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1 IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA 08 a 10 de junho de 2016 GT4 - Teorias Feministas Representação política, estudos de gênero e modelo das coalizões de defesa: uma aproximação Cathy Mary do Nascimento Quintas (UEL - Especialista)

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IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

08 a 10 de junho de 2016

GT4 - Teorias Feministas

Representação política, estudos de gênero e modelo das coalizões de defesa:

uma aproximação

Cathy Mary do Nascimento Quintas (UEL - Especialista)

2

IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS GT4 – Teorias Feministas

Representação política, estudos de gênero e modelo das coalizões de defesa:

uma aproximação

Cathy Mary do Nascimento Quintas1

Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir a aplicação do Modelo das Coalizões de Defesa

(MCD) no estudo das relações entre representação política, estudo de gênero e militância

feminista. Desde 2007 tramita no Congresso Nacional a proposta de emenda constitucional 182

– PEC da Reforma Política. O déficit de representação das mulheres no Parlamento é fato

objetivamente reconhecido por estudiosos e políticos, sendo um dos temas inseridos nos debates

no contexto desta proposta de reforma política. Apesar da necessidade de aumento da

representação feminina não ser abertamente questionada pelos diversos grupos políticos que

atuam no Congresso Nacional, as propostas formuladas com o objetivo de incrementar esta

representação estão sendo barradas nas esferas de decisão. A proposta deste texto é apresentar

um estudo preliminar sobre como o MCD - Modelo das Coalizões de Defesa ( Advocacy

Coalition Framework (ACF), a Análise de Narrativa Política (ANP) - Narrative Policy

Framework (NPF) e a teoria linguística da Análise do Discurso (AD) podem se constituir

como modelo teórico – o primeiro – e instrumentos de análise – as segundas - aptos a

fundamentar estudos de Ciência Política que tenham por objeto a compreensão da atuação, no

interior do Congresso Nacional, dos grupos que atuam como coalizões de defesa. O objetivo é

apresentar uma breve análise do Modelo de Coalizões de Defesa (MCD) - (Advocacy Coalition

Framework – ACF) e seu potencial como referencial teórico idôneo para uma abordagem do

tema do déficit de representação feminina na política, a partir da compreensão da atuação dos

diversos grupos que atuam como coalizões no Congresso Nacional. Por se tratar de estudo de

um referencial teórico-metodológico, o estudo está centrado na problematização da bibliografia

que trata do citado referencial.

Palavras-chaves: Representação política; gênero; coalizões de defesa; análise de narrativa

política; análise do discurso.

1UEL; Especialista; [email protected]

3

1. Introdução

Desde 2007 tramita no Congresso Nacional a proposta de emenda constitucional da

Reforma Política – PEC 182/2007, que trata de diversos temas relacionados à alteração de

normas que regem o sistema político brasileiro. Dentre estes temas inclui-se a denominada “cota

de gênero”. Na prática, uma ‘reserva de vagas’ para as mulheres. O déficit de representação das

mulheres no Parlamento é fato objetivamente reconhecido por estudiosos e políticos, sendo um

dos temas inseridos nos debates neste contexto de reforma política. Apesar da necessidade de

aumento da representação feminina não ser abertamente questionada pelos diversos grupos

políticos que atuam no Congresso Nacional, as propostas formuladas com o objetivo de

incrementar esta representação estão sendo barradas nas esferas de decisão. Este texto propõe-

se a apresentar um estudo preliminar sobre como o MCD - Modelo das Coalizões de Defesa (

Advocacy Coalition Framework (ACF), a Análise de Narrativa Política (ANP) - Narrative

Policy Framework (NPF) e a teoria linguística da Análise do Discurso (AD) podem se

constituir como modelo teórico – o primeiro – e instrumentos de análise – as segundas - aptos

a fundamentar estudos de Ciência Política que tenham por objeto a compreensão da atuação,

no interior do Congresso Nacional, dos grupos que atuam como coalizões de defesa. Estas

coalizões podem ser definidas com agrupamentos que, em conflito aberto ou velado, de um

lado buscam a aprovação de propostas legislativas que veiculam propostas legislativas com

ações afirmativas que visam aumentar a representação feminina nas casas parlamentares e, de

outro, atuam no sentido de impedir que estas propostas sejam efetivamente acolhidas e

implementadas.

O objetivo é apresentar uma breve análise do Modelo de Coalizões de Defesa (MCD)

- (Advocacy Coalition Framework – ACF) e seu potencial como referencial teórico idôneo

para uma abordagem do tema do déficit de representação feminina na política, a partir da

compreensão da atuação dos diversos grupos que atuam como coalizões no Congresso

Nacional. A premissa é utilizar o modelo teórico para se buscar a compreensão de como atuam

as coalizões pró e contra aumento do espaço das mulheres nas instâncias de decisão política,

utilizando como objeto imediato da pesquisa os discursos que compõem as narrativas políticas

– discursos estes emanados da “coletividade” de parlamentares que atuam em bloco (em um ou

outro sentido), orientada pela perspectiva dos estudos de gênero.

Neste contexto, o intuito é apresentar um breve resumo sobre as proposições do MCD,

com a descrição do modelo teórico e seus principais fundamentos.

4

Em seguida, será apresentada a fundamentação da escolha do modelo teórico através

do estabelecimento de correlação entre as premissas do modelo e as características do objeto de

pesquisa (propostas de abordagem), ressaltando que serão utilizados como instrumental da

pesquisa a Análise de Narrativa Política - Narrative Policy Framework (NPF) e a Análise

do Discurso (AD).

Finalmente serão descritos os possíveis objetos imediatos de pesquisa, quais sejam,

proposições legislativas, leis, discursos, etc, com especial destaque aos pareceres e relatórios

apresentados e debatidos na fase preparatória para a votação da emenda aglutinativa n. 57,

relativa à proposta de emenda constitucional – PEC 182/07 - Reforma Política, que tratava da

reserva de cadeiras por gênero nas câmaras municipais, assembleias legislativas e Câmara dos

Deputados.

2. Perspectivas teóricas e metodológicas: Modelo das Coalizões de Defesa (MCD) -

Advocacy Coalition Framework (ACF), Análise de Narrativa Política - Narrative Policy

Framework (NPF) e Análise do Discurso (AD)

Para orientar e fundamentar um estudo sobre os grupos que se articulam no interior

do Congresso Nacional para promover ou, em sentido contrário, para vetar o aumento da efetiva

participação de mulheres nas casas parlamentares, propõe-se a utilização de um referencial

teórico (Modelo das Coalizões de Defesa) e dois referenciais metodológicos e instrumentais

(Análise da Narrativa Política e Análise do Discurso), conforme descritos a seguir.

O Modelo das Coalizões de Defesa (MCD) foi desenvolvido a partir de 1988 por Paul

A. Sabatier – Professor da Universidade da Califórnia / USA – como perspectiva teórica

orientada para a análise dos fatores que influenciam as mudanças nas políticas públicas a

longo prazo (décadas). Nas palavras de Vicente e Calmon (2011, p. 01), o modelo “parte de

um conjunto de premissas e, por meio de um modelo teórico, aspira explicar a formulação e as

mudanças nas políticas públicas, tendo como base múltiplas variáveis”. Segundo os mesmos

autores, o objetivo do modelo teórico é o de buscar compreender a importância e o papel de

atores e de ideias no processo de mudança nas políticas públicas, considerando a formação

de coalizões de defesa, nas quais pessoas (atores / players) compartilham um determinado

sistema de crenças sobre assuntos políticos fundamentais e realizam ações coordenadas ao

longo do tempo.

As coalizões de defesa configuram-se com o objetivo de influenciar o direcionamento

das diversas políticas públicas, utilizando estratégias e recursos com o fim de, concretamente,

fazer prevalecer um determinado sistema de crenças (valores, ideias, objetivos políticos, etc).

5

Formam-se, portanto, visando fins concretos, a transformação de uma dada realidade,

configurando um cenário de “crenças em ação”.

Nesta perspectiva, discute-se a adequação dos instrumentais teórico-metodológicos

disponibilizados pelo MCD aos estudos de gênero na esfera da representação política, a partir

de uma realidade em que grupos opostos articulam-se como o objetivo de incrementar ou

impedir o aumento da participação feminina na política.

Ainda segundo Vicente e Calmon (2011, p. 3) , o MCD procura demonstrar como os

grupos concorrentes “competem por ‘políticas vencedoras’ num determinado subsistema

usando estratégias políticas para afetar favoravelmente decisões, bem como informações

técnicas e científicas para mudar pontos de vista de outras coalizões.”

Por estar fora do espectro de abordagem deste trabalho, a estrutura do modelo teórico

não será aqui tratada minuciosamente, sendo suficiente apontar, no âmbito deste texto, que o

referencial teórico do MCD permite entender como se operam as mudanças nas políticas

públicas, com ênfase na importância dos atores e das ideias.

Lopes (2015, p. 08) afirma que, segundo Sabatier, a construção do referencial teórico

do MCD baseou-se em cinco premissas:

(i) Teorias sobre o processo de formulação ou alteração de políticas públicas

necessitam dedicar-se ao papel desempenhado no processo pelas informações

técnicas relativas à magnitude e às facetas do problema, às suas causas e aos prováveis

impactos das várias soluções;

(ii) A compreensão do processo de mudança política requer uma perspectiva de

tempo de uma década ou mais;

(iii) A unidade de análise mais útil para entender a mudança política não é uma

organização ou um programa específico, mas sim um subsistema de políticas

públicas, entendido como o conjunto de atores individuais ou coletivos, de

organizações públicas e privadas, que estão ativamente preocupados com

determinada questão de política pública e que regularmente tentam influenciar

as decisões nesse domínio;

(iv) O subsistema de políticas públicas é mais amplo do que a noção tradicional dos

“triângulos de ferro”, limitados a agências administrativas, comissões do Legislativo

e grupos de interesse num nível único de governo, e abarca também atores como

jornalistas, pesquisadores e analistas políticos, bem como agentes de todos os níveis

de governo que sejam ativos na formulação e implementação da política; e,

(v) Os programas e políticas públicas incorporam teorias implícitas de como atingir

seus objetivos e, por isso, podem ser conceituados na forma de sistemas de crenças

(SABATIER, 1999, p. 118-121). (grifou-se).

6

Partindo-se das cinco premissas fixadas, nota-se que o MCD proporciona um

conjunto metodológico apto a fundamentar estudos e pesquisas relacionados ao embate

entre defensores e contrários à construção de políticas públicas que visem ampliar a

participação feminina na cena política brasileira. Apontamos a correlação entre os

pressupostos do modelo teórico e as situações fáticas correspondentes:

1- Informações técnicas: a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados e a Procuradoria

da Mulher do Senado, além de outras instituições da sociedade civil que trabalham em parceria,

promovem estudos e debates sobre a condição feminina, inclusive disponibilizando vários estudos e

publicações2, além de cursos on line sobre gênero e atuação legislativa3; há também inúmeras

publicações acadêmicas que dão suporte à compreensão do processo de verdadeira obstrução à

participação feminina nos processos políticos decisórios mais importantes.4

2- Aspecto temporal: embora o estudo futuro também pretenda abordar projetos de alteração

constitucional mais recentes (PEC 134/2015, por exemplo), o objeto de estudo é a narrativa política

do embate em torno da luta por uma maior presença de mulheres na política em geral e nas casas

legislativas em particular; importante marco temporal é a Lei n. 9.100/1995 (20% das vagas das chapas

obrigatoriamente para candidaturas femininas), sendo que discussão sobre a reserva de cadeiras está

inserida no contexto da reforma política (PEC 182/2007); assim, nota-se quer as coalizões atuam há

pelo menos duas décadas dentro do Congresso Nacional, fato que permite a utilização do MCD para

a compreensão dos projetos de políticas públicas voltadas a esta tentativa de fortalecimento da

participação da mulher na política nacional;

3- Subsistema de políticas públicas, atores e ideias: a participação política das mulheres

está tanto inserida nos debates de uma política pública mais geral de discussão sobre igualdade de

gênero quanto no contexto da reforma política; atores e ideias também estão bem definidos em cada

uma das coalizões de defesa;

4- Conjunto de atores mais amplo: embora a atuação dos parlamentares seja o foco principal

desta proposta de estudo, resta demonstrado que os discursos e narrativas são construídos a partir

da interação de uma ampla gama de atores, com destaque para a sociedade civil organizada

(movimentos sociais), jornalistas, etc;

2 Material disponível em https://www12.senado.gov.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes

3 Curso disponível em http://www2.camara.leg.br/a-camara/secretaria-da-mulher/noticias/curso-de-genero-e-

atuacao-legislativa

4 Há exatos dois dias, em 12/05/16, efetivou-se o afastamento preliminar da Presidente da República, Dilma

Roussef, em razão de procedimento de impeachment; tomou posse como Presidente em exercício Michel Temer,

que nomeou um ministério formado integralmente por homens; alvo de duras críticas na mídia, justificou-se

dizendo que “os ministros foram indicados pelos partidos”; é um claro reflexo da ausência de força política das

mulheres no âmbito de decisão dos partidos políticos no Brasil.

7

5- Teorias implícitas e sistemas de crenças: as resistências em relação à ampliação da

participação das mulheres nas esferas de decisão e poder político, calcadas em diferentes crenças e

motivações, claramente espelham a dinâmica de uma cultura discriminatória e machista que é

observável no quotidiano de todas as relações humanas, em especial na sociedade brasileira; a violência

contra a mulher é apenas um dos aspectos, objetivamente demonstráveis, que comprovam a crença

corrente de que as mulheres são “inferiores”; no âmbito da representação política, os discursos pró e

contra a ampliação da efetiva presença de mulheres nas casas legislativas explicitam um arraigado

conjunto de crenças e valores morais (sendo que estes mesmos discursos exercem a função de

construir e ampliar este conjunto de crenças, são constitutivos deles, não apenas o seu reflexo).

Em suma, o MCD propõe uma análise de subsistemas para se chegar à compreensão

da dinâmica das mudanças nas políticas públicas, configurando-se- como referencial teórico

apto a ser utilizado nos estudos sobre as questões de gênero que permeiam o universo da

representação política.

2.1 O MCD e sua aplicação nos estudos de gênero na esfera da representação política

É importante salientar que a abordagem proposta não parte de um tema – mulheres

na política - mas sim dos valores e vieses (perspectivas) sobre os quais se constrói o sistema

político.5 O ponto de partida é o significado que os temas que de fato entram na arena de

discussão política tem na dimensão das propostas de reestruturação e redistribuição do poder.

Assim, adotando-se também a perspectiva de Lowi (2015), o pressuposto é o de que a

discussão em torno das cotas de gênero insere-se na arena do embate por redistribuição do

poder político.

Segundo este Autor, diferentemente das políticas distributivas (nas quais beneficiados

e não-beneficiados não precisam entrar em confronto direto) e das políticas regulatórias (nas

quais também há uma escolha direta de quem será favorecido e quem será desfavorecido, mas

sem confronto direto), “a natureza de uma questão redistributiva determina-se mais pelas

expectativas a respeito do que ela possa ser, ou do que ela ameaça ser, do que propriamente

pelos resultados de uma disputa sobre quão redistributiva ela efetivamente é ou será”.(LOWI,

2015, p. 03)

Note-se que esta distinção entre políticas distributivas, regulatórias e redistributivas

aplica-se efetivamente ao caso concreto: a proposta da PEC 134/2015 é de que a reserva de

vagas ocorra nas três legislaturas subsequentes à aprovação da emenda constitucional, com uma

5 Na linha da crítica à abordagem pluralista proposta por BACHRACH E BARATZ (2011).

8

reserva de 10% das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados. Atualmente há 53 parlamentares

do gênero feminino na casa, o que corresponde a 9,67 % das vagas. Ou seja, na prática, com o

aumento de somente uma parlamentar (lembremos, num universo de 513) já se alcançaria o

número mínimo exigido. Mas a resistência não está relacionada à cota de cadeiras na Câmara

Federal, mas à expectativa em relação à possibilidade de crescimento exponencial da

representação feminina em nas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, onde o

percentual de cadeiras ocupadas por mulheres é bastante inferior, chegando a ser zero em

muitos municípios. De fato, é a expectativa em relação à profunda mudança que a presença

expressiva de mulheres nos poderes legislativos de todo o país poderia efetuar na redefinição

da distribuição do poder nas arenas de decisão é que se constituiu como cenário que leva à

resistência de uma das coalizões.

Ainda segundo Lowi (2015, p. 06), na arena distributiva o relacionamento político

ocorre a partir de interesses individuais, de “não interferência mútua”, sendo que uma coalizão

estruturada nesta base “não se molda no conflito, no compromisso e em interesses que se

tangenciam”. Contrariamente, “as questões que envolvem redistribuição, mais do que

quaisquer outras, implicam divisões em termos do que se pode chamar, grosso modo, de

divisões de classes sociais, ativando interesses com uma amplitude dessa espécie”. (LOWI,

2015, p. 15)

Resta claro, assim, que as propostas de reservas de vagas - cotas por gênero - nas

eleições parlamentares6 tem um nítido viés redistributivo, em que as “classes sociais” citadas

por Lowi podem ser descritas como os grupos de interesses formados por aqueles que estão

engajados nas discussões das questões relacionadas à falta de equidade entre os gêneros e por

seus antagonistas. Embora os contrários às cotas atuem em bloco nas votações de temas

correlatos relacionados às questões de gênero, o fazem por motivações bastante diversas, em

contraposição à “relativa homogeneidade” daqueles que defendem os avanços nas questões de

gênero e do empoderamento feminino.7

E estar dentro deste palco de deliberações – que muitas vezes mais se conforma como

uma interdição às decisões – é uma maneira singular das mulheres se constituírem no século

6 Note-se que não se aplica ao Senado Federal, que na estrutura bicameral tem a função de representar os Estados

Federados; restringe-se às casas parlamentares nas quais está configurada a representação da população. 7A Lei n. 13.272/2016, aprovada em 15/04/16, institui o Ano de 2016 como o Ano do Empoderamento da Mulher

na Política e no Esporte.

9

XXI. Apesar de se referir a outro tempo histórico, DIAS (1995, p. 13) capta com maestria este

impulso de ressignificação:

A reconstrução dos papéis sociais femininos, como mediações a possibilitarem a

sua integração na globalidade do processo histórico de seu tempo, parece um modo

promissor de lutar contra o plano dos mitos, normas e estereótipos. O seu modo

peculiar de inserção no processo social pode ser captado por meio da reconstrução

global das relações sociais como um todo. (grifou-se)

Partindo desta ideia de transformação social, é possível afirmar que a reconstrução do

papel da mulher no cenário parlamentar não ocasionará uma alteração apenas da condição

feminina no cenário político, mas da sociedade como um todo, e nas mais diversas esferas.

2.2 Instrumental teórico (Análise da Narrativa Política e Análise do Discurso) e possível

objeto imediato de pesquisa: propostas legislativas, discursos e pareceres - construindo o

cenário do embate político

Como possibilidade de objeto na abordagem de pesquisa, o estudo de discursos e

pareceres elaborados pelas assessorias parlamentares e veiculados nas sessões de debates, em

Comissões e Plenários, assim como os textos legais efetivamente aprovados, podem ser

tomados como caminho que permite dimensionar o grau de embate e tensão política entre os

grupos pró e contra a ampliação da representação feminina. A linguagem, constitutiva deste

universo de disputa, permite o acesso às denominadas “teorias implícitas e sistemas de crenças”

que são materializadas na atuação concreta das diferentes coalizões de defesa.

E o MCD, a partir do instrumental teórico e metodológico proposto pela Análise de

Narrativa Política - Narrative Policy Framework (NPF), mobiliza inúmeros referenciais aptos

a fundamentar pesquisas na área da Ciência Política.

LOPES (2015, p. 02 e ss.) define o que é uma Narrativa Política, na perspectiva

apontada:

As Narrativas Políticas são histórias que contêm “começo, meio e fim”; vilões e

heróis; perdas e ganhos; e, sobretudo, uma moral (soluções políticas). E por que estes

elementos narrativos são importantes? Por meio de sua análise, podemos

compreender aquilo que é considerado a pedra fundamental das articulações e

mudanças políticas: as ideias e os interesses. Este método é encontrado em estudos

internacionais recentes, mas, pouco abordado no Brasil. Ele é um dispositivo

fundamental para se entender a atuação de uma determinada “coalizão de

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militância” na mudança de paradigma ou vice-versa, já que ambos são

componentes autônomos no processo decisório. Como podemos afirmar

(comprovar) que houve alteração no paradigma que informava uma determinada

política? A reposta é dada pela Análise de Narrativa.

[...]

A Análise de Narrativa Política apresenta os fatores implícitos da Política, como

ideias, interesses e valores individuais, regras e procedimentos organizacionais,

características do ambiente socioeconômico no qual operam as instituições envolvidas

no momento da elaboração da agenda, além do paradigma em que este processo está

inserido.

[...]Sabemos que a política pública não deve ser entendida na visão pluralista, como

aquilo que o Estado faz (algo perceptível), mas, também por aquilo que ele deixa de

fazer, como ressaltaram BACHACH E BARATZ (1962) e DYE (1976). Uma não-

intervenção estatal, também é uma forma de política pública (mesmo que implícita).

(grifou-se)

Segundo Weible et ali (2011, p. 353), a Análise de Narrativa Política, através do estudo

de diálogos, textos ou discursos, tem o olhar voltado para a percepção de como as narrativas

influenciam os processos políticos:

a Análise da Narrativa Política oferece um novo método de investigação que pode ser

transparente e sistemático na análise e que amplia o MCD, conjugando uma

racionalidade orientada e um sistema de crenças com uma interpretação da

construção social em uma avaliação de como as coalizões se comportam na

concepção de suas estratégias8. (grifou-se)

Neste ponto, é fundamental observar que as narrativas se constroem através da

linguagem. Mas, como observa Orlandi (1996), “não são apenas as palavras e as construções,

o estilo, o tom que significam”. É fundamental observar que “há aí um espaço social que

significa. O lugar social do falante e do ouvinte, o lugar social da produção do texto, a forma

de distribuição do texto [...] tudo isso significa”. (grifou-se)

Da mesma forma, a Análise da Narrativa Política não pode ser compreendida como

um “simples” estudo do texto escrito ou falado, mas também do contexto que se incorpora à

narrativa que se produz, uma aproximação com a construção fundamental que esta própria

8 Tradução livre, p. 353. the NPF offers a new method of inquiry that can be transparent and systematic in analysis

and that widens the ACF by marrying bounded rationality and belief systems with an interpretation of social

construction in assessing how coalitions engage in strategic framing.

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linguagem opera. Atores e ideias não apenas se utilizam da linguagem, são construídos por

ela.

E para a compreensão deste processo de materialização, em que linguagem e

enunciador mutuamente se constroem, a Análise do Discurso (AD) oferece instrumental

teórico e metodológico capaz de promover a ampliação do espectro desta proposta de pesquisa.

Conforme ensina Orlandi (1996, p. 21), as implicações entre texto e contexto são bem

mais estreitas do que se costuma considerar. Embora a análise do discurso tenha como unidade

o texto, este não se resume ao conjunto de palavras graficamente agrupadas. Na perspectiva da

análise do discurso, o texto é definido pragmaticamente como “a unidade complexa de

significação, consideradas as suas condições de produção. O texto se constitui, portanto, no

processo de interação.”

E este processo de interação entre atores, ideias e sistemas de crenças, que produz o

texto como unidade de significação, ajusta-se à perspectiva de estudo do tema da narrativa

condutora em questão, que pode ser definido como a história da luta política para a aprovação

de projetos legislativos e políticas públicas que promovam a efetiva ocupação, por mulheres,

de espaços de decisão política nas casas parlamentares nacionais.

A percepção é a de que o discurso discriminatório é, ao mesmo tempo, óbice à

emancipação e incrementador da situação de exclusão, como observa Salgado (2015, p. 13):

Diante dessa situação[de exclusão do cenário político], é imperativo falar sobre os

obstáculos simbólicos que impedem a candidatura das mulheres. Suas trajetórias

sociais e sua situação estrutural frente às relações de gênero, junto às políticas

institucionais e à maneira que a competição eleitoral funciona no país não lhes

oferecem um cenário favorável [...]. É necessário contemplar as intersecções entre as

relações sociais de gênero, com seu arsenal de preconceitos e estereótipos

manifestados nos espaços públicos. A partir daí, faz-se a análise das características

do sistema político e eleitoral, que podem ser mais ou menos favoráveis ao ingresso

dos setores historicamente excluídos no campo político. (grifou-se)

Importante ressaltar, dessa forma, que não se trata de promover o estudo da história da

luta feminina por uma maior participação na esfera política. Ainda que ficasse adstrito ao caso

brasileiro, tratar-se-ia de espectro amplo demais, que está muito além do alcance de um texto

acadêmico deste porte, de contornos limitados.

O tema proposto está restrito, assim, a uma breve análise dos referenciais teóricos e

instrumentais de pesquisa citados (Modelo das Coalizões de Defesa, Análise da Narrativa

12

Política e Análise do Discurso) e a referência à aptidão que demonstram para fundamentar o

estudo da atuação das coalizões de defesa. E o enfoque da pesquisa está no exame de propostas

legislativas de alteração constitucional que visam garantir uma efetiva reserva de cadeiras na

Câmara Federal, Câmara Legislativa do Distrito Federal, Assembleias Legislativas Estaduais e

Câmaras Municipais ao gênero minoritário da disputa eleitoral em questão. Tudo na perspectiva

de que o discurso que se materializa no texto é resultado da complexa interação entre

atores, ideias, linguagem e a condição de produção. Não há cisão entre texto e contexto, mas

movimento, interação, construção recíproca e unidade de significação entre eles. E é esta

reciprocidade que se pretende decifrar.

Sobre este universo de constituição do discurso na esfera política, interessante atentar

para as palavras de Christofoletti ( 2000, p. 37):

O político só tem o discurso. É esta a moeda na política entre os partidos e entre os

candidatos, é esta a arma contra os adversários. O discurso ainda é a isca para o

eleitor, é o chamariz para as massas. É no discurso que reside o espírito e o sumo da

política, para além dos conchavos, das proposições parlamentares, das assinaturas de

decretos, da execução de leis e ordens. É no discurso que a política repousa, é ali que

ela se realiza, que se contrai e se expande. Seja no comício, na tribuna, na campanha,

no pronunciamento pela televisão. O político se materializa no discurso, porque é

neste plano que suas convicções (e seus logros), seus planos (e seus segredos), seus

posicionamentos (e suas omissões) ficam marcadas. (grifou-se)

Interessante notar que a Emenda Aglutinativa nº 579 precisaria ter alcançado 308 votos

favoráveis na Câmara dos Deputados (três quintos de 513 membros da Câmara) para que sua

tramitação tivesse sequência. Faltaram somente quinze votos para a aprovação em primeiro

turno, sendo que o número de abstenções foi extremamente alto10 (53 votos), situação

incomum neste tipo de votação. Verifica-se, portanto, que a omissão é constitutiva do texto.

Neste cenário, a tentativa de compreensão do embate político que se trava entre as (os)

que defendem a reserva de vagas por cotas de gênero e aqueles que a repudiam pode partir da

análise dos discursos proferidos pelos lados em confronto. Materializados em pareceres,

discursos e outros pronunciamentos nas sessões das Comissões Temáticas e do Plenário da

9 A Emenda Aglutinativa 57 reuniu as diversas emendas apresentadas no âmbito da PEC 182/2007 e que tratavam

da hipótese de reserva de vagas para cotas de gênero. 10 Em conversar informais com deputadas federais e assessoras(es) que estavam presentes no plenário na data da

votação, foi recorrente a descrição do voto de abstenção como estratégia dos que eram contrários à aprovação: 53

foi três vezes superior ao número de votos faltantes (15) que seriam necessários à aprovação da PEC. Os

contrários, sem conseguir convencer alguns Colegas a votar contra e emenda, sugeriam, com palavras

explicitamente pejorativas, a abstenção como estratégia “para não ficar mal com a mulherada”. Importante ressaltar

que a abstenção foi decisiva para a rejeição da emenda.

13

Câmara dos Deputados, tal proposta de análise deve passar também pelo reconhecimento de

uma interdição: a omissão, o “passo para trás”, estes foram as “celebridades” no cenário da

decisão sobre o destino da Emenda Aglutinativa nº 57.

Neste contexto, a palavras de Foucault (1996, pgs. 8-10) apontam o caminho:

... suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo

controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de

procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu

acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.

Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão.

O mais evidente, o mais familiar também, é a interdição. Sabe-se bem que não se tem

o direito de dizer tudo, que não se pode falar tudo em qualquer circunstância, que

qualquer um, enfim, não pode falar qualquer coisa. [...] em nossos dias, as regiões

onde a grade é mais cerrada, onde os buracos negros se multiplicam, são as regiões da

sexualidade e da política: como se o discurso, longe de ser esse elemento

transparente ou neutro no qual a sexualidade se desarma e a política se pacifica,

fosse um dos lugares onde elas exercem, de modo privilegiado, alguns de seus

mais temíveis poderes. Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa,

as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e o

poder. [...] o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de

dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos

apoderar. (grifou-se)

Foi a ausência, o calar, que induziu ao fato: a proposta de emenda foi rejeitada. O

acontecimento regeu-se pela interdição. O silêncio foi um decisivo produtor do sentido.

E estudos na área da Linguística, em especial a partir das premissas da Análise do

Discurso de Escola Francesa11, jogam luz no caminho para a compreensão deste fato, da

ausência como presença. Ensina Orlandi (1995, p. 15 e 31):

... através da reflexão sobre o silêncio, reflexão que tem como base a formulação de

questões que pensassem o ‘não dito’ discursivamente para que se tornassem visíveis

aspectos deste que não aparecem no tratamento linguístico ou pragmático dado a ele,

também alguns aspectos da análise de discurso se tornaram mais claros.

11 ORLANDI, Eni. 2005. “ análise de discurso se constitui na conjuntura intelectual do estruturalismo do final dos

anos 60, em que a grande questão é a relação da estrutura com a história, do indivíduo com o sujeito, da língua

com a fala, assim como se interroga a interpretação. Tomo em conta que a passagem que se faz é justamente a

passagem que coloca em questão as noções de sujeito, de indivíduo, de língua, de fala, de história e de

interpretação, então vigentes, assim como se procura ultrapassar as dicotomias estabelecidas e pôr em questão a

suposta transparência do sentido. Para isto a análise de discurso reúne, deslocando, língua-sujeito-história,

construindo um objeto próprio, o discurso, e um campo teórico específico”.

14

[...]

Chegamos então a uma hipótese que é extremamente incômoda para os que trabalham

com a linguagem: o silêncio é fundante. Quer dizer, o silêncio é a matéria significante

por excelência, um continuum significante. O real da significação é o silêncio. E como

o nosso objeto de reflexão é o discurso, chegamos a uma outra afirmação que sucede

a essa: o silêncio é o real do discurso.

Diante desta constatação, entende-se que é possível, em alguma medida, trazer para a

Análise da Narrativa Política (ANP) o instrumental teórico construído pela Análise do

Discurso (AD). Orlandi (1996, p. 12-13) define este instrumental teórico:

...embora pressuponha a Linguística, se distingue dela em pontos cruciais, pois não é

nem uma teoria descritiva, nem uma teoria explicativa. A AD se pretende uma

teoria crítica que trata da determinação histórica dos processos de significação.

[...] visa menos a interpretação do que a compreensão do processo discursivo, [...]

problematiza a atribuição de sentido(s) ao texto, procurando mostrar tanto a

materialidade do sentido como os processos de constituição do sujeito, que instituem

o funcionamento discursivo de qualquer texto. (grifou-se).

Configura-se, assim, como possível objeto imediato de pesquisa, o conjunto de

discursos (pareceres, relatórios, etc) que foram apresentados no debate da Emenda

Aglutinativa12 n. 57, apresentada como emenda à PEC 182/2007. Vislumbra-se também, como

objeto de estudo, o mesmo conjunto de pronunciamentos que se relacionam à PEC 98/ 201513

Senado Federal e PEC 134/201514 da Câmara dos Deputados.

E, neste ponto, a utilização da AD como instrumental teórico e perspectiva da Análise

de Narrativas Políticas mostra-se adequada e efetiva: a linguagem, utilizada no embate da

disputa política, não é um simples meio de expressão do conflito, ela é parte inerente ao

12 Regimento interno da Câmara dos Deputados. Art. 118. Emenda é a proposição apresentada como acessória de

outra, sendo a principal qualquer uma dentre as referidas nas alíneas a a e do inciso I do art. 138.

§ 1º As emendas são supressivas, aglutinativas, substitutivas, modificativas ou aditivas.

[...] § 3º Emenda aglutinativa é a que resulta da fusão de outras emendas, ou destas com o texto, por transação

tendente à aproximação dos respectivos objetos. 13 PEC 98/2015. Ementa: Acrescenta artigo ao Ato das Disposições Transitórias da Constituição para reservar

vagas para cada gênero na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito

Federal e nas Câmaras Municipais, nas três legislaturas subsequentes. Decisão: Aprovada pelo Plenário.

Remetida à Câmara dos Deputados. Disponível em http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-

/materia/122308. Acesso em 04/04/16. 14 Ao ser remetida para a Câmara dos Deputados, a PEC 98/2015 do Senado Federal passou a tramitar como PEC

134/2015. Aguarda votação do parecer da relatora na Comissão de Constituição e Justiça. Disponível em

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1724716 . Acesso em 14/05/16.

15

cenário construído na disputa pelo poder, é ela própria que conduz o sentido e a

materialidade das narrativas políticas que vão se constituindo.

Neste ponto, esta proposta de alteração legislativa dirige-se diretamente ao epicentro

da luta pela distribuição do poder, a partir da articulação política e atuação concreta das

bancadas parlamentares femininas. Nesta perspectiva, o discurso, ao mesmo tempo, é

construído e constrói. E põe em questão o funcionamento da política, conforme nos ensina

Bobbio (1992, p. 143/5):

o alfa e o ômega da teoria política é o problema do poder: como o poder é adquirido,

como é conservado e perdido, como é exercido, como é defendido e como é

possível defender-se contra ele.[...] Toda a história do pensamento político pode ser

distinguida conforme se tenha posto o acento [...] no dever da obediência ou [...] no

direito à resistência (ou à revolução)”

[...]

Enquanto contrária à aceitação, a contestação se refere, mais do que a um

comportamento de ruptura, a uma atitude de crítica, que põe em questão a

ordem constituída sem necessariamente, pô-la em crise. Lavau observa,

corretamente, que a contestação ‘supera o âmbito do subsistema político para atingir

não só sua ordem normativa, mas também os modelos culturais gerais (o sistema

cultural) que asseguram a legitimidade profunda do subsistema político. [...] se a

resistência culmina essencialmente num ato prático, numa ação ainda que apenas

demonstrativa [...] a contestação, por seu turno, expressa-se através de um discurso

crítico, num protesto verbal, na enunciação de um slogan. (grifou-se)

As situações descritas por Bobbio podem ser observadas no funcionamento das

disputas de poder que envolvem questões de gênero no interior do Congresso Nacional: não

se quer acabar com um determinado modelo (democracia parlamentar representativa), mas sim

contestar a forma de seu funcionamento.

Considerações finais

Apesar dos avanços legislativos das duas últimas décadas, em 16 de junho de 2015 a

Emenda Aglutinativa n. 57 foi rejeitada pelo plenário da Câmara dos Deputados. A emenda

previa o art. 101 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reservar vagas para

cada gênero na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, na Câmara Legislativa

do Distrito Federal e nas Câmaras Municipais, nas 3 (três) legislaturas subsequentes.

No entanto, embora esta tenha sido considerada uma relativa derrota da bancada

feminina, a coalização que defende a ampliação da participação feminina nas casas

16

parlamentares, que não é formada só por mulheres, conseguiu articular no Senado uma

proposição em quase tudo similar15 à que foi rejeitada, proposta que já foi aprovada em dois

turnos no Senado e está em tramitação na Câmara dos Deputados - PEC 134/2015.

Tal circunstância evidencia o poder de articulação da coalizão ligada ao movimento

que defende a participação de mais mulheres na política. Apesar de não ter sido suficientemente

forte para promover a aprovação da Emenda Aglutinativa nº 57 na votação na Câmara dos

Deputados (por apenas 15 votos, sendo que foi de 53 o número de abstenções, conforme já

explicitado), a coalização de defesa está estruturada e pôde promover o imediato retorno do

tema à agenda parlamentar.

O exame do contexto em que ocorreram as votações de matérias relativas a propostas

legislativas que visam aumentar efetivamente a participação feminina nas casas parlamentares

do Brasil - em especial a votação da Emenda Aglutinativa n. 57, proposta no plenário da Câmara

dos Deputados por ocasião da votação da reforma política PEC 182/2007 - possibilita a

identificação clara de dois grupos que atuam em defesa de interesses antagônicos e se

articulam internamente em maior ou menor grau, mas que agem com propósitos claros: de um

lado, o de promover o empoderamento feminino no universo da política e, de outro, barrar esta

pretensão.

É de se concluir, com base no exposto, que a perspectiva teórica construída pelo

Modelo de Coalizões de Defesa (MCD) - operacionalizada através dos instrumentais teóricos

e metodológicos da Análise de Narrativa Política (ANP) e também da Análise do Discurso de

Escola Francesa (AD) – constitui-se em referencial apto a fundamentar estudos de Ciência

Política que tenham por objeto as estratégias de atuação, no interior do Congresso

Nacional, dos grupos que atuam como coalizões de defesa, contra ou a favor de ações

afirmativas materializadas em políticas públicas que possam promover o empoderamento

feminino na esfera política nacional. Permite, assim, compreender como se articulam

atores/players neste universo de avanço das lutas feministas não só na conquista de direitos,

mas na direção de uma efetiva disputa direta nos espaços de decisão política.

15 Trata-se da citada PEC 98/2015. A única alteração substancial diz respeito à ampliação do percentual de

reserva de vagas na terceira legislatura, que foi ampliada de 15 para 16%.

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