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IX ENCONTRO DA ABCP Pensamento Político Brasileiro OLIVEIRA VIANNA, AZEVEDO AMARAL E VIRGINIO SANTA ROSA: EXPOENTES DE UM PENSAMENTO AUTORITÁRIO NO BRASIL? Felipe Fontana (PPG-Pol/UFSCar) Carla Cristina Wrbieta Ferezin (PPG-Pol/UFSCar) Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

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IX ENCONTRO DA ABCP

Pensamento Político Brasileiro

OLIVEIRA VIANNA, AZEVEDO AMARAL E VIRGINIO SANTA ROSA: EXPOENTES DE UM PENSAMENTO AUTORITÁRIO NO BRASIL?

Felipe Fontana (PPG-Pol/UFSCar) Carla Cristina Wrbieta Ferezin (PPG-Pol/UFSCar)

Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

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OLIVEIRA VIANNA, AZEVEDO AMARAL E VIRGINIO SANTA ROSA: EXPOENTES DE UM PENSAMENTO AUTORITÁRIO NO BRASIL?

Felipe Fontana (PPG-Pol/UFSCar)

Carla Cristina Wrbieta Ferezin (PPG-Pol/UFSCar)

RESUMO: Este trabalho tem por finalidade problematizar a definição de autoritarismo de Bolivar Lamounier, Evaldo Vieira e Wanderley G. dos Santos. Para isso, iremos cotejar os elementos que compõe o conceito de autoritarismo difundido pelos autores supracitados, ao pensamento de intelectuais que, segundo eles, compartilham ideias, posições e perspectivas autoritárias. Assim, buscaremos as principais obras de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Virginio Santa Rosa com a intenção de evidenciar como a categoria de autoritarismo dada por Lamounier, Santos e Vieira não possibilita, de modo eficaz, enquadrar os pensamentos destes autores em uma chave interpretativa exclusivamente autoritária. De modo geral, entendemos que tanto o contexto histórico no qual estavam inseridos Vianna, Amaral e Santa Rosa, quanto o período no qual estavam localizados Lamounier, Santos e Vieira são relevantes para entendermos os motivos pelos quais alguns intelectuais do início e meados do século XIX foram considerados como expoentes de um pensamento autoritário no Brasil. Esse estudo é importante para desestereotipar alguns pensadores que por muitos anos foram considerados detentores de ideias e posições capazes de travar uma série de avanços democráticos no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Autoritarismo; Pensamento Autoritário; Brasil; Oliveira Vianna; Azevedo Amaral; Virginio Santa Rosa. 1. Introdução O termo Pensamento Autoritário, quando revisto levando em consideração uma

importante literatura vinculada ao nosso Pensamento Social e Político, pode ser encarado

tanto como uma corrente na qual vários autores e estudos se inserem, quanto um conceito

que sintetiza, informa e define a especificidade de determinados pensadores e do conteúdo

de suas ideias e posições. Sendo assim, podemos encará-lo como um movimento

intelectual com perspectivas teóricas, políticas e ideológicas próximas e/ou compartilhadas,

ou como um conceito síntese. Neste artigo, buscaremos trabalhar com essas duas

dimensões do termo que são fundamentalmente complementares. Para tanto, edificaremos

uma definição de Pensamento Autoritário considerando, principalmente, as reflexões de

Bolivar Lamounier, Evaldo Vieira e Wanderley Guilherme dos Santos1.

Estes autores compartilham da cara percepção de que o Pensamento Autoritário no

Brasil tem seu nascimento temporalmente localizado no início da Primeira República (1889),

de que o seu apogeu pode ser verificado ao final da Primeira República (1930) e durante o 1 Boris Fausto também se debruçou sobre a questão do Autoritarismo no Brasil. Em 2001, através da obra O Pensamento Nacionalista Autoritário, ele propôs uma definição de Autoritarismo, apontou o contexto social e político que favoreceu sua expansão no Brasil e evidenciou as ideias de alguns dos principais autores desta corrente, tais como: Azevedo Amaral, Francisco Campos e Oliveira Vianna.

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Estado-Novo (1937) e de que a sua decadência pode ser detectada com o fim do regime

político instaurado por Getúlio Vargas (1945). Ao nos depararmos com estas importantes

informações, consideramos, antes mesmo de evidenciar uma definição de Pensamento

Autoritário, a possibilidade de abordar e analisar neste artigo o período mencionado por

estes intelectuais como sendo o momento no qual se desenvolveu no Brasil um pensamento

de cunho autoritário. Dessa forma, tentaremos apresentar um panorama do contexto

brasileiro entre os anos de 1889 e 1945. Dentre outras coisas, o principal motivo para

realizarmos essa tarefa vincula-se com a necessidade de compreendermos as condições

sociais e políticas que possibilitaram a emergência de uma corrente intelectual de viés

autoritário em nosso país. Além deste exame contextual, nosso trabalho também contará

com uma investigação bibliográfica de três importantes obras: O sentido do tenentismo

(1933) de Virgínio Santa Rosa, O Estado Autoritário e a Realidade Nacional (1938) de

Azevedo Amaral e O Idealismo da Constituição (1927) de Oliveira Vianna. Realizaremos

essa atividade com a intenção de apreender algumas aproximações entre o conceito de

Pensamento Autoritário e determinadas reflexões presentes nestes estudos.

2. A Energia Social e Política que Possibilitou a Emergência e o Desenvolvimento do Pensamento Autoritário no Brasil O contexto referente à Primeira República e ao fim do Estado Novo é extremamente

destacado por Bolivar Lamounier, Evaldo Vieira e Wanderley Guilherme dos Santos em

suas reflexões sobre a edificação de um pensamento de cunho autoritário no Brasil. Dessa

forma, revisitar esse momento de nosso passado, mesmo que de modo panorâmico, auxilia

tanto no entendimento da definição de Pensamento Autoritário dada por esses autores,

quanto na compreensão das condições sociais e políticas que alimentaram a emergência e

a estruturação de uma corrente intelectual repleta de perspectivas e conhecimentos que,

dentre outras coisas, tinham o propósito de modificar a realidade brasileira.

2.1 Da Primeira República ao Fim do Estado Novo Marechal Deodoro da Fonseca, em novembro de 1889, através de um golpe militar

deu fim ao Brasil Império. Iniciou-se em nosso país um governo provisório denominado de

República da Espada, o qual, por sua vez, finalizou-se em 1894 dando início a um segundo

período, mais conhecido como República Oligárquica (1984-1930). Na República

Oligárquica, destaca-se o papel das oligarquias ou elites regionais do sul e sudeste do

Brasil, em especial dos Estados de São Paulo e de Minas Gerais que, em meio à Política do

Café com Leite, revezavam-se constantemente na presidência do país. Somado a isso,

desenvolveu-se concomitantemente à Política do Café com Leite, a nominada Política dos

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Governadores. Esta política, fortalecida principalmente no Governo de Campos Salles

(1898-1902), era uma tática política importante para possibilitar que os interesses locais

fossem garantidos. Em meio às diversas expressões das organizações oligárquicas

existentes no Brasil durante a Primeira República destaca-se o coronelismo que, por sua

vez, representou, para Maria Campello de Souza em O Processo Político-partidário na

Primeira República: “A força da oligarquia estadual advinda do controle exercido sobre os

grandes coronéis municipais, condutores da massa eleitoral incapaz e impotente para

participar do processo político que lhes fora aberto com o regime representativo imposto

pela Constituição de 1891” (SOUZA, 1968, p. 185).

Em 1891, foi promulgada a primeira Constituição Republicana do Brasil, ou segunda

Constituição Brasileira. A mesma, anos depois, foi arduamente criticada por alguns

expoentes do Pensamento Autoritário Brasileiro justamente por resguardar em seu conteúdo

um grande idealismo e uma enorme dissonância entre aquilo que o Brasil realmente é e a

leitura/entendimento do Brasil que ali se fez ou expressou. Atrelado a isso, a Constituição

também foi acusada de sofrer fortes influências da Constituição dos Estados Unidos da

América e da Constituição Federal da Suíça. Tal influência seria perigosa porque estas

Constituições, segundo esses pensadores, se adaptam às peculiaridades sociais, culturais e

políticas de povos específicos que, necessariamente, são muito diferentes do brasileiro.

Existiram algumas importantes revoltas populares durante a nossa Primeira

República. A Revolta da Armada (1893-1894), a Revolução Federalista (1893-1895), a

Guerra de Canudos (1893-1897), a Revolta da Vacina (1904), a Revolta da Chibata (1910),

a Guerra do Contestado (1912-1916), as Greves Operárias (1917-1919) e a Revolta dos

Dezoito do Forte de Copacabana (1922), destacando-se, em 1924, o Movimento Tenentista

que, dentre outras coisas, questionava o estado de esfacelamento social e político do Brasil

e o problemático poder exercido pelas oligarquias e pelas elites locais2.

Em 1930, com a deposição do presidente Washington Luís, ocorreu o conhecido

Golpe de Estado que deu início a denominada Era Vargas (1930-1945). De 1930 até 1934,

Getúlio Vargas governou por decreto como Chefe do Governo Provisório. Nesse período,

mesmo sob o exercício do poder quase ilimitado do Presidente e a pouca autonomia dos

Estados brasileiros, criou-se no Brasil novos Ministérios, como, por exemplo, o Ministério do 2 Muitos estudos buscaram, por meio de interpretações distintas, compreender o tenentismo: associado aos interesses corporativos das Forças Armadas (CARVALHO, 1985); correlacionado aos anseios da classe média urbana (PINHEIRO, 1985; FORJAZ, 1977); relacionado à pequena burguesia (SANTA ROSA, 1976; SODRÉ, 1968; CARONE; 1975; 1976; VIANNA, 1992; CUNHA, 2002); vinculado à Coluna Prestes (MEIRELLES, 1995); ligado à participação dos tenentes na derrubada da Primeira República e sua utilização como exército particular do Governo Provisório de Getúlio Vargas, especialmente, na cidade de São Paulo (PRESTES, 1999; BORGES, 1992); e, por fim, concatenado com a fragmentação do grupo em fins dos anos 20 (CARONE, 1975).

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Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e Saúde. Além disso, nesse

momento de nossa História, edificou-se a Lei da Sindicalização e importantes Leis de

Trabalho (vistas como avanços, mas também como mecanismos fundamentais para a

construção do Populismo no Brasil). Em 1932, temos a Revolução Constitucionalista

liderada pelo Estado de São Paulo que, por sua vez, sai derrotada. No ano de 1933, Getúlio

Vargas convoca uma Assembléia Constituinte que promulga, em Julho de 1934, uma nova

Constituição para o Brasil. A Constituição de 1934 traz o voto secreto, como tática

inviabilizadora da prática coronelista, a obrigatoriedade do ensino primário, a possibilidade

de as mulheres votarem e a inclusão de várias leis trabalhistas.

Neste momento da História brasileira surgem dois importantes partidos: a Ação

Integralista Brasileira (AIB) e a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Tais partidos,

diferentemente dos existentes na Primeira República, não tinham como finalidade a

representação política exclusiva de um Estado Brasileiro, suas ambições políticas eram

nacionais e vinculavam-se ao Brasil como todo. Da AIB tivemos como principal expoente

Plínio Salgado (1895-1975). Já da ANL podemos citar Luiz Carlos Prestes (1898-

1990) e Olga Prestes (1908-1942). Em 1935, a ANL realizou sem sucesso um Golpe Estado

contra o Governo Getúlio Vargas, o mesmo também ficou conhecido como a Intentona

Comunista. Por conta desta ação, os membros da AIB criaram o “Plano Cohen” que previa a

contenção de uma ação comunista maior do que a de 1935. Nesse sentido, em 1937,

Getúlio Vargas e as Forças Armadas Brasileiras, buscando deter o comunismo no Brasil,

dão um Golpe de Estado e se inicia no nosso país, sob a égide de uma nova Constituição, o

Estado Novo (1937-1945). A Constituição de 1937 eliminou a liberdade partidária, suprimiu a

independência entre os três poderes, fechou o Congresso Nacional e criou o Tribunal de

Segurança Nacional. A Constituição possibilitava a nomeação dos governadores por parte

do presidente e dos prefeitos por parte dos governadores. Nela também se instituía

o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda).

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o Brasil, liderado por Getulio

Vargas, buscou estabelecer o quanto possível uma situação de neutralidade diante da

bipolarização Aliados versus Eixo. Porém, em agosto de 1942, o Brasil se vincula aos

Aliados. No ano de 1943, políticos, intelectuais e empresários do Estado de Minas Gerais

assinam o Manifesto dos Mineiros, o qual, dentre outras coisas, criticava o Estado Varguista

e requeria o mais rápido possível a redemocratização do Brasil. Em outubro de

1945, Getúlio Vargas, por meio de um Golpe Militar, é deposto. Ainda em 1945, foram

realizadas eleições livres para o parlamento e para presidência no país.

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Mesmo diante da centralização exacerbada do poder exercida por Getúlio Vargas e a

utilização de medidas consideradas ditatoriais e antidemocráticas, o primeiro Governo

Vargas legou ao Brasil importantes avanços, principalmente quando pensamos a construção

de um Brasil contemporâneo. É inegável que, ao passo que desmantelava poderes

estaduais e fortalecia o governo central, o Governo Vargas enfraquecia em demasia as

elites locais e as oligarquias existentes no Brasil. Na medida em que colocava o Estado

como o principal propulsor do desenvolvimento econômico e industrial, Vargas e seu “staff”

promoveram no país um crescimento econômico nunca antes experimentado pela nação

brasileira (a criação da Companhia Nacional de Siderurgia, da Petrobrás, da Companhia

Nacional de Álcalis, do Projeto da Eletrobrás e da Vale do rio Doce são exemplos de

esforços que projetaram a economia e a indústria brasileira durante a Era Vargas). Além

disso, o sufrágio universal e a consolidação de importantes leis trabalhistas são exemplos

de avanços no âmbito dos direitos sociais e políticos conquistados no período.

2.2 As Condições para a Formação de um Pensamento Autoritário no Brasil Estudiosos que se dedicaram ao exame daquilo que representa o Pensamento

Autoritário no Brasil corroboram com a ideia de que o mesmo emerge, em grande medida,

como uma resposta ao contexto da Primeira República e à Constituição de 1891. Tal

constatação pode ser verificada, afinal, a celebrada e necessária autoridade do Estado, por

exemplo, encontrada nos escritos de Alberto Torres (1865-1917), Oliveira Vianna (1893-

1951), Azevedo Amaral (1881-1942), Francisco Campos (1881-1968) e Virgínio Santa Rosa

(1905-2001) busca, dentre outras coisas, romper de modo eficaz com o Estado de

desintegração social e política presente na Primeira República, com os resquícios de nossa

formação colonial, com a nossa predisposição ao exercício exclusivo da atividade

agroexportadora, com o pernicioso poder exercido pelas elites e oligarquias locais, com o

nosso não desenvolvimento industrial e econômico e, consequentemente, com a

impossibilidade de o Brasil experimentar uma modernização plena.

Muitos autores do Pensamento Autoritário Brasileiro também expressam, em grande

medida, a necessidade de romper com o passado através da ação e da interferência do

Estado. Nesse sentido, verificamos que muitas vezes eles teorizam e produzem um

conhecimento voltado para ação e para a mudança da realidade na qual estão imersos.

Dessa forma, duas questões podem ser verificadas durante a Era Vargas (momento da

História brasileira no qual, vale destacar, foram realizadas muitas intervenções estatais

orientadas por intelectuais que, não necessariamente, consideraram procedimentos ou

orientações de inspiração democrática). A primeira é a presença maciça destes intelectuais

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em meio ao governo desse período (tirando Alberto Torres e Azevedo Amaral, os demais

pensadores acima listados trabalharam no Estado brasileiro durante o Primeiro Governo

Vargas). O segundo vincula-se ao fato de que, em determinados casos, as ideias e os

conhecimentos produzidos por estes estudiosos tomaram forma de leis e políticas públicas.

Durante a Era Vargas o Estado interviu de maneira profunda em diversas dimensões

da sociedade brasileira. Em certa medida, essa posição intervencionista do Estado na

política, na vida social e nas questões econômicas do país possui ressonância quando

comparada a determinadas reflexões de alguns autores vinculados ao nosso Pensamento

Autoritário. Uma expressão contundente desta questão, em nossa opinião, pode ser

identificada na definição dada por Alberto Torres para a ferramenta de intervenção política

denominada de Poder Coordenador3. Deve-se ficar claro que a questão aqui não é a de

afirmar que o Poder Coordenador foi algo perseguido e almejado por alguns intelectuais

durante a Era Vargas. Ou muito menos assegurar que o Estado Varguista agia,

precisamente, como era proposto por essa forma de poder. Mas, sim evidenciar que os

ideais e os anseios que inspiraram a construção dessa ferramenta de ação e intervenção

política perduraram após o seu aparecimento. Contudo, não podemos deixar de notar como

a definição do Poder Moderador, oferecida por Alberto Torres, ratifica a importância da

centralização do Estado, a sua prerrogativa intervencionista e a função “condutora” que ele

deveria exercer sobre a sociedade brasileira. Em nossa opinião, estes pressupostos que

animaram a construção desta ferramenta de ação e de interferência política nortearam os

escritos de alguns intelectuais do Pensamento Autoritário Brasileiro durante a Era Vargas.

Para nós, outros dois modos eficazes de análise que podem auxiliar na compreensão

dessa afirmação, que ultrapassam o exame contextual já realizado até aqui, são: 1) a

interpelação atenta da definição mais corrente de Pensamento Autoritário Brasileiro; 2) o

exame de alguns escritos de intelectuais pertencentes a esta corrente. Preocupados com

essa isso, abordaremos nos próximos tópicos desse trabalho estas duas questões.

3. O Pensamento Autoritário Brasileiro: Bolivar Lamounier, Evaldo Vieira e Wanderley Guilherme dos Santos

3 O Poder Coordenador seria composto por representantes nomeados por um Conselho Nacional.

Tais representantes teriam investiduras vitalícias e eles exerceriam a função de averiguar os mandatos daqueles que foram eleitos pelo voto do povo nos mais diversos níveis (federais, estaduais e municipais) e a tarefa de analisar e interferir nas ações da União que fossem voltados aos estados e municípios brasileiros. Assim, este poder seria, segundo Alberto Torres, relevante para garantir o bom funcionamento da nação, afinal, ele auxiliaria no controle dos interesses locais e nacionais ao passo que promoveria uma maior fiscalização dos pleitos eleitorais e da escolha da população. Ou seja, seria um órgão autônomo dotado de extensos poderes políticos e de intervenção.

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No texto, Formação de um Pensamento Político Autoritário na Primeira República:

Uma Interpretação, publicado pela primeira vez em 1978 na obra História Geral da

Civilização Brasileira (Tomo III, Volume 2), Bolivar Lamounier afirma que o Pensamento

Autoritário Brasileiro surgiu no início da Primeira República e teve como seus principais

representantes Oliveira Vianna, Alberto Torres, Francisco Campos e Azevedo Amaral.

Segundo o pesquisador, o Pensamento Autoritário vincula-se a uma corrente ideológica

altamente preocupada com a ação política (transformação da realidade brasileira) avessa ao

modelo constitucional instaurado no Brasil em 1891. Para pensar essa ação, estes

intelectuais levavam consideraram a especificidade da formação do Brasil, seguida de um

diagnóstico do presente e a proposição de um modelo alternativo de organização política.

Para autor, podemos evidenciar as seguintes contribuições desse “complexo ideológico” e

seus membros expoentes: 1) foram importantes para difundirem em nosso país uma gama

significativa de ideias antiliberais; 2) corroboraram para a difusão e a institucionalização das

Ciências Sociais no Brasil; 3) na prática política, foram os idealizadores, ou ainda, os

ideólogos por trás da Revolução de 1930, podendo dessa forma, ser caracterizados como

homens da intelligentsia durante este momento da História Brasileira.

Durante a Primeira República, Bolivar Lamounier identifica três modelos de

pensamento. O primeiro pode ser denominado de modelo institucional cientificista. O

segundo seria o modelo histórico. E o terceiro foi nomeado pelo pesquisador de modelo

autoritário. O primeiro modelo daria às novas técnicas metodológicas um merecido

destaque, as mesmas, segundo os expoentes desse modelo, conduziriam ao entendimento

claro, objetivo e profundo da realidade brasileira (o método seria o foco desta forma de

pensamento). O segundo modelo busca compreender os interesses nacionais, ou a questão

do nacionalismo e da nacionalidade, tendo como referencial a história ou o desenvolvimento

histórico do Brasil (os diversos processos e arranjos que transformaram o Brasil no que ele

é), contudo, esta forma de pensamento não abria mão dos métodos vistos como mais

avançados das Ciências Sociais. O terceiro modelo seria composto por intelectuais

organicistas atrelados ao Estado, preocupados, em um primeiro momento, com o

desenvolvimento de uma burguesia nacional e, posteriormente, com o privatismo. Por conta

disto, a solução dada por eles não recusava, de modo algum, a prerrogativa de um Estado

forte capaz de resolver estes problemas (entraves que limitavam a modernização do Brasil).

Em linhas gerais, podemos resumir a leitura de Bolivar Lamounier acerca dos

expoentes do Pensamento Autoritário Brasileiro com as seguintes palavras: altruístas,

esclarecidos, nacionalistas, munidos de sofisticado ferramental das Ciências Sociais capaz

de promover o entendimento profundo da sociedade, avessos ao livre mercado ou às regras

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do mercado, ansiosos pelo fortalecimento do poder central, ou seja, intelectuais, por vezes,

técnicos do Estado, envoltos por um complexo ideológico determinado, que tiveram por

objetivo teorizar, conceituar e, por consequência, legitimar em seus trabalhos a “autoridade

do Estado como princípio tutelar de orientação e de organização da sociedade brasileira”

(LAMOUNIER, 1985, p. 356). Esse complexo ideológico, que ratifica as posições acima, foi

condensado por Lamounier no modelo denominado Ideologia de Estado, o qual, por sua

vez, é composto pelos seguintes componentes: 1) Predomínio do princípio estatal sobre o

princípio do mercado; 2) Visão orgânico-corporativa da sociedade; 3) Objetivismo

tecnocrático; 4) Visão paternalista e autoritária do conflito social; 5) Não organização da

sociedade civil; 6) Não mobilização política; 7) Elitismo e voluntarismo como visão dos

processos de mudança política e 8) O Leviatã Benevolente.

Por fim, Bolivar Lamounier salienta que muitas das ideias desses intelectuais foram

abandonadas, ou deixaram de ser estudadas, pela ocorrência de fatores externos e internos

ao Brasil. Por motivos externos, o pesquisador credita ao declínio do fascismo uma parcela

da culpa pelo desuso de algumas perspectivas autoritárias. Por questões internas, o

estudioso brasileiro afirma que o processo de redemocratização, em 1945, auxiliou

fundamentalmente para a rejeição das ideias e posições de cunho autoritário no país.

Mesmo não fazendo uma definição precisa do que é Pensamento Autoritário, Evaldo

Vieira, na obra Oliveira Vianna & O Estado Corporativo (Um Estudo Sobre Corporativismo e

Autoritarismo no Brasil) publicado pela primeira vez em 1978, faz um uso extenso dessa

noção para enquadrar uma série de autores que, segundo ele, influenciaram Oliveira Vianna

quanto suas concepções de Corporativismo e de Estado Corporativo (como principais

representantes destacam-se Alberto Torres e Mihail Manoilescu e, como casos

excepcionais, Azevedo Amaral e Cândido Motta Filho). De maneira geral, devemos

evidenciar que muitos dos elementos que são destacados para caracterizar a dimensão

autoritária, nacionalista e corporativa do pensamento desses autores vinculam-se, de modo

mais ou menos preciso, à definição de Bolivar Lamounier de Pensamento Autoritário.

Evaldo Vieira, no momento em que compara algumas ideias de Alberto Torres e de

Oliveira Vianna com a intenção de estabelecer aproximações e distanciamentos entre elas,

detecta que ambos os intelectuais expressavam em seus escritos um repúdio para com a

Constituição de 1891 (VIEIRA, 1976, p. 72-73), uma aversão a princípios vinculados ao

liberalismo e à liberal-democracia (VIEIRA, 1976, p. 74-75), uma preocupação para com o

conhecimento objetivo da realidade brasileira e, consequentemente, para com a postulação

de pressupostos metodológicos modernos capazes de fornecer um entendimento preciso da

realidade social – apreço pela cientificidade – (VIEIRA, 1976, p. 76).

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Para Evaldo Vieira, por mais que houvesse importantes diferenças acerca da

questão das liberdades individuais entre as ideias de Oliveira Vianna e de Alberto Torres,

ambos os pensadores viam de modo favorável à existência de um Estado forte e

intervencionista no Brasil (VIEIRA, 1976, p. 74-75). Além disso, ambos os autores, segundo

o pesquisador brasileiro, enxergavam no Brasil um preocupante grau de desintegração

social e político. Os motivos para isso vinculavam-se, principalmente, à especificidade da

nossa formação como povo. Tal caráter inorgânico da sociedade brasileira, para os dois

intelectuais, garante ao Estado uma autoridade ímpar e avaliza a sua ação interventora.

Ao passo que Evaldo Vieira caracteriza o pensamento de Oliveira Vianna e Alberto

Torres, ele edifica uma série de características muito próximas daquelas apresentadas por

Bolivar Lamounier. Mesmo não definindo exatamente o que é Pensamento Autoritário, o

pesquisador classifica dois importantes intelectuais de nosso Pensamento Social e Político

em uma chave que resguarda, segundo nossa interpretação, uma série de elementos

ligados às posições e às perspectivas correntemente qualificadas como autoritárias.

Wanderley Guilherme dos Santos também foi um intelectual de nosso Pensamento

Social e Político que se debruçou sobre a tarefa de compreender o Autoritarismo no Brasil.

Nos textos, A Praxis Liberal no Brasil (1974) e Paradigma e História (1975), ambos

confeccionados em anos anteriores, mas publicados no ano de 1978 na obra Ordem

Burguesa e Liberalismo Político, o autor faz caras observações sobre esse tema. Nestes

trabalhos, Guilherme dos Santos não tem como foco exclusivo o tema do Pensamento

Autoritário no Brasil. Contudo, ao passo que investiga a praxis liberal em nosso país, assim

como o ideário burguês brasileiro, o pesquisador reflete sobre as condições sociais e

políticas que possibilitaram a constituição de uma corrente ideológica de cunho autoritário

no Brasil. De modo geral, conseguimos apreender uma leitura e definição do intelectual

brasileiro acerca da noção de Pensamento Autoritário, não por acaso, no momento em que

ele busca analisar seus principais objetos em meio ao contexto da Primeira República e no

fim da Era Vargas (1889-1945).

Wanderley Guilherme dos Santos detecta, assim como outros estudiosos já

analisados por nós, algumas características do Pensamento Autoritário Brasileiro, são elas:

a aversão em relação aos ideais ou ideários liberais; a percepção de que não se construiu

no Brasil, graças à especificidade de sua formação e constituição como nação, os alicerces

capazes de suportar um tipo liberal e/ou democrático de governo; a leitura de que as

transformações sociais, políticas e econômicas no Brasil (modernização e desenvolvimento

do país) deveriam ser conduzidas por um Estado forte, centralizado e interventor

(preponderância da autoridade estatal), afinal, a efetiva realidade do Brasil e de seu povo

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requeriam essa forma de ação e intervenção politico-governamental. Wanderley Guilherme

dos Santos, assim como Bolivar Lamounier, também constata que parcela significativa dos

intelectuais ligados ao Pensamento Autoritário no Brasil via como problemática a

possibilidade das massas se mobilizarem e participarem do processo político. Tal

preocupação vincula-se com a percepção de que os conflitos sociais, necessariamente,

atrasam e atrapalham o processo de desenvolvimento e de modernização de um país.

Wanderley Guilherme dos Santos, em relação aos outros intelectuais aqui visitados,

avança ao definir categoria denominada de autoritarismo instrumental. Para ele, este

conceito define uma vertente do Pensamento Autoritário Brasileiro que via a edificação de

um Estado Autoritário no Brasil como condição necessária e passageira para a

modernização do mesmo, rompendo assim, com as nossas amarras e deficiências

históricas. Nesse sentido, o Estado autoritário seria um instrumento capaz de promover no

Brasil um avanço transformador: a construção de uma sociedade moderna, desenvolvida e

liberal em um ambiente adverso a isso4.

Neste tópico tivemos a intenção de evidenciar como vem sendo definido o

Pensamento Autoritário no Brasil. Nesse sentido, buscamos identificar as proximidades

entre as interpretações de Bolivar Lamounier, Evaldo Vieira e Wanderley Guilherme dos

Santos. Resguardando algumas diferenças entre os pensamentos destes intelectuais,

acreditamos que há elementos comuns compartilhados entre eles na abordagem deste

tema. Na próxima etapa deste artigo verificaremos a pertinência e a coerência dessas

leituras sobre o Pensamento Autoritário Brasileiro através de uma análise crítica de

determinadas reflexões de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Virgínio Santa Rosa.

4. Expoentes do Pensamento Autoritário no Brasil: Ideias e Reflexões de Virgínio Santa Rosa, Azevedo Amaral e Oliveira Vianna 4.1 Oliveira Vianna e a Importância da Superação do Passado Colonial Brasileiro

Uma importante questão presente no pensamento de Oliveira Vianna vincula-se com

a crítica que o intelectual estabelece em relação aos legados negativos de nosso passado

colonial e os meios pelos quais seria possível transformar o Brasil. Vinculado a este debate

4 Adicionado a isso, vale destacar que Guilherme dos Santos, ao passo que busca compreender a construção de uma ordem burguesa no Brasil, evidencia uma importante questão acerca da influência do Pensamento Autoritário Brasileiro. Esta preocupação do pesquisador pode ser considerada, de acordo com nossa visão, diferenciada quando comparada às ideias dos estudiosos aqui analisados. Segundo ele, a união entre intelectuais e Estado Varguista, o que constituiu um momento ímpar na História de nossa nação, foi importante para se edificar em nosso país uma base mais sólida capaz de suportar avanços na construção da ordem burguesa nacional: maior complexificação da sociedade brasileira; emergência de classes sociais mais definidas; maior distinção entre a vida urbana e a vida rural; uma nítida separação entre os trabalhos agrícolas e as atividades de cunho fabril-industrial.

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interno ao pensamento do autor são articulados e teorizados por ele alguns relevantes

temas e questões, como por exemplo: a especificidade do período monárquico no Brasil; a

peculiaridade e a relevância do Corporativismo na Nação brasileira; os atributos distintivos

de um Direito do Trabalho, de uma Legislação Trabalhista e de um Direito Corporativo para

o Brasil; as inconsistências da Constituição Brasileira de 1891; as características

constitutivas de nossas instituições políticas; e a especificidade e a tipologia do poder

central (Estado) necessário e congruente ao desenvolvimento e à modernização brasileira.

A expressão máxima da leitura de Oliveira Vianna acerca da transposição de leis e

formas institucionais avessas às peculiaridades ligadas à realidade brasileira que, segundo

ele, se mostraram extremamente contraproducentes em relação à tarefa de se modernizar o

Brasil foi apresentada pelo intelectual fluminense de modo extensivo na obra O Idealismo da

Constituição (1927) que, por sua vez, traz uma ácida crítica à Carta Constitucional de 1891.

Neste estudo, o autor expõe uma das chaves explicativas mais desenvolvidas em sua obra

que justifica a proposição de que o Brasil para se modernizar necessita de específicas

formas de governo, particulares instituições e, principalmente, leis preocupadas com as

peculiaridades do Direito Costumeiro inerente à população brasileira.

De modo geral o autor defende que a Constituição de 1891 era incompatível com a

realidade social, política, cultural e econômica da sociedade brasileira. Dentre outras coisas,

ela resguardava excessivamente princípios liberais que só podiam ser alheios à mentalidade

brasileira (VIANNA, 1927, p. 85). A mesma era, infortunadamente, profundamente inspirada

nas Constituições Inglesa e Estadunidense (VIANNA, 1927, p. 37-41). Foi feita por uma elite

desconhecedora das especificidades do Brasil e de seu povo (VIANNA, 1927, p. 21-24). A

Carta Magna de 1891 resguardava os permissivos interesses e abusos oligárquicos locais.

E, por fim, ela era extremamente inocente quanto à eficácia da lei escrita (para o intelectual

fluminense, nossos juristas e legisladores acreditavam que a lei por si só produziria efeito na

sociedade). Sendo assim, para o pensador fluminense, a Constituição de 1891 estava em

completo desacordo com a realidade brasileira5: “A bella ideologia da Constituinte teria que

fracassar da mesma forma, sinão immediatamente, como aconteceu, pelo menos com o

correr dos tempos, á medida que se fosse accentuando o desacordo entre os seus

princípios e as condições mentaes e estructuraes do nosso povo” (VIANNA, 1927, p. 36).

Todo o problema vinculado com a dificuldade de se constituir leis e instituições

adequadas no Brasil, questão germinal da obra O Idealismo da Constituição, também

aparece, não por acaso, em muitos outros estudos de Oliveira Vianna. Em Instituições

Políticas Brasileiras (1949), última obra publicada em vida pelo autor, encontramos a

5 Ver VIANNA, 1981, p. 118.

13

reunião das principais argumentações presentes em sua produção intelectual ligadas a esse

tema. Dentre as muitas interpretações e ideais recuperadas nesse trabalho, Oliveira Vianna

afirma que as leis brasileiras cunhadas em 1891, assim como o desenho de nossas

instituições políticas, foram permissivamente inspiradas em formas institucionais inerentes a

outras nações. Assim, para ele, muitos arranjos institucionais e legais implementados em

nosso país fracassaram porque não consideraram as particularidades do povo brasileiro. Ou

seja, uma contradição entre “país real e país legal”, uma incongruência entre “forma e

conteúdo”, ou ainda, uma incoerência entre as “ideias e o lugar”.

Diante desse quadro interpretativo acerca dos problemas decorrentes do legado

colonial que dificultavam, quando não impediam, o processo de modernização do Brasil e

sobre os empecilhos de se produzir eficazes e condizentes leis e instituições em nosso país

que superassem o legado colonial, Oliveira Vianna propõe alguns caminhos para se

desenvolver a Nação brasileira. Dentro das soluções possíveis, nenhuma exclui o

reconhecimento, por parte do autor, da necessária autoridade do Estado para se transformar

o Brasil. Ou seja, para o intelectual fluminense, a Nação brasileira só se desenvolveria pela

ação de um tipo de Estado forte, centralizado e interventor capaz de construir, através de

políticas públicas e leis adequadas, as etapas constitutivas de um projeto modernizador de

nação. Em meio às funções que este tipo de poder central deveria desempenhar, a

regulamentação do trabalho no Brasil, assim como da classe trabalhadora brasileira,

assume um importante papel na obra e na vida política de Oliveira Vianna6.

O autoritarismo de Oliveira Vianna, ou a sua perspectiva autoritária de Estado,

vincula-se efetivamente com o diagnóstico do autor sobre o Brasil (o momento colonial e as

consequências que ele legou), contudo o mesmo ganha uma dimensão mais material em

meio ao contexto dos anos 1930, em especial de 1934 e 1937. No ano de 1934, a

proposição de um Estado Autoritário ligava-se a uma recusa da Carta Magna Brasileira,

pois, para o autor, ela era excessivamente liberal e, assim como em nossa Primeira

República, resguardava interesses de clãs políticos e grupos oligárquicos (revestidos na

figura de partidos políticos) em detrimento das efetivas necessidades nacionais. Já em

1937, o Estado Novo pareceu uma alternativa consoante ao pensamento de Oliveira Vianna,

sendo assim, o intelectual apoiou o movimento daquele ano e a Constituição subsequente a

ele. Sobre a Carta Magna de 1937 ele afirmava que a mesma era resultado “resulta de uma

6 As posições de Oliveira Vianna sobre os mecanismos necessários ao processo de modernização do Brasil além de importantes para a vida política e para a institucionalização do trabalho no país também foram relevantes para complexificar o debate voltado e esse tema em nosso Pensamento Político, em certa medida, estas ideais de Oliveira Vianna foram germinais quando pensamos em um Pensamento Autoritário Brasileiro (é o que constamos com as já citadas palavras de Bolivar Lamounier, Evaldo Vieira e Wanderley Guilherme dos Santos).

14

observação longa e direta do nosso meio político e das suas peculiaridades, das falhas da

nossa cultura cívica e dos seus reflexos sobre o mecanismo dos poderes públicos’”

(VIANNA, 1939, p. 173). Em linhas gerais essa é a visão de Oliveira Vianna acerca da

necessidade de um Estado de tipo autoritário no Brasil. Não por acaso, essa interpretação

tem proximidades com a leitura de outros autores. Sendo assim, vamos ao exame delas.

4.2 Diagnóstico e Prognóstico do Brasil nos anos 1930: a Visão de Santa Rosa

Frequentemente Virgínio Santa Rosa é mencionado como o primeiro intérprete do

fenômeno tenentista (SODRÉ, 1976). Sua importância como pioneiro na análise do

tenentismo já foi tema debatido, no entanto, escassas pesquisas se propuseram à

investigação de seu pensamento político. Apesar de não circular na literatura do

Pensamento Social e Político Brasileiro como um dos mais proeminentes ideólogos do

Pensamento Autoritário, situamos nas obras de Santa Rosa, principalmente em O sentido

do tenentismo (1933), elementos que o categorizariam como tal – especialmente quando

temos em mente a defesa de um Estado forte e centralizado7. Ao lermos as obras de Santa

Rosa (O sentido do tenentismo, A desordem: ensaio de interpretação do momento e

Paisagens do Brasil), obervamos a presença de três problemáticas centrais em seu

diagnóstico da situação brasileira nos anos de 1930: opressão das oligarquias, inviabilidade

de implantação da liberal-democracia no Brasil e o problema do latifúndio.

Segundo Santa Rosa, a Primeira República Brasileira é marcada pela ascensão de

duas classes conflitantes: a burguesia e a pequena burguesia. Com o fim da escravidão,

vemos a derrocada da aristocracia latifundiária e a ascensão da burguesia (industriais,

grandes comerciantes e fazendeiros de São Paulo) que rapidamente “conquistaria” o poder

(latifúndios e cargos eletivos) pertencente aos aristocratas. Nesse ínterim, despontou a

pequena burguesia, constituída “exclusivamente pelas classes médias das cidades, os

operários das fábricas e os párias quase inconscientes dos campos” (SANTA ROSA, 1976,

p. 27). Ou seja, havia duas classes em confronto: “a primeira [burguesia] possuía o poder,

baseada na posse dos latifúndios, armada com a máquina de poderosas oligarquias

políticas. A segunda [pequena burguesia] atacava e solapava os bastiões burgueses com

todas as forças e armas que podia dispor” (SANTA ROSA, 1976, p. 27).

À medida que a pequena burguesia se avultava e adquiria consciência de seus

direitos mais básicos, seja no campo social, seja no ambiente político, a burguesia

7 Outras obras publicadas por Virgínio Santa Rosa: A desordem: ensaio de interpretação do momento (1932), Paisagens do Brasil (1935), o romance A estrada e o rio (1964) e o ensaio Dostoievski, um cristão torturado (1980). Os dois primeiros livros mencionados também abrangem o pensamento político de Santa rosa, desta forma, menções a tais obras serão recorrentes neste trabalho.

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aumentava seus meios de repressão para manter sua hegemonia política e econômica.

Neste cenário, era inevitável que não se alastrasse a cada dia um “mal estar”,

principalmente nas cidades mais populosas, isto porque a população rural ainda vivia sob o

domínio do coronel, fato que impedia manifestações de insatisfação em relação a ordem

estabelecida. A pequena burguesia ainda tentou buscar seu espaço através da eleição de

parlamentares próprios. Mas, como vencer os grandes latifundiários que contavam com os

votos da grande massa rural? Tendo essa leitura como panorama, a solução trazida por

Santa Rosa ligava-se com a adoção de um sistema de representação proporcional, abolindo

o problemático e inapropriado processo de eleição por maioria de voto.

O “mal estar” estabelecido entre a pequena burguesia e o proletariado brasileiro

começou a tomar forma de manifestações nos anos de 1922, 1924 e 1926. Tais

manifestações não lograram sucesso em transformar o sistema político vigente, contudo já

demonstravam a insatisfação da não participação da pequena burguesia no organismo

nacional (SANTA ROSA, 1976). O intelectual ressalta que as manifestações supracitadas

não foram analisadas a fundo, seja pela mídia, pelos homens públicos ou pelos intelectuais

da época. As manifestações armadas de 22, 24 e 26, foram facilmente aplacadas pelos

governantes. Santa Rosa viu a não participação e inércia da massa rural como um dos

motivos centrais do não sucesso destes movimentos, visto que “os dois terços da nossa

população que decidiam dos nossos destinos nas eleições nacionais, sob o mando dos

coronéis sertanejos, obedeceram automaticamente ao mesmíssimo aceno no terreno das

armas” (SANTA ROSA, 1976, p. 45). Nesta constatação, acerca da submissão das massas

rurais ao senhor dos latifúndios, reside uma crítica vigorosa de Santa Rosa à implantação de

uma liberal-democracia no país. Tal como Oliveira Vianna, ele desaprova a prática da elite

brasileira em tentar imitar um modelo político não adequado a nossa realidade nacional.

Tentar transportar a liberal-democracia para um país onde a maioria da população

vivia sob o jugo do senhor de terras não seria viável, afinal, este tipo de regime político é

baseado no sufrágio universal e na liberdade política. A Constituição de 1891 havia

garantido, legalmente, a existência de uma ordem liberal-democrática, mas na realidade ela

era válida? Claramente reside nesta sentença a tão debatida temática do Brasil Legal versus

Brasil Real. Desta forma, ele também condena veementemente a Carta Magna de 1891,

destacando que a mesma se adequava perfeitamente aos anseios das oligarquias regionais,

sobretudo, devido à institucionalização do federalismo. No entanto, em 1930, a plutocracia

brasileira sofreria um abalo em sua hegemonia com o eclodir da Revolução de 30. A partir

deste momento, a pequena burguesia seria representada politicamente pela ação dos

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tenentes, os quais haviam surgido no cenário político brasileiro nas revoltas de 22, 24 e 26 e

que assumiriam papel de relevo a partir da Revolução.

Nitidamente, conquistas foram feitas durante a Revolução de 30, contudo, as forças

que haviam apoiado Getúlio Vargas na Aliança Liberal (AL), começaram a se fragmentar e

se repelir em dois grupos muito distintos (SANTA ROSA, 1976). O primeiro era formado por

um poderoso bloco dos situacionistas regionais, mineiro e gaúcho, além das formações

partidárias restantes da Revolução, como o Partido Democrático Paulista e as antigas

oposições estaduais. Tal grupo se preocupava necessariamente com reformas de cunho

político e clamavam pela volta à ordem constitucional. De outro lado, estavam os

tenentistas, os quais buscavam atender as demandas da pequena burguesia, “pleiteando

grandes modificações internas, profundas transformações sociais” (SANTA ROSA, 1976, p.

55), sendo representados pelo influente Clube 3 de Outubro. Diante de projetos e ideais tão

distintos, tornava- se cada vez mais evidente que haveria uma dissidência definitiva entre as

forças constituidoras da AL. Em 1932 há o rompimento dos gaúchos com o Governo

Provisório de Vargas e, a partir deste momento obervamos a união das oligarquias regionais

de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Estes passaram a exercer uma força poderosa em

São Paulo, onde o tenentismo perdeu força e probabilidade de hegemonia. Neste cenário,

eclodiu a Revolução Constitucionalista de 32, “revanche plutocrática e reacionária, que

pretendeu inocuamente anular as conquistas outubristas” (SANTA ROSA, 1976, p. 101)8.

A Revolução de 30 deflagrou a necessidade de uma profunda renovação social no

país, revelando a essencialidade de se “condensar no futuro estatuto nacional os direitos

legítimos da classe média” (SANTA ROSA, 1976, p. 117). No entanto, uma população ainda

mais miserável precisava de atenção: as massas rurais. Desta forma, os tenentes tinham de

voltar suas energias para o meio rural, mais especificamente, “se o tenentismo pretende

fazer obra política capaz de vingar em nosso clima, deve volver os olhos para o problema do

latifúndio” (SANTA ROSA, 1976, p. 118). Santa Rosa em O sentido do tenentismo constrói

um manifesto contra o latifúndio, o qual é visto pelo autor, não só como o causador do

domínio político e eleitoral das oligarquias, e do vazio territorial no interior, mas também

8 Notamos que Santa Rosa via na organização e conscientização das massas urbanas a pedra de toque para a derrubada definitiva do liberalismo democrático. A Revolução de 30 teria iniciado esse projeto, mas as oligarquias regionais ainda resistiam impetuosamente à manutenção da Constituição de 1891, da liberal-democracia e do federalismo. O intelectual considera o grupo oponente, isto é, os tenentes, a única força capaz de promover a derrocada do regime vigente, para tanto, seria imprescindível a passagem do Estado político, típico da liberal-democracia, para o Estado técnico, um tipo de Estado que disciplinaria a massa brasileira e, ao mesmo tempo, proporcionaria proteção – por meio de intervenção constante na organização da economia – contra a ambição dos capitalistas. No entanto, é digno de nota que, somente, com a manutenção da ditadura revolucionária implantada em 1930 alcançaríamos o Estado técnico, o ideal para a realidade nacional.

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como responsável pelo atraso econômico do Brasil. Ou seja, era imperativo que uma

reforma agrária, baseada na propagação da ideia da pequena propriedade, fosse realizada

em nosso país. A reforma agrária seria a maior tarefa a ser empreendida pelos tenentes, e

a falha em cumprir tal missão seria o decreto de ineficiência histórica do movimento.

Notamos que a reforma agrária é ponto nevrálgico e distintivo da teoria da Santa Rosa, sem

a concretização desta reforma radical, nenhuma outra mudança seria realmente eficaz para

alterar o quadro social, econômico e político do Brasil.

O pensamento de Santa Rosa é marcado pela defesa de um Estado forte e

centralizado capaz de impugnar o poder das oligarquias, promovendo assim, o progresso

social e econômico, mas, sobretudo, a reforma agrária. Visivelmente influenciado pelas

ideias de Oliveira Vianna sobre o diagnóstico do Brasil – assim como os tenentes –, Santa

Rosa, no entanto, parece ter avançado na tarefa de elaborar um prognóstico para o Brasil.

Wanderley Guilherme dos Santos (1978) salienta que Oliveira Vianna não deu respostas

sobre quais arranjos o Estado forte deveria realizar para tornar a sociedade brasileira uma

sociedade liberal, “seu pensamento estava sempre voltado para uma elite política especial,

vinda não se sabe de onde, e que transformaria a cultura política brasileira de tal forma que

a sociedade se tornaria liberal mediante maciça conversão cultural” (SANTOS, 1978a, p.

106). Contudo, para Santos (1978), adeptos de Vianna, como o próprio Santa Rosa, não

concordariam com seu posicionamento e apresentariam novas soluções para os problemas

do Brasil, por exemplo, a essencialidade da reforma agrária (ver SANTOS, 1976a, p. 106).

Virgínio Santa Rosa partiu dos pressupostos levantados pelos expoentes do

Pensamento Autoritário Brasileiro, criticou a implantação da liberal-democracia no Brasil e

defendeu um Estado forte e centralizado. Mas, se diferenciou por propor novas saídas para

os problemas enfrentados em nosso país, discorrendo sobre a urgência de empreendermos

a reforma agrária, afinal, residia no domínio das vastas propriedades de terra a hegemonia

das oligarquias. Com o poder de resguardar assuntos tão atuais para a sociedade brasileira,

consideramos que Santa Rosa deveria ser um autor mais revisitado por estudiosos e

interessados em nosso Pensamento Social e Político ou no Autoritarismo Brasileiro ou.

4.3 O Estado Autoritário e a Realidade Nacional (1938): Azevedo Amaral e seus Posicionamentos sobre o Brasil Nas Considerações Preliminares e na primeira parte da obra O Estado Autoritário e a

Realidade Nacional (1938), denominada de Antecedentes do Estado Novo, Azevedo Amaral

aponta para a máxima de que toda forma institucional presente em uma determinada nação

deve estar de acordo com as especificidades históricas e as peculiaridades atuais da

mesma, para assim, produzir algum tipo de efeito positivo. Tendo em mente essa posição, o

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intelectual brasileiro apresentará nessa parte de seu trabalho qual a sua leitura sobre a

formação do Brasil, além disso, ele também evidenciará sua interpretação acerca do período

Imperial e exibirá sua visão sobre a Primeira República. Dentre outras coisas, ele fará

críticas contundentes a estes momentos da História do Brasil para constatar, dessa forma,

os motivos pelos quais um Estado Autoritário se faz necessário em nosso país. Sobre esses

momentos da História Brasileira, Azevedo Amaral ratifica importantes elementos das críticas

de seus pares, tais como Oliveira Vianna. Contudo, também se diferencia deles. Nessa

direção, três importantes ideias devem ser destacadas: 1) a condição de colônia

agroexportadora marcou de maneira indelével nossa história como o período no qual se

germinou nossas primeiras formas oligárquicas (AMARAL, 1938, p. 27); 2) diferentemente

de alguns intelectuais de sua época, tal como Oliveira Vianna, Azevedo Amaral afirmava

que o Império Brasileiro não foi um momento ímpar de nossa História, no qual se constituiu

uma elite esclarecida, capaz de dirigir o país; 3) a Primeira República, em especial a

questão da Constituição de 1891, promoveu em nossa história uma profunda desintegração

nacional e o maior fortalecimento das elites locais. Para Azevedo Amaral, estas

problemáticas questões foram propulsoras do espírito revolucionário de 1930.

Na segunda parte de sua obra, nomeada de Fase de Transição, Azevedo Amaral

narra a transição da Primeira República para o Estado Novo. Na terceira parte do livro

intitulada de A Primeira Constituição Brasileira, o intelectual se volta para o entendimento

daquilo que representou a Constituição Brasileira de 10 de Novembro de 1937. Após

evidenciar sua percepção acerca das nossas Constituições anteriores aos anos de 1937,

Azevedo Amaral afirma que não houve no Brasil uma Constituição mais realística do que

aquela confeccionada neste importante período de nossa história (AMARAL, 1938, p. 134).

No Estilo do Regime, quarta parte desta obra, o intelectual brasileiro defende o novo

Estado instituído das críticas que lhe acusam de fascista ou totalitário. Para ele, o

reconhecimento da autoridade do Estado e, consequentemente, a prerrogativa de sua ação

e intervenção não podem ser confundidos com formas de governo que, dentre as mais

problemáticas consequências, aniquilam e reduzem ao máximo o indivíduo e a

personalidade humana, tal como governos totalitários (AMARAL, 1938, p. 155). Além disso,

Azevedo Amaral afirma que governos autoritários não estão, necessariamente, em

contraposição à existência de regimes democráticos. Em relação a isso, o intelectual chega

a afirmar que a democracia, em determinadas circunstâncias, só poderia existir ou ser

assegurada pela existência de um Estado autoritário e forte capaz de defendê-la9.

9 “Felizmente, porém, o Estado Autoritário pode harmonizar-se com o estilo essencial do regime democrático. E podemos ir mais longe afirmando que somente uma forma de governo autoritário é

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Na quinta parte deste seu estudo, intitulada A Nação e o Estado, Azevedo Amaral

empreende mais uma defesa do Governo Vagas e de algumas de suas medidas, tal como a

“eliminação necessária dos partidos”. No capítulo VI desta obra, denominado Organização

Econômica, o intelectual brasileiro informa os grandes avanços conquistados pela política

econômica de Governo Vargas, avanços esses que vão desde o crescimento econômico e

industrial, até à conquista de importantes direito trabalhistas. Vale destacar neste capítulo a

divergência de Azevedo Amaral quanto ao investimento de capitais estrangeiros na

economia brasileira. Enquanto ele era favorável a essa prática, muitos de seus pares a

enxergava com maus olhos, como já mencionamos anteriormente neste trabalho.

Por fim, no seu último capítulo, nomeado de Autoridade e Liberdade, Azevedo

Amaral faz uma discussão sobre a relação entre interesses nacionais e liberdades

individuais. Nesse sentido, ele afirma que nenhum tipo de liberdade individual pode por em

risco os anseios e as necessidades coletivas. Pensar dessa forma, segundo o autor, não

significa se alinhar às ideologias de cunho fascistas ou bolcheviques (totalitárias). Nesta

afirmação, o grau de liberdade varia de acordo com o grau de afinidade entre os interesses

individuais e os interesses coletivos. Tal relação seria importante para, como lembra o autor,

fomentar o progresso social e político da sociedade brasileira. Não é por acaso que Bolivar

Lamounier argumenta que certos expoentes de nosso Pensamento Autoritário são avessos

às organizações e às mobilizações políticas, possuem uma visão orgânico-corporativa da

sociedade, ratificam uma visão paternalista e autoritária do conflito social e, por fim,

celebram o voluntarismo político como de fundamental importância para o progresso social e

político. Esta posição de Amaral, ao passo que ratifica a ideia de liberdade e anseios

individuais atrelados aos interesses e aos bens coletivos, elucida ainda mais tal questão.

O Estado Autoritário e a Realidade Nacional (1938) é uma obra complexa que

tentamos sintetizar em poucas palavras. De modo geral, vimos nela a exemplificação de

elementos colocados como definidores de um pensamento de cunho autoritário no Brasil.

Nesse sentido, acreditamos que o intelectual expressou posições alinhadas aos seus pares,

contudo, ele avança quando, por exemplo, diferencia autoritarismo de totalitarismo, quando

se posiciona a favor da necessidade de se aplicar capitais externos na economia brasileira,

para assim, desenvolvê-la e, quando faz importantes análises sobre a relação entre

governos autoritários e democracia e, acerca do vínculo entre autoritarismo – anseios

coletivos e comuns – e liberdades e interesses individuais.

capaz de permitir o desenvolvimento normal da democracia e das suas instituições, de modo a troná-las adequadas às soluções dos problemas mais complexos que surgem em todos os setores da vida das nações contemporâneos. Um exemplo significativo dessa verdade tem-se no próprio Estado Novo organizado pela atual Constituição Brasileira” (AMARAL, 1938, p. 177-178).

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5. Conclusão

Levando em consideração nossas análises, notamos que a definição de Pensamento

Autoritário, correntemente difundida em nosso Pensamento Social e Político, possui ligações

importantes com as ideias e o contexto de alguns dos principais autores vistos como

expoentes desta corrente intelectual. Tentando entender essa relação entre chave

conceitual/explicativa e as posições/teorizações de determinados intelectuais de nosso

Pensamento Autoritário, realizamos tanto o exame contextual do momento brasileiro

circunscrito entre os anos de 1889 e 1945, quanto uma revisão das interpretações de Bolivar

Lamounier, Evaldo Vieira e Wanderley Guilherme dos Santos (alguns dos principais

intelectuais brasileiros preocupados com o tema do autoritarismo no Brasil). Além disso,

elegemos para uma análise mais detida as principais ideias de Oliveira Vianna, Virgínio

Santa Rosa e Azevedo Amaral. O motivo dessa escolha se justificou, dentre outras coisas,

pela pouca frequência com que o pensamento destes intelectuais brasileiros é revisitado

(especialmente quando temos em mente as contribuições de Virginio Santa Rosa).

Com exceção de determinadas diferenças, as quais foram constantemente

abalizadas por nós neste artigo, verificamos que a possibilidade de reunir diversos autores

sobre o mesmo registro do Pensamento Autoritário Brasileiro só se efetiva pela junção de

posições ideológicas e características intelectuais: os expoentes do Pensamento Autoritário

no Brasil, ao passo que refletem sobre a formação e a realidade brasileira, propõem a

edificação de um Estado forte e interventor capaz de romper com as permissivas tradições

históricas e as atuais, à época, mazelas brasileiras, conduzindo assim, o Brasil ao

desenvolvimento e à modernização efetiva. Muitos destes intelectuais apoiaram e viram na

Era Vargas a possibilidade de se construir um Brasil Moderno através de um Estado

altamente centralizado e atuante, na maioria dos casos, verificamos que estes pensadores

foram statemakers, ou seja, trabalharam dentro do Estado durante os anos de 1930 e 1945.

Além disso, também podemos destacar como uma importante característica destes

intelectuais o fato de constantemente recusarem tanto os ideários, quanto algumas formas

de governos liberais, dessa forma, eles acentuavam a ideia de que o Brasil precisaria de

formas de poder adequadas às suas especificidades históricas e às atuais peculiaridades

sociais, políticas e, por vezes, como no caso de Oliveira Vianna, características culturais.

Por fim, acreditamos que a interpretação de Pensamento Autoritário dada pelos

pesquisadores brasileiros aqui consultados pode ser problematizada no sentido de observar

seus limites analíticos. Bolivar Lamounier, Evaldo Vieira e Wanderley Guilherme dos Santos

escreveram sobre o Pensamento Autoritário Brasileiro em momentos específicos da História

do Brasil e, assim como os autores denominados por eles de autoritários, refletem essa

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questão em suas teorizações e reflexões. No caso dos três primeiro autores supracitados,

verificamos que suas obras e trabalhos foram publicados em meados e no final dos anos de

1970. Os meados e o final dos anos de 1970 representaram no Brasil, dentre outras coisas,

o período no qual se deslumbrava, por parte da população e da intelectualidade brasileira, a

possibilidade de uma abertura política e da implementação de um governo efetivamente

democrático, após um regime ditatorial e militar instaurado no país em 1964.

Tal momento de nossa História resguardava – no horizonte – a possibilidade de

instauração da democracia. Assim, vale indagar, qual o peso da democracia – tanto como

possibilidade, quanto realidade – nas leituras que Bolivar Lamounier, Evaldo Vieira e

Wanderley Guilherme dos Santos faziam da intelectualidade brasileira existente entre os

anos de 1889 e 1945? Seria apropriado afirmar que a possibilidade de um governo

democrático ou a própria experiência democrática, influenciariam na recusa de quaisquer

ideias e posições afeitas à centralidade do Estado, à aversão a perspectivas liberais e à

necessidade de legitimar a autoridade – ação e intervenção – do Estado sobre a sociedade?

Nessa direção, estes intelectuais não estavam, ao passo que rejeitavam as ideias

autoritárias edificados no Brasil durante os anos de 1889 e 1930, fazendo essa recusa a

essa crítica justamente para proteger a possibilidade de uma democracia ou a democracia já

experimentada por eles?

Não temos a intenção de destituir dos pensadores autoritários as críticas que cercam

as suas posições como, por exemplo, o elitismo e o espírito antidemocrático intrínseco às

suas perspectivas políticas através de uma extensa relativização contextual. Contudo, é

importante destacar como observações distanciadas das realidades que propiciaram a

emergência de determinadas posições fazem com que elas pareçam absurdamente

estranhas em contextos mais contemporâneos quando, na verdade, é possível observar

algumas reminiscências das mesmas. Assim como afirma Boris Fausto, no livro O

Pensamento Nacionalista Autoritário, “convém enfatizar [em uma época em que se tornou

moda a relativização de conceitos e comportamentos] o caráter antidemocrático, racista e

elitista dos pensadores autoritários”, contudo, não seria producente “ignorar seu significado

histórico, assim como o valor de algumas de suas percepções”, de maneira geral, “temos

boas razões para não gostar dos nacionalistas autoritários, mas, em vários aspectos, não

podemos considera-los como simples relíquias do passado” (FAUSTO, 2001, p. 72-73). Ao

encontro dessa afirmação e interpretação liga-se a realização e a intenção desse artigo.

Referências AMARAL, Antônio José de Azevedo. O Estado Autoritário e a Realidade Nacional. 1ªEd. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938.

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