesclan-do mais um rico componente da criação divina.

Sabemos que um cromos-somo é diferenciado do que classi-ficamos normalidade; no entanto, minha experiência aponta para magníficos resultados físicos e comportamentais. Pude viver a di-ficuldade e o sofrimento que o por-tador dessa síndrome carrega – sua consciência corporal é completa. As respostas obtidas com a evolução do trabalho não diferem em nada de casos convencionais já resolvidos por mim durante essas três décadas de pesquisas, quando busco a integração da máquina orgânica ao sistema estomatognático e sensorial.

Page 13: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

O D O N T O L O G I A V I V A

308

Cap. 15 - Síndrome de Down

308

Foi emocionante ouvir: ”Agora respiro melhor; posso mastigar; estou me sentindo muito bem.”

A auto-estima brotou tão rapida-mente, a atitude corporal mudou, a má-quina incorporou-se a esse novo padrão.

Constato que esses pacientes gritam por ajuda. Sinto-me gratificada por ter con-seguido perceber que nós podemos tirá-los de uma condição que os torna diferentes, já que eles representam uma minoria.

O intelecto é variante como o de toda a espécie humana; assim as variantes do sofrimento acontecem. Também a alegria, a tristeza, os desapontamentos e de-cepções culminam com a vontade e o desejo da compreensão e da aceitação. Eles explodem de amor, e a alma guarda um grito de socorro, enquanto o mundo que os cerca ignora-os, não os compreende, pura e simplesmente, discrimina-os.

A história da humanidade está envolvida por questionamentos científi-cos, morais, políticos e éticos. A disputa constante entre o bem e o mal, o certo e o errado. Como pano de fundo, a ex-clusão. Os portadores da síndrome de Down estão inseridos nesse contexto. Eles silenciam, percebem, sentem-se desprotegidos e impotentes diante de conceitos cristalizados por comporta-mentos da maioria que os cerca.

A consciência corporal é magnificamente plena. Eles se debatem como peixes fora d’água para respirar, falar ou comer.

Page 14: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

J A M I L L A B A R R O S O

309

Cap. 15 - Síndrome de Down

Constatei, claramente, com os cuidados que pude dispensar à transformação física, a face muito próxima da maioria dos demais, a facilidade na comunicação – já que a articu-lação da palavra torna-se pouco clara por uma si-tuação mecânica –, que é possível a correção óssea pela movimen-tação da Articu-lação Temporo-mandibular.

A cada dia mai ela irá se integrar. Assim, seu cotidiano será muito próximo dos demais, e os profissionais da área de saúde, em conjunto, poderão mudar a vida desses pacientes. Muita coisa pode ser feita. Guardo ainda um projeto para iniciar o trabalho com es-ses pacientes quan-

do bebês, para que o desenvolvimento craniofa-cial ocorra fora da vida intra-uterina.

Page 15: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

O D O N T O L O G I A V I V A

310

Cap. 15 - Síndrome de Down

310

Não podemos brincar de Deus, mas é possível trabalhar or-topedicamente dentro da cavidade oral dessas crianças. Dessa for-ma, elas irão desenvolver as atitudes mais banais praticadas por nós, ditos “normais”, que para um bebê com síndrome de Down torna-se uma ação de muito sacrifí-cio (tais como a deglu-tição, a respi-ração, entre

outras); e seu sofri-mento será infinita-mente menor.

Com a di-

vulgação des-se trabalho, confio na mudança do olhar para os portadores da síndrome de Down. Acredito seriamente na tomada de consciência da função do ato de mastigar, ocluir os dentes, falar e respirar.

Podemos fazer isso. Para esses seres, será a mudança em suas vidas e na daqueles que os cercam.

Page 16: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

J A M I L L A B A R R O S O

311

Cap. 15 - Síndrome de Down

311

Page 17: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

O D O N T O L O G I A V I V A

312

Cap. 15 - Síndrome de Down

312

Page 18: Jamilla Barroso - Síndrome de Down

J A M I L L A B A R R O S O

313

Cap. 15 - Síndrome de Down