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nova Economia_Belo Horizonte_19 (3)_509-535_setembro-dezembro de 2009 James Steuart: as questões heterodoxas de um economista político conservador Maria Mello de Malta Professora da UFRJ Resumo Este trabalho busca apresentar as principais questões trazidas pela obra de James Steuart ao pensamento heterodoxo atual. Os trabalhos de Steuart sobre economia política possuem a marca da dualidade. Tal dualidade em seu pen- samento o condenou ao ocaso em sua época e à vala comum do mercantilismo por parte da história do pensamento econômico tradicio- nal, mas também foi a riqueza de sua obra. Este artigo procura explorar essa caracterís- tica dual da obra de Steuart para conectá-la com as releituras e reabilitações de seu pen- samento promovidas pela heterodoxia atual. Este estudo se insere, portanto, no movi- mento que busca ampliar o conhecimento da visão de Steuart sobre o funcionamento da economia e sobre a economia como ciência, para evidenciar que essa disciplina, desde a sua concepção como ciência autônoma, já dispunha de alternativas embebidas nas im- portantes divergências metodológicas refe- rentes aos modos de pensar a natureza das ciências sociais. Abstract This work intends to present the main heterodox questions brought up by James Steuart´s thought. Steuart´s works on political economy have the sign of duality. This sign condemned this work to ostracism during this life time and labeled him as mercanlist in the history of economic thought. This article uses the duality in his work to connect it with the recent research recovering his initial ideas. This study is a part of a movement that seeks to spread the knowledge of Steuart´s visions about the economic process and political economy as a science to put forward the interpretation that political economy in its origin is submerged in important divergences about scientific perspectives. Palavras-chave James Steuart, economia política, perspectiva heterodoxa. Classificação JEL B12, B31, B51. Key words James Steuart, political economy, heterodox perspective. JEL Classification B12, B31, B51.

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James Steuart:as questões heterodoxas de um economista político conservador

Maria Mello de MaltaProfessora da UFRJ

ResumoEste trabalho busca apresentar as principaisquestões trazidas pela obra de James Steuartao pensamento heterodoxo atual. Os trabalhosde Steuart sobre economia política possuem amarca da dualidade. Tal dualidade em seu pen-samento o condenou ao ocaso em sua épocae à vala comum do mercantilismo por parte dahistória do pensamento econômico tradicio-nal, mas também foi a riqueza de sua obra.Este artigo procura explorar essa caracterís-tica dual da obra de Steuart para conectá-lacom as releituras e reabilitações de seu pen-samento promovidas pela heterodoxia atual.Este estudo se insere, portanto, no movi-mento que busca ampliar o conhecimento davisão de Steuart sobre o funcionamento daeconomia e sobre a economia como ciência,para evidenciar que essa disciplina, desde asua concepção como ciência autônoma, jádispunha de alternativas embebidas nas im-portantes divergências metodológicas refe-rentes aos modos de pensar a natureza dasciências sociais.

AbstractThis work intends to present the main heterodoxquestions brought up by James Steuart´sthought. Steuart´s works on political economyhave the sign of duality. This sign condemnedthis work to ostracism during this life time andlabeled him as mercanlist in the history ofeconomic thought. This article uses the duality inhis work to connect it with the recent researchrecovering his initial ideas. This study is a partof a movement that seeks to spread theknowledge of Steuart´s visions about theeconomic process and political economy as ascience to put forward the interpretation thatpolitical economy in its origin is submerged inimportant divergences aboutscientific perspectives.

Palavras-chaveJames Steuart,economia política,perspectiva heterodoxa.

Classificação JEL B12, B31,B51.

Key wordsJames Steuart, politicaleconomy, heterodox perspective.JEL Classification B12, B31,

B51.

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1_ Introdução

Sir James Steuart (1712–1780) era um aris-tocrata e diplomata escocês com grandesambições de poder (Skinner, 1999). Apósse qualificar como advogado (1735-1740),engajou-se em um projeto muito comumpara jovens da aristocracia de sua época:tomar contato com outras culturas e mo-dos de pensar por meio de longas via-gens pelos países da Europa.

Nos cinco anos em que esteve nocontinente, viajou pela Holanda, Alema-nha, França, Espanha e Itália. Na sua esta-dia na Itália, tomou contato com os jacobitas,grupo com o qual se envolveu politica-mente desde então. Os ideais jacobitas (ali-ança católico-conservadora) estavam asso-ciados à restauração do absolutismo e a crí-tica ao “credo” liberal. Os jacobitas almeja-vam o retorno ao trono inglês da linhagemde James II – os Stuarts –, cuja deposiçãopela Revolução Gloriosa determinou o fimdo absolutismo e a instalação de uma mo-narquia parlamentar. Em 1745, Steuart foium dos grandes articuladores da Revolu-ção Jacobita, que pretendeu levar o neto deJames II – Charles Edward – ao trono daInglaterra. O envolvimento político de Ste-uart com uma revolução fracassada contraa coroa britânica determinou seu exílio por17 anos.

Especula-se que a relação entre Ste-uart e os Jacobitas tenha tido como panode fundo principal seu projeto pessoal de po-der (Skinner, 1999). Uma carta de sua tiaMrs. Mure, compilada por Chamley (1965a),juntamente com outros documentos, reve-la uma nuance privada interessante sobre arelação de Steuart com o projeto Jacobita:

[...] se aquela revolução tivesse sido vence-dora, conforme ele desejava, ele teria sido oprimeiro homem do governo. Quando seuPríncipe estava em Edimburgo ele [Steuart]era consultado sobre tudo, ele escreveu o Ma-nifesto, e várias outras coisas em jornais pú-blicos, além de ter sido enviado como em-baixador à França em busca de auxílio.(Carta de Mrs. Mure, in: Chamley, 1965a)

Foi no exílio (1746-1763), inicial-mente na França, que Steuart iniciou seusestudos sobre economia política. Confor-me Redman (1996), foi em Tübingen naAlemanha, que escreveu seu primeiro tra-balho sobre temas de economia política.1

Também no período em que esteve emTübingen, escreveu os três primeiros livrosde sua obra principal, os seus Principles ofPolitical Economy: being an Essay on the Scienceof Domestic Policy in Free Nations. In which areparticularly considered Population, Agriculture, Tra-de, Industry, Coin, Interest, Circulation, Banks,Exchange, Public Credit, and Taxes,2 que fo-

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1 “Dissertation into the doctrineand principles of money, applied toGerman coin” foi publicadoem 1761.2 O texto original deSteuart não está disponível emsua versão integral emnenhuma bibliotecabrasileira. Felizmente,o desenvolvimentotecnológico permitiu a autorao acesso ao original viainternet no sitehttp://www.marxists.org/reference/subject/economics/steuart/index.htm. Por outrolado, esse tipo de arquivo, pornão ser fac-simile da obraoriginal, não possui número depágina para que as referênciasbibliográficas das citaçõestextuais de Steuart sejamrealizadas nas basesadequadas. Optamos,nessas condições, em fornecera melhor referência possívelque é o capítulo em que seinsere cada citação.Vale dizer que os capítulos deSteuart em geral são curtos, oque facilita qualquer buscamais interessada.

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ram finalizados no seu retorno a Escócia,para ser publicados em 1767.

Os trabalhos de Steuart sobre eco-nomia política possuem a marca da duali-dade. Sua perspectiva científica misturava anecessidade de pensar abstratamente como realismo e a concretude de um profissio-nal prático. Essa característica tinha relaçãocom sua posição de aristocrata e consultorpolítico e econômico de um pretenso go-verno paralelo. A verdade é que toda a cons-trução filosófica, teórica e analítica steuar-tiana é um reflexo dessa perspectiva. Nadaem sua contribuição para a economia polí-tica deixava de ter fortes raízes na realidade.O autor sempre revisitava as instituições erelações vigentes na economia em que viviapara criar seus conceitos e desenvolver seusargumentos. Foi usando esse método de re-lação íntima entre teoria e realidade que for-mulou concepções e princípios muito avan-çados para sua época. Mesmo tendo sidosilenciado pela vitória do liberalismo, aque-les desenvolvimentos eram tão ricos queacabaram por ressurgir como questões im-portantes após várias gerações (com Marx,List e Keynes, por exemplo).

Foi também a proximidade com arealidade que dificultou para Steuart a per-cepção de nuances menos permanentes dosistema econômico e seu processo de mu-dança, determinando que sua teoria tivesse

a marca das instituições e relações sociaisde sua época. Steuart ainda carregava fortedualidade em sua perspectiva teórico-filo-sófica. Identificava a importância crucialdo Estado na determinação da dinâmicaeconômica e defendia o absolutismo, sen-do um antiliberal, ao mesmo tempo emque seus trabalhos buscavam explicar a so-ciedade usando o indivíduo como fococentral. Isso fez com que reconhecesse noindivíduo a fonte de emanação dos desejose das motivações que organizavam a socie-dade, mas também negava a existência deuma ordem social espontânea com baseexclusiva na ação dos indivíduos. Esse au-tor reconheceu no Estado o grande opera-dor econômico e social e não acreditava emum funcionamento harmônico da econo-mia se estivesse entregue aos próprios meiosou ao mercado.

A dualidade de seu pensamento ocondenou ao ocaso em sua época e à valacomum do mercantilismo por parte da his-tória do pensamento econômico tradicio-nal, mas também foi a riqueza de sua obra.A perspectiva antiliberal e institucional deseu trabalho estimulou releituras, que, porsua vez, geraram reabilitações pela hetero-doxia. Tais estudos têm sido realizados desdeos anos 40 do século XX, no bojo da críticakeynesiana à teoria marginalista.3 A crítica deKeynes articulava-se com a crise econômi-

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3 O trabalho de referênciaé Sen (1947), queposteriormente escreveusua tese de doutorado e umlivro sobre a obra de Steuart.Podemos destacar também oartigo de Stettner (1945)publicado no Quartely Journalof Economics.

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ca de 1929 e o questionamento do liberalis-mo nos anos 30, justificando a recuperaçãodo pensamento steuartiano. Atualmente háuma nova tendência de trabalhos que visamà reabilitação da obra de Steuart.4 Atribuí-mos tal tendência às questões cada vez ma-is presentes acerca dos problemas do cres-cimento e do desenvolvimento econômicoe a sua possível relação com o alinhamentodos países centrais ao neoliberalismo – for-ma atual e extremada de liberalismo.

Historicamente os esforços de re-cuperação do pensamento de Steuart obuscaram como um instrumento de ques-tionamento da teoria e da política econô-mica ortodoxa. O movimento atual, reali-zado no âmbito da heterodoxia, exploravárias vertentes de sua obra. Assim, pare-ce-nos interessante apresentar e organizaras principais questões trazidas à tona pelaobra steuartiana, que, mesmo abortadaspelo projeto liberal clássico iniciado porAdam Smith (1776), permaneceram rele-vantes até os dias de hoje. Este estudo seinsere, portanto, no movimento que buscaampliar o conhecimento das visões de Ste-uart sobre o funcionamento da economia esobre a economia como ciência, para evi-denciar que essa disciplina, desde sua con-cepção como ciência autônoma, já dispunhade alternativas embebidas nas importantesdivergências referentes aos modos de pen-sar a natureza das ciências sociais.

2_ O processo de reabilitaçãode Steuart pela heterodoxia:a linha tênue entre a realidadee o desejo

Antes de partirmos para a reabilitação dasquestões e do trabalho de Steuart, é ne-cessário reconhecer as dificuldades desseprocesso. Como descreve Meek (1971), oaumento da tendência moderna a recu-perar certos autores antigos se relacionacom a observação de que:

A teoria raramente acompanha a histó-ria: lacunas sérias surgem e se acumulam,embora permaneçam mais ou menos igno-radas pelos ortodoxos até que um aconteci-mento de força telúrica (a baixa de 1929,a publicação da General Theory de Key-nes, o discurso de Khruschev sobre Stalin)obriga a reconhecer-se que a teoria desli-gou-se da realidade. Segue-se que o reina-do da complacência e do dogmatismo iniciaa marcha para o esquecimento, e o homemcomeça a perguntar-se se certas idéias maisantigas, rejeitadas pela ortodoxia corren-te, não teriam, afinal de contas, algum va-lor (Meek, 1971, p.12).

Por outro lado, existem os problemasimportantes normalmente contidos nos pro-cessos de reabilitação. Como alerta Meek,

infelizmente poucos reabilitadores moder-nos escapam à tentação de utilizar o pro-

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4 Tortajada (1999) reúne umasérie de artigos apresentadosem uma conferência sobreSteuart realizada no Museu daRevolução Francesa noChatêau de Vizille, em 1995.Blaug (1991) apresenta umacoletânea de artigos sobre aobra de Steuart produzidosdesde 1945 até 1981 eapresentados em importantesrevistas de economia emlíngua inglesa.

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cesso como base para uma re-interpreta-ção completa da história do pensamentoeconômico, [....] em conseqüência, corre-sesério risco de perder o distanciamento críti-co quando se analisa antigos sistemas teó-ricos (Meek, 1971, p.12).

É necessário, portanto, considerar o con-texto histórico particular em que cada te-oria foi proposta, para sermos capazes deencontrar as raízes de algumas das ideiasatualmente em voga, levando em consi-deração suas especificidades históricas, enão cair na tentação de reescrever a his-tória do pensamento com base em taisorigens, determinando uma interpreta-ção anacrônica.

Nesse sentido, procurou-se não per-der de vista a perspectiva histórica quandoanalisamos a obra de Steuart. Um trabalhoda natureza do nosso só tem razão de serdo ponto de vista, cada vez mais atual, deque o estudo da história do pensamentoeconômico é necessário tanto para nos darsenso de humildade e estabelecer pedigre-es respeitáveis para as novas teorias, comotambém – e muito mais importante – paranos dar a direção correta na tarefa de tirar aeconomia do impasse em que se encontraem algumas áreas hoje em dia.

A obra de Steuart possui várias in-terfaces com ideias, conceitos e visões demundo que foram descartadas em sua época

e só foram retomadas pela teoria econômi-ca no século XX. Sendo assim, a magia e ointeresse de sua obra estão em recolocar adivergência estrutural do pensamento eco-nômico e localizá-la em sua origem.

Não podemos, porém, perder devista a recomendação cuidadosa de Meeksobre manter o distanciamento crítico. Éfato que a vitória do liberalismo, que dis-putava com o pensamento conservador doséculo XVIII, foi tão avassaladora, em to-dos os campos, que as ciências sociais, emsua natureza de ser cortadas pelas visões demundo de seus autores, não poderiam terescapado desse processo. O trabalho deSteuart foi vítima da derrota dos conserva-dores. Nunca um trabalho tão extenso ededicado fora tão rapidamente eclipsadocomo foi o caso dos Principles de Steuart di-ante da obra A riqueza das nações de Smith.

Por outro lado, não é possível dis-cordar de Meek e Skinner quando afirmamque não foi apenas o viés conservador deSteuart que condenou seu trabalho ao oca-so. Segundo esses autores, Smith apresen-tou uma proposta superior em vários ou-tros sentidos: seu texto tinha uma leituramais fácil, seu sistema era completo analiti-camente, sua percepção da sociedade quese formava era mais acurada, e Smith seaproximava mais do padrão científico dita-do pelas ciências naturais.5

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5 Há quem afirme, como é ocaso de Kobayashi (1999), queSteuart pertencesse a umatradição científica maisaristotélica (no sentido de tersempre laços próximos com arealidade), enquanto Smithcaminha na direção dedesenvolvimento de ummétodo mais platônico (nosentido de caminhar para umaformulação totalmentereferida ao campo das ideias).Nossa interpretação se apoiauma posição diametralmenteoposta também encontradaem Redman (1996) e Skinner(1965) e afirma que Smith eSteuart estavam muitopróximos do ponto de vistametodológico, sendo ambosparte de uma tradição dométodo histórico, apesar deexpressarem teoricamentevisões de mundo diferentes, oque dá origem a contribuiçõesmuito distantes do ponto devista da interpretação dofenômeno econômico.

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Entendido em seu contexto, Steuartfoi um cientista social conservador, quenão conseguiu executar um projeto tãoisento quanto gostaria, na medida em queseu conservadorismo o impediu de ver asociedade que se formava e direcionou seuolhar para a forma social anteriormenteexistente, cuja permanência era seu desejo.O economista escocês não percebeu clara-mente que os problemas vivenciados pelasociedade em que vivia eram típicos de umperíodo de transição, quando o velho e onovo convivem formando um sistema quenão consegue se afirmar, parecendo estarem uma crise insuperável, e não diante donascimento de algo novo.

Steuart pensava em como solucionaros problemas econômicos de um Estado ab-solutista e atribuía boa parte das dificulda-des vigentes aos descaminhos do liberalis-mo. Desta forma, identificava no Estado aforça necessária para superar os problemasdo crescimento econômico colocados pelodesenvolvimento crescente do modo capita-lista de produção. Steuart não acreditava que,ao deixar a economia livre de intervenções,emergiria espontaneamente dos interessesindividuais uma ordem social harmônica.No pensamento steuartiano, o Estado de-veria intervir para orientar o autointeressedos indivíduos em prol do interesse públicomaior. A obra steuartiana talvez seja a últi-

ma que carregue a visão da economia doponto de vista do poder do Estado e, nessesentido, a última a ser capaz de compreen-der o poder econômico do setor governa-mental, antes da revolução keynesiana.

Recuperar o pensamento de Steuartnão significa, portanto, refundar a históriado pensamento econômico, mas destacarsuas controvérsias de origem. A contribui-ção desse autor à economia política é tãoextensa como sua obra principal e dá mar-gem às mais diversas leituras, dada a sua na-tureza dual; porém seu processo de reabili-tação pela heterodoxia tem tomado comolinha de exploração central sua teoria daacumulação. Tal destaque se justifica não sópor sua centralidade no trabalho do autor epor suas particularidades, como tambémpor ser um fundamento para uma discus-são heterodoxa que reintroduz o Estado deforma ativa no desenvolvimento econômi-co e critica a visão liberal. Sua valorizaçãoda intervenção do governante destaca nãoapenas o papel do Estado como geradorde investimento, mas também como in-centivador ao consumo improdutivo, pos-tura rara entre os clássicos.

Essas particularidades de sua visãosobre acumulação reafirmam a dualidadede sua obra, inclusive do ponto de vistaanalítico, e nos fornecem elementos paracompreender como, por meio de seu con-

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servadorismo, trata de temas relevantes pa-ra a heterodoxia de hoje. Além disso, per-mitem-nos explorar, sem perder a perspec-tiva histórica, suas principais contribuiçõesà economia política sem a necessidade dedesejá-lo com precursor de qualquer con-ceito ou teoria moderna, respeitando os li-mites de um processo de reabilitação deum autor do século XVIII.

3_ Entre a realidade mercantilistae o pensamento clássico

Sabendo que Steuart escreveu boa partede sua obra no continente e que teve for-te influência dos trabalhos de economiaque estavam sendo realizados na Françae na Alemanha, compreende-se a forteinfluência em sua obra de um contexto

econômico diverso daquele da ilha (Grã-Bretanha). Desta forma, uma série de pe-quenos atrasos analíticos6 de Steuart emrelação ao pensamento clássico posteriorse justifica menos como miopia e mais co-mo uma leitura mais próxima da realidadeeconômica existente. Ao mesmo tempo,foi a perspectiva de um cientista que es-crevia de fora do território da economiacentral do período (Grã-Bretanha)7 que opermitiu questionar o processo de desen-volvimento e a importância do Estadoem seu estabelecimento e sua dinâmica.

Essa perspectiva excêntrica deu-lhea possibilidade de enxergar que o desen-volvimento econômico ocorre em fases epossui forte relação com a estrutura pro-dutiva e institucional existente, além de nãoser um movimento automático ou deter-minístico do sistema. A percepção de Steu-art era que são sempre necessárias políticasativas para garantir o desenvolvimento, in-clusive no que se refere à relação com ou-tras nações. O autor percebia tão claramen-te a existência de fases de desenvolvimentoque se dedicou a elaborar uma sistematiza-ção de suas características. É interessantenotar que na sua concepção a importânciadas relações internacionais nesse processoera tão forte que os títulos das fases do de-senvolvimento estão associados com as pos-sibilidades de obtenção de vantagens com

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6 As noções de classes sociaisde Steuart (explicitadas nanota de rodapé 16), bem comosuas concepções nãoconvergentes de lucro, entre asquais incluem lucros obtidosem trocas desiguais, são limitesanalíticos para descrever ocapitalismo, que serãosuperados por outros autoresda tradição clássica. Valeressaltar que esses limites,como já dissemos,são reflexo do tipo de

análise que construiu emsua historicidade.7 Redman (1996) constrói oargumento que explica como opensamento de Steuart foilargamente influenciado pelosautores e modos de pensar docontinente, alterando suaperspectiva em relaçãoaos autores que pensavama economia políticana perspectivada Grã-Bretanha.

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o comércio exterior – infant trade; foreign tra-de e inland trade.8

Para Steuart o país teria de possuiruma visão estratégica que compatibilizasseseu grau de desenvolvimento das forças pro-dutivas com suas políticas de comércio, paranão acabar por sucumbir à concorrência dosoutros países. Esse autor pensava a exis-tência de duas possibilidades de comércioexterno: comércio passivo ou comércio ati-vo. O comércio passivo é aquele em que apopulação do país se engaja por encontrardificuldades para a obtenção de certos pro-dutos no país. O comércio ativo é aquele emque o país se engaja em uma política ativade estímulo ao consumo nos países vizi-nhos dos bens produzidos internamente.

Segundo Steuart, o comércio passi-vo tende a ser prejudicial à nação, na medi-da em que traz produtos de fora cuja com-petição inibe a tentativa de produção interna

de bens equivalentes. Além disso, em regimede comércio passivo, o país está submetidoà política ativa de comércio de outro país,cujo interesse é expandir seu excedente, in-clusive por meio da compra de produtosbásicos nos países com que transaciona. Oideal é que se coordene a economia inter-namente para que possa entrar de maneiralucrativa no comércio ativo.

Na questão do comércio internaci-onal, fica, então, claro um importante as-pecto não liberal de seu pensamento sobreeconomia. Não pertencer à matriz liberalnão deveria ser suficiente para excluir umautor da escola de pensamento clássica edefini-lo como mercantilista. Como entãoocorreu a identificação de Steuart comoum autor do mercantilismo?

A história do pensamento econômi-co tradicional aceitou a definição de mer-cantilismo apresentada por Adam Smith

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8 O estágio de infant traderepresenta os primórdios dodesenvolvimento de umaeconomia mercantil. Steuartindica que, no estágio de infanttrade, o objetivo do comércio éfazer circular o excedente, deforma que os possuidoresdesse excedente sejamprovidos com bens de luxo eos que não possuem oexcedente tenham acesso a ele,sendo capazes de obter suasubsistência. O período de

infant trade é a base para seestabelecer o comércioexterno, mas o país ainda seencontra praticamentefechado para as trocasinternacionais. É vedada aentrada de produtosestrangeiros, e apenas seráexportado um pequenoexcedente industrial, se essecomeçar a existir antes damaturidade competitiva dosetor industrial da economia.Foreing trade é o estágio em que

o país já possui sua indústriaforte o suficiente paraconcorrer internacionalmente.Neste estágio, a naçãoaproveita as condiçõesconstruídas no estágio deinfant trade para comerciarinternacionalmente. Ocomércio estabelecido deve serfruto de uma política ativa deexportação de bens de luxo eimportação de bens básicos.Finalmente, Inland trade refleteuma economia já bastante

desenvolvida em termosindustriais, porém que perdeusua competitividadeinternacional, seja graças aodesenvolvimento relativo deoutros países, seja pela suariqueza interna. Neste caso,retorna-se ao padrão decomércio de infant trade,contudo em condições muitomelhores de dar conta dademanda interna.

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no capítulo I do livro IV de A riqueza dasnações (1776). Naquele capítulo Smith bus-cou criticar o que chamou de “princípio dosistema comercial ou mercantil”, que é avisão de que a riqueza de um país tenhaqualquer relação com a quantidade de ouroe prata que esse tenha em suas fronteiras.Seu argumento procurou mostrar que tantoouro quanto prata são apenas representaçõesmateriais de valor e riqueza, como qual-quer outra mercadoria. Alternativamente,Smith argumentou que a riqueza de umanação resulta do tamanho do seu produtoanual em relação ao quanto é necessáriopara o reproduzir, ou seja, um país será maisrico quanto maior for o seu produto exce-dente. Contudo, aquele capítulo de Smithainda possuía dois objetivos importantes.De um lado, procurava criticar, para alémdo próprio conceito de riqueza ligado aoacúmulo de metais preciosos, o argumentode que o enriquecimento estaria ligado aganhos nas trocas desiguais. De outro lado,desejava apontar os malefícios que o con-trole sobre os fluxos externos de ouro eprata e, portanto, sobre o comércio inter-nacional, trariam para o processo “natural”de desenvolvimento de uma nação.

Desta forma, o conceito comum demercantilismo se baseia nessas questões le-vantadas por Smith. Assim, quando se clas-sifica um autor de mercantilista, quer se di-

zer que: 1) não possui uma teoria do valor edistribuição adequada, na medida em queos lucros proviriam de trocas de não equi-valentes; 2) seu conceito de riqueza é base-ado no acúmulo de metais preciosos sem apreocupação com a geração de alimentopara a população; e 3) sua visão de comér-cio internacional, na medida em que é in-tervencionista, compromete a capacidade“natural” da nação em crescer.

É interessante notar que Steuart nãoincorre em nenhum dos dois primeiros“erros” dos autores mercantilistas, porémcertamente tinha uma visão sobre comér-cio internacional bastante intervencionista.Conforme levantamos inicialmente, a es-tratégia de comércio internacional, segun-do Steuart, tinha de ser pensada para se ar-ticular favoravelmente com o projeto decrescimento econômico e desenvolvimen-to interno das forças produtivas do país.Foi esse o “pecado” que o colocou na valacomum dos pensadores mercantilistas.9

Há, porém, todo um trabalho atualque rejeita esta visão a respeito da obra deSteuart. De acordo com esses estudos,10

Steuart é um autor da escola clássica. Paraclassificar Steuart com um autor clássico,todavia, não basta afirmar que sua obranão cabia no conceito de mercantilista deSmith; é necessário ainda enquadrá-lo emalguma concepção de economia clássica.11

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9 Toda a história dopensamento econômicotradicional inscreve Steuartcomo o “último dosmercantilistas”, como é o casode quase todos os livros-textosda área, que mencionamSteuart, entre os quais citamoso de Eric Roll (1948), o dePorto Carreiro (1975) e o maisrecente Samuels, Biddle eDavis (2003).10 Aspromourgos (1996),Aspromourgos (2000), Yang(1994) e Tortajada (1999) sãoas principais referências paraesta abordagem.11 Para uma discussão sobre oconceito de economia políticaclássica, ver Malta (2005a).

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Da perspectiva sraffiana, a escola clássicade pensamento está relacionada com a aná-lise da economia utilizando como noção cen-tral o conceito de excedente, não possuindonenhuma relação atávica com o pensamen-to liberal. Nesse sentido, quando Aspro-mourgos (1996) afirma que em Steuart,

o excedente é entendido da maneira clássi-ca típica, como a diferença entre o produtobruto agregado da sociedade e as quanti-dades agregadas das mercadorias direta ouindiretamente requeridas para se obter oconsumo de subsistência da força de traba-lho ou população (Aspromourgos, 1996, p. 419).

Esse autor constrói a ponte neces-sária para a ligação entre Steuart e a econo-mia política clássica.12

Para reforçar a filiação de Steuart àescola de pensamento clássica, é ainda ne-cessário ratificar que a noção de excedenteem Steuart tem as mesmas implicações so-bre o seu conceito de riqueza13 que a dos

clássicos. Esse autor comungava da noçãoanalítica dos clássicos de que o aumento dariqueza de uma nação tem como base a ge-ração crescente de excedente, exatamentecomo Smith argumentou contra os mer-cantilistas e como toda a escola clássica vi-ria a fazer. Além disso, o produto socialcom que Steuart trabalha também é analiti-camente dividido nas mesmas três classesde renda que os clássicos posteriores, ouseja, salários, lucros e rendas.14

Também na questão dos lucros, éfácil identificar o elemento suficiente paramantê-lo na abordagem clássica, e esse ébastante claro: apenas lucros gerados a par-tir de um aumento do trabalho ou engenhono processo produtivo seriam capazes degerar crescimento da riqueza social. Sendoassim, lucros que têm como origem as tro-cas desiguais não são capazes de ampliar oexcedente. Isso significa que Steuart nãopropagou a ideia de que a fonte dos lucros,

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12 Em seu trabalho,Steuart se filia à tradiçãoclássica de pensamentocitando William Pettycomo uma das suasprincipais referências nocampo econômico. Aocontrário de Smith, quenão era dado a citar outrosautores no campo daeconomia – comodemonstra carta sua a

Putlteney, datada de 1772,[em que] diz: “Tenho sobre olivro de Sir James Steuart amesma impressão que você. Semtê-lo jamais mencionado, é paramim motivo de orgulho quetodos os princípios falazescontidos no livro de Steuartencontrem clara e indubitávelrefutação no meu” (Meek,1958, p. 293) – Steuart citaPetty até como a origem

das noções de trabalhoprodutivo e trabalhoimprodutivo, tambémutilizadas por Smith,mas sem referênciaàquele autor.13 Para uma discussãomais detalhada sobre estetema, ver Malta (2001).14 Há, porém, diferençasimportantes na concepçãode Steuart sobre economia;

uma delas é a concepçãodas classes sociais.Destacamos essa diferençaporque, apesar de utilizaras mesmas classes derenda, Steuart extraiimplicações diferentessobre a distribuição, namedida em que possuioutra concepção declasse social.

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que fariam parte do excedente, pudesse sera troca de não equivalentes.15

Diante dessa argumentação que in-sere Steuart na escola de pensamento clás-sico, devemos retornar ao ponto de partidae nos perguntar se o único elemento que ocolocou fora do campo da economia polí-tica clássica, segundo a história do pensa-mento econômico tradicional, foi a vitóriada concepção de Smith a respeito do queseriam os fatores que colocariam um autorno campo do sistema mercantil.

Efetivamente o papel fundamentalque a realidade econômica da época e doslugares em que viveu tinha em seu trabalholhe trouxe algumas limitações. Um reflexoimportante da influência da perspectiva his-tórica sobre seus conceitos analíticos está emsua concepção das classes sociais.16 Suasclasses sociais não foram concebidas tendoa propriedade sobre os meios de produção

como eixo central. O trabalhador steuartia-no já não possui a terra em que produz,mas ainda é proprietário de seus instru-mentos de trabalho. A posse dos meios deprodução não está separada do trabalhoprodutivo. Dessa forma, a renda percebidapor cada agente econômico não será fun-damentalmente associada à propriedade,com exceção do caso da terra. Nesse con-texto, Steuart também não identificou osurgimento de uma nova classe social naagricultura e na indústria – a classe que em-pregava capitais na contratação de trabalhoassalariado e que, em consequência, colhiaos lucros que estavam em uma proporçãomais ou menos regular ao volume de capi-tal empregado – a classe dos capitalistas.Talvez por isso o lucro em Steuart não sejaassociado exclusivamente a uma remune-ração do capital, não sendo proporcionalao seu emprego.

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15 Steuart, todavia, possuivários conceitos de lucro, entreos quais se encontram lucrosprovenientes de trocasdesiguais; contudo, esse tipode lucro é caracterizado deforma diferente daqueleauferido a partir da produção.Para uma discussão maisaprofundada sobre o tema, verMalta (2001).16 As classes sociais emSteuart são:

1) Os farmers (fazendeiros) sãoos responsáveis pela produçãoagrícola. Seu consumo écomposto de produtosagrícolas e produtosindustriais. Os produtosagrícolas fazem parte dasubsistência física. Já osprodutos industriais podem sertanto de subsistência políticacomo de luxo;2) Os industrious free-hands(trabalhadores industriais)

trabalham na indústria, sendoresponsáveis pela produçãoindustrial. Seu padrão deconsumo, em um estágioinicial, é mais simplório, poisconsomem basicamente bensde subsistência física. Aindaassim, Steuart admite apossibilidade de existência deum pequeno consumo de bensindustriais (portanto desubsistência política ou deluxo) por essa classe;

3) Os proprietários de terrasão outra parte dos free-hands,que auferem sua renda dedireitos sobre o excedente daprodução agrícola. Seu padrãode consumo é maisexuberante, possuindo umacomponente básica de bensagrícolas, enquanto trocam amaior parte de sua renda porbens de luxo e desubsistência política.

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Desta forma, Steuart não concebeuseu estudo de economia no contexto deum sistema já definitivamente capitalista.Portanto, apesar de poder ser pensado co-mo um autor clássico, Steuart carrega ofardo dos conceitos historicamente data-dos que levaram a muitos autores da histó-ria do pensamento econômico tradicionalfazer leituras mercantilistas de sua obra.

4_ Entre a teoria e a práticaA forte relação de sua produção teóricacom sua prática política foi aquilo quetrouxe para a obra de Steuart um saborultrapassado em alguns conceitos, masfoi também origem de sua riqueza analí-tica, bem como abriu uma discussão pe-culiar sobre a noção da economia comociência. Skinner (1965) destaca que, ape-sar de Steuart, como toda a tradição cien-tífica escocesa do século XVIII, identifi-car o indivíduo como o centro da análisee a experiência como a base para a for-mulação da teoria, esse autor possuiuadicionalmente a particularidade de enfa-tizar as limitações da economia comociência. Na concepção de Steuart, a limi-tação da economia como ciência pura sópode ser superada valendo-se de umaabordagem histórica. Não existe um sis-tema econômico abstrato que possa dar

conta de explicar completamente os fe-nômenos econômicos e sociais, objetodessa ciência.

Steuart tinha total consciência daambição de sua obra. Não foi por acasoque ele abriu o prefácio dos Principles com aseguinte frase:

É com grande receio que apresento ao pú-blico esta tentativa de reduzir a princípi-os, e transformar em uma ciência regularos complexos interesses da política (po-licy) nacional.

O autor teria pretendido formular suaciência com base na dedução, procuran-do, de acordo com sua experiência noexílio, ao conhecer uma série de econo-mias diferentes e se despindo de todo equalquer preconceito, ser capaz de dis-tinguir leis gerais que definissem uma no-va ciência.17 Vejamos também a citaçãoabaixo, extraída ainda do Prefácio dosPrinciples (1767):

Este [trabalho] vai um ponto mais longeque coletar e organizar alguns elementosrelativos aos temas mais interessantes depolítica (policy) moderna, [...]. Os princí-pios deduzidos de todos os tópicos parecemtoleravelmente consistentes; e o todo é umalinha de raciocínio por meio da qual des-crevi a conexão de todos os temas o maisfielmente que pude: mas sendo a naturezado trabalho uma dedução de princípios,

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17 O prefácio dos Principles deSteuart é uma grande notasobre seu o método.

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não uma coleção de instituições, aproveiteias oportunidades que meu raciocínio colo-cou em meu caminho, para conectar cadaprincípio [...] com cada parte da investiga-ção à qual se referisse [...]

É fato, porém, admitido pelo próprioSteuart, que ele não pretendia elaborar umsistema no sentido do conceito científicoutilizado pela tradição francesa de sua épo-ca. Steuart rejeita “aquilo que os franceseschamam de Sistemas”, afirmando que

estes são nada mais que uma cadeia deconseqüências contingentes, derivada de má-ximas fundamentais, adotadas, talvez, semmuito cuidado. Tais sistemas são meramen-te conceitos; eles ludibriam o entendimentoe apagam o caminho para a verdade (Steu-

art, 1767, prefácio).

Isso significa dizer que, apesar de destacara possibilidade e a necessidade de se en-contrar princípios gerais e universais pa-ra explicar o fenômeno econômico, Steu-

art discordou que tais princípios devamser articulados para formular um sistemaque crie sua total independência explica-tiva em relação à realidade. A complexi-dade da realidade tem de ser sempre “re-visitada” pelo cientista para a formulaçãode explicações apropriadas.18

Isso leva Skinner (1965) a afirmarque a visão de Steuart reflete os procedi-mentos, mas não a ênfase, típica do pensa-mento moderno, uma vez que ele “colocatanta ênfase nas limitações da economia científicacomo na necessidade de tratar a economia comociência”19 (Skinner, 1965).

A proposta de Steuart foi concebera produção como fator organizador das re-lações sociais, sendo esse um princípio ca-paz de responder e formular perguntaspróprias e, nesse contexto, dar lugar a umadisciplina que nasce da prática, da história,para posteriormente ganhar uma formula-ção teórica e acadêmica.

Outra implicação importante da re-lação entre a teoria e a realidade históricatrabalhada por Steuart é não aceitar que aconcepção do indivíduo do século XVIII,fruto da sociedade da livre concorrência,

“que aparece desprendido dos laços natu-rais que, em épocas históricas remotas, fi-zeram dele um acessório de conglomeradohumano limitado e determinado(Marx, 1857, p. 25-26),

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18 Há uma importanteprodução que indica umainspiração de Hegel na obra deSteuart na formulação do méto-do dialético. Um exemplo podeser visto em Ege (1999), quereferencia também Chamley(1963) e Chamley (1965).19 Com base em Silveira (1994),podemos identificar Steuartcomo um autor que percebe a

indeterminação de Sênior, ouseja, que não pretende trabalharno campo do desenvolvimentoeconômico baseando-se emteoria pura, reconhece anecessidade de se descer nonível de abstração e incorporarquestões históricas einstitucionais específicas paraque se produza uma explicaçãoadequada do fenômeno.

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possa ser o homem em seu “estado pu-ro”. Ao contrário, tal indivíduo é um re-sultado histórico. Nesse sentido, Steuarttrabalha com uma noção de indivíduo di-ferente daquela da tradição liberal abrin-do o espaço para a compreensão de umasérie de contradições na relação entre in-divíduo e Estado em sua obra. Ao mes-mo tempo, essa outra concepção sobre oindivíduo possibilita uma visão articula-da e interessante de ser recuperada entreessa unidade e a unidade social.

5_ Entre o indivíduo e o EstadoA tradição do pensamento científico-filo-sófico do século XVIII reflete a principalquestão da modernidade: afastar o divinoda origem da explicação da sociedade ecentrá-la no homem. Steuart situa-se per-feitamente nessa tradição. O indivíduo éa origem dos desejos e das motivações queorganizam a sociedade; porém Steuart nãoenxerga a causa ou o mecanismo que pos-sam vir a gerar espontaneamente umaordem econômica ou social a partir dosdesejos individuais.

A ordem para Steuart não é auto-instituída; é a consequência da construçãode hierarquias, poderes e instituições querefletem, limitam e redefinem os interessesindividuais. Com base nessas ideias, Steuartfornecerá uma interpretação para o funcio-

namento da economia que tem como molamestra o autointeresse do indivíduo, masesse precisa ser mediado pelo Estado e pe-las relações de produção para ser capaz dedeterminar o funcionamento da economiae uma ordem harmônica da sociedade. Sen-do assim, há limites bastante claros ao au-tointeresse e o mais evidente está na figurado governante (que representa o Estado).

Steuart deixa claro que o governan-te não pode ser conduzido pelo autointe-resse. Pensar autointeresse em relação a es-sa figura cria a noção de “espírito público”.É o espírito público que guia o governante.Por outro lado, essa é uma questão que dizrespeito estritamente ao governante. Osgovernados não precisam ter esse tipo desentimento, a não ser mediado pelo “auto-interesse” e não há nada que os harmoni-ze espontaneamente.

Assim, compete ao governante con-ferir ao Estado nacional um status quo queinteresse a sua população. Se o povo se en-tender agindo em interesse próprio, ele teráforte motivação para reproduzir o status quodefinido pelo “plano do governante”. Há,portanto, um plano do governante que“manipula” o autointeresse dos cidadãoscom o objetivo de gerar e manter determi-nada ordem.

Esse ponto da obra de Steuart ques-tiona a ideia liberal de que o autointeresse é

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o mediador das leis da natureza para dar re-gularidade ao sistema econômico, ou queexista uma mão invisível que harmonize ocaos potencial dos interesses individuais eos oriente ao bem estar coletivo. De fato, notrabalho de Steuart, a regularidade do siste-ma econômico é dada pela atuação do Es-tado orientando a produção. Se existe umamão que oriente os interesses individuaisessa é bem visível e é a “mão” do Estado.

Uma forma rica de interpretar a obrade Steuart é pensar que o princípio básico daorganização de uma sociedade seja a viabi-lização da subsistência necessária para sus-tentar uma população crescente. A subsis-tência é parte do autointeresse; porém suabase material é a produção. Essa interpre-tação é totalmente consistente com o focoda análise steuartiana sobre o desenvolvi-mento econômico na evolução do processode produção de subsistência da população.Na descrição do processo de desenvolvi-mento, tanto os métodos de produção dasubsistência se complexificam (enquantose tornam mais eficientes), como a própriasubsistência vai incorporando novos pa-drões de consumo, determinando uma in-ter-relação entre o autointeresse dos indiví-duos e o “plano” do governante que gera adinâmica do sistema.

Supomos, então, que é pela sua ex-plicação para o desenvolvimento da eco-

nomia considerar o indivíduo, mas não serbaseada em uma lógica que emana exclusi-vamente dele que Marx (1857) destacouSteuart como um autor que escapou da“ingenuidade” (p. 26) dos cientistas sociaisdo século XVIII, que imaginavam que ohomem moderno, isolado, independentedo meio, formulado como objeto científi-co no século XVIII, fosse o ser humanoem seu “estado puro”. Marx afirmava queo homem é um animal social e como tal“só pode isolar-se em sociedade”, isto é, oconceito de homem “livre” do século XVIIIsurge em um contexto em que as relaçõessociais atingem seu mais alto grau de de-senvolvimento, não sendo, de forma ne-nhuma, independente dessas.

Do nosso ponto de vista, é esse en-tendimento steuartiano do funcionamentoda economia que o afasta da tradição liberale cria um interessante ponto de contato coma heterodoxia do século XX. Steuart supõeque a economia não era capaz de se desen-volver efetivamente se entregue aos pró-prios meios. Todo o seu entendimento dadinâmica econômica identificava a necessi-dade de um maior ou menor grau de inter-venção, a depender do estágio de desenvol-vimento das forças produtivas e do padrãode consumo, para que a economia pudessecrescer. Steuart poderia, portanto, ser pen-sado como parte de um caminho que se

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abre para uma perspectiva mais heterodoxaque compreende que a ação do indivíduo,além de limitada, está mediada pelas institui-ções, pelas regras e pelo Estado na deter-minação do funcionamento da economia.

6_ Entre o Estado e o mercado

Não há como deixar de perceber umaimplicação direta da forma com que Ste-uart concebe a relação entre indivíduo eEstado: não sobra muito espaço para omercado. Contudo, não é possível imagi-nar que um autor que trabalhe o conceitode autointeresse de forma tão central ex-clua totalmente a ideia da existência deum dinamismo próprio da economia.

A relação entre Estado e “mercado”se apresenta no estudo do processo de acu-mulação elaborado por Steuart para descre-ver o crescimento econômico e a necessi-dade do Estado nesse processo. Conhecertal instância do pensamento de Steuart éfundamental para a compreensão de comoum atraso analítico tão grande como a faltade uma teoria da taxa de lucro e da noçãode concorrência capitalista pode gerar umtrabalho relevante para o estudo da dinâ-mica da economia capitalista.

Na verdade, Steuart desenvolveu seuargumento de acumulação por um caminho

em que o processo de investimento20 nãoguardava relação com a determinação dataxa de lucros. O investimento, no trabalhosteuartiano, é o resultado de decisões dosfazendeiros e do governo. Os fazendeirossão motivados pela intenção de consumirnovidades de luxo, e o governante investede acordo com o “plano21” que possui parao desenvolvimento econômico. O objetivoprivado, portanto, é o consumo e não o lu-cro concebido apenas como valorizaçãodo capital empregado. Já o objetivo públi-co é promover as condições para desenvol-ver o país. O “plano” do governante incluiinvestimento direto na produção de bensde luxo para o estabelecimento da indústriae para a manutenção do equilíbrio entre ossetores. Outro aspecto da atuação do Estadosob o “plano” é o gasto em consumo dosbens de luxo, com o mesmo objetivo de ga-rantir a reprodução do setor que desperta ointeresse dos fazendeiros em produzir ma-is bens de subsistência: a indústria. Nenhu-ma menção à taxa de lucro é feita. A taxade lucro só surge no debate sobre distribui-ção, não possuindo qualquer papel na teo-ria da acumulação de Steuart. Não é o lucroque estimula a verve produtiva no sistemasteuartiano,22 deixando de fora da dinâmicaa noção de concorrência capitalista.

Da mesma forma que os clássicos,Steuart pensa na economia em termos de

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20 A palavra “investimento”não é mencionada nos doisprimeiros livros dos Principles(1767), em que Steuartapresenta sua teoria docrescimento e acumulação. Oprocesso de investimento,porém, está claramenteincluído no seu argumento.21 É Steuart quem se refere aoplanejamento do Estado parao desenvolvimento como“plano do governante”.22 Talvez seja isso que levealguns autores modernos apermanecer considerando esseautor como um mercantilista,em vez de compreender suaobra como trabalho denso quetem como objetivo entender aeconomia como seapresentava naqueleperíodo histórico.

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um sistema de trocas de mercadorias, umcircuito onde o objetivo é a obtenção deproduto. Ainda assim, a maior parte delesatribui à concorrência por mais lucro o pa-pel dinâmico do sistema. No caso de Steu-art, contudo, não é a obtenção de mais lu-cro, que move o sistema. O que move osistema é o Estado.23

O que justifica a produção de umexcedente crescente é a manutenção dasubsistência de uma população crescente.Para Steuart, o tamanho e o bem-estar dapopulação são as medidas de performanceda atividade econômica e o referencial paraa avaliação da competência do governan-te.24 Sendo assim, o “príncipe” tem interes-se em que o excedente seja ampliado e ela-borará um “plano econômico” que viabili-ze a execução dos meios necessários para aobtenção desse fim.

No esquema steuartiano, o soberanodeve mobilizar o autointeresse (selfinterest) de

seus cidadãos para engajá-los na produçãode excedente. O autointeresse do indivíduosteuartiano, porém, não é estimulado a partirda indicação da obtenção de mais lucro. Oautointeresse desse indivíduo é socialmenteconstituído. Baseando-nos em argumentosde Kobayashi (1999) e Eagly (1961), pode-mos afirmar que Steuart pensava a acumu-lação partindo dos desejos dos indivíduos;esses desejos mobilizavam seu espírito detrabalho e isso dava lugar ao processo deenriquecimento da nação.25 Sendo assim, achave da questão é identificar a fonte estru-turadora dos desejos, já que os desejosconstituem-se na base do autointeresse.

Eagly (1961), para organizar sua aná-lise, formula a seguinte pergunta: por queos indivíduos trabalham em uma sociedadelivre? A resposta de Steuart tem duas bases:a propriedade privada da terra e a aspiraçãoa certo nível de consumo. O “efeito aspira-ção” está relacionado com o “espírito dapopulação”, sendo esse “baseado sobre umconjunto de opiniões recebidas relativamente a trêspontos: moral, governo e hábitos” (Steuart, 1767,livro I, cap. II). Segundo Kobayashi (1999),considerar o “espírito da população” é ocaminho de Steuart para a incorporação dahistória em seu método de análise, dadoque, embora tenha tentado encontrar osprincípios gerais que regem a economia, ti-nha a certeza de que esses não seriam apli-

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23 Neste ponto ele difere deforma fundamental de seucontemporâneo Smith e dosclássicos subsequentes queenxergam no mercado asolução para o problemaeconômico. A operação domecanismo de mercado nessecaso se dá através do processode unificação das taxas delucro. Discutiremos issomais adiante.

24 Um trabalho interessantesobre essa visão de Steuart éapresentado por Gislan (1999).25 “Devo agora supor que estesprincípios estão bem entendidos.Desejos incentivam ao trabalho,trabalho aumenta a oferta dealimento, mais alimento aumentanúmeros [população]: a próximaquestão é como esta população podeser bem empregada?” (Steuart,1767, livro I, cap. XI).

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cáveis diretamente à execução de políticaeconômica sem a mediação necessária.26

Sendo assim, objetivando realizar seu“plano econômico”, o soberano vai orga-nizar a atuação do Estado de forma a obtero resultado econômico mais coerente comseus interesses. Para alcançar seus interes-ses, porém, o governante tem de mobilizaro autointeresse de cada um de seus súditos.O grande problema que o governante temde enfrentar para assegurar a manutençãode um excedente crescente na economia –seu interesse principal – é garantir uma su-peração permanente do que Steuart identi-fica como os limites ao crescimento de umanação. Como veremos a seguir, tais limitesencontram seu mecanismo de superação namobilização do autointeresse da população.É nesse âmbito que articula os interesses in-dividuais com os limites ao crescimento ten-do o mercado como operador econômico.

Os limites ao desenvolvimento eco-nômico na visão steuartiana são o limitetécnico e o limite social. O limite técnico éum limite do lado da oferta, que, estando li-gado ao desenvolvimento tecnológico, temdois aspectos: 1) o puro e simples desen-volvimento das forças produtivas; e 2) ocompasso na evolução da produtividadedos setores produtivos.

O limite social é um limite do ladoda demanda, que se baseia no peso do con-

sumo de luxo na economia. Esse tipo degasto tem como papel fundamental criarcondições para o crescimento da popula-ção e da nação, sem ter efeito sobre a am-pliação de capacidade produtiva na econo-mia. Mas esse limite também tem ligaçãocom questões de oferta na economia, namedida em que, no esquema de Steuart,para demandar é necessário ofertar. É, po-rém, apenas a demanda de luxo dos fazen-deiros – a classe responsável pela produçãode excedente – que tem impacto direto so-bre o crescimento do produto.27

Desta forma, pode-se perceber que,no argumento steuartiano, os principais me-canismos para estimular o crescimento emuma economia estão ligados à capacitaçãotecnológica (desenvolvimento das condiçõestécnicas de produção) e à forma da expansãoda produção em sua relação com a demandafinal (padrões de consumo e investimento).

Diante desses limites e sabendo queo autointeresse do indivíduo é socialmenteconstituído, Steuart propôs dois caminhospor meio dos quais o governante vai atuarpara assegurar o crescimento econômico: 1)mantendo o compasso entre os setores pro-dutivos, inclusive através de investimentodireto; e 2) garantindo a formação de pa-drões de consumo cada vez mais elabora-dos em sua população.

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26 Silveira (1999) traça aslinhas gerais de sua obradestacando os problemas emtodos os níveis da profissão deeconomista causados pelaIndeterminação de Sênior,conforme definida na nota 19.Essa questão trazida porSteuart é um reconhecimentotípico (e raro)da Indeterminação.27 Como os fazendeirosproduzem os bens básicos daeconomia, o excedente de suaprodução é a base necessáriapara o aumento dosgastos produtivos.

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O estímulo à elaboração do padrãode consumo na economia é uma respostaao limite social ao crescimento. O limitesocial é fruto da inexistência de um meca-nismo espontâneo que estimule o autointe-resse dos produtores de excedente a ex-pandir sua produção, deixando bastanteclaro que não há espaço para uma dinâmi-ca instituída pelo mercado. Sem esse estí-mulo e considerando que pela forma comque Steuart concebeu os setores produti-vos conferiu à agricultura um status seme-lhante ao setor produtor de bens básicos,28

e que só na agricultura se produz exceden-te, a dinâmica do sistema fica dependendode um elemento externo a ele. Desta for-ma, é do interesse do governante estimularo consumo de luxo nos agricultores. Paraque os agricultores consumam luxo, é ne-cessário que desejem luxo. A forma que osoberano vai estimular o padrão de consu-mo é por meio de exemplo, uma espécie deimposição social ao consumo para a identi-ficação de classe e riqueza. A outra condi-ção necessária para o estabelecimento doconsumo de luxo dos fazendeiros é a exis-tência de um setor produtor de bens de lu-xo. É, então, da elaboração do padrão deconsumo do agricultor que se garante a vi-abilidade do setor industrial.

A intervenção direta do Estado noâmbito produtivo se faz necessária para su-

perar o limite técnico ao crescimento, por-que o progresso técnico só se justifica apartir do interesse em ampliar o excedente,e esse interesse, na concepção de Steuart, éo foco econômico fundamental do Estado.Desta forma, o soberano tem de patrocinara introdução de outras técnicas de cultivoque aumentem a produção de excedente eliberem braços da agricultura, deixando mãode obra disponível para ser aplicada no de-senvolvimento de um setor de luxo. A exis-tência desse setor também é consideradaindicador de progresso técnico para Steu-art, uma vez que ele cria a possibilidade dedesenvolver a demanda dos agricultorespor luxo, falando de perto ao seu autointe-resse. A introdução do setor industrial tam-bém é fruto de intervenção governamental.A instalação da indústria no país significaque o governo vai se comprometer com umconjunto de políticas econômicas que en-volvem comprar no exterior as máquinasnecessárias para tal produção, atrair do ex-terior os melhores especialistas em cadatécnica produtiva29 e até mesmo compraros produtos dessas indústrias, enquanto opadrão de consumo interno ainda não esti-ver totalmente constituído.

A formação da indústria deve serseguida de perto pela constituição dos há-bitos de consumo de luxo entre os produ-tores de excedente. O motivo para isso é

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28 Esta não é umacomparação no sentido amplo,já que o esquema de Sraffa(1960) se refere claramente auma economia capitalista, nãopossuindo qualquer dúvidasobre a importância daobtenção de lucro para acaracterização e manutençãodo sistema. Steuart, conformejá discutimos, não produz umateoria tão clara nesse aspecto.A comparação pretendida érelativa à independênciareprodutiva do setor debásicos em relação ao setor denão básicos, e da agricultura deSteuart em relação à indústria.29 É necessário ter em menteque, na indústria do períodode Steuart, os trabalhadorestinham o domínio de todatécnica produtiva. Assim, opapel que atualmente écumprido pelo engenheiro epelo trabalhador especializadoera representado pela mesmapessoa normalmente referidapor Steuart como especialista.

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que a inter-relação entre setores se dá prin-cipalmente via consumo, não havendo de-pendência mútua em termos produtivos.Só a indústria depende da agricultura parase reproduzir, mas a agricultura é um setortotalmente autossuficiente. Assim, a supe-ração do limite técnico tem de ser acompa-nhada pela superação do limite social, paraque se mantenha uma estrutura econômicacom dois setores produtivos (a agriculturae a indústria) em crescimento.

Neste ponto do argumento, há umreconhecimento da necessidade em se com-patibilizar oferta e demanda de bens paragarantir o crescimento. Assim, não podemosdizer que Steuart não identifique a necessi-dade de um mercado para a distribuição daprodução. Ao contrário, esse mercado étão necessário que, na sua ausência, deveser constituído pelo Estado para dar vazãoao movimento dinâmico da economia. Nes-se sentido, a questão de Steuart não é pen-sar o Estado como substituto ao mercado,mas ter certeza de que o mercado não é ca-paz de instituir a necessária harmonia ex-pansionista ao sistema. A economia não écapaz de criar espontaneamente as motiva-ções para sua sustentação e ampliação. Parao autor, não existe tal coisa como um me-canismo de mercado que garanta o funcio-namento do sistema e dele derive uma or-dem social estável.

7_ Entre a demanda efetivae a lei de Say

Não reconhecer a existência de uma or-dem espontânea derivada do mercado foio primeiro passo de Steuart para a consti-tuição de uma teoria da acumulação queprescindisse das noções de lucro e concor-rência. Esse mesmo passo o colocou dian-te do problema da falta de demanda comoobstáculo ao crescimento. Esse é um im-portante ponto de contato entre o traba-lho de Steuart e os formuladores do prin-cípio da demanda efetiva no século XX etalvez por isso outra interpretação muitocomum da contribuição de Steuart à eco-nomia política o localiza, antes de Mal-thus,30 como um precursor do princípio dademanda efetiva. Todavia, será que as reco-mendações de Meek lembradas no iníciodeste texto nos permitiriam chegar a essaconclusão sem maiores considerações?

A questão da determinação do níveldo produto na teoria clássica surge, comosabemos, no bojo da explicação dos meca-nismos necessários para compreender a li-gação entre a teoria do valor e distribuiçãoe a teoria da acumulação. Sabemos tam-bém que a questão da determinação do ní-vel do produto só ganha importância paraos clássicos com base em Ricardo, apesarde ser um caminho necessário para o prin-

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30 Sobre Malthus e o princípioda demanda efetiva,ver Malta (2005b).

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cipal objetivo daqueles autores: conhecer oprocesso de enriquecimento de uma nação.

Steuart não é diferente de seus con-temporâneos. Não há em seu trabalho umaproposta explícita de uma teoria do produ-to; porém, foi uma convenção da históriado pensamento econômico associar autoresclássicos com o uso da lei de Say. Pode-sediscutir o quanto isso é correto e o quantoisso está associado à leitura keynesiana doproblema da teoria do produto. Pretende-se, no entanto, seguir as recomendações deMeek e dar curso a uma discussão diferentee motivada pelos trabalhos de Yang (1994)e Aspromourgos (1996), que possuem vi-sões distintas sobre a participação de Steu-art no desenvolvimento de uma teoria doproduto que culminou na formulação doprincípio da demanda efetiva.

Yang (1994) trabalha no sentido deretomar, em meados dos anos 90, o argu-mento de uma literatura, iniciada no finaldos anos 40 do século XX, que coloca Ja-mes Steuart como precursor do princípioda demanda efetiva. Os trabalhos de Sen(“Sir James Steuart´s general theory of em-ployment, interest and Money” – 1947) eChamley (“Sir James Steuart inspirateur dela “Théorie Générale” de Lord Keynes” –1962) estão na origem dessa interpretação.

Por outro lado, o trabalho de Aspro-mourgos (1996) apresenta a interpretação

de que a conexão entre Steuart e os pensa-dores clássicos o inclui na tradição de pen-samento de determinação do nível de pro-duto segundo a lei de Say.

A questão que propomos é de outraordem. Sabe-se que, a menos de Ricardo,nenhum outro autor clássico apresentouum trabalho totalmente consistente com alei de Say. Steuart não foi diferente. Mas,além de não ter apresentado um argumen-to totalmente consistente com a lei de Say,ele elabora uma série de explicações para omecanismo de acumulação, que, ao desa-creditar a existência de uma tendência es-pontânea do mercado à harmonia, acabapropondo soluções para o crescimento com-patíveis com a questão da demanda efetiva.Vejamos, então, como o problema se apre-senta no pensamento steuartiano.

O circuito econômico de Steuart éconstruído com base em três classes sociais(farmers, industrious free-hands e proprietáriosde terras), cada uma com seu padrão deconsumo específico e com sua atividadeeconômica ou fonte de renda particular. Opadrão de consumo estabelecido por cadauma delas é o que vai gerar demanda efeti-va (effectual demand), no sentido clássico, pa-ra o produto de ambos os setores da eco-nomia. Como é o consumo que motiva aprodução, então, também esse será o deter-minante do novo investimento, ou seja, só

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faz sentido investir para aumentar a produ-ção caso se deseje consumir mais.

Indicar que o consumo é a motivaçãoexclusiva da produção é uma diferençamarcante entre Steuart, seus contemporâ-neos e os clássicos posteriores, pois, comoafirma Ricardo,

ninguém produz a não ser para consumirou vender, e jamais se efetua uma venda anão ser com a intenção de comprar outramercadoria que possa ser imediatamenteutilizada [consumo] ou possa contribuirpara a produção futura [investimento](Ricardo, 1986, p. 197-198).

Assim, os clássicos já tinham clareza arespeito da intenção de investir, enquan-to em Steuart isso não aparecia comouma decisão primária, apenas como umaconsequência de uma motivação maior:consumir. Além disso, como já destaca-mos, Steuart não aponta o lucro e a con-corrência entre os capitais como os ele-mentos dinâmicos do sistema; portanto,em sua obra, é só o consumo que explicao crescimento da economia.

A dualidade no sistema steuartianopode ser observada tomando-se por base oraciocínio a seguir. Considerando que cadaclasse tem um padrão de consumo próprio,que vai se transformar em demanda por bensde consumo ou por bens de investimento,de acordo com as circunstâncias específi-

cas da economia e da sociedade, podemosconcluir que, a depender da distribuição darenda entre as classes sociais, teremos umsistema mais propício a um tipo de gastodireto ou a outro.31 Ao mesmo tempo, issonão indica se o sistema efetivará menor oumaior nível de acumulação,32 já que não háuma valoração a priori de que tipo de gastogera mais riqueza. De fato, é necessária aintervenção do Estado nesse processo paragarantir um equilíbrio entre esses gastos,de forma a privilegiar a maior taxa de cres-cimento possível para o excedente.

O Estado de Steuart cumpre o mes-mo papel da lei de Say nos clássicos poste-riores, a saber: é ele quem garante a realiza-ção completa do produto. A solução peloEstado reflete, portanto, o reconhecimen-to do problema da demanda efetiva. Steu-art, porém, enxerga no excedente do setoragrícola como a condição necessária para ocrescimento da economia, e o novo inves-timento, mesmo não sendo motivado pelabusca de maior lucro, é financiado pelaabstenção ao consumo. Sendo assim, o au-tor não chega a formular a concepção deque o investimento é o determinante dapoupança, mantendo-se na linha clássicatradicional de pensamento.

Isso nos leva a concluir, mais umavez, na direção da existência de uma duali-dade em sua obra, em que o seu atraso ana-

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31 Entretanto, sabemos que,independentemente de essetipo de gasto ser eminvestimento ou em consumo,poderemos observar impactosimportantes e diferentessobre a acumulação.32 Isso dependerá dofuncionamento domultiplicador e doacelerador que só serãodesenvolvidos em termosanalíticos e conceituais noséculo XX.

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lítico equivaleu à remoção dos antolhos docrescimento movido apenas pelo investi-mento; todavia, não rompeu os padrões dopensamento sobre o financiamento do gasto.

Podemos, então, localizar Steuart naorigem genealógica da questão da deman-da efetiva, na medida em que, por mais queo excedente no setor agrícola seja a condi-ção necessária para o crescimento da eco-nomia, não é a condição suficiente. Não éo tamanho do produto potencial que de-termina o produto efetivo, já que existe apossibilidade de os fazendeiros decidiremnão investir mais na ampliação ou na ma-nutenção do excedente, se não tiverem emvista novos produtos cujo consumo os in-teresse. O consumo improdutivo é umacontrapartida importante da produção deexcedente. Mas é fundamental lembrar queesse resultado é fruto da ausência de ummecanismo do tipo smithiano, no qual ocapital, em busca da maior taxa de lucropossível, migra entre os setores, dando cur-so ao mecanismo de mercado e ajustando acomposição do produto. Por outro lado,não há como não enquadrá-lo na linha depensamento clássica tradicional no que serefere ao financiamento do gasto.

Desta análise surge uma questão im-portante: o que exatamente torna um autorseguidor do princípio da demanda efetiva? Aresposta a essa pergunta já foi dada por mui-tos e não há um consenso em relação a ela.

Dadas as observações que apresen-tamos sobre o processo pelo qual Steuartdetermina o tamanho e a forma de cresci-mento do produto, podemos conceber queseu trabalho seja compatível com o princí-pio da demanda efetiva baseando-nos noargumento a seguir. Considerando que oprincípio da demanda efetiva seja o princí-pio de que a demanda agregada possa serinsuficiente para absorver o produto gera-do a partir do uso normal da capacidadeinstalada (Garegnani, 1983), a compatibili-dade entre teoria da acumulação de Steuarte esse princípio tem como base: 1) o autornão considerar que a expansão do investi-mento, baseada no emprego da poupança,obtida a partir dos lucros, seja o mecanis-mo único de geração de acumulação; e 2)sua defesa de que os gastos que não criamcapacidade são necessários para a manu-tenção do nível da demanda agregada emvalor próximo ao equivalente ao uso nor-mal da capacidade instalada.

O fato de afirmarmos que o princí-pio da demanda efetiva é compatível com ateoria da acumulação de Steuart não querdizer que esta última seja totalmente con-sistente com o primeiro, ou que não sejamnecessários avanços em sua teoria do valore distribuição para que ele possua um argu-mento teórico completo que sustente suateoria da acumulação. De fato, nossa análi-se se baseou nas noções mais gerais ou nos

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princípios mínimos necessários para asso-ciar o princípio da demanda efetiva ao ar-gumento clássico. Essa alternativa não é,como já mencionamos, a única; portanto,permanecerá a dúvida se é uma interpreta-ção benevolente do autor.

Na nossa interpretação, a ausênciade uma teoria da taxa de lucro obrigou Ste-uart a desenvolver uma análise sobre acu-mulação que estivesse livre da necessidadede transformar lucros em investimento pa-ra garantir o crescimento, conforme fize-ram os clássicos de sua época e aqueles queos sucederam. Foi também isso que, anali-ticamente, determinou no seu esquema aautonomia de parte dos gastos em relaçãoà renda. Sabemos que é possível estabele-cer parte importante dos padrões de gasto(com consumo ou com investimento) daeconomia sem conhecer a taxa de lucro. Éfato também que a renda dos capitalistasdepende da taxa de lucro, e que o lucro é ogrande objetivo do sistema capitalista. To-davia, a análise econômica posterior aostrabalhos de Keynes (1936) e Kalecki (1933)foi capaz de estabelecer que existe umaparte importante dos gastos que são autô-nomos em relação à renda, o que revalidaboa parte do argumento de Steuart. Esseautor concebe a determinação do nível deproduto centrada fundamentalmente no es-tabelecimento de um padrão de consumo

que é exógeno em larga medida e indepen-dente da renda, na medida em que é ooriundo do “plano” do governante. O in-vestimento também é uma decorrência des-se padrão.

Finalmente, podemos dizer que, seo estudo do valor e da distribuição na formaclássica deixa em aberto a questão da de-terminação dos níveis normais de produtoe emprego, Steuart segue os clássicos. Con-tudo, além dessa abertura, a teoria de Steu-art ainda possui uma lacuna na própria teo-ria da distribuição. A ausência de uma classede capitalistas em sua estrutura social não oobrigou a desenvolver uma teoria dos lu-cros que fosse além da noção de existênciade um ganho produtivo que não derivasseexclusivamente da terra, como faziam osfisiocratas. A solução inovadora de Steuart,para a descrição do processo de acumula-ção, foi fruto de um esforço de observaçãoimportante da dinâmica econômica, na au-sência do papel dinâmico da taxa de lucro epor isso foi além do limite de raciocínioclássico marcado pela lei de Say.

8_ ConclusãoPropusemo-nos a apresentar as possibili-dades que se abrem para o pensamentoheterodoxo com base na obra de Steuart.O estudo conclui visando a identificar

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uma dualidade na obra de Steuart, subli-nhada pela ausência de uma teoria da taxade lucro e o tratamento específico e ne-cessário que atribuiu ao papel do Estadono desenvolvimento econômico. Grandedestaque foi dado à intervenção do Esta-do na economia, na medida em que esseé um fator distintivo de Steuart em rela-ção aos seus contemporâneos e sucesso-res. O Estado steuartiano é e deve serforte, além de ser o único capaz de orga-nizar os interesses individuais em tornode um plano econômico singular.

Não pretendemos elaborar uma in-terpretação que o coloque acima de seu realvalor e contribuição teórica, mas construí-mos uma análise fundamentada por argu-mentos dos mais renomados autores sraf-fianos e interpretadores de Steuart paraformular um questionamento próprio so-bre a obra desse autor tão interessante e tãopouco estudado.

Vamos concluir, mais uma vez, a fimde recomendar a análise mais cuidadosa dotrabalho de James Steuart. Além das ques-tões da acumulação, do valor e da distribui-ção, James Steuart tratou de vários outrostemas como população, moeda, bancos ecomércio exterior. E sua interpretação, tãopreocupada com a verificação das hipótesesteóricas pela realidade, construiu-se articu-lando cada um desses temas com a estrutura

de pensamento apresentada nos dois pri-meiros livros dos Principles, demonstrandoo que já estava claro em seu prefácio: ocompromisso de Steuart com um métodocientífico na intenção de criar uma explica-ção da economia baseada em princípiosgerais, mas sem deixar de lado a referênciado mundo real. Além disso, pareceu-nosainda relevante destacar outra questão fun-damental em sua obra que abre espaço pa-ra o pensamento heterodoxo atual: a arti-culação entre o autointeresse e o papel doEstado em Steuart como um projeto alter-nativo do ponto de vista da perspectiva ci-entífica do seu tempo.

Não foi nosso objetivo esgotar qual-quer uma dessas questões. Ao contrário,pretendeu-se apresentá-las para atualizar adiscussão na história do pensamento eco-nômico e na economia em geral com ideiase questões “esquecidas” de economistasmortos, trazendo novamente à tona que avisão de mundo e a concepção de ciência decada autor é fundamental para compreendersua efetiva contribuição à economia política.

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E-mail de contado da autora:

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Artigo recebido em fevereiro de 2007;aprovado em outubro de 2009.

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